CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM – ES: PARA ALÉM DO BAIRRISMO Joana D’Arck Caetano Sílvia de Souza Dias Resumo O presente trabalho propõe a reflexão no que tange ao sentimento conhecido como bairrismo, expresso no discurso e atitudes de um grupo da sociedade na cidade de Cachoeiro de Itapemirim – ES. O discurso é caracterizado pela defesa da cidade, privilegiando a “terra natal”, e encontra presente nos espaços tradicionais na cidade, nas rodas de conversa e pontos de encontros. Conhecido como epicentro econômico em meados do século XIX, sendo responsável pela dinâmica econômica da província de todo o Espírito Santo, no contexto da produção cafeeira, o sul do Espírito Santo, teve até meados do século XX a presença de uma oligarquia que atuou no âmbito estadual. Paralelo a questão econômica, uma intensa atividade cultural se destacou no cenário nacional, expressadas na literatura, teatro, cinema, música e política que se perpetuou até os anos sessenta. Cachoeiro de Itapemirim foi palco de muitas atividades culturais e a vida social se enchia de encantos e viveu uma época de glória não só no campo econômico, mas também no político e cultural. A música também se fez presente através da Escola de Música de Cachoeiro de Itapemirim, que oferecia aulas de solfejo, violino, piano, violoncelo, cornetim trombone, flauta, saxofone e canto e no que se refere às bandas de música, ainda é mais longínquo os registro, pois datam de 1880, 1900, 1917, 1922 e 1931, sendo que duas delas ainda existem na atualidade, a banda Lira de Ouro (1922) e a banda 26 de julho (1931). São de Cachoeiro personalidades artísticas conhecidas nacionalmente e algumas obras que também expressam o sentimento pela cidade. Talvez este grupo, que possui esse sentimento de bairrismo, vê a cidade com os olhos do passado e revela uma saudade dos tempos de glória que muitos não conheceram. A história tem buscado se relacionar com diversas áreas do conhecimento, sendo o estudo do sentimento, entendido como importante para a compreensão da dinâmica social. O bairrismo em Cachoeiro de Itapemirim – é bastante oportuno, uma vez que não há outro trabalho em termos acadêmicos que tenha se debruçado sobre o assunto. É salutar o "amor" à terra, a sua defesa frente a atitudes que tentam reduzir, desclassificar ou macular a sua imagem. É a defesa do ninho e de seu ambiente. Mas a extremada condição do bairrismo pode ser também um comportamento alienante, incapaz de ver o que existe de bom além do muro imposto por esse sentimento. A questão é: até onde o sentimento de bairrismo é salutar para a cidade e até onde é prejudicial em relação à imagem que podemos passar? Objetiva-se refletir se o bairrismo pertence a toda população cachoeirense e se está relacionado ao período econômico e cultural citado. A pesquisa foi feita através de entrevista matérias de jornais, literatura diversificada e revisão bibliográfica. Palavras-chave: Cachoeiro de Itapemirim; Bairrismo; Sentimento. Mestranda em História do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Espírito SantoUFES Mestranda em História do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Espírito SantoUFES CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-14. Resumen El presente trabajo propone la reflexión en el que se refere al sentimiento conocido como ‘bairrismo’, expresoen emel discurso y actitudes de uma reunión de la sociedad en la ciudad de Cachoeiro de Itapemirim – ES. El discurso es caracterizado por la defensa de la ciudad, privilegiando la “tierra natal”, y encontra presente en los espacios tradicionales en la ciudad, en las rodas de conversa y puntos de encontros tradicionales.Conocido como ‘epicentro’ economico a mediados del siglo XIX, siendo responsable por la dinámica economica de la provincia de todo el Espírito Santo, en el contexto de la produción ‘cafeeira’, al sur del Espírito Santo, tuve hasta a mediados del siglo XX la presencia de una oligarquia que atuó en el ámbito estatal. Paralelo a la cuestión economica, una intensa actividad cultural se destacó en el escenario nacional, expresadas na literatura, en la cinema, música y