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Quatro
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Diário da gravidez de um
bebê com anencefalia
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Quésia Tamara Mirante Ferreira Villamil
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Quatro
Meses
Diário da gravidez de um
bebê com anencefalia
Belo Horizonte
2012
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Os Últimos Quatro Meses
Quésia Tamara Mirante Ferreira Villamil
Direitos exclusivos
Copyright © 2012 by Quésia Tamara Mirante Ferreira Villamil
Folium
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V715o
Villamil, Quésia Tamara Mirante Ferreira
Os últimos quatro meses: diário de gravidez de um bebê com
anencefalia. / Quésia Tamara Mirante Ferreira Villamil. – Belo
Horizonte: Folium, 2012.
236 p. ; il.,
1. Obstetrícia. 2. Patologia do feto. 3. Anomalias do feto.
I. Título.
CDU: 618.2
618.33
618.33
ISBN 978-85-88361-55-3
Todos os direitos autorais estão reservados e protegidos pela Lei nº 9.610 de 19 de
fevereiro de 1998. É proibida a duplicação ou reprodução desta obra, no todo ou
em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico,
gravação, fotocópia ou outros), sem a permissão prévia, por escrito, do autor.
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Alguns Esclarecimentos e Agradecimentos
“Os últimos quatro meses” foi escrito de maneira bastante espontânea. As
coisas foram acontecendo e eu fui escrevendo. Preferi preservar todos os termos
técnicos utilizados nos meus diálogos, porque refletem a minha realidade, a minha vida, o meu dia-a-dia.
Mas pensei que talvez os leitores não médicos pudessem se sentir confusos
em meio a tantos nomes e termos científicos. Então notas explicativas foram colocadas ao pé das páginas onde os termos aparecem. Agradeço à Flávia Ribeiro,
pelo apoio na produção das notas. A partir delas os leitores poderão entender o
que eu quis dizer nos diálogos e e-mails onde aparecem palavras em itálico – a
explicação virá na mesma página.
Agradeço também às pessoas especiais que me apoiaram e me incentivaram na produção deste livro: Magda Roquete, revisora, Gilberto Dornas, editor
e Prof. Aroldo Camargos, que carinhosamente se dispôs a escrever o prefácio.
Agradeço ainda a todos os amigos e pacientes que cederam suas histórias e
e-mails a este livro. Que permitiram que suas vivências, junto com a minha,
fossem contadas e partilhadas. Espero que, ao se identificar com as situações
vividas pelas pessoas que estiveram ao meu lado durante os dias da minha
gestação, os leitores possam crescer e aprender sobre algumas verdades da vida
e da Medicina.
Desejo imensamente que este livro possa levar crescimento e profunda
reflexão a todos que se interessam pelos assuntos que aqui são tratados: vida,
morte, obstetrícia e Medicina.
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Dedico este livro aos grandes homens que estiveram comigo
durante a gestação de Esther, possibilitando que tivéssemos dias
tranquilos e momentos respeitosos: Arthur, meu marido e pai de
Esther; Ebenezer, meu pai; Raphael, meu irmão; Hemmerson,
meu obstetra; Jorge, meu terapeuta e Oswaldo, nosso fotógrafo.
A vivência saudável desta experiência só foi possível
porque eles estiveram conosco e nos deram coragem para que
enxergássemos toda a beleza desta história.
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Prefácio
A gravidez é o momento mais esplêndido da vida de uma mulher; já ouvi
vários relatos delas que diziam: não quero ter mais filhos, mas tenho saudade
das minhas gestações.
Entender esse fato biológico passa pelo entendimento da preservação da
espécie; a natureza tem que oferecer muitas gratificações para o casal, para que
a gravidez ocorra e para que o período gestacional dê à mulher um sentimento
de poder e a sensação de estar vivendo algo muito bom.
Tudo começa com o despertar de um sentimento de gostar do outro ou da
outra, que frequentemente evolui para um amor que é acompanhado pelo gratificante contato físico.
Nos dias de hoje, as intimidades só resultam em gravidez quando o casal
desejar ou por descuido; que ocorre por irresponsabilidade porque a inconsequência ou o próprio desconhecimento ainda impera entre as pessoas.
