ANAIS III CIMDEPE SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE CIDADES MÉDIAS RIO DE JANEIRO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO- 27 A 30 DE ABRIL 1 Coordenação WILLIAM RIBEIRO DA SILVA (UFRJ) MARIA ENCARNAÇÃO BELTRÃO SPOSITO (UNESP) MARIA JOSÉ MARTINELLI CALIXTO (UFGD) PAULO PEREIRA DE GUSMÃO (UFRJ) Comitê Científico ARTHUR MAGON WITHACKER (UNESP) BEATRIZ RIBEIRO SOARES (UFU) CARLOS BRANDÃO (UFRJ) CARMEN BELLET SANFELIU (UNIVERSITAT DE LLEIDA) CLEVERSON REOLON (UNESP) CRISTIAN HENRÍQUEZ (PUC/CHILE) DENISE DE SOUZA ELIAS (UECE) DIANA LAN (UCPBA/ARGENTINA) DORALICE SÁTYRO MAIA (UFPB) ELISEU SAVÉRIO SPOSITO (UNESP) EVERALDO SANTOS MELAZZO (UNESP) FEDERICO ARENAS VÁSQUEZ (PUC/CHILE) FLORIANO GODINHO DE OLIVEIRA (UERJ) FREDERIC MONIÉ (UFRJ) GLÁUCIO MARAFON (UERJ) JAN BITOUN (UFPE) JOSÉ ALDEMIR DE OLIVEIRA (UFAM) JOSÉ MARIA LLOP TORNE (CATEDRA UNESCO) JULIA ADÃO BERNARDES (UFRJ) LIA OSORIO MACHADO (UFRJ) MARIA LAURA SILVEIRA (CONICET/ARGENTINA) OSCAR ALFREDO SOBARZO MINO (UFS) OSWALDO BUENO AMORIM (PUC/MG) PAULO PEREIRA DE GUSMÃO (UFRJ) RENATO PEQUENO (UFCE) ROBERTO LOBATO CORRÊA (UFRJ) 2 ROSA MOURA (IPARDES) SAINT-CLAIR CORDEIRO DA TRINDADE JUNIOR (UFPA) TATIANA SCHOR (UFAM) Monitores ANA CAROLINA ALVES CARVALHO DE OLIVEIRA BRUNO BARRETO DOS SANTOS BRUNO PEREIRA DO NASCIMENTO CAIO VITOR VILLARINO CHRISTINA BARBARA GIESEBART CINDY MARTINS RODRIGUES EURIDSON RIBEIRO DA CRUZ GABRIELLE DE SOUZA FRADE HUMBERTO MIRANDA DE CARVALHO JOSÉ BERNARDO DA SILVA JUNIOR LÍVIA MARIA DE SOUZA MAGALHÃES LUANA ALVES LESSA MONIQUE DEISE GUIMARÃES BASTOS NATHAN FERREIRA DA SILVA RAFAELA DETTOGNI DUARTE PAES RENILDO NASCIMENTO SANTOS VIVIAN SANTOS DA SILVA 3 FICHA DE CATOLOGRÁFICA III Simpósio Internacional Cidades Médias, 30 Rio de Janeiro - RJ, 2015 Anais do III Simpósio Internacional Cidades Médias, UFRJ/ReCiMe, 26 à 30 de abril de 2015 / organizado por William Ribeiro da Silva, Maria Encarnação Beltrão Sposito, Maria José Martinelli Calixto e Paulo Pereira de Gusmão. Rio de Janeiro. Tema: ISBN: Cidades Médias, Reestruturação Urbana e Redes. 1. Geografia; 2. Espaço Urbano; 3. Urbanismo. Org. I. SILVA, W.R.; org. II. SPOSITO, M.E.B.; org. III. CALIXTO, M.J.M. e org. IV. GUSMÃO, P.P. Título: Anais do III Simpósio Internacional Cidades Médias. CDU: 4 Índice Autor Pág. Aarón Napadensky Pastene .....................................................................................13 Anderson Mendes Rocha ........................................................................................38 André Felipe Vilas de Castro ..................................................................................53 Bruno Barreto dos Santos .......................................................................................71 Bruno Bomfim Moreno ..........................................................................................87 Elaine Cristina Musculini ......................................................................................110 Elines Sodré Gomes ..............................................................................................130 Elizângela Justino de Oliveira ................................................................................145 Élvis Christian Madureira Ramos ..........................................................................160 João Carlos Mendes Lima ......................................................................................175 Monique Deise Guimarães Bastos .........................................................................201 Reges Sodré da Luz Silva Dias .................................................................................222 Rita de Cássia Gregório de Andrade ........................................................................238 Sergio Moreno Redón ..............................................................................................260 Tamires Eugenia Barbosa .........................................................................................280 Túlio Heckmaier de Paula Cataldo / Fábio Salgado Araújo ....................................297 5 Apresentação A realização do III CIMDEPE busca propiciar a continuidade do debate acerca da relação entre o desenvolvimento econômico e os novos/velhos problemas da urbanização mundial. O processo da urbanização tem demonstrado novas nuances que atribuem novos papéis às cidades médias em todo o mundo, de tal maneira, que elas passaram a apresentar, por um lado, novos problemas urbanos e, por outro, novas perspectivas de desenvolvimento econômico, por meio de investimentos de grandes empresas (indústrias, redes e franquias comerciais e de serviços) que ampliam suas escalas de ação via cidades médias, como nós de articulação da nova economia mundial. Histórico O I CIMDEPE teve como tema central – “Cidades Médias: Dinâmica econômica e produção do espaço urbano”, o que explica a sigla que lhe nomeia. Ocorreu em Presidente Prudente, na Universidade Estadual Paulista (UNESP), entre 6 e 9 de junho de 2005. O segundo evento desta série – II CIMDEPE – teve lugar em Uberlândia, de 6 a 9 de novembro de 2006, na Universidade Federal de Uberlândia. Desde então a Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias (ReCiMe), responsável pela organização destes encontros científicos, priorizou a apresentação de trabalhos sobre este tema em diversos outros congressos, simpósios e encontros, propondo, somente agora, em 2015, a realização do III CIMDEPE. O III CIMDEPE A realização do III CIMDEPE busca propiciar a continuidade do debate acerca da relação entre o desenvolvimento econômico e os novos/velhos problemas da 6 urbanização mundial. O processo da urbanização tem demonstrado novas nuances que atribuem novos papéis às cidades médias em todo o mundo, de tal maneira, que elas passaram a apresentar, por um lado, novos problemas urbanos e, por outro, novas perspectivas de desenvolvimento econômico, por meio de investimentos de grandes empresas (indústrias, redes e franquias comerciais e de serviços) que ampliam suas escalas de ação via cidades médias, como nós de articulação da nova economia mundial. Assim, as novas estratégias do desenvolvimento econômico passaram a incluir estas cidades como alternativas locacionais às escolhas anteriores que recaíam de modo quase exclusivo sobre as metrópoles, ampliando os limites geográficos da expansão capitalista, o que cria oportunidades de acesso ao consumo e à desconcentração de atividades econômicas, mas também, produz novos problemas urbanos, o que coloca como premente o debate sobre uma urbanização não planejada e o rompimento dos mitos da qualidade de vidas em cidades médias, tidas como “redutos de classe média”, pois se constatam processos de favelização, segregação espacial, degradação de áreas centrais, congestionamentos, elevação dos preços imobiliários e consequente expulsão de populações mais pobres. Os seis eixos principais Nesta perspectiva, convidamos a comunidade acadêmica para participar dos debates que incluirão seis eixos principais, com os seguintes coordenadores: Rede urbana – história, tendências e perspectivas Jan Bitoun (UFPE), Doralice Sátiyro Maia (UFPB), Beatriz Ribeiro Soares (UFU), Marcio Catelan (UNESP), Carmen Bellet (Universitat de Lleida/Espanha). A discussão sobre a constituição da rede urbana brasileira encontra-se desde os estudos clássicos da Geografia Urbana. De rede de cidades à rede urbana, a interligação entre centralidades (cidades de diversos tamanhos, vilas e aglomerados rurais) vai se dando desde os caminhos de passagem, caminhos de gado, ferrovias, percursos fluviais e marítimos, rodovias, e linhas aéreas. Desta forma, as transformações da rede urbana brasileira são representativas do aumento da complexidade da divisão técnica e territorial do trabalho no campo, 7 nas florestas e nas cidades e das permanências presentes na trama de relações entre os centros urbanos e outras centralidades. O espaço, cada vez mais fruto do movimento relacional entre instituições e agentes que atuam em múltiplas escalas, é melhor compreendido a partir desta relação – a coexistência entre as permanências e as transformações contemporâneas. Nesta relação é que se observa a (re) definição dos papéis e das funções das cidades na rede urbana. Esta (re) definição de papéis e de funções ganha relevância nos estudos urbanos sob as perspectivas elaboradas a partir dos centros urbanos, que por um conjunto de variáveis e metodologias convenciona-se chamá-los como cidades médias. Embora estas cidades não componham os níveis mais elevados da hierarquia urbana, ganham importância por exercerem papel cada vez mais importante tanto no que diz respeito à mediação entre campo e cidade; cidades locais e/ou cidades pequenas e metrópoles, etc., bem como porque participam da reprodução do capital e das condições materiais de reprodução da vida conforme são inseridas no âmbito das lógicas da globalização, reunindo lógicas de diferentes escalas, e articulando-as no processo de consolidação de sua centralidade, primeiro regional, e em outros momentos para além desta escala. Neste jogo de escala entende-se um contexto analítico para o debate da reconfiguração da rede urbana que adquiriu conteúdos particulares em sua relação com as cidades médias. Reestruturação produtiva, indústria e cidades médias Eliseu Sposito (UNESP), (UCPBUA/Argentina) Cleverson Reolon (UNESP), Diana Lan As mudanças nas formas de organização da produção industrial, no momento de um regime de acumulação chamado flexível, tem importância não apenas em termos gerais, mas rebatimento importante sobre as cidades médias e seu papel na rede urbana. A maneira como as empresas se organizam (em redes, principalmente), como suas atividades se articulam em diferentes escalas, como tomam decisões e definem padrões de localização e ações que visam ampliar sua competitividade em nível global, são alguns dos aspectos que iremos estudar nesta seção do Workshop. Dinâmicas e lógicas do comércio e dos serviços em cidades médias Maria Encarnação Sposito (UNESP), William Ribeiro (UFRJ), Arthur Withacker (UNESP) 8 O setor de atividades comerciais e de serviços passou por significativo processo de crescimento nas três últimas décadas, em decorrência, inclusive, das dinâmicas relativas à reestruturação produtiva, o que significou maiores articulações com a produção agropecuária e industrial. Tal crescimento foi acompanhado de significativa concentração econômica das empresas, alcançando a escala internacional. Este processo redundou em enorme expansão espacial das redes comerciais e de serviços, com destaque para alguns ramos, como: o de super e hipermercados, o bancário e o de eletrodomésticos. Paralelamente e como parte do mesmo conjunto de mudanças, capitais de diferentes escalas, do internacional ao local, passaram a operar no setor comercial e de serviços, de modo associado, por meio do sistema de franquias, o que também teve como resultado enorme expansão espacial de produtos, serviços e, sobretudo, marcas que se difundiram por diferentes países. Tais dinâmicas trouxeram rebatimentos diretos sobre a organização das redes urbanas, em função da redefinição na divisão interurbana e regional do trabalho e também dos processos e formas de produção das cidades. Se, no período anterior, os grandes capitais do setor terciário atuavam predominantemente nas metrópoles e grandes cidades, a concentração econômica e difusão espacial das redes promoveu uma procura por outros estratos das redes urbanas, o que ampliou os mercados consumidores. Todos estes movimentos podem ser analisados por meio de novas relações entre processos, conteúdos e formas urbanas. O estudo de centralidade em suas múltiplas escalas impõe-se, então, como um desafio. Tendo em vista este quadro geral, que particularidades podem ser notadas nas cidades médias quando analisamos as mudanças do setor comercial e de serviços? De que modo se estruturam seus espaços e se redefinem suas centralidades face às transformações recentes? Em que medida as novas estruturas espaciais refletem velhas e/ou novas formas de segmentação socioespacial? A situação geográfica das cidades médias é fator importante nas escolhas espaciais das empresas? O aumento das possibilidades de transportes e comunicações reforça interações espaciais e isso tem consequências para estas cidades? Como se articulam produção, circulação e consumo nas redes urbanas sob os novos arranjos espaciais? Agronegócio e urbanização 9 Denise Elias (UECE), Gláucio Marafon (UERJ), Mirlei Fachini Vicente Pereira (UFU) O GT objetiva aprofundar os debates sobre os processos e formas inerentes à urbanização da sociedade e do território oriundos da difusão da agricultura capitalista globalizada no Brasil e no mundo, no âmbito das discussões teóricas e metodológicas. Serão aceitos trabalhos que versem sobre os seguintes temas: as novas relações entre o agronegócio, as cidades e a reestruturação regional; a especialização funcional das cidades inerente à difusão do agronegócio; o crescimento do terciário (comércio e serviços) alicerçado no consumo produtivo agrícola; incremento da urbanização, das relações interurbanas e novas regionalizações considerando a organização das redes agroindustriais; as novas relações campo-cidade resultantes dos fluxos de capital, mão de obra, mercadorias, informação, tecnologia etc. inerentes às diferentes atividades industriais, agrícolas, comerciais e de serviços que integram as redes agroindustriais; urbanização corporativa associada ao agronegócio e às redes agroindustriais; reestruturação do centro e formação de novas centralidades nas ‘cidades do agronegócio’; aprofundamento das desigualdades socioespaciais nas ‘cidades do agronegócio’. Desigualdades socioespaciais. Produção de moradia, dinâmica imobiliária e segregação residencial Renato Pequeno (UFCE), Everaldo Melazzo (UNESP), Maria José Martineli Calixto (UFGD) Esta sessão de trabalho dedica-se a analisar os processos gerais, os particulares e os singulares das cidades médias considerando os diferentes agentes da produção da habitação e suas articulações com a política urbana: Estado, mercado imobiliário, movimentos sociais, dentre outros. A dinâmica imobiliária e a produção da moradia são dois eixos analíticos que se complementam e que devem ser tomados em suas dimensões espaciais e que remetem a permanente produção e reprodução de desigualdades socioespaciais. Políticas públicas, governança e desenvolvimento regional – políticas públicas / escalas local e regional Paulo Gusmão (UFRJ), Saint-Clair Trindade (UFPA), Carlos Brandão (UFRJ) 10 O eixo temático volta-se para a discussão das cidades médias, relacionando o atual perfil e dinamismo das mesmas às políticas públicas implementadas pelos diversos níveis de governo – federal, estadual e municipal. Busca-se, dessa forma, enfatizar a dimensão política dessas cidades, considerando o papel das mesmas para o desenvolvimento regional, assim como problematizar elementos relacionados às diversas formas e experiências de governança no contexto geográfico imediato no qual se inserem. OBS: Devido à falta de trabalhos, o EIXO IV - Agronegócio e urbanização, foi condensado ao EIXO III - Dinâmicas e lógicas do comércio e dos serviços em cidades médias. 11 Eixo 3 – 4: Dinâmicas e lógicas do comércio e dos serviços em cidades médias. 12 DINAMICAS DE (RE) ESTRUCTURACION TERCIARIA INTERMEDIAS LATINOAMERICANAS: EL CASO METROPOLITANA DE CONCEPCIÓN, CHILE EN CIUDADES DEL ÁREA Aarón Napadensky Pastene1. RESUMEN Cuando de la ciudad y sus transformaciones funcionales y morfológicas se refiere, las discursivas académicas latinoamericanas suelen emparentan los procesos de metropolización con los de expansión neoliberal, caracterizándolos con el surgimiento y consolidación de sistemas polinucleares, impulsados por la tercerización de las economías urbanas, su reordenamiento funcional y cambio estructural, formando nuevos centros de consumo y distritos de negocios fuera del centro tradicional. Junto a esto, o como consecuencia de ello, existe consenso en observar la obsolescencia que evidencian los centros urbanos tradicionales, los cuales han visto drenada su importancia a favor de estas nuevas centralidades. Sin embargo, estas narrativas surgen del análisis de las grandes capitales nacionales del continente, extrapolándose a otras ciudades de escalas intermedias, en el entendido que estas van convergiendo a lo mismo, sumergiendo con ello posibles diferencias que escapan a una simple cuestión de tamaño o estadio evolutivo. Palabras clave: metropolización, autoorganización funcional, morfología urbana 1 Doctor en Arquitectura y Estudios Urbanos, Pontificia Universidad Católica de Chile. Académico Depto. de Planificación y Diseño Urbano,, FACD-UBB / Director Laboratorio de Estudios Urbanos de la Universidad del Bío-Bío. [email protected], Avda. Collao 1202. Concepción-Chile. 13 1. Introducción A mediados del siglo XX, Chile implementó una política de estímulos gubernamentales descentralizadores que buscó desarrollar industrialmente el territorio, ejerciendo efectos sobre importantes ciudades medias como fue el caso Concepción y sus comunas aledañas, que experimentaron una expansión del producto interno bruto local, e incremento poblacional (Hernández, 1983; Aliste y Almendras, 2010), sentando las bases de lo que posteriormente se conocería como Área Metropolitana de Concepción. Ya transcurrido más de medio siglo de aquello y entrada la segunda década del siglo XXI, es posible apreciar, no sin contradicciones e inestabilidades, una consolidación de este sistema metropolitano intermedio, levantándose como uno de los más importantes a nivel nacional después de Santiago, la capital del país. Incidido tanto por su origen industrial, al amparo de un Estado proteccionista, como por la liberalización económica iniciada con la llegada del régimen militar en 1973 y continuada por los gobiernos que le han sucedido, el proceso de metropolización del Gran Concepción evidencia, en consonancia con las narrativas académicas imperantes, marcadas tendencias a la desindustrialización y tercerización de su economía, sin embargo, no está claro si el reordenamiento funcional y consolidación morfológica-estructural que ha soportado, acompañado e interactuado con dicha metropolización, estaría igualmente alineado a dichas narrativas o presentaría diferencias relevantes. De este modo, el devenir morfológico-funcional del Área Metropolitana de Concepción se presenta como una buena oportunidad para explorar y problematizar en torno a los discursos predominantes respectos de los procesos de (re)organización funcional y morfología estructural que estarían siendo precipitados por las fuerzas de una metropolización eminentemente neoliberal, marcada por la desindustrialización y tercerización económica. Para ello, el trabajo se focaliza en develar, desde un análisis espacial centrado en las tendencias de localización de la actividad económica no industrial, algunas de las dialécticas que se estarían dando entre estas tendencias ya mencionadas, y las transformaciones morfológico-estructurales del AMC. En consonancia con lo anterior, la discusión se inicia concordando definiciones y estableciendo los elementos más relevantes y coincidentes de la narrativa académica continental respecto de los procesos de metropolización y sus características de organización funcional y morfología estructural. Posteriormente se ponen en tensión dichos discursos y su aplicabilidad a contextos urbanos intermedios, esto a través de la exploración e interpretación de una serie de mapas temáticos que muestran las tendencias de dispersión-concentración de las actividades terciarias y su correlato con la morfología que ha tomado la estructura metropolitana del Gran Concepción. Finalmente se establecen algunas conclusiones preliminares y se consignan nuevas interrogantes. Objetivo del trabajo Desde el punto de vista de las discursivas académicas latinoamericanas, existe consenso en definir que las dinámicas metropolitanas observables han estado y siguen estando 14 intensamente afectadas por las trasformaciones político-económicas que se dieron a fines de los 60´ y principios de 1970 (Ciccolella, 1999), siendo plausible en este sentido, emparentar dicho proceso a la irrupción, instalación y consolidación del modelo neoliberal. Por otro lado, también existe acuerdo en caracterizar esta metropolización neoliberal, tanto en lo funcional, con el éxodo de los servicios comerciales y de alto nivel del centro tradicional y su consiguiente obsolescencia; como en lo morfológico-estructural, con sistemas metropolitanos que se soportan en estructuras urbanas polinucleares. Estos discursos, construidos preferentemente desde el estudio de las grandes ciudades capitales del continente, son los que muchas veces se extrapolan y utilizan como argumentos analíticos para escudriñar en las lógicas de metropolización de ciudades intermedias, entendiendo estas como estadios previos o realidades diferenciadas solo por una cuestión escalar y que inevitablemente van a confluir a un mismo proceso de reordenamiento funcional y modélica morfológica. Sin embargo, y como ya se mencionó, estas discursivas provienen del análisis de las grandes capitales nacionales del continente, donde el nivel de desarrollo infraestructural, concentración poblacional y tercerización económica ya eran relevantes y significativamente distintas a la de ciudades intermedias de la región, marcando un desigual escenario de entrada a los procesos de metropolización aquí en cuestión. De aquí que el presente trabajo encuentra relevante discutir y profundizar en los procesos morfológicos y funcionales de transformación-expansión de las ciudades intermedias, reivindicando la condición singular de estas y que no necesariamente se enmarcan en las narrativas de las grandes metrópolis latinoamericanas y sus transformaciones, en el entendido que estas han estado sometidas a los impactos del sistema neoliberal y procesos de metropolización desde un momento en el cual su nivel de consolidación urbana era ostensiblemente menor a las grandes capitales, y que por tanto se han forjado y madurado al amparo de este sistema, a diferencias de las grandes ciudades, donde la metropolización ha tenido una expresión morfológica fuertemente determinada por las preexistencias materiales. Para tensionar estos discursos, y ejemplificar lo expuesto, se analiza una ciudad intermedia con un avanzado proceso de metropolización, como es el caso del Área Metropolitana de Concepción, Chile, segunda concentración poblacional del país después de la capital, Santiago Propuesta metodológica En términos generales el concepto de policentralidad es recurrentemente medido desde dos ángulos; el morfológico, y el funcional (Maturana & Arenas, 2012), mediciones que se enmarcan en una mirada de escala regional, donde los centros son homologados a la ciudad como un todo y la policentralidad da cuenta del nivel de importancia y relación de las ciudades en la región. No obstante lo anterior, aquí el interés es explorar la cuestión funcional y morfológica a escala intra-metropolitana, dejando de lado las ciudades como entidades sujetas de análisis, esperando con ello dar cuenta de la forma que toma en el territorio la (re)organización funcional en las ciudades intermedias, poniendo en tensión los discursos predominantes que extrapolan las conclusiones y modelos decantados de las grandes capitales nacionales, a la realidad de las ciudades intermedias. En consonancia a lo dicho, el presente trabajo, de carácter exploratorio, plantea que los procesos de metropolización de ciudades intermedias, detonados tras la adopción e intensificación del modelo neoliberal, tendrían una expresión morfológica de estructuración urbana y procesos de (re)organización funcional, debiesen mostrar evidencias de 15 singularidades que no hacen siempre posible suscribir los concesos predominantes. Descartando el endoso conceptual que fija este proceso como un estadio urbano de expansióntransición que replicaría tendencias de reordenamiento funcional y cambio morfológico evidenciadas en las capitales nacionales y sus sistemas urbanos metropolitanos. Este eventual desacoplamiento de los discursos y narrativas académicas predominantes, se sustentaría en que las ciudades intermedias, a distingo de las grandes capitales nacionales, presentaban menores niveles de estructuración y consolidación urbana intercomunal al momento de entrar en el ciclo de metropolización neoliberal, permitido procesos morfogeneticos menos determinados por las preexistencias materiales. Es decir, las ciudades intermedias presentaría una menor fricción al proceso de ajuste reciproco entre la forma de intensificación y (re)organización funcional del territorio en metropolización, y la morfología de estructuración de ese tejido urbano metropolitano (espacio material). Marcando una dialéctica que estaría menos determinada por las preexistencias, y por tanto más indeterminada o más expuestas a la fuerzas del sistema político-económico vigente. Para los propósitos ya expuestos, se interroga un caso de estudio, explorándolo en tres fases: (i) (ii) (iii) 2. Pesquisa y análisis; compuesta por la búsqueda, levantamiento y espacialización de usos de suelo y relato morfológico de la metrópolis en construcción, a partir de una categorización de 4 grupos de servicios intercomunales; (a) Primarios, considerando los equipamientos de salud y educación; (b) Banales, como gastronómicos, de entretención y comercio detallista; (c) culturales; y (d) Alto nivel, dentro de los cuales están financieros, legales y creativos. Para el catastro de usos se recurrió al directorio comercial de los 12 municipios que según el Plan Regulador Metropolitano de Concepción componen la metrópolis, contabilizando solo aquellos vigentes a la fecha y excluyendo los de menor tamaño o cobertura comunal. Correlativamente se hizo un análisis en su propio mérito de los distintos planos temáticos levantados. Interpretación; con los mapas de servicios levantados, con el Área Metropolitana caracterizada según vialidad estructurante y centros fundacionales comunales, se realizó una sobreposición intencionada de mapas, con lo cual se hacen una serie de interpretaciones en torno a la cuestión en estudio. Conclusiones; finalmente se hacen algunas consideraciones en torno a las interpretaciones conjunta de los mapas levantados y cruzados, dando pábulo a algunas a reflexiones, cuestionamientos y nuevas interrogantes respecto al caso. Aproximaciones a los discursos de la metropolización neoliberal En las últimas décadas del siglo XX, las economías industrializadas atravesaron por una crisis económica de proporciones, misma que le permitió a la derecha radical de aquel momento, sentenciar a la planificación urbana como un instrumento distorsionador e inhibidor del funcionamiento de las leyes de mercado, culpable de la crisis al haber obligado a los empresarios a elegir lugares que no eran los óptimos, ahogando el espíritu empresarial e inhibiendo el progreso de las ciudades (Hall, 1996). Este contexto posibilitó que el capital financiero emprendiera una ofensiva en contra la intervención estatal y sus regulaciones (Pérez, 2004), planteando una única solución posible a la crisis, y esta era el pleno restablecimiento del juego de las fuerzas del mercado, limitando el papel del Estado a crear y preservar el marco institucional apropiado para ello (Harvey, 2007, 2008). 16 Pero la crítica a la planificación urbana centralizada no solo estaba afincada en su carácter estatista, regulatorio y distorsionador del mercado, sino que también estuvo presente del mismo momento en que la apertura económica de posguerra y la expansión del pensamiento neoliberal fue dando mayor protagonismo a las determinantes extra-locales en la forma urbana (Friedmann,1992), ayudando a expandir el convencimiento de una ciudad que se construía por una combinaciones de poderes sin identidad legible, sin asideros, sin transparencia, imposibles de manejar, por tanto había que desistir de aquel vano intento y dejar que funcionaran las fuerzas invisibles del mercado (De Certeau, 2002). La ciudad y sus complejidades no podía seguir siendo la idea central organizadora tras el esfuerzo planificador (Webber, 1968), dándose por fracasado el sueño orgulloso y totalitario de tratar la sociedad a través de las formas espaciales (Dupuy, 1998). Tras la expansión del pensamiento neoliberal y el desandamiaje de la planificación urbana, se da un periodo de expansión y reestructuración urbana, marcado por la desconcentración de la residencia primero y del empleo después, lo que llegó a ser un fenómeno universal en prácticamente todas las áreas metropolitanas del mundo (Hall, 1997), y mientras las nuevas periferias se independizaban de la ciudad, creando sus propios centros, los centros fundacionales entraban en decadencia (Koolhaas, 1995; Fishman, 1987). Durante el último tercio del siglo XX, esta visión neoliberal llegó a Latinoamérica, de la mano de sendas dictaduras que impusieron a fuerza el nuevo modelo, promoviendo la desregulación, privatización y retirada del Estado (Meyer & Bähr, 2001), permitiendo en una primera instancia aumentar los flujos de capital internacional y la participación de actores privados en el desarrollo de proyectos de asociación público-privada, dando como resultado ciudades económicamente más abiertas, cuyas nuevas formas de urbanización y organización han venido respondiendo cada vez más a lógicas neoliberales de comercialización, y generación de valor (Janoschka, 2002), que a la proyección centralizada de un ideario de ciudad, dando pie a un emergente orden espacial que estaría replicando en las grandes ciudades del continente, las tendencias observadas en los países industrializados (Ciccolella, 1999; De Mattos, 1999). Es decir, se estaría produciendo una generalizada metropolización de las grandes ciudades, entendiendo esto como un proceso que afecta las relaciones intra e interurbanas, estructurando, controlando y especializando el territorio, intensificando las relaciones dentro de la propia ciudad y de esta con los centros urbanos próximos hasta conformar nuevas unidades funcionales, las metrópolis, (Gaussier, Lacour & Puissant, 2003). Esta latino-metropolización neoliberal aún busca definición, metrópolis expandidas (De Mattos, 1999), ciudad perforada (Janoschka, 2002), o ciudad fragmentada (Borsdorf, 2003), son algunos acercamientos que pese a la diversidad reconocen la estrecha relación entre la (re)organización funcional de la metrópolis y su forma construida, marcada por la expansión de las actividades económicas terciaria en la periferia de los sistemas metropolitanos (Aguilar, 2002), y una estructuración urbana polinuclear (Aguilar, 2002; Cicolella, 1999; De Mattos, 2002), tendencias que estarían diluyendo tras de sí las tradicionales estructuras urbanas (Janoschka, 2002; Meyer y Bähr, 2001; Cabrales y Canosa, 2002). En Latinoamérica, la expansión de las actividades económicas hacia la periferia y la consiguiente morfología polinuclear se ha venido dando principalmente por dos fenómenos de relevancia. El primero es la modernización del comercio detallista e instalación de grandes operadores de retail, introduciendo y apropiando la tipología shopping mall (De Mattos, 2010), no pocas veces acusada de ser la causante de la obsolescencia de los centros tradicionales (Sarlo, 1994, 2006, 2009; Janoschka, 2002; Artigas, et al., 2002; Carman, 17 2006; López Levi,1997, 1999; Eerola, 2006; Ramírez Kuri, 1993). El otro fenómeno de importancia es el éxodo de las actividades terciarias, creando distritos de servicios fuera del centro tradicional (De Mattos, 2010), ejemplos de esto son los casos de Ciudad de México y los centros de servicios de Santa Fe y el Bosque (Parnreiter, 2002, 2011), Lima y el distrito financiero de San Isidro (Chion, 2002), Buenos Aires con el eje norte y el barrio del Pilar (Ciccolella, 1999); o Santiago, con el eje oriente, Las Condes-Vitacura, y la Ciudad Empresarial de Huechuraba (Ducci, 2000). 3. Caso de estudio: Área Metropolitana de Concepción (AMC). Región del Bío-Bío, Chile Si intención de entrar en la discusión, aún abierta, sobre que es una ciudad intermedia, se hace necesario decir que la elección del caso de estudio, el Área Metropolitana de Concepción (AMC), se hace en razón de considerarse como una ciudad intermedia, al cumplir las premisas básicas que definen a este diverso grupo de ciudades, es decir, ejercer un reconocido rol de intermediación entre los núcleos más pequeños y la grandes áreas metropolitanas (Michelini, J. & C. Davies, 2009), pero también cumple los siguientes puntos: (i) no es capital nacional, (ii) articula el territorio y funciona como centro de referencia para un territorio más o menos inmediato; (iii) es centro de bienes y servicios, más o menos especializados para la población del mismo municipio, y de otros más o menos cercanos; (iv) constituye un centro de interacción social, económica y cultural; (v) está ligada a redes de infraestructura que conectan redes locales, regionales, nacionales, e incluso internacionales; (vi) articula flujos; (vii) aloja niveles de administración del gobierno local, regional y subnacional. (Llop, 1999). Al igual que en la gran mayoría de los países del continente, la investigación desarrollada sobre ciudades intermedias es ostensiblemente menor en relación a la existente para las capitales nacionales, no obstante ello, en los últimos años se ha venido acuñando importante conocimiento en torno a Concepción y su proceso de metropolización, el que no ha escapado a los diagnósticos globales, siendo descrito como un sistema urbano policéntrico y multifuncional (Vásquez, 2005), estructura urbana funcionalmente bicentrica, conformada por los municipios centrales de Concepción y Talcahuano, esto medido en flujos laborales, precios de suelo y densidad poblacional (Rojas, et al., 2009). También destacan los estudios sobre las formas de consolidación y conurbación, identificándose tres patrones; crecimiento por acreción, por expansión tentacular y por salto de rana (Aliste et al., 2012), los cuales quedarían circunscritos en términos generales a un crecimiento del tipo dispersión aglomerada (Rojas, et al., 2013). Otros autores definen el modelo metropolitano de Concepción como un modelo intermedio, caracterizado por un crecimiento moderado del suelo urbano, con tendencia a localizar nuevos tejidos en sus áreas medias (Salinas & Pérez, 2011). El Área Metropolitana de Concepción (AMC) o también llamada metrópolis penquista, comienza a configurarse en los primeros años de la segunda mitad del siglo XX, precipitada por un proceso de industrialización y crecimiento poblacional, deviniendo en un conglomerado de 11 comunas dentro de la cual esta Concepción, capital de la región del BíoBío, segunda más poblada de Chile, después de la Metropolitana (Instituto Nacional de Estadísticas, INE, 2012), pero novena en términos de ingreso, con un per cápita de U$4.000 (INE, 2012). La superficie regional es de 37.068,7 km2, representando el 4,9% del territorio Chileno Americano e Insular. La región está divida en cuatro provincias; Concepción, Arauco, Bío-Bío y Ñuble, y posee solo un Área Metropolitana consignada en los Instrumentos de Planificación Territorial supra-comunal, el Gran Concepción. 18 La Provincia de Concepción por su parte, tiene una superficie total que llega a los 3.439 km2 y una población de 1.027.373, la cual está dividida en doce comunas. Concepción es la comuna capital provincial y regional, con una población estimada al 2012 de 229.665; las comunas centrales del AMC como Talcahuano, tiene 171.332 habitantes; Chiguayante, 128.110; San Pedro de la Paz, 98.936; Hualpen, 84.484; y Penco, 54.102. Luego le siguen las comunas más periféricas como Coronel, 110.623; Lota, 47.675; Tome, 56.410; Hualqui, 22.880;Santa Juana; 13.453; y Florida, 9.703. Bajo la división político-administrativa de escala provincial, y por sobre la comunal, se encuentra un Instrumento de planificación territorial de escala metropolitana, el Plan Regulador Metropolitano de Concepción, el cual rige el Área Metropolitana de Concepción (2002), constituida por 11 municipios, todas las comunas de la Provincia, excepto Florida, dado que esta última es de población mayoritariamente rural y no presenta el nivel de relaciones funcionales y económicas que si evidencian las demás. Dentro de esta área metropolitana, las comunas de mayor densidad y dinamismo, son sin duda Concepción y Talcahuano, le siguen Hualpen, Chiguayante y San Pedro de la Paz, siendo estas dos últimas, recientes divisiones de las comunas centrales, Talcahuano y Concepción respectivamente, y cuyo carácter es de ciudades dormitorio, concentrando el mayor crecimiento residencial del AMC, pero a la luz de los resultados, evidenciando igualmente actividad comercial y de servicios, cuestión que disminuye notablemente cuando de las comunas periféricas se trata. 4. Explorando la (re)organización funcional del AMC Antes de que se iniciara el proceso de metropolización que afecta desde mediados del siglo XX a los núcleos urbanos del actual Gran Concepción o AMC, sus centros urbanos tradicionales contenían la totalidad de los servicios comunales, y aquellos de cobertura intercomunal estaban emplazados exclusivamente en el centro fundacional de Concepción, capital provincial y regional. De este modo, los centros tradicionales eran los núcleos de servicios y las periferias estaban destinadas a residencia, mientras el extrarradio era suelo agrícola e industrial, existiendo una marcada discontinuidad de lo construido entre cada núcleo urbano, y si bien la industrialización y la necesidad de trasportar materias primas y bienes manufacturados, fueron nerviando el territorio (las principales infraestructuras interurbanas tienen su origen en esto), dando el basamento a la actual forma metropolitana, fue el golpe de Estado de 1973, el que cambió radicalmente este escenario, haciendo suyo el discurso neoliberal, abriendo la economía, derogando las medidas proteccionistas de la industria local y desarmando los elementos regulatorios de ordenamiento funcional de las ciudades, siendo precisamente lo que de esto ha devenido, el objeto de esta inicial exploración. De las cuatro categorías de servicios levantados en el AMC, la primera en ser revisada fue la de los servicios primarios, entendiendo con ello los servicios de salud y educación; aquí sin duda existen factores que condicionan fuertemente su localización, uno de ellos es la intención distributiva que ejerce el Estado para la implantación de aquellos servicios de carácter público, ya sean escuelas, consultorios y hospitales, no obstante, también existen aquellos servicios básicos privado, cuyo principio de localización se vuelve relevante para este estudio por cuanto no están supeditados por el aparato estatal. Dentro de estos últimos están las clínicas, consultas médicas, centros dentales, universidades, institutos profesionales (IP), centros de formación técnica (CFT), colegios particulares y particulares subvencionados, 19 todos con radios operacionales intercomunales. Dicho esto, los planos de espacialización de servicios aquí llamados primarios (Fig.1) permiten identificar que una de las dos comunas centrales, Concepción, y específicamente su centro tradicional, mantiene la mayor oferta de servicios de salud y educación metropolitanos, no así Talcahuano, la otra comuna central. Sin embargo, cuando se desagrega entre servicios públicos y privados, la participación de estos últimos en las comunas de la primera corona, como San Pedro de la Paz, Chiguayante y Hualpen se vuelve significativa, no así en las comunas periféricas del área metropolitana, como Tome, Penco, Hualqui, Coronel y Lota, donde la oferta es escasa y exclusivamente pública, estimándose importantes desplazamientos desde las comunas de la segunda corona hacia las comunas centrales. Otra cuestión relevante que dejan ver los planos, es la una relación entre la concentración de estos servicios, y los centros urbanos tradicionales de las comunas, por lo menos para las nucleares y pertenecientes a la primera corona, es decir, los servicios intercomunales primarios se concentran en los tejidos históricamente centrales de las comunas. También toma relevancia la accesibilidad intercomunal que van dando las vías estructurante del AMC, por lo que los núcleos de servicios primarios de estas comienzan a evidenciar una morfología lineal, tal es el caso de San Pedro de la Paz y Chiguayante. Las únicas aglomeraciones que parecen escapar, en parte, a esta lógica son las concentraciones de servicios que se aprecian en el centro urbano fundacional de Concepción, y en el punto de encuentro de los límites comunales de Talcahuano, Hualpen y Concepción. Esta última es una aglomeración excéntrica a los tejidos históricamente centrales de estas comunas, lo que se está dando en torno al shopping mall Plaza del Trébol (1994), donde no solo se han instalado oferta educativa privada, sino también clínicas y centros de salud privados. Fig. 1 Espacialización de servicios básico en el Área Metropolitana de Concepción 20 21 Fuente: elaboración propia Finalmente, es posible decir que la cobertura territorial de estos servicios, por lo menos dentro del AMC, es mayor en los equipamientos de salud, que en los educativos, estos últimos presentan mayor concentración. El segundo grupo de servicios levantados y espacializados, fueron los banales, los que a su vez se dividieron en dos subgrupos; equipamientos comerciales, y servicios gastronómicos y de entretención, todos de escala intercomunal (Fig.2). En relación a los primeros, los servicios comerciales, específicamente el comercio detallista, tanto de bienes durables como no durables, se identificó una importante participación del centro tradicional de Concepción y de menor medida del centro tradicional de Talcahuano. También fue posible apreciar una participación de las comunas de la primera corona, con localizaciones muy similares a las vistas en los servicios primarios, es decir, en tejido central y vía estructurante, con un marcado carácter lineal. Nuevamente se aprecia como singularidad que escapa al patrón identificado, tanto de localización como de morfología, la importante participación que tiene el núcleo que se ha conformado alrededor del shopping mall Plaza del Trébol. 22 Cuando fueron los servicios gastronómicos y de entretención, los analizados, fue posible identificar que estos no solo se mantenían en el centro fundacional, sino que se desbordan de este, ampliando la influencia del centro hacia el sur oriente de la comuna central, creando un distrito temático-gastronómico de morfología lineal, en torno al eje estructurante ConcepciónChiguayante, también se aprecia una aglomeración de importancia en la ribera sur del rio BíoBío, en la comuna de San Pedro de la Paz, y en la costa de Hualpen, estas últimas con una marcada situación areolar. El Mall Plaza del Trébol y el Casino de Juegos, son importantes equipamientos que concentran dentro de sí y a su alrededor servicios banales, constituyendo áreas que se están conurbano en torno a corredor metropolitano Concepción-Talcahuano. Fig. 2. Espacialización de servicios banales en el Área Metropolitana de Concepción 23 24 Fuente: elaboración propia A diferencia de la capa anterior de servicios primarios, los servicios banales están tendiendo a generar distritos temáticos, como barrios gastronómicos o bohemios, presentando mayor independencia de los centros urbanos tradicionales, pero no así de la ciudad tradicional, ejerciendo una fuerza renovadora de antiguos barrios residenciales de la comuna central y pericentrales como San Pedro de la Paz o Hualpen, caso aparte es el ya mencionado nudo del trébol. Otra característica es la conectividad de estos distritos gastronómicos, los que se encuentran en los ejes estructurante del AMC, marcando con ello su morfología y distribución locacional, cuando no sigue un patrón lineal de posicionamiento, el sistema areolar se cuelga de este, por tanto cabe pensar que el proceso de autoorganización de estos actores, está marcado por su público objetivo, el que participa primordialmente del trasporte privado. Los servicios banales muestras ciertas similitudes y diferencias que deben ser mencionadas. La primera es que estas actividades muestran dos claros y marcados patrones de localización; por desborde o expansión en continuidad a las áreas centrales tradicionales, y de dispersión concentrada, marcando discontinuidades en base emergentes distritos temáticos en sectores pericetrales de las comunas. El retail presenta coincidencias locacionales con los servicios gastronómicos Fig. 3. Espacialización de servicios culturales en el Área Metropolitana de Concepción 25 Fuente: elaboración propia El tercer grupo de servicios levantados, son los culturales (Fig.3), aquí, y a diferencia de los anteriores, el nivel de concentración en el centro urbano tradicional de Concepción mantiene una primacía sin contrapeso, no obstante, y aunque de menor magnitud a lo ya visto, resulta significa la atracción que nuevamente presenta el shopping mall plaza del trébol, el cual se va constituyendo como una segunda centralidad cultural, de todas maneras superado con distancia por el centro tradicional el que tiene y mantiene su liderazgo. La lógica de localización presente en los servicios culturales, es por decirlo así, tradicional, circunscritas no solo a la comuna central, sino que dentro de estas al centro urbano fundacional, sin embargo, y dejando de lado lo que ocurre en torno al shopping mall, aparecen iniciativas privadas aisladas en la comuna de San Pedro de la Paz, que pueden asociarse a los recientes enclaves de altos ingresos conformados por los barrios de Idahue, Andalue y el Venado. Fig. 4. Espacialización de servicios financieros y legales en el Área Metropolitana de Concepción 26 27 Fuente: elaboración propia El centro tradicional de la comuna históricamente central, Concepción, sigue siendo el centro de la vida artística y cultural de la metrópolis, concentrando casi toda la oferta cultural metropolitana, teatros, museos, galerías de arte, conservatorios de música, librerías y corporaciones culturales, aquí están presentes, marcando una paradoja respecto de un centro tradicional que alberga las principales vanguardias artísticas locales, siendo lugar de festividades artísticas, murgas, y cuanta manifestación artística callejera suele darse, tanto organizada como espontanea El último grupo de servicios levantado, son los llamados de alto nivel, servicios terciarios compuestos por el subgrupo financiero, legal y finalmente creativo, a su vez este último se desagrega en dos ítems; diseño, y arquitectura y publicidad. En cuanto a los primeros (Fig.4), financieros de alto nivel (servicios a empresas), estos no han experimentado dispersión alguna, siguiendo totalmente concentrados en la comuna de Concepción y dentro de esta, en forma exclusiva dentro del centro urbano tradicional, no se visualiza la conformación de distritos financieros fuera de lo que podría denominarse el distrito financiero central metropolitano. A diferencia de los servicios levantados anteriormente, la centralidad conformada por el mall Plaza del Trébol no es significativa cuando de servicios financieros de alto nivel se trata, es decir, la dispersión-concentración de los servicios banales no han 28 ejercido influencia en los patrones de dispersión-concentración de los servicios financieros de alto nivel. Para el caso de los servicios legales (Fig.5), estos muestran un patrón de dispersión concentrada correlativo al de los centros urbanos tradicionales de las comunas, es decir, están ubicados casi exclusivamente en los centros fundacionales o tradicionales de las comunas centrales, pericentrales y periféricas del AMC, y nuevamente la influencia del shopping mall plaza del trébol en el patrón de localización de estos servicios, es casi nula pero no inexistentes, de hecho en el propio centro comercial existe una de las pocas notarias que atiende los fines de semana, pero el resto y especialmente los bufetes de abogados, prefieren los centros fundacionales y de estos el de Concepción lidera la oferta. De lo anterior, es posible decir que el centro urbano tradicional de la comuna de Concepción, que históricamente había alojado los servicios comunales de alto nivel, ha servido de soporte para la instalación de la actividad financiera y legal metropolitana del AMC, manteniendo su poder como centro decisional y de direccionamiento de los flujos económicos intra y extrametropolitanos. El tercer subgrupo de los servicios de alto nivel (Fig.5), son los creativos, divididos a su vez en diseñadores, en sus distintas manifestaciones, y arquitectura y publicidad. Aunque los primeros presentan mayor grado de dispersión, para ambos este es bajo y la concentración en el centro tradicional de Concepción, se mantiene alta. Otra cuestión significativa es que la centralidad del Mall Plaza del Trébol, no presenta oferta para este tipo de servicios. Los servicios creativos medios (diseño industrial, interiores, etc…), presentan mayor dispersión, estando presente en las comunas centrales, Concepción y Talcahuano, y solo en una comuna de la primera corona, San Pedro de la Paz, en el resto de las comunas del AMC no se evidencia presencia de este tipo de servicios. En el caso de los servicios creativos de arquitectura y publicidad, es posible apreciar un grado de concentración aun mayor marcando solo presencia en una de las dos comunas centrales, Concepción, y ligera presencia en la primera corona, San Pedro de la Paz nuevamente. Es plausible decir que el centro urbano tradicional de la comuna central, Concepción, es el centro de los servicios creativos de alto nivel del AMC, no apreciándose la conformación de distritos o corredores creativos fuera de este, así también, dentro del centro se aprecia micro concentraciones que dan cuenta de potenciales clusters creativos de importancia. Fig. 5. Espacialización de servicios creativos en el Área Metropolitana de Concepción 29 30 Fuente: elaboración propia Tanto los servicios financieros, como legales y creativos, no han experimentado procesos de autoorganización que se hayan traducido en la creación de nuevos distritos, nodos o corredores fuera del centro tradicional, cuestión que marca una diferencia con lo apreciable en las capitales nacionales, tampoco existen evidencias que puedan advertir que esto ocurra en un mediano plazo, no obstante, y aunque hasta el momento no existe correlación, de ocurrir, podría ser precisamente el nodo vial del mall Plaza del Trébol, el lugar elegido para ello, dada la concentración de equipamientos, proximidad al aeropuerto y disponibilidad de espacio. En síntesis, el centro urbano tradicional de Concepción, sigue teniendo una importante participación dentro de la oferta de servicios, manteniendo una atractividad como distrito polifuncional, distinguiéndose de otros centros emergentes por la diversidad de usos, funciones y servicios que alberga. En este sentido, existen servicios que no han experimentado fenómenos de dispersión significativos, manteniéndose y ampliándose dentro del centro tradicional, este es el caso de los servicios culturales, financieros, legales y creativos. Aunque el centro urbano tradicional de Concepción mantiene una situación dominante en los otros servicios, considerados primarios, como salud y educación, o banales como consumo, ocio y recreación, existe una marcada tendencia a la dispersión, la que se concentra en torno a los tejidos centrales de las comunas de la primera corona, y a las vías que lo estructuran con la metrópolis. Singular y relevante es el caso del nodo conformado por el centro comercial, Mall 31 Plaza del Trébol, única centralidad, a estas alturas no solo comercial sino más bien urbana, que puede definirse como propiamente metropolitana, dado que surge y se consolida durante los últimos 20 años, generando una centralidad con la diversidad de usos que la define como tal pero sin la proximidad espacial tradicional que la caracterizaba. Una de las cuestiones que pueden discutirse a la luz de lo expuesto, es la dualización del centro tradicional, aquí convergen tanto los grupos dirigénciales y trabajadores de los servicios de alto nivel, como también lo grupos más vulnerables y desfavorecidos, que encuentran en este lugar una importante geografía de oportunidades. Paralelamente, para cada vez más habitantes de los estratos medios, el centro tradicional va perdiendo relevancia cotidiana frente al nodo metropolitano constituido en torno Mall Plaza del Trébol, centro urbano metropolitano que va hilvanando una vida cotidiana metropolitana cada vez más centrada en el consumo, el ocio y la recreación. 5. Explorando la morfología del AMC Si se hiciese el ejercicio de sobreponer todas las capas de servicios aquí levantadas, se evidenciaría que dentro del bi-nucleo central de la metrópolis penquista compuesto por las comunas Talcahuano y Concepción, esta última lidera la oferta de servicios de escala metropolitana, manteniendo su vigencia como centro no solo comunal y regional, sino también metropolitano. Otra cuestión relevante, es la desigual dispersión de servicios, concentrándose en los lugares de confluencia entre vialidades de estructuración metropolitana y tejidos centrales de las comunas de la primera corona, de aquí el carácter lineal de estos corredores de servicios. También se aprecia una baja participación de las comunas de la segunda corona, las que contendrían núcleos de servicios exclusivamente comunales y muchas veces de administración pública. Otra cuestión relevante es que en la confluencia de los límites de las tres comunas centrales, se ha levantado un importante núcleo de servicios metropolitanos, de nuevo cuño, cuyo origen no está en haber sido un centro comunal tradicional, sino que se produce y organiza desde un comienzo como un tejido funcionalmente metropolitano. Muchas veces se suele estimar como un indicador de metropolización avanzada, el surgimiento de infraestructuras de circunvalación, orbitales o coronas de transporte perimetral, cuya definición se hace en referencia al casco fundacional central; su presencia sería la expresión material de viajes tipo periferia-periferia, lo que a su vez habla de la polifuncionalización de los suburbios residenciales y su polinucleacion. En este sentido, el Área Metropolitana de Concepción, al parecer no tendría circunvalares y por tanto estaría en un estadio de metropolización menor, quedándole camino por recorrer para llegar a ser la metrópolis policentrica que se supone debe llegar a ser. No obstante, cuando el punto de referencia ya no es el centro tradicional de la comuna central, Concepción, sino que es el nodo del trébol, efectivamente es posible decir que el AMC posee una primera corona o circunvalar completa, y una segunda corona en desarrollo (Fig.6). Es decir, el estadio de metropolización del AMC no solo es alto, sino que también se ha traducido en una forma de estructuración metropolitana muchos más entronizada con los nuevos valores neoliberales que la sustentan. Fig. 6. Infraestructura de transporte metropolitana y sobreposición de servicios en el nodo del trébol 32 Fuente: elaboración propia Los centros fundacionales de carácter cívico-político, al igual que el interés ciudadano por la política, han quedado en los márgenes de esta nueva estructura metropolitana, y del mismo modo en que el eje central de la vida cotidiana se ha trasladado al consumo y ocio hedonista, el nuevo centro geométrico de la metrópolis está precisamente en el núcleo de servicios que se inicia con el mall Plaza del Trébol pero que actualmente trasciende su rol como centro de servicios banales, concentrando servicios de salud, educación, y recreación. Junto a lo anterior, y teniendo en cuenta el punto de vista que se propone para la interpretación de la forma metropolitana, no parece que la morfología de esta vaya camino a una estructura polinuclear, sino más bien parece estar consolidándose un modelo de “metrópolis supernuclear”, que estaría trasladando el centro de la vida cotidiana de cada vez 33 más habitantes, desde los cascos fundacionales de las ciudades, a un nuevo centro, fundado en las periferias comunales, pero que rápidamente parece consolidarse como el nuevo centro de un estilo de vida metropolitano, basado en el consumo, el ocio y recreación. Paralelamente, la primera orbital se presenta como un cordón vial que une los distintos centros urbanos tradicionales a modo de una periferia histórica que observa a un centro fundacional metropolitano en formación. De este modo, la construcción de la metrópolis penquista se ha dado mediante una suerte de urbanización inversa, con periferias metropolitanas donde está la historia de las comunas y centros fundacionales, y un nuevo centro fundacional metropolitano, sin pasado, en constante construcción y cambio, con una diversidad de usos y funciones, que ya no da cuenta de la proximidad peatonal que caracterizó a los centros tradicionales, sino más bien al espaciamiento propio del automóvil, aquí solo esta lo que le importa al grueso de la población, es un centro de servicios privados. Sin embargo, los servicios de alto nivel aún siguen circunscritos a los centros comunales, ahora, y hablando en términos morfológicoestructurales, periferias metropolitanas. Y si bien, plantear que la implantación y profundización del modelo neoliberal, habría provocado un desplazamiento de los ejes de la vida cotidiana, asociándolo a la pérdida de importancia por la política y la relevancia que ha cobrado el consumo, ocio y recreación hedonista, es una cuestión que puede ser llevado al contexto nacional y por cierto a la capital nacional, Santiago, aquí, en el AMC, aún en formación, es donde parece que el discurso ha tomado forma. En resumen, parece existir un correlato mucho más relacionado, entre la estructuración de un nuevo estilo de vida metropolitano, la (re)organización funcional de los servicios cotidianos que impone la metropolización neoliberal (dispersión-concentrada), y la morfología que ha adoptado la estructuración metropolitana. 6. Consideraciones finales; ¿metrópolis supernuclear? Chile es uno de los países más neoliberales del continente, su normativa urbana se caracteriza por laxay sus instrumentos de planificación territorial (IPT) por ser reactivos, cumpliendo muchas veces la función de ratificar las tendencias de mercado, por tanto es posible suponer que el (re)ordenamiento funcional que afecta a las ciudades sometidas a procesos de metropolización, no solo está determinado por las preexistencias, las normativas e IPTs, sino también, y en mayor medida, por los procesos de autoorganización espacial de los agentes privados, dando forma a este reordenamiento funcional metropolitano. La literatura especializada latinoamericana concuerda en establecer dos principales fenómenos de gran capacidad para rejerarquizar y reorganizar el tejido urbano, factores fundamentales del proceso de traspaso de la ciudad nuclear a la metrópolis multi-centrada; el primero, es la introducción tipológica del shopping mall y sus lógicas de localización (Alonso, 2005; Debord, 1999; de Mattos, 1999, 2010; Vecslir & Ciccolella, 2011; Escolano & Ortiz, 2005, Napadensky, 2012); y el segundo, la descentralización de las funciones urbanas terciarias hacia nuevos polos (Parnreiter, 2002, 2005; Lopez Levi, 2007; Iglecias, 2001; Chion, 2002; Ludeña, 2002; Janoschka, 2002; Ciccolella, 1999). Ambas tendencia tendrían un correlato marcado por la obsolescencia de los centros urbanos tradicionales (Sarlo, 1994, 2006, 2009; Janoschka, 2002; Artigas, et al., 2002; Carman, 2006; López Levi,1997, 1999; Eerola, 2006; Ramírez Kuri, 1993). 34 Pese a lo anterior, la pesquisa determinó que el caso en cuestión se aleja de la narrativa predominante, por cuanto el primer proceso, es decir, la introducción del shopping mall, no ha ayudado a la poli-nucleacion, sino más bien a la construcción de un gran y único “supernucleo metropolitano”, y en cuanto a lo segundo, las funciones terciarias no se han descentralizado, sino más bien se han hiper-centralizado en el centro urbano tradicional de la comuna históricamente central. Habría que decir que el correlato esperado no está presente, por cuanto el proceso de metropolización en desarrollo no ha promovido la obsolescencia funcional del centro tradicional, sino más bien su especialización, creando una nueva dimensión y rol como espacio de poder, ubicado entre la escala comunal y regional, concentrando funciones y servicios de alto nivel de alcance metropolitano. Otra cuestión relevante que se puede concluir, es que las nuevas jerarquías catalizadas por la dispersión de los servicios primarios y banales, aun no son competitivas frente al centro urbano tradicional que sigue atrayendo las actividades y servicios culturales y de alto nivel, especialmente los financieros, legales y creativos. Sin embargo, no se puede desconocer que la metropolización y su actual estadio, evidencian un fuerte impulso difusivo y concentrador de los servicios a las personas que hace prever que esto pueda cambiar en el mediano plazo. De este modo, y frente a la pregunta si el proceso de metropolización del Gran Concepción está dando pie a nuevas jerarquías funcionales, la respuesta que arroja el estudio es sí, no obstante, son los servicios banales, los que están liderando la reestructuración del espacio metropolitano, los servicios primarios privados siguen la tendencia, mientras que la ciudad tradicional y su centro fundacional, retienen los servicios de alto nivel y funciones innovadoras, de comando-control, y de producción y difusión cultural. La suma de iniciativas privadas, independientes y asincrónicas, que están produciendo la pieza urbana aquí llamada supernucleo metropolitano, en su conjunto denotan una profunda alteración en las formas de producción y organización espacial de la ciudad; emergente sistema de desarrollo urbano, marcado por la autoorganización de los agentes empresariales, quienes levantan la fragmentación del suelo y agregación de usos, como una operación de diseño urbano, pilar fundamental en la producción de un singular modelo de metrópolis aquí llamado, supernuclear. La auto-organización de los agentes económicos y su reordenamiento en el espacio urbano ampliado, da cuenta del accionar de activos e innovadores agentes locales privados, cuya concreción material visibiliza tardíamente el cambio en las relaciones de poder y descentralización de los esfuerzos totalizadores de la planificación centralizada del Estado, en favor de los distintos y emergentes actores de mercado de gran escala, iniciado en los primeros años de 1973. La metrópolis supernuclear que esta emergiendo, es a juicio de este documento, la evidencia física del relevo del proyecto cívico de ciudad por otro fundamentalmente económico, dejando al descubierto el correlato del devenir material que acompañó la desregulación del suelo urbano y el cambio en las relaciones de poder entre Estado y privados. Habrá que estudiar cual es la incidencia de esto en la proyección social de los cambio políticoeconómico impuesto a partir de 1973, y como puede estar modificando las formas de convivencia social y estilos de vida pública de la ciudad. Finalmente, del caso explorado se puede generalizar que la expansión-transformación de las ciudades intermedias en procesos de metropolización, no está siendo una simple resultante de 35 su entorno, ni tan solo el encuentro de un genérico proceso de metropolización, con un singular territorio urbano, más bien es posible decir que estos espacios, su (re)organización funcional y morfología estructural, están siendo producto pero también productores de su entorno socio-material, espacios que entronizan y articulan en una compleja dialéctica, los sistemas político-económico y sociales, con las formas de urbanización y vida colectiva de la ciudad, deviniendo en nuevos estadios metropolitanos mucho menos determinados por las preexistencias, y por tanto más indeterminados, novedosos y representativos del modelo de ciudad impuesto, apropiado y adapatado. Bibliografía - - - Aguilar, A. (2002). 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Anderson Mendes Rocha2 RESUMO Este artigo pretende realizar apontamentos preliminares acerca da redefinição da centralidade na cidade de Santa Maria/RS. Assim, por meio do método analítico-regressivo-progressivo de Henri Lefebvre (1978), busca-se (a) a caracterização de Santa Maria na atualidade, (b) o retorno ao passado para compreender as origens da redefinição da centralidade na cidade e (c) a realização de apontamentos sobre as tendências percebidas. Esse estudo está inserido nas discussões referentes ao policentrismo nas cidades latino-americanas, com ênfase nas cidades médias brasileiras. Palavras-chave: policentrismo, descentralização, cidades médias. 