política que se perpetuó hastam los años sesenta. Cachoeiro de Itapemirim fue tablado de muchas actividades culturales y la vida social se llenia de encantos y vivió una época de gloria no solo en el escenario economico, pero también em el político y cultural.La música también se ha hecho presente a través de la Escuela de Música de Cachoeiro de Itapemirim, que ofrecia clases de solfeo, violín, piano, violochelo, cornetin, trombón, flauta, saxofón y canto y em el que se refere a las bandas de música, aun es más remoto los registro, pues fechan de 1880, 1900, 1917, 1922 e 1931, siendo que dos de ellas aun existen em la actualidad, la banda Lira de Oro (1922) y la banda 26 de julio (1931).Son de Cachoeiro personalidades artísticas conocidas nacionalmiente y algunas obras que también expresan el sentimiento por la ciudad. Tal vez esta reunión, que posee ese sentimiento de ‘bairrismo’, ve la ciudad con los ojos del pasado y revela una nostalgia de los tiempos de gloria que muchos no conoceran. La historia tienen buscado se relacionar con diversas áreas del conocimiento, sendo el estudio del sentimiento, entendido como importante para la comprensión de la dinámica social. Debatir ese tema – el ‘bairrismo’ en Cachoeiro de Itapemirim – es mucho oportuno, una vez que no hay otros trabajos académicos que tenga se inclinado sobre el asunto. Es saludable el "amor" a la tierra, la su defensa frente la actitudes que intentan reducir, desclasificar o macular la su imagen. Es la defensa del niño y de su ambiente. Pero la extremada condición del ‘bairrismo’ puede ser también un comportamiento alienante, incapaz de ver el que existe de bueno alá del muro impuesto por ese sentimiento. La cuestión es: hasta donde el sentimiento de ‘bairrismo’ es saludable para la ciudad y hasta donde es perjudicial en relación a la imagen que podemos pasar? Reflejar se el ‘bairrismo’ pertenence la toda poplación cachoeirense y se está relacionado al período economico y cultural citado. La pesquisa fue hecha a través de entrevista materias de periodicos, literatura diversificada y revisión bibliografica. Palabras-llave: Cachoeiro de Itapemirim; Bairrismo; Sentimento. Cachoeiro De Itapemirim – quadros do passado e do presente O município de Cachoeiro de Itapemirim surgiu às margens do rio Itapemirim, localizado no sul da Província do Espírito Santo. No entanto, antes de sua emancipação, foi Freguesia,(1856) com o nome de Parochia de S. Pedro das Cachoeiras de Itapemirim, Vila (1867) Comarca (1876) e Cidade e o primeiro Prefeito foi o Coronel Francisco de Carvalho Braga, 2 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-14. Habitações ribeirinhas, disseminadas rio abaixo; ás vezes rodeadas de palissadas protectoras, habitadas por caboclos e mestiços. Pequenas roças em volta, onde por egual se cultivava a mandioca as bananeiras e algumas touceiras de canna de assucar. A pesca e a caça provião fartamente á vida. Raizes e benzeduras, curavão os males do corpo (MARINS, 1918, p.135). O nome do município é alvo de curiosidade devido à utilização do substantivo masculino “Cachoeiro” ao invés de “Cachoeira”. “Existem várias versões como: que veio da simplificação popular de encachoeirado”, que existia na margem esquerda do rio um Cajueiro e os navegantes do rio a chamavam de “Cajueiro do Itapemirim” e outros afirmam que uma maneira própria dos brasileiros, principalmente dos habitantes do Espírito Santo e ainda há as fontes que afirmam que seria um fenômeno lingüístico, uma variação verbal de cachoar ou cachoeirar,1 passando a receber várias denominações até ser que foi grafado definitivamente “Cachoeiro de Itapemirim”, no ato da instalação da comarca, em 1877, na regência da Princesa Izabel e também em 1884, quando a Câmara Municipal informou para o Dicionário Geográfico do Brasil que “A sede do município é Cachoeiro de Itapemirim”. Atualmente o rio Itapemirim que originou a cidade não é utilizado como meio de transporte, suas águas diminuíram bastante e seu leito foram estreitados com construções de casas, prédios e uma parte aterrada para a construção da Avenida Beira-Rio. Foram construídas barragens em partes dentro