A mulher, mesmo antes de engravidar, tem dentro da sua cabeça a imagem
do seu filho; ela idealiza as características físicas do filho e faz planos para os
seus cuidados.
A gravidez resulta da união de um óvulo com um espermatozoide e, para
ser bem-sucedida, ela tem que contar com uma série de eventos bem-produzidos.
Sabemos que a maioria dos espermatozoides é, de alguma forma, defeituosa e que 80% dos óvulos de uma mulher de 20 anos são geneticamente
normais enquanto 80% dos óvulos de uma mulher de 40 anos são anormais.
Uma tentativa para explicar essa diferença entre a qualidade dos óvulos em
diferentes faixas etárias recai sobre a capacidade da mulher de ter uma gravidez saudável com o avançar da idade, porque ela eleva a chance de ter doenças
que aumentam a mortalidade materna, além de dificultar a criação dos filhos.
Reforçando essa hipótese, aparece a menopausa, que embora não desejada, é
uma forma de proteger a mulher contra uma gravidez. Envelhecer traz consigo
mais probabilidade de adoecer.
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Chegamos, agora, a um momento em que até 70% das gestações se interrompem antes de ocorrer o atraso menstrual, mostrando que as perdas acontecem sem que as mulheres saibam. Vale também frisar que 15% das gestações
instaladas se interrompem no primeiro trimestre; quanto mais precoce ocorre a
perda, mais chances haverá dela ter sido causada por um problema genético, ou
seja, anomalias ligadas aos cromossomos,.
A união dos gametas gera uma célula que vai se multiplicar em duas e
depois de duas em quatro, e assim sucessivamente até um momento em que
essas células denominadas de “tronco-embrionárias” recebem sinais e começam a se modificar. Um sinal as transforma em células que serão responsáveis,
por exemplo, pela formação do cérebro. Outros sinais as modificam em células
que originam o sistema cardiovascular e, assim, o embrião se desenvolve. Esse
desenvolvimento é uma sucessão de eventos em cascata, que pode, em alguns
embriões, mostrar alguma falha e culminar com o aparecimento de uma malformação congênita, como anencefalia1.
Arthur e Quésia programaram sua gravidez de tal forma, que ela tomou as
medidas recomendadas pré-concepcionais, tais como o uso de ácido fólico para
reduzir a probabilidade de malformações do tubo neural, como a anencefalia.
O casal tinha a previsão do dia em que Esther tinha sido concebida. E do
diagnóstico até a 23ª semana de gravidez, tudo era só alegria.
Esther tinha sobrevivido aos abortos precoces que ocorrem antes do atraso
menstrual e aos do primeiro trimestre; e pousava como uma vitoriosa.
O casal fez todo o enxoval imaginando que nasceria um menino e, curiosamente, não queria saber o sexo do feto antes do nascimento.
Quésia só foi fazer a primeira ultrassonografia na 23ª semana de gravidez,
o que não constitui negligência, uma vez que em gestações normais o não se
submeter a exame ecográfico não altera as mortalidades maternas e neonatal em
relação às gestantes que se submetem ao exame.
1 A nencefalia – Malformação fetal causada por defeito no fechamento do tubo neural, resultando num feto sem calota craniana. Comumente diagnosticada no fim do primeiro
trimestre da gestação. A condição inicial, conhecida como acrania, evolui para anencefalia com a progressão da gravidez, pois a falta da calota óssea craniana permite o contato
do líquido amniótico com o tecido cerebral, causando a destruição progressiva deste.
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O exame revelou que o feto era portador de anencefalia. O casal, a partir
do diagnóstico, desejou saber o sexo e assim ele ganhou identidade e passou a
se chamar Esther - nome bíblico de uma mulher que tinha sido rainha e heroína
devido à sua boa vontade de arriscar a vida e sua posição em benefício do seu
próprio povo.
Esther trouxe para o casal dúvidas, momentos de muita reflexão e, sobretudo, um sentimento de proteção àquela que eles não tinham como ajudar. Uma
decisão firme e que em momento algum foi abalada foi de que Esther iria viver
até quando a natureza determinasse; o casal fez questão de tratá-la com muito
respeito, dignidade, como uma rainha e heroína.