1. Introdução “A cidade atual caminha em direção ao policentrismo” (LE GOFF, 1998, p. 144-145). Ao final da obra Por amor às cidades, Jacques Le Goff e Jean Lebrun discutem a transição das cidades atuais ao policentrismo. Se o termo “cidade atual” empregado pelos autores estiver se referindo à metrópole, uma série de outros intelectuais parece estar de acordo sobre esta caminhada ao fim da centralidade única, dentre os quais podemos destacar Blumenfeld (1972) e Mattos (2006). Cabe, por outro lado, perguntarmo-nos se esse policentrismo é algo restrito à metrópole ou um fenômeno presente em cidades de outros tamanhos. Afinal, qual o tamanho mínimo para uma cidade se tornar policêntrica? Desde 1980, as dinâmicas da urbanização no Brasil têm resultado em transformações na rede urbana do país que colocam as cidades médias como importantes nós das redes urbanas regionais. Já na década de 1990, no âmbito do espaço intraurbano, encontramos transformações na morfologia urbana dessas cidades, convergindo com mudanças na 2 Graduado em Geografia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Mestrando do Programa de Pósgraduação em Geografia (POSGea) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É bolsista CAPES e está vinculado ao Laboratório do Espaço Social (LABES) – UFRGS. 38 morfologia das metrópoles. Nesse contexto, alguns estudos têm apontado evidências de que algumas cidades médias brasileiras estão a caminho do policentrismo – fenômeno outrora restrito à metrópole. Santa Maria, cidade média localizada na porção central do Rio Grande do Sul (RS), possui seu setor terciário desenvolvendo-se em duas áreas, nos extremos leste e oeste da cidade, distantes geograficamente do Centro Principal. Seria, pois, Santa Maria um espaço em transição3 para o fim da centralidade única ou se trata de uma particularidade dessa cidade média? O presente artigo busca realizar apontamentos preliminares acerca de nossa pesquisa referente à redefinição da centralidade em Santa Maria/RS4. Podemos estruturar o conteúdo do artigo em quatro momentos: a) breve caracterização da cidade de Santa Maria na atualidade; b) reflexões referentes às origens do policentrismo nas cidades latino-americanas e caracterização do processo espacial de descentralização; c) análise temporal acerca da redefinição da centralidade na cidade em questão e d) apontamentos preliminares sobre as tendências percebidas para Santa Maria. 2. Breve caracterização da cidade de Santa Maria/RS A cidade de Santa Maria desempenha um papel importante na rede urbana do estado do Rio Grande do Sul, apresentando-se como uma cidade média com influência sobre os núcleos urbanos do centro e oeste do estado (SOARES & UEDA, 2007). O município compreende aproximadamente cerca de 261 mil habitantes e 1.788,121 km² de área (IBGE, 2010), que se dividem entre um distrito sede, uma área densamente urbanizada, e outros nove distritos com características predominantemente rurais. O distrito sede abriga 94,4% da população total do município (IBGE, 2010). A cidade, localizada na porção central do estado (ver Figura 1), apresenta-se como um polo de atração regional devido às suas funções terciárias, militares, educacionais e 3 O termo “espaços em transição” foi empregado por Roberto Lobato Corrêa, em 2006, referindo-se às cidades médias brasileiras, no II Simpósio Internacional Cidades médias: dinâmicas econômicas e produção do espaço, ocorrido Uberlândia. Segundo Sposito (2007), para cunhar tal expressão, Corrêa se baseia no livro Villes de Transition de P. George e N. Commerçon, de 1999, que atentava às cidades médias francesas. Posteriormente, em 2007, o termo intitularia um livro organizado por Maria Encarnação Beltrão Sposito: Cidades médias: espaços em transição. 4 A referida pesquisa vem sendo desenvolvida sob a orientação da Profª. Drª. Tânia Marques Strohaecker no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRGS, na linha de pesquisa Análise Territorial. 39 institucionais. Sua área de alcance máximo atinge 145 municípios, dentre os quais 85 se localizam no Rio Grande do Sul, ao passo que a área de influência imediata da cidade congrega 78 centros urbanos (BRANCO, 2006). Figura 1 – Localização do município de Santa Maria. No âmbito intraurbano, Santa Maria possui um Centro Principal com inquestionável importância para a cidade, uma vez que conta com a presença do comércio varejista e dos serviços, importantes instituições públicas e quatro shopping centers. Dois desses shoppings estão localizados no Centro (Santa Maria Shopping e Elegância Center Shop) e os outros dois nos arredores da Área Central (Monet Plaza Shopping e Royal Plaza Shopping Center). Ademais, existem aglomerações comerciais e de serviços em regiões distantes do centro, nos extremos leste e oeste da cidade. A nova centralidade do setor leste ocorre no bairro Camobi. Tal bairro possui uma população de aproximadamente 21 mil habitantes (IBGE, 2010), sendo o maior em extensão e população na cidade. As atividades de comércio e serviços se concentram, predominantemente, nas margens da rodovia RS-509, conhecida como Faixa Velha de Camobi, sendo um eixo que corta o bairro no sentido Leste-Oeste. Além disso, ainda que em 40 menor intensidade, encontra-se a presença do setor terciário na RS-287, conhecida como Faixa Nova de Camobi – eixo que também corta o bairro no sentido Leste-Oeste. A diversidade do setor terciário presente em Camobi proporciona uma significativa independência do bairro com relação ao Centro Principal da cidade (COMIN, 2013). No setor oeste, a nova centralidade ocorre na COHAB Tancredo Neves. O bairro em questão possui cerca de 11 mil habitantes (IBGE, 2010) e está situado nas proximidades da BR-287, sendo esta uma das principais vias de acesso ao oeste do estado. O bairro já demonstra uma relativa independência do Centro Principal da cidade, tendo em vista que possui um diversificado setor terciário estabelecido no Centro Comercial do bairro e em duas vias próximas a este: a Avenida Paulo Lauda e a Rua Armin Schvarcz (RUBIN, 2013). A presença de novas centralidades nas extremidades leste e oeste da cidade, distantes do Centro Principal, permite levantarmos os seguintes questionamentos: estaria Santa Maria, assim como as metrópoles contemporâneas, a caminho do policentrismo? Por que as novas centralidades se formaram a leste e oeste da cidade e não em outras regiões? Quais seriam os impactos no funcionamento da cidade causados pela consolidação dessas centralidades? As questões acima levantadas norteiam nossas reflexões acerca da redefinição da centralidade em Santa Maria. As demais sessões deste artigo buscam trazer alguns elementos para esclarecer tais questões, porém sem a pretensão de esgotar o assunto. 3. Das metrópoles às cidades médias: as origens da redefinição da centralidade No momento em que buscamos a relação entre a redefinição da centralidade nas metrópoles e nas cidades médias5 brasileiras, estamos adotando a perspectiva da produção do espaço como um processo amplo, o qual se realiza diversamente em tamanhos diferentes de cidade – assim como o faz Henrique (2010), baseado nas proposições lefebvrianas. Nesse sentido, compreendemos “as cidades médias [...] brasileiras não como um conhecimento à parte do processo de urbanização, ou da totalidade, mas sim como particularidades e singularidades” (MAIA, 2010, p. 18). O pós-fordismo emerge como o motor das mudanças nas formas de relações socioespaciais atuais, assim como da crise e da renovação das formas urbanas atuais 5 Atualmente há certo consenso acerca da insuficiência de critérios puramente quantitativos para a elaboração de uma classificação de cidade média; revelando-se importante a adoção de critérios funcionais e qualitativos (BRANCO, 2006). 41 (VICENTE, 2003). Assim, ocorrem mudanças nos arranjos geográficos que expressam a busca de dinamicidade e velocidade na reprodução do capital (SILVA, 2008). Nesse contexto, no caso das metrópoles latino-americanas, Mattos (2006) reconhece a tendência de surgimento de uma nova morfologia urbana, marcada pela periurbanização e o policentrismo. Blumenfeld (1972) já teria percebido essa tendência em sua análise da metrópole moderna. Desse modo, após sofrerem um movimento centrípeto, em que a população do campo desloca-se até a cidade, as metrópoles tornam-se palco de forças centrífugas, nas quais a população desloca-se da cidade para as periferias (BLUMENFELD, 1972). Esse movimento centrífugo faz parte do processo de implosão-explosão, segundo Lefebvre (1999). Enquanto a implosão se refere a uma concentração e sobreposição de fixos e fluxos no centro, a explosão se refere ao espraiamento destes sobre a periferia. Em outros termos, "o centro urbano é preenchido até a saturação; ele apodrece ou explode. [...] De sorte que todo espaço urbano foi, é, e será, concentrado e poli(multi)cêntrico" (LEFEBVRE, 1999, p. 44, grifos do autor). A partir da década de 1990, diversos estudos têm apontado evidências do policentrismo nas cidades médias brasileiras (SILVA, 2008). Com isso, podemos afirmar que algumas dessas cidades também passaram/passam pelo processo de implosão-explosão. Segundo Henrique (2010), esse processo ocorre em algumas cidades médias brasileiras, mas de maneira mais veloz, violenta e conflituosa. Sposito (1998, p. 28) defende que as novas localizações do comércio e dos serviços nas cidades "[...] determinam mudanças de impacto no papel e na estrutura do centro principal ou tradicional, o que provoca uma redefinição de centro, de periferia e de centro-periferia". A ocorrência do processo de implosão-explosão nas cidades médias, e da consequente redefinição da centralidade em tais cidades, justifica-se tendo em vista que tal processo está relacionado à sociedade urbana e não às cidades em si (SILVA, 2008). Nessa perspectiva, tal processo [...] é primeiramente sentido nas metrópoles pelo fato de estas serem centros de comandos da rede urbana, sobretudo, pela configuração da rede urbana a partir de hierarquias rígidas. [...] Sendo assim, os estilhaços da centralidade oriundos da implosão-explosão [...] são também encontrados em cidades médias e até pequenas (SILVA, 2008, p. 5) 42 Assim sendo, podemos conceber o policentrismo como uma das tendências para as metrópoles contemporâneas, mas que acaba por ocorrer também em algumas cidades médias brasileiras. Reconhecendo ainda a singularidade dessas cidade, precisamos entender a ocorrência do policentrismo em tais cidades, levando em consideração as diferenças qualitativas e quantitativas com relação ao policentrismo metropolitano. 3. 1. Características do processo espacial de descentralização Propomos discutir, a seguir, as características do processo de descentralização. Isso se justifica na medida em que essa noção se refere ao processo espacial 6 que origina as novas centralidades na cidade (CORRÊA, 2004). Em um primeiro momento, é preciso apontarmos que o Centro Principal da cidade é o elemento fundamental da estrutura urbana, tendo em vista ele ser responsável por sua coesão (VILLAÇA, 2012). Desde a antiguidade, o centro tem sido apropriado pela classe dominante e se apresentado como um "conjunto vivo de instituições sociais e de cruzamento de fluxos [...]" (VILLAÇA, 2001, p. 238). Além disso, é necessário concebermos o centro “como um organismo proteiforme, sujeito a um processo permanente de mudança" (SANTOS, 2008, p. 31). Nessa perspectiva, desde o final do século XIX, nas cidades tipicamente capitalistas, o centro passa a ser dominado pelo mercado e definido por "um sistema viário uniforme e pelo intenso uso do solo por parte das atividades privadas de comércio varejista e serviços [...]" (VILLAÇA, 2012, p. 110). Com relação ao processo espacial de descentralização, segundo Corrêa (2004), devemos concebê-lo como o processo que materializa no espaço urbano um complexo conjunto de núcleos secundários de comércio e serviços, os quais são chamados de subcentros. Devemos percebê-lo, ainda, como um fenômeno complexo causado por diversos fatores (ibidem). Dentre tais fatores, a dimensão do espaço intraurbano aparece como uma das variáveis fundamentais (CORRÊA, 2007). Isso porque, ela ocasiona o aumento da distância entre o centro e a periferia e, desse modo, “uma maior divisão econômica do espaço”, que tem como expressão a “origem dispersa e [a] formação de núcleos de atividades derivados de economias de aglomeração, distantes do centro” (CORRÊA, op. cit., p. 24). Além disso, outras variáveis podem atuar conjuntamente no processo de descentralização, tais como as 6 Corrêa (2004, p. 36) define o processo espacial como "um elemento mediatizador que viabiliza que os processos sociais originem as formas espaciais". 43 peculiaridades (a) do sítio urbano, (b) do sistema de transportes, (c) das funções urbanas e (d) do nível de renda da população (CORRÊA, 2004). Numa tentativa de precisar a noção de subcentros7, podemos considerá-los como miniaturas do Centro Principal de uma cidade, com o qual concorrem, apesar de nunca a ele se igualarem (CORRÊA, 2004; VILLAÇA, 2001). Ademais, ressalta-se que enquanto a magnitude de um subcentro depende da densidade e do nível de renda da população da área em que está localizado; sua centralidade sobre o restante da cidade, por outro lado, depende de sua variedade equilibrada de comércio e serviços (CORRÊA, 2004; VILLAÇA, 2001). Os subcentros podem ser diferenciados em forma (áreas ou eixos), níveis de centralidade (regionais, de bairros etc.) e pela oferta de bens e serviços (diversos ou especializados8) (CORRÊA, 2004). Além disso, Villaça (2001) acrescenta outra distinção para os subcentros que apresentam atividades diversificadas. Segundo o que propõe o autor, há subcentros tradicionais e subcentros formados por shopping centers. Este é instituído por meio de decisões de empreendedores, enquanto que aquele tipo é formado pelas forças de mercado. 4. A redefinição da centralidade na cidade de Santa Maria/RS É possível concebermos a realidade social a partir de uma dupla complexidade, com base nos ensinamentos de Henri Lefebvre (1978). Tais complexidades seriam a horizontal e a vertical. A primeira corresponde à presença de formações e estruturas da mesma idade, porém distintas; enquanto a segunda se refere à coexistência de elementos com idades diferenciadas (MARTINS, 2000). Para a análise dessas complexidades, Lefebvre (1978) elabora uma proposta metodológica denominada método analítico-regressivo-progressivo. Os três momentos do método compreendem: 1. descritivo: observação informada e descrição do visível, desconsiderando a dimensão temporal (LEFEBVRE, 1978). 7 Kneib (2008) reclama o fato de que, enquanto existem inúmeros conceitos de áreas centrais, são poucas as definições conceituais referentes aos subcentros. 8 Ressaltamos que as proposições de Corrêa baseiam-se em Brian Berry (CORRÊA, 2004). 44 2. analítico-regressivo: exame da complexidade vertical da realidade social, na medida em nesta etapa cada relação social ou elemento da cultura material e espiritual possui sua data (MARTINS, 2000). 3. histórico-genético: retorno ao presente através da observação da dinâmica das contradições. Esse movimento “elucida o percebido pelo concebido teoricamente e define as condições e possibilidades do vivido” (MARTINS, 2000, p. 121). Portanto, após a descrição da cidade de Santa Maria, realizada em sessão anterior deste artigo, podemos adentrar à complexidade vertical da realidade social, por meio da segunda etapa do método analítico-regressivo-progressivo. Com isso, a seguir, introduziremos a dimensão temporal objetivando regressar ao passado para encontrar as origens da redefinição da centralidade na cidade em questão. Inicialmente, destaca-se que a origem de Santa Maria está relacionada a uma ocupação militar na região no final do século XVIII. No século seguinte, era possível encontrar na região as seguintes atividades econômicas: a) agropecuária: praticada por grandes, médios e pequenos latifundiários (FARINATTI, 2010); b) indústria: desenvolvida pelos imigrantes alemães e restrita à “atividade das charqueadas, do processamento de couro e da fabricação de artigos do vestuário, de montaria, de transporte, de móveis de madeira, de utensílios domésticos e de tijolos e telhas” (BEBER, 1998, p. 236) e c) comércio: atividade que se localizava no povoado, geralmente praticada pelos imigrantes alemães, e com centralidade influente nas regiões próximas (BEBER, 1998; RECHIA, 2006) A partir do final do século XIX a ferrovia passa por Santa Maria e, assim, integra a cidade às redes de circulação estadual e nacional. Esse é o principal fator para o nascimento de um novo momento econômico e cultural para Santa Maria, o qual pode ser percebido pelo intenso fluxo de pessoas, ideias, mercadorias e matérias-primas que chegam e saem da cidade no período em questão9. Além disso, nesse período, ocorre a chegada de imigrantes italianos, libaneses e judeus à região de Santa Maria. Tais imigrantes são também fator de dinamização da economia da região: imigrantes judeus, libaneses e italianos se dedicam ao desenvolvimento 9 Padoin (2010) destaca que, quinze anos após a instalação dos trilhos, o município aumentou sua arrecadação em 523% em relação aos anos anteriores. 45 da atividade comercial10, sendo que estes últimos se dedicam também à agricultura e à atividade industrial (BEBER, 1998). Nesse contexto, do final do século XIX até 1930, temos a consolidação de uma cidade compacta, a qual apresenta uma estrutura em círculos concêntricos e um padrão locacional centro-periferia (ROCHA, 2011). Essa cidade compacta tem sua estruturação conformada por meio da localização da estação ferroviária de Santa Maria, centro dinâmico da cidade no período em questão. Entre 1930 e 1960, além de suas funções comerciais, de entroncamento ferroviário e de sede da Viação Férrea Estadual, Santa Maria se torna também centro militar e educacional. Isso reforça a centralidade da cidade e faz dela um polo de atração regional na porção central do território gaúcho. Nesse período, além da densificação da malha urbana existente, encontramos a expansão urbana nos sentidos norte, oeste e sul – em alguns casos, de maneira descontínua ao tecido urbano (ROCHA, 2011). A decadência do sistema ferroviário brasileiro, a partir da década de 1950, devido a uma política nacional de transportes fundamentada no sistema rodoviário, marca o fim de um ciclo econômico para a cidade. No entanto, outro ciclo econômico e de urbanização se inicia com a instituição do ensino público superior na década de 1960, data da criação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (BOTEGA, 2012). Além disso, destaca-se que a UFSM consolida o setor terciário como a mais significativa função regional do município. A expansão urbana ao norte de Santa Maria encontra limites naturais no relevo da região – escarpas que indicam a passagem para os planaltos da Bacia do Paraná; restando as regiões sul, leste e oeste como direções de crescimento urbano. Contudo, entre as décadas de 1960 a 1980, alguns fatores contribuíram conjuntamente para destacar as direções leste e oeste como principais vetores de expansão urbana: a) o estabelecimento de importantes equipamentos nas extremidades leste e oeste – a Universidade Federal de Santa Maria (1960) e a Base Aérea de Santa Maria (1970), no extremo leste11, e o Distrito Industrial de Santa Maria (1977), no extremo oeste (BOLFE, 1997); b) a criação de dois conjuntos habitacionais 10 Assim como afirma Beber (1998), neste momento, os imigrantes libaneses e judeus dedicavam-se ao comércio de tecidos, roupas e miudezas, enquanto os italianos dedicavam-se ao comércio de alimentos, produtos coloniais, ferragens e utensílios domésticos. 11 Como ressalta Comin (2013), a UFSM e a BASM se estabelecem no 3º distrito do município de Santa Maria (atual bairro Camobi), considerado um dos mais prósperos de Santa Maria. Em 1980 apenas parte do distrito Camobi se torna bairro da cidade de Santa Maria; recentemente, em 2006, o restante da área do distrito é incorporada ao bairro Camobi (COMIN, 2013). 46 na região oeste, a saber, a COHAB Santa Marta (1979) e a COHAB Tancredo Neves (1982) (RUBIN, 2013) e c) o asfaltamento das principais rodovias que ligam Santa Maria às diversas regiões do estado, sendo as rodovias RS-509 (1968) e a RS-287 (1978) os eixos que cortam a cidade nos sentidos leste e oeste, respectivamente (BEBER, 1998; ROCHA, 2011). Desse modo, no contexto até aqui exposto, tem-se o crescimento urbano em novas áreas da cidade e a intensificação da ocupação dos setores leste e oeste (ROCHA, 2011). Assim, conforme Bolfe (1997), somente no período de 1956 a 1997, a mancha urbana se expandiu 48% no sentido Leste e 35% no sentido oeste, enquanto nos sentidos norte e sul a expansão foi de 11,7% e 24,3%, respectivamente. Nas décadas de 1960 e 1970, a modernização do setor terciário em Santa Maria é acompanhada pela criação de magazines, galerias e hipermercados na cidade. Faz-se necessário ainda, no período em questão, destacar a chegada de empresas de fora de Santa Maria, atraídas pelo potencial de consumo da cidade, o que aumenta a concorrência e ocasiona a sucumbência de muitas empresas locais (BEBER, 1998). No final da década de 1990 e início dos anos 2000, o setor terciário de Santa Maria passa por uma nova modernização, representada pela implantação de quatro shopping centers na cidade. No Centro, tem-se o Elegância Center Shop, inaugurado em 1995, e o Santa Maria Shopping, em 1998. Já nos arredores da Área Central, foram estabelecidos o Monet Plaza Shopping, em 1997, e Royal Plaza Shopping, em 2009. Desse modo, devido à localização desses equipamentos, a polarização do Centro Principal acaba por ser reforçada. Recentemente, contudo, são verificadas novas aglomerações comerciais e de serviços em locais distantes do Centro – ver Figura 2. 47 Figura 2 – Modelo de organização socio-espacial da cidade de Santa Maria – RS. Fonte: ROCHA, 2011. Assim, com base no modelo de organização socioespacial atual da cidade de Santa Maria (Figura 2), podemos perceber que, na atualidade, no setor leste a formação de uma nova centralidade ocorre em uma área de concentração das classes média e alta, no interior do bairro Camobi; enquanto no setor oeste a outra centralidade se forma em área com a predominância da classe média, no interior da COHAB Tancredo Neves. 5. Considerações finais Até este momento do artigo, realizamos uma breve caracterização de Santa Maria/RS e regressamos ao passado objetivando compreender a redefinição da centralidade na cidade. Além disso, consideramos o policentrismo não como um fenômeno metropolitano, mas como um processo mais amplo, ou seja, uma tendência do processo de urbanização contemporâneo. 48 Cabe, agora, num movimento progressivo, encontrarmos novamente o presente e apontarmos as tendências percebidas – terceira etapa do método de Lefebvre (1978). Com relação à evolução urbana de Santa Maria, encontramos forças atuando na formação de uma cidade compacta, apresentando padrão centro-periferia, até o final da década de 1930. Após esse período, além das forças de compactação da cidade, percebe-se também a expansão urbana ocorrendo nas direções norte, oeste e sul – muitas vezes de maneira dispersa e descontínua ao tecido urbano. Com isso, o padrão locacional centroperiferia começa a ser desfeito. A partir das décadas de 1960 e 1970, importantes equipamentos se estabelecem nos extremos leste e oeste de Santa Maria, ao mesmo tempo em que ocorre o asfaltamento das principais rodovias que passam por tais áreas e dão acesso às regiões leste e oeste do estado. Esses fatores incidem sobre a valorização do solo dessas áreas periféricas e, assim, favorecem o processo de periurbanização na cidade. Por isso atualmente, temos a formação de áreas que concentram as classes média e alta, distanciadas geograficamente do centro principal. Em análise preliminar, portanto, apontamos que duas variáveis principais parecem ter condicionado o surgimento das novas centralidades em Santa Maria: (1) a distância do Centro Principal e (2) o nível de renda das populações locais. Ademais, se atentarmos às classificações de subcentros de Corrêa (2004) e Villaça (2001), discutidas anteriormente neste artigo, podemos apontar que as novas centralidades na cidade de Santa Maria aparentam tratar-se de subcentros tradicionais na forma de eixos, no caso de Camobi, e uma combinação de área e eixos no caso da COHAB Tancredo Neves. É possível reconhecermos, além disso, uma tendência de consolidação das centralidades em questão, tendo em vista o crescente estabelecimento do setor terciário nessas áreas. Ademais, observa-se também o aumento da ocupação dessas regiões da cidade – seja a partir do adensamento, da verticalização ou de novos loteamentos e condomínios fechados. Essa realidade tem causado sérios problemas de mobilidade para a cidade; isso porque tem ocorrido uma sobrecarga das principais vias de acesso das áreas periféricas leste e oeste ao Centro – vias que são, ao mesmo tempo, as principais rodovias regionais de acesso e saída do município de Santa Maria. Assim sendo, ao final do presente artigo sublinhamos a importância da discussão da redefinição da centralidade nas cidades médias brasileiras, tendo em vista o policentrismo trazer impactos sociais, econômicos e ambientais para tais cidades. Finalmente, ressaltamos que pretendemos, no decorrer da pesquisa, ir além das considerações preliminares aqui expostas. 49 6. Referências BEBER, C. C. Santa Maria 200 anos: história da economia do município. Santa Maria: Pallotti, 1998. BLUMENFELD, H. A Metrópole Moderna. In: Davis, K. et al. Cidades – a urbanização da humanidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1972, p. 52-70. BOLFE, S. A. Expansão urbana de Santa Maria, RS: uma avaliação da adequabilidade do uso do solo. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Geografia)–Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997. BOTEGA, L. R. Urbanização e ocupações na formação da periferia de Santa Maria-RS na segunda metade do século XX. In: J. I. RIBEIRO; B. T. WEBER (Orgs.). 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ELEMENTOS CONCERNENTES AS ESCOLHAS LOCACIONAIS E A REDEFINIÇÃO DA CENTRALIDADE URBANA E INTERURBANA EM SÃO CARLOSSP E RIBEIRÃO PRETO-SP André Felipe Vilas de Castro12 Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho FCT/UNESP – Campus de Presidente Prudente Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias – ReCiMe Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais – GAsPERR RESUMO Apresentando um crescimento que vem ganhando destaque no espaço urbano, os shopping centers são elementos cada vez mais presentes nas cidades médias, orientando e reorientando suas ações e capitais em um processo de interiorização pautados pela busca de melhores condições locacionais. Associado a esse processo, sua localização na cidade é pautada por diversos interesses e tem se revestido na capacidade de criação de novos espaços dotados de centralidade, reafirmando sua polarização na escala urbana e interurbana. Desta forma, na procura de elementos para refletir sobre as dinâmicas de redefinição das centralidades e atuação das empresas ligadas ao setor, o presente trabalho trata dos shopping centers privilegiando a análise dos empreendimentos em São Carlos e Ribeirão Preto, cidades médias do interior paulista. Palavras-Chave: Shopping Center, Produção 12 do Espaço Urbano; Centralidade O presente texto apresenta-se como um dos resultados da pesquisa intitulada “Shopping Centers, centralidade urbana e interurbana em cidades médias” sob orientação da Prof.ª Drª. Maria Encarnação Beltrão Sposito e financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP 53 1. INTRODUÇÃO Atualmente presentes em diversas cidades, os shopping centers são grandes empreendimentos imobiliários e marcam sua presença nas cidades sob o signo do consumo, modelando e remodelando espaços urbanos, conforme sua localização e área de abrangência de sua polarização. Como empreendimentos imobiliários, esses grandes equipamentos comercias e de serviços expressam diversos interesses, como os fundiários e imobiliários que, possibilitados por sua localização, essencialmente urbana, produzem sob a ótica da reestruturação grandes impactos nas cidades devido seu tamanho e de toda uma gama de fatores que o condicionam e atraem novos investimentos e usos do solo para o seu entorno. Sua conceituação não escapa à sua essência, pois para Pintaudi (1992), trata-se de [...] um empreendimento imobiliário de iniciativa privada que reúne, em um ou mais edifícios contíguos, lojas de comércio varejista e de serviços alugadas, que se distinguem umas das outras não somente pelo tipo de mercadoria que vendem (o tenant mix planejado pela empresa prevê a presença de várias lojas do mesmo ramo para permitir a compra por comparação), como também por suas naturezas distintas (lojas-âncora e lojas de comércio especializado e serviços - que podem ou não pertencer a redes). Toda a estrutura e funcionamento do empreendimento são controlados por um setor administrativo, necessário para o funcionamento eficaz do shopping center, o que significa dizer que é o setor, cuja responsabilidade é zelar pela reprodução do capital da empresa. Além disso, está a presença de um parque de estacionamento, cujo tamanho se encontra na dependência do porte do empreendimento e da sua localização. Historicamente, é um fenômeno característico das sociedades capitalistas monopolistas. (PINTAUDI, 1992, p.15-16). Não obstante, segundo Nelson (1958 apud GARREFA, 2011 p. 65), O shopping center como um empreendimento comercial de base imobiliária que pode ser caracterizado como um edifício ou conjunto bem coordenado de edifícios, sob o controle de um único dono ou grupo; pressupõe-se uma relação de complementaridade entre as lojas de grande poder de atração - denominadas lojas âncoras – e o conjunto de lojas de menor porte – denominadas satélites. Outra característica marcante desses empreendimentos seria a disposição espacial, voltada a acolher a clientela motorizada. Surgido nos Estados Unidos da América, esses empreendimentos foram caracterizados pela sua localização periférica e estiveram associados ao movimento suburbano norte-americano (GARREFA, 2004), que aumentou a população dessas áreas em torno de 29 vezes. Seu rápido desenvolvimento foi possível devido a construção de uma ampla rede rodoviária, a popularização do automóvel, o baixo custo da gasolina e os massivos subsídios do governo em programas habitacionais para os veteranos da guerra na compra de suas moradias. Juntamente com o acelerado processo de urbanização que enfrentava os grandes centros, a localização periférica dos shopping centers incrementou a descentralização da população e, segundo Garrefa (2004), despertou nos empresários da época a chance da obtenção de altos 54 lucros com a expansão do capital nessas áreas devido ao grande estoque e terras a preço baixo. Desta forma, vê-se que desde a sua gênese o shopping center foi um empreendimento que esteve ligado ao capital, ora mercantil, devido à natureza de suas funções comerciais e de serviços, ora imobiliário pela sua essência e localização, tendo em vista as possibilidades de realização de rendas fundiárias e lucros imobiliários No Brasil, o seu surgimento ocorreu em São Paulo no ano de 1966, com a inauguração do Iguatemi São Paulo. Já em 1971, em Brasília, foi inaugurado o segundo, o Conjunto Nacional Shopping, reafirmando a estratégia inicial das localizações em se estabelecer em grandes capitais. Para Pintaudi (1989), o seu aparecimento juntamente com as grandes redes varejistas no Brasil foi potencializado no período de crise da década de 1970, quando houve uma centralização e concentração de capital favorecendo a expansão territorial dos empreendimentos. Logo após esse período, notadamente nos Estados do Rio de Janeiro e principalmente em São Paulo, a grande concentração populacional destes centros urbanos garantiria a presença de um considerável número de frequentadores, além de haver uma maior chance da parcela com rendimentos mais significativos frequentar os nascentes centros de compras, garantindo assim a sua sustentação comercial-financeira. Segundo a Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE), o Brasil totaliza hoje 518 empreendimentos com uma área bruta locável (ABL) de 13.73 milhões de m² e 32.96 milhões de m² de área construída. São 90.280 lojas e mais de 895 mil empregos gerados. Em 2013, o faturamento estimado ultrapassou R$ 129,22 bilhões (ABRASCE, 2014). Se comparado com o levantamento feito por Silva (2013) com os dados da associação, em 2011 o Brasil somava 268 unidades em operação, com 74.575 lojas e 9.7 milhões de m² de ABL, ou seja, em três anos houve a inauguração de 250 empreendimentos a um aumento aproximado de 4 milhões m² em ABL e 15.705 lojas. Os dados ficam ainda mais interessantes utilizando o levantamento de Pintaudi (1989), que contabilizou no ano de 1989, 64 empreendimentos no país. Gráfico 1: Brasil. Shopping Centers por capital e interior dos Estados. 1989. 55 Extraído: Silva (2011) Fonte: Pintaudi (1989) O gráfico 1 expressa a concentração de shopping centers nos Estados e a sua divisão, pelas colunas, entre os localizados no interior e na capital. O levantamento realizado por Pintaudi (1989) é bastante diferente, considerando-se o período muito maior, do constatado por Silva (2013), apresentado pelo gráfico 2, possibilitando ver a evolução deste ramo econômico. Gráfico 2: Brasil. Shopping Centers por capital e interior dos Estados. 2011. Extraído: Silva (2011) Fonte: ABRASCE (2011) É notável o maior número de empreendimentos no país com destaque para os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, verificando uma concentração mais acentuada em suas capitais. Essa concentração abrange as cidades adjacentes à capital, pois é preciso considerar que, para o 56 levantamento apresentado neste texto, diferenciaram-se somente os empreendimentos localizados na capital, daqueles presentes nos outros municípios que compõem o Estado. Gráfico 3: Brasil. Shopping Centers por capital e interior dos Estados. 2014. 120 100 80 CAPITAL INTERIOR 60 40 20 0 Fonte: ABRASCE (2015) Organização: André Felipe Vilas de Castro (2015) O gráfico 3 aponta um maior número de empreendimentos no país, acrescentando à figura os Estados de Amapá com a inauguração do Amapá Garden Shopping e Roraima, com dois empreendimentos inaugurados no ano de 2014, o Pátio Roraima Shopping e o Roraima Garden Shopping. Outra informação apontada através do gráfico é o evidente processo de interiorização dos empreendimentos, marcado, sobretudo, pelo aumento do número deles em áreas distantes do litoral brasileiro e em unidades da federação, e pelo seu maior número em cidades que não a capital. A observação dos gráficos conduz a análise para o processo da “interiorização” da economia, que segundo Silva (2013), apresenta como característica a penetração dos capitais buscando novas áreas para se reproduzirem e que, somados ao contexto da reestruturação urbana (SOJA, 1993), modificam a lógica de localização dos shopping centers rumo ao movimento de concentração em cidades médias. Como importantes nós da rede urbana, as cidades médias articulam uma economia baseada nas ligações que fazem com as cidades que compõem seu entorno próximo, mostrando-se como excelentes lócus para a construção dos shopping centers pois apresentam um estoque de terras com preços relativamente baixo se comparado à capital e segmentos de poder aquisitivo que indicam um potencial de consumo favorável ao sucesso do empreendimento. 57 Neste contexto, o primeiro shopping center a se instalar no interior foi o RibeirãoShopping, em 1981 em Ribeirão Preto, mas é notadamente a partir da década de 1990 que, segundo Silva (2013), a difusão ocorreu de maneira mais expressiva. Como um empreendimento que requer um rígido controle e planejamento, Garrefa (2011) elucida que os mesmos são centros comerciais que possuem sua base no caráter imobiliário, sendo necessária uma série de ações compostas por um conjunto de regras e códigos. Sendo assim, para Gaeta (1988), O planejamento do shopping incorpora necessidades que devem ser atendidas tendo em vista os interesses dos empreendedores e dos lojistas. Isto significa, entre outras coisas, manter o controle centralizado por parte do empreendedor, desenvolvendo no shopping características especiais frente ao comércio em geral capazes de se traduzirem em lucro extraordinário para os lojistas e possibilitar a extração de renda pelos empreendedores, a partir do shopping (GAETA, 1988, p. 17). Desta forma, a necessidade de uma empresa com forte solidez no mercado se torna imperiosa para a administração, pois como um empreendimento de grande porte, a destinação dos capitais tem que se tornar rentável a curto e médio prazo para o retorno do investimento. Além do gerenciamento, a marca que o empreendimento carrega é bastante importante para o seu sucesso, pois além do imaginário de sofisticação e solidez, o prestigio social que a mesma oferece são elementos que gravitam em torno das escolhas dos consumidores. Sob essa ótica, a reflexão aqui tomada parte da análise deste processo de interiorização visto em duas frentes: a) a constituição de novas centralidades nas cidades médias, representando para o espaço urbano a criação de uma nova centralidade, competindo com a já existente expressa pelo seu centro principal, e b) a atuação das grandes empresas do setor que são responsáveis pelas etapas/setores do empreendimento, uma vez que a consolidação do segmento no mercado imobiliário acompanhou-se da necessidade de um forte e bem controlado gerenciamento para a solidez do empreendimento. Assim, o estudo privilegiará os empreendimentos localizados nos municípios de São Carlos – Iguatemi São Carlos, e Ribeirão Preto - RibeirãoShopping, tomados pelo viés da sua localização, marcando o processo de redefinição da centralidade intra e interurbana, bem como o estudo das suas empresas controladoras, Iguatemi e Multiplan respectivamente. 1. Shopping Centers e Cidade Médias – estudos de caso 1.1 Iguatemi São Carlos – Iguatemi Localizado a 232 km de distância de São Paulo, o município apresenta como vias de acesso as Rodovias Washington Luís (SP-310) e a Anhanguera (SP-330). Destacado pelos importantes centros públicos de ensino superior nele localizados, teve sua economia originária no ciclo do 58 café paulista do século XIX, industrializando-se a partir dos anos de 1940 com ênfase na indústria metal-mecânica. Possui, segundo o IBGE (2010), 221.950 habitantes e tem como região de influência, segundo a matriz da publicação do IBGE - Regiões de Influência das Cidades – Regic (2007), os municípios de Descalvado, Dourado, Ibaté, Itirapina, Porto Ferreira, Ribeirão Bonito e Santa Rita do Passa Quatro, somando 397.886 habitantes (IBGE, 2010). Mapa 1: São Carlos. Localização do município e dos municípios de sua região de influência. 2014 São Carlos possui um shopping center, o Iguatemi São Carlos, que se localiza no bairro Parque Faber, setor oeste do município. Apresenta no seu entorno os condomínios residenciais fechados Parque Faber I e II, o Ibis Hotel e um conjunto de escritórios verticais chamado “Tríade São Carlos” composto por três torres comerciais. Sua localização dista, aproximadamente, 3,5 km do centro principal do município, o que reforça seu atributo de centralidade para os moradores da região no qual se encontra. O shopping center apresenta 17.816 m² de ABL e 77 lojas. Se consideramos a população do município em relação à sua ABL, temos uma relação de 12,46 hab./m², índice que salta para 22,33 hab./m² se consideramos, em conjunto, a população da região de influência direta. Esse índice é importante, pois reflete o papel que o empreendimento representa para o município e 59 auxilia compreender o papel que exerce no processo de redefinição da centralidade intra e interurbana. O mapa 2 apresenta o resultado da pesquisa “indicador origens e destinos” realizada no estacionamento do Iguatemi São Carlos, e mostra através das linhas, os fluxos dos frequentadores não residentes do município no shopping center. Nesta pesquisa, foram contabilizados no total 124 automóveis com placa de São Carlos. A origem e a quantidade dos outros veículos estão representados no destaque da figura. O fluxo mais representativo são os veículos oriundos do município de Descalvado. Mapa 2: Iguatemi São Carlos. Origem dos veículos de frequentadores não residentes em São Carlos. 2013 Gráfico 1: Iguatemi São Carlos. Relação dos frequentadores residente e não residentes em São Carlos. 2013 60 OUTROS MUNICÍPI OS 23% SÃO CARLOS 77% Organização: André Felipe Vilas de Castro Fonte: Pesquisa de Campo. 2013 São Carlos é considerado pela REGIC (2007) um “Centro SubRegional A” apresentando segundo os critérios adotados pela publicação, uma área de atuação reduzida e com atividades de gestão menos complexas. Essa observação explica a posição que o município apresenta no Estado de São Paulo, com apenas seis cidades em sua região de influência direta. Além disso, a sua situação geográfica, em uma região de grande densidade urbana, próxima de outras cidades de porte médio, e a proximidade a Campinas (Capital Regional A) e Ribeirão Preto (Capital Regional B), diminuem o potencial de polarização dos municípios em sua volta. Assim, a atração exercida pelos municípios de maior porte tende a diminuir a importância do Iguatemi São Carlos, pois as opções de maiores e mais diversificados centros de compras nas cidades próximas como Araraquara, Campinas e Ribeirão Preto (101 km), tornam-se mais atrativas para os municípios da região, como representado pelo gráfico 1, em que somente 23% dos frequentadores do empreendimento são oriundos das cidades do entorno. Denominada até o ano de 1979 como La Fonte Empresa de Shopping Centers S.A., a Iguatemi Empresa de Shopping Centers S.A. foi constituída no referido ano, sendo a empresa do Grupo Jereissati voltada para o segmento de construção e administração destes centros comerciais no país. Sua participação no Iguatemi São Paulo se iniciou com a aquisição de todos os ativos da Construtora Alfredo Mathias S.A. em 1979, que então tinha a participação direta naquele empreendimento. O levantamento realizado por Silva (2013) apontou que a empresa possuía no ano de 2010, 11 empreendimentos em operação com uma área total aproximada de 380 mil m² e participação de empreendimento em duas cidades médias. Atualmente, a empresa apresenta em seu portfólio 15 shopping centers, 572.821 m² de ABL e mais de 3.100 lojas. O Estado de São Paulo, com 10 unidades, totaliza 419.939 m² de ABL sob domínio dela. 61 Destaca-se o aumento do número de empreendimentos da empresa em cidades médias, cinco, frente os dois apontados anteriormente. As maiores inaugurações foram o Iguatemi Ribeirão Preto, 2013 e o Iguatemi Rio Preto, em 2014. O Mapa 3 apresenta as informações, bem como as localizações dos empreendimentos dessa empresa. Mapa 3: Brasil. Área de atuação da Iguatemi Empresa de Shopping Centers 2014. A análise do mapa permite identificar a grande concentração dos empreendimentos da empresa no Estado de São Paulo, são 10 unidades, representados por três somente na capital, sendo a grande maioria localizadas em cidades médias, colaborando para reforçar a ideia de que há um processo de interiorização dos empreendimentos pela busca de novos mercados e a reprodução do capital monopolista. 2.2 RibeirãoShopping - Multiplan. Distando aproximadamente 315 km da capital paulista, Ribeirão Preto se liga a São Paulo através da Rodovia dos Bandeirantes (SP-348) e possui uma extensa rede viária responsável 62 pela sua ligação a Campinas ao sul e Brasília a norte pela BR-050. Os municípios de sua região administrativa possuem uma forte ligação entre si e com o Estado de Minas Gerais, garantido através de um anel rodoviários que faz o contorno de todo o perímetro da cidade, medindo aproximadamente 40 km e facilitando as ligações intraurbanas (EMPLASA, 2009). Mapa 1: Ribeirão Preto. Localização do município e dos municípios da região de influência. 2014 Com uma população aproximada de 604.682 habitantes (IBGE, 2010), o município é considerado pela Regic (2007) como uma “Capital Regional B”, caracterizado pela capacidade de gestão somente inferior ao das metrópoles, apresentando uma área de influência de âmbito regional e dotada de um grande conjunto de atividades, devido o número de municípios à sua volta. Ribeirão Preto apresenta como região de influência direta, segundo a Regic (2007), 70 municípios e 2.389.502 habitantes. Inaugurado em 1981, o RibeirãoShopping foi o primeiro shopping center a se instalar em Ribeirão Preto, bem como o primeiro a migrar para o interior do Estado de São Paulo coincidindo com a fase de expansão desses empreendimentos pelo país. Com 43.433m² de ABL, o empreendimento apresenta um índice de hab./m² de ABL em 13,92 para o munícipio e 55,02 para sua região de influência. Segundo Garrefa (2004), seu surgimento ocorreu num período em que os grupos empresariais começam a investir maciçamente no setor, abrindo cadeias de shopping centers em regiões mais atraentes, como é o caso da empresa Multiplan. 63 Mapa 5: RibeirãoShopping. Origem dos veículos de frequentadores não residentes em Ribeirão Preto. 2013 O mapa 5 apresenta o resultado da pesquisa “indicador origens e destinos” realizada no empreendimento. Ao todo, foram contabilizados 346 automóveis e destes, 201 apresentavam placas de Ribeirão Preto. Os fluxos mais representativos foram os veículos provenientes dos municípios de Dumont, 10 unidades, e Jaboticabal com nove, ambas pertencentes à região de influência direta de Ribeirão Preto apresentando, respectivamente, 8.143 e 71.662 habitantes (IBGE, 2010). O Gráfico 2 ajuda a compreender a diversificação dos frequentadores do RibeirãoShopping, uma vez que a relação entre os mesmos é mais equilibrada que a apresentada pelo Iguatemi São Carlos, mostrando que além de ser uma opção para os residentes em Ribeirão Preto, o empreendimento também se torna interessante para os oriundos de outras cidades. Gráfico 2: RibeirãoShopping. Relação dos frequentadores residente e não residentes em Ribeirão Preto. 2013 64 Outros Município s 41% Ribeirão Preto 59% Organização: André Felipe Vilas de Castro Fonte: Pesquisa de Campo. 2013 Criada em 1963, a Veplan Imobiliária Ltda. tornou-se, em 1971, uma das maiores incorporadoras do país. Com seu dinamismo, ocorre sua fusão com outra empresa, a H.C. Cordeiro Guerra, tornando-se então a Veplan-Residência e como um dos resultados, surge o Shopping Center Ibirapuera, inaugurado em São Paulo no ano de 1975. Foi então no ano de 1977 que a Multiplan se originou, com capitais da extinta Veplan Imobiliária Ltda., e inaugura o seu primeiro shopping center em Minas Gerais, o BH Shopping. 65 Mapa 6: Brasil. Área de atuação da empresa Multiplan. 2014 Segundo Silva (2013), a Multiplan no ano de 2010 apresentava 13 shopping centers em operação, totalizando aproximadamente 530.000 m² de área total. Suas ações em cidades médias concentravam-se exclusivamente em Ribeirão Preto, onde a empresa conta com outro empreendimento, o Shopping Santa Úrsula Atualizando os dados apontados pela pesquisa de Silva (2013), a Multiplan inaugurou cinco empreendimentos até o ano de 2014, apresentando então 18 shopping centers distribuídos em sete Estados conforme representado pelo Mapa 6. A metragem de sua ABL total passou para 776.610 m² e 5.314 lojas. O Estado de São Paulo corresponde com esses índices. São 314.546 m² de ABL e 2.103 lojas. Á GUISA DE CONCLUSÕES Presente em diversas cidades e apresentando um crescimento considerável, a partir da década de 1990 os shopping centers migram das grandes metrópoles para, num primeiro momento, as cidades do entorno destas e depois para as cidades do interior. Para Gaeta (1988), esse 66 processo de crescimento e expansão tem despertado inúmeros estudos mercadológicos e acadêmico, englobando também aspectos de cunhos urbanístico e ideológicos. Esse aumento do número de empreendimentos, bem como esse processo de interiorização, não escapa aos estudos da Geografia Urbana. A constante mudança que estes empreendimentos provocam no espaço urbano ensejam processos como a reestruturação do espaço urbano, cujo novos elementos ganham importância alterando as formas da cidade e rompendo com a ordem então estabelecida em um processo conflituoso entre as inovações espaciais (CORREA, 2010), e às condições preexistentes. No âmbito do espaço urbano, o surgimento de novas áreas centrais são características do processo de reestruturação propagado pela inserção dos shopping centers no meio urbano. Garrefa (2004) chama atenção para o padrão de localização dos primeiros empreendimentos brasileiros, fora dos centros, mas inseridos nas manchas urbanas. É somente na década de 1990 que esse padrão se diversifica, principalmente nos empreendimentos do interior, com a localização deles fora das manchas urbanas em proximidade às rodovias. Esse processo apresenta duas faces, pois a) essa localização permite maiores fluxos de frequentadores das cidades do entorno contribuindo para a reestruturação urbana, b) orienta processos como vetores de expansão, formando eixos, vias e/ou corredores de comércio especializado. Como foi observado, os fluxos expressos pelos frequentadores dos empreendimentos suscitam a reflexão sobre o processo da redefinição da centralidade intra e interurbana nas cidades em questão. Se por um lado, o Iguatemi São Carlos apresenta uma proporção menos equilibrada entre os frequentadores residentes e não residentes, o RibeirãoShopping oferece percentuais mais próximos, resultado de uma maior concentração de municípios em sua área de influência e uma convergência de atividades que o dotam de uma maior protagonismo na rede urbana, bem como uma centralidade nesse arranjo espacial. Com o intuito da reflexão sobre o papel que as empresas desempenham na sua relação com os empreendimentos, vimos concluir, em caráter comparativo que, tanto as iniciativas da Iguatemi Empresa de Shopping Centers Ltda., como da Multiplan foram, em um curto intervalo de tempo, a expansão do número de seus empreendimentos pautada por ações de interiorização de seus capitais rumo às cidades de porte médio. Esse movimento reforça os estudos realizados no âmbito da Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias – ReCiMe, de que essas cidades guardam consigo fatores favoráveis para a ampliação do capital, pois além de apresentarem uma economia consolidada pelos fluxos que estabelecem com as capitais dos estados da federação, sobretudo espaços metropolitanos, conformando-se como pontos nodais 67 da rede urbana, apresentam uma população com poder aquisitivo capaz de sustentar o mercado consumidor destes centros de compras. 68 REFERÊNCIAS CORRÊA, Roberto Lobato. Inovações espaciais urbanas – algumas reflexões. Cidades, Presidente Prudente: v. 7, n. 11, p. 151-162, jan./jun., 2010. GAETA, Antônio Carlos. Acumulação e transformação do espaço urbano: o processo geral de formação dos shopping centers em São Paulo. 1988. 234 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente. GARREFA, Fernando. 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Publicação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Disponível em: < http://www.mma.gov.br/estruturas/PZEE/_arquivos/regic_28.pdf> Acesso em: nov.2014. Multiplan. São Paulo, 2014. Apresenta informações sobre a empresa. Disponível em: <http://www.multiplan.com.br/> Acesso em nov. 2014. RibeirãoShopping. Ribeirão Preto, 2014. Apresenta informações sobre a estrutura e funcionamento do empreendimento. Disponível em: < http://www.ribeiraoshopping.com.br/> Acesso em nov. 2014. 70 O PAPEL E O FUNCIONAMENTO DAS FRANQUIAS NO PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO URBANA DAS CIDADES-MÉDIAS: O CASO DE RESENDE/RJ Bruno Barreto dos Santos13 Resumo: Desde meados do século passado, a região do Médio Vale do Paraíba vem recebendo grandes investimentos no setor produtivo, setor este que possui grande influência na atração de capitais e empresas que possuem capacidade de alterar a produção dos espaços urbanos. Resende é uma cidade onde esse processo acontece com bastante clareza, devido à quantidade de empresas que se localizam nesta cidade, com isso, é possível observar um grade aumento na produção, na população e na renda. O aumento nesses três fatores acabou gerando modificações na dinâmica da oferta de bens e serviços urbanos, modificando o tipo de consumo e possibilitando assim o surgimento de um comércio mais qualitativo, antes característicos das grandes metrópoles. As franquias surgem nesse cenário representando essa nova dinâmica de consumo vista em algumas cidades médias. Palavras-chave: Reestruturação urbana, Consumo, Franquias. 1. Introdução Esta pesquisa está vinculada ao grupo de pesquisa GRUCE e ao grupo PET/Geografia-UFRJ. O sistema de franquias começou a ser visto no mundo após a Guerra Civil americana no fim do séc. XIX e desde então vem sendo cada vez mais comum no setor do comércio nos dias atuais. Elas são criadas com o objetivo de expansão do empreendimento mantendo as características fundamentais da empresa e para a difusão da marca. Desde meados do século passado, a região do Médio Vale do Paraíba vem recebendo grandes investimentos no setor industrial, setor este que possui grande influência na atração 13 Graduando em Licenciatura em Geografia, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Bolsista no Programa de Educação Tutorial de Geografia da UFRJ, pesquisador voluntário no Laboratório de Geografia Urbana, vinculado ao Grupo de Reestruturação Urbana e Centralidade (GRUCE) e no Projeto de Pesquisa intitulado Reestruturação Urbana no Estado do Rio de Janeiro: Governança e desenvolvimento Territorial no Médio Vale do Paraíba. Trabalho orientado pelo Professor Doutor William Ribeiro da Silva. 71 de outras empresas que possuem capacidade de alterar a produção dos espaços urbanos, gerando modificações na dinâmica da oferta de bens e serviços urbanos. Diante da emergência de nova etapa da industrialização no setor metal mecânico (automotivo, sobretudo) há uma ampliação da renda por parte da população e, consequentemente, há uma nova dinâmica no consumo, como pode ser comprovados pelos gráficos 1, 2 e 3 abaixo. Essa reestruturação dos processos torna urgente a discussão de uma geografia do consumo urbano local. Produto Interno Bruto - Resende 6.000.000 5.000.000 4.000.000 3.000.000 2.000.000 1.000.000 0 5.626.136 3.245.682 1.705.986 2000 2007 2011 PIB Gráfico 1: Evolução do Produto Interno Bruto da cidade de Resende-RJ. Fonte: IBGE, 2000. Produzido por Bruno Barreto, 2014. População 140.000 120.000 100.000 124.316 118.547 120.938 91.757 104.549 80.000 60.000 40.000 20.000 0 1991 2000 2007 2011 2014 População Gráfico 2: População da cidade de Resende-RJ. Fonte: IBGE, 2014. Produzido por Bruno Barreto, 2014. 72 PIB per Capita Resende (em R$) 46.520,86 50.000,00 40.000,00 30.000,00 27.378,87 16.317,58 20.000,00 10.000,00 0,00 2000 2007 2011 PIB per Capita Gráfico 3: População da cidade de Resende-RJ. Fonte: IBGE, 2014. Produzido por Bruno Barreto, 2014. A reestruturação urbana e, por assim dizer, a reestruturação da cidade, no caso analisado, tem uma forte ligação com esta nova fase do setor produtivo característico do modelo pós-Fordista, que teve forte ascensão na década de 70. Vista como uma reestruturação produtiva, este processo tem como consequência uma forte reorganização do espaço em escala mundial, causando grandes mudanças nos espaços urbanos existentes e até mesmo criando novos. A partir de então, portanto, pode ser visto uma forte articulação entre esses dois processos de reestruturação, que no caso da cidade de Resende acabou resultando numa nova organização interna da cidade. Um dos objetivos da pesquisa foi de identificar as franquias que estão presentes na cidade de Resende, compreendendo as suas espacialidades para auxiliar na elaboração de um futuro mapeamento delas. Além disso, pretendeu-se analisar as escalas de ação das franquias presentes, bem como, sua lógica locacional. Passada esta primeira fase, buscou-se compreender o impacto e a importância deste tipo de comércio na cidade e também analisar como funciona a logística das franquias presentes na cidade ou região, por parte do franqueado e do franqueador. Além de um levantamento bibliográfico acerca do tema, foi feito um levantamento de dados em fontes secundárias, como sites coorporativos das prefeituras e shopping centers das cidades. Trabalhos de campo foram realizados a fim de se analisar in locus mapear as atividades econômicas presentes nas cidades em estudo, com ênfase nas franquias. 73 Desta maneira, considera-se que há um processo de reestruturação urbano-regional em curso, que altera a lógica locacional e impõe uma maior complexidade e diversidade ao consumo moderno. 2. Metodologia A metodologia deste trabalho foi divida em fases para facilitar a organização do autor e a compreensão do leitor. Anualmente, o trabalho era dividido em 3 fases. A primeira de leitura orientada acerca do tema, com os objetivos de aumentar o embasamento teórico-conceitual e buscar por um melhor entendimento de questões relacionadas às temáticas pesquisadas, principalmente dentro da escala regional do Médio Vale do Paraíba e a cidade de Resende, leituras a cerca do tema de cidades médias e como se dão os processos nesses espaços e também buscaram-se textos que abordassem a temática do consumo e das franquias (tema este que ainda não apresenta grande quantidade de trabalhos publicados) A segunda fase dizia respeito à coleta de dados em fontes secundárias e a partir de trabalhos de campo que foram realizados na cidade de Resende e também em eventos empresarias dentro das áreas pesquisadas. Os trabalhos de campo realizados foram bastante produtivos e tiveram como principais atividades, uma visita a prefeitura da cidade, algumas visitas ao shopping Pátio Mix onde foram feitas observações sobre o fluxo de consumidores, lojas presentes, e origem dos frequentadores a partir de uma análise das placas dos veículos estacionados. Além disso foram realizadas entrevistas com lojistas e diretores do shopping visitado, diretores de associações comerciais da cidade, levantamento de atividades econômicas nas ruas do centro da cidade a fim de identificar e localizar as franquias presentes e aonde elas se concentram na cidade e também a ida ao evento “Expo Franchising ABF Rio 2014” da área de franquias para melhor compreender como é a organização desse setor por parte dos franqueadores. A terceira fase consistiu em analisar todos os dados e conhecimentos coletados nas fases anteriores para a construção de resultados parciais e finais da pesquisa. Em todas as fases anteriores houveram algumas dificuldades encontradas, principalmente nas atividades de campo. Indisposição em ajudar por parte dos entrevistados foi um dos principais pontos, além da baixa disponibilidade de opções já que as franquias são recentes na cidade e ainda não são encontradas em grande número. Além disso questões pessoais, principalmente no que dizem respeitos a outras atividades realizadas pelo autor dificultaram a realização de mais trabalhos de campo, diminuindo assim o número de dados finais obtidos. 3. Desenvolvimento da problemática / Debate Teórico-conceitual 74 Nos últimos anos, vem se observando no cenário da geografia urbana um processo de reestruturação urbana em algumas cidades em escala global. Logo, quando mudamos a escala para o cenário nacional, o fenômeno não se encontra de maneira diferente do que se vê mundo a fora, porém ocorrendo sempre de diferentes maneiras, tendo relação forte com as características de cada cidade. Vários são os atores e fatores que fazem parte desse processo de reestruturação urbana das cidades. Esta pesquisa tem como principal objetivo fazer um estudo sobre o papel das franquias no processo de reestruturação da cidade de Resende. A cidade que se localiza no Médio Vale do Paraíba, possui uma localização privilegiada, na região sudeste que é a mais desenvolvida e entre as duas principais cidades do país (Rio de Janeiro e São Paulo), próximo de alguns dos principais portos e aeroportos do país, como pode ser visto no mapa 1. Desde meados da década de 50 a região vem apresentando um desenvolvimento, devido à instalação da CSN em Volta Redonda. O modelo de produção flexível gerou condições para um grande desenvolvimento industrial, o que possibilitou um desenvolvimento econômico à localidade onde está inserida. Porém este mesmo modelo proporcionou também um afloramento de um novo modo de consumo. (CARMO e ORTIGOZA, 2010) Porém, após alguns anos de estagnação no desenvolvimento das cidades da região e uma diminuição no ritmo do processo de urbanização, iniciou-se um novo processo de reestruturação urbana nas cidades do médio-vale que merecem ser analisados com uma análise mais profunda. Com a chegada de importantes empresas do setor automobilístico e a criação de um parque industrial, grande parte das cidades da região fluminense voltou a apresentar crescimento econômico e um desenvolvimento em alguns setores. Este trabalho visa identificar o papel das franquias no processo de reestruturação urbana na cidade de Resende. Para que esse objetivo seja alcançado, metas menores foram traçadas para que ao final, com a união de todas as informações, surgissem os resultados. A identificação dessas franquias se dá como necessário, além disso, as escalas de ação das franquias presentes, bem como, sua lógica locacional. Este tipo de comércio causa grande impacto na cidade, muitas das vezes são novas marcas, novos produtos, novas formas de se fazer comércio que chegam na cidade, com o potencial suficiente para alterar todo o padrão do comércio local. Assim pode-se dizer que as franquias possuem grande importância no desenvolvimento do comércio da cidade. 75 Mapa 1: Posição Geográfica da cidade de Resende-RJ. Fonte: IBGE, 2000. Produzido por Gabrielle Ramalho; Vitor Scalercio, 2008. 4. O que são as Franquias? De acordo com a Lei 8.955/94 – Franquia Empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso da tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional, desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vinculo empregatício”. A franquia, resumindo é uma instituição de comércio que possui o direito de usar a marca de uma empresa maior e de maior respaldo no mercado. O franqueado com isso acaba adotando todo o padrão de comércio imposto pelo seu franqueador. A diferença para as lojas das grandes redes é simplesmente na origem do capital. Enquanto numa grande rede o capital vem diretamente da empresa dona da marca, nas franquias o capital geralmente parte de um empresário ou um microempresário que compra uma franquia, passando a ter direito de usar a marca e os produtos da empresa franqueadora. Como já falado antes, o sistema de franquias começou a ser utilizado após a guerra civil no final do séc. XIX, porém elas começaram a aparecer de uma maneira mais intensa no 76 final do séc. XX, juntamente com a intensificação do processo de globalização no mundo. Não foi diferente no Brasil, o setor de franchising vem acompanhando o crescimento da renda média da população nos últimos anos, como pode ser visto nos gráficos abaixo. Gráfico 4: Evolução do Número de Unidades Franqueadas do Setor de Franchising Brasileiro. Fonte: www.portaldofranchising.com.br Em Resende, não é diferente do que o retratado nesses gráficos, por diversos fatores que já foram retratados neste trabalho, o crescimento do número de franquias é claro e sua importância no comércio e consumo local vem aumentando a cada ano. 4.1 O Papel do Circuito Superior no Espaço Urbano O circuito superior é composto por bancos, comércio e indústria de exportação, indústria urbana moderna, serviços modernos, atacadistas e transportadores como elementos do circuito superior. (Santos, 1979) As franquias fazem parte deste circuito e possuem cada vez mais uma importância maior e uma posição de destaque, quando se fala em comércio e consumo. A possibilidade de se trabalhar com as franquias, faz com que grandes marcas tenham a oportunidade de que o seu produto chegue a diversas regiões, atingindo assim a um maior mercado consumidor. As franquias podem ser consideradas como as principais formas de controle indireto das empresas sob um comércio local, garantindo-lhes possibilidades de lucros e maior difusão da marca. (CORRÊA, 1999) 77 Como já citado antes, as franquias, além de possibilitarem a difusão da marca, possuem a capacidade de fazer com que se expanda o mercado consumido a números muito maiores. Nos países ditos em desenvolvimento, observa-se o nascimento de uma nova classe consumidora na sociedade, a nova classe média. Classe essa que demanda um consumo moderno, mais sofisticado, gerador de grandes lucros. (SANTOS, 1979) Gráfico 5: Evolução das Classes Econômicas no Brasil – 1992 à 2009. Fonte: Nery, M. A Nova Classe Média: O lado brilhante dos pobres 5. Resultados obtidos 5.1 Novos padrões de consumo na cidade O Shopping Pátio Mix (26 franquias de grandes marcas) é o principal espaço de concentração das franquias na cidade de Resende (quadro 1). Apesar de não ser um shopping muito grande e possuir dificuldades no que diz respeito à acessibilidade, este local se apresenta como o lugar de maior concentração destas marcas atraindo um enorme quantitativo de pessoas que se dispõem a percorrer quilômetros de distância para poder consumir alguns produtos de grandes marcas ou poder comer num restaurante de uma grande rede de lanchonete. Migrações “descendentes” foram observadas na cidade, principalmente no que diz respeito a pessoas ligadas as fábricas e montadoras estrangeiras presentes na região. (SANTOS, 1981) Esse grupo de pessoas acaba sendo atrativo para alguns setores específicos de comércio, como por exemplo, a presença de um restaurante japonês na cidade para suprir a 78 demanda e atender aos funcionários japoneses que estão trabalhando na fábrica da Nissan que começou sua operação recentemente na cidade. Localidade Franquias Campos Elísios (centro) – 14 Postos Ipiranga, Claro, Nextel, Vivo, Curso Yes, Taco, Óticas Carol, Mundo Verde, Casa lotérica, O Boticário, Cacau Show, Over Black, Ortobom e Pink Biju Shopping Pátio Mix - 26 Baggagio, Bob’s, Burguer King, Cacau Show, Chilli Beans, Colombo, CVC, Giraffa’s, Havaianas, Hering, Lotérica, Mc Donald’s, Montana Grill, Mr. Cat, Nobel, O Boticário, Ortobom, Pink Biju, Quiosque Brahma, Rei do Mate, Sonho dos Pés, Spoleto, Subway, Suco Bagaço, Taco e World Tennis Resende Shopping - 14 Ad Life Style, Bob’s, Brasil Cacau, Camarão e Cia, Chilli Beans, First Class, Flashop, Hering, Le Sénéchal, O Boticário, Ortopé, Rei do Mate, Sky, World Tênnis Quadro 1. Principais franquias na cidade de Resende Fontes: Pesquisas de Campo e SILVA, 2013. Organizado por: Bruno Barreto 79 Imagem1: Distribuição das principais franquias na cidade de Resende O Shopping Pátio Mix representa a maior concentração de franquias e grandes redes na cidade. Além disso, pela contagem de placas dos veículos, pode-se observar que os frequentadores são de grande maioria da própria cidade de Resende, mas também foram vistos consumidores de cidades próximas, como visto no organograma 1 (que apresenta os dados das seguintes lojas : Cacau Show, Hering, Taco e Baggagio), que não exercem a centralidade exercida pela cidade de Resende. Vale ressaltar também que a presença da Academia Militar das Agulhas Negras na cidade, é de grande importância para o shopping, visto que foram observados diversos militares nos horários de almoço e principalmente no horário de jantar. Em uma das lojas franqueadas, a presença dos militares foi tida como positiva, pois estes são os principais consumidores da mesma, devido a qualidade e ao estilo das roupas encontradas. 