do rio na tentativa de bloquear a passagem da água em um período que parecia ser o fim do rio Itapemirim, que estava seco, com as pedras à mostra e muito poluídas. No entanto, a partir de algumas ações de preservação da cabeceira por parte do Comitê da Bacia do Rio Itapemirim, que tem por objetivo promover a mobilização da sociedade, usuários, poder público e entidades não governamentais e de ações da Concessionária de Serviços de Água e Esgoto (antes Citágua e hoje Foz do Brasil) e ainda da Agersa (Agência Reguladora de Serviços de Saneamento) o rio Itapemirim tem demonstrado recuperação e uma das comprovações é o retorno do biguá, um pássaro que é o considerado pelos ambientalistas um sinal de que as águas de um rio está limpa. A sede do município nasceu às margens do rio e é cercada de colinas que no passado eram lavouras de café, depois passaram a ser campos de criação e pequenas culturas que abasteciam a cidade e posteriormente loteados para dar lugar aos bairros residenciais, e mais ao longe é 1 Ver em Maciel, 1992. 3 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-14. toda rodeada de uma cadeia de montanhas rochosas, sendo uma delas o símbolo do município, o Pico do Itabira ou Pedra do Itabira, tombada como Patrimônio natural, Para além da zona urbana começam as grandes montanhas rochosas, que emergem de valles profundos, talhados em socalcos e alcantis em cujas bases serpeam em rápidos declives e correm amortecidas nas planuras alagadas onde vicejam gramíneas densas, as aguas dos innumeros ribeirões, que cruzam por todas as terras dos districtos, banhando-as fartamente.De toda cidade avista-se, como vedetta mudo das gerações que passam, a rocha Itabira de bizarra estructura (1), destacando-se no azul do firmamento (MARINS, 1918, p.47). O desenvolvimento do vale do Itapemirim foi fundamental para a formação do município de Cachoeiro de Itapemirim, que se tornou um importante pólo da economia da província do Espírito Santo. Sobre o novo cenário da região sul o Grande entusiasta do desenvolvimento do vale do Itapemirim, o governador Francisco Alberto Rubim falou da existência de um “caxoeiro” a seis léguas de distância (hoje Cachoeiro de Itapemirim), onde mandou estabelecer, para proteção e apoio ao desenvolvimento da região, dois quartéis, um na parte norte, guarnecido por tropas da capitania do Espírito Santo, e outro no lado sul do rio, construído e guarnecido, estranhamente por soldados da Segunda Divisão de Minas Gerais. Esses quartéis, com a denominação de quartel da Barca, em homenagem ao conde da Barca, deram origem a Cachoeiro de Itapemirim e estavam situados próximos de onde é hoje o Cemitério Municipal (lado norte) e início do bairro Baiminas (lado sul) (OLIVEIRA, 2008.p.527-528). O município de Cachoeiro de Itapemirim tinha os dois lados ligados por intermédio de uma canoa, serviço de transporte contratado através da Câmara Municipal com determinada pessoa que cobrava a passagem de travessia de uma margem a outra. Cada embarcação comportava oito passageiros e cada um deles pagava oitenta réis. O último contratante do serviço de transporte fluvial foi o negro Felipe da Silva Costa, em 1887. No mesmo ano, essa travessia passou a ser através da Ponte Municipal, inaugurada em 11 de junho de 1887, com pedágio cobrado até o ano de 1920, quando as despesas com a construção foi totalmente pago e então foi liberada a passagem gratuita. Até então, a Câmara a alugava a um particular para explorála. A passagem era cobrada através de uma tabela de preços que adotava critérios como pessoa calçada, carro com carga ou sem carga, café ou outro produto transportado por 4 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-14. pedestres era cobrado por quilo, litro ou fracionado. A cobrança era efetuada de um lado e do outro da ponte.2 O lugarejo foi se desenvolvendo às margens das águas do Itapemirim, com a colonização vindo rio acima e as embarcações sendo obrigadas a parar, devido as corredeiras que dificultavam a navegação, na altura do Baiminas e do lado norte, em frente, onde depois seria,a Fábrica de Cimento, atualmente desativada. Nesta região foram construídas