Quésia continuou fazendo pré-natal, partos e vivenciando situações que
variavam desde um nascimento de uma criança normal até de um feto morto. Era inevitável que comparações fossem feitas por Quésia, que se comportou
como uma gigante.
O casal buscou ajuda em sites de pessoas que já tinham tido uma criança
com o mesmo diagnóstico de Esther e assim compartilharam as experiências, o
que foi muito confortante para Arthur e Quésia.
Quero elogiar o Dr. Hemmerson, obstetra de Quésia, que propiciou a ela
assistência pré-natal humana e fraterna e parto numa atmosfera respeitosa, no
qual Esther foi tratada como uma menina que veio ao mundo para receber tratamento digno, igual ao dispensado a qualquer pessoa.
Durante a gravidez, Quésia e Arthur se preocuparam com todos os detalhes:
parto, roupas e gorro que ela iria vestir e detalhes do funeral. Eles a trataram como
uma pessoa cheia de vida e merecedora de tudo a que uma cidadã tem direito.
Uma mulher tem atitudes que, às vezes, chegam a ser irracionais para proteger a cria, dentro dos princípios mais primitivos da nossa espécie. E Quésia,
na minha opinião, não se comportou como uma obstetra ou como uma cidadã
frente ao diagnóstico de Esther: ela foi uma fêmea que deu à sua filha o direito
de viver, mesmo que por 40 minutos. No reino animal, as fêmeas, quando se
trata de maternidade, são responsáveis pelos seres vivos vistos no nosso planeta.
Nós, médicos, sabemos que 40 minutos podem, dependendo da situação,
ser muito longos ou muito curtos. Para Quésia e Arthur, eles valeram por longo
período e só foram muito tristes porque inverteram a ordem da natureza: os pais
se vão antes dos filhos.
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Tenho que falar da pequena Esther, que agora já se incorporou na minha
vida, apesar de não ter tido a oportunidade de conhecê-la. Jamais vou me esquecer dela, porque os seus pais fizeram dela uma pessoa presente nas vidas de
quem ler este livro.
Por fim, gostaria de deixar para Arthur e Quésia a seguinte mensagem:
vocês não definiram quando deveria Esther partir e com isso ganharam a paz de
viver com a lembrança da princesa de vocês.
Prof. Aroldo Fernando Camargos
Professor titular do departamento de
Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG
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Prólogo
Liguei o computador e o nome do livro veio instantaneamente: “Os últimos
quatro meses”. Porque foi isto que senti quando vi a imagem na tela do ultrassom.
Temos um filho que viverá apenas mais quatro meses. Temos um diagnóstico,
um atestado de óbito, uma doença letal.
E tenho um filho que se mexe dentro de mim, que faz minha barriga crescer, me faz sentir grávida. E sei que essa gravidez ainda pode durar muito.
Contraditório: é pouco para meu filho viver só mais quatro meses e é muito,
para mim, suportar a vida dele por quatro meses. Por quê? Apenas porque não
consigo conviver com a fatalidade da morte? Com a certeza da não vida? Ou com
a vergonha de não ter gerado um filho perfeito?
O exame iniciou-se com a televisão desligada. Mas quando Júlio chegou
ao polo cefálico ele acabou ligando a tela, pois não conseguiu falar. Apenas me
mostrou a imagem. Depois de alguns minutos de choro pedimos para ele continuar o exame. Todo o resto da morfologia era normal.
“É só anencefalia” – ele disse. Depois retrucou: “Só”. Para mim foi como se
ele quisesse dizer: – “Poderia ser qualquer outra coisa, não?”
E ali estávamos nós. Um filho que não me ouviria durante a gestação, que
não reconheceria minha voz e que se mexia apenas por reflexos medulares, já
que não tinha córtex cerebral. Seria por isto que os próximos meses pareciam
um fardo tão pesado? Será que se o bebê tivesse cardiopatia letal ou uma doença
cística pulmonar, mas tivesse um cérebro funcionante, e pudesse ouvir as canções dos CDs que eu tinha comprado para ele, eu teria menos dificuldade em
acompanhar a sua vida?
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