80 Itatiaia Quatis Resende Porto Real Volta Redonda Organograma 1: Origem dos Consumidores. Fonte: Pesquisa de Campo. Organizado por: Bruno Barreto, 2014 Este trecho da entrevista feita com o presidente da Associação Comercial de Resende mostra a importância do shopping e sua capacidade de atrair um grupo de pessoas que está interessado num consumo específico que não é encontrado no resto da cidade. “(...) tem o Subway que é um sucesso danado. Eu já tinha visto aquele Subway em tudo quanto é lugar do mundo(...). Olha, é sensacional, não sei se vocês já comeram, eu fiquei pasmo. Hoje quando eu vou no shopping lá em cima, eu não quero saber de outra coisa, agora eu como no Subway...”. Mesmo com essa preferência pelo consumo mais qualitativo por parte da população local ainda há espaço para que comerciantes mantenham seus próprios negócios sem estar ligados diretamente à grandes marcas. É possível que ambas as instituições possam participar do comércio na cidade sem que haja grande prejuízo para as duas partes mas a tendência é que isso vá se modificando com o passar dos anos. Em outro trecho da entrevista, foi mostrado que somente os comerciantes que possuem o mínimo de conhecimento estão prosperando, porém a cidade se mostra ainda como um lugar atrativo para o comércio. “Porque eu vejo muitos tendo sucesso, tem um amigo aqui que abriu um restaurante, em coisa de 2 anos ele já comprou uma casa em um condomínio fechado, 2 carros zero , as filhas estão estudando em faculdade particular,(...) e ele tá encantando com o comercio de Resende, então eu vejo algumas lojinhas fechando, é como ele falou que abre 81 uma, fecha outra(...) Então quem fechou foi o povo, foram as pessoas que não conseguiram dar o atendimento necessário, mas quem trabalha legal tá indo bem, vejo só crescer.” Ainda devido a presença do comércio, pode ser visto na cidade uma grande quantidade de trabalhadores de outras cidades, como visto no organograma 2 (que apresenta dados das seguintes lojas: Cacau Show, Hering, Taco e Baggagio). As lojas franqueadas que foram visitadas apresentavam em sem quadro de funcionários, pessoas de diversas cidades próximas, revelando assim uma capacidade e uma contribuição deste segmento para o desenvolvimento regional. Itatiaia Porto Real Quatis Resende Volta Redonda Penedo Organograma 2: Quadro de Funcionários. Fonte: Pesquisa de Campo. Organizado por: Bruno Barreto, 2014 5.2. A logística de algumas franquias encontradas na cidade Nesta seção, mostrarei como se organizam as grandes marcas para com as suas franquias espalhadas pelo país. Os dados que podem ser vistos nos organogramas 3, 4 e 5 foram coletados em um evento onde estavam presentes representantes das marcas abordadas. A partir da análise dos organogramas poderá se chegar à conclusão que por mais que as lojas franqueadas e o consumo qualitativo esteja passando por um momento de grande 82 crescimento nas cidades médias, as relações entre franqueadores e franqueados se apresentam ainda de maneira claramente verticalizada (por isso a organização vertical), com as principais decisões e lucros sendo direcionados à sede das lojas que se localizam nas grandes metrópoles. Ou seja, as metrópoles, podem estar perdendo a capacidade de atração de investimentos em determinadas setores, mas sua influência continua a aumentar, pois essa organização é vista em quase todos os setores empresariais. Rei do Mate Sede: São Paulo Escritório no Rio de Janeiro Centro de distribuição: Rio de Janeiro Loja de Resende e em outras localidades próximas Organograma 3: A logística de funcionamento das franquias Rei do Mate. Fonte: Pesquisa de Campo. Organizado por: Bruno Barreto 83 Curso YES Sede: Rio de Janeiro Centro de distribuição: Rio de Janeiro Escolas espalhadas pelo país Organograma 4: A logística de funcionamento das franquias do Curso Yes. Fonte: Pesquisa de Campo. Organizado por: Bruno Barreto Grupo trigo (Spoleto) Sede: Rio de Janeiro Centro de distribuição: Cordovil e Volta Redonda, Rio de Janeiro Distribuição para todas as lojas do Brasil Organograma 5: A logística de funcionamento das franquias do Grupo Trigo. Fonte: Pesquisa de Campo. Organizado por: Bruno Barreto 6. Considerações finais 84 A partir da bibliografia estudada e os dados coletados durante a pesquisa, foi possível observar que a cidade passa por uma reestruturação urbana recente e que durante esse processo, observa-se um novo tipo de consumo. Novo método de consumo esse, que vem atraindo cada vez mais empresas, de capital externo à cidade, de diferentes setores de comércio a se instalarem na cidade. Esse processo de instalação de franquias possui características bem distintas do que se vê nas grandes metrópoles, onde as franquias se encontram em uma distribuição espacial bem diferenciada. Esse fator resulta num aumento quantitativo e qualitativo do consumo que é característico das cidades médias, e não ocorre de maneira diferente na cidade de Resende. Além disso, volto aqui a falar da verticalização vistas nas relações entre franqueadores e franqueados que fortificam o “poder” das decisões que partem das grandes metrópoles nacionais e reforçam a posição geográfica da cidade como um fator atrativo para os investimentos externos que são cada vez mais frequentes nos últimos anos. Por ser um fenômeno recente, ainda observa-se uma concentração muito grande das franquias no centro da cidade, diferente do que se observa nas grandes cidades brasileiras. Devido ao tamanho das cidades, não se sabe ainda o quanto essas franquias podem espalharse pela cidade mas a tendência é que o número de lojas e a demanda por elas cresça cada vez mais. REFERÊNCIAS CARMO, J. e ORTIGOZA, S. A importância da análise do comércio em pesquisas sobre arranjos produtivos locais. In: ENCONTRO NACIONAL DOS GEOGRÁFOS, 16, 2010, Porto Alegre. Anais. CORRÊA. R. Globalização e Rede Urbana. Revista TERRITÓRIO, ano IV, nº 6, jan./jun. 1999. LIPIETZ, A. O Capital e seu Espaço. Nobel, 1988. 85 NERI, M. C. A Nova Classe Média: O Lado Brilhante dos Pobres. Rio de Janeiro: FGV/CPS, set 2010. ORTIGOZA, S. As franquias e as novas estratégias do comércio urbano no Brasil. Dissertação de Mestrado, 1996. Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Unesp, Rio Claro, 1996. SANTOS, Milton. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. 2ª ed., 1ª reimpr. São Paulo: Edusp, 2008. _____. Manual de Geografia Urbana .3ª ed., 1ª reimpr. São Paulo: EdUSP, 2008. _____. Metrópole Corporativa e Fragmentada: O caso de São Paulo. São Paulo: Nobel, Secretaria de Estado da Cultura, 1990. SILVA, W. R. Centralidade, shopping centers e cidades médias . In: Workshop ReCiMe, 11, 2013, Mato Grosso do Sul. Publicação. 86 CENTRALIDADE DO ENSINO SUPERIOR EM DOURADOS-MS-BR E AS ARTICULAÇÕES E RELAÇÕES DE COMPLEMENTARIEDADE EM SUA ÁREA DE INFLUÊNCIA Bruno Bomfim Moreno14 RESUMO Dourados-MS-BR articula-se, direta ou indiretamente, a outros 33 centros urbanos, abrangendo uma área de influência que compreende o Sul do estado de Mato Grosso do Sul e ao extremo Noroeste do estado do Paraná. Essa área foi tomada como referência para a análise da centralidade expressa pelo ensino superior, que tem em Dourados a maior oferta regional para a modalidade presencial. O conjunto de centros que compõem a rede urbana regional é analisado na tentativa de revelar aspectos da complexificação das interações espaciais, que se apresentam na forma da diversificação e complementariedade. Palavras-chave: 1) Complementariedade Centralidade; 2) Ensino Superior; 3) Diversificação e 1. A ÁREA DE ESTUDO A ReGIC (IBGE, 2008) estabelece que Dourados15 é uma Capital Regional C, subordinada a Campo Grande, capital do estado de MS e classificada como uma Capital Regional A, que se subordina a São Paulo, Grande Metrópole Nacional. O município de Dourados possui 196.035 (IBGE, 2010) habitantes, número que o coloca na segunda posição no estado em tamanho demográfico. No que se refere à rede urbana (Figura 1), abrange relação direta com 21 centros e, quando consideradas as relações indiretas, acrescentam-se mais 12 centros em sua área de influência, totalizando 33 centros, dois deles do estado do Paraná – Terra Roxa e Guaíra. Destacam-se na rede: Mundo Novo, Naviraí e Ponta Porã, centros que são classificados como Centro de Zona A. 14 Docente no Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN) e membro da equipe ReCiMe/Dourados. E-mail: [email protected]. Este trabalho integra o resultado de pesquisa desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), sob a orientação da Profa. Dra. Maria José Martinelli Silva Calixto, intitulada “A centralidade do ensino superior e o processo de redefinição socioespacial em Dourados-MS” (MORENO, 2013). 15 Localiza-se ao Sul do estado de Mato Grosso do Sul (Latitude 22º 13' 16" S, Longitude 54º 48' 20" W e altitude de 430m), tem área territorial de 4.096,9 km² e área territorial urbana de 40,68 km² (MIRANDA et al., 2005) 87 Se pensarmos na área de influência de Dourados em termos demográficos, verificase que a população total da área de é de 590.827 habitantes; quando somada à população de Dourados, chegamos a 786.862 habitantes, sendo que, desse total, 79,33% (624.247) vivem nas cidades e 20,98% (153.999) no campo. A população da área de influência de Dourados, excluindo os municípios do estado do Paraná, representa 30,19% da população estadual. Já em relação ao ensino superior, no que se refere a área de influência de Dourados (Figura 2Erro! Fonte de referência não encontrada.), Ponta Porã é o município em que se verifica a presença, em 88 maior número, de Figura 1: Dourados (2008) – Área de influência e rede urbana de Dourados 89 Figura 2: Área de influência de Dourados (2012) – Presença de instituições de ensino superior (modalidade presencial) 90 91 instituições de ensino superior (IES) – sete no total. Em seguida, está Dourados (5 IES) e Naviraí (4 IES). Se a questão é analisada apenas por esse dado (quantidade de IES por município), a centralidade exercida por Dourados regionalmente em relação ao ensino superior poderia tornar-se questionável, já que não é o local onde há maior número de instituições. No entanto, é necessário complexificar essa questão a partir de outros elementos como, por exemplo, aqueles da concentração da oferta de cursos, uma vez que o número de instituições, por si só, não revela o tamanho e a complexidade das instituições em questão, consequentemente, não revela a quantidade de pessoas que têm vinculações com o ensino superior. Na área de influência de Dourados (ver Tabela 1) o número de instituições do setor público (12) é próximo ao do setor privado (13 IES). O “equilíbrio” é garantido, principalmente, pela presença da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS, que se insere nos municípios de Glória de Dourados (9.997 habitantes, IBGE, 2010), Ivinhema (22.341 habitantes, IBGE, 2010), Maracaju (37.405 habitantes, IBGE, 2010) e Mundo Novo (17.043 habitantes, IBGE, 2010), onde não há instituições privadas. Três deles são classificados como Centro Local (IBGE, 2008) – Glória de Dourados, Ivinhema e Maracaju. Tabela 1: Área de influência de Dourados (2012) – Presença de unidades acadêmicas de IES por setor (modalidade presencial) Área de influência de Dourados Município IES Pública IES Privada Total Amambai 1 1 2 Caarapó 0 1 1 Dourados 2 3 5 Fátima do Sul 0 1 1 Glória de Dourados 1 0 1 Guaíra/PR 0 1 1 Ivinhema 1 0 1 Maracaju 1 0 1 Mundo Novo 1 0 1 Naviraí 2 2 4 Ponta Porã 3 4 7 12 13 25 Total 48,00% 52,00% 100,00% 92 1 Foram consideradas para análise as unidade dos Institutos Federais que no estado de MS recebem a nomenclatura IFMS – Instituto Federal de Mato Grosso do Sul. Fonte: Portal e-MEC, acesso em julho de 2012 Org.: MORENO, B. B., 2012 Já Mundo Novo é um Centro de Zona A, apesar de população inferior às da cidade de Maracaju e de Ivinhema, o que indica que essa condição diferenciada dos demais em relação à centralidade não está diretamente relacionada ao contingente populacional, mas na articulação deste e de outros elementos. Neste caso, destacaríamos a situação geográfica, já que Mundo Novo, dentre os centros listados, é o mais distante de Dourados, condição para que sua centralidade não seja “cerceada” pelo centro principal da rede urbana regional, possibilitando níveis intermediários na hierarquia da rede urbana regional e exercendo centralidade sobre centros do extremo Sul do estado de Mato Grosso do Sul e do extremo Noroeste no estado do Paraná. No caso desses 4 municípios (Glória de Dourados, Ivinhema, Maracaju e Mundo Novo), o que se percebe é a ausência de instituições privadas. O contrário é verificado em Caarapó e em Fátima do Sul, onde não há instituição pública. Essa diferença demonstra que há uma desconcentração no que se refere às instituições públicas, presentes em 8 municípios, dos 11 que possuem ao menos uma instituição. Já em relação às instituições privadas, presentes em 7 municípios, há a presença em maior número em Ponta Porã (4 IES), em Dourados (3 IES) e em Naviraí (2 IES). Esse dado revela uma opção dos agentes econômicos em relação à localização das instituições do setor privado, em concentrar suas atividades em centros que apresentam maior complexidade e, nesse caso, maior tamanho demográfico também. Em relação à oferta, a área de influência de Dourados têm 159 cursos de graduação. Possuem papel de destaque, além de Dourados (oferta de 96 cursos – 60,38% da oferta de toda a rede), Ponta Porã, com a oferta de 21 cursos de graduação, Naviraí e Guaíra, que ofertam, cada um deles, 10 cursos de graduação – ver Tabela 2. Tabela 2: Área de influência de Dourados (2012) – Oferta de cursos de graduação por município (modalidade presencial) 93 Área de influência de Dourados Município Quantidade de Cursos Amambai 5 3,14% Caarapó 4 2,52% 60,38% Dourados 96 Fátima do Sul 5 3,14% Glória de Dourados 2 1,26% Guaíra/PR 10 6,29% Ivinhema 2 1,26% Maracaju 2 1,26% Mundo Novo 2 1,26% Naviraí 10 6,29% Ponta Porã 21 13,21% Total 159 100,00% Fonte: Portal e-MEC, acesso em julho de 2012 Org.: MORENO, B. B., 2012 A expressividade de Dourados em relação à oferta de cursos de graduação pode ser mais bem apreendida a partir do Quadro 1, em que procuramos elencar a oferta de cada instituição. A UFGD e a UNIGRAN são as instituições que mais possuem cursos de graduação, 28 e 27, respectivamente. Quadro 1: Dourados (2013): Cursos de Graduação (modalidade presencial) Vagas Ofertadas 50 700 110 150 150 100 100 100 100 120 50 40 Instituição Curso FTAW1 Teologia Administração Agronomia Ciências Contábeis Comunicação Social 2 FAD Gestão Financeira Medicina Veterinária Produção Multimídia Psicologia Relações Internacionais Ciência da Computação UEMS3 Ciências Biológicas 94 Grau Bacharelado Bacharelado Bacharelado Bacharelado Bacharelado Tecnológico Bacharelado Tecnológico Bacharelado Bacharelado Bacharelado Licenciatura UFGD4 Direito Enfermagem Engenharia Ambiental Engenharia Física Física Letras Matemática Pedagogia Química Química Industrial Sistemas de Informação Turismo Administração Agronomia 50 40 50 50 40 80 40 40 40 30 40 80 50 50 Artes Cênicas Biotecnologia 60 55 Ciências Biológicas Ciências Contábeis Ciências Econômicas 60 50 50 Ciências Sociais Direito Educação Física Engenharia Agrícola Engenharia de Alimentos Engenharia de Energia Engenharia de Produção 60 55 50 50 51 51 52 Geografia Gestão Ambiental 70 50 História Letras Licenciatura Indígena Matemática Medicina Nutrição Pedagogia Psicologia 70 70 Bacharelado Bacharelado Bacharelado Bacharelado Licenciatura Licenciatura Licenciatura Licenciatura Licenciatura Bacharelado Bacharelado Bacharelado Bacharelado Bacharelado Bacharelado e Licenciatura Bacharelado Bacharelado e Licenciatura Bacharelado Bacharelado Bacharelado e Licenciatura Bacharelado Licenciatura Bacharelado Bacharelado Bacharelado Bacharelado Bacharelado e Licenciatura Bacharelado Bacharelado e Licenciatura Licenciatura 60 51 50 50 50 60 Licenciatura Licenciatura Bacharelado Bacharelado Licenciatura Bacharelado e Intercultural 95 Química Relações Internacionais Sistemas de Informação Zootecnia Administração Agronomia Arquitetura e Urbanismo Artes Visuais Biomedicina Ciência da Computação 54 55 51 50 180 140 120 60 80 100 Ciências Biológicas Ciências Contábeis Comunicação Social Direito 140 160 60 480 Educação Física Enfermagem UNIGRA Engenharia Civil N5 Estética e Cosmética Farmácia Fisioterapia Jornalismo Matemática Medicina Veterinária Nutrição Odontologia Pedagogia Produção Agrícola Produção Publicitária 440 240 250 260 320 120 60 60 160 120 90 100 160 80 Psicologia Radiologia Serviço Social Total 360 160 80 8.465 1 Licenciatura Bacharelado e Licenciatura Bacharelado Bacharelado Bacharelado Bacharelado Bacharelado Bacharelado Licenciatura Bacharelado Bacharelado Bacharelado e Licenciatura Bacharelado Bacharelado Bacharelado Bacharelado e Licenciatura Bacharelado Bacharelado Bacharelado Bacharelado Bacharelado Bacharelado Licenciatura Bacharelado Bacharelado Bacharelado Licenciatura Tecnológico Tecnológico Bacharelado e Licenciatura Tecnológico Bacharelado Faculdade Teológica e Seminário Batista Ana Wollerman (FTWA). Faculdade Anhanguera de Dourados (FAD). 3Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). 4Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). 5Centro Universitário da Grande Dourados. 2 96 Fonte: Portal e-MEC; sites das instituições, acesso em julho de 2012 Org.: MORENO, B. B., 2012 Anualmente são ofertadas 8.465 vagas nos cursos de graduação, sendo que 73,95% desse total de vagas é de responsabilidade do setor privado. A UNIGRAN e a FAD, as duas instituições com maior oferta do setor privado, travam concorrência principalmente nas áreas da ciência vinculada, mais diretamente, às atividades agropecuárias, justamente pelas demandas de trabalho requeridas num campo modernizado, cada vez mais cientifizado e que encontra na cidade média, “[...] muitas respostas às suas exigências em ciência, técnica e informação, incluindo uma demanda importante de bens e serviços técnicos e científicos [...]” (SANTOS; SILVEIRA, 2011, p. 281) . Ainda para os autores, [...] as cidades médias têm como papel o suprimento imediato e próximo da informação requerida pelas atividades agrícolas e desse modo constituem em intérpretes da técnica e do mundo. Em muitos casos, a atividade urbana acaba sendo claramente especializada, graças às suas relações próximas e necessárias com a produção regional [...] (2011, p. 281). Nesse sentido, a oferta dos cursos de graduação passa a ser influenciada pela atividade produtiva regional, ao passo em que, as instituições de ensino superior, em resposta aos estímulos dessas atividades, tornam-se responsáveis pela formação de mão de obra qualificada ao atendimento de demandas criadas no campo. Essas demandas são expressas não só na oferta de cursos de graduação e na oferta de cursos tecnológicos vinculados à atividade produtiva, mas na quantidade de vagas ofertadas. Ao que parece, apesar da concorrência, as duas instituições privadas têm conquistado mercado, uma vez que a UNIGRAN disponibiliza 140 vagas para o curso de Agronomia16 e 160 para o de Medicina Veterinária, enquanto que a FAD oferece 100 vagas para cada um deles. Esses números explicitam que a oferta de vagas é baseada em demandas cada vez mais referenciadas na escala regional, na área de influência de Dourados. Proporcional e economicamente, não é viável pensar na oferta e no preenchimento de 300 vagas para o curso de Agronomia (UFGD, FAD e UNIGRAN) e 260 vagas para o 16 Somadas às vagas disponibilizadas pela UFGD, chega-se a 300 vagas ofertas para esse curso. 97 curso de Medicina Veterinária (FAD e UNIGRAN), se considerarmos apenas as demandas locais. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que se estrutura em Dourados uma condição diferenciada de oferta do ensino superior, se comparado aos outros centros da rede urbana regional, essa oferta (expressa na quantidade de cursos e de vagas) está atrelada às demandas regionais, questão que iremos explorar mais adiante. 2. AS ARTICULAÇÕES E RELAÇÕES DE COMPLEMENTARIEDADE NA REDE URBANA REGIONAL Para contemplar a ideia da complementariedade e de interdependência entre o que se demanda e o que é ofertado, ao reforçamos a ideia de Dourados como centro principal da rede urbana regional, no que diz respeito ao ensino superior, não se objetivou reforçar a ideia de hierarquia, mas de demonstrar uma possibilidade da relevância numérica de alunos provenientes da área de influência que se vinculam às instituições de Dourados e, também, de como esse centro é dependente dessa demanda regional para que se estruture a oferta de vagas e de cursos, principalmente, ao que se refere ao setor privado. Nesse sentido, em uma rede urbana, a centralidade não deve ser pensada apenas a partir de relações hierárquicas, como aponta Corrêa (1996, 2006). Apesar de determinados centros urbanos apresentarem maior expressão de centralidade, isso não nos permite entender que não haja interdependência, e por que não a complementariedade e a concorrência entre centros do mesmo ou de diferentes portes. Por assim dizer, a superação da ideia de hierarquia é importante. Sobre essa perspectiva, Sposito (2011) alerta: A ruptura com a ideia de hierarquia só pode ocorrer, do ponto de vista teórico e do ponto de vista ideológico, se o primado de olhar o mundo e, por consequência, a cidade pelas desigualdades fosse superado ou combinado, de modo articulado ou contraditório e conflituoso, pela aceitação de que as diferenças vão além das desigualdades. Para identificá-las e para colocá-las no centro do debate e da leitura de mundo é preciso ter sensibilidade para ler a combinação complexa de fluxos e modos de organização e constituição de redes (econômicas, sociais, políticas, culturais, urbanas) que não se estruturam apenas hierarquicamente, mas resultam de múltiplos fluxos, estabelecidos horizontalmente e transversalmente. (2011, p. 130-1). 98 Sobre a natureza da rede urbana, em configurar-se e reconfigurar-se socioespacialmente de acordo com o contexto histórico, Calixto (2011, p.58-9), aponta: No caso de Dourados, deve-se considerar não apenas a sua condição ou nível de centralidade, na rede urbana do sul do estado de Mato Grosso Sul, mas também sua posição, haja vista que a própria divisão territorial do trabalho implica em uma complexidade funcional dos centros urbanos. No âmbito e na dinâmica dessa lógica, as imposições de escalas mais amplas (ligadas a circuitos produtivos mais abrangentes), por intermédio da especialização produtiva, impetram uma divisão territorial do trabalho que acaba por romper com o modelo exclusivamente hierárquico. Sendo assim, embora Dourados (cuja condição pode variar espaço-temporalmente, de acordo com sua especialização funcional) esteja ligada à rede urbana de Campo Grande e, por intermédio dela, à grande metrópole nacional – São Paulo – também desempenha simultaneamente um papel singular e complementar a outros centros urbanos do seu entorno. Ou seja, há uma divisão/diferenciação que, no seu movimento, promove a integração/articulação, sendo difícil dimensionar em que medida a rede urbana de Dourados é condição para a divisão sócio-territorial do trabalho, ou se caracteriza por ser uma rede de pura intermediação de ações externas. A construção do trabalho, por essa perspectiva, a partir dos papéis que Dourados assume regionalmente, ao que se refere ao ensino superior, reflete a necessidade de apreensão da contribuição/participação17 dos centros que compõem a rede urbana na conformação dessa centralidade e/ou das relações de complementariedade e concorrência. Por essa razão, serão elencados alguns aspectos que evidenciam, a partir dos fluxos, essas dinâmicas. O primeiro, diz respeito aos fluxos de alunos de Dourados em direção aos centros de patamares inferiores de centralidade na rede urbana regional – considerando os elementos da centralidade propostos pelo IBGE (2008). Nesse caso, há um movimento mais claro em direção a Ponta Porã. Apesar desse movimento, a vinculação educacional se dá, principalmente, com as instituições paraguaias, presentes na cidade de Pedro Juan Caballero (cidade gêmea de Ponta Porã), 17 Essa realidade, de forma bem simplificada, pode ser observada a partir da definição do número de vagas de determinados cursos de graduação que, considerando apenas o público local, seria uma quantidade impraticável. 99 embora o local de moradia dos alunos que se vinculam a essas instituições ainda permaneça em Ponta Porã. Um caso recorrente é o deslocamento de estudantes brasileiros para cursar graduação em Medicina, na cidade estrangeira, em instituições particulares, cujas mensalidades são inferiores às das instituições brasileiras. Somado a esse público, há também aquele que tem como opção a pós-graduação18, inclusive nas modalidades stricto sensu. Há fluxos, ainda, de docentes que trabalham nas instituições da cidade de Ponta Porã. Nesse caso, o deslocamento é diário e não há a necessidade de mudança para aquela cidade, considerando que a média do percurso (Dourados – Ponta Porã – Dourados) é de 1h e 30min para veículos domésticos. Os docentes que têm vínculos com as unidades das UEMS, nas proximidades de Dourados (Amambai, Ivinhema, Glória de Dourados e Jardim, por exemplo), ou mesmo instituições privadas, também acabam escolhendo as viagens diárias a morar nas cidades em que essas unidades/instituições estão localizadas, evidentemente pelas condições que a cidade de maior complexidade regional pode oferecer: consumo de bens e serviços quantitativa e qualitativamente diversificados19. Essa condição não é exclusiva aos docentes, há outros profissionais que residem em Dourados pela condição desse centro na rede urbana, de maior complexidade em relação à oferta de bens e serviços. Essa realidade foi averiguada por Nogueira (2011), que estudou as relações que se dão entre a cidade de Itaporã e a cidade de Dourados, que fica a uma distância de, aproximadamente, 20 km daquela. Nesse 18 Embora haja acordos bilaterais de reconhecimento e validação dos diplomas por parte de ambas as nações (brasileira e paraguaia), há ainda muitos empecilhos nesse processo. Uma justificativa seriam as diferenças normativas e aquelas institucionais dos órgãos que regulamentam a pós-graduação em ambos os países. Além disso, existem as questões de preconceito construídas a partir do Brasil em relação à formação no Paraguai, considerando a precariedade material da nação vizinha em relação às áreas mais articuladas ao capitalismo mundial no Brasil. Acaba-se reproduzindo uma lógica perversa, ao mesmo tempo em que somos constrangidos em comparação a outros países, constrangemos aqueles que estão em uma condição desfavorável à nossa. 19 Para além da condição diferenciada que morar em Dourados e não nos centros da rede urbana regional pode significar, é importante que pontuemos que o trabalho fora desse centro regional pode revelar a saturação do mercado em determinada área como uma própria imposição da divisão técnica ou da qualificação profissional, que não dá condições de inserção desses docentes no mercado de trabalho local, obrigando-os a procurar trabalho para além dos limites municipais. Assim, a permanência em Dourados se dá não só pelo acesso a bens e serviços que são oferecidos nesse centro, mas, também, pelos laços de afetividade construídos nessa/com essa cidade. 100 sentido, conforme o autor, apesar do vínculo de trabalho20 se dar com Itaporã, o local de residência é Dourados. Movimento similar ocorre a partir da cidade de Campo Grande, em que professores se dirigem a Dourados. Considerando a distância entre as cidades (aproximadamente 230 km), há a necessidade, ora ou outra, de pernoitar em Dourados. As possibilidades da estada desses professores são diversas, desde o compartilhamento de aluguel com colegas na mesma condição ou a permanência nas próprias instituições – solução encontrada pela UNIGRAN que há uma edificação, na própria instituição, destinada a esses profissionais (horistas) e, externamente a ela, tem um condomínio21 para aluguel àquelas pessoas que têm vínculo empregatício de tempo integral – ver Fotografia 1. 20 Nogueira (2011) esclarece que essa condição é estabelecida apenas aos profissionais que ocupam cargos mais especializados. 21 É válido destacar que não está clara a vinculação da UNIGRAN com o condomínio, o qual não possui identificação visual de pertencimento à instituição, o que leva a crer que se trata de um empreendimento particular. 101 Fotografia 1: Dourados (2013) – Condomínio destinado aos docentes da UNIGRAN Foto: MORENO, B. B., maio de 2013 Nesse sentido, observa-se uma divisão territorial do trabalho que acaba se impondo em relação ao ensino superior, pois, ao mesmo tempo em que Dourados disponibiliza profissionais às instituições em sua área de influência, tem a necessidade de receber outros de outros centros, funcionalmente mais complexos – mesmo que não se impondo como uma regra –, para suprimentos daquelas demandas em que a divisão técnica do trabalho local não teve/tem condições de atender. Assim, revelam-se papéis singulares e de complementariedade na diferenciação dos centros urbanos da rede urbana sul-mato-grossense, em que hierarquia e especializações se articulam. Em relação ao ensino superior e as singularidades dos centros de uma rede, ela se evidencia a partir da consolidação de determinado curso superior ou área do conhecimento, que pode ou não estar relacionada à complexificação das funções do centro urbano. Nesse sentido, o centro, mesmo não apresentando grande complexidade funcional, pode exercer um papel central em determinada área ou região no que diz respeito à produção de conhecimento em um campo específico. Em Dourados, por exemplo, a pós-graduação evidencia esse movimento com os cursos de Doutorado em Agronomia, em Ciências da Saúde, em Ciência e Tecnologia Ambiental, em 102 Entomologia, em História, em Geografia e em Recursos Naturais, únicos em todo o estado de Mato Grosso do Sul. O planejamento institucional também se mostra importante neste caso, quando consideramos a oferta de graduação em Agronomia em Dourados e a oferta de Medicina Veterinária em Campo Grande, ambas realizadas quando da implantação da UFMS e que se relacionavam/relacionam com os papéis desempenhados pelas unidades da EMBRAPA em cada um desses centros – enquanto uma aproximava-se mais à produção vegetal, a outra, ligava-se à criação de gado de corte. Assim, a pós-graduação, também, acaba sendo reflexo desse processo, pois enquanto em Dourados há a oferta do curso de Doutorado em Agronomia, em Campo Grande, há a oferta de Doutorado em Ciência Animal. A outra questão refere-se à presença de instituições em centros “subordinados” a Dourados que estão em níveis de centralidade diferente da classificação de Centro Local. As instituições que se inserem nesses centros, além de atender a população do município, passam a exercer centralidade também sob aqueles centros de menor porte. Isso significa que, potencialmente, essas instituições capitam um público que, para ter acesso ao ensino superior, obrigatoriamente, teria que se deslocar a centros maiores e mais complexos e, consequentemente, mesmo que não seja uma regra, mais distantes. Esse é o caso, principalmente, de Naviraí e Ponta Porã, classificados como Centros de Zona A, que exercem centralidade, conforme a proposição do IBGE (2008), tanto quanto Corumbá e Três Lagoas, centros22 mais complexos e de maior porte populacional do que aqueles. Em se tratando especificamente da quantidade de instituições e de cursos na área de influência de Dourados, a partir do Quadro 2, as cidades de Ponta Porã e de Naviraí são aquelas que têm papel de destaque na rede, no que diz respeito ao ensino superior. A cidade de Ponta Porã, possui maior número de instituições do que Dourados, e isso sem considerar as instituições paraguaias que introduzem um novo elemento à análise. 22 Esses dois centros ligam-se diretamente a Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul e, conforme IBGE(2008), uma Capital Regional A. 103 Quadro 2: Área de influência de Dourados (2012): Número de instituições e cursos de graduação (modalidade presencial)23 Município Amambai Instituição Nº 1 UEMS1 2 3 2 FIAMA 4 5 Cursos História Ciências Sociais Administração Ciências Contábeis Pedagogia Total Caarapó FETAC3 6 Administração 7 Ciências Contábeis Total Fátima do Sul FAFS4 8 9 10 11 12 Ciências Contábeis Educação Física Educação Física Enfermagem Pedagogia Total Glória de Dourados Guaíra Ivinhema Maracaju UEMS1 UNIPAR5 UEMS1 UEMS1 13 Agroecologia 14 Produção Sucroalcooleira Total 15 Administração 16 Estética e Cosmética 17 Gestão Ambiental 18 Direito 19 Enfermagem 20 Pedagogia 21 Sistemas de Informação Total 22 Agroecologia 23 Produção Sucroalcooleira Total 24 Administração 25 Pedagogia 23 Vagas 40 40 100 100 100 380 50 50 100 80 200 200 40 200 780 50 50 100 80 80 80 70 40 80 80 510 50 50 100 40 40 Grau Licenciatura Licenciatura Bacharelado Bacharelado Licenciatura Bacharelado Bacharelado Bacharelado Bacharelado Licenciatura Bacharelado Licenciatura Tecnológico Tecnológico Licenciatura Tecnológico Tecnológico Bacharelado Bacharelado Licenciatura Bacharelado Tecnológico Tecnológico Bacharelado Licenciatura Os dados do quadro podem trazer discrepâncias em relação aos levantamentos anteriores, uma vez que as fontes são diferentes. Indicativos das diferenças, como já levantamos, podem estar relacionados ao grau de oferta dos cursos, já que para o MEC, quando há a oferta do grau de bacharelado e de licenciatura, há o discernimento que se trata de dois cursos, enquanto que, para as instituições, para efeitos de divulgação e diagramação de suas páginas na internet, esse procedimento nem sempre é respeitado. 104 Mundo Novo UEMS1 26 27 28 29 7 FACINAV 30 31 32 FINAV8 33 34 35 1 UEMS 36 37 UFMS6 Naviraí FAP9 FAMAG10 FATEP11 UFMS6 Ponta Porã IFMS12 FIP13 UEMS1 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 Total 80 Ciências Biológicas 40 Gestão Ambiental 40 Total 80 Ciências Sociais 60 Pedagogia 60 Ciências Contábeis 60 Administração 100 Geografia 93 Letras - Inglês 100 Pedagogia 150 Tecnologia em Alimentos 50 Direito 50 Química 50 Total 773 Administração 100 Ciências Contábeis 60 Geografia 60 História 60 Letras – Espanhol 100 Ciências Contábeis 80 Engenharia Civil 100 Ciência da Computação 50 Matemática 40 Sistemas de Informação 50 Agronegócio 80 Administração 60 Ciência da Computação 80 Direito 80 Letras – Espanhol 80 Administração 50 Ciências Contábeis 50 Ciências Econômicas 50 Total 1.230 Total de vagas 4.073 1 Licenciatura Tecnológico Licenciatura Licenciatura Bacharelado Bacharelado Licenciatura Licenciatura Licenciatura Tecnológico Bacharelado Licenciatura Bacharelado Bacharelado Licenciatura Licenciatura Licenciatura Bacharelado Bacharelado Bacharelado Licenciatura Bacharelado Tecnológico Bacharelado Bacharelado Bacharelado Licenciatura Bacharelado Bacharelado Bacharelado Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Faculdade de Amambai (FIAMA), 3Faculdade de Educação, Tecnologia e Administração de Caarapó (FETAC), 4Faculdade de Administração de Fátima do Sul (FAFS), 5 Universidade Paranaense (UNIPAR), 6 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), 7Faculdade de Ciências Contábeis de Naviraí (FACINAV), 8Faculdades Integradas de Naviraí (FINAV), 9 2 105 Faculdade de Ponta Porã (FAP), 10 Faculdades Magsul (FAMAG),11Faculdade Tecnológica de Ponta Porã (FATEP), 12 Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS) e 13Faculdades Integradas de Ponta Porã (FIP). Fonte: site das instituições; Portal e-MEC, acesso em outubro de 2012 Org.: MORENO, B. B., 2012 Enquanto Ponta Porã possui 7 instituições, Naviraí possui 4, sendo que o primeiro concentra a oferta de 18 cursos e, o segundo, 10. Já em relação à quantidade de vagas, em Ponta Porã há a oferta de 1.230 vagas e, em Naviraí, 773. O município de Fátima do Sul aparece com uma expressiva oferta de vagas (780), concentrada em uma única instituição que, para os cursos de Educação Física (licenciatura e bacharelado) oferta 400 vagas; para o curso de Ciências Contábeis oferta 80 vagas e, para o curso de Pedagogia, 200 vagas. Esses dados demonstram a necessidade de relativizar a dimensão dessa oferta, uma vez que, as cidades de Fátima de Sul e de Dourados estão bem próximas (cerca de 30 km), o que condiciona a intensificação da relação entre elas e o que pode resultar numa “coerção” dessa oferta em Fátima do Sul, já que em Dourados, há a mesma oferta dos cursos (Educação Física – 490 vagas – e Pedagogia – 190 vagas) em três instituições (UEMS, UFGD e UNIGRAN), duas delas públicas. Por outro lado, o que pode existir também é, ao contrário do que se convencionou, o fluxo de alunos de Dourados em direção a Fátima do Sul24. Ainda em relação ao número de vagas, Guaíra, apesar de também possuir apenas uma instituição (setor privado), para a oferta de 7 cursos, concentra 510 vagas. Já Amambai, apesar de apresentar duas instituições (uma delas pública), para a oferta de 5 cursos, disponibiliza 380 vagas. Esses centros possuem papéis diferenciados no que diz respeito ao ensino superior e, embora em níveis de centralidade estejam na mesma condição (Centro de Zona B), as diferenciações socioespaciais acabam conferindo-os papéis diferenciados. Nesse sentido, enquanto Amambai possui 34.730 habitantes – dentre os quais 22.375 (64,43%) residem na cidade (IBGE, 2010) –, Guaíra possui 30.704 habitantes, 24 O município de Fátima do Sul possui 19.035 habitantes, dentre os quais 2.161 (11,35%) possuem entre 18 e 24 anos de idade. O total de pessoas que frequentam o ensino superior no município é de 715 (3,76%). 106 destes 28.206 (91,86%) habitantes residem na cidade (IBGE, 2010). Enquanto a primeira dista, aproximadamente, 130 km de Dourados e vincula-se diretamente, a segunda está a 266 km de distância, vinculando-se indiretamente (por intermédio de Mundo Novo, um Centro Sub-Regional A). Por outro lado, Guaíra vincula-se diretamente a Umuarama – PR, Centro SubRegional A (subordinado diretamente a Curitiba – PR) e que está a uma distância de, aproximadamente, 120 km. Guaíra ainda mantém proximidade com Cascavel (cerca de 150 km) e com Maringá (cerca de 248 km), o que poderia relativizar a ligação com Dourados que, além de mais distante, em nível de centralidade, mostra-se em uma condição inferior àqueles – Cascavel e Maringá se enquadram como Capital Regional B. Ainda nessa perspectiva, apesar de Mundo Novo subordinar Guaíra, sua expressão na rede urbana em relação ao ensino superior é pequena, concentra 80 vagas em dois cursos de graduação em uma única instituição. Dentre os cursos listados, não há nenhum que não seja ofertado em Dourados, para os graus de licenciatura e bacharelado25. O que diferencia os centros que se vinculam a Dourados são os cursos do grau tecnológico que são ofertados em Glória de Dourados (Agroecologia e Produção Sucroalcooleira), Guaíra (Estética e Cosmética), Ivinhema (Agroecologia e Produção Sucroalcooleira), Mundo Novo (Gestão Ambiental), Naviraí (Tecnologia em Alimentos) e em Ponta Porã (Agronegócio). Dessa forma, a oferta de cursos de graduação mais diversificada em Dourados é um elemento para se pensar os papeis regionais desse centro, no entanto, essa condição não se assegura estritamente por demandas locais, mas da articulação dessas com aquelas regionais, sobretudo quando estamos nos referindo ao setor privado, que está diretamente condicionado às dinâmicas do mercado (oferta/procura). A UNIGRAN, por exemplo, em sua Avaliação Institucional (2011) averiguouse que 32,86% do seu público era formado por discentes que utilizavam de transporte interurbano (ônibus escolar) como meio de locomoção para ir às aulas. Ou seja, o local de origem desses discentes possibilita que o vínculo institucional seja mantido a partir dos deslocamentos diários, o que nem sempre é a “escolha” dos acadêmicos, que podem 25 Até o ano de 2011 a Faculdade Tecnológica de Ponta Porã detinha a exclusividade da oferta do curso de Engenharia Civil na rede urbana regional e agora divide com a UNIGRAN essa oferta. Vale destacar que a instituição de Dourados já oferta esse curso em dois períodos (matutino e noturno), o que leva a crer que há uma demanda regional, considerando a formação de duas turmas do curso. Vale destacar, também, que a partir do próximo ano, a UFGD passará a ofertar esse curso. 107 “preferir” pela mudança para a cidade de Dourados – que tem expressado essa condição a partir de áreas produzidas cada vez mais direcionadas a este público. Nesse sentido, a parcela dessa demanda regional pode ser ampliada a partir da contabilização desses discentes que não se utilizam do transporte interurbano. Nesse sentido, a expressividade regional da oferta do ensino superior em Dourados, quantitativa e qualitativamente, deve ser pensada a partir das demandas locais e regionais, pois é da articulação dos fluxos de acadêmicos, sobretudo, dessas duas escalas que a oferta se estrutura. Assim, damos alguns passos na caminhada para a superação da leitura (se essa for a direção correta!) de que a complexidade da oferta do ensino superior e das instituições nesse centro regional seja algo dado, exista per si, o que acabaria por reafirmar a leitura da relação hierárquica entre os lugares. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao ofertar 96 cursos de graduação, na modalidade presencial, Dourados conta com um número de cursos 63,58% maior do que todos os centros de sua rede urbana (que juntos, ofertam 55 cursos), sendo o único centro que oferta cursos de mestrado e doutorado, revelando expressividade também a partir da verticalização do ensino na pós-graduação. Contudo, vale reforçar que a condição assumida por Dourados é sustentada por demandas regionais, marcando uma articulação entre os centros da rede urbana, que, por sua vez, complementam e diversificam (sobretudo a partir de cursos do grau tecnológico) a oferta do ensino superior. Ainda é importante considerar, em se tratando da complementariedade entre os centros da rede urbana, a vinculação de pessoas de Dourados com IES de outros centros urbanos. Esse é o caso dos professores que moram em Dourados e ministram, por exemplo, aulas nas IES de centros da rede urbana. Por outro lado, as IES de Dourados também contratam profissionais de outros locais. Assim, revelam-se papéis de singularidades e de complementaridade. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CALIXTO, Maria José Martinelli Silva. O processo de consolidação da centralidade de Dourados-MS na rede urbana: uma contribuição para a análise de uma cidade média. Rio de Janeiro, 2011. 117 f. Relatório (Pós-Doutorado em Geografia) – IGEO/UFRJ. 108 CORRÊA, Roberto Lobato. 1996. Trajetórias Geográficas. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. ______. Estudos sobre a rede urbana. 1. ed. Rio de Janeiro: Betrand Brasil, 2006. 336p. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Região de Influências das cidades 2007 (ReGIC). IBGE: Rio de Janeiro, 2008. ______. Censo demográfico 2010. Versão Digital (planilha eletrônica). MORENO, Bruno Bomfim. A centralidade do ensino superior e o processo de redefinição socioespacial em Dourados-MS. Dourados, 2013. Dissertação (Mestrado em Geografia) – FCH/UFGD. SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. 2001. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 15. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2011. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. A produção do espaço urbano: escalas, diferenças e desigualdades socioespaciais. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri; SOUZA, Marcelo Lopes de; SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão (orgs.). A produção do espaço urbano: agentes e processos, escalas e desafios. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2011. 109 O USO DAS/NAS RUAS: UMA ANÁLISE DAS TRANSFORMAÇÕES E PERMANÊNCIAS DA ÁREA CENTRAL DE DOURADOS/MS Elaine Cristina Musculini26 Resumo: O presente texto busca trazer uma contribuição para a reflexão acerca das transformações e permanências nas/das ruas da área central de Dourados-MS. Percebemos que com o advento de novas tecnologias e os meios de transporte surgem novas características nas/das ruas, bem como novas tendências, rearranjos e resignificações. Porém, apesar das mudanças nas formas de uso, ainda existem as permanências/resistências. Nas ruas da área central de Dourados-MS existem determinados pontos/locais que não seguiram a dinâmica da produção espacial, ditada pela lógica da velocidade e da globalização. A rua é resultado de uma lógica mais ampla (a lógica do consumo, da modernidade, do mercado, do capital, das pressões econômicas e sociais), mas também é produzida a partir do viver, do fazer cotidiano. Palavras-Chave: Área Central; Uso das/nas ruas; ruas da área central. 1 - Introdução Este texto é parte integrante de nossa Dissertação de Mestrado, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Dourados – UFGD. Visamos oferecer uma contribuição para o entendimento sobre as transformações e permanências nas formas de uso da rua, tomando como objeto de análise a área central de Dourados-MS. Inicialmente vale destacar a importância em se considerar a dinâmica que envolve e diversifica o espaço urbano: os fatores sociais, econômicos e culturais. Existe uma interação desses fatores, que não nos permite mais aceitar explicações e ou soluções prontas “para os problemas das cidades, quando se objetiva estudar a paisagem somente como agente passivo, estático segmentado”. (FERREIRA, 2002, p. 78) No mesmo sentido, Carlos (2001) aponta que o processo de reprodução espacial se realiza na articulação de três níveis, sendo eles: o político, o econômico e o social, que são articulados pela mediação do Estado. Carlos (2009) ao discorrer sobre a paisagem urbana faz-nos pensar sobre o que nos cerca quando caminhamos pelas ruas. Inicialmente visualizamos o instantâneo. O 26 Membro da equipe ReCiMe-Dourados, Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados. Este trabalho integra parte do resultado da pesquisa desenvolvida junto ao Programa de PósGraduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), intitulada “A rua como lugar dos viveres e fazeres: transformações e persistências na área central de Dourados/MS”, defendida no ano de 2012, sob a orientação da Profa. Dra. Maria José Martinelli Silva Calixto. 110 que nos é perceptível é o concreto, ou seja, as casas, os prédios, o asfalto e todos os símbolos do urbano – semáforos, placas, dentre outros. Contudo, se analisarmos mais detalhadamente a nossa própria memória, lembraremos que existe “o boteco da esquina, a padaria, o supermercado, a vendinha, o clube, [...], etc”. (p. 35). Além disso, notaremos que essas construções datam de tempos diferentes. Ainda de acordo com Carlos (2009), “a dimensão de vários tempos está impregnada na paisagem da cidade”. (p. 35) No que diz respeito às ruas da área central de Dourados-MS, percebemos a existência de prédios com sua arquitetura antiga e que estão “escondidos” pelas fachadas, com luzes e cores que representam a nova tendência do comércio, do consumo, da modernidade. O velho e o novo convivem nessa dinâmica. Desde o início da pesquisa indagávamos sobre como os novos usos estabelecidos das/nas ruas da área central modificavam, também, as relações e funções dos lugares. Além das transformações, questionávamos a coexistência de usos/relações. Para todos os questionamentos e objetivos propostos, no intuito de perceber, refletir sobre, bem como de apontar as transformações das/nas ruas da área central de Dourados-MS, bem como os novos usos e relações estabelecidos, partimos para um trabalho de campo que nos possibilitou enxergar não apenas as imagens instantâneas que as cidades nos perpassam, mas também vislumbramos as novas funções dos lugares. Necessário enfatizar que não observamos apenas modificações da/na área central de Dourados, mas as permanências: o pipoqueiro, as festas, os desfiles, os estabelecimentos comerciais mais antigos da cidade. O trabalho de campo nos proporcionou, também, visualizar tais resistências que coexistem com tantas transformações. Além do trabalho de campo, utilizamo-nos também de entrevistas com moradores antigos da área central de Dourados, bem como com historiadores que trabalham temáticas análogas ao tema proposto para a pesquisa. Tudo isto alinhado a consultas à bibliografia pertinente ao tema. 2 - A mudança do uso das/nas ruas e as novas relações/funções estabelecidas As transformações ocorridas na cidade são notáveis, mas não andamos diariamente pelas ruas refletindo sobre como estão se dando as modificações no espaço 111 no decorrer do tempo. E é quando paramos para analisar mais detalhadamente que percebemos a mudança nos usos e as novas relações estabelecidas. A acumulação de tempos se manifesta por meio da forma, espaço e história, que estão intrinsecamente ligados. É “uma linguagem da História que reflete diferentes momentos da evolução da sociedade” (FERREIRA, 2002, p. 80). No mesmo sentido, Matta (1997) observa que o tempo e o espaço constroem e, ao mesmo tempo, são construídos pela sociedade. Deixando claro que não há sistema social que não vislumbre uma noção de tempo e de espaço. O recuo no tempo nos faz perceber que em cada época, em cada momento histórico, a relação lugar/sujeito se redefine. Assim, a dimensão histórica é importante para o entendimento da natureza da cidade – no caso em questão, de Dourados. Essa natureza não é algo definitivo, não está pronto e acabado, “pois as formas que a cidade assume ganham dinamismo ao longo do processo histórico. A cidade tem uma história.” (CARLOS, 2009, p. 57). E em cada etapa do processo histórico, a cidade assume formas, características e funções diferenciadas. A formação do núcleo urbano de Dourados data do ano de 1909, quando houve a disputa pela posse de uma mesma gleba de terra, entre dois fazendeiros: Marcelino Pires e Joaquim Teixeira Alves. Mas, apenas em 1915, é que é efetivado o início do povoado, com construção das primeiras casas do aglomerado, por Januário Pereira de Araujo, no local onde hoje é o cruzamento da Avenida Marcelino Pires com a Rua João Rosa Góes. No processo de pesquisa, um dos entrevistados27 apontou que, quando a cidade era menor, o comércio e a casa eram no mesmo local, onde trabalhava a família – o marido, a esposa e os filhos. Assim, apesar do núcleo da cidade ser caracteristicamente pequeno, existia um comércio, que, muitas vezes, se confundia com as casas. A família morava e trabalhava no mesmo local: “[...] era o comércio na frente de casa, e só o marido, a mulher e os filhos que trabalhavam nele. Tinha farmácia, bar, mercearia. Quando eu me mudei pra cidade, vim trabalhar nessa casa comercial que tinha na esquina ali.”28 27 Trecho da entrevista realizada em março/2012 com Garibaldi Mattos, 88 anos, morador da área central de Dourados. 28 Trecho de entrevista realizada em março/2012 com Garibaldi Mattos. A esquina que o mesmo se refere é o cruzamento da Avenida Marcelino Pires com a Rua Firmino Vieira de Mattos, área central da cidade. 112 Havia poucos carros, as ruas não eram asfaltadas, o meio de locomoção mais utilizado era o cavalo e a carroça. Havia uma familiaridade das pessoas com o lugar, com a vizinhança, com o cotidiano simples, porém, pitoresco. De acordo com o entrevistado, as crianças brincavam nas ruas, as pessoas sentavam-se em frente suas casas comerciais, conheciam-se, conversavam. Havia relações de vizinhança e o lazer era comumente ir até o Clube Social de Dourados ou participar de alguma festividade da igreja. As pessoas animavam-se com o desfile do feriado de sete de setembro e com a chegada de algum circo ou teatro itinerante. Nas palavras de outra entrevistada, fica claro que Dourados tinha uma vida social bastante pacata, mas as pessoas viviam-na, esperavam-na: “Era uma festa cada vez que tinha desfile de sete de setembro. A meninada esperava o ano todo pra colocar uma fardinha e ir desfilar. Meus meninos adoravam, e olha que nessa época nem tinha asfalto na Avenida Marcelino Pires”.29 As entrevistas realizadas revelaram duas formas de observar/sentir o lugar. A princípio todos achavam interessante o fato de estarem sendo construídas as edificações que abrigariam serviços que até então não tinham, ou a chegada do asfalto que possibilitaria uma locomoção mais acessível. Porém, há o fato de que com essas modificações na área, eram alteradas também as relações de vizinhança, de convívio, de tranquilidade até então correlacionadas ao lugar. Essas modificações na área central, para além da construção de novos prédios e alterações na vizinhança, se deram também com relação aos meios de locomoção. Os meios de transporte, conforme aponta Carlos (2007), passam a ditar o ritmo, impossibilitando antigos usos. Assim foi se dando a mudança do uso das/nas ruas da área central da cidade de Dourados. De um momento em que havia apenas charretes e algum veículo e as pessoas moravam e usavam a rua para o lazer, passamos para um momento em que as ruas são tomadas pelos carros e pelo anseio da agilidade, da rapidez e da eficiência. Nas vezes que saímos a campo, muitas pessoas que abordávamos diziam que não poderiam nos dar atenção, pela falta de tempo ou porque estavam com pressa. A área central da cidade era, também, o local das residências, do comércio, do campo de futebol, das festividades, dos eventos religiosos, enfim, toda a vida política, 29 Trecho de entrevista realizada em abril/2012 com Maria de Fátima, moradora da área central de Dourados/MS. 113 social e cultural da cidade se concentrava ali. Este cenário permanece na cidade até meados dos anos 1960 e início dos anos 1970, quando o poder público local passa a ter importante papel no processo de produção do espaço urbano. Para Calixto (2004): A década de 1970 marcou o delineamento da passagem de uma cidade em que praticamente todos os habitantes se conheciam, compartilhavam momentos e ocasiões comuns, seja colocando as cadeiras nas calçadas para ‘bater papo’, seja participando de atividades comemorativas ou festas tradicionais (festa da padroeira, festa junina), para uma cidade marcada pela diferenciação socioespacial, pelo distanciamento e pelas relações indiretas, uma vez que as novas formas de apropriação e consumo do espaço urbano (re)definem conceitos, valores, modos de vida, trazendo reflexos não apenas no modo de morar, mas também de agir, pensar, reivindicar, enfim, no modo de pensar o espaço. (p. 21) A década de 1970 pode ser considerada o marco que delimita o antes e o depois. A cidade passa por transformações, as quais vão modificar significativamente as ruas da área central, bem como seus usos. É no decorrer dos anos 1970 que o centro urbano de Dourados passa a ser definido como o lócus do comércio, dos serviços – não exclusivamente – porém intensificando-se, de forma gradativa. Para Santos (1988), importante se faz analisar a estrutura espaço-temporal nos estudos urbanos, uma vez que o espaço [...] resulta da ação de fatores externos e de fatores internos. Uma nova estrada, a chegada de novos capitais ou a imposição de novas regras (preço, moeda, impostos, etc.), levam mudanças espaciais do mesmo modo que a evolução “normal” das próprias estruturas, isto é, sua evolução interna, conduz igualmente a uma evolução. (p. 16) Essa paisagem dinâmica que percebemos na cidade existe a partir de uma lógica, também ideológica. Para Ferreira (2002), as formas reproduzem as contradições, os conflitos de interesses entre grupos sociais, resultando um processo de mudanças. No mesmo sentido, Calixto (2004) aponta que a análise não deve restringir-se ao aspecto econômico, uma vez que a realidade também está vinculada a uma experiência simbólica, tornando-se necessária “uma discussão acerca do papel desempenhado pela ideologia na determinação dos processos socioespaciais” (p. 161). Ferreira (2002) aponta que é por meio do estudo das relações socioespaciais no tempo, que se fornecem meios para entender o processo de urbanização. Para ele, a rua revela 114 [...] um modo de viver, de pensar e de sentir das pessoas, produzindo ideias, valores, costumes, conhecimentos, tem sua imagem impregnada de memórias e significações que se materializam na paisagem urbana e reproduzem diversos momentos do processo de produção espacial. (2002, p. 81) Chiavari e Carvalho apud Ferreira (2002) destacam ainda que: O presente e passado convivem, criando nas contínuas e diversas aproximações e justaposições, uma nova linguagem, extremamente articulada. Ao percorrer uma cidade [e suas ruas] se tem a percepção visual do fluir do tempo. O olhar reconhece nas coisas, nas imagens, nas construções, nas ordens e nas medidas do espaço, a sua função. Todas as cidades tem seu código, uma vez conhecido um, em qualquer outro espaço urbano o forasteiro encontrará fragmentos de sua história. (p. 81- 82) Além das transformações oriundas das iniciativas do poder público, dos fatores econômicos e políticos, é necessário analisar a subjetividade nos estudos urbanos. Daí a importância da reflexão acerca do espaço não como um mero local ou área, mas como lugar, em que as pessoas se identificam e sintam que fazem parte dele. As ruas da área central da cidade concentram uma gama de atividades comerciais, de serviços, como também de circulação de pessoas. Conforme aponta Ferreira (2002), esta área é a que concentra maior importância, bem como é “o foco de maior atração” (p. 82). A importância da área central se dá, principalmente, pelo fato de abarcar vários tipos de funções e usos, conforme já expresso: comércios, serviços, residências, etc. Consequência dessas funções é a atração das pessoas, que se dirigem ao centro por diversos motivos, seja para o consumo, seja para a utilização de serviços (de saúde, bancários, dentre outros), seja apenas a passagem (pessoas se deslocando para o local de trabalho ou para as escolas, etc.). O centro comercial é considerado o motor da vida cotidiana e apresenta-se como a principal área da cidade, no que concerne à aglomeração de atividades comerciais, serviços, finanças, transportes, fluxo de pessoas e de informações, como também é o ambiente onde os “atores da cidade encontram-se para consumir suas necessidades”. (FERREIRA, 2002, p. 83) Nas ruas do centro, os símbolos da modernidade, do progresso, estão mais presentes. Onde os objetos são urbanisticamente mais harmoniosos, porém estão fadados a uma rotina diária de pouco caso, haja vista que as pessoas quase não percebem esses lugares. Foi possível constatar isso em algumas ocasiões em que saímos a campo. As pessoas nas ruas, quando questionadas sobre como visualizam a rua e as transformações ocorridas, respondiam que isso era algo que nunca haviam pensado. 