as primeiras casas do município. Posteriormente foi importante pólo econômico devido à utilidade do rio Itapemirim como transporte fluvial para passageiros e escoamento de produtos como madeira, café, cana-de-açúcar, que eram transportados até o porto da Barra. Grandes extensões de terras foram dominadas por plantadores de café que formavam o latifúndio na região, quando as amplas negociações comerciais no século XIX, eram realizadas pela elite cafeeira. Desde a colonização, quando aqui chegou a elite portuguesa, bem como os degredados, que eram as pessoas rejeitadas para a convivência social na Metrópole por algum motivo. Depois vieram os negros africanos como escravos para trabalharem nas minas de ouro, nas lavouras de cana-de-açúcar, café e nas zonas urbanas como domésticos. Em 1856, viviam em Cachoeiro e nas grandes fazendas ao redor, 3.561 pessoas, sendo que 2.141 eram escravas3, havendo, desta forma mais escravos que pessoas livres. Com a abolição da escravatura em 1888, quando os libertos foram entregues à própria sorte (Em Cachoeiro estava concentrado o número de 6.965, dos 13.403 escravos que havia no estado no dia da abolição, sendo considerando o maior contingente do Império)4, dá-se o início à favelização e, por conseguinte a desigualdade social no Brasil, refletia até nos dias atuais, processo que foi agravado ainda mais com o desenvolvimento industrial nos grandes centros urbanos e pela desvalorização do trabalhador rural neste período, as habitações foram sendo construídas à margem dos centros urbanos sem nenhum acompanhamento profissional, sem infra-estrutura e sem o olhar criteriosos e cuidadoso do Poder Público. Sobre o tema, Gabriel Bittencourt discorre, a industrialização engendra um efeito social bastante adverso, sobretudo em países de grandes desigualdades sociais e em vias de desenvolvimento. Ela eleva os índices de favelização nas áreas urbanas, atrai trabalhadores das regiões vizinhas e eleva o preço da terra urbana, desorganizando o seu 2 Ver: BRAGA, Newton. Histórias de Cachoeiro. 1ª Ed. Vitória-ES, Ed. Fundação Ceciliano Abel de Almeida/UFES, 1986, p. 31-35. 3 Ver: BRAGA, 1986, p. 25. 4 Ver BITTENCOURT, Gabriel Augusto de Mello. História Geral e Econômica do Espírito Santo. Do engenho colonial ao complexo fabril-portuário. 1ª Ed. Vitória-ES, Ed. Multiplicidade. 2006, p. 548. 5 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-14. espaço. Enfim, promove a poluição urbana, degradando o nível de vida nas grandes cidades [...] (BITTENCOURT, 2006, p.426). Devido a grande demanda de transporte de café, o rio Itapemirim passou a ser insuficiente, e para atender esta necessidade, foram sendo construídas as ferrovias Caravelas (1887), Leopoldina Railway (1903) e Estrada de Ferro Itapemirim (1926), não só contribuíram como também transformou a paisagem natural do município, (...) mesmo a zona cafeeira de Cachoeiro de Itapemirim era considerada mal servida de meios de transportes. Até a chegada dos trilhos da Leopoldina Railway (1903). O sistema integrado pela Estrada de Ferro Caravelas (inaugurada em 1887), era tido como insuficiente: uma ferrovia acanhada, mal construída e encravada num porto fluvial sem boas condições à navegabilidade. Daí a criação posteriormente, da Estrada de Ferro de Itapemirim (1926), cujo leito acompanhava parte do curso do rio do mesmo nome e visava beneficiar a produção do baixo Itapemirim, particularmente da Usina Paineiras (BITTENCOURT, 2006, p.306). A construção das ferrovias foi de grande importância para o desenvolvimento econômico do município que, geograficamente, se posicionava em local estratégico, Cachoeiro de Itapemirim constituía um entroncamento ferroviário; além das linhas para o Rio de Janeiro e para Vitória, possuía outras para o litoral (até Barra do Itapemirim e Marataízes, ferrovia construídas nos anos 1920 pelo governo estadual), para Castelo e uma ainda que, passando por Alegre e Guaçuí, chegava a Carangola, já em Minas Gerais (ACHIAMÉ, 2010 p.58). Embora a principal atividade econômica fosse a lavoura de café, outras vocações econômicas foram surgindo, e com o fornecimento de energia elétrica e de cursos de água que possibilitavam sua geração (Cachoeiro foi a décima cidade do país e a primeira do estado a adquirir luz elétrica), passou a ser atrativo para investimentos dos governantes estaduais e empreendedores particulares. Em relação a importância política do município, Cachoeiro de Itapemirim foi berço do nascimento de quatro presidentes do Estado, quais foram: Jerônimo de Sousa Monteiro (19081912), Marcondes Alves de Souza (1912-1916), Bernardino de Sousa (1916-1920) e Florentino Avidos (1924-1928). No que tange à cultura, o teatro remonta à segunda metade do século XIX, precisamente em 1866, quando surgiu o “S.P. ENSAIOS DRMAMÁTICOS”, posteriormente foi fundada a Sociedade de Recreio Dramático Cachoeirense, que apresentavam pacas e atraía muitas pessoas ao espetáculo. No início do século XX, as apresentações aconteciam Caçadores Carnavalesco Clube e depois no Cine Teatro Central. 6 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-14. Havia ainda o Cine Teatro Santo Antônio e o Cine Guandu. A música também se fez presente através da Escola de Música de Cachoeiro de Itapemirim, criada em 1930 pelo professor Alfredo Herkenhoff, que oferecia aulas de solfejo, violino, piano, violoncelo, cornetin, trombone, flauta, saxofone e canto e no que se refere à bandas de música, ainda é mais longínquo os registro, pois datam de 1880, 1900, 1917, 1922 e 1931, sendo que duas delas ainda existem na atualidade, a banda Lira de Ouro (1922) e a banda 26 de julho (1931). Outras atividades culturais como festejos carnavalescos, temporadas de jantares dançantes no Hotel Itabira,incentivo à cultura através de concurso promovido pela loja Nova Síria, com prêmio que ia de boneca à caminhão para quem respondesse às perguntas de conhecimento geral, construções de coretos em praças públicas, que era utilizado pelas bandas musicais, que atraíam o público infantil e adulto. No campo das letras também havia os atrativos como os poetas Dr. Frederico Codeceira e Newton Braga, o cronista Rubem Braga que em 1936 escreveu e publicou “O Conde e o Pasarinho” que bateu recorde de vendas na cidade. A venda de livros em Cachoeiro era considerada um bom negócio pelos negociantes do ramo, já que os cachoeirenses eram ávidos por leitura e lis de tudo um pouco. O gosto literário variava de autores estrangeiros como Eça de Queiroz, Delly e Ardel a autores nacionais como José de Alencar, Castro Alves, Casimiro de Abreu e outros. Cachoeiro de Itapemirim foi palco de muitas atividades culturais e a vida social se enchia de encantos. Já teve momento de glória não só no campo econômico, mas também no político e cultural,5 nós estamos falando com os olhos do passado, quando Cachoeiro subiu, elevou-se e ocupou a posição de capital da indústria do Estado, conceito que, aliás, também chegou a alcançar na área concernente à política, bem como, no espaço cultural [...] (MACIEL, 2003, p.37-38). Nesse período, Cachoeiro de Itapemirim atraía os olhares de políticos influentes, investidores, empresários da indústria e do comércio e trabalhadores de outros lugares para estabelecerem na sede do município e isso abriram as portas do desenvolvimento econômico, principalmente, do município. No final do século XIX, ocorreu na cidade um importante movimento político, através do movimento republicano, que teve nos jornais a presença de debates e idéias, a exemplo o jornal “O Cachoeirano”. São de Cachoeiro diversos políticos que exerceram enorme 5 Ver Maciel, 2003. 7 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-14. influência no campo político como: Jerônimo Monteiro, Bernardino Monteiro, o republicano Bernardo Horta, sendo até a década de trinta a oligarquia do sul do Espírito Santo, que predominou todo o espírito Santo.O coronel Monteiro, um dos pioneiros nas terras cachoeirenses, foi dono de uma fazenda extremamente sinuosa na região.A descrição de sua fazenda em Cachoeiro de Itapemirim impressiona: O cafezal possuía mais de 200 mil pés, sendo um dos maiores da província. “tudo ali se encontrava com fartura”. O gado fornecia o leite, a carne e o couro, além de assegurar o transporte; fabricava se queijo, com sebo fazia se