115 Podemos pensar também outros aspectos da cidade, como, por exemplo, o movimento constante de pessoas, o fluxo dos carros, configurando o ritmo da vida. Essa dinâmica não é só produto da história como também reproduz a história, a concepção que o homem tem e teve do morar, do habitar, do trabalhar, do comer e do beber, enfim, do viver. (CARLOS, 2009, p. 38) A cidade vai se transformando à medida que a sociedade como um todo se modifica. Para Carlos (2001), cada lugar se autoconstrói ao longo da história, coexistindo, nos lugares, vários “tempos”. Para ela, passado e presente se entrecruzam em determinados momentos, revelando as possibilidades e os limites do uso do espaço pelo habitante. O uso revela a relação espaço/tempo a partir da maneira como o habitante vive a cidade, bem como da percepção que tem dos lugares da constituição da vida. As transformações na paisagem urbana ocorrem pela necessidade da reprodução do espaço como condição e produto da reprodução ampliada da sociedade. Diferentes tempos e diferentes formas coexistem dentro da cidade, assim como também se inter-relacionam. Os diversos planos da realidade articulam-se produzindo o lugar a partir da vida cotidiana e dos modos de apropriação, uso e ocupação de determinados locais, em determinados momentos. Conforme já sinalizado, as mudanças ocorridas nas ruas da área central da cidade de Dourados alteraram de forma significativa o conteúdo e o ordenamento espacial da cidade, apontando um novo padrão urbano. São diversas as mudanças que atualmente sinalizam a tendência de alteração do padrão de urbanização local. Inicialmente verifica-se uma profunda transformação em um dos principais pilares de sustentação do anterior modelo de urbanização douradense, fortemente alicerçado e financiado por um conjunto de poderosas agências estatais. Com o avanço do processo de reestruturação econômica e a simultânea crise do Estado desenvolvimentista desintegraram-se as principais instituições estatais responsáveis pela provisão dos mais fundamentais serviços e equipamentos urbanos que, bem ou mal, sustentaram, até o final da década de 80, o processo de acelerado crescimento do espaço urbano de Dourados. (SILVA, 2000, p. 187) A cidade de Dourados nos anos 1950 e 1960 possuía um ritmo e forma totalmente diferente do que passa a viver nos anos 1970. Essas mudanças vão se intensificando nos anos 1980, transformando consideravelmente os usos nas e das ruas. A partir dos anos de 1990 emerge um novo padrão de produção socioespacial em Dourados, destacando-se o papel dos agentes privados na produção do espaço urbano. As mudanças desencadeadas pelo processo de agroindustrialização determinam, dentre 116 outros, o surgimento de atividades tais como serviços veterinários, mecânicos, jurídicos, financeiros. De acordo com Santos (1996): As cidades locais tendem a mudar de conteúdo. Antes, eram as cidades dos notáveis, hoje se transformam em cidades econômicas. A cidade dos notáveis, onde as personalidades notáveis eram o padre, o tabelião, a professora primária, o juiz, o promotor, o telegrafista, cede lugar à cidade econômica, onde são imprescindíveis o agrônomo (que antes vivia nas capitais), o veterinário, o bancário, o piloto agrícola, o especialista em adubos, o responsável pelos comércios especializados. (p. 51) O momento era marcado pela necessidade de tornar a cidade atrativa para novos investidores. Conforme destaca Silva (2000), “o poder público volta-se para criar dispositivos e incentivos que atraiam empreendimentos e promovam a dinamização da economia da cidade”. (p. 189) Introduzem-se novos hábitos e novas práticas, ditadas pela ordem da sociedade do consumo, da agilidade, da dinamização dos fluxos, da “modernização” dos lugares, da busca incessante pelo novo. Passamos a identificar novas formas urbanas. Surgem novas características e tendências e, junto com elas, surgiram também, novas centralidades. Percebemos facilmente a concentração de comércio e/ou serviços em determinados pontos do centro urbano de Dourados, com. Dialogando com Cordeiro e Sposito (1980 e 1991), determinadas áreas podem ser consideradas como um desdobramento da área central. Para Sposito (1991) as áreas de desdobramento do centro principal [...] caracterizam-se pela localização de atividades tipicamente centrais mas de forma especializada. Ou seja, nelas não se reproduz a alocação de todas as atividades tradicionalmente centrais, mas selecionadamente de algumas destas. Daí, a caracterização do processo como de desdobramento da centralidade (ao invés de reprodução da localização das atividades centrais em menor escala, como o que se observa nos subcentros), como se o centro se multiplicasse, desdobrando-se especializadamente em outros eixos da estrutura urbana. (1991, p. 11) As áreas de desdobramento, além de se caracterizarem por apresentar uma especialização funcional, também se distinguem por exprimir uma diferenciação social, isto é, são locais que concentram atividades comerciais e de serviços, destinadas a uma clientela exclusiva. Ou seja, essas áreas apresentam uma centralidade estratificada socioeconomicamente. Em Dourados, entre final dos anos 1990 e até os dias atuais, alguns segmentos comerciais migraram para determinadas áreas, fazendo com que ocorra uma redefinição dos usos das ruas da área central. Áreas que possuíam a característica residencial, 117 passam a contar com comércios e serviços especializados. Em um dos levantamentos de campo, conversamos com uma senhora que ainda reside no local, entre dois consultórios médicos e a mesma nos informou que quando mudou-se para lá: [...] não havia outra coisa que não fosse casa. Tinha a Dona Fátima aqui (lado direito) e o Senhor Olívio ali (lado esquerdo), mas eles foram ficando estressados com tanto barulho e movimento, os filhos decidiram vender a casa e irem morar em outro canto. Eu ainda estou aqui porque não consegui vender, mas se conseguir quero ir pra algum lugar mais sossegado. Um dia essa rua já foi meu lugar, não é mais. 30 Percebemos que a entrevistada demonstra certo estranhamento com o lugar que um dia considerou como seu. Hoje ela pensa em viver longe dali, pois o lugar tornou-se o “não lugar” para ela. Ainda de acordo com o depoimento, a rua foi ficando cada vez mais movimentada, impossível de se ter uma noite tranquila de sono ou mesmo estacionar o carro em frente de casa. Os vizinhos hoje em dia costumam ser as clínicas ou laboratórios médicos. Já não há mais o convívio que antes existia. Entramos aqui na questão da centralidade criada. Na área acima destacada, percebemos claramente essa dinâmica. O processo de redefinição tende a “expulsar” residências, transformando-as em comércios e/ou serviços. É o que ocorre nessa área, e em outras do centro da cidade. Como o processo não é homogêneo, ainda há pessoas que moram nessas áreas, até mesmo porque morar próximo ao centro constitui uma opção interessante. Conforme um entrevistado: “Morar no centro é muito bom, eu tenho um mercado logo ali, uma lotérica pertinho, bancos, tudo, não preciso ir longe e nem usar carro pra fazer as coisas. Até hospital tenho perto.”31 Em Dourados também podemos observar três processos paralelos, conforme apontado por Sposito (1991), nas áreas próximas e ao redor do centro urbano. Um deles seria as construções que antes eram utilizadas para fins residenciais de padrão médio e/ou alto que passam a ser ocupadas por comércio e serviços, “num claro processo de expansão da área central” (p. 9). Outro processo seria de parte dessas construções – residenciais – menores ou mais antigas estarem sendo demolidas para construção de novos empreendimentos. E por último, também ocorre o processo de “expansão das atividades comerciais voltadas para um público de menor poder aquisitivo, através da 30 Trecho da entrevista realizada em julho/2011 com Maria de Nazaré, 74 anos, moradora da área central de Dourados. 31 Trecho da entrevista realizada em março/2012 com Garibaldi Mattos, 88 anos,aposentado, morador da área central de Dourados. 118 localização de lojas de pequenas redes, renovando rapidamente o padrão ocupacional”. (p. 9) Ainda para a autora: Até meados da década de 70, as cidades brasileiras até um determinado porte tinham praticamente um centro único e monopolizador, com forte concentração de atividades comerciais e de serviços. O crescimento populacional destas cidades levava estas áreas centrais a um processo de expansão, através da absorção de áreas/setores limítrofes ao centro, através do afastamento de sua população residencial e a transformação de seu uso de solo em novas edificações adequadas ao comércio e/ou serviços. (SPOSITO, 1991, p. 09) Esses eixos, de desdobramento da área central, nas áreas de uso residencial de padrão elevado, são destinados para uma certa clientela. Dessa forma é construída uma imagem de área de comércio seleto e elitizado. Percebemos, assim, a emergência de múltiplas formas de localização das atividades, produzindo uma centralidade socioespacialmente segregada. Além da redefinição das atividades no interior da cidade, percebemos outras dinâmicas ocorrendo, como é o caso, por exemplo, da necessidade de fluidez no trânsito, que torna cada vez mais imprescindível a expansão e/ou modificação das ruas e do modo de uso das mesmas. A cidade passa a se redefinir a partir do uso do carro. Estacionamentos são criados em terrenos no centro da cidade, as ruas passam a ter nova dinâmica, novos fluxos, o barulho aumenta, a qualidade de vida diminui. Vale observar que, o significativo número de estacionamentos existentes, reforça a prevalência do uso da rua pelos carros em detrimento do transporte público e coletivo. Um dos entrevistados32 diz que o centro da cidade de Dourados já foi, um dia, um lugar calmo e pacato e que hoje é praticamente impossível ter uma noite de sono sossegada às sextas-feiras e aos sábados – dias da semana com maior concentração de pessoas no centro, a procura de lazer e diversão. Para ele, ainda, o que mais atrapalha é o fato de que a rua é só o lugar do carro: “não tem nem como ficar na frente de casa, é só carro”. Nesse sentido, o centro urbano de Dourados passou e passa constantemente por transformações no que tange à forma e uso da rua a partir dos carros. 32 Trecho da entrevista realizada em março/2012 com Garibaldi Mattos, 88 anos,aposentado, morador da área central de Dourados. 119 Recentemente as ruas da área central tiveram sua configuração modificada, implantando-se novas faixas de rodagem - antes eram apenas duas maiores – o que possibilitava uma melhor circulação de pedestres e ciclistas – e agora são três. Conforme aponta Carlos (2007, p. 51): A mudança nas relações espaço-tempo revela a profunda mudança nos costumes e hábitos sem que as pessoas pareçam se dar conta, pois as inovações são aceitas de modo gradual, quase desapercebidas, embrulhadas pela ideologia que efetiva a degradação da vida cotidiana. A cidade onde tudo se transforma, onde os estilos se multiplicam passa a ser o lugar em que as pessoas “se arranjam para viver ou quem sabe sobreviver” criando constantemente, “formas de ganhar dinheiro”. As ruas do centro da cidade são muitas vezes percebidas como o verdadeiro caos. Muitas pessoas evitam ir ao centro em “horários de pico33”. Dependendo da hora do dia, ou do dia da semana, a observação de um determinado lugar vai mostrar um determinado momento do cotidiano da vida das pessoas que aí moram, trabalham, se locomovem. É o tempo da vida. Nas horas de pico, quando as pessoas saem de suas casas em direção aos pontos de ônibus para irem trabalhar, as ruas da cidade fervilham, os ônibus trafegam em maior número, os carros congestionam as vias públicas, e os caminhões entregam mercadorias, às vezes produzidas a grandes distâncias dos lugares de entrega. Um pouco mais tarde é o horário dos estudantes que fazem o percurso casa-escola. (CARLOS, 2009, p. 39) Em consonância com o que descreve Carlos (2007), constatamos que muitas pessoas não percebem as mudanças ocorridas nas ruas. Muitas delas, só passam a realmente olhar para a rua, e vislumbrar as transformações, quando são indagadas sobre isso. Podemos dizer, de acordo com pesquisas já realizadas, que as alterações nas ruas de Dourados são resultado de um novo dinamismo introduzido pelo processo de agroindustrialização, como também de novas estratégias adotadas pelos agentes do setor de comércio e serviços. Para Silva (2000), há uma convergência de interesses entre o setor imobiliário e outros agentes comprometidos com a expansão da cidade e a “valorização” do solo urbano. Essa teia de interesses forma uma rede de relações que promovem a redefinição sociespacial. Característica importante de ser salientada nessa relação é o frequente envolvimento do poder público. Gottdiener (1993) destaca que a identidade de 33 Alguns entrevistados mencionaram “horários de pico” como sendo um momento do dia em que o movimento é mais intenso, sobretudo no trânsito. 120 interesses em prol do crescimento, que une os diversos agentes envolvidos nos negócios imobiliários, materializa uma rede que atravessa indistintamente a esfera privada e pública, irmanando-se em uma unidade de propósitos. Para Silva (2000): Essa unidade de propósitos entre os agentes estatais e os promotores urbanos, em Dourados, leva os representantes do poder público local a se engajarem na viabilização dos empreendimentos, oferecendo facilidades ou eliminando óbices que eventualmente se interponham no caminho do crescimento e da expansão dos negócios urbanos.” (p. 209) A concentração de determinados tipos de atividades imprimem diferentes formas de uso das/nas ruas da área central de Dourados. Mas precisamos estabelecer outros fatos que ocorrem na área central de Dourados, e que é como coexistem os novos usos com as persistências dos/nos lugares. No próximo item destacaremos as permanências que encontramos no decorrer da pesquisa, e como se dão nas/das ruas da área central. 3 – Os novos usos das/nas ruas e as persistências/permanências Em cada momento histórico, a cidade assume expressão e sentido diferentes, mas devemos sempre ter em mente que ela mesma é acumulação de tempos. Esses tempos – passado e presente – entram constantemente em conflito: ideias, formas, métodos de se pensar a cidade, de vivê-la. Carlos (2007) salienta que esses conflitos tendem a destruir os referenciais urbanos, e que essa destruição é produto da rapidez com que a morfologia se transforma, redefinindo a prática socioespacial. Como já dissemos anteriormente a cidade, as ruas recriam suas formas a partir do uso do carro, da velocidade exigida por ele (exigida pelo modo de produção). Isso fica claro na fala da engenheira agrônoma, gestora de projetos urbanos da Secretaria de Serviços Urbanos da Prefeitura Municipal de Dourados, quando indagada sobre as alterações das/nas ruas da área central: “o trânsito precisa fluir”34 Conforme aponta Carlos A cidade produzida como negócio, aparece através do modelo da cidade do automóvel priorizando o espaço vazio da circulação onde o primado do transporte individual se impõe com força, revelando as possibilidades da construção da ‘cidade enquanto vias expressas’, símbolo da modernidade. Nesse contexto, o espaço público se transforma – esvaziando-se de sentido porque limita e coage os modos de apropriação –, o uso das ruas, por exemplo, modifica-se profundamente e elimina os pontos de encontro e, com 34 Trecho da entrevista realizada em abril/2012 com a engenheira agrônoma, gestora de projetos urbanos da Secretaria de Serviços Urbanos da Prefeitura Municipal de Dourados. 121 isso, rompe as possibilidades do próprio encontro, enquanto a expulsão de parte dos moradores e a mudança de funções das construções (residências que se transformam em pequenos negócios de prestação de serviços, ou mesmo estacionamentos) rompem com as antigas relações de vizinhança, propiciando a perda da sociabilidade. O esvaziamento do sentido e das possibilidades de apropriação dos espaços públicos assinala a construção dos espaços semi-públicos em substituição à rua. (2007, p. 66) As modificações na área central se estendem também a lugares mais simbólicos, como é o caso da praça. Vale registrar que em meados dos anos 1970, a praça central da cidade - Praça Antonio João - foi totalmente remodelada, perdendo os referenciais que outrora serviram de identificação a muitos moradores. A Engenheira da Prefeitura Municipal35 ressaltou que o projeto de remodelagem foi feito por um arquiteto de fora, que não tinha convívio e nem muito conhecimento sobre a cidade. O projeto fez com que a praça fosse totalmente alterada, perdendo os referencias que antes tinha. De acordo com a mesma, a praça deixou de ser o grande atrativo como costumava ser. Abaixo, a partir de imagens, percebemos as transformações ocorridas na praça central da cidade (Praça Antonio João). Na Foto 1, em meados dos anos 1940, vemos a praça central cercada por um muro, as ruas ainda sem pavimentação asfáltica e poucos prédios ao redor. Na Foto 2, da década de 1950, visualizamos algumas charretes paradas no ponto principal que localizava-se na Praça Antonio João. Foto 1 – Praça Antônio João – 1940 Foto 2 – Praça Antônio João – 1970 Praça Antônio João - década de 1940. MOREIRA(1990). Praça Antônio João - década de 1970. Autor desconhecido. Outro entrevistado relata acerca da praça central que: A praça sempre foi ali onde é hoje, desde eu criança eu lembro da praça ali, e a igreja (Catedral Imaculada Conceição) também. Mas naquela época, era só um campinho de futebol, ninguém usava ela pra lazer. A praça era fechada de arame. Naquela época era só mato, cheio de cupim. A gurizada jogava bola 35 Trecho de entrevista realizada com a Engenheira Agrônoma da Prefeitura Municipal de Dourados. 122 ali. [...] Tinha carro, mas pouco. A maioria andava a cavalo, ou carroça. Depois também teve charrete. Tinha até ponto de charreteiro, lembro de um que ficava na praça. Eu trabalhei de charreteiro uma época. Mas aí foi acabando tudo. O carro foi chegando, foi acabando. Antes era ruim, era chão. Eu cheguei um tempo a trabalhar assim, com carro, jipe, transportando as pessoas.36 No depoimento a seguir podemos perceber outros usos da/na praça central da cidade: “Costumava ir à praça aos domingos, tinha uma fonte e a gente ficava lá. Naquele tempo existia a paquera, o pipoqueiro e as quermesses”.37 Nas imagens abaixo, ainda da Praça Antonio João, podemos perceber as mudanças em sua configuração. Em meados de 1970 ainda existia a fonte, uma grande quantidade de bancos e calçadas onde as pessoas circulavam. Já em meados dos anos 1980, a praça foi totalmente remodelada, dando lugar a novos equipamentos: uma fonte diferente, maior número de árvores e menos bancos. A praça também passou a ter uma área para eventos maiores e iluminação com “super-postes”38. Foto 3 – Praça Antônio João – 1980 Foto 4 – Praça Antônio João - 2012 Praça Antônio João, década de 1980.39 Praça Antônio João – 2012.40 36 Trecho da entrevista realizada em março/2012 com Garibaldi Mattos, 88 anos,aposentado, morador da área central de Dourados. 37 Trecho de entrevista realizada em janeiro/2012 com Rosana Chencarek, 48 anos, professora da rede estadual de ensino, natural de Dourados-MS. 38 Postes que que apresentam diâmetro acima dos postes normais 39 Foto retirada do Anuário da Prefeitura Municipal de Dourados de 1985. 40 Foto da Praça Antônio João. Disponível em: http://www.dourados.ms.gov.br. 123 A própria redução no número de bancos para sentar pode ser um indicativo da mudança de uso da praça. Na Foto 4 apresentamos a praça após a reforma As novas relações tendem a imprimir sentidos diferentes daqueles que até então estavam estabelecidos, bem como podem causar estranhamento nas pessoas que vivem e fazem dessas áreas, os seus lugares. Nas falas de alguns entrevistados, percebemos que sentiam falta de algo que não mais se vive, e que se viveu em determinado momento. Alguns demonstraram sentir saudades de um tempo que ficou apenas na memória. “Dourados cresceu, não é mesmo? Eu nem sei mais quem são meus vizinhos, e olha que já tive muitos e eram amigos. Meus filhos brincaram nessa rua, minhas meninas desfilaram o 7 de setembro na Avenida Marcelino Pires quando ainda era de chão. Acabou tudo isso. Mas é a vida41.” Conforme aponta Carlos O tempo irradiado pela técnica vira velocidade, enquanto o espaço se transmuta em distância a ser suprimida. Nesta condição, espaço e tempo, tornados abstratos, se esvaziam de sentido produzindo uma nova identidade cidadão-cidade pontuada pela constituição de uma identidade abstrata como decorrência da perda dos referenciais, do empobrecimento das relações sociais e como imposição do desenvolvimento do mundo da mercadoria definida pelos parâmetros (atuais) da reprodução do capital. (2007, p. 64) Em conjunto com a velocidade e dinamicidade, essas novas formas racionais e técnicas penetram no cotidiano, limitando não só nosso poder de escolher, como também de pensar. Carlos (2007, p. 64) ainda aponta que “a sucessão de acontecimentos parece envolver a vida cotidiana em um turbilhão de sensações desconexas.” As relações entre o habitante e o lugar na cidade passam a ser estranhas, como se a vida fosse determinada por um elemento além da vontade humana, que segue sem questionamentos. Os sujeitos passam a ser meros consumidores, os lugares passam a ter a paisagem ditada pela modernidade, o que caracteriza o progresso, as novas formas: outdoors, neon, bilhos e cores. O espaço passa a ser homogêneo ao mesmo tempo que é fragmentado e hierarquizado, que produz os novos lugares da cidade com o estabelecimento de uma nova divisão socioespacial do trabalho. Essas transformações geram novas formas que redefinem o fluxo nas e das ruas, que vão gerando não apenas centralidades diferenciadas em função do comércio, serviços e lazer, mas também mudanças nas relações de vizinhança. 41 Trecho de entrevista realizada em abril/2012 com Luiza Moreira, 70 anos, aposentada, moradora da área central de Dourados-MS. 124 Isto posto percebemos que o esvaziamento transforma o local em que se desenvolve a vida de relações em mera passagem. O cotidiano passa a ser normatizado com a simples instalação de um novo semáforo. As transformações, com toda a sua complexidade, tendem a imprimir a segregação, fragmentando e homogeneizando. Para Carlos (2007, p. 68) este é um novo momento [...] de realização da produção, em que a indústria muda de sentido, à medida em que os processos que envolvem sua reprodução se transformam deslocando-se no espaço e cedendo lugar para novas atividades agora voltadas para o desenvolvimento de novos setores da economia exigindo uma nova relação entre o econômico e o político, principalmente no que se refere aos modos de planejar o espaço enquanto condição da reprodução destes novos setores econômicos. Apesar de todas essas transformações ditadas pela nova ordem da modernidade, da velocidade, da dinâmica fluente, existe aquilo que podemos chamar de permanências e/ou resistências. Isso existe, até mesmo porque as relações não se reduzem à lógica restrita da reprodução da força de trabalho, “a sociedade não se resume a esta função, mas ao plano do espaço urbano enquanto totalidade.” (CARLOS, 2007, p. 68) As relações sociais ditam a produção espacial. Alguns estabelecimentos comerciais que persistem ainda na área central de Dourados demonstram que a produção espacial não se reduz à tendência da constituição da cidade como valor de troca, mas a cidade como obra realizada pelo homem. Carlos (2007) observa que este é o plano do cotidiano, isto é, uma construção social. Algumas falas de entrevistados, expressam uma relação de identidade com o lugar: “Amo Dourados, é aqui meu lugar. Não me vejo morando em nenhum outro lugar. Minha vida é aqui: família, trabalho, amigos”42. Assim, há uma lógica coercitiva, mas também da liberdade, haja vista que os lugares têm formas delineadas pelas relações sociais, pelas possibilidades e limites à apropriação. A análise não pode se restringir ao plano econômico, que não explica tudo. Conforme salienta Carlos (2007), o processo de mundialização que vivemos atualmente não apaga o local, mas sim reafirma-o, pois ele se realiza “no lugar onde a tendência de constituição de um espaço homogêneo entra em contradição com o espaço fragmentado”. (p. 69) 42 Trecho de entrevista realizada em janeiro/2012 com Rosana Chencarek, 48 anos, professora da rede estadual de ensino, natural de Dourados-MS. 125 Ainda para a autora, as diferentes e muitas formas de comunicação entre espaços e pessoas tendem a produzir novas relações, estas que por sua vez podem entrar em conflito com antigas relações, e é nessa contradição que o espaço é produzido. Apesar da tendência ser aquela da “modernização” dos lugares, ainda podemos perceber que há os que persistem, como as mercearias nas ruas da área central de Dourados, ou ainda as residências que permanecem. É notório que vivenciamos um momento de aceleração do tempo, com mudanças rápidas e sentidas/reveladas na morfologia da cidade, modificando também a vida, através da imposição de novos padrões e formas, colocados por um novo modo de apropriação do espaço urbano. “A perda dos referenciais urbanos decorrentes do processo de renovação como imagem do progresso, transforma a cidade em um instantâneo e torna a sociabilidade cada vez mais efêmera” (CARLOS, 2007, p. 70). Necessário se faz justapor a relação espaço-tempo, buscando dessa forma, as suas devidas articulações. Só dessa maneira será possível perceber e pensar a cidade, verdadeiramente, com sentido. Percebemos as permanências e resistências, apesar de todas as mudanças no uso das e nas ruas da área central de Dourados. Seja o malabarista no semáforo ou o vendedor de ervas medicinais, com seu carrinho, na praça central. Também podemos perceber as permanências a partir das imagens a seguir. Na Foto 5, vemos dois momentos das/nas ruas da área central de Dourados. Momentos diferentes, porém, situações idênticas: o Desfile de 7 de Setembro. Na foto de meados de 1950, o desfile acontece na rua ainda sem pavimentação asfáltica e, já em 2011, a rua encontra-se asfaltada. O evento é o mesmo, só muda as configurações da rua. Foto 5 – Desfile de 7 de Setembro Desfile de 7 de Setembro na Rua João Cândido da Câmara em meados de 1950. Fotos: 1) Anuário da Prefeitura Municipal de Dourados, 1985 e 2) disponível em http://www.msja.com.br (2011) 126 Outros estabelecimentos comerciais persistiram nas ruas da área central. Alguns prédios ainda possuem a mesma configuração de quando foram construídos, inclusive algumas casas de madeira, apesar do seu uso não ser mais o mesmo. Isso revela que o novo e o velho, o moderno e o antigo, convivem. Há também algumas residências que resistem às novas formas de uso da rua. Os lugares das/nas ruas da cidade se criam e recriam, se renovam e se modificam a cada movimento social. Mas também não podemos reduzir todas as transformações das/nas ruas a um mero querer do dominante processo de globalização capitalista. Conforme aponta Queiroga (2003), “as ações humanas não são movidas apenas pela razão instrumental”. (p. 137) Conforme já elucidamos, o plano do econômico não explica toda a realidade, as relações não podem ser reduzidas aos rápidos e dominantes processos da globalização. 4 – Considerações finais Foi possível perceber e compreender, a partir da pesquisa, que as novas lógicas impõem modificações das/nas ruas da área central da cidade, fazendo com que as pessoas deixem de ter os costumes antigos, como caminhar a pé, ou utilizar as bicicletas como um meio de transporte, e passem a vivenciar dificuldades até mesmo para se locomoverem. As ruas agora são (re)configuradas para o uso dos veículos particulares. As calçadas transformam-se em verdadeiros depósitos de mesas, cadeiras e gôndolas de restaurantes, lanchonetes e lojas de variados segmentos, tornando assim, a passagem do pedestre mais difícil. Novas tendências, novos usos e novas formas de apropriação dos lugares, são dinâmicas atuais e que nos dirigem a viver de acordo com o que está imposto: rapidez, agilidade, fluidez, praticidade, etc. Necessário salientar, porém que apesar de vivermos hoje em lugares vulneráveis à influência de um mundo mais amplo, ainda existe a resistência oferecida por cada um desses lugares. Essas resistências que permitem a diferenciação do lugar. Ainda existem os pipoqueiros, os carrinhos de cachorro quente, os vendedores ambulantes de mercadorias diversas nas ruas da área central da cidade. Coexistem, perante essa nova dinâmica das cidades, as atividades consideradas de outros tempos, como, por exemplo, as mercearias, os sapateiros, os engraxates. Poucos, mas ainda resistem à nova lógica global. 127 Assim, a rua é usada e transformada a todo instante, seja por determinações de ordens distantes, como também por formas de uso que fogem a essa lógica. Por considerar que o plano do econômico não explica tudo, além de analisar as ruas como concentração de população, de produção, de atividades e serviços e de mercadorias, precisamos também analisá-las a partir do cotidiano, que é o centro do acontecer e do fazer. É no dia a dia, com os fazeres e viveres que a resistência à lógica imposta é exercida, fugindo, assim, do processo homogeneizador dos lugares. A pesquisa nos proporcionou, principalmente, e para contemplar o que pretendeu-se elucidar neste texto, perceber que há várias dinâmicas impostas aos lugares. A rua, por ser o lugar do encontro, do comércio, da reivindicação, da festa, da passagem, do trabalho, dentre outros, está suscetível às transformações, pois elas advêm com o passar do tempo. Mas pode também estar implícita a persistência no simples ato do pipoqueiro alocar seu carrinho na praça central. Ou seja, existem resquícios de atividades que hoje são consideradas antigas, mas que persistem no tempo/lugar. 5 – Referências bibliográficas CALIXTO, Maria José Martinelli Silva. O papel exercido pelo poder público local na (re)definição do processo de produção, apropriação e consumo do espaço urbano em Dourados-MS. Presidente Prudente, 2000. Tese (Doutorado em Geografia) – UNESP. _______________. Produção, apropriação e consumo do espaço urbano: uma leitura geográfica da cidade de Dourados-MS. Campo Grande: EdUFMS, 2004. CALIXTO, Maria José Martinelli Silva (org.). O espaço urbano em redefinição: cortes e recortes para a análise dos entremeios da cidade. Dourados: Editora da UFGD, 2008. CARLOS, Ana Fani Alessandri. A cidade. São Paulo: Contexto, 2009. _____________. A (re) produção do espaço urbano. São Paulo: Edusp, 1994. _____________. 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Revista Território, São Paulo, n. 4, p.27-37, Ano 3, 1998. 129 PADRÕES DE LOCALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES COMERCIAIS E DE SERVIÇOS DE CONSUMO PRODUTIVO EM CIDADES MÉDIAS: O CASO DE MARÍLIA Elines Sodré Gomes43 Resumo Os ramos de atividades comerciais e de serviços são relevantes para a compreensão das relações entre consumo e a reestruturação das cidades. Por isso, a reestruturação das cidades médias tem, como uma de suas múltiplas determinações, vários elementos que redefinem suas morfologias. Com o propósito de debater as escolhas locacionais das empresas responsáveis pelo consumo produtivo, este trabalho analisa as dinâmicas locacionais adotadas no âmbito da rede urbana, e verifica como se dão as escolhas na escala da cidade. Palavras-chave: comércio; serviços; cidades médias. 1. Introdução Os ramos de atividades de comércio e de serviços tornam-se relevantes para a compreensão das novas relações entre consumo, reestruturação urbana e da cidade. Este estudo poderá ser profícuo à apreensão da articulação entre escalas e das relações entre diferentes atividades do consumo produtivo ― dos setores industrial e de agronegócio ―, num período em que a ampliação das relações capitalistas atinge o âmbito supranacional, a partir da ação das empresas transnacionais. Este trabalho busca apresentar os resultados preliminares da pesquisa de iniciação científica44. E tem por objetivo analisar as escolhas locacionais das empresas que operam nos ramos dos serviços e comércio voltados para o consumo produtivo no que se refere à rede urbana, avaliar essas escolhas na escala da cidade, que neste caso a cidade analisada é Marília, e verificar as estratégias dos agentes econômicos. 43 Faculdade de Ciência e Tecnologia – UNESP, campus Presidente Prudente. Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais – GAsPERR. Orientador: Cleverson A. Reolon 44 Intitulada “Padrões de localização das atividades comerciais e de serviços nas cidades médias brasileiras: Marília e Londrina”. Vinculado ao Projeto Temático: Lógicas econômicas e práticas espaciais contemporâneas: cidades médias e consumo. 130 Para alcançar tais objetivos, delimitou-se os procedimentos metodológicos, em que os dados sobre as atividades de consumo produtivo foram extraídos da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), nos sites Receita Federal, Jucesp e Empresas do Brasil seguindo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0). Neste artigo, buscamos primeiro situar a cidade estudada, em um segundo momento expor a metodologia utilizada, e apresentar os resultados preliminares da pesquisa. 2. Marília: consumo produtivo no comércio e serviços Marília está localizada na região Centro-Oeste do estado de São Paulo, a 49º56’46’’ de longitude oeste e 23º13’10’’ de latitude sul. Possui uma área total de 1.194 km², sendo 42 km² de área urbana e 1.152 km² de área rural. É cortada pelas rodovias estaduais Dona Leonor Mendes de Barros (SP 333) e Comandante João Ribeiro de Barros (SP 294) e da rodovia federal Transbrasiliana (BR 153), e encontra-se a cerca de 440 quilômetros da capital paulista – Figura 1 (MARÍLIA, 2014). 131 Figura 3: Marília. Localização geográfica. Base Cartográfica: IBGE, 2010. Elaboração: Elines S. Gomes Sede da 11º Região Administrativa do Estado de São Paulo (R.A), Marília possui uma população urbana de 216. 745 habitantes, e exerce influência direta sobre municípios circunvizinhos. A R.A. é composta por 51 municípios, ocupando uma área de 18.458 km², que corresponde a 7,4% do território paulista (IBGE, 2010; SÃO PAULO, 2013). 132 Com a implantação da 11º R.A, Marília reforça seu papel como centro regional, e torna-se uma cidade prestadora de serviços, pois a criação da R.A. atraiu diversos escritórios da administração pública e privada para a cidade. Para contextualização de seu papel como centro regional, Marília é classificada, segundo os estudos das Regiões de Influência das Cidades - REGIC (IBGE, 2008), como Capital Regional C, na categoria regional. A classificação C tem por base o porte demográfico e a intensidade de relacionamento com outros municípios, “integram este nível 70 centros que, como as metrópoles, também se relacionam com o estrato superior da rede urbana. Com capacidade de gestão no nível imediatamente inferior ao das metrópoles, têm área de influência de âmbito regional, sendo referidas como destino, para um conjunto de atividades, por grande número de municípios” (IBGE, 2008, p. 11). Desse modo, Marília comanda um conjunto de 43 cidades da região, de acordo com a REGIC: um Centro Sub-Regional B (Assis), dois Centros de Zona A (Adamantina e Tupã) e três Centros de Zona B (Garça, Lucélia e Paraguaçu Paulista) e 37 Centros Locais, juntos, abrange uma população de mais 300 mil habitantes. Portanto, como Capital Regional C, Marília situa-se em uma posição intermediária, quanto à rede urbana brasileira e encontra-se sob a região de influência da metrópole paulista. A caracterização de Marília demonstra um dos principais condicionantes para a definição de cidade média. Segundo Castello Branco (2006), a cidade para ser denominada cidade média, precisa contar com características funcionais e elo entre centros locais e os centros globais. Beltrão Sposito (2009, p. 19) destaca que, cidades médias “são aquelas que desempenham o papel de intermediação entre as pequenas e as grandes [...], que polarizam uma região, [...] que a partir de uma série de mecanismos econômicos, são capazes de crescer e propor projeto ou desempenhar um papel político, econômico e social para toda a região”. Com tais características, as cidades médias constituem além do tamanho, número de habitantes, elas também, desempenham vários e diferentes papéis na divisão territorial do trabalho. Para a compreensão da relação consumo produtivo e a reestruturação urbana e da cidade é essencial compreendermos a dinâmica locacional das atividades econômicas na escala da rede urbana e na escala da cidade. 133 Segundo Sandroni (1999, p. 126), consumo produtivo refere-se ao “consumo de produtos que retornam ao processo de produção - sob a forma de insumos ou bens intermediários (matérias-primas elaboradas) - para serem transformados em novos produtos”. Desse modo, o consumo produtivo cria uma demanda diversa de acordo com os subespaços. O arranjo das cidades em que se instala o capital monopolista é modificado para a implantação de empresas transnacionais, que impõe dentro e fora da cidade mudanças estruturais, com utilização de recursos maciços tanto do setor privado quanto do setor público (SANTOS, 2009). Portanto, configuram-se novas formas de localização das atividades mais representativas dos agentes econômicos, tais como, grandes empresas associadas ao agronegócio, incorporadoras imobiliárias, empresas de consultoria, etc. obedecendo à especificidade no interior das cidades médias. Essas novas localizações das atividades econômicas criam novas relações no espaço urbano ― tais relações caracterizam-se pela circulação de pessoas, carga e descarga de mercadorias, fluxo de capital ― tornando-o mais articulado ao retê-las de maneira que interagem entre si. 3. Dos procedimentos metodológicos Como base para os procedimentos metodológicos da pesquisa, utilizou-se Reolon (2012). O autor trata, detalhadamente, dos procedimentos de coletas e tratamentos dos dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), bem como da análise desses dados. A plataforma de dados da RAIS é de grande relevância em termos de aquisição de dados e informações das atividades econômicas formais do país, o que inclui as atividades industriais e de agronegócio. Possui 97%, de cobertura do mercado de trabalho formal do país. Seu nível de detalhamento de cobertura em 2007 constava com 5.625 municípios, 673 classes de atividades econômicas e 2.422 ocupações (BRASIL, 2007). Vários autores trabalharam com essa metodologia, como Saboia (2001), Ferreira e Ramos (2005), Reolon (2012), entre outros. De acordo com esses autores, podemos elencar algumas vantagens ao utilizar a base de dados da RAIS, relacionadas: ao nível de cobertura, visto que abrange todos os municípios do país; ao nível de detalhamento 134 das atividades econômicas; ao nível de agregação espacial dos dados; aos tipos de informações disponíveis. Portanto, esses aspectos permitem uma série de recortes para fins analíticos. Dentre as variáveis disponíveis na RAIS, para análise, utilizou-se a quantidade de estabelecimentos, e de empregos de cada município existente ao ano da coleta. De acordo com o tema enfocado – consumo produtivo -, no âmbito do recorte empírico foram selecionadas algumas atividades dos setores de comércio e serviços, voltados para o consumo produtivo, nomeadamente. As atividades de manutenção, reparação e instalação industrial e as atividades de apoio à agricultura, o comércio está associado ao de insumos agropecuários e de máquinas e equipamentos para uso industrial. Esses dados foram extraídos segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0) e organizados em grupos de atividades comerciais e de serviços, observando se estavam ligados ao consumo produtivo voltado à indústria ou ao setor de agronegócio (Quadro 1). 135 Quadro 1: Atividades de comércio e serviços de consumo produtivo associado ao agronegócio e indústria propostos, classificados conforme a CNAE 2.0 GRUPO SETOR SEÇÃO CNAE DIVISÃO CNAE GRUPO CNAE CLASSE CNAE G C O M É R C I O COMÉRCIO; REPARAÇÃO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES E MOTOCICLETAS COMÉRCIO POR ATACADO, EXCETO VEÍCULOS AUTOMOTORES E MOTOCICLETAS G 46 G 46 G 46 G 46 46.2 46.2 46.2 G 46 46.2 G 46 46.6 G 46 46.6 G 46 46.7 G 46 46.7 G 46 46.9 G 46 G 46 46.6 G 46 46.6 46.83-4 G 46 46.6 46.63-0 G 46 46.8 46.85-1 Comércio atacadista de matérias-primas agrícolas e animais vivos 46.21-4 Comércio atacadista de café em grão 46.22-2 Comércio atacadista de soja Comércio atacadista de animais vivos, alimentos para animais e 46.23-1 matérias-primas agrícolas, exceto café e soja Agronegócio 46.61-3 46.71-1 46.92-3 A S E R V I Ç O S Comércio atacadista de madeira, ferragens, ferramentas, material elétrico e material de construção Comércio atacadista de madeira e produtos derivados Comércio atacadista não-especializado Comércio atacadista de mercadorias em geral, com predominância de insumos agropecuários Comércio atacadista de defensivos agrícolas, adubos, fertilizantes e corretivos do solo Comércio atacadista de máquinas e equipamentos para uso industrial; partes e peças Comércio atacadista de produtos siderúrgicos e metalúrgicos, exceto para construção AGRICULTURA, PECUÁRIA, PRODUÇÃO FLORESTLA, PESCA E AQUICULTURA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ATIVIDADES RELACIONADAS A 01 A 01 01.6 A 01 01.6 0161-0 Atividades de apoio à agricultura A 01 01.6 0162-8 Atividades de apoio à pecuária A 01 01.6 0163-6 Atividades de pós-colheita A 02 02.3 A 02 02.3 Atividades de apoio à agricultura e à pecuaria; atividades pós-colheita Atividades de apoio à produção florestal 0230-6 C Indústria Comércio atacadista de máquinas, aparelhos e equipamentos, exceto de tecnologia de informação e comunicação Comércio atacadista de máquinas, aparelhos e equipamentos para uso agropecuário; partes e peças Comércio atacadista especializado em outros produtos Indústria Agronegócio DENOMINAÇÃO Atividades de apoio à produção florestal INDÚSTRIA DA TRANSFORMAÇÃO MANUTENÇÃO, REPARAÇÃO E INSTALAÇÃO DE MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS C 33 C 33 33.1 C 33 33.1 33.11-2 C 33 33.1 33.12-1 Manutenção e reparação de tanques, reservatório metálicos e caldeiras, exceto para veículos Manutenção e reparação de equipamentos eletrônicos e ópticos C 33 33.1 33.13-9 Manutenção e reparação de máquinas e equipamentos elétricos C 33 33.1 33.14-7 Manutenção e reparação de máquinas e equipamentos da indústria mecânica Manutenção, reparação de máquinas e equipamentos Fonte: CNAE (2010). Organização: Elines S. Gomes A partir desse agrupamento, realizou-se um levantamento de informações intraurbanas das principais empresas voltadas ao consumo produtivo, igualmente distinguindo-as aquelas associadas ao setor industrial e daquelas do setor do agronegócio. O levantamento das informações das principais empresas das cidades investigadas partiu da coleta dos dados disponíveis no site Empresas do Brasil, Receita Federal e Jucesp. A partir da coleta desses dados organizou-se um banco de dados com as seguintes informações: Grupo de atividades, Setor, Razão Social, Nome Fantasia, CNPJ, Natureza Jurídica, Matriz/Filial, Início das Atividades, Atividade econômica 136 principal, Atividade econômica secundária, Endereço 1, Complemento. Como nesses sites possuíam dois tipos de atividades a principal e a secundária optou-se pelo segmento das atividades econômica principal. A partir desses procedimentos elaborou-se representações cartográficas dos dados na escala da rede urbana e na escala da cidade. 4. Resultados iniciais Esta seção tem por objetivo analisar a dinâmica locacional das atividades do consumo produtivo associado aos setores do agronegócio e industrial a partir dos dados coletados na RAIS de 2007 e 2012, na escala da rede urbana e a busca de informações sobre as empresas nos sites Receita Federal, Jucesp e Empresas do Brasil para a análise na escala da cidade. Segundo Melazzo (2012) a dinâmica da urbanização brasileira provoca diversas configurações no território, de tal maneira que redefine os sistemas e redes urbanas, reforçando as interações e aglomerações espaciais. Sposito (2007, p. 221) salienta que no Brasil, nos últimos vinte anos, e de modo mais específico o estado de São Paulo, houve uma clara expansão territorial e a multiplicação das redes de estabelecimentos comerciais e de serviços. Se, em muitos casos, as empresas que atuavam mais no território das metrópoles e capitais das unidades da federação, em um momento seguinte elas se deslocaram para as cidades de porte médio, num desdobramento lento e gradual, por causa do papel dessas cidades, direcionadas para mercados consumidores regionais crescentes e consistentes. Diante dessa constatação, observa-se na Figura 1, que a situação dos estabelecimentos comerciais de agronegócio em Marília em 2007 apresenta 0,92% de participação no estado, enquanto que Ribeirão Preto e São José do Rio Preto apresentam 2,10% e 1,97% respectivamente. Outras cidades se destacam, como Franca (2,23%), Itapeva (1,79%), Campinas (2,32%), Santo Antônio de Posse (2,45%), Holambra (1,97%) e Santos (1,49%). 137 Figura 1 - Estado de São Paulo. Participação percentual e variação da participação estadual dos estabelecimentos do consumo produtivo no agronegócio. 2007-2012 Fonte: RAIS (2007; 2012); Base Cartográfica: IBGE (2010). Elaboração: Elines S. Gomes Em 2012, Santo Antônio de Posse aumentou sua participação sobre o estado, ficando com 2,90%. Outra cidade que cresceu foi Franca com 2,56%; à medida que Marília perdeu participação ficando com 0,58%, na mesma proporção Campinas (2,23%), Itapeva (2,01%), Ribeirão Preto (2,02%), São José do Rio Preto (2,02%), Holambra (1,54%) e Santos (1,46%). Mesmo com diminuição relativa, houve importantes aumentos proporcionais dos estabelecimentos de São José do Rio Preto (0,04 pontos percentuais), Presidente Prudente (0,18), Itapeva (0,22), Santo Antônio de Posse (0,44), Sertãozinho (0,24), Franca (0,33), Barretos (0,24), São Carlos (0,12), ao passo que Marília apresenta-se negativo (-0,35 pontos percentuais) e as cidades circunvizinhas Garça (0,09) e Oscar Bressane (0,04) aumentaram a participação. Observa-se que há certo aumento de variação de participação das atividades de consumo produtivo no agronegócio em várias cidades localizadas próximas as que mais se sobressaíram, esse movimento comprova que as cidades médias participam da reestruturação urbana associada à redefinição da divisão interurbana do trabalho [...], e 138 as tendências de desconcentração da atividade de produção, vinculada aos grandes capitais. (SPOSITO, 2012) Quanto aos estabelecimentos de consumo produtivo voltados para a indústria (Figura 2), nota-se que não há uma distribuição das atividades como se observa nas atividades do agronegócio. Os estabelecimentos do comércio de consumo produtivo industrial de Marília, em 2007 se encontram com 0,05% de participação relativamente ao estado, enquanto Ribeirão Preto com 1,71%, Sertãozinho 1,59%, São José do Rio Preto com 0,91%, Franca com 1,14% e São José dos Campos 1,39%. Destacam-se com maior participação relativa, Piracicaba (3,07%), Campinas (4,27%), Sorocaba (2,79%), São Bernardo do Campo (3,30%), Santo André (2,39%) e Guarulhos (3,61%). Figura 2 - Estado de São Paulo. Participação percentual e variação da participação estadual dos estabelecimentos do consumo produtivo industrial. 2007-2012 Fonte: RAIS (2007; 2012); Base Cartográfica: IBGE (2010). Elaboração: Elines S. Gomes Alguns municípios que se destacaram em 2007, mantiveram ou aumentaram o índice de participação em 2012, como Ribeirão Preto, Franca e Marília, outros aumentaram significativamente a participação como Limeira (1,30%), Santa Bárbara 139 d’Oeste (1,30%), Americana (1,80%). Nota-se que a variação da participação relativa dos estabelecimentos de Marília, obteve um aumento de 0,16 pontos percentuais, enquanto que Ribeirão Preto com 0,68 pontos percentuais, Piracicaba (0,54), Limeira (0,67), Indaiatuba (0,44) e Sorocaba (0,68). Observa-se, portanto, uma (re)distribuição das atividades do comércio de consumo produtivo industrial e do agronegócio em direção ao interior do estado, que se encontram próximo a região metropolitana de São Paulo. Conforme Reolon (2012, p. 73) “existem processos atuando sobre a redistribuição das atividades produtivas” de maneira que se evidencia uma desconcentração industrial e a formação de “novos espaços industriais” (GOMES, 2011, p. 66). No que se refere à escala da cidade, a distribuição espacial das atividades do consumo produtivo associado ao setor industrial e de agronegócio em Marília, podemos observar na Figura 3 a localização intraurbana no período de 2007 a 2012, proposto para a análise. Figura 3 – Marília. Localização intraurbana das atividades de consumo produtivo do comércio associado aos setores industrial e de agronegócio. 2007-2012 Zandonadi (2008, p. 43) destaca que a localização das atividades econômicas em Marília possui algumas particularidades, a saber, 140 “[...] o eixo criado pela ferrovia e as avenidas que faziam a interligação da cidade com municípios vizinhos, foi determinante na localização da primeira zona industrial da cidade, visualizada já na década de 1940. Essa localização era procurada, pois, além das facilidades de transporte ferroviário e rodoviário, por serem entrada e saída da cidade, também havia a possibilidade de instalação das unidades industriais em terrenos com topografia plana”. Como podemos observar na Figura 3, os estabelecimentos instalados até 2006, encontram-se nas proximidades da ferrovia que corta a cidade de Marília no sentido Norte ao Sul. As unidades de comércio e de serviços implantadas a partir de 2007 até 2012 mantiveram o padrão de localização das atividades, porém expandindo em direção as Rodovias Dona Leonor Mendes de Barros (SP 333) e Comandante João Ribeiro de Barros (SP 294). Contudo a empresas instaladas a partir de 2013 encontram-se mais dispersas no espaço urbano, seguindo as vias principais de acesso do entroncamento rodoviário. Tais características de localização demonstram que existe um “conjunto bem definido de vias de transportes que delimitadas por núcleos urbanos industriais (vários deles com fortes características de serviços e comércio), facilita a circulação de mercadorias e pessoas” (SPOSITO, 2007, p. 220). Configura-se, portanto, novas formas de localização das atividades mais representativas do consumo produtivo. Sposito (2007, p. 220) salienta que a expansão espacial das atividades econômicas é orientada por um “conjunto de vias de transporte que outorga fatores básicos para a localização industrial e levam a uma densidade de infraestrutura, capitais, pessoal especializado e fluxos de informações e de mercadorias que consolidam as decisões de localização”. Conforme o excerto acima, na Figura 4, a distribuição dos estabelecimentos de consumo produtivo industrial e do agronegócio agrupam-se nas vias principais da cidade, como as avenidas Sampaio Vidal, República, Castro Alves, Sanches Cibantos e as ruas de fácil acesso às principais rodovias que cortam a cidade - Transbrasiliana (BR 153), que faz ligação com Ourinhos e o estado do Paraná, e SP 294 que faz ligação com Pompéia e Tupã. Sposito (2012, p. 07) destaca que “as especificidades das cidades médias que alteram seus papéis, respondem a novas demandas, reorganizam seus espaços, vêem modificadas as formas de vida de sua população, a partir de 141 vetores de comando e de escolhas locacionais que são efetuadas por empresas, cuja escala de atuação não são regionais, mas sim nacionais e internacionais”. Novos nichos de mercado, novos produtos, inovação tecnológica, substituição da força de trabalho por máquinas. Todas essas mudanças possibilitou o aumento de produção das empresas. Consequentemente, foram criadas novas formas de necessidades na vida dos consumidores. Essa configuração nova exigiu das empresas, “uma reestruturação na configuração dos estabelecimentos onde ocorre a produção”, o que pode ser detectadas nas empresas e nas cidades (SPOSITO, 2012). As localizações dos estabelecimentos comerciais e de serviços que se concentram nas vias principais, é possível verificar certo padrão de localização, destacando a importância dessas atividades para o setor industrial e de agronegócio na produção de centralidades intraurbana, que rebatem na dinâmica da cidade. Figura 4 - Marília. Localização intraurbana das atividades de consumo produtivo dos serviços e comércio associado aos setores industrial e de agronegócio. 20072012 Deste modo, Elias (2003, p. 191), adverte que “o consumo produtivo do campo tem o poder de adaptar as cidades próximas as suas principais demandas, convertendoas em laboratório da produção”. O comércio, e os serviços tende a se especializar para 142 “suprir as necessidades de cada produto agrícola e agroindustrial, que demandam quantidades e qualidades precisas de insumos materiais e intelectuais em cada etapa do processo produtivo”. Por fim, tanto as cidades globais quanto as cidades médias, passam a se articular por meio de interações espaciais em escalas internacionais, constituindo suporte e condição para a realização dos interesses dos agentes econômicos. De acordo com as ações dos agentes econômicos, ocorrem alterações dos papéis urbanos desempenhados pelas cidades, ou eles intensificam os que elas já desempenhavam. Referências bibliográficas BELTRÃO SPOSITO, M. E. B. Para pensar as pequenas e médias cidades brasileiras. 1ª Ed. Belém: Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE); Instituto de Ciências Sociais Aplicadas/UFPA; Observatório Comova, 2009. p. 57. BRASIL.Características do emprego formal segundo a Relação Anual de Informações Sociais-2007. Disponível em: www.mte.gov.br/resultado_2007.pdf. Acessado em Out/2014. CASTELLO BRANCO, M. L. G. Algumas considerações sobre a identificação de cidades médias. In: Cidades médias: espaços em transição. BELTRÃO SPOSITO, M. E. (Org). 1 ed. 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Caracterização socioeconômica das regiões do estado de São Paulo – Região Administrativa de Marília. 2013. 143 SPOSITO, E. S. Cidades médias e eixos de desenvolvimento no Estado de São Paulo. In: Cidades médias: espaços em transição. BELTRÃO SPOSITO, M. E. (Org.). 1 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 632. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; SPOSITO, Eliseu Savério. Reestruturação econômica, reestruturação urbana e cidades médias. Anais. XII Seminario Internacional da RII em BH 2012. SABOIA, J. Modernização e redução do tamanho dos estabelecimentos da indústria de transformação no passado recente. Disponível em: http://www.uff.br/revistaeconomica/v1n1/saboia.pdf. SANDRONI, P. Novíssimo dicionário de economia. São Paulo: Best Seller, 1999. 650p. SANTOS, M. A urbanização brasileira. 5 ed. São Paulo: EDUSP, 2009. p. 176. ZANDONADI, Júlio César. Novas Centralidades e Novos Habitats: Caminhos para a fragmentação urbana na cidade de Marília (SP). Presidente Prudente (SP), 2008, 236 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Faculdade de Ciência e Tecnologia/UNESP. 144 LAZER, SERVIÇOS E CIDADE MÉDIA Elizângela Justino de Oliveira45 Resumo O crescimento das atividades de lazer e turismo, vem promovendo a transformação dos espaços urbanos. O litoral de Parnamirim-RN vem passando por modificações como: a expansão das segundas residências e consequentemente aumento dos usuários de segunda residência, dos turistas, e o crescimento de comércios e serviços nesta área para atender a referida demanda. O presente trabalho tem por objetivo analisar a expansão e dinâmica dos comércios e serviços decorrente do lazer no litoral de Parnamirim-RN. A metodologia do estudo desenvolvido consiste no levantamento de dados secundários em instituições públicas, levantamento e georreferenciamento de estabelecimentos comerciais e de serviços públicos e privados, realização de entrevistas com comerciantes e prestadores de serviços. Os resultados apontam para o crescimento dos comércios e serviços concomitantemente com o desenvolvimento das atividades de lazer no referido litoral e que sua dinâmica possui caráter sazonal46. Palavras - chave: Lazer, Serviços, Parnamirim/RN 45 Licenciada em Geografia, mestre em Turismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Doutoranda em Geografia no Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba. Membro do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar Turismo e Sociedade. 46 O presente artigo é um recorte da dissertação de mestrado da autora, defendida em 2013. Onde tratou-se da urbanização a partir das atividades de lazer, e a dinâmica do setor de serviços no litoral do município em questão. 145 1. Introdução O município de Parnamirim está localizado ao Sul da capital do Rio Grande do Norte, Natal. Devido a proximidade com a capital, Parnamirm tem se constituído espaço de reprodução das atividades comerciais e de serviços situados na capital. Embora a dinâmica dos comércios e serviços sejam semelhante em alguns aspectos a da capital, no litoral de Parnamirim estes possuem uma especificidade: a sazonalidade das atividades comerciais e de prestação de serviço, por estarem situados em área litorânea e de lazer. Assim a nossa proposta é analisar a expansão e dinâmica dos comércios e serviços decorrente do lazer no litoral de Parnamirim-RN. A realização da pesquisa contou com os seguintes procedimentos metodológicos: levantamento de dados em órgãos e instituições governamentais (IBGE, SETUR/RN, Prefeitura Municipal); levantamento e georreferenciamento dos estabelecimentos comerciais e de serviços; mapeamento dos estabelecimentos; registros fotográficos; realização de entrevistas com empresários do segmento comercial e de serviço, conforme detalhado na Tabela 1: Tabela 1 - Amostra da Pesquisa Município Pesquisado Parnamirim Total de Estabelecimentos Comerciais e de Serviços Amostra 221 61 Fonte: Pesquisa de Campo, 2012. . Esse levantamento permitiu à análise da distribuição espacial dos referidos tipos de comércios e serviços, como também de suas características gerais e especificidades. A contagem dos tipos encontrados foi realizada considerando-se como recorte espacial os Setores Censitários do IBGE referentes ao litoral do mencionado município. Em seguida, foram realizadas entrevistas junto ao segmento comercial e de prestação de serviços. Para tanto, procedeu-se ao cálculo da amostragem, considerando como população total os tipos de comércio e de serviço (público e privado) contabilizados na área-objeto do estudo. Foi feita uma divisão da população total dos tipos de comércios e serviços contabilizados em três, correspondente a cada uma das 146 praias do município de Parnamirim, a saber: Pirangi do Norte, Cotovelo e Pium, conforme resumo da Tabela 2: Tabela 2. Distribuição dos Estratos por Praia Praias de Parnamirim Pirangi do Norte Estratos Cotovelo Estrato 2 08 03 Pium Estrato 3 93 27 221 61 Estrato 1 População de comércios e de serviços por praia 120 - Total Amostra 31 Fonte: Relatório do Plano Amostral, 2012 O Plano Amostral utilizado foi o da Amostragem Aleatória Estratificada com Alocação Proporcional, que se caracteriza por dividir a população em partes mais homogêneas do que o é a população em geral, das quais foi retirada uma amostra aleatória simples dos serviços (públicos e privados), buscando-se alocar o tamanho da amostra de maneira proporcional ao tamanho de cada estrato. Para o desenvolvimento do estudo, considerou-se como recorte espacial a faixa litorânea do município de Parnamirim-RN (ver Mapa 1), demarcada pelos Setores Censitários. 147 Mapa 1- Localização da área de estudo Fonte: IBGE Org. Mariana Torres O recorte espacial da pesquisa justifica-se pelo fato do município se localizar próximo à principal destinação turística potiguar – Natal – e de contar com atrativos de grande visitação turística, como também pelo fato de se verificar, em sua faixa litorânea, grande concentração de Domicílios de Uso Ocasional (DUO)47, ou seja, imóveis destinados a segundas residências para a prática do lazer não só dos potiguares, mas também de usuários procedentes de outras localidades do país e do exterior. Além de se tratar de uma cidade média que necessita de estudos mais aprofundados. A contribuição do presente artigo é apresentar a dinâmica de comércios e serviços no litoral da referida cidade, decorrente do lazer e turismo, uma das atividades econômicas mais importantes para a sua economia. 2. Lazer, serviços e cidade média 47Segundo classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os Domicílios de Uso Ocasional (DUO) são utilizados temporariamente, não se constituindo a residência principal de seus usuários. 148 As cidades médias nas últimas décadas tem se constituído em espaços de mudanças estruturais. Isto influenciada pela mudança do sistema econômico fordista para a acumulação flexível, que permitiu a fragmentação do processo produtivo, reorientando e ampliando as novas áreas de investimentos de capitais, onde a cidade média tem se tornado um importante nó na rede urbana na escala regional, nacional e internacional. Estas cidades tem sido alvo de investimentos das mais diversas naturezas. Uma vez que essas cidades têm se tornado “polos secundários de desenvolvimento regional através de apoio as atividades produtivas e dos investimentos em infraestrutura e equipamento social” (PONTES, 2006). Outro fator também relevante nesse processo, é que com o processo de desindustrialização das áreas de indústrias tradicionais, há o “surgimento ou a revitalização de áreas de escasso desenvolvimento industrial” (PONTES, 2006), como é o caso do Nordeste. A partir da década de 1980, esta região brasileira tem atraído investimentos para o seu desenvolvimento, a partir de novas atividades econômicas, entre eles o turismo (DANTAS, PEREIRA, PANIZZA, 2010). Assim, a expansão das atividades de lazer e o crescimento do turismo aparecem neste contexto de mudança do sistema econômico e nessa nova política de valorização do nordeste brasileiro e de inserção dessa região na lógica capitalista. Nesse contexto, se insere Parnamirim que foi alvo das políticas públicas em seu litoral para o desenvolvimento da atividade turística no estado do Rio Grande do Norte. Entre as modificações ocorridas podemos citar umas das mais importantes no componente transporte: a construção da RN063. Essa via permitiu ligar Natal (capital do Estado) ao litoral sul potiguar encurtando as distâncias e facilitando o acesso as praias desse litoral, que até a primeira metade da década de 1980 era composta de argila. No componente infraestrutura pode-se destacar os investimentos no saneamento básico (água e esgoto), na ampliação e modernização do Aeroporto “Augusto Severo” - que teve sua inicial área construída de 2.970m2 ampliada para 10.300m2 - o mesmo se dando com a área do estacionamento, que comportava apenas 130 veículos e passou a ter capacidade para 475 vagas, obras estas oriundas do Programa de Desenvolvimento do Turismo no Rio Grande do Norte- PRODETUR I-RN. 149 Junte-se a isto, o fato de Parnamirim ser um dos municípios do RN que mais recebem turistas, pois em seu litoral encontra-se alguns dos atrativos turísticos mais importantes do estado, entre eles: o “Maior Cajueiro do Mundo”48, o complexo turístico “Marina Badauê”, as belas praias e seus arrecifes. Parnamirim que encontra-se conurbada com a capital do estado Natal, tem em seu território os desdobramentos do extrapolamento da tessitura urbana de Natal e das demandas por lazer da população natalense. Além de se constituir espaço de visitação turística compondo o rol de atrativos do destino turístico Natal, reproduza tipologia dos comércios e serviços da capital, onde muitas das franquias, supermercados, redes de escolas particulares que se encontra em Natal estão presente no município de Parnamirim. Esta lógica também é reproduzida ao longo do litoral, onde durante a alta estação muitos comércios e serviços se deslocam de Natal para Parnamirim, interrompendo seu funcionamento na baixa estação. Mesmo com a proximidade de Parnamirim com Natal, esta primeira exerce sua função de cidade média, compreendida a partir do entendimento de Pontes: A cidade média seria um centro urbano com condições de atuar como suporte as atividades econômica de sua hinterlândia, bem como atualmente ela pode manter relações com o mundo globalizado, constituindo com este uma nova rede geográfica superposta à que regularmente mantém com suas esferas de influência (PONTES, 2006, p. 334). Embora essa proximidade com Natal iniba seu papel de cidade média, mas é evidente as funções de Parnamirim quanto as particularidade da cidade média, nos termos de Corrêa (2007) quando refere-se a combinação entre tamanho demográfico, funções urbanas e organização de seu espaço intra-urbano. Além de uma elite empreendedora, e das interações espaciais multidirecionais e marcadas por multiescalaridade. 48 O “Maior Cajueiro do Mundo” é um dos principais atrativos turísticos de Parnamirim, localizado na Praia de Pirangi do Norte. É assim chamado porque atualmente ele possui uma área de 8.500 m 2,, decorrente de uma anomalia chamada de “fitoteratológica”, a qual permite que os galhos do cajueiro que tocam o solo criem raízes secundárias, embora todos sejam dependentes do tronco principal. Toda a sua área atualmente corresponde a um agregado de 70 cajueiros de porte normal, sendo a profundidade das raízes de um a dois metros e a do tronco principal de 20 a 25 metros. Estima-se que se houvesse espaço para seu crescimento, a árvore poderia alcançar 30 a 40.000 m². Disponível em: <http://www.omaiorcajueirodomundo.com/ocajueiro.html>. Acesso em: 25 fev. 2014 150 Pontes (2006) mostra que entre outros fatores de ordem econômica, social e política, o turismo tem se constituindo em um dos fatores de transformações das cidades médias: No curso dos últimos anos, as cidades médias passaram por transformações em face a implantação de novos serviços, sobretudo os logísticos, de informação, de comunicação, de transportes, de educação e de turismo. Apareceram, então, como alternativas de moradia, por oferecerem, ainda que em termos melhores condições e qualidade de vida em relação às áreas metropolitanas (PONTES, 2006, p. 336). Assim, a expansão do lazer e desenvolvimento do turismo tem acarretado o aumento de comércios e serviços para atender a demanda dos usuários de segunda residência49, como também a população permanente que tem crescido nos últimos anos, a partir da refuncionalização do território50, conforme podemos verificar na Tabela 3. Tabela3- Evolução da População Permanente nas Praias de Parnamirim – 2000/2010 Praia Pium Cotovelo Pirangi do Norte 2000 2.238 168 2.413 2010 2.694 788 2.955 %2000-2010 20,37 369,04 22,46 Fonte: IBGE, 2010 Além de atender a uma demanda por lazer do Natalense (cerca de 70,59%51 dos usuários de segunda residência são oriundos de Natal), do potiguar e até de outros países, a área objeto do estudo tem apresentado o crescimento da população permanente que busca nesses espaços lazer e não metropolitanos melhor qualidade de vida. Pontes (2006, p. 336) que as cidades médias aparecem “como alternativa de moradia, por 49 Conforme Tulik (2001, p.4), a Segunda Residência é também chamada de “casa de temporada, de praia, de campo, chalé, cabana, rancho, sítio, ou chácara de lazer” - termos comumente aplicados a esses imóveis usados temporariamente, nos períodos de tempo livre. 50 Chama-se de refuncionalização do território a mudança do uso do território: áreas pesqueiras que assumem a função turística e de lazer ou ainda o fato de algumas áreas destinadas às segundas residências para a prática do lazer, com o passar do tempo, assumirem a função de residências permanentes, ou seja, deixam de ser domicílios de uso ocasional para tornar-se domicílio permanente. 51 Dados coletados na pesquisa de campo na ocasião do mestrado em 2012. O questionário foi respondido por 67 usuários de segunda residência na Praia de Pirangi do Norte, Parnamirim-RN. A amostra foi calculada considerando o número total de Domicílios de Uso Ocasional em Parnamirim, ou seja, 4.018, em 2010, conforme evidencia a Tabela 4. 151 oferecerem, ainda que em termos, melhores condições e qualidade de vida em relação às áreas metropolitanas”. Outro fator que também contribui para o aumento da população permanente na área supracitada é a disponibilidade de terras ainda desocupadas nessas áreas e o preço inferior ao da capital. 