sabão. Cultivava se algodão, que era fiado e tecido por escravas. Criavam se carneiros, com cuja lã faziam se cobertores e agasalhos. Produzia se açúcar barnco e mascavo para consumo, melado e aguardente. Colmeia forneciam mel e cera. O aviário possuía galinhas, patos, perus e marrecos. Telhas e tijolos eram produzidos na olaria, jazidas de calcário forneciam cal. A madeira era preparada na serraria. Funcionavam ali diversos maquinismos,desenhados e montados pelo proprietário e cujos resultados eram: arroz pilado, fubá, canjiquinha, café pilado para exportação e moído para o consumo interno, aguardente,álcool, açúcar farinha, maisena, araruta, polvilho, velas de carnaúba, doces, fumo, rapé etc (SALETTO, 1996, p. 36). Seus filhos Bernardino, Jerônimo e Fernando obtiveram extremo prestígio político, atuando em partidos políticos, como Governador do estado do Espírito Santo, e bispo da Igreja Católica .O cenário no sul do Espírito Santo, nessa ocasião,caracterizava se por fazendas e políticos importantes: A região sul do Espírito Santo caracterizou-se pela existência de grandes fazendas produtoras de café, dentre as quais se destacava a fazenda Monte Líbano 1, de propriedade do Cel. Francisco de Souza Monteiro, patriarca de uma família de importantes políticos que tiveram projeção municipal, estadual e até federal, como por exemplo, Jerônimo e Bernardino Monteiro, ambos presidentes do estado em 1908-1912 e 1916-1920 respectivamente (SANTOS, 2012, p. 155). Os espaços nas cidades atualmente ainda carregam a memória dos Monteiros, cabendo à eles homenagens como nome de Avenida (capital do Espírito Santo, Vitória), além do palácio da prefeitura de Cachoeiro de Itapemirim conhecido como “Bernardino Monteiro” (casarão antigo no centro da cidade), símbolo ainda de poder do passado. No início do século XX, Cachoeiro foi uma das primeiras do Brasil a receber energia elétrica o que demonstra o pioneirismo político da cidade. Junto ao desenvolvimento econômico, o movimento cultural se fez presente, sendo nascidos na cidade, diversas personalidades e artistas que ficaram conhecido nacionalmente e internacionalmente. Rubem Braga é considerado o pai da crônica, possuidor de um estilo de texto que privilegia o cotidiano, nasceu em Cachoeiro de Itapemirim em 1913. Filho do coronel Francisco Braga, primeiro prefeito de Cachoeiro, começou seus estudos na cidade, indo estudar mais tarde no 8 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-14. Estado do Rio de Janeiro, se tornando cronista, poeta, escrevendo sobre o cotidiano. Foi corresponde na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, embaixador do Brasil no Marrocos na década de sessenta, e correspondente em Paris. Com milhares de crônicas publicadas, muitas delas relatam o amor pela “cidade natal”: É extraordinário que eu esteja aqui, nesta casa, nesta janela e ao mesmo tempo completamente natural e parece que toda a minha vida fora daqui foi apenas uma excursão confusa e longa, moro aqui. Na verdade onde posso morar senão em minha casa?6 Entretanto, existe uma frase muito conhecida do autor, que demonstra seu amor à “terra natal”: Sempre tive confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa: Eu sou lá de Cachoeiro”7 Irmão de Rubem Braga, Newton Braga, que atuou como advogado e poeta também demonstrou seu amor à cidade “existem poucas cidades no Brasil de um cabotinismo o tão bom quanto como o de Cachoeiro. Você esbarra com um cachoeirense fora daqui, o bicho é só saudade. O amor de Rubem Braga por Cachoeiro foi tão pungente, que um pedido foi feito por ele antes de morrer: Queria que as suas cinzas fossem jogadas no rio Itapemirim, que corre a cidade.Mas não foi somente Rubem Braga que se apaixonou pelo seu rio, foi também um rio que provocou amor no poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), com o poema emblemático acerca do rio Tejo. Em meio ao amor à “terra natal”, um sentimento declarado por um grupo na sociedade cachoeirense é o bairrismo. Esse discurso de acordo com Diego Scarparo, designer gráfico, 8 se encontra presente no campo midiático. Diversas revistas de Cachoeiro se propuseram a exaltar a cidade de e seus artistas e personagens políticos. A revista Natural9 se dedicou enormes espaços para matérias que exaltassem os feitos políticos de personagens históricos na cidade como o Republicano Bernardo Horta, o coronel Gilberto Machado e diversos outros homenageados oficialmente. Outra revista “Cachoeiro Cult10”, em Outubro de 2013, homenageou outro artista cachoeirense: Sérgio Sampaio. Compositor, músico foi para o Rio de Janeiro sua música “Eu quero botar meu bloco na rua”, 6 Crônica intitulada “Em Cachoeiro”, publicada em fevereiro de 1947. Disponível online: http://www.releituras.com/rubembraga_bio.asp. 8 Produtor cultural na cidade de Cachoeiro de Itapemirim. 9 Revista da cidade Roberto. 10 Revista Cult. 7 9 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-14. foi seu grande sucesso. Cantou com Raul Seixas e diferentemente dos outros personagens de Cachoeiro, Sérgio Sampaio é considerado marginal, underground, fazendo parte da contra cultura de Cachoeiro de Itapemirim. Junto à figura de Sérgio Sampaio, outra artista cachoeirense a abalar foi a Luz Del Fuego, bailarina, praticante do nudismo, trabalhou em um circo com duas serpentes pendurada no pescoço, irmã de um influente político na cidade de Cachoeiro da família conhecida como Vivácqua. Interessante como o bairrismo que muito se assemelha do “tradicional” discorre também dos marginais em seus discursos atuais. Há ainda a presença de outros artistas como, por exemplo, o músico Roberto Carlos,11 seria ele o responsável por levar o nome de Cachoeiro para o Brasil. É comum quando um cachoeirense se refere à sua cidade, ouvirem: Terra de Roberto Carlos! A origem do bairrismo na cidade ainda é incerta, e nada se tem no meio cientifico acerca da temática, porém são diversas as indagações, dentre elas: a cidade que recebeu imigrantes, de diversas regiões da Europa além de outros grupos que aqui chegaram no século XX de outros estados,poderia ser o motivo de tal fenômeno? Seria uma tentativa dos que aqui, já se encontravam estabelecidos, prenderem se à uma tradição de seu passado político e econômico glorioso, gerando um sentimento de pertença ao lugar? Exemplo máximo do bairrismo na cidade de Cachoeiro se encontra em um evento conhecido como “baile de gala”. De acordo com a revista Leia 6/07/201312, o Baile de gala é uma noite glamorosa, que conta com a presença do famoso bairrismo. O bairrismo ficaria mais evidente na cidade através dessa festa que ocorre há 68 anos, em um clube tradicional da cidade conhecido como “Caçadores Carnavalescos Clube.” De acordo com a matéria, no ano de 2013 se comemorou o centenário de Rubem Braga, cantou-se o hino conhecido como “Meu pequeno Cachoeiro” de autoria do músico cachoeirense Raul Sampaio, além de se comemorar o dia do “Cachoeiro Ausente”13, tudo ao som da Orquestra “tupy” da cidade do Rio de janeiro.Interessante lembrar que a cidade de Cachoeiro sempre teve uma relação muito próxima com o Rio de Janeiro, sendo o desenvolvimento cafeeiro no sul, feito por fluminenses, a atividade econômica da cidade ligada ao Estado do Rio de Janeiro, além da presença da ferrovia ligando esses dois Estados. 11 Cantor cachoeirense, conhecido pelo movimento Jovem Guarda nos anos sessenta. Disponível online: http://www.revistaleia.com/site/pagina_interna.asp?nID=8009&tp=1 13 Evento criado por Newton Braga para homenagear os cachoeirenses importantes que não se encontram na cidade. 12 10 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-14. Em meados do século XX era comum os filhos de famílias favorecidas economicamente irem estudar no Estado do Rio. O Rio de Janeiro era capital do país, e o sul do Espírito Santo se ligava a ela. Problematizando o bairrismo na cidade de Cachoeiro de Itapemirim, propomos uma reflexão, o bairrismo não tende a privilegiar somente um grupo na cidade de Cachoeiro? Qual o sentimento das pessoas que vivem nas periferias, da população afro descendente e outros que não se encontram relacionados ao poder político do passado? O sul do Espírito Santo, com o desenvolvimento da cafeicultura no século XIX, foi responsável por toda a dinâmica econômica no Estado, e