3. Resultados da pesquisa Em se tratando da área-objeto do presente estudo, verifica-se que, nas últimas décadas, ocorreu uma significativa expansão dos serviços e do comércio, para atender à crescente demanda de usuários de segunda residência e turistas que visitam o litoral de Parnamirim na alta estação, ou seja, nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro, conforme apontam os estudos realizados por Oliveira (2013). Podemos verificar na Tabela 4, que os Domicílios de Uso Ocasional tem crescido a cada período censitário, inclusive com taxas de crescimento percentual para cada período superior a 100% . Tabela 4 - Crescimento dos Domicílios de Uso Ocasional em Parnamirim 1991/2000/2010 Município 1991 Parnamirim 2000 887 2010 1.823 4.018 % 1991-2000 105,52 % 2000 -2010 120,41 Fonte: IBGE 1991, 2000, 2010 Assim, verificou-se na pesquisa de campo que a maioria dos comerciantes e prestadores de serviços entrevistados iniciou suas atividades nas duas últimas décadas entre o período de 1993 e 2012 -, conforme apresenta a Tabela 5 abaixo – justamente quando se verifica a expansão do Turismo e a intensificação do uso de casas de veraneio. Tabela 5. Período de abertura dos Estabelecimentos Comerciais e de Serviços Período Parnamirim N % 1972-1982 3 6,12 1983-1992 6 10,20 1993-2002 19 30,61 2003-2012 32 52,04 Não Informado 01 1,02 152 Total 61 100 Fonte: Pesquisa de Campo,2012. Assim, no período entre 1993 e 2012, foram abertos 82,65% dos estabelecimentos em funcionamento no litoral de Parnamirim. No trabalho de campo, foram contabilizados 221 estabelecimentos de comércio e de serviços públicos e privados na porção de litoral citada (ver Tabela 6), que atendem não só à demanda turística e de usuário de Segunda Residência, mas também a dos moradores locais. Tabela 6. Distribuição de Estabelecimentos Comerciais e de Serviços Públicos e Privados no Município de Parnamirim Categorias 1.Hotel, pousada, resort 2.Bar, barracas, restaurante, pizzaria, creperia lanchonetes, sorveterias, sanduicheria e tapiocaria 2.Parque aquático, museu 4.Feira e lojas de artesanato, feira de frutas de Pium, passeio de barco do Marina Badauê Parnamirim 11 81 0 5 5.Supermercado, empórios, distribuidora de gás e bebidas, padaria, quitanda e conveniência 27 6.Estabelecimentos de material de construção, loja de móveis, madeireira, distribuidor de pedras, loja de pré-moldado, loja de confecção, floricultura 7.Serralheria, borracharia, oficina, serviços e manutenção de bombas, geladeiras, antenas, piscinas 28 8.Salão de beleza, academia, lan house, locação andaimes, locação de motos, loja de pet shop, lavanderia, estabelecimento de segurança particular, Empresa de Transporte Coletivo, Posto de Combustível 23 9.Farmácias e Laboratório de Análises Clínicas, Consultório Odontológico 6 10. Unidades de Saúde ou Hospital 11.Posto Policial, Posto Rodoviário e Delegacias 2 3 12. Escolas 13. Igrejas 14. Posto dos Correios 15.SubPrefeitura; serviços de água e esgoto 16. Clube de Dança, Associações, Colônia dos Pescadores, Ginásio de Esportes Total do litoral 8 4 2 1 7 13 221 Fonte: Pesquisa de campo, 2012 Pode-se verificar que destaca-se na área analisada os serviços ligados a restauração, a saber: “Bar, barracas, restaurante, pizzaria, creperia, lanchonetes, 153 sorveterias, sanduicheria e tapiocaria” – representando cerca de 36% do total de estabelecimentos (ver Tabela 6). Desses serviços, os turistas e usuários de segunda residência tendem a utilizar aqueles que estão mais próximo do atrativo turístico visitado ou as praias. Ou seja, no “Maior Cajueiro do Mundo” e em seu entorno (Feira de Artesanato), nas proximidades do passeio de barco do complexo turístico “Marina Badauê”. Nota-se ainda que esses comércios e serviços tendem a concentrar-se em duas das praias do litoral de Parnamirim: Pirangi do Norte e Pium, formando expressões de centralidade com dinâmicas distintas. 3.1 A emergência de expressões de centralidade no litoral de Parnamirim O levantamento e o georreferenciamentos dos comércios e serviços ao longo do litoral de Parnamirim apresenta a concentração desses estabelecimentos em duas das três praias que forma a área de estudo, constituindo expressões de centralidade que estão relacionada à expansão das atividades de lazer (Segundas Residências) e de turismo, e que levou a um incremento e a uma variabilidade do comércio e dos serviços oferecidos, para atender tanto à demanda turística, como os restaurantes, os bares, a feira de artesanato, os parques temáticos, etc, quanto à demanda dos usuários de Segunda Residência e da população local. Em função da concentração de estabelecimentos comerciais e de serviços públicos e privados e da relação turista/morador local/usuário de Segunda Residência, enquanto consumidores e usuários dos 221 tipos de comércio e serviços ao longo do litoral do município supracitado (ver Tabela 7), além da intensificação de fluxos de pessoas ao longo do litoral em determinadas épocas do ano, detectou-se a existência de duas expressões de centralidade, no município de Parnamirim - nas praias de Pirangi do Norte e Pium -, apresentando características bem distintas entre elas. A expressão de centralidade de Pirangi do Norte é detentora de uma sazonalidade mais fortemente marcada do que a de Pium, por ser o que mais atende à demanda turística e de usuários de segunda residência, conforme podemos observar na Tabela7: 154 Tabela 7- Distribuição de Domicílios de Uso Ocasional, por praia, no Município de Parnamirim - 2010 Praia Domicílios de Uso Ocasional 1.397 592 62 Pirangi do Norte Cotovelo Pium 2.051 Total Fonte: IBGE, 2010. O fato da população flutuante de Pirangi do Norte ser superior as demais praias, essa localidade, é a que mais sofre as consequências da baixa estação, que vê arrefecida parte de seu dinamismo da alta estação. No entanto, nova dinâmica tem se verificado nesta praia, nos fins de semana do período da baixa estação, essa área de praia tem se tornado uma extensão de Natal, para qual os natalenses tem se deslocado a fim de frequentarem seus restaurantes e bares. 3.1.1 Expressão de centralidade de Pirangi do Norte Essa área expressa a centralidade de maior relevância para todo o litoral em termos de diversidade e qualidade dos tipos de comércio e de serviços privados e públicos. A praia de Pirangi do Norte é bastante conhecida por turistas, sobretudo porque é nessa praia que está um dos principais atrativos turísticos do Estado: o Maior Cajueiro do Mundo. A praia também é muito frequentada - no período da alta estação, nos fins de semana e nos feriados - por usuários de Segunda Residência, concentrando um grande número dessa modalidade de domicílios. Segundo pesquisa de campo, entre os tipos de serviços e de comércio encontrados nessa praia, destaca-se uma variedade considerável de restaurantes, bares, inclusive alguns deles são franquias encontrados somente em Natal, como a Pizzaria “Mister Pizza”, a lanchonete Tantico’s, o PittsBurg, o Mr. Empadas e o tradicional restaurante Paçoca de Pilão. Foram totalizados nessa praia 120 tipos de comércio e de serviços públicos e privados, tais como: bares; restaurantes, pizzarias, pousadas, hotéis, supermercados, sorveterias, lojas de material de construção, lanchonete, clubes de dança, salões de beleza, academia, farmácias, lan houses e lojas de artesanato. Com relação aos serviços 155 públicos, Pirangi do Norte dispõe de uma unidade mista de saúde, escolas, um posto dos Correios e delegacia de polícia. 3.1.2 Expressão de centralidade da Praia de Pium A centralidade expressa nessa área possui dinâmica muito diferenciada da encontrada em Pirangi do Norte, quanto ao tipo de consumidores e usuários dos serviços oferecidos. Em Pium, estes são destinados, em sua maioria, para atender à população local e são caracterizados por sua simplicidade. Os tipos de serviços e de comércio de Pium são compostos de bares simples e pequenos, apenas três restaurantes, um posto de combustíveis, empórios, salões de beleza, lojas de material de construção, borracharia, lojas de confecções, loja de móveis, academia, farmácia, uma unidade de saúde, três escolas, um posto dos Correios e um posto da Polícia Rodoviária Federal. As expressões de centralidades identificadas ao longo do litoral de Parnamirim se distinguem das centralidades convencionais, pois são expressões que estão inseridas em áreas litorâneas regidas por forte característica sazonal, logo sua dinâmica é marcada por essa lógica - na baixa estação, os estabelecimentos de comércio e de serviços de oferta inteiramente turística migram para Natal, retornando, mais uma vez, na alta estação, sobretudo as franquias, quando buscam reproduzir, na zona praieira, as atividades do centro urbano de Natal. Os espaços que vêm especializando-se no (para o) lazer e no (para o) turismo são fortemente marcados pela sazonalidade, a qual se constitui em uma das especificidades da racionalidade econômica e espacial dessas áreas. Considerações finais Considerando nossa proposta inicial relacionada a analisar a expansão e dinâmica do setor de serviços no litoral de Parnamrim decorrente do lazer, o presente artigo também mostrou a dinâmica de uma das atividades econômicas mais importantes dessa cidade média, ou seja, o turismo. O turismo e o lazer tem promovido mudanças no litoral de Parnamirim, a partir do aumento da população permanente, dos domicílios de Uso Ocasional, do 156 crescimento de turistas, implantação de infraestruturas, expansão dos comércios e serviços para atender a demanda de usuários de segunda residência e turistas. Verificou-se que o crescimento dos comércios e serviços em 82,65% período entre 1993 e 2012 ocorreu concomitantemente com a expansão das segundas residências e o desenvolvimento do turismo naquela área. Constatamos ainda que a concentração dos comércios e serviços nas praias de Pium e Pirangi do Norte, emergindo as expressões de centralidades desempenham funções voltadas para o lazer, e apresentam algumas especificidades, tais como: são especializadas no segmento voltado para o lazer – a maioria de seus estabelecimentos comerciais e de serviços busca atender ao usuário de Segunda Residência ou a turistas. são sazonais – o nível de centralidade varia de acordo com os períodos de alta e baixa estação, assumindo maior expressividade na primeira (período que compreende principalmente os meses de dezembro a fevereiro). A economia local é caracterizada por uma sazonalidade. No período de alta estação - nos meses de dezembro a fevereiro, como também no mês de julho -, hotéis e pousadas recebem expressivo número de hóspedes; restaurantes, bares e casas de shows funcionam continuamente; e a procura por produtos nos estabelecimentos comerciais se intensifica, evidenciando uma centralidade significativa, dada a atração que exerce tanto em investidores, quanto em consumidores e usuários dos serviços oferecidos. Na baixa estação, a dinâmica é arrefecida: os estabelecimentos comerciais tendem a eleger dias específicos para funcionar - geralmente nos fins de semana, quando as praias ganham uma dinâmica maior em comparação com os dias úteis da semana. Nessa época do ano, restaurantes e bares costumam funcionar para atender, especialmente, clientes de Natal que se deslocam até o Litoral para apenas consumirem serviços de restauração, retornando em seguida para essa capital. Esta se constitui uma das estratégias de “sobrevivência” de alguns bares e restaurantes do Litoral. Muitos estabelecimentos, inclusive, encerram suas atividades nesse período, na medida que a fraca demanda não justifica seu funcionamento, sobretudo no caso das franquias de lanchonetes e pizzarias, que permanecem no Litoral apenas no período da alta estação. 157 Referências CORRÊA, Roberto Lobato. Construindo o conceito de cidade média. In. SPÓSITO, Maria Encarnação Beltrão (org.). Cidades médias: espaços de transição. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 23-33. _______. As redes de localidades centrais nos países subdesenvolvidos. In: Trajetórias geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. p.41-91. DANTAS, Eustógio Wanderley Correia; PEREIRA, Alexandre Queiroz; PANIZZA, Andreia. Urbanização litorânea das metrópoles nordestinas brasileiras. In: DANTAS, Eustógio Wanderley Correia; FERREIRA, Angela Lúcia; CLEMENTINO, Maria do Livramento Miranda. 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Vamos apresentar as mudanças nas centralidades de lazer nas cidades de Bauru e Marília, ambas localizadas no interior do Estado de São Paulo, dando atenção ao conteúdo das áreas centrais portadoras de centralidade durante a noite, considerando como suas formas foram se expandindo e constituindo-se em parte da reestruturação socioeconômica destas cidades. Paralelo a descrição destas alterações, quanto ao caráter da diversão e do consumo na noite, também buscamos destacar que, no processo destas alterações espaciais do lazer, houve também mudanças relacionadas a sociabilidade e territorialidade dos jovens em suas diferentes segmentações socioespaciais. Para produzir informação para este tipo de estudo, no qual o tempo e o espaço são articulados de forma indissociável, fizemos entrevistas semiestruturaras com citadinos que vivenciaram o lazer noturno nestas cidades em sua época de juventude, procurando cobrir diferentes gerações, pelo menos desde os anos de 1970 (notícias e reportagens sobre o lazer nos jornais, apesar de esparsos e fragmentários, ajudaram a suprir alguma lacuna). Porém, deve-se destacar duas outras fontes de informações importantes, que foram: as interfaces das redes sociais na Internet, como o Facebook e os canais de vídeos como o You Tube. Essas ferramentas constituem uma verdadeira rede informativa, inúmeros usuários e grupos que colaboram com informações sobre a história das cidades, festas, casas noturnas postando livremente uma diversidade de 52 Orientado pelo prof. Dr. Nécio Turra Neto, professor do curso de Pós-Graduação da UNESP-PP 53 Este trabalho é parte da minha pesquisa de doutorado sobre a territorialidade e sociabilidade dos jovens da periferia pobre em relação ao lazer noturno. Pesquisa que se insere no âmbito do Projeto Temático “Lógicas Econômicas e Práticas Espaciais Contemporâneas: cidades médias e consumo, conduzido pelo GASPERR. 160 material que vem ajudando a reconstruir as “paisagens de lazer noturno” em diferentes períodos. Além disso, nas redes sociais pode-se confrontar informações e até completálas com apoio de relatos, comentários e postagens de diferentes citadinos, sobre uma mesma questão, o que, as vezes, supera a entrevista, já que não temos apenas uma opinião e/ou relato. Nessa pluralidade de fontes e trabalho netnográfico 54, foi sendo possível construir essas “paisagens de lazer noturno” a partir dos anos de 1970 até a atualidade. Porém, este estudo não teve intenção de contar uma história da diversão noturna, com todas as suas cenas, personagens, fatos e estórias, como um autêntico trabalho historiográfico. Outrossim, preocupamo-nos, a partir das informações elaboradas, em elaborar uma noção clara das áreas de diversão noturna nestas cidades e identificar o que estas áreas expressaram em termos de centralidade, ou seja, seu conteúdo, sua frequentação, seu movimento, e as sociabilidades que ali podiam ser identificadas e que pudessem revelar a natureza das práticas socioespaciais, assim como as alteridades nos hábitos e nas ofertas de consumo. Para um esclarecimento conceitual, já que tratamos de espaço, e sobretudo espaço urbano, acreditamos que para este tipo de trabalho, a concepção de espaço de Massey (2004; 2008) é fundamental, já que no centro de sua definição aparecem as práticas dos sujeitos/agentes (sociais, econômicos, políticos). Neste quadro teórico, o espaço vai além de um pano de fundo. As interações e sociabilidades destes grupos sociais são vistas não apenas no espaço, mas pelo espaço. Ou seja, os sujeitos sociais são entendidos como atuantes na produção socioespacial, na formação de territorialidades e na composição da própria “paisagem sociocultural urbana”. Também no intuito de compreender as mudanças estruturais da cidade, buscamos pensar o espaço como uma entidade multifacetada, com diferentes papéis articulados, como de local/contexto, de mediação e de produto das ações dos grupos sociais ou forças econômicas, que compõe o mosaico societário55 urbano. E não uma entidade epifenomenal, ou seja, um receptáculo que cristaliza as produções materiais da sociedade, sem valor como força e meio de produção social. Ao contrário, o espaço é visto estrategicamente pelos agentes econômicos na sua busca acumulativa de ganhos; também em meio para que os grupos busquem visibilidade social e como contexto de mudanças culturais e socioterritoriais na cidade. Quanto ao consumo, concordamos com Canclini (2006), quando reconhece certa urgência em reavaliar a ideia de consumo, tomado como realização de gastos por si mesmos, ou derivado de impulsos irracionais. Segundo o autor, é preciso ir além, tentando identificar o consumo como uma racionalidade política, econômica e psicológica, que faz parte da vida social, abrangendo discussões de cidadania e identidade. Nesse sentido, pensamos o consumo não somente como consequência de uma lógica capitalista, que articula trabalho e valor de troca, mas uma força 54 Mais que um conceito, “netnografia” diz respeito aos vários procedimento e técnicas relacionadas a etnografia online ou na internet, tal como define Kozinets (2014). 55 Uso também como referência de entendimento a concepção do espaço multifacetado de Lefebvre (2000),como exposto e discutido, dentre outros, por Gottdiener (1993) [1985]. 161 mercadológica que se lança sobre o cotidiano56, que se impõe de forma massiva e excludente nos espaços de sociabilidade. O consumo passa a ser uma relação de troca e um elemento que distingue, separa e segrega57, a partir daqueles que têm ou não, meios para consumir as ofertas contínuas e incessantes do mercado. Mercado esse que, através de diferentes forças econômicas, impõe-se na cidade, estabelecendo padrões de consumo e lógicas espaciais. A diversão noturna a partir dos anos de 1970 Bauru e Marília são cidades que tiveram sua origem no contexto da expansão cafeeira no interior paulista, nas primeiras décadas do século XX, processo que foi acelerado com a chegada das ferrovias. O que eram núcleos de povoamento foram se tornando cidades importantes, na articulação do comércio e abastecimento com cidades próximas. No geral, as duas cidades tiveram vários ciclos econômicos, relacionados a indústrias de beneficiamentos de produtos agrícolas, ainda que fossem ciclos flutuantes de crescimento e declínio58, não deixaram de expandir seu tecido urbano e concentrar, ao longo das décadas, funções comerciais e de serviços (públicos e privados), em relação à rede urbana regional. O comércio, serviços e atividades administrativas foram se concentrando numa só área de cada cidade, até porque eram áreas que tinham estruturas técnicas para possibilitar comunicação com outras cidades e espaços, com uma vida mercantil que tinha se iniciado desde suas primeiras aglomerações de povoamento. Estes centros comerciais vão herdando, simultaneamente, as formas do passado e as novas formas arquitetônicas e superfícies comerciais, estabelecendo diversidade de serviços e produtos para consumo, substituindo antigas casas comerciais. É para estes espaços que a vida social da cidade converge e, ao mesmo, diverge, pois, se de um lado, aí se encontra o core comercial da cidade e sua atratividade econômica numa escala regional, também é aí que se dão os primeiros movimentos de expansão por novos eixos comerciais adjacentes. E partir destes processos que os centros comerciais de Bauru e Marília foram se definindo e se incrementando ao longo das décadas, até chegar nos anos de 1970, a partir de quando focamos nossa atenção para o aspecto da diversão e consumo na noite. Na década de 1970, Bauru e Marília contavam, respectivamente, com aproximados 130 mil e 98 mil habitantes59. As formas urbanas de ambas as cidades apresentavam ainda fortes características monocêntrincas, mas com uma inicial dispersão urbana60. Os centros comerciais de ambas as cidades se destacavam pela 56 Lefebvre (1991) [1968] fala da cotidianidade condicionada por um consumo dirigido: "Nesse sentido, a cotidianidade seria a principal produto da sociedade dita organizada, ou do consumo dirigido, assim como a sua moldura, a Modernidade". 57 58 59 Além do seu apelo idealizado no universo das representações sociais, em termos de status social e ostentação. Melazzo (2010) apresenta estes ciclos econômicos de modo mais detalhado para o caso da cidade de Marília. Dados da Fundação SEADE. Censos Demográficos de 1940 a 2000 60 Dispersão urbana é um conceito que tem sido também alvo de amplos debates, algumas destas considerações pode ser encontrada nesta coletânea REIS, N; PORTAS, N; TANAKA, M. (2007). Para este trabalho chamo mais atenção 162 concentração dos equipamentos urbanos ligados ao consumo de serviços e bens variados, que iam de serviços bancários até a venda de produtos agropecuários, assim como atividades de lazer durante o dia, como na noite. Em Marília e também, similarmente, em Bauru, em torno do final dos anos de 1970, o lazer durante o dia se restringia as atividades como: frequentar as salas de cinema, sorveterias e sentar nos bancos das praças centrais, para encontrar algum conhecido, ou mesmo acompanhar visualmente, numa forma contemplativa, o ritmo de vida diário no centro. Durante a semana, o centro apresenta uma vida comercial e produtiva forte durante o dia. E a noite, prosseguia o funcionamento de alguns bares, sorveterias e cafés. Os cinemas davam o ritmo da noite, onde se viam as maiores aglomerações e gastos com entradas e alimentação. Os finais de semana também alternavam dois períodos distintos, embora complementares. Durante o dia, sobretudo nos domingos e feriados, cessavam os serviços administrativos, comerciais e bancários, substituídos pelo lazer com a família, o fotting61 dos jovens, as matines nos cinemas. O centro principal tornava-se assim, um espaço de oportunidades de consumo e da ociosidade. Quanto à vida noturna, pode-se dizer que os excessos eram possíveis na noite, mas era certo dizer também que os jovens da classe média da cidade tinham poucas escolhas. O que não quer dizer que era uma cena pobre em divertimento. Os bailes e festas eram frequentes, mas também eram atividades de lazer igualmente frequentada por adultos. Já para os mais boêmios, assim como, aos que eram dados às pândegas e a vida profissional notívaga, a noite poderia se estender um pouco mais, onde os jogos da noite incluíam carteado, jogos de mesa e até alguma licenciosidade para prazeres bem mais sensuais e libidinosos, especificamente em espaços mais opacos do próprio centro e nas ruas um pouco mais distantes. Os cinemas se destacam por serem os principais espaços de consumo na noite, e ao mesmo tempo espaços de sociabilidade, tanto juvenil como adulta. Em Marília, existia até esse período em torno de dez salas de cinemas, destacando o “Cine Peduti”62. Em Bauru também era grande o número de salas de cinema, com destaque o “Cine Capri” e “Vila Rica”. Havia em Marília espaços mais seletos para consumo e paquera, frequentado por jovens maiores de idade e adultos, era o “Cine Bar”, localizado na Avenida Sampaio Vidal, uma das principais avenidas da cidade, onde havia a venda de bebidas e lanches. No relato abaixo pode-se ter alguma ideia da atmosfera do lugar: O Cine Bar ficava no prédio ao lado; funcionava como complemento arquitetônico do cinema, cordão umbilical. Ali se fabricava um sorvete dos deuses, havia um pássaro preto ensinado, que alçava pequenos voos no seu interior, parando nos ombros dos Therezo. À noite, a rapaziada tomava Hi-Fi nas mesas disputadas na calçada, em frente ao bar, de olho no desfile feminino pela avenida principal. O garçon Elias, gordinho, alegre e satisfeito, sempre alinhado com a sua farda tipo smoking, camisa branca para os processos mais centrífugos, quanto o distanciamento e densificação de espaços de moradias e atividades econômicas em relação ao centro tradicional. 61 Atividades que os jovens realizavam relacionadas a passear por uma rua principal, para ver e ser vistos, constituindo num momento genuíno de ócio e ao mesmo tempo de expectativas de paqueras, jogos e encontros. 62 Na verdade uma rede de cinemas que se espalhava pelo interior do estado de São Paulo e que tinha sua sede na cidade de Botucatu - SP. 163 impecável e gravatinha borboleta, sabia da vida de todo mundo e fez parte desta história por mais de 30 anos63. Por volta de 1970, esses cinemas estão voltados para produção nacional e filmes estrangeiros, como gênero “western spaghetti”, muito popular nesse período. Interessante que o maior consumo dos jovens – não muito diferente de hoje – era para refrigerantes, mas estes encontravam sobretudo, em Marília, uma forte produção local64. O consumo de bebidas alcoólicas não era comum entre os jovens. Além dos cinemas, os clubes poliesportivos e recreativos se destacam na promoção de eventos e festas. Os clubes nestas cidades se tornaram espaços privilegiados de consumo, com recursos para trazer artistas importantes do cenário musical do país, para deleite dos seus associados e daqueles consumidores em potencial, com poder aquisitivo para frequentar os bailes e festas em suas dependências. Estes clubes estavam localizados, em sua maioria, no centro tradicional e não deixavam de constituir espaços privados das elites de maior poder econômico e posição social. Citadinos da periferia e mesmo os jovens e adultos da área central com menor poder aquisitivo poucas vezes tinham acesso aos privilégios culturais e recreativos disponibilizados por estes clubes. Os investimentos na economia de lazer noturno, quanto a oferta de produtos culturais e de consumo estavam nas mãos de empresários e clubes locais, apesar de existir salas de cinema construídos por empresários externos, ainda assim, não era uma força que pudesse monopolizar, ou até ditar, os rumos do consumo cultural nestas cidades. Pode-se dizer que aquilo que existia de atividades e espaços para diversão noturna, era parte constitutiva da área central comercial destas cidades. Ainda que se pudesse já observar a natureza e temporalidade distinta da economia e vida noturna do lazer, ela não deixava de reforçar o centro comercial como um todo, na sua força de convergência de fluxos, como na sua natureza comercial e de serviços. Embora a função de diversão e lazer, sobretudo já se direcionava predominante aos jovens, expressando assim uma centralidade na parte noturna, ainda sim, eram atividades que se justapunham ao já tradicional centro econômico e comercial destas cidades. O poder de convergência do centro comercial articulava em graus e escalas variadas um sistema de trocas e serviços do conjunto da cidade tanto material, como na sua temporalidade diária, nesse sentido nem a vida noturna e nem sua economia se desprendiam dessa monocentralidade. Quase que necessariamente a vida noturna para os jovens deste período até meados dos anos de 1970 era circular e se territorializar nos espaços comuns da cidade e que também eram frequentados por adultos. Contudo, os núcleos de lazer noturno onde se davam a convergência de jovens na noite, foram se ampliando na cidade e escapando um pouco também do controle dos adultos e autoridades. A partir dos anos de 1970, estas cidades se conectam através da música, dos filmes e da televisão, com os ventos da contracultura hippie, dos ídolos rebeldes do cinema e dos novos modelos de consumo, que se espalham entre os jovens, 63 Memória de um citadino registrado pelo CCM (Clube de Cinema de Marília). 64 As fábricas de guaraná, ou também popularmente chamada tubaína, eram muito comuns no interior de São Paulo. Não havia nesse período, ainda, a concentração do mercado pelas grandes empresas, como Coca-Cola e Ambev. 164 como o jeans, cigarros, músicas e tudo mais que pudesse remeter a uma sintonização geracional e, ao mesmo tempo, ruptura com as outras gerações. É nessa atmosfera que a diversão noturna e consumo vão se desprendendo dos tradicionais circuitos de lazer, onde a presença de adultos e do efeito panóptico dos pais e autoridades estão mais presentes. Ainda no começo dos anos de 1970, foi destaque o “Bar Karango”, em Marília, local que se tornou de forte atração de jovens tanto da cidade e que já prenunciava o surgimento de espaços próprios entre os jovens. Uma atratividade importante na dinâmica da vida noturna, atraindo até jovens de cidades próximas. Estes bares forneciam duas coisas importantes, que era a oferta de bebidas e um espaço de encontro integralmente frequentado por jovens, onde a música e os grupos musicais tinham a mesma conexão geracional. Vale a pena destacar aqui dois relatos65 que mostram a importância desses espaços na sociabilidade juvenil, em torno do “Bar Karango”: CTU – “...era perto do Tênis Clube, a gente "matava aula" e ia lá...” SAA – “ (...) nos reuníamos lá [Bar Karango] para conversar e paquerar...era muito gostoso...eu tinha um grande grupo de amigos que nos encontrávamos lá, perto da 18 horas e lá pelas onze já estávamos de volta pra casa...” No primeiro comentário, “matar a aula” era se deslocar por espaços onde os ritmos e conteúdos eram antagônicos: de um espaço controlado e disciplinado, para um espaço de fuga, de autonomia, onde se podia realmente estar à vontade. No segundo comentário, o bar é usado como um microterritório de encontro, do convívio com amigos e de um território livre à paquera. Neste período, outros bares similares e próximos eram points66, ou espaços de fuga para os jovens mais ousados, como o “Mamute”; “Bar Marrocos”, “Shalako”, todos frequentados por jovens, e alguns já funcionando até altas horas da madrugada. O núcleo principal de lazer da noite não divergia muito, em termos de localização, do centro comercial tradicional da cidade, até o final dos anos de 1970. Mas, daí em diante pode-se acompanhar um processo de desconcentração das áreas de lazer noturno, que não deixa de acompanhar também a desconcentração de investimentos e empreendimentos imobiliários, tanto residenciais como comerciais, fora do centro tradicional da cidade. Há, com isso, uma ampliação da área central, e claro, uma expansão comercial e, consequentemente, dos espaços de consumo na cidade. Também passa a se desenvolver uma cena noturna mais diversificada, em termos de afluência de grupos de jovens. Agora com a presença de universitários, que passam a 65 Comentários extraídos do Grupo Memória de Marília através da rede social e virtual do Facebook, os nomes dos comentadores estão representados pelas letras iniciais de seus nomes. 66 Uma categoria nativa, ou seja, um termo que é usado e define uma prática do grupo, no caso dos points é usado pelos jovens e que representa um estabelecimento, como um bar onde é possível se reunir para se divertir. Magnani (2005) é um autor que explora as formas como os jovens se espacializam na cidade, descobrindo formas de espacialidade relacionadas a estas categorias nativas. 165 compor esse cenário, depois da criação da faculdade de medicina e enfermagem da cidade de Marília. As casas noturnas, bares e pizzarias de maior sofisticação e badalação começam a se fixar na Avenida Rio Branco, é ali que os jovens se tornarão mais presentes na noite, e onde o passeios e points noturnos de lazer vão se fixar. Nesta avenida é famoso o point da “Pizzaria 515”. Além disso, vai se formando no final dos anos de 1970, um núcleo de lazer noturno no centro-leste da cidade e que hoje ainda se mantém, em torno do “Bar Chaplin”. Em Bauru, a década de 1970 seguiu um dinamismo da diversão noturna muito parecido com aquele da cidade de Marília. Há ainda a presença dos clubes poliesportivos e recreativos, que promovem shows e espetáculos na noite, e os cinemas que continuam a atrair grande número de espectadores. Além de bares e restaurantes que atendem diferentes segmentos sociais. Contudo, a cidade passa a ter um perfil de cidade universitária, com ampliação de cursos oferecidos por grandes universidades estaduais, como (USP e UNESP). Além destas, outras universidades de origem local passam atrair grande número de jovens de outras cidades, que vão morar em casas alugadas, transformadas em “repúblicas”. Esse fluxo gera abertura de bares, motéis e casas noturnas, para atender essa nova demanda crescente. Nesse período, surge o “Ciente”, bar e clube famoso na cidade, construído e mantido por jovens universitários e jovens da elite local, onde era possível ter um espaço próprio para diversão e festas frequentes, com temáticas variadas e criadas pelos próprios jovens. Esse bar, misto de clube, funcionou dos anos 70 ao começo dos anos 80. E esteve localizado no centro principal da cidade, deve-se destacar esse bar como um precursor das “noitadas” na cidade, já que funcionava até altas horas da madrugada. A dispersão do lazer para fora do core comercial da cidade ainda não estava tão claro. As festas continuavam a ocorrer fortemente nos clubes da cidade, como os bailes do “Tênis Clube”, do “Luso”, da “Hípica”. Os jovens das classes altas tinham ainda o Automóvel Clube, um salão suntuoso na praça principal da cidade, para grandes eventos e festas com artistas nacionais. Aos finais de semana, passou e existir outras alternativas de consumo, são estabelecimentos que vão se especializando em diferentes tipos de serviço e cardápios, como os bares e restaurantes, “Fran’s Café”, “Capristor” e “G Petisco”, e que vão se transformando em novos points para os jovens. Todos eles ainda fixados no centro principal. É importante destacar que o centro principal, na sua noturnidade e como espaço para o lazer noturno, ainda gozava de uma aura de prestígio, como um lugar de encontro, onde diferentes segmentos sociais se cruzavam, mesmo que não frequentassem os mesmos ambientes. Havia, já naquele tempo, a preocupação com as colunas sociais e com certa ostentação. Os bares de esquinas, restaurantes, casas noturnas parecem fazer parte de uma mesma ambiência, os jovens, sobretudo de classe média e alta, conviviam nos mesmos espaços de socialização, como dos clubes, escolas e universidades e a noite era uma extensão dessa sociabilidade. Mesmo os proprietários destes estabelecimentos eram pessoas conhecidas e que transitavam por círculos comuns desses segmentos de maior afluência econômica. A desconcentração da diversão noturna em Bauru vai começar a ocorrer já para o final da década de 1970, principalmente para o eixo da Avenida Nações Unidas, que 166 embora não fosse um eixo comercial, passou a concentrar restaurantes que funcionam a noite, tornando-se uma opção para o consumo. Em realidade, esta avenida ficará conhecida justamente pela sua centralidade em termos promoção de lazer noturno e dominical. Mais tarde, já nos anos de 1990, é que começará a abrigar estabelecimentos comerciais e bancários. Nesta avenida, as opções de restaurantes são variadas, sendo que ali que se instalou a primeira loja de uma cadeia internacional de fast-food. As ruas largas da avenida favoreciam, desde o início, a circulação e o passeio de carros, para os que tinham esse meio de transporte. Também as amplas áreas do canteiro central favoreceram a promoção de eventos. A mudança do carnaval do centro da cidade para esta avenida, nos anos de 1980, confirmaria a marcha da diversão noturna do centro principal para a Zona Sul de Bauru. Por volta de 1980 em Bauru, a lógica de expansão seguiu a direção das oportunidades imobiliárias para Zona Sul da cidade, com as melhorias nas avenidas Duque de Caxias e o eixo da Avenida das Nações Unidas, a valorização do solo cresceu exponencialmente nesta década. Outra vantagem se dava pelo próprio limite de crescimento do centro principal, já tornando-se crônico a falta de espaços para novos estabelecimentos comerciais e o crescente congestionamento de automóveis, além do aumento demográfico, que impunha maiores ofertas de prestação de serviços e bens. No caso da economia do lazer noturno, a relação entre a franca expansão residencial e comercial para Zona Sul e o envelhecimento do centro principal constituíam o caminho natural para novas oportunidades nesta direção da cidade. Em 1980, a população de Bauru girava em torno de 186 mil habitantes e Marília de 121 mil habitantes. Nessa década, já estão consolidados os movimentos de dispersão urbana, tanto de bairros periféricos, como das áreas comerciais destas cidades. Os centros tradicionais destas cidades passam a coexistir com subcentros comerciais em outras áreas urbanas, sobretudo, na periferia. Além disso, há uma pressão por novos espaços comerciais, em face do estabelecimento de novos empreendimentos terciários, relacionados as cadeias de lojas de bens de consumo duráveis e não-duráveis, que encontram nestas cidades oportunidades para sua expansão. Articulam-se nesta nova dinâmica o setor imobiliário, que detecta tal movimento, e a intervenção do poder público, que age no melhoramento infraestrutural das áreas do entorno do centro principal. Decorre a irradiação de novos contextos espaciais de concentração de comércio e serviços, em paralelo ao centro tradicional, ou seja, novos eixos e núcleos terciários começam a se desenvolver e a projetar uma maior complexidade quanto aos nós de fluxos e fixos no tecido urbano de ambas as cidades. Isso vai refletir tanto na composição estrutural e econômica, como nas cenas do lazer, sobretudo noturno, já que se estabelece uma geografia da noite67 com mais variedade de bares, restaurantes, casas de noturnas e, consequentemente, uma abertura maior para conexões com outras culturas e estéticas transterritoriais68. 67 Uso essa expressão para identificar não apenas os equipamentos de lazer na noite, como a atmosfera, ou seja, a vida noturna que anima essa espacialidade. 68 Diz respeito a uma base de referências audiovisuais, moda, estilos que se territorializam em diferentes lugares, essa concepção de culturas transterritoriais aparece em Turra Neto (2012). 167 O panorama cultural na década de 1980 tem uma significativa descontinuidade, passa a ser significativo o aparecimento de mais casas noturnas, para dança e shows na cidade, com a vinda de artistas de projeção nacional. Os jovens da periferia passam a ter mais presença nas áreas centrais, frequentando as discotecas nestas áreas, graças a maior disponibilidade do uso do transporte coletivo. A intensificação deste tipo de transporte teve um papel importante na transposição de escalas69(SMITH, 2012) para estes jovens, e que ainda se mantém atualmente. Mesmo que os horários de circulação destes transportes impusessem um limite que não ultrapassava a meia-noite, isso quase sempre era ignorado e substituído por longas caminhadas de retorno para casa. Apesar dos novos espaços de lazer juvenil estarem se diversificando na cidade, se perpetuava a continuidade de uma territorialidade juvenil mais fragmentada em termos de segmentação social, já que os jovens da classe média e da periferia pobre não se territorializavam no mesmo lugar. No caso de Marília, os jovens das classes médias, ou de melhor condição para investir na noite, elegiam a Avenida Rio Branco em Marília, onde as boates e bares atraiam, por suas fachadas, ambientes modernos e renovação constante das atrações músicas, além do apelo ao consumo mais elitizado. Para a grande maioria dos jovens pobres que também frequentavam a Avenida, estes mais compunham a cena do movimento e aglomeração, mas não a cena dos ambientes internos, já que o preço da entrada e/ou consumo interno era um tipo de investimento distante da realidade econômica destes jovens. Os jovens mais pobres tinham maior convergência para encontro com amigos e namoro na Praça São Bento, localizada na parte leste do centro e em algumas quadras do centro tradicional. Em Bauru, o clube dos “Bancários” e a discoteca “Flashdance”, entre outras discotecas 70 no centro principal, transformaram-se em espaços de encontro e dança para os jovens de todas os bairros periféricos da cidade, os finais de semana eram os momentos de encontro com as turmas. Já os jovens de maior condição econômica estavam em outros espaços, como no “Bauru Tênis Clube”, “Boate Universitários” e “Scaramouche Ambiente”. Mas havia também, casas noturnas, como o “Camarim 71, cujo ambiente interno era frequentado por jovens dispostos a gastar mais no lazer noturno, tanto jovens da classe média como jovens pobres, que disputavam na portaria a chance de entrar nesta casa, famosa pela irreverência de suas atrações e por trazer artistas de novelas da moda para ilustrar as festas. A economia da noite nos anos de 1980, em termos de arranjo espacial, por meio das boates, bares e outros tipos de casas noturnas, eram atividades e espaços que ainda 69 Sobre a importância de uma política espacializada, em que as escalas geográficas na cidade, por exemplo, não são dadas, mas são socialmente produzidas. 70 O movimento das discotecas foi muito comum nas cidades brasileiras entre o fim dos anos 70 e início dos anos 80, pela força de um movimento que era tanto visual, musical e dançante. Sua eclosão foi reforçada por filmes de grande impacto na cultura juvenil como “Embalos de Sábado a Noite” de 1978. Também Turra Neto (2012) destaca esse movimento em seu estudo. 71 Há no canal do You Tube muitos vídeos postados que mostram um pouco da atmosfera destas casas que cito neste trabalho, o link a seguir mostra o ambiente de algumas casas noturnas em Bauru nos anos de 1980: “https://www.youtube.com/watch?v=1rItD0SXLNU” 168 gravitavam em torno do centra tradicional destas cidades. Porém o que se destaca é diversidade de espaços e ambiências para os jovens, e uma conexão transterritorial maior com outros centros urbanos e de vanguarda estética e cultural. A virada cultural e econômica das paisagens de lazer noturno em Bauru e Marília O final dos anos de 1980 e início dos anos de 1990 é marcado por uma paisagem de diversão noturna já não mais confinada ao centro tradicional das duas cidades mas em expansão espacial, em direção as novas áreas centrais em formação. Em Bauru, essa expansão segue em direção da Zona Sul, e em Marília os estabelecimentos de lazer noturno se espalham por eixos que cruzam a Avenida Sampaio Vidal e vão em direção à Zona Sul e Leste da cidade. Porém, além do sentido de expansão, há aspectos socioespaciais e econômicos que vão proporcionar uma clara descontinuidade com os períodos anteriores. Começa com o fato do descolamento da economia do lazer noturno do centro tradicional destas cidades, o que não significa seu fim, visto que ainda persistiram atividades de lazer e diversão na noite do centro, porém, com menor badalação, e mais direcionada aos citadinos de baixa renda. Outro aspecto marcante, tanto em Bauru, como em Marília, é que os diferentes núcleos de lazer, nestas áreas de expansão da economia noturna ganham algum grau de especialização. Ou seja, não é uma expansão que se irradia apenas do centro comercial tradicional, mas uma expansão que irrompe em diferentes partes destas cidades, e que oferecem uma gama mais ampla de opções, algumas para segmentos socioeconômicos específicos. Por exemplo, em Marília em torno do bar Chaplin vai se formando um núcleo de lazer constituídos de “barzinhos72” e uma cena mais underground. Na avenida Rio Branco, persistem restaurantes e pizzarias para um perfil de frequentadores que vão de jovens universitários a jovens de classe média e alta. O mesmo acontece com a Avenida Sampaio Vidal, onde se encontram bares e restaurantes sofisticados. No prolongamento desta avenida, em direção à Zona Sul, vão se situar boates com ambientes internos espelhados nos grandes centros. Deve-se destacar que nos anos de 1990, pari passu a uma explosão de fluxo de universitários na cidade e consequente investimentos na verticalização habitacional da Zona Oeste, vai emergindo um núcleo de lazer, com diferentes casas noturnas, atendendo não apenas este público universitário, como jovens da periferia, vindos principalmente dos extremos da Zona Sul. Em Bauru, novamente encontramos similaridade destes processos, primeiro a Avenida Nações Unidas que reforça sua centralidade de fluxos na diversão noturna, com a implantação do primeiro Shopping Center da cidade, no começo dos anos de 1990. Na verdade, o próprio Shopping produz sua própria centralidade, atraindo consumidores não apenas da cidade, como da região, suas salas de cinema vão 72 Um termo nativo que em seu início era usado pelos jovens, geralmente, com intenção de falar de um bar um tanto despojado de maiores requintes para encontrar amigos ao sabor de alguns petiscos e cervejas, todavia, esse termo também abrange a ideia de um point badalado e ao contrário do despojamento, uma certa diferenciação enquanto definição elaborada de um estilo de ambiente interno e externo, e alguma uniformidade dos segmentos sociais que os frequentam. 169 concorrer até a primeira metade dos anos 2000, com as últimas salas de cinema do centro tradicional. Outro eixo de lazer noturno se estrutura ao longo da Avenida Duque de Caxias, importante artéria que liga a Zona Leste e Oeste. Ao logo dessa avenida, surgem postos de combustíveis com serviços de conveniência e que durante a noite se transformam em points, superconcentrados de jovens, com massivo consumo de bebidas alcoólicas, atraindo jovens de classes altas, como jovens da periferia pobre, que vão de transporte coletivo ou individual. Em 1990, começa a ganhar contornos o que vai ser o principal eixo de lazer de Bauru a partir de 2010, que é a avenida Getúlio Vargas, um eixo que começou na Praça Portugal e que foi se prolongando pela avenida, até a extremidade da Zona Sul, esse eixo surge a reboque dos fortes investimentos imobiliários e públicos, e também da ocupação habitacional crescente, desde os anos de 1970, de um estrato social de maior poder aquisitivo da cidade. Em 1990, instala-se nesta avenida uma cervejaria73, que passa a trazer shows com bandas e cantores internacionais, colocando a cidade temporariamente num circuito de entretenimento próximo ao que se dá entre os grandes centros urbanos. Porém, a cristalização da centralidade desta avenida na diversão noturna de Bauru não ocorreu sem fricções e conflitos, como por exemplo, a disputa territorial com moradores antigos, pela necessidade de manter aquela área puramente residencial. Uma das razões destes conflito é detectado pelo estudo de Ramos (1998, p. 34), quando afirma que: “ao mesmo tempo que as atividades terciárias se expandem na Zona Sul, produz-se concomitantemente problemas relacionados ao ambiente dessas áreas, tais como: tráfego intenso, barulho até altas horas da noite, lixos e resíduos ao longo das ruas e calçadas”, todavia, o fato é que muitos moradores tiveram que se mudar destas áreas, e o perfil de eixo de lazer noturno se consolidou. Enquanto se configurava a espacialidade da centralidade de lazer noturno da Avenida Getúlio Vargas, também em Marília, na mesma época e num processo similar, a Zona Leste se tornava a nova fronteira de investimentos imobiliários e de implantação de novas superfícies comerciais. Merece atenção o entorno da Avenida das Esmeraldas, que até início dos anos de 1980, era quase um vazio urbano, em termos de habitação, embora no chão de terra batida acontecessem alguns encontros festivos e rachas de motocicletas, entre os jovens nos finais de semana. Porém, na segunda metade dos anos de 1980, essa mesma região da cidade passou a receber empreendimentos ligados a construção de moradias de alto padrão, em formato de condomínios fechados, e na avenida surgem estabelecimentos comerciais voltados aos consumidores de renda elevada, que passaram a habitar a área. O setor público também investe em melhorias do equipamento urbano, com destaque para a construção de uma pista de cooper, que acaba servindo a múltiplas práticas espaciais recreativas. Esta região da cidade vai se transformar numa área de forte convergência de consumidores e usuários do espaço público, uma centralidade que ganhará mais força, com a implantação do primeiro shopping center da cidade, o “Esmeralda Shopping”, já nos anos de 1990. 73 Estas “cervejarias” não deixam de ser uma modalidade de casa noturna, mas interessantemente unem uma imagem fabril e artesanal com o que é de mais luxuoso e sofisticado em termos de ambientes das baladas. 170 As cenas da vida noturna agora se distribuem em diferentes núcleos de lazer, porém, nota-se outra descontinuidade, que é a não justaposição espacial de alguns núcleos de lazer noturno, com as atividades terciárias diurnas, como de comércio e prestação de serviços. Um exemplo está no núcleo de lazer oeste em Marília, em cujas noites de fins de semana é possível encontrar um mosaico de sons, carros, luzes e festas, contrastando com a aparente tranquilidade do dia, onde só se verifica entrada e saída de estudantes nas universidades, ou perambulando entre os prédios de habitação estudantil74. Em Bauru, a Avenida das Nações já demonstrava essa dinâmica, desde os anos de 1980, agora é a Avenida Getúlio Vargas que apresenta uma vida noturna mais agitada. Atualmente, o que tem-se verificado é a continua expansão da economia do lazer noturno nestas duas cidades, alguns núcleos de lazer parecem perder força em Marília, como é o caso da Avenida Rio Branco, que teve seu ponto alto nos anos de 1980, por outro lado, núcleos antigos, como do Bar Chaplin vem renovando sua centralidade de lazer noturno, a partir de novos estabelecimentos, que vão se fixando neste núcleo. Em Bauru, a “paisagem de lazer noturno” parece mais complexa, pois há novas inserções na economia do lazer noturno que se fazem de modo mais impactante, como a instalação de casas noturnas de capital internacional e com projetos padronizados de diversão. Algumas com ambientes luxuosos e se instalando na própria Avenida Getúlio Vargas. Outra dinâmica presente nestas cidades é abertura de novas casas noturnas em espaços fora do perímetro urbano, iniciando um processo que parece uma “periferização do lazer noturno”. Essa iniciativa em Bauru já se tinha iniciado com a superfície de lazer do Alamenda Quality Center, uma grande área que justapõe salas de cinema, restaurantes, fast-food e posto de combustível, funcionado durante o dia e na noite, ao longa da rodovia estadual Marechal Rondon, instalada além do limite da Zona Sul da cidade. No entorno, já surgem restaurantes e uma ampla casa noturna especializada no público GLS. Outro aspecto é que as casas noturnas já não apresentam um único cenário temático, as vezes alternam festas e atrações conforme o público que querem atingir. Já notamos casas noturnas nas duas cidades que, durante a semana, criam atrações para o público universitário e, durante o fim de semana, volta-se para o público da periferia. Abaixo destacamos dois mapas que podem ajudar na visualização destas configurações espaciais atuais, referente as duas cidades. Figura 1 74 Vale a pena dizer que no caso deste núcleo de lazer, há também uma sazonalidade, já que no período de recesso escolar, parte deste núcleo silencia suas atividades noturnas. O que se assiste hoje é uma diversidade de público nestas casas noturnas, talvez justamente tentando não depender de um único público consumidor. 171 Fonte: elaborado pelo autor Figura 2 Fonte: elaborado pelo autor No plano das sociabilidades e territorialidades juvenis, desde o final dos anos de 1990, percebe-se uma irrupção de culturas juvenis e grupos que passam a coexistir na noite, frequentando as vezes os mesmos espaços, como jovens de classe média e jovens da periferia, na Avenida das Esmeraldas, em Marília, embora territorializando-se diferentes partes da avenida. São culturas juvenis, sobretudo da periferia, que agora têm meios de transitar e compor circuitos de lazer em diferentes espaços da cidade. São novos consumidores de espaços e produtos na noite, que nem sempre participam com os mesmos direitos ao uso do espaço público, entrando, as vezes, em conflito com a polícia, já que há ao mesmo tempo opressão e estranhamento quanto a suas novas práticas espaciais. Estas novas hordas juvenis, que são ainda estranhos a uma cidade que desde décadas anteriores esteve acostumada a ter uma atmosfera da noite segmentada socialmente e bem delimitada territorialmente, onde os grupos tinham suas esquinas, praças e bares quase exclusivos para se frequentar e/ou se evitar. Agora estes espaços são perpassados por diferentes grupos. O jovem pobre da periferia não depende apenas das longas jornadas a pé, ou do transporte coletivo, grande parte deles agora tem motos 172 e carros, e se constituem de grupos juvenis em conexão com outros grupos na cidade e fora dela, alcançando escalas para passeio e rolê75 muitas mais amplas e difusas que aquelas das gerações anteriores, que também habitavam o que era a periferia pobre destas cidades. Conclusão Apresentamos algumas conclusões, que não devem ser vistas como definitivas, mas como um esforço de entendimento ainda em andamento e que precisa de mais estudos, sobretudo, de outras cidades médias, afim de certificar quanto a validade destas tendências76. Pelos resultados apresentados neste trabalho, parece possível acompanhar três vetores de mudança, que mostram uma ruptura com o passado da diversão noturna nestas cidades. O primeiro vetor é justamente o crescente dinamismo da economia da noite, com grandes investimentos locais e também agora internacionais. Ambientes internos, padrões visuais e espetáculos, que visam espelhar as novidades dos centros inovadores do lazer noturno, onde a transitoriedade temática e a alternância dos públicos conferem um nítido contraste com as casas noturnas do passado, redutos de grupos específicos e identidade única. Também fast-food, posto de combustíveis e bares que diversificam seus produtos e serviços, tentando abranger igualmente a diversidade de grupos juvenis e consumidores. Segundo, formam-se agora diferentes núcleos de lazer na cidade, não mais presos à necessidade da proximidade com áreas centrais tradicionais, como centro comercial e corredores terciários, ou seja, a espacialidade do lazer se recontextualiza na cidade como uma força econômica distinta, mas cada vez mais significativa na economia da cidade como um todo. O terceiro vetor é o da diferenciação sociocultural dos grupos na noite. Cujo uso do tempo livre e ócio na noite vem sendo capturado pelos agentes de consumo e indústria do lazer, uma conformação que coloca em causa a autonomia de se viver de fato o tempo livre com projetos espontâneos e criativos por parte dos jovens77. REFERENCIAS CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006. 75 Os dicionários identificam duas formas escritas e fonéticas, uma é "rolé", por exemplo falando no Rio de janeiro e "rôle" usado mais frequentemente em São Paulo. Temos observados em campo que "rolê" tem um sentido socioespacial muito importante, sobretudo, para os jovens da periferia pobre, um sentido de deslocamento para se ter visibilidade, de estar junto, e ainda mais, para exercer suas práticas identitárias. Isso quer dizer que, quando um jovem dos “lowrider” ou seja, carros rebaixados, diz que vai dar um rolê, ele vai sair com seu carro “tunado”, para desfilar entre outros, sobretudo amigos, para que estes admirem seu investimento, como forma de ser reconhecido no movimento e no território, que se define, assim, como um espaço de visibilidade. 76 Muitas destes estudos e discussões já se encontram em andamento através das iniciativas de pesquisadores que fazem parte do GAsPERR (UNESP de Presidente Prudente). 77 Comas (2000) defende que, apesar dos espaços solidários onde os jovens vivem o momento de estar-junto, o que tende a acontecer nos centros urbanos é que isso se torne um projeto não dos jovens, mas dos agentes econômicos adultos, que impõe uma conformação de lazer, e o tempo livre ironicamente torna-se, assim, um tempo controlado. 173 COMAS, D. Agobio y normalidad: una mirada critica sobre el sector "ocio juvenil" en la España actual. Rev. 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Jundiaí, Paco Editorial, 2012. 174 OS CIRCUITOS DA ECONOMIA E AS DESIGUALDADES SOCIAIS EM MOCUBA: UMA ABORDAGEM ESPACIAL E ESCALAR João Carlos Mendes Lima78 RESUMO Um olhar dos espaços urbanos de Moçambique nos remete a uma investigação sobre as razões que podem influenciar as desigualdades nas formas de ocupação de solos urbanos nas cidades moçambicanas e as desigualdades sociais a ela adstritas. Este artigo tem como pressuposto pensar as relações sociais na sua dimensão espacial que influencia as desigualdades espaciais no município de Mocuba, a segunda maior cidade da província da Zambézia. Conclui-se que a ocupação do espaço, em Mocuba, resulta da praxis das comunidades locais na sua interação com a natureza e a experiência histórica por elas vivenciadas até a atualidade, mas que tem forte influência do capital. Além disso, no Município de Mocuba existe um espaço híbrido constituído pelo setor inferior e superior da economia, com as suas desigualdades que neste estudo foram abordadas a diferentes escalas. Palavras-chave: desigualdades espaciais, circuitos da economia, escala. Introdução A urbanização na Zambézia e em Mocuba em particular pode ser analisada considerando vários fatores que interagem no tempo sobre o espaço, em diferentes escalas. Esse fenómeno de expansão urbana, induzido pelo desenvolvimento económico mercantil, produziu e produz uma contínua ocupação das zonas periféricas que avançam rapidamente a margem do processo formal de ordenamento territorial dessas urbes. É desse modo que as tradições, a cultura e as particularidades sociais das comunidades criam círculos de influência na produção do espaço, assim como esses fatores são influenciados pelas condições físico-naturais. Além disso, a independência nacional e a nacionalização dos prédios de rendimento acelerou o processo de urbanização. Por consequência, dificulta desenhar planos efetivos de ordenamento territorial capazes de garantir boa qualidade de vida dos seus citadinos tendo em linha de conta os princípios 78 Prof. Auxiliar da Universidade Pedagógica de Moçambique, Delegação de Quelimane, Doutorando em Geografia 175 da urbanidade em contraposição com os valores culturais das pessoas que a ela vem estabelecer-se. Por outro lado, a desprivatização de imobiliárias inibiu o investimento imobiliário durante décadas, ressurgindo de forma ténue só no início deste século. Foi utilizada a metodologia qualitativa através da análise textual qualitativa e a desconstrução de teorias de autores que abordam matérias relacionadas com a produção do espaço, já que se pretende compreender as complexas inter-relações entre tudo o que existe no objeto de estudo, contribuindo para a geração de conhecimentos e teorias sobre a urbanização em Mocuba. Para o efeito foi utilizado o procedimento metodológico de estudo de caso, através da análise bibliográfica e de documentos. Além disso, foi efetuada a visita de campo, a observação direta, a recolha de imagens por fotografia e a entrevista a sábios. Os entrevistados foram escolhidos de forma intencional para captar histórias e experiências vivenciadas apenas por determinados indivíduos. Um olhar dos espaços urbanos do país nos remete a uma investigação sobre as razões que podem influenciar as formas de ocupação de solos urbanos das cidades moçambicanas. Daí que o artigo parte do pressuposto de que a interação entre o local e o global gera adaptação dos sujeitos às influências de várias ordens e escalas. O fenómeno de expansão urbana, induzido pelo desenvolvimento económico mercantil, produziu e está produzindo uma contínua ocupação das zonas periféricas que avançam rapidamente a margem do processo formal de ordenamento territorial dessas urbes estabelecidos pela postura municipal. Do mesmo modo, o processo de urbanização trouxe novos atores no jogo de relações na cidade, que nem sempre são nacionais, ou seja vieram à cidade migrantes nacionais das zonas rurais e de outras cidades e vilas, bem como estrangeiros de várias nacionalidades, de entre elas malawiana, burundesa, nigeriana e paquistanesa. Como se pode depreender, no processo de urbanização no Município de Mocuba vão surgindo ao longo do tempo novas relações entre os atores, entre atores e espaço, bem como relações a várias escalas. É essa dimensão da sociodiversidade que se pretende captar com este artigo. Constituem questões de partida a reflexão crítica para entender como as influências locais, com os seus ideais se manifestam no espaço? Como a função local influencia nas demais funções e interferem no espaço? De que modo se estruturam seus espaços e se 176 redefinem suas centralidades face às transformações recentes? Qual a dinâmica interna de vida da cidade, considerando o que é específico de Mocuba que não se assemelha a outros espaços em Moçambique? Quais os papéis que desempenha Mocuba, na qualidade de cidade média, perante os novos problemas urbanos e novas perspectivas de desenvolvimento? O artigo contempla três pontos, sendo o primeiro a análise das influências locais que se manifestam no espaço em Mocuba, onde efetuamos uma reflexão em torno dos atores de produção do espaço no recorte temático em análise, na tentativa de demonstrar as suas especificidades. De igual modo analisamos a estruturação dos espaços que redefinem as centralidades face às transformações recentes. O segundo versa sobre a dinâmica interna de vida da cidade para refletir em termos da dimensão cultural no urbano e como se manifesta na estruturação dos espaços considerando o que é específico de Mocuba que não se assemelha a outros espaços em Moçambique numa perspetiva escalar – do local ao global. O terceiro e último aborda as escalas espaciais e a relação tempo e espaço para responder a questão da integração do paradigma da diversidade e inclusão sem descriminar e excluir os vários atores, bem como os papéis que a cidade de Mocuba desempenha, na qualidade de cidade média, perante os novos problemas urbanos e novas perspetivas de desenvolvimento. 1. Influências Locais e Ocupação do Espaço em Mocuba As modernas formas de produção mercantis e de gestão induzidas pelo colonialismo, pelo Estado moçambicano e pelo grande capital, tem gerado uma crescente urbanização da população e do território e por consequência influi na produção do espaço na Zambézia. Esse processo veio acompanhado com a implantação de infra-estruturas, a formatação de um mercado de trabalho e de consumo cada vez mais urbano e a implantação de grandes empreendimentos públicos e privados criando condições para a chegada de novas pessoas de várias origens na cidade. Tal mobilidade da população produziu uma estrutura territorial fundada principalmente na urbanização. Daí que o migrante (‘viente’) se reproduz a partir da produção do espaço urbano para ter acesso a serviços e facilidades da cidade (emprego, consumo, educação, saúde, comunicação, energia e renda), como condição para a sua inserção no circuito inferior da economia urbana (Milton Santos, 2009), mesmo nas localidades rurais. 177 As práticas e as ações dos povos locais e dos ‘vientes’ reproduzem diferentes formas de sociabilidade (sociodiversidade), de trabalho e de organização social, cada vez mais mediadas pelo espaço urbano. Porém, em respostas diferentes (por aceitação/submissão, adaptação ou resistência), e mesmo em oposição ao processo de reprodução das relações sociais de produção, de dominação e de exploração. Surge, como resultado, um espaço híbrido (Baia, 2009) e contraditório que porta diferentes padrões de organização e ordem, porém crescentemente urbanizado. Além disso, a globalização que se impõe como paradigma dominante veio agregar novas espacialidades, com o surgimento da suburbanização - urban Sprawl79 (So e Getrels, 1980 e Hanchett, 2000) que se manifesta com o afastamento dos ricos do centro da cidade, por considerarem mais barulhenta e mais poluída, para as áreas rurais, onde podem desfrutar de mais tranquilidade, sossego e ar mais puro. No entanto, em Moçambique não são só os ricos que aderem a esta nova forma de ocupação do espaço. É precisamente a classe média de empregados (públicos e privados) e de empresários emergentes que procuram áreas nos subúrbios para instalarem as suas quintas e depois as suas residências. Ao mesmo tempo os pobres saem da cidade ‘cimento’80 vendendo os seus apartamentos81 e vão se instalando nas zonas de expansão, situadas na periferia das urbes. Os fluxos populacionais e a geração de empregos daí decorrente contribuem para a produção do espaço urbano no município, pois retro-alimentam as atividades econômicas e ativam os fluxos migratórios do campo e das cidades menores, dinamizando a ocupação e uso de espaço urbano. No entanto para o caso do Município de Mocuba e da Província da Zambézia a produção do espaço tem sido influenciada pela interação de vários atores dos quais se evidenciam o estado (que detém o poder e define a ordem, através da 79 Urban sprawl é o resultado de uma combinação da promoção de construções de vastas super autoestradas fazendo com que o automóvel seja o principal meio de transporte urbano e a criação de um mercado imobiliário (So e Getrels, 1980). Hanchett (2000) acrescenta como factores que favorecem ao urban sprawl as iniciativas indirectas para a suburbanização os subsídios federais para a construção dos sistemas municipais de esgotos, o relaxamento de taxas de mais-valia aos proprietários de imóveis resultantes do ganho de capitais na venda de casas. 80 Araújo (2003) considera ‘cidade cimento’ aquela que era habitada pela população branca, de desenvolvimento vertical, planificada, com infra-estruturas e serviços; em oposição, a ‘cidade de caniço’, negra, suburbana, horizontal, não planificada, de construção espontânea e de material precário (estacas, barro, caniço, etc.), sem infra-estruturas e serviços e que se dispunha à volta da ‘cidade de cimento’, cercando-a. Utilizava-se, e ainda se utiliza, o nome ‘cidade caniço’, devido ao material mais usado na cobertura das casas que é um tipo de palha - o caniço. 81 Conhecido em Moçambique como a ‘venda de chaves’. 178 institucionalização, de leis), o capital (que implementa as estratégias para a sua manutenção e reprodução, através do sistema de plantações), os sujeitos sociais que tem o espaço como condição, meio e produto de ação (Carlos, 2014:61). Da interação destes vários atores, cada qual dando respostas diferentes às imposições da urbanicidade, é que se efetiva a produção do espaço. De fato, a implantação de infra-estruturas, a formatação de um mercado de emprego e de consumo cada vez mais urbano, a implantação de grandes empreendimentos públicos (energia elétrica, Caminhos-deferro, correios, telecomunicações, etc.) e privados (empresas de plantação de algodão, sisal, tabaco, etc. e as respectivas indústrias de processamento), a migração e a mobilidade da população produzem uma estrutura territorial fundada principalmente na urbanização e em rede. Portanto, o ‘viente’ se reproduz a partir da produção do espaço urbano para ter acesso, como foi referido anteriormente, a serviços e facilidades da cidade e a partir da inserção no circuito inferior da economia urbana, para ter acesso a consumo, trabalho, educação, saúde e renda, mesmo nas localidades rurais. A pesquisa tem como ponto de enfoque o Município de Mocuba que a nosso ver possui particularidades geográficas específicas e ímpares, o que motivou a escolha deste recorte temático. De fato, Mocuba (Figura 1), onde todos os caminhos se cruzam e Moçambique se abraça82, possui sua dinâmica interna, mas joga uma considerável influência nos distritos periféricos que giram a sua volta. Mapa 1. Enquadramento Regional da Cidade de Mocuba Fonte: Conselho Municipal de Mocuba, 2005 Além disso é a segunda maior cidade da Zambézia com um peso na economia provincial e nacional, mas também participa na integração regional e global ao exportar 82 Slogan do Município de Mocuba 179 vários produtos. De igual modo está num corredor nacional (Estrada Nacional número 1 - EN1), numa certa equidistância entre o Sul e o Norte. Ademais, Mocuba é uma cidade a beira de dois rios (Licungo e Lugela), de estilo antigo e que se situa num ponto elevado, mas numa encruzilhada. Já foi objeto de um sonho Samoriano83 por ser o lugar que iria induzir a industrialização do País, daí a instalação do Complexo Téxtil de Mocuba. Esteve, por muitos e longos anos, ligado por uma linha férrea com a sua testa no Porto de Quelimane (capital da Província da Zambézia) e teve a sua história. Hoje, a cidade de Mocuba tem uma instituição de ensino médio (Instituto Médio Agrário) e superior (Faculdade de Ciências Agrárias e Silvicultura da Universidade do Zambeze), dois centros de ensino à distância conferindo grau superior (Universidade Pedagógica e Universidade Católica de Moçambique) para formação de professores do ensino secundário. Além disso, recentemente foi declarada zona especial de desenvolvimento, esperando que muito brevemente venha atrair mega projetos. Portanto, a pesquisa procura analisar a dinâmica da produção do espaço na cidade de Mocuba a várias escalas (do local ao global). Para o caso vertente, entender o urbano é necessário considerar a produção do espaço como decorrente da acção de agentes sociais concretos, com papéis não rigidamente definidos, portadores de interesses, contradições e práticas espaciais que ora são próprios a cada um, ora são comuns (Lobato Corrêa, 2012:43). O mesmo que dizer, o espaço é um lugar construído pelos sujeitos durante as relações que estabelecem com a natureza. Por outras palavras com se referiu Ana Fani Carlos (2012:32) o espaço como condição, meio e produto da reprodução da sociedade, definindo-o como processo ou movimento em constituição da própria sociedade […] como relações espaço-temporais. Mais do que isso, o espaço como o conjunto indissociável de objectos e acções (Milton Santos, 2009). Portanto, o espaço encarado não como um substrato inerte (natureza pura), mas mais do que isso, o espaço é tradução da vida social. De fato a espacialidade interfere na vida social dos sujeitos que ocorre num dado espaço, visto que é resultado da relação social e não pode, de modo algum ser considerado como materialidade dinâmica (Ibden, 2009). 83 Provém de Samora Machel, primeiro presidente de Moçambique 180 Deste modo, a transformação pretendida pelas pessoas da imagem futura do território que a comunidade almeja assenta nos padrões de ocupação e uso do espaço desenhado e moldado por longos anos de vivência cultural da comunidade que é transmitida de geração em geração através da tradição oral (Aikenhea e Ogawa, 2007:54) ou na relação prática com a natureza, mas que confronta-se com a situação da urbanicidade que é realizada na base do capital privado. Como se referiu Lobato Corrêa (2012, p.43) a produção do espaço não é resultado da ‘mão invisível do mercado’, nem de um estado hegeliano, visto como entidade supra-orgânica, ou de um capital que emerge das relações sociais. Ainda na perspectiva do memo autor a produção do espaço é consequência da ação de agentes sociais concretos, históricos, dotados de interesses, estratégias e práticas sociais próprias, portadores de contradições e geradoras de conflitos entre eles mesmos e com os segmentos da sociedade. Contudo, os ‘vientes’ se deparam com dificuldades de inserção na urbanicidade, pois trazem consigo a sua forma de ver as coisas, de ocupar o espaço, de pensar e agir. Em suma, a sua cultura, que é diferente daquela que já existe e se instalou em tais cidades, que é oposta ao paradigma dominante de exclusão. De fato, para entender os conflitos entre os saberes não se pode de modo algum aceitar o que Barros (2011:66) se referiu na sua obra sobre a ‘Cidade como Forma Específica de Organização Social e suas Imagens nas Ciências Sociais’ ao afirmar que … na transposição das ideias do evolucionismo natural para o mundo humano, abria-se a possibilidade de se pensar a cidade como uma etapa mais avançada do desenvolvimento humano, ou até a cidade especificamente ocidental como uma forma mais evoluída de urbanismo para a qual deveriam convergir historicamente formas urbanas menos elaboradas. Essa tese mostra a forte carga do preconceito de supremacia do modelo ocidental que procura deslegitimar os outros saberes ou outras formas de produção do espaço que não seja o de cidade especificamente ocidental. Porque aí fica a dúvida - cidade como etapa mais avançada, mas mais avançada em relação a quê? Ou ainda, outras formas urbanas. Será que são mesmo menos elaboradas? Portanto, entender o urbano dessa forma é querer impor aos outros saberes que o urbanismo ocidental deve ser tomado como modelo a ser alcançado por outras civilizações, ou seja tornar o modelo urbano ocidental como universal, mas isso é querer desqualificar os diferentes modelos urbanos de outras sociedades. 181 No entanto, em Mocuba, assim como em muitas outras cidades moçambicanas vemos um dualismo na cidade que, como se referiu Baia (2009, p.9), as imposições ou necessidades de diversa ordem perpassa a cidade inteira misturando características urbanas europeias e elementos de modo de vida africano. Portanto, a produção do espaço urbano é conflituante com as formas das comunidades locais de ocupar e usar o espaço, de construir as suas moradias, de exercer actividades para a sua subsistência, baseada na agricultura familiar e no comércio informal, como mostram as figuras 1 e 2. Figura 1. Bairro no subúrbio de Mocuba Figura 2. Comércio informal em Mocuba Esse modelo é completamente diferente daquele implantado na cidade, que organiza o espaço em parcelas quadriculadas, com limites rígidos de separação entre o espaço e lugar dos outros, com a construção de casas de desenvolvimento vertical, com a produção urbano-industrial, etc. As figuras 3 e 4 mostram a forma como a parte central da cidade de Mocuba se estrutura, com ruas amplas e asfaltadas, as casas protegidas por muros de vedação. 182 Figura 3. Residência unifamiliar com vedação Figura 4. Av. Principal de Mocuba muros de vedação De fato, a expansão mercantil desarticulou os modos de vida e de produção das comunidades nos espaços onde foi implantado, o que criou a desterritorialização (Haesbaert, 1994:214) dos povos indígenas, que viam-se obrigados a abandonar os seus territórios para novos espaços. Assim, nos dizeres de Lobato Corrêa (1987 e 1989, op.cit. Souza, 2009:2-3) a consolidação da economia de mercado e o aumento da complexidade da divisão do trabalho contribuíram para produzir maior diferenciação espacial. Diferenciação essa que se revela pela especialização da cidade na produção industrial e o rural na produção agro-pecuária. De igual modo o centro da cidade é planificada a sua construção e o subúrbio emerge do espontâneo e do informal. Daí que os sujeitos para se urbanizarem têm que enveredar pela ruptura com o seu modo de vida tradicional de subsistência (desterritorialização) para o moderno-mercantil, submetendose ou adaptando-se e/ou aceitando esse modelo imposto. Entretanto, os ‘vientes’ (rurais e de outras cidades menores) também procuram reconstruir, como forma de valorização identitária, a identidade territorial das suas zonas de origem, a reterritorialização (Haesbaaert e Mondardo, 2010:35) diferentemente daquela que encontraram nas cidades para onde migraram. Ao mesmo tempo os ‘vientes’ trazem suas territorialidades imbuídas de aspectos culturais, valores e afinidades - microterritorialidades (Fortuna, 2012:202) que também querem afirmá-las na cidade. 183 A realidade encontrada no município de Mocuba permite dizer que existe um confronto da territorialidade afirmada entre os valores difundidos pela modernidade com a resistência das tradições dos povos locais, fazendo com que muitos ‘vientes’ não se adaptem a urbanicidade. Quando a isso juntarmos a influência de outros povos, estrangeiros, com os seus vivenciares, espera-se que cada um desses grupos encontre a resposta que melhor achar à sociodiversidade do urbano. Assim, a interação desses diferentes atores cria espacialidades que são específicas considerando as formas diferenciadas de produção do espaço. Assim como geram desigualdades marcantes desses lugares, revelando a espacialidade das precariedades dos seus moradores. A geografia dessa multiplicidade de sujeitos produz articulações em redes, de diferentes escalas, principalmente no conflito pelo parcelamento das terras tradicionais trazidas pelo planeamento territorial do município, o que promove, do outro lado, uma ação de oposição. Esta oposição, provavelmente seja devido ao fato de que a maioria de ‘donos de terras’ mobiliza-se num contra-ataque para conter essas territorialidades alternativas e de resistência que parecem brotar formando uma rede de lugares. Assim, para entender esse conflito territorial, analisámos como transterritorialidades entendido como atravessamento e imbricação territorial - não como um simples passar por, mas um estar-entre, que manifesta-se como uma relação de ‘fronteira’, nos encruzamentos e nas sobreposições de relações sócio-espaciais (Haesbaaert e Mondardo, 2010:35). De fato, a relação de fronteira surge no decurso dos ‘donos de terras’, no seu circuito de poder vinculado ao complexo processo de urbanização, confrontarem-se com o movimento de resistência dos povos locais e de outros autores, olhando para a dimensão cultural. Pois isso envolve não apenas o transito ou a passagem de uma territorialidade a outra, mas sim a transformação efetiva dessa alternância em uma situação nova, muito mais híbrida (ibden, p.36). Contudo, no município de Mocuba, os povos locais não aderem, por exemplo, a forma quadricular e construção vertical da habitação, assim como contestam o tamanho das parcelas urbanas loteadas. De fato, um olhar sobre a cidade de Mocuba é visível um ‘espaço dividido’ (Milton Santos, 2009:96), onde, de um lado está o circuito inferior da economia urbana essencialmente constituído por formas de fabricação de ‘capital não intensivo’, por serviços não modernos, geralmente abastecidos pelo nível de venda e varejo e pelo comércio em pequena escala e ‘não moderno’ (Ibden, 2009:97). Neste fluxo de circuito inferior são visíveis as precariedades da cidade mostrando como os 184 povos locais e os ‘vientes’ impõem sua ordem no espaço, por exemplo ao montarem os seus negócios nos passeios da cidade84 ou em barracas em fronte das residências. Do mesmo modo os estrangeiros, principalmente nigerianos e burundeses colocam contentores na berma do passeio para servir de loja onde vendem peças de veículos e outros produtos, muitos deles de origem e qualidade duvidosa. Contrariamente, encontramos o outro lado, o do circuito superior da economia urbana, o circuito do capitalismo internacional, que é caracterizado pelo dinamismo do grande capital, constituído por negócios bancários, comércio de exportação e indústrias de exportação, indústria moderna urbana, comércio moderno, serviços modernos, comércio atacadista e transporte (M. Santos, 2012:97). Daí que esta pesquisa procura captar a espacialidade dessas desigualdades, como mostra as figuras 5 ( Circuito Inferior da Economia) e figura 6 (Circuito Superior da Economia), assim como a geograficidade de redes de articulação. Figura 5. Mercado informal no subúrbio Figura 6. Posto de Abastecimento de Combustível Na decorrência da modernização contemporânea, nos países em desenvolvimento, como Moçambique, surgem dois sistemas de fluxos de satisfação das necessidades: dos que 84 Conhecidos como boutique inclina 185 têm acesso permanente de bens e serviços e dos que não podem se satisfazer delas. Deste modo o sistema de fluxos afasta a maioria dos sujeitos para o circuito inferior da economia, na medida em que a indústria é cada vez menos uma resposta à necessidade de geração de emprego (ibden, ibden:95). Pior do que isso, em Moçambique onde a indústria era e é incipiente, baseada no processamento primário para a produção de matéria-prima. Daí que muitos dos sujeitos encontram no comércio informal o lugar para obter renda para a sua subsistência. Alternativamente, uma parte considerável da população emprega-se em setores com salários baixos e dependendo de trabalho ocasional ou sazonal, em contraposição, muito poucos integram-se em empregos com salários altos, por falta de qualificação técnica. Neste contexto, analisamos o tipo de demanda trazidos pelo setor informal na economia da cidade não como desvio em relação ao padrão, mas sim como resposta que as comunidades locais dão, ou até como uma forma específica e local de produção do espaço. Consideramos assim, porque o setor informal surge como trabalho barato e ao mesmo tempo como atividade que fornece produtos a preços mais baixos que as famílias de baixa renda podem pagar. Portanto, evidenciamos que a dinâmica interna da cidade é tratada como um ciclo, como interatividade da vida urbana, como espaço em rede. Assim procuramos mostrar a relação que se estabelece entre os dois circuitos da economia urbana como um processo de complementaridade, de concorrência e de subordinação de um sobre o outro, evidenciando as suas precariedades. Analisamos dessa forma pelo fato das pessoas que vendem na rua ou em feiras, por exemplo, alguns exercerem essa atividade não por conta própria, mas como empregados indiretos do setor formal, uma estratégia de fuga ao fisco. De igual modo existem os informais que trazem produtos, muita das vezes do Malawi ou de outros países, contra todos os riscos, no intuito de contornar a fiscalização aduaneira, que depois são vendidos, quer aos formais, quer aos informais. Assim, o estudo pretende demonstrar que o informal não é apenas uma adição à economia formal, nem uma adição de corpos estranhos, mas sim uma dinâmica interna da geograficidade da cidade de Mocuba. Em suma, o estudo pretende introduzir uma reflexão sobre as conexões de espaços relativamente marginais que não tem sido prestada muita atenção, o que no nosso entender constitui acréscimo à Geografia Urbana. 186 Portanto, a pesquisa mostra a geograficidade desses processos de vida na Cidade de Mocuba. Deste modo, um devir de novas territorialidades ocorre, assim, na cidade de Mocuba, olhando para o tipo de construções de habitação e lojas, das vias de acesso, da culinária, da edumentária, de danças e de ensinamentos da vida inclusiva e formas de solidariedade desses todos atores, que reinventam suas identidades territoriais em intercâmbios político-culturais bastante fecundos. A contribuição teórica da pesquisa reside no fato de procurar demonstrar a geograficidade do caráter interativo entre as várias formalidades (ordens, saberes) que interferem na produção do espaço urbano na cidade de Mocuba, nomeadamente as ditadas pela expansão mercantil e a das comunidades locais, com as respectivas desigualdades espaciais. 2. Dimensão Cultural no Urbano e Estruturação dos Espaços Existem evidências bastante para considerar a relação estreita entre a cultura e o urbano. Aportes sobre essa matéria foi devidamente referida por vários estudiosos de entre os quais se pode citar Meining (1979), Berdoulay (1982) Cosgrove (1984, 2000 e 2003), Amarildo, Rosnick e Wolff (1988), Jackson (1989), Geertz (1989 e 2004), Ducan (1990), Oliver (1996), Ley (1996), Williams (1997), Wheeler (1998 e 2002), Oliveira (2000), Guaraschi (2000), Lobato Corrêa (2003), entre outros. Consideramos pertinente a abordagem de Lobato Corrêa (2014:175), quando se refere ao fato de que a cidade, a rede urbana e o processo de urbanização se constituem em expressões e condições culturais. Tanto é assim que quando olhamos para a cidade de Mocuba, uma cidade média do interior de Moçambique notamos as diferenças que apresenta em relação a mesma cidade no período colonial e na atualidade. Hoje vivem nela, tanto no centro como na periferia, sujeitos de várias origens (oriundos do rural, de pequenas cidades, do estrangeiro, ricos e pobres, funcionários públicos e privados, dirigentes e dirigidos). Contrariamente, no período colonial a centralidade era marcada pela posição social e de poder que os indivíduos ostentavam. Tanto era assim que no centro da cidade ou ‘cidade cimento’ (Araújo, 2003) viviam os representantes do poder, os indivíduos de maior posse, a população branca e os demais habitavam o subúrbio. Vários outros exemplos podem ser apresentados, mas para os propósitos deste estudo vamo-nos cingir a alguns que nos parecem ser os mais elucidativos, os quais se referem a relação entre a cultura e urbanismo considerando a influência da esfera política e esfera econômica. De fato, na cidade de Mocuba, como se referiu Lobato Corrêa 187 (2015:2) a cultura manifesta-se tanto na esfera da política como do econômico em sua dimensão espacial. As relações entre cultura, política e economia podem ser vistas por meio de formas simbólicas, representações materiais ou não, criadas com base nas conexões entre significados e as diversas formas de linguagem (Ibden, 2015:3, op.cit Hall, 1997). Do mesmo modo, os significados contidos nas formas simbólicas fornecem sentido às diferentes esferas da vida (Ibden, op.cit. Cassirer, 2001/1923). Quando nos refirimos as formas simbólicas para um trabalho de Geografia estamos dizendo que elas só se tornam formas simbólicas espaciais quando estiverem ligadas ao espaço, criando influência neste e se for influenciado por esse espaço. Olhando para os lugares da cidade de Mocuba é evidente visualizar localizações e mobilidade, que ora são fixas (monumentos, memoriais), ou móveis, como as procissões, as paradas militares, as marchas de protesto (Corrêa, 2011, 2012). Para o caso de localizações fixas encontramos a Estação dos Caminhos-de-Ferro (CFM), a Igreja Nossa Senhora de Livramento, a Escola Serpa Pinto, hoje Escola Primária Completa Eduardo Mondlane, o Colégio Amor de Deus, hoje Escola Secundária, a Mesquita Central, entre outras. Porquanto as localizações e mobilidades móveis, podem ser marchas de repúdio, de apoio a qualquer acontecimento ou decisão tomada pelo poder ou até gincanas de carros (drifts), desfile de carnaval, entre outras. Neste caso, elas passam pela estrada principal que divide a cidade e terminam na Igreja Nossa Senhora de Livramento ou na rotunda em fronte do Edifício do Governo Distrital, lugares de densidade simbólica, que ora são retóricos ora são vernaculares (Boyer, 1994:321). No entanto a esfera econômica joga a sua influência na produção do espaço, na medida em que hoje Mocuba joga um papel de destaque no fluxo de transporte e o seu peso na economia da província da Zambézia do que a cidade de Quelimane, capital Provincial. Até aos finais do século XX o transporte marítimo e o respetivo porto possuía maior peso no setor de transportes, mas que está perdendo lugar já que está cedendo ao transporte rodoviário, no decurso da desativação da linha férrea. Dados obtidos junto da Direção Provincial dos Transportes e Comunicações da Zambézia (DPTCZ) indicam que até meados da última década do século XX os navios que escalaram o porto de Quelimane manusearam pouco mais de 16 mil ton*porto de carga diversa, contra 16.4 milhões de ton*km de carga manuseada pelo transporte rodoviário. Já na virada do século o porto manuseou 141.5 mil ton*porto, contra 45.8 milhões de ton*km do 188 transporte rodoviário. Enquanto em 2014 o porto manuseou 203 mil ton*km, contra 18 milhões de ton*km de carga manuseada pelo transporte rodoviário. Portanto, passados pouco mais de três décadas a situação de carga manuseada favorece ao transporte rodoviário que supera em grande medida o manuseamento de carga portuária. Este fato pode ser visto como uma anomalia ao sistema econômico, mas deriva do papel estratégico e posição regional que Mocuba joga. Do mesmo modo, em Mocuba identifica-se a sua língua, que no dizer de Lobato Corrêa (2007:14), é o mais importante meio para expressar a identidade, uma vez que por meio dela são criados conceitos e significados, estabelecendo-se diferenças entre distintos grupos (Gade, 2003). Do mesmo modo, a língua expressa a cultura de um povo, expressa a forma de ser e estar, de lidar com as coisas, de ordenar essas coisas no espaço, de erguer as suas construções, ou seja é a marca e matriz identitária. Por outras palavras como se referiu Lobato Corrêa (2007:15) a língua exibe uma espacialidade manifesta nos territórios linguísticos, seja por meio da fala e da grafia, seja por meio da toponímia, ou seja, nome de montanhas, rios, países, cidades, bairros e ruas. A espacialidade manifesta nos territórios por meio de toponímia que adquire um explícito sentido político quando esse território é objeto de disputa entre grupos, quando é conquistado ou quando submetido a profundas transformações políticas. Como exemplo, podemos citar o monte Iero (lugar de peregrinação85), a praia Costa de Sol no rio Licungo, Bairro Samora Machel (em homenagem ao primeiro Presidente de Moçambique independente), Bairro Tomba d’água (onde se localiza o depósito elevado que fornece água a cidade), Igreja Nossa Senhora de Livramento (padroeira da cidade), Pensão Cruzeiro (local de hospedagem de pessoas que vinham das vilas de Lugela, Namarrói, Errego, Gurué, Milange e Maganja da Costa ou de outras cidades de Norte, Centro e Sul de Moçambique, que passavam por Mocuba). Alguns desses nomes (bairro Samora Machel, Josina Machel, 25 de Setembro e 3 de Fevereiro) são resultado de mudanças na natureza política do país que gerou políticas de resignificação das formas simbólicas espaciais até então existentes. Nestes casos a toponímia pode ser vista como articulação entre língua, poder territorial e identidade (Lobato Corrêa, 2014 op.cit. Azaryahu e Golan, 2001), que se impôs sobre a identidade dos povos locais. Porque no dizer de Geertz (1989, citado por Lobato Corrêa, 2007)) a toponímia é caracterizada, em muitos casos, como parte de política cultural ou, de política de significados, que para o 85 Conta-se que no local teria aparecido a Nossa Senhora 189 caso em apreço não considerou a identidade cultural do indígena, dos povos locais e muito menos dos residentes desses locais. Para mais aporte sobre a temática da toponímia, veja as proposições críticas elaboradas por Geertz (1989), Gade (2003), Corrêa (2004 e 2015) Rose-Redwood, Alderman e Azaryahu (2010). Para melhor entender a língua da cidade é necessário decifrar o seu texto (Barros, 2011) onde o seu leitor privilegiado é o habitante (ou o visitante) que caminha nela. Esse sujeito percorre a cidade quer seja nas suas atividades cotidianas para o caso do habitante já estabelecido, seja nas atividades excecionais, para o caso dos turistas e também do habitante que se desloca para um espaço que lhe é pouco habitual no interior de sua própria cidade. Além disso, quando caminha, se prestar atenção, vai assimilando a paisagem urbana e pode sintonizar com um gesto de decifrar a cidade, como um leitor que decifra um texto ou um livro. Esse fato é claramente descrito por Roland Barthes (2001:224) quando afirmou que a cidade é um discurso, e esse discurso é verdadeiramente uma linguagem: a cidade fala a seus habitantes, fala a seus visitantes, da mesma forma que um leitor percebe a fala de um texto, de um livro. E mais, como os sociólogos analisam a dinâmica interna de uma cidade ao afirmarem que ela … fala eloquentemente dos critérios de segregação presentes em sua sociedade por meio dos múltiplos compartimentos em que se divide, dos seus acessos e interditos, da materialização do preconceito e da hierarquia social em espaço. Sua paisagem fala de sua tecnologia, de sua produção material; seus monumentos e seus pontos simbólicos falam da vida mental dos que nela habitam e daqueles que a visitam; seus caminhos e seu trânsito falam das mais diversas atividades que no seu interior se produzem; seus mendigos falam da distribuição de sua riqueza ao estender a mão em busca de esmolas. Cada um desses índices remete às letras de um alfabeto que pode ser pacientemente decifrado pelos sociólogos, pelos historiadores, pelos urbanistas. A cidade, sem dúvida, pode ser ‘lida’ (Ibden). Contudo, para os geógrafos a cidade possui várias metáforas com sua própria espacialidade, uma vez que essas inscrições ocorrem em vários lugares e cada um com a sua especificidade que a diferencia da de outros lugares. Daí que cabe ao geógrafo interpretar e representar a espacialidade desses vivenciares. Portanto, para os saberes locais há fatos e evidências que a diferenciam do saber ocidental, dito moderno e científico. De entre muitos outros exemplos que podem ser referenciados pode se citar o das relações pessoais informais nas comunidades que se estabelecem entre os vizinhos e colegas de trabalho (no mercado ou barraca). Essas 190 relações acabam se constituindo como blocos de coesão das mais elaboradas ordens sociais e enriquece a vida diária dos membros de uma comunidade (Ikeda, 2004 op.cit. Murray, 1988). O caso mais elucidativo é o que Jacobson (1961:35) designou de ‘olhos na cidade’ como a tomada de atenção dos habitantes sobre o que está a acontecer na comunidade, ou o que sucede no bairro onde vizinhos, a partir das suas janelas, dão uma mirada para controlar as crianças dos outros. Tem sido comum os vizinhos acompanhar as crianças a bricar ou a jogar, para que nada de mal lhes aconteça. O mesmo se pode dizer sobre o ‘conhecimento local’ que consiste em conhecer como ter as coisas feitas e como reforçar a segurança em espaços públicos. Isto reforça a expetativa de segurança entre os vizinhos, porque os moradores esperam que qualquer vizinho ou mesmo uma pessoa estranha, possa ajudar a preservar as normas de convivência da comunidade. Para que se estabeleçam as relações pessoais informais nas comunidades as construções das moradias ficam próximas umas das outras, como forma de facilitar a mirada dos vizinhos ou mesmo de convivência. Um outro exemplo é o que mostra a relação entre cultura e esfera econômica da vida de Mocuba com o vulgo ‘chitiqui’86, uma forma de economia puramente rural. O ‘chitiqui’ está se generalizando nas zonas urbanas como forma de micro-crédito e poupança, onde é usado para financiar a construção de habitação das pessoas de baixa renda ou para iniciar atividades econômicas, comércio, etc. Estes fatos diferem, em forma e conteúdo, com o que acontece na cidade ‘moderna’ hoje que se desenvolve em malha quadriculada, com ruas e avenidas largas para permitir a circulação de automóveis. Do mesmo modo vão surgindo a partir de 1990, bens e serviços simbólicos, nos entretenimentos, na alimentação, na educação e nos objetos domésticos, os quais adquirem novos significados (Lobato Corrêa 2015:9). De fato na virada do século passado, vieram convergir na cidade moderna ‘shopping centers’, parques e lojas temáticas, ‘griffes’ de roupas, móveis e objectos de adorno (Scott, 2001). Aí convergem igualmente poderosas corporações resultantes da globalização como a Sony, Disney, McDonald, Pizza Hut, Burger King e KFC. No caso da cidade de Mocuba essa influência ainda é incipiente, mas espera-se que muito rapidamente venha convergir quando estiverem sendo instalados os mega-projetos no âmbito da Zona Económica Especial. Contudo, é visível o surgimento de instituições 86 ‘chitiqui é uma forma de agiotagem onde as pessoas de baixa renda fazem contribuição (mensal ou semanal) em grupo de certo valor monetário, valor esse que é repassado mensalmente a cada membro. 191 financeiras tais como Millenium Bim, Banco Comercial e de Investimento (BCI) com capitais portugueses, o Barckley Bank, Standard Bank, com capitais britânicos, assim como seguradoras (ÍNDICO, IMPAR), as gasolineiras ENGE e TOTAL. Estão ainda sendo instalados supermercados para a venda de produtos alimentares e de uso corrente tais como Casa de Frutas (de um sul-africano de origem portuguesa), Number One (de capitais chineses), de Fast Food (de cidadãos somalis e burundeses) que surgem em quase todas as grandes paragens de transporte rodoviário. Algumas lojas representam marcas de corporações tais como a SAMSUNG, BAYER, SONY, HP, SUPER GENERAL, SHITIANG, entre outras. Paralelamente estão sendo erguidos condomínios ou loteamentos fechados, e que por alegadas razões de segurança instalam dispositivos de segurança, constituídos por guardas armados, alguns já com câmaras de vigia. Esses loteamentos por serem fechados marcam nitidamente os dois circuitos de economia e suas desigualdades. Por outras palavras separa o circuito da riqueza, dos que têm acesso permanente a serviços e bens, do bem-estar social e do outro lado o circuito da pobreza, do informal, daqueles que não pode se satisfazer das suas necessidades, da busca constante do bem-estar. Um olhar cruzado destes dois cenários se constata que quando alguém sai das zonas rurais as casas quase que não têm porta, quando muito apenas é colocado algo que veda os lugares íntimos. Quando se avança para o subúrbio elas já dispõem de porta, mas quando vamos para a periferia das cidades, aí tanto as portas assim como as janelas possuem grades metálicas. Porquanto no centro da cidade as casas são guarnecidas por forças de segurança, com câmaras, algumas das quais conectadas a sistemas de controlo central. 3. Escalas Espaciais, Tempo e Espaço Para os propósitos deste artigo, consideramos cinco níveis de escalas espaciais que influenciam a ocupação do espaço. O primeiro tem a ver com a escala local, como resultado da interacção entre a sociedade e a natureza, o qual distinguem-se dois subníveis: os elementos naturais e os elementos sócio-culturais. Para o caso do Município de Mocuba muitos factores naturais contribuíram para o processo de urbanização. A morfologia do terreno favoreceu a instalação da urbe num planalto, próximo da confluência de dois rios (Licungo e Lugela), com solos férteis, 192 clima tropical húmido e presença de uma rica biodiversidade, etc. Daí que a interação desses fatores favoreceram o processo de urbanização e cria suas influências. Por exemplo os fatores naturais (rio, planalto, floresta, etc.) podem constituir oportunidades para o desenvolvimento económico e social (continuidade), mas também podem ser um obstáculo a esse desenvolvimento (descontinuidade). Por outras palavras, um rio (rio Licungo) criou descontinuidade para o crescimento da cidade de Mocuba, mas a construção da ponte veio superar essa limitação, pois abriu espaço para a continuidade da área urbana. No entanto, as fortes chuvas registadas no início deste ano, fez com que a fúria das águas do Licungo inundasse as duas margens tendo destruído infra-estruturas sociais, várias centenas de hetares de machambas da população e desalojou várias centenas de pessoas das suas casas. Este rompimento criou descontinuidade não só para as duas margens do rio, mas afetou o tráfego rodoviário nacional interrompendo a ligação do Centro ao Norte do país. A interrupção verificada levou mais de um mês para a sua reposição, fato que obrigou a mobilizar cinco embarcações para baldear as pessoas e bens de uma margem a outra. Outro exemplo a considerar é o rio Lugela, outra discontinuidade, pois dificultou o estabelecimento de relações com o distrito do mesmo nome e mesmo com o de Namarrói, para colocar os seus produtos agrícolas no porto seco de Mocuba e deste ao mercado provincial, quando a ponte desabou em 2000. De igual modo a sociedade possui sua cultura, a cultura local, resultado da dinâmica interna da própria sociedade que foi acumulando seus conhecimentos ao longo das gerações. Essa cultura local pode constituir descontinuidade ao desenvolvimento da própria cidade, como também serve de alavanca (continuidade) para o desenvolvimento. A questão é até que ponto a cultura local, cultura de um povo, pode constituir barreira ou pode ser força motriz do desenvolvimento? A cultura pode criar descontinuidade ao desenvolvimento quando os sujeitos sociais resistem as ordens que lhes são estranhas ou mesmo com as formas de planeamento urbano impostas pelo Estado (Município) e pelo capital, por considerar ‘estranhas’ a sua forma de ocupar o espaço. Do mesmo modo a cultura dos sujeitos pode facilitar o desenvolvimento ao aplicarem a sua capacidade e conhecimento local para incorporá-los nos sistemas de produção, da economia em prol do bem-estar das pessoas. O segundo, corresponde ao nível provincial, uma vez que a Cidade de Mocuba constitui um porto seco, que recebe produtos tanto de Mocuba, como dos distritos 193 vizinhos, aqueles sob sua influência territorial e os coloca na economia provincial. Esses produtos são transportados para o porto de Quelimane, antes por via-férrea e atualmente por via terrestre (devido a desativação da linha férrea) e são depois encaminhados para as diversas partes de Moçambique. Do mesmo modo, os produtos agrários, principalmente os cereais (milho), algodão e tabaco são comercializados em Nampula. Aqui já estamos na escala nacional. No entanto, de Mocuba saem muitos produtos para outros países, visto que da cidade de Mocuba são transportadas muitas quantidades de milho para o Malawi, no contexto da integração regional. Contudo, há que considerar o caráter relativo da proximidade, visto que Mocuba interage com povos oriundos de países longínquos. Isto comprova a influência externa sobre o espaço de Mocuba, já que, apesar da interação com pessoas oriundas de países mais próximos como Malawi, Zâmbia e Tanzânia, as evidências permitem verificar que o local atrai agentes econômicos e cidadãos de países e regiões mais distantes, tais como Burundi, Somália, Nigéria. O quinto nível/escala é o global, da globalização, que é a mais difusa e complexa, uma vez que atua sobre as outras, quer de forma direta, como indireta, visto que sai fundamentalmente madeira e algodão para os países asiáticos. De fato, no âmbito global vemos paquistaneses, envolvidos na comercialização da castanha-de-cajú, gergelim e feijão bóer. Mas também frequentam o local Chineses e outros cidadãos de países do extremo oriente para a comercialização, principalmente da madeira. Assim todos esses fatores interagem entre si para criar a sociodiversidade na urbanização em Mocuba, mas também essa sociodiversidade possui manifestações específicas que é necessário desvendar para teorizar a sua espacialidade. Há espaços onde predominam fatores locais, mas há espaços que revelam mais as funções nacionais trazidas pela independência, com a política de unidade nacional. Há outros espaços que mostram evidências da função regional e outros ainda como reflexo da globalização, que possuem seus agentes, tanto locais, provinciais, nacionais e até regionais. Todas essas funções acabam funcionando em rede e fluxos complexos de relações. Qualquer influência no espaço ocorre num determinado tempo. É sabido que o local é secular, é resultado da acumulação de conhecimentos e experiência de vida das comunidades locais, experiência essa que é transmitida de geração em geração pela 194 tradição oral (Hissa, 2007:7). O lugar tem comportamentos básicos e típicos que são ímpares em determinados espaços e não em outros. Considerando que o povo local do corte temático em análise se situa na área de sociedade matrilinear, são os homens que vão fixar residência no espaço da família da mulher. Assim, o espaço é da pertença da mulher, é ela que detém o poderio econômico, mesmo que tal poder seja exercido por um homem, esse homem não é o marido, mas sim o tio. Então a ocupação do espaço é influenciado pela cultura instituída na comunidade. No entanto, com a expansão da produção mercantil, a influência da cultura foi enfraquecida, passando a pesar ou mesmo a determinar as formas ditadas pelo capital, pela mercadorização do espaço. Desse modo ocorreu a desterritorialização dos povos locais. É por isso que se formou, de um lado a zona urbanizada87, onde se encontram as melhores infra-estruturas e os serviços, que era habitada pelos detentores de poder (o estado) e os ‘novos proprietários de terras’, resultante de um movimento intenso de expropriação. Do outro instalou-se o subúrbio que rodeia a primeira, onde vivem os servidores do capital, os destituídos de infra-estruturas e serviços. É aqui onde moram os legítimos ‘donos de terras’, mas também onde é visível as precariedades. A independência Nacional (25 de em Junho de 1975) começou a criar influência no espaço. Houve saída dos colonos e as suas casas, incluindo as de aluguer, foram nacionalizadas88, passando a ser habitadas pelos moçambicanos que viviam antes no subúrbio. Deste modo criou novas territorialidades no espaço. Foi a independência que veio trazer de volta os sujeitos empurrados para a periferia, fato que produz a reterritorialização, mas ao mesmo tempo criou novos conflitos, pois que o sistema socialista introduzido não permitiu a retomada das terras expropriadas. Assim essa nova ordem, do poder de Estado que determina que a terra é propriedade do Estado, veio criar novas espacialidades, mas ao mesmo tempo novos conflitos (conflitos entre os ‘donos de terras’, que julgavam reaver as terras expropriadas pelo capital, e o Estado que define a terra como propriedade do Estado). Do mesmo modo, procurou eliminar a propriedade privada, o que impossibilitou investimentos privados na imobiliária. Sendo assim, assistiu-se a uma estagnação total do parque imobiliário, visto que as únicas construções realizadas foram efetivadas por empresas estatais, caso é o Complexo Têxtil de Mocuba. 87 A zona urbanizada inclui os bairros Central, 25 de Setembro, 3 de Fevereiro, parte dos bairros Sacras, Tomba d’água, CFM e Marmanelo. 88 Passaram a ser propriedade estatal ou colectiva 195 Esta empresa para além da fábrica e escritórios construiu um bairro constituído por cem casas para técnicos e operários. Pouco menos de duas décadas de independência, agudizou-se o conflito entre a propriedade coletiva dos meios de produção com a propriedade privada que culminou com a guerra dos dezasseis anos. Os efeitos dessa guerra teve mais influência nos bairros Samora Machel, Macuvine, Aeroporto e Muanaco, quer por ser a zona que foi sendo afetada, como foi também a zona de recepção de novos migrantes que chegavam a cidade de Mocuba. Este processo veio agravar a situação da ocupação do espaço, já que trouxe nova desteritorialização das comunidades que sofriam diretamente os efeitos da guerra, assim como trouxe novos atores de produção do espaço. Criou também a ruralização da cidade (Araújo, 2002 e Bahia, 2004) fenómeno que veio evoluindo até alcançar a privatização de espaços públicos. Assim, a cidade coabita com várias ordens de produção do espaço urbano: a ordem das comunidades locais, a ordem do Estado/Município e ordem do capital. A municipalização, que ocorreu em 2008 está influenciando a ocupação do espaço na medida em que quer impor a nova ordem instituindo, a requalificação urbana dos subúrbios, através do parcelamento do solo urbano. Está criando uma nova destrerritorialização, na medida em que vai empurrando os sujeitos de menor posse para as zonas de expansão que não possuem as condições que haviam na cidade, mesmo no subúrbio. Além disso, começam a surgir novos problemas na cidade, uma vez que vão sendo cada vez mais visíveis as desigualdades, não só entre os sujeitos, mas também entre os vários lugares na cidade, portanto vão surgindo novas espacialidades, algumas das quais evidenciam precariedades acentuadas ou mesmo constituem focos de violência e criminalidade. Portanto, esta forma de ocupação do espaço procurou responder a questão da integração do paradigma da diversidade e inclusão sem descriminar e excluir os vários atores, bem como os papéis que a cidade de Mocuba desempenha, na qualidade de cidade média, perante os novos problemas urbanos e novas perspetivas de desenvolvimento Considerações Finais 196 Como se pode depreender a urbanização em Mocuba resulta do dinâmica de relações que foram surgindo na interação sociedade e natureza, que fez emergir novas relações, relações entre os vários atores ou sujeitos, entre os atores com o espaço e relações a várias escalas. Os atores de produção do espaço em Mocuba são o Estado, que impõe o poder, através da imposição de leis; o capital privado, que sob as várias formas vai se afirmando como proprietária dos meios de produção, incluindo a terra, obtida sob forma de expropriação, em colaboração com o Estado, mas que foi combatida nos primeiros anos da independência; e os sujeitos sociais que foram expropriadas as suas terras, sujeitos a exploração da sua força braçal (desterritorialização) e enfrentaram processos de urbanização. Contudo, os sujeitos sociais respondem de várias formas a essas imposições, mas crescentemente urbanizados. Para tal, tiveram que romper com o seu modo de vida, a sua cultura, para enfrentarem a urbanicidade e se comportar como estipulado pela ordem instituída. A urbanização em Mocuba pode ser analisada em diferentes escalas, desde a local, prestando atenção aos fatores que a influenciaram (natureza e cultura), a escala nacional, como Mocuba participa na dinâmica nacional; a escala regional, olhando para a participação de Mocuba na integração regional da África Austral; e a escala global, prestando a atenção na participação de Mocuba na aldeia global, centrando-se nos aspetos de fluxos e rede do capital internacional. De igual modo a reflexão da urbanização foi abordada na vertente tempo, a passagem histórica partindo do período anterior a expansão mercantil, no período de dominação colonial, período da independência e atualmente com a municipalização. 197 Bibliografia ARAUJO, Manuel, G. Geografia dos Povoamentos: Assentamentos Humanos Rurais e Urbanos, Maputo, UEM, 1997. ________, Ruralidades-Urbanidades em Moçambique: Conceitos ou Preconceitos? 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Desta forma, o objetivo do presente trabalho é o de compreender os reflexos de tais interações na cidade média de Resende, localizada no Médio Vale do Paraíba no Estado do Rio de Janeiro, a partir do processo espacial da descentralização urbana e de sua implicação na relação dialética entre centro e centralidade. Palavras-chave: Reestruturação produtiva, Reestruturação urbana, Cidades médias. 1. Introdução Responsável pela redefinição do espaço da cidade, o processo de reestruturação urbana tem feito parte de sua história há várias eras, assumindo em cada uma delas um caráter próprio, mas não totalmente desvencilhado do das demais. Nesta perspectiva, a dinâmica de reestruturação urbana está ligada a atuação de inúmeros processos que redefinem a organização convencional da cidade, promovendo em seus espaços a coincidência entre os novos elementos de sua composição e os resíduos de uma estrutura anterior; em outras palavras, a combinação entre mudança e continuidade. Já a partir de seu caráter histórico, a reestruturação urbana e, por assim dizer, a reestruturação da cidade, pode ser compreendida como tendo sido fortemente impulsionada a partir da difusão de uma nova lógica no âmbito produtivo, ascendida ainda na década de 70, inspirada pelo novo modelo Pós-Fordista de produção. Atendida 89 Graduanda em Licenciatura em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista no Laboratório de Geografia Urbana, vinculada ao Grupo de Reestruturação Urbana e Centralidade (GRUCE) e no Projeto de Pesquisa intitulado Reestruturação Urbana no Estado do Rio de Janeiro: Governança e desenvolvimento Territorial no Médio Vale do Paraíba. Trabalho orientado pelo Professor Doutor William Ribeiro da Silva. 201 pelo termo de reestruturação produtiva, este processo concebeu uma nova forma de organização do espaço produtivo em escala mundial, repercutindo no palco das cidades os efeitos de seus ditames. A partir de então, portanto, é que ambos os processos, de reestruturação urbana e produtiva, passam a se articular, redefinindo de modo marcante o espaço das cidades a que se sujeitam. Nesta direção, segundo o novo arranjo espacial da produção, que as cidades médias irão se inserir a medida que atendam aos novos requisitos condicionados pelo modelo flexível de produção vigente. Por conta disso, estes espaços tenderão a passar por redefinições em seus processos e formas espaciais, o que repercutirá em novas funções tanto na escala intraurbana, quanto interurbana destas cidades. Tais impactos são os que podem ser notados no caso de algumas cidades médias brasileiras, que, a partir da abertura econômica dos anos 90, se inseriram nos circuitos produtivos mundiais, testemunhando importantes redefinições de suas estruturas urbanas. Assim, dentro desta teia de relações e processos, que a cidade média de Resende, no Sul Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, serve de modelo dos reflexos ressonados pela interação entre reestruturação urbana e reestruturação produtiva. Por esta perspectiva, o presente trabalho trará subsídios que apontem para a emergência de um novo subcentro de comércio e serviços em um dos bairros desta cidade - o bairro Cidade Alegria - e evidenciará a relação dialética entre esta categoria de centro e sua centralidade, assinalando a reestruturação produtiva como a propulsora da reestruturação analisada no município de Resende/RJ. 2. As cidades médias como interseção entre as reestruturações urbana e produtiva Surgido quando “a antiga ordem está suficientemente esgarçada para impedir os remendos adaptativos convencionais”, o processo de reestruturação, segundo Soja (1993), se mantém na relação entre manutenção e transformação de uma ordem vigente, sendo mais do que apenas sinônimo de mudança, como muitas vezes pode ser apontado. Nesta direção, a dinâmica de reestruturação se orienta em diversos gêneros de mudança, podendo alguns deles estar relacionados entre si, como no caso das reestruturações produtiva e urbana. No que tange a reestruturação produtiva, em uma das quais se baseia o presente trabalho, Harvey (2009) esclarece que tal movimento, inspirado por um regime de acumulação flexível, passou a redefinir a organização do espaço-tempo nas relações de 202 trabalho. Desta forma, a ideia de reestruturação produtiva, que poderia ser entendida tão somente enquanto uma reconfiguração dos padrões técnicos de produção, na verdade, acaba por se utilizar do espaço enquanto condição e reflexo de sua reprodução. Ainda segundo o autor, este processo passou a se apropriar das vantagens locacionais oferecidas por certos lugares, sendo exploradas deles, assim, suas “pequenas diferenciações espaciais”. Nesta perspectiva, o espaço acaba por servir de interseção entre as duas lógicas de reestruturações mencionadas: a produtiva e a urbana, estando a primeira se valendo do palco das cidades para se reproduzir, e a segunda sendo tanto a condição para a viabilização deste projeto econômico-produtivo, como o reflexo da articulação entre ambos os processos. É nesta direção que a cidade de Resende, localizada no Médio Vale do Paraíba Fluminense, foi promovida a objeto desta análise, por se tratar de um espaço em que as reestruturações produtiva e urbana claramente se integram. Através de cidades estruturalmente semelhantes a ela, o novo modelo produtivo tanto tem se reproduzido, como se tornado o mentor de inúmeras redefinições do seu espaço intraurbano, e de sua posição e função interurbana. Através desta perspectiva escalar, uma reflexão mais apurada sobre o processo de reestruturação urbana insere na discussão outras dimensões de análise, que reportam a dinâmica como mais do que uma mera redefinição do espaço da cidade. Assim, acrescentando-se a variável escalar na compreensão deste conceito, SPOSITO (2007) considera o processo sob duas escalas, uma interurbana, regional, com interferência nas redes urbanas – a reestruturação urbana; outra intraurbana, que se repercute no próprio recorte interior da cidade – a reestruturação da cidade. Contudo, é imprescindível ressalvar a articulação entre ambas, já que “não há estruturação urbana sem estruturação da cidade e vice-versa” (SPOSITO, 2004, p. 312), o que pode ser perfeitamente observado no caso do município de Resende. Porém, além da dimensão da escala, a discussão sobre reestruturação urbana e da cidade sugere indagações outras, como as das suposições que expliquem as motivações para esta dinâmica. Entretanto, como já apresentado, o processo de reestruturação urbana faz parte de movimentos já previstos no enredo histórico das cidades em várias de suas épocas, tornando necessária a delimitação de um espaço e de um tempo que facilite o apontamento daquilo que serve como motivação para esta tendência. 203 No que tange, portanto, ao processo recente de reestruturação urbana e da cidade no caso brasileiro, é importante atrelá-lo a outro processo, já indicado, que também leva em conta a lógica de reconfiguração de um modelo já estabelecido, neste caso, o produtivo. Em outras palavras, grande parte do movimento de reestruturação urbana em cidades brasileiras, sobretudo as que atendem por determinadas categorias, como é o próprio caso da cidade de Resende/RJ, depende de ser entendido sob a ótica da reestruturação produtiva. Assim sendo, por se aceitar o processo de reestruturação produtiva enquanto, também, e de forma bastante importante, uma reorganização da ordem de localização espacial de bases produtivas, as cidades médias assumiram um papel destacado neste processo. Enquanto anteriormente ao período de acumulação flexível, nos anos 70, as empresas tendiam a se organizar de modo espacialmente concentrado, a partir de então, estas passaram a atender a uma lógica de localização que se vale de modo preponderante do espaço das cidades médias para se estabelecer. É o que reitera Sposito (2007): “As cidades médias têm sido escolhidas como pontos de apoio de diferentes tipos de empresas, sejam de ramos industriais ou de ramos comerciais, em suas políticas de desconcentração das atividades produtivas e de expansão das redes de comercialização de bens e serviços.” Neste sentido, a nova lógica de organização do espaço produtivo no mundo passa a atender por novos critérios, que reorientam a localização de bases industriais em escala global, inclusive no Brasil. Tal como destaca Stamm (2003), “devido às facilidades dos meios de comunicação e transporte, as empresas estão se interiorizando”, buscando, principalmente, “à isenção de impostos e acesso à mão de obra qualificada e, de preferência, não ligada às forças sindicais”, o que passa a justificar o incremento de importância adquirida pelas cidades médias, quando estas correspondem a estas novas demandas produtivas. E estas são justamente algumas das características estruturais que fazem da cidade média de Resende, no Estado do Rio de Janeiro, um ótimo exemplo que materializa a atual interseção entre espaço urbano e espaço produtivo. Através da promoção desta cidade à destino de importantes empresas de capital internacional, Resende se insere ativamente nos circuitos econômico-produtivos mundiais, 204 materializando, ao lado de outras cidades do mundo, tanto a atual forma de organização espacial da produção, quanto os efeitos urbanos que tendem a vir acompanhados dela. 3. A reestruturação da cidade de Resende/RJ e suas possibilidades de análise Já entendida do ponto de vista conceitual, a dinâmica de reestruturação da cidade tende a ser orientada por determinados processos espaciais, tendo como efeito a própria reorganização do espaço. Segundo Corrêa (1993), ela é conferida pelos processos produtores das funções e formas - para o autor, a acumulação de capital e a reprodução das classes sociais – que imprimem no espaço as suas marcas, reorganizando-o internamente através da relação entre processos e formas que se estabelecem nele. No caso da presente análise, a reestruturação da cidade média de Resende será entendida do ponto de vista do processo espacial da descentralização, associado a sua forma emergente, a do subcentro. De acordo com a pesquisa que segue, será investigada a possível ocorrência deste processo no município, tendo como principal motor os fluxos de capital estrangeiro circulantes na cidade. Além da natureza intrinsecamente econômica deste processo espacial, também será considerada outra proposição de Corrêa (1993) que o entende também a partir da dinâmica de “[...] crescimento da cidade, tanto em termos demográficos como espaciais, ampliando as distâncias entre a área Central e as novas áreas residenciais [...]”, o que “[...] torna o espaço urbano mais complexo, com vários núcleos secundários de atividades”. Este é o caso do município de Resende que, como será aprofundado adiante, conta com um novo e provável subcentro de comércio e serviços, localizado em um de seus bairros, o Cidade Alegria. Considerado um dos principais bairros da cidade, inclusive pela alta concentração de população que comporta, o bairro Cidade Alegria emergiu, justamente, enquanto uma nova possibilidade de residência na cidade, mas que contava com um entrave de estar estabelecido distante do Centro Principal de Resende no bairro de Campos Elíseos. Por outro lado, ainda segundo o autor, o processo de descentralização, mais recente que o de centralização, teve seu despertar na necessidade de redução dos custos, concomitante ao estabelecimento de atrativos em outros pontos não-centrais da cidade. Esta perspectiva também é reforçada por Colby (1930, apud CORRÊA, 1993), que indica que a descentralização só ocorre mediante a criação de atrativos em outras áreas, 205 como terras não ocupadas, baixo preço de impostos, implantação de infra-estrutura, facilidades de transporte, dentre outros. Tais atrativos são consonantes ao caso do bairro Cidade Alegria, em Resende, por nele ter sido construído, nos anos 80, um conjunto habitacional – o Grande Alegria – considerado o primeiro elemento qualificador da possível descentralização ocorrida no município. Já no que tange a forma associada ao processo supracitado, Corrêa discorre sobre os subcentros associando-os as atividades que lhe são mais comuns, como as industriais, ou as ligadas ao comércio e serviços. Como de interesse deste trabalho, os subcentros relacionados à segunda classe de atividades, segundo o autor, são aqueles determinados pela densidade e o nível de renda da população. SILVA (2004, p. 64) acrescenta ainda que eles: “[...] estão inseridos em contextos espaciais mais restritos e são formados, inicialmente por estabelecimentos de proprietários locais, visando atender a uma demanda local, gerada pelo consumo específico de uma população com características homogêneas, que difere da possível pluralidade socioeconômica dos frequentadores do Centro Principal”. Tais qualificantes, como deverá ser melhor apontado adiante, são importantes elementos para a compreensão do possível subcentro no bairro cidade Alegria, por estar ele claramente caracterizado por atividades comerciais e de serviços, de natureza muito semelhante a descrita por Silva. Por outro lado, a hipótese de descentralização urbana motivada pelos novos fluxos de capitais circulantes no município de Resende, faz desse possível subcentro, também, uma forma urbana associada a fixos e fluxos industriais. Em outras palavras, a forma espacial do subcentro e o processo de descentralização a ela associado, são expressões exemplificadas da relação estabelecida entre centro e centralidade. Ambos, que podem interagir dinamicamente em função do tempo e do espaço, quando entendidos apenas do ponto de vista de suas ocorrências, não garantem a possibilidade de que sejam apreciados no movimento de suas redefinições. Isso porque, como aponta Lefebvre (2009) sobre a relação entre centro e centralidade, não existe entre eles uma relação de oposição, senão dialética, que confere a ambos o potencial de que possam ser aprimorados. Tal consideração aponta para certo condicionamento a que o centro está sujeito em relação a sua expressão de centralidade, do mesmo modo que esta é influenciada por sua respectiva base física. Isto porque, como indica Silva (2013, p. 6), de forma geral, 206 quanto maior o acúmulo de fixos instalados em uma área central, maior será o potencial de que eles organizem fluxos convergentes/divergentes dele, conseguindo orientá-los para uma área maior. Nesta direção, Silva (2006, p. 64) sistematiza dizendo que: “O estudo da relação entre a base física e a centralidade urbana, necessita da abordagem dos fixos e dos fluxos que integram o espaço urbano. Partimos da concepção de que a centralidade que se expressa no e pelo espaço urbano tem variações e conexões de espaço-tempo seguindo, portanto, a orientação dos fluxos de pessoas, idéias, mercadorias, capitais etc.” Desta forma, tais variações e conexões tendem a modificar, inclusive, a expressão da centralidade em questão, no que tange ao limite espacial alcançado pela influência de seus fixos e fluxos. Assim, como parte desta compreensão, a Teoria Christaleriana dos Lugares Centrais abanca alguns princípios que ajudam no entendimento da espacialidade de uma dada centralidade, como é o caso do alcance espacial máximo. A releitura deste conceito feita por Corrêa (1996, p. 57), o aponta como uma “[...] área determinada por um raio a partir de uma dada localidade central”, dentro da qual “os consumidores efetivamente deslocam-se para a localidade central, visando a obtenção de bens e serviços [...]”. Sendo assim, além de uma análise que responda apenas ao objetivo de afirmação da do processo de descentralização urbana em Resende, também será considerada uma análise que, tendo o primeiro objetivo como certo, se proponha a identificar a relação dialética entre o subcentro e sua centralidade. Este apontamento se torna imprescindível como base da sequência deste trabalho, por ser ele um dos reflexos de dinâmicas que objetivam a reprodução e acumulação de capital, como é o caso da reestruturação produtiva, passíveis de serem analisadas por estudos urbanos, sendo esta a proposta da pesquisa que segue. 4. Resende: a área de estudo e os recursos metodológicos de sua análise Todas as questões apresentadas, não só explicam, mas justificam uma análise mais apurada do papel de algumas cidades médias brasileiras, proeminentes enquanto participantes da nova lógica produtiva em vigor. É nesta direção, e correspondendo aos ditames urbanos e produtivos já debatidos, que a cidade média de Resende, localizada no Médio Vale do Paraíba, no Estado do Rio de Janeiro, será apresentada enquanto 207 exemplo da complexidade que nasce das relações entre as reestruturações produtiva e urbana. A microrregião do Médio Vale do Paraíba, localizada na mesorregião do Sul Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, é composta pelo número de nove municípios, dentre os quais o de Resende. Considerado como um dos palcos da reestruturação produtiva no Brasil, o Médio Vale recebe bases produtivas de importantes empresas multinacionais, principalmente do seguimento automobilístico, como Volkswagen, PSA Peugeout Citroën, Hyundai, Nissan, dentre outras. A função de comportar tais empresas baseia-se nos fatores já apontados como os requisitados pela nova lógica produtiva vigorante. Dentre eles está a localização privilegiada da microrregião, posicionada entre os dois principais centros econômicos do Brasil – Rio de Janeiro e São Paulo; sua boa localização logística, através de uma importante estrutura rodoviária, ferroviária e portuária, sendo esta última representada pelos portos de Santos, Itaguaí, de Angra dos Reis e do Rio de Janeiro; além de ser de fácil acesso a Estação Aduaneira Interior (EADI), que ajuda desde a aquisição de material, quanto ao escoamento da produção estabelecida na microrregião. Além destas vantagens, outras também justificaram a transformação do Médio Vale do Paraíba em um importante polo industrial brasileiro, sendo elas: a boa oferta de estrutura em comunicação e energia; a disponibilidade de terrenos a preços baixos; isenção fiscal e concessão de facilidades na aquisição de empréstimos; e incentivos dados ao estabelecimento de instituições de ensino, com o fim de qualificar a mão-deobra local.90 Todas estas características juntas compõem o aporte oferecido e exigido pela nova organização do espaço produtivo no mundo, ditada pela reestruturação da lógica produtiva em vigor. Dentro da dinâmica produtiva da microrregião do Médio Vale do Paraíba Fluminense, Limonad (2001, apud RAMOS, 2005) destaca dois eixos que classificam a área indicada segundo seus gêneros econômico-produtivos: um do segmento de siderurgia, metalurgia, química e construção civil, outro do setor metal-mecânico e da química fina. Segundo esta organização, o município de Resende, de principal interesse do trabalho aqui desenvolvido, encontra-se abarcado no segundo eixo, sendo 90 Todas as justificativas estruturais citadas, que fazem do Médio Vale Fluminense um forte exemplo de efervescência econômica, podem ser conferidas e ainda melhor compreendidas na Dissertação intitulada Reestruturação Produtiva e Des-territorialização no Médio Vale do Paraíba Fluminense, de Ramos (2005). 208 representado por importantes empresas multinacionais estabelecidas ali a partir dos anos de 1990. De acordo com toda a dinâmica econômica experimentada pelo município de Resende, muito em função de seu papel nas novas tendências sugeridas pela reestruturação produtiva, tornou-se de forte interesse uma investigação que buscasse compreender os impactos desse rearranjo no espaço urbano do município. Assim, dentre os vários rebatimentos espaciais passíveis de serem estudados, o objetivo desta análise foi o de se focar na possibilidade da reestruturação da cidade de Resende a partir do processo espacial da descentralização urbana, já discutido. Inicialmente, tal hipótese pôde ser levantada a partir da identificação do crescente desenvolvimento econômico da cidade, através de grandes investimentos do capital internacional. Este, materializado pelo estabelecimento de inúmeras empresas multinacionais em Resende, inspiradas pelas tendências da reestruturação produtiva em vigor, foi acompanhado por um claro processo de reestruturação na cidade, podendo ser exemplificado pelo reordenamento imobiliário na cidade média; pela efervescência em seu setor de comércio, representado, principalmente, pelo aumento do número de grandes redes e franquias na cidade; além da constatação de uma reorganização de seu espaço urbano, através de certo espraiamento de fixos e fluxos comerciais e de serviços no município de Resende. No que se refere à descrição deste último fenômeno, objetivo específico de análise deste trabalho, foi observado aquilo que parecia com um novo ponto de atração de bens e serviços na cidade, além do já estabelecido em sua área central, no bairro de Campos Elíseos -Centro Principal de concentração destas atividades em Resende. Esta nova área, da qual parecia emergir um incipiente fluxo de centralidade, fica localizada no bairro Cidade Alegria, que concentra 10% da população total do município, que é de 119.769 mil habitantes.91 “Na época da sua construção, o bairro era considerado remoto por dois motivos: a distância do Centro, cerca de 7 Km” - como representado no Mapa 1, com os estabelecimentos comerciais e de serviços no bairro Cidade Alegria sinalizados à Oeste, e os do Centro Principal, no bairro Campos Elíseos, à Leste da 91 Informações extraídas do último Censo Demográfico do IBGE, realizado no ano de 2010. 