apresentou enorme prestígio político até as primeiras décadas do século XX. Em meados do século XIX, ocorria no Brasil a implantação de leis abolicionistas, ideias republicanas, e preocupação com a substituição de mão de obra, entretanto no auge do desenvolvimento cafeeiro a mão de obra utilizada, era escrava. Mesmo com a proibição do tráfico negreiro, a região sudeste continuava o comércio intenso de escravos,e após a escravidão a situação do ex-escravo na sociedade, principalmente no que concerne à política destinada aos negros foi de total degradação, o negro passou para o trabalho livre sem a menor condição, pois se encontraram totalmente desfavorecidos, pois houve uma mudança na organização do trabalho, substituído pelo branco (imigrante), ficou responsável pela sua própria sorte e de seus descendentes, sem possuir bens materiais, nem morais (ANDRÉ, 2010). Vagando, permanecendo com seus senhores em troca de alimento, a política, de acordo com o artigo escrito pelo republicano cachoeirense Bernardo Horta, não beneficiava o trabalhador nacional, agora livre, expresso em no jornal “O Cachoeirano”, em Cachoeiro de Itapemirim: (...) existindo o trabalhador nacional, não fora de bom aviso incentivar com igualdade de proteção o agricultor brasileiro, que também precisa de terras?... Parece que nada autoriza legitimar menosprezo com que se quer tratar o filho do país, colocando o em posição de julgá-lo incapaz de lavrar a terra ao lado de estrangeiros (ALMADA, 1984, p. 211). No Brasil, criou se um mito de democracia visando dentre outros fatores a negação do racismo, justificados pela miscigenação do povo brasileiro, porém as diferenças econômicas, e políticas continuavam existindo: A democracia racial enquanto política e ideologia racista acentua a diversidade de interesses entre os vários segmentos dominados. O privilégio econômico, político, ideológico e sócio cultural do branco está imbricado com a divisão social e funcional que dá acesso ao trabalho, a educação, a saúde, ao lazer, o que torna 11 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-14. mudanças ou transformações no plano estrutural da sociedade e no plano de distribuição de renda e de recursos, processos que possivelmente darão, em sua maior parte, conquistas ao segmento branco (ANDRÉ, 2010, p. 152). Refletir acerca do processo de desenvolvimento econômico no século XIX, se faz necessária uma análise histórica, econômica e social, para definirmos como se compôs a sociedade cachoeirense e quais sentimentos a ela se inserem. Até que ponto o bairrismo exacerbado, promove a estratificação de uma hierarquia social, onde somente os de família tradicionais, de maioria branca e economicamente favorecidos foram enaltecidos? São por eles utilizados os espaços, associações, clubes, tradicionais na cidade, que certamente não participam grande parte da população, como por exemplo, a que mora na periferia. O sentimento do bairrismo é salutar, o "amor" à terra, a sua defesa frente a atitudes que tentam reduzir, desclassificar ou macular a sua imagem. É a defesa do ninho e de seu ambiente. Mas a extremada condição do bairrismo pode ser também um comportamento alienante, incapaz de ver o que existe de bom além do muro imposto por esse sentimento. Não somente ver além dos muros, mas olhar na essência de sua história, levando em consideração todos os grupos que fizeram e compuseram a história da cidade. Acreditamos que o bairrismo seja maior tanto quanto maior seja o afastamento do indivíduo ao papel de cidadão do mundo. Referências ALMADA, Vilma P. E. de. Escravismo e transição: O Espírito Santo, 1850-1888. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984. ANDRÉ, Maria da Consolação. O ser Negro, A construção de subjetividades em afrobrasileiros. Brasília: LGE Editora, 2008. BITTENCOURT, Gabriel Augusto de Mello. História Geral e Econômica do Espírito Santo. 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Disponível em: <http://www.revistaleia.com/site/pagina_interna.asp?nID=8009&tp=1>. Acesso em: 05 nov. 2013. Rubem Braga. Disponível em: <http://www.releituras.com/rubembraga_bio.asp>. Acesso em 05 nov. 2013. 13