209 cidade - “e a falta de infra-estrutura de comércio, serviços, transporte, saúde” (SOUZA, 2011, p. 4). Nesta direção, para o fim de contextualização, o bairro Cidade Alegria foi criado na década de 1980, como conseqüência da demarcação do perímetro urbano do município, motivado pela construção de uma estrutura residencial de grande porte no local. Este, o Conjunto Habitacional “Grande Alegria”, cujo nome faz alusão a denominação do próprio bairro, é composto até os dias de hoje de 40 blocos, 32 apartamentos em cada um, totalizando o número de 1280 apartamentos, que são bem representados na Imagem 1. Mapa 1: Mapeamento de atividades econômicas na cidade de Resende/RJ – 2009. Fonte: Pesquisa de campo. Produzido por Magalhães (2011). Imagem 1: Conjunto Habitacional Grande Alegria, no bairro Cidade Alegria, em Resende/RJ – 2013. Fonte: Google Earth (2011). 210 Portanto, para que a hipótese levantada pudesse ser confirmada, foram selecionados elementos metodológicos que respondessem a problemática da ocorrência ou não do processo espacial de descentralização em Resende/RJ. Desta forma, nesta primeira etapa de resolução da análise, foi imprescindível a realização de uma pesquisa de campo na cidade, em Agosto de 2013, com duração de dois dias, para que a metodologia escolhida pudesse ser operacionalizada. Esta, por sua vez, teve como recursos o reconhecimento das características urbanas da cidade de Resende; o levantamento das atividades econômicas no bairro Cidade Alegria - com o fim de quantificar e qualificar o adensamento dos estabelecimentos de bens e serviços do provável subcentro; e aplicação de 59 questionários com 15 questões92, aos freqüentadores do local onde se identificava a concentração dos fixos de comércio e serviços - a fim de que fosse possível mensurar a centralidade irradiada a partir do bairro Cidade Alegria, tanto em relação à escala do próprio bairro, quando do seu em torno (o alcance espacial máximo). Por outro lado, o cumprimento deste primeiro objetivo teve como desdobramento o planejamento de uma segunda etapa da pesquisa, a qual se baseou na possibilidade de constatação da relação dialética entre centro e centralidade, já discutida. Desta forma, como já apontado, Silva (2006) sugere que para tal objetivo os fixos e fluxos devam ser analisados, por partirem deles uma dada expressão de centralidade que, por sua vez, pode servir de atrativo para a fixação de novos estabelecimentos comerciais e de serviços. Assim, para que fosse atingido esse segundo objetivo, foi elaborado um novo questionário que pudesse contemplar a identificação da relação dialética entre centro e centralidade, provavelmente estabelecida no possível subcentro no bairro Cidade Alegria. Foi aplicada, assim, nesta segunda etapa metodológica, uma totalidade de 50 questionários aos moradores do bairro Cidade Alegria, com o interesse de traçar um perfil minucioso de seu consumo.93 Deste modo, previa-se a possibilidade que fosse viável a identificação da 92 As perguntas que compunham o questionário permitiam indicar as seguintes características dos freqüentadores do provável subcentro no bairro Cidade Alegria: sexo; idade; profissão; renda média; bairro de residência; motivação para freqüentar o bairro; prioridade dada ao bairro; motivos da prioridade; freqüência da procura; meio de transporte no deslocamento até ali; tempo de permanência no bairro; sugestões de melhoria para o local; opinião sobre a facilidade ou não de acesso a ele; e se estavam satisfeitos de freqüentar a área e por quê. 93 As perguntas que compunham o questionário permitiam indicar as seguintes características do perfil de consumo dos moradores do bairro Cidade Alegria: onde realizavam o pagamento de contas, quais os seus 211 influência da centralidade estabelecida no bairro, no suprimento de suas demandas locais. Além disso, tendo em vista o claro e dinâmico processo de reestruturação do bairro, com o incremento do número de estabelecimentos de comércio e serviços, as perguntas também objetivavam compreender a influência dessa reestruturação no reforço da centralidade aparente no bairro – dialética entre centro e centralidade. 5. Um subcentro e sua expressão de centralidade De acordo com o levantamento de atividades econômicas realizado, foi possível identificar a estrutura comercial e dos serviços estabelecidos no bairro Cidade Alegria. De acordo com o resultado obtido, padronizado segundo a CNAE94, foi possível categorizá-los, facilitando sua análise e identificação, como pode ser visto na Tabela 1. TABELA 1: LEVANTAMENTO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS DO BAIRRO CIDADE ALEGRIA, EM RESENDE/RJ – 2013 Atividades Comércio, Reparação de Veículos Automotores e Motocicletas Alojamento e Alimentação Outras Atividades de Serviços Saúde Humana e Serviços Sociais Educação Atividades profissionais, científicas e técnicas Informação e Comunicação Atividades Imobiliárias Artes, Cultura, Esporte e Recreação Percentual 53% 21% 17% 3% 2% 1% 1% 1% 1% gêneros – água, luz, telefone etc. - e seus valores aproximados; se eram correntistas de algum banco, qual o banco e bairro da agência; onde realizavam compras de artigos alimentícios e de vestuário, com qual freqüência e valores estimados das compras; onde utilizavam os serviços de educação, quantos moradores da casa usufruíam, qual o seu gênero – público ou privado – e nível de satisfação; onde utilizavam os serviços de saúde, quantos moradores da casa usufruíam, quais as especialidade clínicas, qual o seu gênero – público ou privado – e nível de satisfação; e onde realizavam atividades de lazer, quais as modalidades e com qual freqüência. 94 Classificação Nacional de Atividades Econômicas/IBGE. 212 TOTAL Fonte: Pesquisa de campo 100% De acordo com o levantamento realizado, foram quantificados um total de 139 fixos comerciais e de serviços, categorizados segundo a classificação apresentada acima. Contudo, além da importância quantitativa destas informações, é necessário destacar o gênero de alguns destes estabelecimentos, que revelam, inclusive, a participação da iniciativa pública e de outros agentes no reforço da centralidade ali analisada; sendo eles: uma UPA 24hs; uma Farmácia Popular; uma concessionária Honda Motos; dois Caixas Eletrônicos, do Itaú e Banco do Brasil; uma academia de ginástica, filial de uma unidade estabelecida no Centro Principal; uma unidade da Polícia Militar; uma quadra poliesportiva de administração municipal; e um supermercado, com 14 caixas, amplo estacionamento de carros e bicicletas95. Como pode ser percebida, a análise dos fixos comerciais e de serviços estabelecidos no bairro Cidade Alegria, representam e justificam a centralidade observada no local, apontando para a emergência de um subcentro na cidade de Resende/RJ. A análise indica, inclusive, o importante papel de investimentos públicos no aparelhamento da área com equipamentos urbanos de serviços, propulsores da centralidade no bairro. Além desta esfera, é possível identificar a função de outros agentes neste processo de descentralização estudado, como é o caso das instituições bancárias; além delas, o caso da academia de ginástica que, sendo filial de uma unidade já estabelecida no Centro Principal, reforça o processo de descentralização ocorrido, por ser a tendência de desconcentração de filiais de comércio e serviços do Centro Principal para novos lugares, um importante indicativo do fenômeno de descentralização urbana (CORRÊA, 1993). De modo geral, o levantamento realizado das atividades econômicas na área de expressão de centralidade do bairro Cidade Alegria, também permitiu que fosse identificado o perfil do subcentro de análise. Como já foi aqui apontado, Silva (2004) esclarece que a grande maioria dos fixos estabelecidos em um subcentro, possui a 95 Informação relativa ao supermercado extraída da monografia intitulada "A construção do bairro popular Cidade Alegria na cidade de Resende (RJ) segundo a lógica de reestruturação produtiva e da cidade”, de Souza (2011). 213 função de suprimento de demandas locais, pouco heterogêneas, o que pôde ser percebido na estrutura de comércios e serviços no bairro Cidade Alegria. Embora seja possível perceber o início do que pode ser um movimento de diversificação da oferta de bens e serviços estabelecidos ali, de imediato, em geral, estes correspondem ainda a uma categoria de consumo popular. Por outro lado, além do levantamento das atividades econômicas, os resultados obtidos com a aplicação da primeira etapa de questionários também ajudaram na constatação da ocorrência do processo de descentralização na cidade de Resende/RJ, bem como na mensuração da centralidade irradiada no subcentro estudado. Assim, através deles, foi possível verificar a extensão do alcance espacial máximo irradiado a partir da centralidade analisada; neste sentido, como pode ser observado na Tabela 2, as respostas sobre o bairro de origem dos seus freqüentadores apontaram para uma expressão de centralidade que extrapola os limites do próprio bairro, chegando a irradiar para outros do em torno. Tal constatação, melhor representada pelo Mapa 2, indica o número de freqüentadores que deslocam-se de fora do bairro, de suas respectivas origens, para usufruírem dos fixos de comércio e serviços estabelecidos no subcentro Cidade Alegria. TABELA 2: BAIRRO DE ORIGEM DOS FREQÜENTADORES DO SUBCENTRO NO BAIRRO CIDADE ALEGRIA, EM RESENDE/RJ – 2013 Bairro de Origem Frequentadores Cidade Alegria 64% Outros 36% TOTAL 100% Fonte: Pesquisa de campo 214 ALCANCE ESPACIAL MÁXIMO Mapa 2: Alcance espacial máximo dos estabelecimentos comerciais e de serviços do bairro Cidade Alegria, em Resende/RJ - 2013. Fonte: Pesquisa de campo. Produzido por SPERLE (2014). Por outro lado, com a finalidade de avaliar o nível de preferência dos seus freqüentadores, o questionário indagava sobre a prioridade dada por eles ao subcentro analisado, bem como o motivo desta preferência. Assim, como pode ser visto na Tabela 3, manteve-se um equilíbrio no padrão de respostas sobre a preferência dada, ou não, ao local; já com relação ao motivo da prioridade, a localização foi a opção mais apontada (Tabela 4), o que remonta ás razões conjunturais do processo de descentralização, no caso, a distância em relação aos novos locais de residência com o Centro Principal da cidade em questão. TABELA 3: PRIORIDADE DADA PELOS FREQUENTADORES AO SUBCENTRO NO BAIRRO CIDADE ALEGRIA, EM RESENDE/RJ – 2013 Prioridade Frequentadores Sim 52% Não 48% TOTAL 100% Fonte: Pesquisa de campo 215 TABELA 4: MOTIVO DA PRIORIDADE DADA PELOS FREQUENTADORES AO SUBCENTRO NO BAIRRO CIDADE ALEGRIA, EM RESENDE/RJ – 2013 Motivo da prioridade Frequentadores Localização 65% Outros 16% Preços 10% Variedade 6% Infraestrutura 3% TOTAL 100% Fonte: Pesquisa de campo Desta forma, uma vez tendo sido realizadas as verificações em relação a hipótese da descentralização urbana da cidade de Resende/RJ, partiu-se, então, para o objetivo de identificar e entender o processo dialético em que centro e centralidade se redefinem. Assim, de acordo com as observações feitas no decorrer dos campos realizados, que apontavam para um incremento da estrutura física da área de análise, surgiu a necessidade de conferência sobre um possível reforço de centralidade que pudesse estar ocorrendo no bairro Cidade Alegria. Tal reestruturação se deveu a construção, em menos de um ano, de duas agências bancárias (do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal) e instalação de um novo Supermercado, pertencente a mesma rede que já possuía unidade estabelecida no Centro Principal de Resende, em Campos Elíseos. Desta forma, procurou-se identificar o nível de centralidade em torno do estabelecimento destes novos fixos comerciais e de serviços que, de acordo com a tendência dialética da relação entre centro, neste caso subcentro, e sua respectiva centralidade, tendem a ampliá-la e reestruturá-la. Para isso, através do segundo modelo de questionário, de acordo com a categoria de análise de busca por produtos alimentícios, foi possível verificar que o subcentro constatado no bairro Cidade Alegria concentra em si mesmo, atualmente, grande parte da centralidade em torno do suprimento desta demanda (Tabela 5). Quando perguntados a respeito do local de busca por produtos desta mesma categoria, só que mais especializados, o bairro de Campos Elíseos apareceu como local majoritário de preferência, reforçando sua posição de Centro Principal da cidade de Resende (Tabela 6). 216 TABELA 5: PERCENTUAL DE MORADORES QUE ENCONTRAM NO SUBCENTRO NO BAIRRO CIDADE ALEGRIA, EM RESENDE/RJ, TODOS OS ARTIGOS ALIMENTÍCIOS DE QUE PRECISAM – 2014 Onde buscam produtos Moradores alimentícios Cidade Alegria 80% Outros 20% TOTAL 100% Fonte: Pesquisa de campo TABELA 6: PERCENTUAL E LOCAL ONDE OS MORADORES DO BAIRRO CIDADE ALEGRIA, EM RESENDE/RJ, ENCONTRAM ARTIGOS ALIMENTÍCIOS ESPECIALIZADOS – 2014 Busca por produtos alimentícios Moradores especializados Campos Elíseos 80% Manejo 20% TOTAL 100% Fonte: Pesquisa de campo Já com relação a categoria de análise do serviço prestado pelas agências bancárias, o objetivo era o de compreender a repercussão da instalação das agências da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil no reforço da centralidade do subcentro. Como pode ser observado na Tabela 7, do total de moradores entrevistados, a maior parte indicou ser correntista de algum banco; já no Mapa 3 esta informação aparece espacializada em função dos correntistas da Caixa Econômica Federal e do Banco Itaú, bem como dos bairros nos quais elas são vinculadas. Como pode ser verificada, a instalação das agências bancárias atraiu para o subcentro em questão um novo fluxo de centralidade, uma vez que a maior parte dos entrevistados indicou ser correntista de suas novas agências, tendo aberto ou transferidos suas contas para o elas. Além disto, como foi possível perceber através da aplicação do segundo modelo de questionário, muitos dos entrevistados que informaram manter as suas contas em agências de outros bairros, disseram pretender transferi-las para as novas agências, o que aponta para a tendência de um reforço ainda maior na centralidade irradiada a partir do estabelecimento deste novo fixo de serviço no subcentro do bairro Cidade Alegria. 217 TABELA 7: PERCENTUAL DE MORADORES DO BAIRRO CIDADE ALEGRIA, EM RESENDE/RJ, QUE INFORMARAM SER CONRRENTISTAS DE ALGUM BANCO - 2014 Correntistas/não Percentual correntistas Correntistas 67% Não correntistas 33% TOTAL 100% Fonte: Pesquisa de campo Mapa 3: Total de moradores do bairro Cidade Alegria, em Resende/RJ, correntistas da Caixa Econômica Federal e do banco Itaú, em função do bairro das agências - 2014. Fonte: Pesquisa de campo. Produzido por SPERLE (2014). 7. Considerações Finais Como já discutido em toda a extensão do trabalho aqui apresentado, o objetivo da pesquisa se ateve a demonstrar as importantes repercussões espaciais surgidas da interação, quase sempre incondicional, entre reestruturação produtiva e reestruturação urbana. Tal relação, especialmente mantida sobre o palco das cidades médias, tende a despertar novos processos, que quando de natureza espacial, propulsionam a emergência de formas espaciais, exemplificadas pelo par descentralização e subcentro. Nesta direção, a dinâmica de reestruturação produtiva em curso na cidade média de Resende, 218 no Médio Vale do Paraíba do Rio De Janeiro, através dos novos fluxos econômicos em circulação no município, tem redefinido sua estrutura, implicando no processo de reestruturação urbana da cidade média. Desta forma, através da metodologia empregada para a verificação de ocorrência do processo de descentralização urbana no município de Resende, como já sugerido, foi possível constatar a emergência de um subcentro de comércio e serviços, localizado no bairro Cidade Alegria. Este, por outro lado, para além de sua ocorrência, através da centralidade irradiada por ele, já tem promovido a atração de novos fixos de comércio e serviços que, por sua vez, tem reforçado e ampliado a expressão de centralidade previamente conferida ao novo subcentro. Assim, tanto o processo de descentralização urbana, quanto o seu desdobramento na dialética entre centro e centralidade, tem sido algumas das implicações promovidas pela reorganização do espaço-tempo das relações de trabalho, surgidas com as novas tendências econômico-produtivas em vigor. Por outro lado, além delas, é bom que se registre a diversidade de efeitos repercutidos no espaço das cidades, especialmente das cidades médias, que legitimam as investigações dos efeitos da reestruturação produtiva em seus espaços, que promovem redefinições na escala das cidades, a reestruturação da cidade, e na ordem de sua hierarquia urbana, a reestruturação urbana. Referências Bibliográficas BUSNELLO, R.. Reestruturação produtiva e flexibilização dos direitos trabalhistas. In. BUDIN, G. A. (Org.). Reestruturação produtiva, desemprego no Brasil e ética nas relações econômicas. Ijuí: Ed. Unijuí, 2000. CORRÊA, R. L.. O espaço urbano. 4 ed. São Paulo, Editora Ática, 1995. ______. Trajetórias Geográficas. 6 ed. Rio de Janeiro, Editora Bertrand Brasil, 1996. CAPEL, H.. La morfología de las ciudades. Sociedad, cultura y paisaje urbano. Barcelona: Ediciones del Serbal, 2002. CARNEIRO, J. D.P. L. e MENDONÇA, M. L.. 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Modifica-se a natureza das interações espaciais, pois se tornam mais intensas, alongadas, mais frequentes e interescalares. Palavras-Chave: Relações Interescalares, Cidades Médias, Araguaína 1. Introdução Neste trabalho, valorizaram-se as interações espaciais interescalares a partir da atuação de agentes nacionais e internacionais nas cidades médias do Tocantins, tendo como preocupação principal avaliar tais dinâmicas a partir do comércio de vestuário na cidade de Araguaína - TO. Nosso referencial teórico baseia-se nas propostas de estudos de cidades médias na rede urbana, privilegiando suas dinâmicas econômicas, as quais cada vez mais se manifestam nessas cidades por meio de agentes que atuam na escala internacional. Para tanto, mobilizamos os seguintes teóricos: Beltrão Sposito (2004; 2007; 2009; 2010); Santos (2012), Santos e Silveira (2008), Catelan (2012; 2014); Corrêa (2001; 2007) dentre outros. Essas leituras teóricas e metodológicas compõem a primeira parte do artigo. ___________________________ * O autor não apresentou o trabalho e não participou do evento. Considerando o arcabouço teórico aqui utilizado, analisamos as recentes dinâmicas das cidades médias do Estado do Tocantins, como a concentração e centralização espacial e econômica, além de também focalizarmos o aprofundamento das interações espaciais, com respectiva ampliação de suas centralidades interurbanas. Os dados utilizados foram do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Revista Exame e IPEADATA. 222 Para a identificação das relações interescalares em Araguaína, fizemos trabalho de campo no sentido de identificar estabelecimentos de vestuários, nas principais avenidas da cidade, com posterior visita a seus sites, permitindo assim, a catalogação daqueles que atuam em escala regional, nacional e internacional, resultando na montagem de uma tabela. A partir daí, procedeu-se na análise das dinâmicas propiciadas por essas empresas na cidade de Araguaína, que fortalecem seus papéis na rede urbana, tornandoos mais complexos. 2. Rede Urbana e Relações Interescalares: um olhar sobre as cidades médias A fim de estabelecer um fio condutor a esta análise, tendo em vista a amplitude da temática, destaca-se primeiro os pressupostos conceituais do que seja cidade média para em seguida avançarmos no debate sobre as atuais dinâmicas que sobre elas se estabelecem e que são por essas cidades fomentadas. Nesse contexto, esta pesquisa buscou na noção de cidade média o seu referencial teórico, entendendo-a inicialmente como “aquelas cidades que assumem um determinado papel na estrutura urbana regional como centro sub-regional, não sendo simplesmente centros locais”, nem metrópoles, “mas núcleos urbanos com capacidade de polarizar e influenciar um número significativo de núcleos menores e articular relações de toda ordem” (TRINDADE JR, 2011, p. 137). Segundo Beltrão Sposito (2004, p. 331), é importante distinguir cidades de porte médio de cidades médias. Enquanto as primeiras são definidas pelo seu tamanho demográfico, a segunda o é por “suas características (o que não se restringe ao tamanho demográfico e deve incluir a estruturação interna de seus espaços), como suas relações com outras cidades (o que impõe o reconhecimento de seus papeis na estrutura urbana da rede)”. Assim, podemos dizer que as cidades médias96 são, entre outras coisas, capazes de estabelecer fluxos de naturezas diversas com centros regionais menores, articular esses centros e ela própria aos capitais regionais, à metrópole nacional e centros internacionais. Esses fluxos baseiam-se em um contingente de população que justifique nela a instalação de serviços especializados e ao mesmo tempo relativamente diversificados que, por extensão, contém/interrompe por meio da geração de empregos fluxos de população dela mesma e das cidades menores para as metrópoles. Uma cidade média também estabelece fortes ligações com o campo, servindo como suporte ao processamento de insumo do mesmo, de um lado, e distribuindo insumos à funcionalização da produção agrícola, de outro. Por último, pode-se dizer que o espaço de polarização da cidade média é marcado pela contiguidade territorial (AMORIM 96 Lembramos que foram levadas em consideração as dinâmicas econômicas, mas sem dúvida outras características podem ser atribuídas às cidades médias. 223 FILHO e SERRA, 2001; BELTRÃO SPOSITO, 2004, 2007; CORRÊA, 2007; TRINDADE JÚNIOR, 2011, SANFELIU e TORNÉ, 2004). A partir dos anos 70 e 80, o sistema capitalista passou por diversas reestruturações marcadas pela passagem do sistema fordista ao de acumulação flexível de produção (HARVEY, 1998). Isso ocasionou claras consequências para o espaço, sendo a interiorização do capital, através da desconcentração da produção e difusão do consumo, mas com forte centralização dos comandos, um de seus aspectos mais destacados (BELTRÃO SPOSITO, 2004). Essas mudanças ocorrem apoiadas no meio técnico-científico-informacional (SANTOS, 2012), o qual tem permitido a diminuição das distâncias - para um número reduzido de agentes -, pelo melhoramento dos sistemas de transporte e comunicação, constituindo-se a conectividade, uma de suas características mais avançadas, resultando e contraditoriamente, condicionando essa realidade. Assim, as grandes empresas alargam suas possibilidades locacionais, o que tem estimulado o fortalecimento do consumo e da produção em cidades médias, realçando seus papéis nas redes urbanas, bem como ampliando seu número. Vê-se que a rede urbana brasileira torna-se mais complexa, a despeito da complexidade funcional de seus centros, das interações espaciais entre eles, das relações de competição e complementaridades. Diante disso, bens e serviços especializados podem ser encontrados em centros de escalão inferior da rede urbana, fruto de sua especialização e diversificação em vários segmentos de mercado. Ocorre, porém, que não necessariamente significa que tal centro exerça a efetiva gestão do território, embora estabeleça relações globais, deixando de ser tal atributo uma exclusividade das metrópoles. Pode-se destacar ainda que, pela intensificação dos usos do território, modificações ocorrem no padrão espacial da rede urbana, tornando-o uma realidade efêmera e complexa. As diferenças regionais dos processos em cursos tornam mais rica e complexa essa realidade e estimulante seu estudo. Tomando esse contexto como referência, tem-se a relativização de rígidos padrões hierárquicos entre os centros urbanos, fato ressaltado por Beltrão Sposito et al, (2007), Beltrão Sposito (2007; 2010), Corrêa (2001), Santos (2012), Catelan (2012), que apontam na direção de interações interescalares, heterárquicas, e verticalidades. Assim, para Beltrão Sposito (2007, p. 237), desenham-se novas relações espaciais chamadas de transversais, “por que extrapolam a própria rede em que se inserem” uma dada cidade. Nesse sentido, uma análise que se aproxime da complexidade das cidades médias deve também operar a partir de interações espaciais interescalares que expressa, simultaneamente, a estruturação e articulação da rede urbana (CATELAN, 2012). Essa é uma das características da urbanização na Amazônia sob a égide da expansão da fronteira agrícola a partir de 1960, em que “foram ampliadas as relações espaciais” daquela “com o exterior e o Sudeste do país” (CORRÊA, 1987, p. 58), 224 levando nos últimos anos as cidades médias a estabelecerem relações mais intensas com cidades fora da região do que propriamente dentro da mesma (RIBEIRO, 1998; TRINDADE JR, 2006). Há, segundo este último autor, mais interações entre as metrópoles regionais e capitais regionais do que primeiramente entre estas e as cidades médias na Amazônia Oriental. É inegável que “funções e [...] papéis” urbanos são “resultado das interações espaciais interescalares” (CATELAN, 2012, p. 14). Em outras palavras, cidades médias como Araguaína “ganham força, conformando rede de influências regionais, quanto mais se ampliam as interações espaciais por meio de agentes e empresas que atuam na escala nacional e internacional” (CATELAN, 2012, p. 21) e que nelas se instalem, ou que delas, sendo sede, partam as interações. Essas interações não esgotam ou dissipam os padrões hierárquicos, mas os tornam mais complexos e dinâmicos. Por essa perspectiva, as interações espaciais, que constituem “um amplo e complexo conjunto de deslocamentos de pessoas, mercadorias, capital e informação”, e que “devem ser vistas como parte integrante da existência (e reprodução) e do processo de transformação social” (CORRÊA, 1997, p. 279-280), cuja realização se dá em variadas escalas, coloca as cidades e as redes urbanas, ou no dizer de Beltrão Sposito (2012, p. 127) “sistemas urbanos”, numa trama de relações que somente podem ser lidas pelas multiplicidades das relações escalares, dos agentes que neles atuam. Aqui as interações são “tomadas enquanto uma perspectiva metodológica para a construção de uma teoria espacial de articulação entre escalas” (CATELAN, 2012, p. 28), isto porque “nada pode ser explicado apenas numa escala, mesmo que estejamos nos referindo à escala internacional” (BELTRÃO SPOSITO, 2012, p. 130). É importante destacar que as interações interescalares não ocorrem apenas em cidades médias e escalões superiores da rede urbana. Tais interações podem ser verificadas mesmo em cidades locais, principalmente pela expansão produtiva do agronegócio, cujas principais empresas que comandam o setor atuam em escala internacional. Isso, no entanto, não torna essas interações diversas e complexas, dada a quase restrição ao setor produtivo, como nas cidades médias e grandes. Em ambos os casos está posta a possibilidade metodológica de ver que as relações espaciais e territoriais estabelecidas nessas cidades não passam somente pelo viés hierárquico, mas ao contrário, são fruto do movimento relacional indissociável da estruturação e da articulação. É assim que agentes internacionais instalam-se nas cidades médias, sem que haja a “obrigatoriedade” do estabelecimento de vínculos com núcleos em escalão superior da mesma rede urbana. Da mesma forma, empresas originárias nesses espaços podem alcançar status internacionais, invertendo o tradicional movimento vetorial top-down da/na rede urbana. Todas essas condições são em parte abstratas, em relação à totalidade espaçotemporal, pois há notável variação desses padrões em relação a cada região, como 225 apontam Corrêa (2007) e Sanfeliu (2009). Tais cidades no centro-sul constituem-se de melhores índices sociais e econômicos do que as mesmas na região norte, como destaca Beltrão Sposito (2009). Apesar dessas especificidades, as características elencadas aparecem na definição e no estudo de cidades médias na literatura brasileira e sulamericana, de acordo com cada contexto espaço-tempo. 3. Cidades Médias no Tocantins: as recentes dinâmicas A rede urbana do Tocantins vem passando por intensas modificações nos últimos 20 anos. Seu entendimento passa, necessariamente, pela articulação das escalas intra e interurbana, colocando em relevo as novas formas criadas pela intensificação do capital nacional e internacional, que aumentam as interações espaciais dos centros tocantinenses. Reconhecemos, inicialmente, que a criação do Estado do Tocantins, em 1988, foi um marco na urbanização regional, tendo em vista, em primeiro lugar, a criação da capital Palmas, que promoveu uma ruptura - não de imediato - no comando da rede urbana regional. Em segundo lugar, e a partir daí, um arranjo institucional de atração de investimentos - nacional e internacional - trouxe importantes impactos para o estado. Entre eles, destacam-se a internacionalização da produção agrícola, que está impondo novas relações cidade-campo capazes de incrementar o processo de urbanização, em especial das cidades médias. Parece-nos importante entender que a criação do Estado do Tocantins é um marco enquanto possibilidade que esse evento engendrou, mas o que de fato interessa, ao menos nesta análise, é o movimento do capital que, a partir daí, se verifica no espaço regional. Assim, temos a intenção de realçar mais os processos que ajudaram na produção e reprodução dessa nova urbanização. As cidades médias do Tocantins vivem processos semelhantes nesse sentido, ainda que as formas sejam distintas, dado a história específica de cada centro e o maior avanço do processo em algumas. Trata-se, pois, da “preparação do território”, como destacou Bessa e Corado (2011, p. 42), “para atender às exigências do grande capital”, que avança dando novas dinâmicas às relações e às morfologias urbanas, o que pressupõe maiores interações espaciais interescalares. Admitimos a existência de três cidades médias no estado do Tocantins: Palmas (228.332 habitantes), Gurupi (76.755 habitantes) e Araguaína (150.484 habitantes97). A que nos parece de mais fácil identificação é Araguaína, pela posição na rede urbana (relativamente distante de centros de mesmo nível hierárquico), pelo tamanho demográfico e pelas funções urbanas a ela atribuídas na divisão territorial do trabalho (ver mapa 01). Sobre a cidade de Palmas, por ser capital do estado e exercer papéis administrativos, existem alguns constrangimentos à aplicação do conceito de cidade 97 Os dados populacionais referem-se ao Senso Populacional de 2010 do IBGE. 226 média, pois ela pode ser o ponto de confluência da rede urbana estadual, sendo o destino final da procura de bens ou serviços. Todavia, essa contingência não anula seus papéis urbano-regionais de uma rede que, como demonstra os dados do REGIC (2008), está inserida e comandada na e pela rede urbana de Goiânia. Ademais, essa cidade não apresenta atributos nem populacionais, nem funcionais de uma metrópole. Ainda que os números demonstrem seu vertiginoso crescimento, estes apenas confirmam seu papel como a cidade média mais importante do Sudeste da Amazônia Oriental. Mapa 01: Rede urbana do Tocantins: interações e centralidades 227 Fonte: IBGE, 2008. TOCANTINS, 2012. Elaboração: Reges Sodré (2014). Beltrão Sposito (2004, p. 370) ressalta que “a situação geográfica das cidades influi na definição de sua centralidade interurbana e no peso de seus papéis regionais”, na medida em que “a distância de outras cidades de mesmo porte ou maiores, amplia a área de influência da cidade regional principal”. Parece ser esse o ônus de Gurupi, que 228 em função de estar mais próximo de Palmas do que Araguaína, tem seus papéis urbanos mais mitigados, estabelecendo assim dificuldades em sua conceituação (ver mapa 01). Os dados da tabela 01, que ponderam um período de 42 anos, indicam o crescimento do comércio e dos serviços nas três cidades médias aqui consideradas, mostrando uma evolução significativa do número de estabelecimentos. A cidade de Araguaína apresenta um crescimento significativo com taxa média anual de 4,20%, tendo maior incremento absoluto de estabelecimento a partir de 1995 com média anual de 96 estabelecimentos. Gurupi teve taxa média geral de 3,99%, isto é, praticamente o mesmo crescimento de Araguaína. Tabela 01: Estabelecimentos comerciais e de serviços nas cidades médias do Tocantins Comércio e serviços Cidades 1970 1980 1985 1995 2006 2012 Araguaína 401 611 896 1492 2256 3130 Gurupi 396 451 558 1449 1695 2050 Palmas x x x x 3782 6220 Demais cidades 2646 2982 5859 7481 9713 11416 Fonte: IBGE, 2006; 2012. IPEADATA, 1970-1995. Organização. Reges Sodré (2014). Associando os dados da tabela 01 com a articulação de escala nas cidades médias, ganha destaque o processo de centralização e concentração econômica e espacial98 do comércio e serviços que nelas se verificam, influenciando e decorrendo da ampliação de fluxos de relações interescalares, cuja materialização é notável em seus espaços intra-urbanos e interurbanos. Malgrado o fato de que esteja em curso a tendência e a necessidade, como é própria do consumo, da dispersão dos pontos de venda pelo interior do estado. Na série histórica, as cidades médias apresentam crescimento médio anual superior ao das demais cidades, sendo no primeiro caso 6,54% e, no segundo, 3,54%. O crescimento acumulativo do comércio e serviço também se manifesta imponente, com 1330,36% nas cidades médias e 331,44% nas demais cidades. Se levarmos em consideração os dados apenas a partir da criação de Palmas, temos a acentuação da tendência, de modo que as três cidades médias em 2006 representavam no estado 44,32% dos estabelecimentos e em 2012 subiu para 49,96%. O que impressiona é seu crescimento comparado com as outras cidades no mesmo período, pois elas cresceram 47, 42%, enquanto as últimas 17,53%. Duas questões se colocam: primeiro, esse crescimento pode ser atribuído ao desempenho econômico de Palmas, que cresceu 64, 46%, bem superior a Araguaína (38,74%) e a Gurupi (20,94%); segundo, há uma importante dimensão qualitativa desse crescimento, na medida em que os serviços, o comércio e as indústrias instalados nas cidades médias são mais especializados, diversificados e orientados pela atuação de capitais nacionais e internacionais, principalmente na cidade de Palmas. A este respeito, Beltrão Sposito (2009, p. 58) afirma que: 98 A respeito dos conceitos de concentração e centralização espacial e econômica e seu respectivo contexto à realidade brasileira, ver Beltrão Sposito (2004, 2009) e Beltrão Sposito el at (2007). 229 Relacionando-se expansão de grandes empresas, a partir da abertura de filiais ou concessão de representações comerciais e de serviços, com ampliação dos papéis intermediários das cidades médias, pode-se perceber que, independentemente de qualquer outra dinâmica, relativa à produção no sentido estrito do termo, é a ampliação do consumo de bens e serviços que, em grande parte, explica as centralidades interurbanas em nível regional. Assim, entre as 50 maiores empresas do Brasil em 2013, cuja atuação se dá em escala nacional e internacional, 25 estão presentes em cidades do Tocantins. Apenas uma, a multinacional Bunge, não se localiza nas cidades médias. Ela se encontra na cidade de Pedro Afonso, devido à forte dinâmica do agronegócio instalada ali. Quadro 01: Maiores empresas atuando no Tocantins em 2013. As maiores empresas do país presentes nas cidades médias do Tocantins Empresas Posição Empresas Posição Ipiranga Produtos 4 Claro 25 Volkswagen 8 Telemar 26 Fiat 11 Mercedes-Bens 29 Telefônica 12 Globo 37 Via Varejo 13 Ale Combustíveis 41 Tim 16 Ford 42 Correios 18 Gol Palmas 48 MAN Latin Ambev 22 America 50 General Motors 24 x x Empresas presentes em apenas uma das cidades médias Empresas Posição Cidades Grupo Pão de Açúcar 14 Palmas x JBS 15 Araguaína x Tam 28 Palmas x Toyota 30 Araguaína x Atacadão 32 Palmas x Renalt 36 Palmas x Gerdau Aços Longos 39 Palmas x Fonte: Revista Exame; Sites das empresas. Organização: Reges Sodré, (2014). No quadro 01, aparecem somente 04 empresas, em destaque azul, que além das cidades médias localizam-se em outras cidades do estado: Ford, Tim, Ambev e Telefônica. É possível identificar também que 05 empresas que atuam somente em Palmas, enquanto outras 02 apenas em Araguaína. Esses dados de concentração e centralização econômica e espacial, em especial pela atuação de capital multiescalar, podem ser relacionados a centralidades dessas cidades médias, conforme os dados da pesquisa Região de Influência das Cidades 2007, realizado pelo IBGE (2008), que estão dispostos no mapa 01. Nele, a capital 230 Palmas exerce a função de Capital Regional B, com centralidade muito forte, Araguaína como Capital Regional C, com nível de centralidade forte, e Gurupi como Centro SubRegional B, com centralidade de nível médio. 4. Araguaína e as relações interescalares através do comércio de vestuários Para realizar esta análise, fizemos trabalho de campo para identificação de franquias e lojas de vestuários com atuação nacional e internacional presentes na cidade de Araguaína, com posterior visita a seus sites para o aprofundamento das informações. Apesar do considerável esforço, não angariamos todas as informações que desejávamos, razão pela qual alguns dados encontram-se não preenchidos na tabela 02, sendo que outras empresas simplesmente foram retiradas da análise. Além disso, não tivemos a pretensão de abarcar todas as lojas da cidade, mas focalizarmos um número que fosse significativo para esta pesquisa. Os segmentos considerados como de vestuário incluem: moda masculina e feminina; infantil; íntima; unissex; calçados; bolsas e acessórios. Tornou-se inviável, pela pulverização das lojas na cidade, distinguir tais seguimentos na montagem dos dados - isso seria viável se estivéssemos tratando de um Shopping Center. Ademais, algumas lojas trabalham com diversos seguimentos. Ressaltamos ainda que a vinculação das sedes de empresas a um local ou cidade, no período atual, marcado pela globalização econômica, torna-se temerário à medida que elas podem ter várias sedes (CORRÊA, 1991; SASSEN, 1998). Contudo, o que nos interessa, e esses autores concordam, é o fato da maioria dessas empresas terem sede em grandes centros, implicando em relações de diversas escolas das suas operações de produção e distribuição. Entre as bandeiras relacionadas na tabela 02, destacam-se aquelas que fazem parte de grupos varejistas de modas que mais vendem no Brasil. A revista Exame relacionou 13 grupos que mais venderam em 2013 no Brasil, entre os quais estão presentes em Araguaína três marcas; Cia Hering (8º posição no ranking), Arezzo&CO (10º posição) e Lojas Avenidas (13º posição). Tabela 02. Bandeiras nacionais e multinacionais de vestuário em Araguaína Lojas/franquia Localização em Araguaína Sede Atuação Avenida José de Brito Mmartan Soares x x Avenida Primeiro de Cara de Criança Janeiro Londrina/PA x Avenida Primeiro de Hering Store Janeiro Blumenau/SC Internacional Avenida Primeiro de Ateliermix Janeiro Sapiranga-RS Internacional Avenida José de Brito Equus Soares Minas Gerais Internacional Avenida José de Brito Mr. Cat Soares Rio de Janeiro Nacional 231 Avenida José de Brito Soares Nacional Avenida José de Brito Arezzo Soares Belo Horizonte Nacional Avenida José de Brito Carmen Steffens Soares São Paulo Internacional Avenida Primeiro de Hope Janeiro x Nacional Avenida José de Brito Lilica &Tigor Soares x Nacional Pezinho & Cia Avenida 13 de Maio x x Avenida Conego João Lojas Avenidas Lima Cuiabá Nacional Santa Lola Rua José de Brito Soares x Nacional Avenida Conego João Kazzu Azzee Lima Goiânia Nacional M.office Avenida Filadélfia x x Avenida Conego João Colombo Lima x x Avenida Conego João Armazém Paraíba Lima x x Fonte: Trabalho de Campo, 2014. Site das empresas. Organização: Reges Sodré (2014/15). A chegada dessas empresas em Araguaína é muito recente, data de 2005, com a instalação da Carmen Steffens - loja com atuação focada em públicos da classe média alta. Essa loja recentemente adotou novo endereço na Av. José de Brito, sendo que antes se encontrava na Av. Cônego João Lima. Isso fortalece o fato de a maioria das lojas de grife localizarem-se naquela avenida, dada a proximidade com bairros nobres na cidade, como o setor Anhanguera, e, ainda assim, continuarem com localização favorável ao público regional. Em entrevista, a proprietária da franquia Carmen Steffens Araguaína destaca que “foi difícil introduzir esse conceito porque, em cidade do interior, as pessoas estavam acostumadas com aquela situação do fazer ‘notinhas’, o ‘leva para casa e acerta depois’”. Por tudo isso, “o início foi complicado”. Porém, segundo ela, “as pessoas entenderam que a cidade estava crescendo e que as mudanças eram necessárias”. A partir de então, houve um surto de criação de franquias, lojas, e renomadas boutiques na cidade. Os produtos que elas oferecem são sofisticados e caros, dando distinção social a quem pode ou não consumir, ou seja, eles são direcionados a um público de médio a alto poder aquisitivo. Esse fator é muito importante, porque a cidade consegue atender não somente a demanda por bens de consumo básico para a população das cidades locais, mas oferece bens de consumo imaterial sofisticado a elite regional que, ao invés de se deslocar para cidades maiores, ou mesmo Palmas, encontram aqui suas marcas favoritas. A chegada dessas marcas amplia e complexifica as funções e os papéis da cidade de Araguaína. Terrace 232 Sob tais grifes há muito mais que valor de uso, pois o simbolismo de tê-las, até mesmo pelo destacado marketing feito pelas mídias, é um meio de exibição e fantasia em uma época que se distingue pessoas pelas marcas que usam, pela quantidade que consomem, firmando-se como claro sinônimo de poder, elegância e sofisticação. Assim, o crescimento do comércio de Araguaína, de forma pronunciada nos últimos 20 anos, pode ser lido, além das transformações já contextualizadas, como fazendo parte das exigências da sociedade local que inclui um novo modo de consumir e viver, característico da “sociedade de consumidores”, conforme nota o sociólogo Bauman (2008). Segundo Bauman (2008, p. 73. grifo do autor), na sociedade de consumidores “todo mundo precisa ser, deve ser e tem que ser consumidor por vocação” sendo “ao mesmo tempo um direito e um dever humano universal que não conhece exceção”. É por isso que paradoxalmente vemos também a criação, em Araguaína, de um conjunto de lojas de vestuários especializadas em termos de preços: por exemplo, lojas que vedem alguns produtos apenas por R$ 5,00 10,00 ou 12,00, destinadas ao público com menor poder aquisitivo, nem por isso excluído do mercado. É a lei do mercado no mundo capitalista: existem produtos a serem consumidos por todos os gostos e preços. Essas lojas mais populares de vestuários estão localizadas principalmente na Avenida Cônego João Lima e Avenida João de Souza Lima, cujo crescimento nos últimos anos foi exponencial. As referidas avenidas cumprem importante papel de distribuição de mercadoria à população regional de baixo poder aquisitivo, principalmente aquela de cidades mais próximas, que devido aos baixos custos de transporte, tem maior acesso à Araguaína, fazendo aí seus mais básicos tipos de consumos, como constatamos em diversas entrevistas que fizemos com pessoas das cidades de Carmolândia, Aragominas, Wanderlândia, Santa Fé do Araguaia, Muricilândia e Pau D’arco nos meses de novembro e dezembro de 2014. A esse respeito é importante notar que os brasileiros nunca gastaram tanto dinheiro com sapatos, roupas, joias, óculos e os demais produtos que formam o que se convenciona chamar de mercado da moda (EXAME, 2014). Além disso, segundo a revista Exame, em nenhum país esse setor cresce tanto quanto no Brasil, fazendo com que nos últimos dez anos o faturamento do setor quadruplicasse, chegando a 140 bilhões. Dessa forma, o Brasil saiu do 14º lugar no ranking mundial para o 7º em 2013. Só o mercado de franquias cresceu cerca de 259% de 2007 a 2013. Ainda segundo a publicação, nas classes D e E quase todo o dinheiro é gasto em necessidades básicas como moradia e alimentação. Sobram apenas 40 reais por mês para roupas e acessórios. Quem passa para a classe C gasta, em média, 97$. Na Classe B, 202 $ e, na classe A, 455 $ por mês com moda. As grandes empresas percebem essa dinâmica do mercado e criam diversas marcas destinadas a atender um público diferenciado economicamente. Segundo a proprietária da franquia Carmen Steffens de Araguaína, os gastos com moda nessa cidade em 2012 superou os 60 milhões de reais. 233 Esses novos hábitos podem ser notados em Araguaína, entre outros aspectos, pelo crescente número de eventos, de festas e a intensificação de hábitos tipicamente urbanos, como se alimentar fora de casa e participar de constantes coquetéis, cuja divulgação nas redes sociais e em revistas especializadas fomenta e complementa essa realidade. Beltrão Sposito (2004) já alertava sobre essas e outras novas práticas socioespaciais em cidades médias, oriundas em parte de imitação de prática dos centros metropolitanos. No que tange às franquias e a sua relação com a rede urbana, Catelan (2012, p. 117) destaca que: O sistema de franquias é tendência importante no fortalecimento do comércio, além de ser observado à luz das interações espaciais interescalares, haja vista que estas empresas franqueadas possuem abrangência nas escalas nacional e internacional e, ao mesmo tempo, fortalecem as funções e os papéis destas cidades médias nas escalas local e regional, ao se associarem com capitais menores que nelas atuam. Segundo Corrêa (1991, p. 144), as corporações criam “novos padrões de interação espaciais” ou os tornam mais complexos. Neste caso em estudo, isso se verifica a) pela circulação de excedente em direção aos locais de matriz das empresas, via rede bancária; b) pela circulação de mercadoria aos pontos de venda (para Araguaína e região) e de informações, ligadas à gestão e à divulgação dos produtos; c) fortalecimento da centralidade interurbana. Esses processos que demandam formas diferenciadas imputam novas qualidades ao processo de urbanização na cidade ainda incipiente, mostrando que o consumo sofisticado atinge cidades médias no interior da Amazônia Legal e insere-as na encruzilhada/trama de interações espaciais para além de sua região de influência, ainda que esta justifique aquelas, e de certa forma delas resulta. A instalação dessas empresas em Araguaína nos dá um conjunto de interações que chegam até a cidade, conectando-a numa trama de relações e acumulações do capital nacional e internacional. É a lógica exógena criando nexos no território local que lhes são estranhos, pois mais especializados e dinâmicos. Embora o local não seja inerte, é somente por apresentar condições de acumulação, pelo consumo, que é requerido como ponto e rede de localização desses capitais. Por outro lado, a análise de lojas de vestuários criadas em Araguaína e que vem se expandido nos mercados regionais nos apresenta dinâmicas comerciais que parte da referida cidade para a região de influência e além dela, chegando, por exemplo, aos estados do Pará, Maranhão e Bahia. Entre as lojas de vestuário criadas em Araguaína com forte atuação regional, inclusive em cidades médias como Marabá, estão: Planet Bolsa, T & A, Top Fama, Lojas Rezende e Estação do Enxoval. Há que se distinguir, portanto, que diferentemente de cidades médias do sudeste, como as estudadas por Catelan (2012; 2014), em Araguaína as relações interescalares no comércio de vestuário dão-se de modo muito mais intenso. Nesse sentido, na medida em que lógicas nacionais e internacionais nela chegam e em nenhum 234 caso de fluxos que dela partem99 e atingem a escala internacional (e mesmo raramente a nacional, como podemos observar) ficam restritas à escala microrregional e regional, o que não invalida as dinâmicas de interações em múltiplas escalas. Por último, cumpre ressaltar que as empresas que se localizam em Araguaína, sejam com sede ou filiais, atuam e planejam tendo como referência os consumidores da rede de influência dessa cidade, e não somente os que nela habitam. Segundo o IBGE (2008; 2010), na região de influência da cidade aqui focalizada está presente um contingente de 9.448.68 mil habitantes. Essa lógica de atuação ocorre de duas maneiras complementares: 1) pessoas que procuram a cidade para consumirem, não incluindo somente o comércio de vestuário, mas também outros que abastecem seus pequenos comércios nas cidades locais com produtos oriundo dessas lojas; 2) empresas criadas em Araguaína ou nela instaladas usam a cidade como apoio logístico para a interiorização, pela abertura de filiais, vendedores autorizados e outros. 5. Considerações finais Constatamos que é crescente o incremento de interações espaciais interescalares nas cidades médias do Tocantins orientadas pela atuação de agentes que usam o espaço nacional e internacional como condição e meio de sua reprodução. Acentuam-se as centralidades dessas cidades na rede urbana regional, com substancial concentração e centralização espacial e econômica, havendo íntima relação entre espaço intra-urbano e interurbano. Em Araguaína, o recente incremento do comércio de vestuário, pelas características descritas, faz com que a) a natureza das interações espaciais internacionais e nacionais se modifiquem e deixe de ser apenas ligado ao já conhecido ramo do agronegócio; b) a intensidade das interações espaciais aumenta; c) a periodicidade torna-se mais intensa e d) os alcances tornam-se mais dinâmicos, porque são interescaleres. Referências AMORIM FILHO, Oswaldo; SERRA, Valente. Evolução e perspectivas do papel das cidades médias no planejamento urbano e regional. In: ANDRADE, Thompson Almeida. SERRA, Rodrigo Valente (Orgs). Cidades médias brasileiras. Rio de Janeiro: Ipeia, 2001. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. BELTRÃO SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. O chão em pedaços: urbanização, economia e cidades. 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Os agentes econômicos envolvidos com os grandes empreendimentos de comércio varejista também estão se insertando no espaço urbano, em especial, através do Shopping Center Real Plaza, inaugurado em 2013. Este artigo compreende o processo de início da pesquisa de doutorado sobre o shopping center na cidade de Cuzco. Portanto, para sua realização, lançou-se mão de fontes documentais que tratam da cidade de Cuzco (relatórios, dados estatísticos, notícias de jornais e fotografias) e bibliográficas (livros e artigos científicos) sobre os agentes produtores do espaço e o shopping center. Palavras chaves: Produção do Espaço Urbano; Shopping Center; Cuzco. 1. Apresentação geral da cidade em estudo Com uma população de 398.663 habitantes no ano 2011 (INEI, 2012, p. 17), a cidade de Cuzco é considerada uma cidade média102, de acordo com a tipologia das cidades peruanas (INEI, 2007). Esta urbe está localizada na Província de Cuzco, a qual se situa no Departamento de mesmo nome103, no Sul do Peru (Figura 1). Logo, encontra-se a certa distância das cidades da Costa, onde se concentra o mais expressivo processo de urbanização do país, capitaneado por Lima Metropolitana. Efetivamente, Cuzco é uma cidade provinciana por sua localização, contudo, cosmopolita pelo atrativo turístico e a centralidade cultural que exerce. 100 Este artigo é resultado da Pesquisa de Doutorado, que se encontra em fase inicial, por isso, não apresentam considerações finais. Essa pesquisa é orientada por Maria Encarnação Beltrão Sposito. É financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. 101 Estudante de Doutorado do Programa de Pós Graduação em Geografia/UNESP/Presidente Prudente. 102 Classificação realizada, segundo o tamanho demográfico. 103 Recebem a mesma denominação “Cuzco”: o Departamento, a Província e o Distrito, em termos político-administrativos. Igualmente, há a cidade de Cuzco, que é um continuum urbano situado em vários distritos. 238 Figura 1: Localização geográfica do Departamento de Cuzco Fonte: Região Cusco, Documento do Ministerio del Comercio Exterior y del Turismo. http://www.mincetur.gob.pe/newweb/Portals/0/Cusco.pdf Cuzco está a 1.153 km de Lima, com trajeto terrestre de uma duração de 15 horas, não obstante, por seu potencial turístico, conta com o segundo mais importante aeroporto do país, construído em 1964. Logo, diariamente, desembarcam em Cuzco passageiros nacionais e internacionais. Situada na Região Serra, está a uma altitude de 3.399 m. Por conseguinte, o espaço topográfico sobre o qual Cuzco está assentada, determinante para sua forma urbana, é constituído pelo vale do Rio Huatanay. Contudo, com o crescimento recente do tecido urbano, a urbe andina tem sua expansão constrangida pelas montanhas íngremes. De forma sucinta, Aedo (2001, p. 24) explica que: El desarrollo físico y urbano de la ciudad del Cusco está condicionado por las características geomorfológicas del valle del Huatanay. Se trata de un crecimiento urbano longitudinal cuyo eje direccional es la Avenida de la Cultura, única vía generadora de interrelaciones entre las diferentes zonas urbanas de la ciudad. A estrutura urbana é do tipo centro-periférica, pois, de um lado, Cuzco é formada pelo centro tradicional, Patrimônio Cultural da Humanidade desde 1983, em cuja área se instalou atividades comerciais e de serviços turísticos desde os anos 70 do século XX e é o local mais densamente ocupado da cidade; de outro lado, têm-se os bairros periféricos, os quais estão passando, nas últimas décadas, por processo de intensificação da ocupação e diversificação dos usos do espaço. A Figura 2 apresenta a evolução da forma urbana de Cuzco, com o centro tradicional localizado à esquerda e o eixo de expansão posterior orientado para a direita. 239 Portanto, uma forma longitudinal, seguindo o curso do rio, como mencionou Aedo (2001). A pequena faixa branca, na parte sul, corresponde ao Aeroporto Internacional Alejandro Velasco Astete, localizado totalmente dentro da zona urbana. Figura 2: Evolução do tecido urbano de Cuzco. Fonte: AEDO, 2001, p. 24. Em Cuzco, há déficit de área propícia para a urbanização, tanto pelas características geomorfológicas, quanto pela presença de zonas naturais, históricas e arqueológicas protegidas, fatores que intensificam os conflitos dos agentes sociais pela apropriação e uso do espaço. A figura 3 apoia a descrição realizada: Figura 3: Tecido urbano de Cuzco Fonte: Google Earth Efetivamente, estudar a cidade de Cuzco é uma tarefa que exige grande esforço, em virtude das complexas interações e relações entre os agentes, tanto os da escala da cidade quanto os de outras escalas geográficas, tais como a regional, nacional e internacional. Tal realidade pode ser remetida às palavras de Lefebvre, ao relatar o: (...) conjunto das atividades prático-sociais, na medida em que elas se imbricam num espaço complexo, urbano e cotidiano, 240 assegurando até certo ponto a reprodução das relações de produção (relações sociais). Através desse espaço atual, de sua crítica e de seu conhecimento, alcança-se o global, a “síntese”. (LEFEBVRE, 2008, p.18). Com o intuito de compreender a complexidade da produção do espaço urbano em Cuzco, toma-se como ponto de partida a identificação dos agentes sociais, econômicos e políticos. A priori, destacam-se aqueles envolvidos nas atividades ligadas ao Turismo, por terem sido determinantes na formação de vários arranjos espaciais na cidade, como também os agentes conservadores do patrimônio. Em seguida, vem o setor imobiliário, que está atuando cada vez mais em Cuzco e o Shopping Center Real Plaza, objeto de estudo deste trabalho, encontrou possibilidade de inserir-se no comércio varejista da cidade, sendo um de seus empreendimentos mais recentes. 2. Os Agentes Sociais: uma primeira aproximação O trabalho de Andrade (2013) contém vários esclarecimentos a respeito das particularidades espaço-temporais da ação dos agentes. Assim, ao estudar o papel da Igreja como agente produtor do espaço urbano-regional do Recôncavo Baiano no século XVIII, Andrade assinala que: A identificação de agentes de produção passa pelo próprio entendimento da dinâmica social de uma dada configuração territorial. Esse exercício, entretanto, não segue um padrão uniforme aplicável a todo espaço ou tempo histórico. Ainda que possam ser agrupados genericamente, as peculiaridades de um dado recorte têmporo espacial dão especificidades aos agentes que ali atuam mediados pelas relações de poder na produção do espaço social (ANDRADE, 2013, p 02). No caso ora estudado, é relevante compreender a forma através da qual os agentes sociais atuantes na economia pós-fordista produzem, hoje, uma cidade repleta de particularidades culturais e naturais. Através deste exercício de reflexão e análise, foi possível constatar que Cuzco vem sendo produzida por agentes sociais, políticos e econômicos múltiplos e conflituosos, os quais, são: 1) O Estado, cuja ação é desarticulada e fragmentada; 2) Agentes do setor terciário da economia, que se utilizam do potencial arqueológico e paisagístico para acumular capital, através de atividades ligadas ao Turismo; 3) Os grupos sociais mais desfavorecidos, atuando no setor informal da economia e na ocupação ilegal das áreas de risco; 4) Os promotores imobiliários e 5) os proprietários fundiários, que submetem a terra e os imóveis ao valor de troca. Os agentes econômicos envolvidos com os grandes empreendimentos de 241 comércio varejista também estão se insertando no espaço urbano, em especial, através do Shopping Real Plaza, inaugurado em 2013. Tomando em consideração os agentes sociais elencados por Correa (1995), buscou-se identificar os mesmos na cidade de Cuzco (Quadro 1), como exercício de aproximação inicial ao reconhecimento de tais agentes. Quadro 01: Agentes produtores do Espaço Urbano em Cuzco Agentes identificados por Corrêa (1995) Donos dos meios de produção (sobretudo as grandes indústrias) Proprietários fundiários Promotores imobiliários Agentes identificados em Cuzco, com base em Corrêa (1995) Indústria manufatureira; construção; eletricidade; gás; água. Públicos; privados; Igreja. Empresas imobiliárias e construtoras formais e informais - Municipalidades distritais: San Sebastian; Santiago; Wanchaq; San Jerónimo; Estado - Municipalidade Provincial de Cusco - Governo Regional; - Ministério de Cultura; Ministério do Ambiente; UNESCO Grupos sociais excluídos104 População indígena, de origem indígena, camponeses migrantes. Fonte: CORREA, 1995 e elaboração própria. Primeiramente, será apresentado o agente Estado, o qual possui ação administrativa de caracterização complexa. A bibliografia que trata dos agentes produtores do espaço sempre ressalta o papel importante do Estado. Por exemplo, Souza (2011) explica a função dele: [...] dispõe-se enquanto planejador: promulgação de leis (planos diretores, zoneamentos, legislação urbana/urbanística federal e estadual etc.) recursos para investimentos em larga escala, monopólio (legal) da violência, poder (legal) da polícia. É claro que o Estado, por tudo isso, é e permanece sendo uma instância crucial do planejamento (e da gestão) das cidades. (SOUZA, 2011 p.150). Porto (2008) também evidencia que o Estado realiza importantes intervenções urbanas do ponto de vista da socialização da cidade, com a estruturação de obras de uso coletivo, tais como escolas, correios, hospitais, para cumprir sua função governamental. Capel (1974), por seu lado, fundamentou o papel do poder público, antes mesmo de Souza (2011) e Porto (2008): El Estado es a la vez agente que contribuye de forma decisiva a la producción del espacio urbano, y árbitro en los conflictos y contradicciones surgidos entre los diferentes agentes. Al mismo tiempo realiza las acciones necesarias para la regulación del sistema en el caso de la existencia de una presión popular a 104 Essa qualificação de Correa merece maior reflexão neste texto. Embora a pesquisa sobre a cidade de Cuzco ainda esteja em fase inicial, já se nota que não há “excluídos”, pois, todos os agentes têm uma participação. Tais afirmativas serão aprofundadas em fases posteriores da pesquisa. 242 través de movimientos reivindicativos de carácter urbano (CAPEL, 1974, p. 51-52). No caso das cidades peruanas, é importante verificar a ação atual de um Estado eminentemente neoliberal e, ao mesmo tempo, com variadas instâncias de poder e planejamento. A divisão político-administrativa da República do Peru105, distinta da brasileira, tem uma particularidade, no que toca à organização do Estado, enquanto agente de produção do espaço. Há uma fragmentação político-administrativa, com entes políticos diversos atuando no mesmo espaço. As menores unidades administrativas, a partir das quais há ações do poder público na cidade de Cuzco, são os Distritos, cada qual com sua municipalidade (Quadro 1). Apenas o Distrito de Cuzco não possui prefeitura distrital, uma vez que é sede da prefeitura provincial. Por conseguinte, a cidade de Cuzco também recebe influência de decisões tomadas na Província e, finalmente, no Governo Regional de Cuzco, ou seja, no nível do Departamento. Instâncias nacionais e internacionais, como o Ministério de Cultura, o Ministério do Meio Ambiente e a UNESCO, também atuam na cidade imperial. Logo, em Cuzco, como em todo o território peruano, há uma grande fragmentação de competências entre as autoridades políticas, nacional, regional e local106. Assim, a ação do agente Estado é complexa, dispersa, desarticulada e, pela índole liberal que possui nos dias correntes, sua ação nem sempre é a mais determinante, sobretudo, na política econômica, marcada pela dependência. Por isso, em todos os entes políticos acima elencados, percebe-se um Estado ora ausente, reflexo das políticas neoliberais, ora atendendo aos interesses dos agentes econômicos dominantes, tanto provenientes de Lima, quanto de outros lugares. Em contrapartida, devido à 105 No Peru, embora haja a presença do município, há unidades administrativas menores com atribuições municipais. Segundo a Lei Orgânica de divisão regional, há 25 regiões, mais a Província de Lima, que tem um regime especial. Cada região é dividida em províncias, administradas por uma Prefeitura Provincial. Por fim, cada província é dividida em distritos, que são governados por uma Prefeitura Distrital. Vale ressaltar que a Região Callao, excepcionalmente, não está dividida em províncias, estando dividida somente em distritos, devido a particularidades de sua formação histórico-administrativa. 106 O exemplo de Lima é ilustrativo, no que toca a falta de integração administrativa. Há uma municipalidade maior, com seu prefeito, no entanto, há 42 distritos, os quais têm seu prefeito, que decidem sobre normas urbanísticas, impostos e planejamento de seu territorial. Distritos estes que formam uma cidade de 08 milhões de habitantes, cuja mancha urbana contínua também inclui Callao, que é outra província, administrada por sua municipalidade provincial, que também está dividido em 07 distritos. 243 importância que Cuzco tomou como patrimônio histórico e natural, também se percebe a intenção conservadora em vários locais, mais que em qualquer outra cidade do Peru. Por sua parte, o setor imobiliário obteve grande importância nos últimos anos. Segundo um relatório da “Cámara Peruana de la Construcción”, desde 2002 até 2012 foram construídos 5.000 apartamentos e casas em Cuzco sem nenhum planejamento (CAPECO, apud LA REPÚBLICA, 2012), o que revela o paradoxo do Estado, que ora atua em prol do patrimônio, ora atende aos interesses do negócio imobiliário. Esse boom imobiliário é noticiado frequentemente nos jornais do país, como El Comercio, La República e Gestión. Por exemplo, no Jornal La República, de 30 de Agosto de 2013, saiu uma notícia com o título “Boom Inmobiliario se muda de Lima a Provincias” e que aponta: En Lima, muchas constructoras han migrado a la sección de conos y ya no han encontrado zonas donde construir, ya sea por la escasez de terreno o problemas con las municipalidades para poder conseguir las licencias… ¿En qué provincias? Sobre todo en Arequipa, en Cusco, en Piura, en Chiclayo y en Trujillo. Corroborando com o assunto antes discutido, uma reportagem de 30 de agosto de 2013 do Jornal Gestión, apresenta o seguinte título: “En Cusco se ha pasado del boom hotelero al boom inmobiliario”, mercado esse, vale agregar, comandado por empresas formais e informais. No jornal, é citado como motivos para esse “boom” o crescimento demográfico, vinculado à “minería informal (la mayoría de personas que compran los departamentos provienen de Puerto Maldonado), el narcotráfico, contrabando y la corrupción” (GESTIÓN, 16 de agosto de 2013). Por outro lado, esse desenvolvimento econômico da última década está ocasionando a acumulação do capital por alguns agentes, entretanto, sem significativas melhorias das condições de vida de muitos habitantes, os quais compõem os grupos sociais mais desfavorecidos, ou integrados ao setor informal mais pobre da economia. A Figura 4 mostra uma senhora andina sobre uma zona alta, onde muitas famílias estabelecem suas residências. Essa imagem dela olhando a cidade que cresce por ação do setor imobiliário pode ser ilustrativa do que vem ocorrendo em Cuzco107 107 Cuzco ou Cusco? Neste artigo, prefere-se a escrita da palavra Cuzco, uma vez que a cidade aqui estudada é identificada com essa denominação, na língua portuguesa. Entretanto, no idioma espanhol do Peru, é utilizada a palavra Cusco. Isso explica porque, nas figuras e citações dos documentos sobre a cidade em tela, aparece escrita a designação Cusco, conforme, por exemplo, o anúncio da Figura 4. 244 Figura 4: Vista da cidade desde um mirante habitado por população de baixa renda, imagem de 2013. Fonte: Jornal La República, http://www.larepublica.pe/08-09-2013/22-mil-familias-en-peligro-por-caosurbano-en-cusco, consulta: 13/08/2014. Portanto, tem-se a atuação dos grupos sociais de menor poder aquisitivo, cujas práticas se caracterizam por ocupar áreas de risco da cidade, como pendentes íngremes, terrenos arenosos e margem de rios, configurando áreas de “barriadas108” (Figuras 5 e 6). Em menor intensidade, estes agentes ocupam também áreas arqueológicas, gerando conflitos com o Estado. Figura 5: Desmoronamento de uma casa na Urbanización Alto de los Incas, após chuva intensa, no dia 10 de Outubro de 2013, fato que ocorre com frequência. Fonte: La República. http://www.larepublica.pe/10-10-2013/comienzaa-llover-en-cusco-y-faltan-planes-para-prevenirdesgracias, Consulta: 13/08/2014. Figura 6: Casas em mau estado, no assentamento de Santa Lucía, após chuvas fortes. 10 de Janeiro de 2014. Fonte: El Comercio. http://www.larepublica.pe/10-10-2013/comienza-allover-en-cusco-y-faltan-planes-para-prevenirdesgracias, consulta: 13/08/2014. Percebendo o crescimento do mercado imobiliário de Cuzco nos últimos anos e o encarecimento do solo, os agentes fundiários (públicos, privados e a Igreja) já põem suas propriedades como valor de troca nos distritos periféricos ao centro histórico. O Jornal La República, de 10 de Dezembro de 2012, informa preços de terrenos que são, indubitavelmente, inacessíveis à população de menor poder aquisitivo: 245 El metro cuadrado en el centro histórico cuesta 6 mil dólares. En zonas como la avenida de La Cultura se oferta a 3 mil dólares y en algunos lugares exclusivos como Santa Mónica, Magisterio y Larapa, el m2 de terrenos (casas para demoler) llega a 2 mil dólares. Por seu turno, o setor industrial não é tão representativo quanto o terciário, como pode ser visto nos dados locais da População Economicamente Ativa (PEA) e do Produto Interno Bruto (PIB). No entanto, são atividades presentes em Cuzco e são descritas pela Municipalidade Provincial: Está representada en su gran mayoría por micro empresas, entre las principales actividades relacionadas o similares a las industriales, se identifica fábricas de artículos confeccionados, de calzado, maletas, muebles, prendas de vestir, instrumentos musicales, joyas y artículos conexos, partes y piezas de carpintería, entre las más resaltantes. (MUNICIPALIDAD PROVINCIAL DEL CUSCO, 2011, p. 237). Para explicitar a ação dos agentes econômicos, lançou-se mão, primeiramente, de dados estatísticos. Estes, expostos no Quadro 2, são referentes à Província de Cuzco. Assim, segundo as fontes estatísticas109 de 2011, as atividades mais representativas são as de serviços de restaurantes e hotéis; transporte e telecomunicações e comércio. Quadro 02: Valor bruto da produção da Província de Cuzco Atividades % da Província de Cuzco, na Região Cuzco Restaurantes e hotéis 68% Transporte e telecomunicações 65% Outros serviços 62% Comércio 60% Serviços governamentais 52% Manufatura (artigos) 52% Eletricidade e água 48% Construção 46% Agricultura, caça e silvicultura 7% Minérios e hidrocarbonetos 3% Pesca 0% Fonte: Municipalidad Provincial del Cusco, 2011. http://municusco.gob.pe/gerencias/WebPlanUrbano/assets/files/Teoria/CAPITULO%20II%20DIAGNOS TICO/2.4.%20COMPONENTE%20ECONOMICO.pdf Consulta: 10/08/2014 109 As atividades econômicas mais lucrativas da Província de Cuzco são diferentes das mais representativas do Departamento de Cuzco. Logo, dados departamentais, também do ano 2011, revelam que as atividades mais economicamente rentáveis a escala departamental são a mineira e de hidrocarbonetos. Logo, o destaque para as atividades terciárias na cidade de Cuzco explica-se pelo potencial turístico, gerado pelo patrimônio histórico e arqueológico, especialmente por sua proximidade a cidadela de Macchu Picchu. 246 Em suma, a economia da cidade de Cuzco é eminentemente terciária, voltada para o setor turístico, logo, com presença de agentes empresariais. A Prefeitura Provincial de Cuzco explica que as atividades chamadas terciárias são: … las actividades de comercio, hoteles y restaurantes, los transportes y las comunicaciones, las finanzas, un conjunto de actividades auxiliares (asesoría, informática, etc.), los servicios sociales y personales, las actividades relacionadas con el ocio y otras muy diversas (MUNICIPALIDAD PROVINCIAL DEL CUSCO, 2011, p. 243). Através das figuras 7 e 8, pode-se visualizar um ambiente com intenção de ostentar comodidade e tradição, para hospedagem de turistas provenientes de todas as partes do mundo. Os hotéis e restaurantes geralmente estão localizados no centro histórico e vários deles são negócios de agentes econômicos não originários de Cuzco. Figura 7: Belmond Hotel Monasterio. Figura 8: Hotel Casa Andina Classic Cusco. Fonte: Página web do hotel http://www.visaluxuryhotelcollection.com.br/hotel -detail/hotel-monasterio. Consulta: 13/08/2014. Fonte: Página web do hotel http://www.inkanatura.net/hotelcasaandinacuzco.htm. Consulta: 13/08/2014. Também é necessário reafirmar que há a participação das atividades do setor informal, ou do que Santos (2008) conceituou como “circuito inferior da economia”. Por exemplo, na cidade de Cuzco, podem ser encontradas empresas informais de http://www.visaluxuryhotelcollection.com.br/hotel- transporte, tanto conduzindo gente da localidade, quanto turistas, agências de turismo, detail/hotel-monasterio guias turísticos, serviços de lavagem de carros e atividades comerciais, desde venda de roupa a suprimentos em geral. Dessa forma, ao refletir sobre a ação dos agentes antes expostos, conclui-se que o espaço urbano de Cuzco, “como qualquer outro objeto social, pode ser abordado segundo um paradigma de consenso ou de conflito” (CORREA, 1995, p. 01). A primeira aproximação da identificação dos agentes produtores do espaço em Cuzco mostrou que há, nesta urbe, agentes econômicos, sociais e políticos, tanto de origem local como global, os quais dão forma e conteúdo à urbe. 247 Portanto, atuam em Cuzco os agentes que Vasconcelos (2011) chamou de agentes legais e ilegais (ou formais e informais). Concomitantemente, há os agentes examinados segundo suas ações locais, regionais, nacionais ou globais (escala) ou os agentes hegemônicos ou dominantes e os dominados (associados ao poder político, à economia, à cultura, etc.). Há, também, os agentes transformadores ou “conservadores” das cidades (exemplos: agentes imobiliários, defensores do patrimônio) (VASCONCELOS, 2011). Enfim, as abordagens de Corrêa, Capel e Vasconcelos, sobre os agentes sociais, apresentam complementaridades e apoiam a análise aqui realizada, tendo como base empírica a cidade de Cuzco. Esses teóricos reforçam a compreensão crítica, com enfoque social e econômico, dos agentes que atuam no espaço urbano. Nessa perspectiva, os agentes agem e interagem, de acordo com interesses econômicos, frequentemente, gerando conflitos, no âmbito do sistema capitalista. 3. O Shopping Center no Peru: “De Lima às Províncias” O número de shopping centers aumentou nos últimos quinze anos, como resultado da redefinição dos papéis das cidades peruanas no atual processo de reestruturação econômica. Outros países da América Latina receberam o shopping center em suas grandes cidades desde a década de 1970, contudo, no Peru, a construção desses empreendimentos foi retardada pela simultaneidade do conflito armado e da crise econômica, que assolou o país nas décadas de 1980 e 1990. O conflito político e a recessão econômica pelos quais o Peru passou tiveram seu retrocesso na década de 1990, durante o governo de Alberto Fujimori, o qual solucionou tais problemas, respectivamente, através da repressão e prisão dos líderes guerrilheiros e da implantação de um programa de governo neoliberal, seguindo o Consenso de Washington. O intuito do Programa de Ajuste Estructural Neoliberal (PAEN) foi promover o desenvolvimento através da iniciativa privada, do livre mercado e da competição entre os agentes econômicos nacionais e internacionais, como via para dinamizar e/ou formalizar as atividades comerciais e de serviços. Com isso, o país pôde retomar seu caminho rumo à economia capitalista e global. Em suma, o Peru pós crise adentrou, de modo mais profundo, no sistema de acumulação capitalista, o qual, segundo Harvey (2007, p. 140), apoiou-se “(...) na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo”. 248 Entretanto, o Peru é um país que, historicamente, desenvolveu sua economia em função de demandas externas por matérias-primas, com cidades e regiões fortemente marcadas pela atividade mineira, voltada para exportação, com base na agricultura de subsistência e na economia informal. Assim, a nação peruana experimentou o processo de reestruturação econômica, ora com rupturas, ora com permanências de suas problemáticas. Efetivamente, as cidades estão se reestruturando, com a ação de agentes econômicos da empresa privada e moderna, porém, com a continuidade dos problemas advindos da atividade mineira, o ineficiente aproveitamento do seu rico legado histórico, material e imaterial, e com o seguimento do dualismo formal/informal nos ramos primário, secundário e terciário da economia. A ineficácia do Estado como agente político, promotor de bem estar social e proteção ambiental também afeta os espaços urbanos. Ainda hoje as cidades da Serra e da Selva110 são lócus de precariedade de infraestrutura, carência de serviços públicos, deficiente saneamento básico, desarticulação da rede urbana, insegurança, conflitos ambientais com empresas mineiras e escassa preparação ante os frequentes desastres naturais. O cultivo de coca e o narcotráfico ainda marcam o destino de várias cidades, principalmente da Selva Amazônica. Assim, as mudanças das duas últimas décadas se deram por meio da articulação entre descontinuidades e continuidades dos dilemas históricos do país. Dessa maneira, é nesse contexto que as novas formas de consumo se instalam, como fruto da reestruturação econômica. Essas novidades revelam-se na construção de condomínios fechados, shopping centers, multiplicação das empresas imobiliárias, como também na valorização dos hábitos de lazer e consumo de bens e serviços especializados da modernização atual. Nessa senda, os shopping centers foram construídos, primeiramente, em Lima/Callao, tanto nos bairros de classe alta, quanto nos distritos populares de economia emergente. Em seguida, ergueram-se nas três cidades grandes, todas elas, assim como Lima, localizadas na Região Costa, quais sejam Arequipa, Chiclayo e Trujillo. Em último lugar, os shopping centers despontaram nas cidades 110 O Peru é um país fortemente marcado por três grandes regiões naturais, chamadas Costa, Serra e Selva. A primeira é constituída pelo Deserto Costeiro do Pacífico, uma região seca e cortada por vales de rios que nascem na Serra. A segunda é a área montanhosa, ou seja, a Cordilheira dos Andes, berço da cultura andina. Enquanto a terceira é a zona constituída pela Floresta Amazônica. Em suma, o Peru está constituído por três regiões, isto é, a desértica, a montanhosa e a de floresta densa. Logo, o processo de ocupação do Peru é influenciado, até os dias atuais, pelas condições adversas de sua geografia física. 249 médias. A tardança desse processo explica-se pelas particularidades das três regiões (Costa, Serra e Selva) e pelo tradicional centralismo de Lima. Todavia, a atividade mineira (recursos minerais), turística (patrimônio, arqueológico, cultural e natural) e a própria economia informal dinamizaram algumas cidades médias do interior, econômica e demograficamente. Isto possibilitou a participação de várias destas cidades na nova divisão do trabalho, sendo, portanto, um processo recente e em curso. Vale salientar que, até o momento, somente nas cidades da Selva não há shopping centers dos grupos registrados na Asociación de Centros Comerciales del Perú (ACCEP), nem mesmo em Iquitos, que é uma urbe de tamanho considerável. Diversas cidades desta região são dominadas pelo narcotráfico, pela atividade mineira ilegal e carece de articulação regional e nacional, o que, talvez, desanime os investidores do ramo comercial/formal. As constatações antes expostas têm a ver com o que Yujnovsky (1971, p. 101) afirma sobre a realidade latino-americana, ou seja, deve-se considerar as particularidades de uma sociedade dependente, o tipo de estratificação e mobilidade social, o baixo poder aquisitivo de estratos médios e baixos, as características específicas do modo de vida de camadas de alta renda, entre outras variáveis que incidem na estruturação do espaço urbano. O Quadro 3 apresenta informações sobre os shopping centers existentes nas cidades peruanas, até o ano de 2014, sem contabilizar alguns que estão em processo de construção. Quadro 3: Shopping Centers vinculados à Asociación de Centros Comerciales del Perú (ACCEP) SHOPPING CENTER ANO DE GRUPO EMPRESARIAL N° DE OPERAÇÃO ESTABELECIMENTOS (NOME DE MARCA) DO 1° PAÍS DE GRANDE DEMAIS SHOPPING NOME ORIGEM LIMA CIDADES Jockey Plaza 1997 Altas Cumbre Chile 01 00 Mega Plaza e Mega Plaza Express Plaza Lima Sur, Arequipa Center e Balta Shopping Minka, Plaza del Sol y Plaza de la Luna La Rambla, Molina Plaza El Quinde Shopping Plaza 2002 Grupo Wiese Parque Arauco Peru Chile 04 03 2005 Cencosud Chile Inversiones Centenario Chile 02 Peru 01 04 2012 Breca Peru 02 00 2006 Ekimed Peru 00 02 01 1986 250 Boulevard de Asia 1998 Ibárcena Peru 01 00 Mall Aventura Plaza 2008 Mall Plaza Chile 02 02 Open Plaza 1995 Falabella Chile 04 05 Parque Agustino 2011 Graña y Montero Chile 01 00 2006 Parque Arauco Chile 02 2009 Corporation Wong Pontificia Universidad Católica Grupo Intercorp Chile 01 Larcomar, Lambramani y Lima Outlet Center Plaza Norte 01 Plaza San Miguel 1976 Real Plaza 2005 Peru 00 00 01 Peru 06 11 1.1.1 Fonte: ACCEP, 2014. 1.1.2 http://www.accep.org.pe/picsdb/ini_1415662494_OPORTUNIDADES%20DEL%20S ECTOR%20Brochure%202014.pdf Através do Quadro 03, pode-se constatar que os interessados em construir shopping center no Peru, até o momento, são investidores provenientes do Chile e grupos empresariais locais. Aliás, as empresas chilenas, dos mais diversos ramos, são as protagonistas do desenvolvimento da economia formal no Peru. Até o ano 2014, havia 57 shopping centers no Peru registrados na ACCEP, 28 localizados na grande Lima e 29 nas demais cidades. Complementando as informações do Quadro 3, é importante mencionar que os shopping centers de construção mais antiga, localizados em Lima, aumentaram seu tamanho pouco a pouco, desde que tivessem espaço para expandir-se. Inclusive, a falta de terrenos é um dos impedimentos iniciais para o estabelecimento de shopping center no Peru, por suas particularidades físico-geográficas. Por exemplo, o Plaza San Miguel, em 2011, tinha 79.246 m² de área locável, enquanto que, em 2014, tal área subiu para 85.504 m². Por seu turno, o número de lojas subiu de 200 para 230. O Jockey Plaza, um dos maiores e mais sofisticados shopping centers de Lima, tinha uma área locável, em 2011, de 124.561 m², aumentando para 156.106 m² em 2014. Assim, o número de lojas subiu de 346 para 425. Há grupos empresariais que não apresentaram, até agora, o afã de expansão para outras cidades, a exemplo da Pontificia Universidad Católica del Perú, que possui apenas um shopping, presente na paisagem limenha desde a década 70 do século XX. O Shopping Plaza San Miguel está localizado nas vizinhanças do campus universitário, 251 no Distrito de San Miguel, nas terras, antes rurais (antiga Fazenda Fundo Pando), pertencentes à Igreja Católica. A maior parte desses centros comerciais foi inaugurada nos últimos dez anos. Tomando em conta a extensão territorial de cada um deles, atualmente, verifica-se variação de tamanho, em metros quadrados. Para dar dois exemplos, tem-se o Shopping Plaza Norte, construído nos distritos periféricos de Lima, o qual possui 127.350 m² de área locável, enquanto o Parque Agustino tem somente 13.375 m² de área locável, estando, este, localizado na chamada Lima consolidada. Finalmente, nota-se que o grupo peruano Intercorp, que constrói os shopping centers com o nome de marca Real Plaza, é um dos mais recentes (início das operações em 2005) e foi o que mais se expandiu em número de empreendimentos (06 shopping centers na grande Lima e 11 nas demais cidades), sendo o que mais aposta, atualmente, nos centros urbanos de porte médio das províncias serranas. 4. O Shopping Center Real Plaza de Cuzco O que não faltam são impedimentos, do ponto de vista legal, para transformar a forma urbana e o conteúdo da cidade de Cuzco. No que se refere ao Centro Histórico, isto é devido às normas de conservação, detalhadas nos planos específicos, enquanto na escala provincial, é efetuado por via dos planos de desenvolvimento urbano, os quais listam como áreas de restrição as altas pendentes, leito de rios, áreas agrícolas circundantes à cidade, sítios arqueológicos, áreas verdes e áreas de proteção ambiental. Logo, o processo de modernização, resultante da reestruturação neoliberal, em curso no país, encontra barreiras em Cuzco. Por isso, Cuzco foi uma das últimas cidades, com o seu tamanho e dinâmica, a ter um shopping center. Urbes de porte menor foram lócus destes empreendimentos antes da capital imperial. As causas dessa tardança aparecem no discurso dos jornais, à época da inauguração do shopping: Ciudades más pequeñas en población como Juliaca, Ica, Cajamarca, Chincha o Cañete, esta última con una población 5 veces menores, sí tienen oferta de retail moderno... Durante estos años hubo oposición de autoridades, organizaciones defensoras de la conservación de Cusco tal como está y de otros sectores de la población, había augurios tan negativos como que Cusco no es plaza para C.C111 o que sufriría robos constantes 111 Centro Comercial 252 que harían inviable su supervivencia o que un C.C espantaría a los turistas (GESTIÓN, 12/12/2013). Portanto, houve conflitos entre os agentes conservadores do patrimônio (Prefeitura provincial, UNESCO e alguns membros da sociedade civil) e os agentes imobiliários e empresariais. Com efeito, Cuzco vive a dialética tradição/modernidade, pois, de um lado, é uma cidade de grande valor arqueológico, histórico, artístico e cultural e, de outro lado, anseia por mudanças. Nesse sentido, Centeno e Solano (2013, 165) afirmam: Se construye entonces una forma de entender el desarrollo urbano que las empresas inmobiliarias han sabido recoger y estimular idealizando este nuevo modelo de vida urbana. Las transformaciones urbanas se traducen en importantes inversiones en edificios residenciales y de oficinas, condominios, centros educativos exclusivos, grandes centros comerciales o malls, que se convierten en los nuevos indicadores del grado de modernidad que alcanza una ciudad. O shopping center, ressalta Pintaude, "(...) não é fruto do prolongamento, da expansão comercial de um lugar, mas fruto de uma ruptura com o virtual destino de um lugar. Os shopping centers não são implantados em locais tradicionalmente comerciais, a não ser eventualmente, quando as condições o permitem, e esta localização não é condição necessária" (PINTAUDI, 1989, p. 152) O Real Plaza de Cuzco foi construído pelo Grupo Intercop, em associação com a Imobiliária Puerta del Sol e foi inaugurado em 2013. Este shopping center foi edificado em terreno próximo a Avenida de la Cultura. Esta via é a principal artéria comercial da cidade e conecta o centro aos principais bairros de Cuzco. Na Figura 9, pode-se ver a localização do Real Plaza (círculo vermelho) e a sul é possível visualizar (em linha amarela) a Avenida de la Cultura. O círculo e o retângulo, em cor preta, correspondem, respectivamente, ao centro tradicional e ao aeroporto, o que significa que o Shopping Center Real Plaza está localizado em uma zona estratégica, desde um ponto de vista de acessibilidade, dinâmica comercial e social. 253 Figura 9: Localização do Shopping Center Real Plaza de Cuzco Fonte: Google Maps Em suma, as estratégias locacionais dos promotores imobiliários responsáveis pelo Real Plaza de Cuzco tomaram em conta uma localização não tão longe do centro, com boas vias de conexão e onde pudessem adquirir maior terreno possível. O Real Plaza possui uma área de 38.000 m². Os agentes sociais que produzem o Shopping Center Real Plaza, são: 1) Proprietários fundiários: O local pertencia ao Arcebispado de Cusco e foi adquirido pelo Grupo Intercorp. O terreno não estava vazio, era parte do Colégio San Antonio Abad, de educação básica, mais precisamente o local onde estava o campo de futebol, a piscina, espaços de recreação e área verde. O Grupo Intercorp comprou o terreno que abarca o colégio inteiro, porém, a escola ainda está em funcionamento, uma vez que não se pôde derrubá-lo e trasladá-lo, até o momento. A mudança do colégio para novo local está prevista para o fim de 2015, quando se iniciará o processo de expansão do shopping center. 2) Donos dos meios de produção: Grupo Intercop. Entre os integrantes deste grupo, estão o Banco Interbank (maior líder), Supermercados Peruanos SA, Promart Homecenter, Loja Oechsle, Universidade Tecnológica do Peru, o Colégio Bilíngue Innova School, etc. 3) Promotores Imobiliários: Imobiliaria Puerta del Sol 4) Estado: Municipalidade Provincial de Cusco, esta atuou nos processos de concessão de licenças de construção, fiscalização da obra, etc. As imagens panorâmicas, das figuras 10 e 11, mostram o local para construção do shopping e o mesmo já edificado e em funcionamento. 254 Figura 10: Terreno antes da construção do Shopping Real Plaza. Fonte: Cusco desde El Lente de Mi Camara. https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbi d=515539121888704&id=279639322145353 Consulta: 28/01/2015 Figura 11: Shopping Real Plaza. Fonte: Foro Skyscrapercity. http://www.skyscrapercity.com/showthread.php ?t=801492 O Shopping Real Plaza possui estacionamento (Figura 12) e, conforme está listado em sua página web112, tem 92 lojas, contando com os bancos BBVA, BCP e o Coney Park. Abriga lojas de marcas famosas, como Joaquim Miró, Pierre Cardim, Michèlle Berau, entre outras. Há ainda praça de alimentação bem equipada e o Cine Planet. As imagens da Figura 12 mostram o estacionamento, partes da fachada do shopping e seu interior, respectivamente. 112 http://realplaza.pe/cusco/tiendas 255 Figura 12: Imagens diversas do Shopping Real Plaza. Fotografia: José Luis Zuloaga Obregón, 2014. Enfim, o Real Plaza é um dos empreendimentos resultantes do dinamismo do mercado imobiliário, conforme pode ser visto nas notícias de jornais, como El Comercio, La República e Gestión. Os distritos de influência imediata do shopping são San Jerónimo, San Sebastian, Santiago e Wanchaq, porém, por sua acessibilidade, todos os habitantes podem se dirigir, sem maiores dificuldades, até o estabelecimento moderno. Espera-se continuar com a pesquisa para estudar as transformações na estrutura urbana e nas práticas espaciais dos citadinos e dos consumidores, após o funcionamento do Shopping Real Plaza. Logo, analisar se este empreendimento vem se tornando ou não um elemento reforçador de novas dinâmicas e (re)definição de centralidades. Igualmente, é importante averiguar se o Shopping Real Plaza está atraindo moradores e turistas para o consumo de bens e serviços, ou até mesmo se está concorrendo ou ganhando espaços do comércio tradicional, em uma urbe cujo potencial está mais no seu legado histórico do que em sua modernização. 5. Referências bibliográficas 256 ANDRADE, Adriano Bittencourt. O PAPEL DA IGREJA COMO AGENTE DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO-REGIONAL DO RECÔNCAVO BAIANO SETECENTISTA. XIII SIMPURB. UERJ. Rio de Janeiro. 18 a 22 de novembro de 2013.http://www.simpurb2013.com.br/wp-content/uploads/2013/11/GT08_Adriano.pdf. Consultado em 04.08.2014 CAPEL, Horacio. Agentes y estrategias en la producción del espacio urbano español. Revista de Geografía, v. 08, n. 1-2, 1974, p. 19-56. CENTENO, Pablo Veja; SOLANO, Jorge Andrés. Desarrollo Urbano en Cajamarca: entre dinámicas territoriales y globales. In: CANZIANI, José, Schejtman, Alexander (orgs.) Ciudades Intermedias y Desarrollo Territorial. 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AS FRONTEIRAS DO HORÁRIO NOTURNO E DOS FINAIS DE SEMANA. Sergio Moreno Redón113 RESUMO Os horários comerciais são um indicador da capacidade dos estabelecimentos comercias de se adaptar às novas necessidades sociais. Eles têm uma influência significativa sobre a organização empresarial (principalmente no que se refere à distribuição das horas de trabalho e do número de trabalhadores) e sobre os clientes. Portanto, a demarcação do horário para as empresas deve ser considerada como um dos elementos da sua lógica espacial, da mesma forma que é considerada, por exemplo, a localização. O artigo explora, por um lado, os horários comercias dos estabelecimentos dos eixos comerciais do Calçadão e da Avenida Coronel Marcondes, assim como também dos principais shopping centers e hipermercados da cidade de Presidente Prudente; e, por outro lado, a evolução dos horários comercias na legislação local. O resultado mostra como há uma diferença significativa entre o avanço noturno dos novos grandes estabelecimentos planejados, que já foram pensados para operar com um horário dilatado, e a resistência dos estabelecimentos varejistas dos eixos urbanos tradicionais. Palavras chave: Fronteira temporal, expansão temporal, horário comercial. 1. Introdução Os horários comerciais são os períodos de tempo em que uma atividade econômica é efetivada. No caso do comércio varejista, é o momento em que ela vai permanecer aberta ao público. Nesse sentido, o horário tem uma influência significativa sobre a organização empresarial (principalmente no que se refere à distribuição das horas de trabalho e do número de trabalhadores) e sobre os clientes. Portanto, deve ser considerado como um elemento da lógica espacial das empresas de varejo, da mesma forma que é considerada, por exemplo, a localização. É do interesse deste artigo chamar a atenção para as mudanças nos tempos, concretamente nos horários de funcionamento do comércio varejista114. No conjunto da 113 Bolsista de pós doutorado no Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais – GAsPERR -, na Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista – Presidente Prudente (Brasil). [email protected] 260 sociedade contemporânea, o incremento das atividades para horários noturnos parece ser uma constante (LINDER, 1970). No entanto, nem todas as atividades econômicas vão consegui-lo. As atividades comerciais, favorecidas pelas mudanças produzidas pela Globalização, encontram-se entre as que, de forma generalizada, estão indo nesse sentido. O caráter local do horário comercial, como vai se mostrar a partir da legislação brasileira, faz necessária a proliferação de estudos de caso que mostrem como estão-se desenvolvendo o processo em diversos contextos. Os objetivos deste artigo são, de um lado, analisar a evolução dos horários comercias na cidade média de Presidente Prudente e, de outro lado, identificar quais são as fronteiras temporais (limites) para o comércio varejista. A metodologia utilizada tem seguido dois passos. Primeiro, a análise da sequência histórica dos horários nas diversas legislações da cidade de Presidente Prudente. Identificando as principais mudanças, além dos principais limites que ainda não foram superados. E segundo, um extenso trabalho de campo, aplicando questionários nos estabelecimentos do Calçadão e da Avenida Coronel José Soares Marcondes115, assim como nos Shopping Centers e Hipermercados da Cidade. O trabalho de campo foi realizado em diferentes dias e horários, durante o período compreendido entre julho e setembro de 2014. No Calçadão, foram aplicados com sucesso um total de 79 questionários, o que compreende a 91,86% do total de estabelecimentos do eixo e na Avenida Coronel Marcondes, 192 questionários, correspondendo a 85,33% do total. 2. Tempo, horários comerciais e consumo. Sobre o tempo, a Geografia tem aportado duas abordagens principalmente. A primeira considera o tempo como método de análise de qualquer objeto de estudo, enquanto a segunda o considera como um objeto de estudo da disciplina. Assim, a primeira abordagem faz referência ao estudo a partir da história. Encontramos um exemplo no Método de Geografia Urbana, de Raoul Blanchard (1931, p.13) quando estabelece como elemento de análise a evolução histórica da cidade, “a vida da urbs vista e explicada geograficamente”116. Milton Santos, que teorizou neste sentido sobre a necessidade de 114 Este tema é fruto de uma Pesquisa em andamento, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), durante o biênio 2014-2016. 115 O trabalho de campo foi feito no trecho entre o Parque do Povo e a rua Varella. 116 Tradução do autor a partir do texto em catalão. 261 periodização em geografia, defendia que o tempo devia ser definido dentro de um contexto propriamente geográfico e mensurável, considerando-o uma das variáveis geográficas (SANTOS, 1990, p. 222). Mas isto não significa que o tempo deva ser medido necessariamente no sentido estrito de quantificação e sim de existência empírica (ibidem). Por isso, se todo dado geográfico pertence a um período histórico, também o tempo pertence. O que inclui a segunda abordagem dentro da primeira. É a partir desta consideração que se interpreta neste artigo a segunda abordagem, que analisa o tempo como mais um elemento do espaço e, portanto, pode ser quantificado e qualificado. Os trabalhos do geógrafo sueco Hägerstrand (e da escola geográfica de Lund) sistematizaram a segunda abordagem, tanto a partir do estudo a difusão das inovações, como do estudo dos itinerários dos indivíduos na cidade (HÄGERSTRAND, 1967, 1991). Os estudos sobre difusão fazem referência ao conceito de modernização, que tenta explicar porque as inovações aparecem em uns lugares e não em outros e em momentos diferentes. Os segundos, sobre itinerários, tentam entender como e por que os indivíduos se deslocam em trajetos que percorrem rotas e lugares onde realizam as atividades. Neste sentido, o tempo é considerado como um objeto que os indivíduos consomem, repartido entre os trajetos e as atividades – os traços e os prismas representados na cartografia de Hägerstrand. Os itinerários mostram as sincronizações e sinchorizações (reunidas em um mesmo lugar), formando padrões de comportamento espaço temporais (CRANG, 2003). Neste artigo, os lugares – ou melhor dito, as atividades que se realizam nos lugares sobre os quais alguém tem a capacidade de decidir – são considerados como portadores de tempos no mesmo sentido que Hägerstrand usou. Se o indivíduo dispõe de um tempo limitado para realizar suas atividades, alguns estabelecimentos também dispõem de tempo para permitir ou não a realização dessas atividades. Portanto, se considerar os lugares (os lugares entendidos a partir de agentes urbanos que controlam as atividades que neles se realizam) como “proprietários” de uma quantidade de tempo ao dia, eles vão decidir quando se pode realizar ou não a atividade ou atividades ali contidas. O exemplo simples do horário comercial das lojas pode ser explicativo. Há uma diferença fundamental entre quando está aberto ou fechada uma atividade, devido ao fato de que o fechamento significa a permanência no lugar, mas não das condições para realizar a atividade. Portanto, com o horário muda o conteúdo do lugar e também o acesso. 262 Ao cambiar o conteúdo também vão cambiar as relações espaciais, isto é, os fluxos. O fato de que as condições que permitem a realização das atividades não se mantenham durante todo o tempo de igual forma vai obrigar os fluxos a se sincronizar com os horários. Assim, por exemplo, aqueles consumidores das lojas do centro urbano vão ter que ir num horário em que as atividades estejam abertas, o que limita de fato o tempo restante que os consumidores podem utilizar em outras atividades. Desde o ponto de vista descrito acima, os horários comerciais vão funcionar, de um lado, como elementos que possibilitam a realização das atividades durante um período de tempo, e, de outro lado, como condicionantes dos fluxos, no sentido que deu Hägerstrand para Activities constraint, quando participar de determinadas atividades impossibilita a participação em outras (PARKES, THRIFT, 1980, p. 22). Neste caso a restrição pode-se produzir antes do evento, durante o processo de planejamento. Por exemplo, quando um indivíduo combina a atividade de compra com os horários de não trabalho e os horários comerciais da cidade onde ele mora, possivelmente pelo fato de não coincidirem não vão poder visitar, ou vai ter um período de tempo muito limitado, alguns estabelecimentos. O estudo das mudanças nos horários comerciais parece oportuno quando se fala de consumo. Linder (1970) argumentou que a sociedade do consumo “demands time to consume”, em referência ao aumento do tempo de lazer gerado pela redução do tempo do trabalho e das modificações nos tempos destinados às necessidades fisiológicas básicas, como dormir ou comer (PARKES, THRIFT, 1980, p.100). Linder colocou pela primeira vez o tema da evolução das sociedades a partir do tempo livre, indicando que nas sociedades mais avançadas o tempo livre é escasso. Wilensky (1961), nos anos sessenta do século XX, já tinha identificado que o crescimento econômico - dos Estados Unidos durante as décadas posteriores à II Guerra Mundial - tinha induzido à aparição do “tempo de lazer” com uma conotação social moderna, embora esse tempo não signifique tempo para fazer o que cada indivíduo quiser. A distribuição desigual do tempo livre117 vai depender do tempo dedicado ao trabalho e do tempo de trabalho não remunerado (como, por exemplo, as tarefas do lar). Nesse sentido, só alguns grupos vão dispor de mais tempo livre do que de trabalho, como os aposentados, ou os desempregados. Mas, para a maioria das pessoas que 117 Para os autores Wilensky (1961) e Gershuny (1992) a relação entre tempo de lazer e tempo livre é evidente, desde que o primeiro é realizado dentro do segundo. 263 trabalham, o tempo de lazer é mais um tempo limitado e concentrado em alguns dias e horas na semana, como os finais de semana (WILENSKY, 1961; GERSHUNY, 1992). Isto é, quando tem tempo livre. Coincidindo com o que já foi dito, as atividades chamadas terciárias têm ganhado espaço e relevância nas cidades. Mas só algumas atividades econômicas têm conseguido se situar entre aquelas que se realizam no tempo livre. O consumo e suas atividades correlatas estão entre as principais a serem consideradas, embora o processo não aconteça de forma espontânea. Assim, por exemplo, Bowlby (2002) mostra como, nos anos pós-guerra mundial, na Grã-Bretanha, o marketing dos produtos de comida e de equipamentos para a lar tinha orientado as donas de casa para incorporar entre as suas atividades habituais as compras, incrementando as horas que elas se dedicavam a esta atividade (BOWLBY, 2002: 118). 3. As fronteiras do tempo do comércio e a legislação. Apesar dos novos meios de comunicação terem possibilitado a liberação dos horários do consumo118, dentro da dinâmica das cidades, os horários comerciais seguem sendo um importante marcador dos ritmos do consumo. Muitos centros urbanos e ruas comerciais mudam significativamente sua aparência após o horário comercial. Quanto estão em pleno funcionamento, as ruas e lojas conhecem uma animação, pelo fluxo de pessoas e carros, que contrasta vivamente com a atmosfera de abandono, quando os estabelecimentos estão de portas fechadas. Mas, os horários comerciais não são homogêneos. Distribuem-se de forma desigual no espaço, de acordo com o grau relativo de modernização, não dado pelo ano de implantação e sim pela adaptação as novas condições do capitalismo (HARVEY, 2003; SANTOS, 1990). Assim encontramos estabelecimentos com os mesmos horários e, às vezes, com pequenas diferenças. Mas também há estabelecimentos com grandes diferenças. O conjunto deles define a hora mínima e máxima em que a cidade oferece as suas atividades comerciais para os citadinos. 118 Principalmente a partir dos anos 1990, o crescimento do Comércio eletrônico ou eComercio tem sido considerado como um dos novos fatores de inovação comercial (ONU, 2004). O comércio “físico”, embora tenha-se adaptado ao rápido crescimento dessas ferramentas, a transformação dos mercados onde têm avançado mais permite entender o motivo pelo qual elas têm sido consideradas uma ameaça, como por exemplo a venda de viagens ou de livros (EPSTEIN, 2001, THOMPSON, 2005. MORENO, 2011). 264 A expansão das atividades em horas noturnas nas cidades é um processo que pode ser denominado como “colonização do tempo”. O sociólogo Murray Melbin (1978) o denominou assim, tomando como hipótese que o processo era a continuação da conquista do planeta pelo homem. Assim, ele utilizou o conceito de fronteira como o período onde as atividades não tinham atuado ainda, mostrando que a fronteira temporal pode mudar de um período para outro, mas com uma expansão ao longo do tempo. De acordo com o sentido do conceito dado por Melbin, neste artigo se utiliza o termo fronteira, tentando estabelecer, a partir da legislação, os limites ao tempo do comércio. A atividade comercial, como outras atividades terciárias, tem seguido também esta expansão. Mas não se conhecem as formas como o processo estaria se dando nas cidades médias e as consequências que isto supõe para a organização temporal das cidades e da sua região de influência119. Além dessa problemática, no caso dos horários comerciais, não é comum ter um registro histórico dos horários dos estabelecimentos, o que dificulta o seu estudo. Desse modo, a proposta neste artigo é analisar as legislações em matéria de horários comerciais, como uma fonte fiável de como estas têm evoluído. Elas são resultado de uma convenção entre os agentes sociais, que têm interesses no controle no tempo comercial, e configuram-se como o principal marco regulatório dos diferentes interesses. Por tanto, cabe considerar a legislação, de modo geral, como um fator limitante da atividade comercial no tempo, porque ela demarca o período máximo em que os estabelecimentos podem permanecer abertos, favorecendo os interesses de uns agentes e não tanto os de outros. O processo de expansão, em geral, será produzido pela relação entre fatores que facilitam e fatores que dificultam (PARKES, THRIFT, 1980: 328-330). São três os fatores facilitadores (enabling factors): inovações como o gás, ou a luz elétrica; o impulso da demanda (demand push factors), isto é, a aparição de atividades a partir da necessidade para o funcionamento da vida urbana, como o metrô, ou os hospitais; e os fatores de atração do fornecimento120 (Supply pull factors), que faz referência às necessárias cadeias de atividades para a produção de outras atividades, como o 119 Existe uma ausência de estudos sobre a produção social do tempo, em geral, se compararmos com a produção do espaço. Neste sentido, Parkes e Thrift já indicaram o quanto o power to control the use of time is less well understood (1980, p. 100). 120 Tradução do autor. Neste último caso pode ser traduzido também como atração da oferta. 265 funcionamento dos sistemas de transporte que, por sua vez, precisam de serviços de manutenção, comunicações, subministro de energia, ou mesmo de limpeza. Já os fatores que dificultam a expansão das atividades também são três: a segurança; as escalas territorial e temporal onde estão situadas as atividades; e os impedimentos sociais. O primeiro fator é essencial, sem elas dificilmente se consegue uma certa normalidade no processo. O segundo fator faz alusão a que quanto maior é uma cidade, seja em sua extensão urbana, mas, sobretudo, em complexidade social, menos limitante vão ser. Nesse sentido, quanto mais complexa é uma sociedade, uma porção pequena de tempo se torna fundamental para a consecução de uma finalidade (PARKES, THRIFT, 1980: 100). Por exemplo, pense-se na organização de um sistema de transporte de uma grande metrópole e em uma pequena cidade. Em terceiro lugar, os impedimentos sociais reúnem uma série de fatores diversos, que vão desde o sistema de transportes às leis, os valores sociais, ou os costumes. A legislação pode ser considera dentro destes fatores. 4. As mudanças nos horários comerciais da Cidade de Presidente Prudente121. A legislação brasileira sobre os horários comerciais é principalmente local. De acordo com a interpretação do artigo 30 da Constituição Federal de 1988, o tempo do comércio é uma questão de interesse local122: Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local123. As Constituições dos estados membros da federação não fazem menção ao assunto, ou replicam a fórmula já expressada. No caso da Constituição do Estado de São Paulo não há nenhuma menção sobre as competências das prefeituras neste assunto. No entanto, não podem se considerar todas as atividades comerciais como de interesse local. Algumas estão sujeitas à regulação de instituições federais ou estaduais. Como é o caso dos bancos sob a competência do Banco Central do Brasil. Portanto, a legislação local não tem competências para regular os horários em todos os casos124. 121 Parte deste item será apresentado no 55 Congreso Internacional de Americanistas em San Salvador (El Salvador) dos dias 12 à 17 de julho de 2015. 122 Existe jurisprudência do Superior Tribunal Federal de Justiça (STF) ao respeito. Artículo ratificado nas Súmulas do STF 419 - 01/06/1964 y nº 645 - 24/09/2003. 123 Consultada de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm 124 O Supremo Tribunal Federal de Justicia de Brasil estabeleceu jurisprudência a partir da Súmula 19 que dita "A fixação do horário bancário, para atendimento ao público, é da competência da União". 266 Em Presidente Prudente a legislação em matéria de horários comerciais apresenta 13 documentos, 7 leis e 6 decretos (Tabela 1). A primeira lei encontrada que ordenava o tempo das atividades comerciais é do ano 1962. Ainda hoje está vigente, como documento principal. É a lei 806, que instaurou a Semana Inglesa125 e determinava o fechamento aos sábados no horário do meio dia. Tabela 1. Prudente. Leis e Decretos em matéria de horários comerciais Núm. Lei Assunto 806/1962 Fechamento do comércio às 12 horas aos sábados Nova redação à letra "b" do artigo 15, da Lei 806, 911/1964 que instituiu a Semana Inglesa A inclusão de item ao artigo 5o da Lei Municipal no 2639/1988 806 de 1962 Estabelece novo horário de funcionamento das farmácias e drogarias e regulariza o plantão de 3135/1991 sábados e domingos e inclusive os feriados Estabelece horário excepcional e provisório do D*. 7917/1992 comercio Estabelece novo horário de funcionamento das farmácias e drogarias e regulariza o plantão de 3777/1993 sábados e domingos e inclusive os feriados D. 8126/1993 Dispõe sobre a abertura do comércio aos domingos D.10758/1996 Dispõe sobre a abertura do comércio aos sábados Institui a Codificação das Leis Municipais e dá 5005/1997 outras providências Dispõe sobre o funcionamento do comércio varejista D. 11565/1997 e serviços no mês de dezembro de 1997 Regulamenta o funcionamento do Shopping Popular D. 11420/1997 – Camelódromo Estabelece novo horário de funcionamento das farmácias e drogarias e regulariza o plantão de 5379/1999 sábados e domingos e inclusive os feriados Regulamenta o funcionamento do Shopping Popular D. 16462/2004 – Camelódromo Revocada Não Não Não Sim Sim Sim Não Não Não Sim Sim Não Não Fonte: Elaboração do autor. * Decreto Embora seja significativa a quantidade de legislação existente, só três decretos modificaram o estabelecido na lei de 1962. O decreto 7917, de 1992, que estabelecia um período de 90 dias para testar um horário comercial diferente, e os decretos 8126, de Consultado em http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/normativo.asp?tipo=res&ano=2002&numero=2932 125 Semana Inglesa faz referencia as jornadas de trabalho diárias de 8 horas e 4 horas aos sábados, deixando livres as tardes dos sábados e dos domingos. Ver ao respeito http://atdigital.com.br/direitodotrabalho/2013/04/o-que-significa-semana-inglesa 267 1993, e 10758, de 1996, para dar permissão à abertura do comércio aos domingos e aos sábados respectivamente (Tabela 2). Tabla 2. Presidente Prudente. Horários comerciais de acordo com a legislação. Núm. Lei Horário dia Horas Horários Sábados Horas mensais de Segunda – Mensais os sábados Sexta Feira 806/1962 8h - 18h 200 8h - 12h 16 7917/1992 9h - 18h 180 9h - 13h / 1º S 9h - 20 17h* D. 8126/1993 Permissão para abrir os domingos D. 10758/1996 9h - 17h 32 *1ºS – Primeiro sábado de cada mês, depois do dia 4, o horário se amplia de 13h até 17h. Fonte: Elaboração do autor. Os três decretos já foram revogados, mas a influência deles é fundamental na evolução dos horários. Principalmente a influência do primeiro, que marcou a tendência a seguir. O decreto 7917, de 1992, estabeleceu um horário comercial, que diminuía as horas durante os dias de segunda até sexta-feira e as aumentava aos sábados: Art. 1 Fica autorizada a abertura do comércio varejista, em caráter experimental; pelo período de noventa (90) dias, de segunda à sexta-feira, das 9:00 às 18:00 horas e no sábado das 9:00 às 17:00 horas, na semana que sucede ao dia oficial de pagamento do salário dos trabalhadores. (Art. 1 Decreto 7917/1992) Para os sábados restantes, o horário passou a ser das 9:00 até às 13:00 horas (Art. 2. Decreto 7917/1992). Assim, pelo decreto, o tempo total de abertura do comércio conheceu uma redução de 16 horas ao mês. É importante salientar, no entanto, a transferência de horas, pois, enquanto entre segunda e sexta-feira o tempo de funcionamento do comércio perdeu 20 horas ao mês, aos finais de semana, ganhou 4 horas. Esta tendência de levar as atividades comerciais para o final de semana ficou mais evidente com os decretos 8126, de 1993, e 10758, de 1996. Este último permitia abrir o comércio todos os sábados de 9 horas até as 17 horas, o que equivalia a aumentar 6 horas a mais o horário comercial. E o decreto 8126, sem estabelecer um horário concreto, permitia a abertura os domingos. Apesar de não ter, na atualidade, uma lei ou decreto que defina um novo horário standard (ou normal nos documentos legais) para os sábados, os comerciantes de Presidente Prudente adotaram um horário próprio. Para o centro o horário habitual126 é 126 Utiliza-se aqui habitual para designar o horário standard não definido pela lei vigente. 268 das 9:00 até 17:00 horas no primeiro sábado depois do pagamento e até as 15:00 horas os três seguintes, principalmente no Calçadão, e para a Avenida Coronel Marcondes, o horário ficou das 8:00 até 13:00 horas todos os sábados. 4.1 Os horários reais e as fronteiras temporais do comércio em Presidente Prudente. O levantamento dos horários que estão sendo realizados no comércio de Presidente Prudente evidencia que há diferenças significativas entre o horário standard, habitual e o real (Tabela 3). Os dados levantados nos questionários mostraram que os horários comerciais da cidade vão desde os dos hipermercados, como Walmart, que abre às 8:00 e fecha às 23:00, até aqueles do Calçadão, que seguem um horário parecida ao estabelecido na lei de 1992. Embora haja diferenças significativas entre os estabelecimentos dentro de cada eixo comercial, existe certa coerência, o que indica uma homogeneidade por eixo ou por centro. Por exemplo, de segunda à sexta feira o 50% dos estabelecimentos comerciais do Calçadão seguem o horário de abertura às 9:00 horas, destes 92% fecha às 18:00 horas. Já na Avenida Coronel Marcondes, o horário de abertura mais comum é às 8:00 horas, seguido por 33% dos estabelecimentos, dos quais 70 % fecha às 18:00 horas. Tabela 3. Presidente Prudente. Horários dos grandes estabelecimentos comerciais. Horários Ano 2ª 6ª Sábado Domingo Estabelecimento inauguração Parque Shopping Prudente 1986 10:00 - 22:00 10:00 - 22:00 14:00 - 22:00 PrudenShopping 1990 10:00 - 22:00 10:00 - 22:00 14:00 - 22:00 Muffato Max 2005 8:00 - 22:00 8:00 - 22:00 8:00 - 22:00 Makro Atacadista 2008 7:30 - 22:00 7:30 - 22:00 8:00 - 18:00 Walmart 2010 8:00 - 23:00 8:00 - 23:00 8:00 - 23:00 Assai Atacadista 2011 7:00 - 22:00 7:00 - 22:00 8:00 - 18:00 Havan 2012 7:00 - 22:00 7:00 - 22:00 10:00 - 20:00 Maxxi Atacado 2012 8:00 - 21:00 8:00 - 21:00 Fonte: Elaboração do autor. A implantação dos grandes estabelecimentos comerciais planejados começou no final da década de 1980 e se estendeu até o ano 2012 (Tabela 3127). O caso dos dois shoppings 127 Pela natureza destes estabelecimentos, em que todos os estabelecimentos abrem e fecham no mesmo tempo, só foram aplicados um questionário para cada um. 269 centers coincide, de forma mais que evidente, com as propostas de modificação da lei128. O primeiro, o Parque Shopping, foi inaugurado no ano 1986, com o nome de Strip Center e com Lojas Americanas como loja ancora. Este empreendimento, considerado como o pioneiro em ter um horário noturno, foi o precedente de outros que estenderam o horário comercial da cidade para além das 18:00 horas. Numa notícia, o jornal local O Imparcial (poucos dias depois da inauguração) apontava a importância do novo horário para a cidade e com um discurso nitidamente progressista advertia contra a irracionalidade de apresentar qualquer resistência: [...] Não há como negar a importância de um empreendimento como o Strip Center, inaugurado no último dia 18, cujo verdadeiro peso, em termos de economia (inclusive de tempo) de conforto e da própria possibilidade de investimento oferecida dever ser aquilatado com isenção e de acordo com sua real dimensão. Por isso mesmo, não parece sensata qualquer resistência a uma nova realidade, imposta pelas próprias características de um shopping center: o horário comercial noturno. [...] A bem da verdade, é preciso esclarecer que os funcionários do shopping estarão distribuídos em dois turnos, diurno e noturno, o que significa que não haverá sobrecarga de jornada de trabalho. Acrescenta-se a isso, ainda o fato de o horário noturno ser restrito ao shopping. Seja como for, as reações contrárias à introdução do novo horário devem ser encaradas como típicas e comuns a determinado estágio de desenvolvimento de um município e certamente deverão esmorecer com a paulatina absorção de uma realidade incontestável: o irreversível progresso de uma cidade com vocação de metrópole. (Jornal O Imparcial de 23 de Novembro de 1986). Os horários comerciais dos dois eixos analisados são muito diferentes. Tomando como referência o horário standard, para os dias de segunda até sexta-feira, pode-se afirmar que existe uma diversidade grande de horários. De forma significativa, encontramos farmácias, restaurantes, bares e lanchonetes entre aqueles que abrem antes do horário standard, ou que fecham depois. De fato, este tipo de serviço, geralmente, segue horários diferenciados por terem acordos sindicais diferentes. Ou no caso das farmácias, por exemplo, por ter uma legislação própria. No Calçadão, estes casos são a maioria, e são poucas as lojas que fecham um pouco mais tarde, para tentar captar os últimos clientes (Tabela 4). Os estabelecimentos deste 128 Apesar de diversas referências à exclusividade do horário noturno para o Shopping Center, não se tem encontrado evidência de lei ou decreto que permita a extensão. A hipótese é que utilizam um licencia especial que outorga a prefeitura, procedimento contemplado no artigo 3 da lei de 1962. 270 grupo representam 11 % do total dos estabelecimentos estudados e só 3 são do comércio varejista. Tabela 4. Calçadão. Estabelecimentos com horário diferente ao standard (de 8:00 à 18:00). Horário de 2ª - 6ª Tipologia Quantidade 7:00 22:00 Farmácia e drogaria 1 7:30 18:30 Restaurante 1 7:30 18:30 Bijuteria e relógios 1 7:30 19:30 Bar e lanchonete 1 7:30 20:20 Farmácia e drogaria 1 8:00 18:30 Bar e lanchonete 1 8:00 18:30 Bijuteria e relógios 1 Calçados e acessórios de 8:00 18:30 couro 1 8:30 19:00 Bar e lanchonete 1 9 Total 79 Total estabelecimentos estudados Fonte: Elaboração do autor. Na Avenida Coronel Marcondes foram identificadas algumas atividades com serviço 24 horas, como hospitais, funerárias, hotéis, serviço de bombeiros, serviços de transporte (mototaxi) e um posto de gasolina. Além de todas as atividades anteriormente citadas, apareceram outras atividades com horário fora do standard, como postos de gasolina, academias, panificadoras, lava jatos, estabelecimentos de venda de carros, serviços de reparação de eletrodomésticos, venda de flores, cabeleireiros, supermercados, agências de viagens, uma loja de roupas, entre outros (Tabela 5. Anexo). Os estabelecimentos deste grupo representam 49 % do total dos estabelecimentos estudados, mas só 9% (18 estabelecimentos) são do comércio varejista. Aos sábados, a situação muda. No Calçadão, aumentam os casos daqueles que não se ajustam exatamente com o horário habitual129 (Tabela 6) e na Avenida Coronel Marcondes diminui o número total, ainda que aumente o número de estabelecimentos varejistas (Tabela 7. Anexo). Destacam-se três estabelecimentos no calçadão pela extensão do horário, Lojas Pernambucanas (8:00 – 17:00), Casas Bahia (9:00-17:00) e a loja Tanger (9:00-17:00). As três se diferenciam do restante porque abrem mais horas e porque mantém o mesmo horário todos os sábados, superando a alternância de um sábado estender o horário até 17:00 horas e os três seguintes do mês só até 15:00. Do 129 É importante lembrar que, neste caso, o horário habitual não é definido pela legislação e sim por algum tipo de acordo entre os agentes. Ver apartado 3. 271 total um 24% dos estabelecimentos abre em horário diferente ao standard, e 15 (18%) são varejistas. Tabela 6. Calçadão. Estabelecimentos com horário diferente ao habitual (de 9:00 até 15:00). Horário Sábado Tipologia Quantidade 7:00 22:00 Farmácia e drogaria 1 7:30 15:00 Restaurante 1 7:30 15:00 Bar e lanchonete 1 7:30 15:00 Bijuteria e relógios 2 7:30 15:00 Calçados e acessórios de couro 1 7:30 15:00 Ótica e Relojoaria (Ótica + Joelharia) 1 7:30 15:00 Outros tipos de comércio 1 7:30 15:30 Bijuteria e relógios 1 8:00 16:00 Alimentação 1 8:00 17:00 Lojas de departamento 1 8:00 20:20 Farmácia e drogaria 1 8:30 15:00 Bijuteria e relógios 1 8:30 15:30 Calçados e acessórios de couro 1 8:30 18:00 Bijuteria e relógios 1 9:00 15:30 Calçados e acessórios de couro 1 9:00 16:00 Bijuteria e relógios 1 9:00 17:00 Móveis, eletrodomésticos e decoração 2 19 Total 79 Total estabelecimentos estudados Fonte: Elaboração do autor. Na Avenida Coronel Marcondes, o conjunto de estabelecimentos que abrem em horário diferente ao habitual representam o 45% do total. E o comércio varejista é um 17 % do total (32 estabelecimentos). De novo, a diversidade de tipologias de estabelecimentos e variações de horários é uma caraterística predominante (Tabela 7. Anexo). Aos domingos não há um horário standard ou habitual, mas os estabelecimentos que abrem são poucos130. De fato, no Calçadão não há nenhum estabelecimento, enquanto na Avenida Coronel Marcondes abrem os estabelecimentos já citados de 24 horas e outros como farmácias, postos e supermercados (Tabela 8) - no total, 18% dos estabelecimentos, dos quais 8 são estabelecimentos do comércio varejista (4% do total), 130 Os domingos são considerados como dia de repouso semanal de acordo com o disposto no decreto 27048/49 de 1949. Site consultado http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/116605/decreto27048-49. 272 e destes 8 estabelecimentos, 3 pertencem a lojas dentro de um dos supermercados e outros três são estabelecimentos de alimentação, como padeira e rotisseria. Tabela 8. Av. Coronel Marcondes. Estabelecimentos que abrem os domingos. Tipologia Quantidade Academia e clubes esportivos 1 Alimentação 3 Bar e lanchonete 4 Bijuteria e relógios 1 Calçados e acessórios de couro 1 Farmácia e drogaria 7 Hospitais, Clínicas e consultórios médicos 2 Hotel 1 Outros serviços pessoais 5 Outros Serviços públicos 1 Outros tipos de comércio 1 Postos 3 Restaurante 2 Serviços transporte 1 Supermercados 2 35 Total 192 Total estabelecimentos estudados Fonte: Elaboração do autor. 5. Conclusões. O horário comercial não é só uma adaptação às mudanças nas atividades e práticas dos indivíduos, é um indicador de organização das empresas. Só aquelas com uma maior capacidade de organização131 vão poder ter um horário extenso e oferecer um leque de combinações maior aos consumidores. Por este motivo, pode-se afirmar que os horários comerciais são um indicador, neste momento, do nível técnico de cada estabelecimento. A evolução recente dos horários comerciais no comércio varejista de Presidente Prudente tem mostrado uma tendência de expansão, com a aparição de novas formas comerciais. O que parece estar em sintonia com o processo identificado por Linder 131 Nesse sentido para ter um horário comprido à empresa, nas condições laborais atuais, deve fazer frente a um número de trabalhadores maior e a mais gastos fixos, mas também a umas dificuldades maiores na hora de contratar trabalhadores, por exemplo. 273 (1970)132. Mas, se a implantação dessas novas formas comerciais, principalmente Shoppings Centers e hipermercados, tem expandido os horários da cidade, no caso dos eixos comercias estudados, esse fenômeno tem acontecido de uma forma muito desigual133. A mudança mais evidente é a expansão dos horários para os finais de semana, tentando capturar o conjunto de indivíduos que têm tempo livre, como já foi mencionado. No caso estudado, esta tendência parece evidente para todo o comércio em geral. A análise da legislação mostrou claramente a intenção de deslocar as horas da semana para o final de semana. Coisa que chegou de forma mais espontânea por decisão dos comerciantes134, a partir da experiência de um decreto já revogado. Fica, portanto, evidente que no comércio de Presidente Prudente existe uma dupla fronteira temporal. Apesar da cidade, em seu conjunto, ter estendido consideravelmente o horário comercial para o horário noturno, existe uma divisão clara entre a fronteira das novas formas comerciais planejadas e dos comércios de rua. De fato, só os primeiros têm alcançado o horário noturno. Para a maior parte do comércio, ainda existe uma fronteira muito evidente demarcada pelas 18:00 horas de segunda à sexta-feira. Outra fronteira ainda mais marcada é a estabelecida os sábados e domingos. Os sábados são um período temporal onde o processo está avançando de forma mais desigual. Por enquanto, só umas poucas lojas do Calçadão têm tentado estender o horário para além do horário standard. O resultado é que os grandes estabelecimentos planejados conseguem concentrar a centralidade durante boa parte do dia. Os horários dominicais são a maior fronteira de todas, afetando a todas as tipologias, mas de forma diferente, visto que os shoppings centers e hipermercados reduzem as horas de funcionamento e os estabelecimentos comerciais varejistas dos eixos, tendencialmente, permanecem fechados. 132 E não só no caso brasileiro, os conflitos identificados em algumas cidades da Espanha (Afedeco, 2014) parecem indicar que é um processo generalizado em outros países. 133 Montessoro (1999) mostra como a implantação do shopping center ParqueShopping de Presidente Prudente mudou a centralidade da cidade e atraiu um número considerável de estabelecimentos de comércio e serviços ao redor dele. Mas, no sentido do horário comercial, os estabelecimentos mantinham o padrão indicado para a Avenida Coronel Marcondes e não o horário do shopping ou similares. 134 Seria conveniente investigar como foi realizado este processo e quais agentes estiveram implicados. 274 Agradecimentos O autor agradece a colaboração de Vitor Miyazaki no trabalho de campo realizado e de Nécio Turra Neto pela correção do texto e as sugestões dadas. Referências Bibliográficas AFEDECO. Informe: Los horarios comerciales en España y en Europa. Afedeco y Confederação Balear de Comerç. 2014 BLANCHARD, R. Un mètode de Geografia Urbana. Butlletí del C.E.C.1931. [Original Revue de Géographie Alpine, 1928. Pág. 193 – 214. BOWLBY. S.R. Planning for women to Shop in Postwar Britain, em FINDLAY, Leighl Sparks. Retailing: Critical Concepts. New York. London. Vol. II. P, 107-134. 2002 CRANG, M. Rhythms of the city, em May, J. e Thrift, N. (Ed.), timespace. Geographies of temporality. New York, routledge. 2003. 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Análisis teórico y aproximación práctica a las relaciones entre ciudad y comércio: El caso de la producción, venta y consumo de libros en Barcelona. Tese doutoral apresentada na Universidade de Barcelona. 2011. ONU. E-Commerce and Development Report, 2004. New York e Geneva. 2004 PARKES, D., THRIFT, N. Times, Spaces and Places. London. Wiley, Chichester. 1980 SANTOS, M. Por uma geografia nueva. Madrid. Espasa Calpe. 1990 THOMPSON, John, B. Books in the Digital Age: The Transformation of Academic and Higher Education Publishing in Britain and the United States. Cambridge and Malden. Polity Press. 2005. WILENSKY. H. L. The Uneven Distribution of Leisure. The Impact of Economic Growth on “Free Time”. Social Problems. P. 32-56. 1961 Anexo. Tabela 5. Av. Coronel Marcondes. Estabelecimentos com horário diferente ao standard (de 8:00 à 18:00). Horário de 2ª 6ª Tipologia Quantidade 0:00 0:00 Farmácia e drogaria 1 0:00 0:00 Hospitais, Clínicas e consultórios médicos 2 0:00 0:00 Hotel 1 0:00 0:00 Outros serviços pessoais 5 0:00 0:00 Bombeiros 1 0:00 0:00 Postos 1 0:00 0:00 Serviços transporte 2 12:00 0:00 Restaurante 1 18:00 0:00 Restaurante 1 5:30 14:30 Alimentação 1 6:00 18:00 Bar e lanchonete 3 6:00 21:00 Bar e lanchonete 1 6:00 22:00 Postos 1 6:00 23:00 Academia e clubes esportivos 1 6:00 0:00 Postos 1 6:30:00 18:00 Bar e lanchonete 1 6:30:00 22:00 Alimentação 1 7:00:00 17:00 ADL Administração pública Local 1 7:00:00 17:00 Hospitais, Clínicas e consultórios médicos 5 7:00:00 18:00 Hospitais, Clínicas e onsultórios médicos 3 276 7:00:00 18:00 Outros tipos de comércio 1 7:00:00 18:30 Bar e lanchonete 1 7:00:00 19:00 ADE Administração pública Estadual 1 7:00:00 19:00 Estacionamento e lava jato 1 7:00:00 21:00 Bar e lanchonete 1 7:00:00 22:00 Academia e clubes esportivos 1 7:00:00 22:00 Bar e lanchonete 1 7:00:00 22:00 Farmácia e drogaria 1 7:00:00 23:00 Farmácia e drogaria 3 7:30:00 12:00 Material de construção 1 7:30:00 17:00 ADE Administração pública Estadual 3 7:30:00 17:30 Moda, têxtil e confecção 1 7:30:00 17:45 Outros serviços empresariais 1 7:30:00 18:00 Oficinas 1 7:30:00 18:00 Venta de carros e motos e assessórios 1 7:30:00 18:15 Estacionamento e lava jato 1 7:30:00 19:00 Venta de carros e motos e assessórios 1 7:30:00 23:00 Farmácia e drogaria 1 7:45:00 21:00 Cafeteria 1 7:45:00 21:00 Farmácia e drogaria 1 7:45:00 21:00 Supermercados 1 8:00 19:00 Alimentação 1 8:00 19:00 Estacionamento e lava jato 1 8:00 19:00 Farmácia e drogaria 1 8:00 19:00 Hospitais, Clínicas e consultórios médicos 2 8:00 19:00 Outros tipos de comércio 1 8:00 19:30 Outros serviços pessoais 1 8:00 20:00 Cabeleireiro e centros de beleza 1 8:00 21:00 Educação 1 8:00 21:00 Farmácia e drogaria 1 8:00 22:00 Bar e lanchonete 1 8:00 22:00 Farmácia e drogaria 2 8:00 23:59 Farmácia e drogaria 1 8:15 21:00 Supermercados 1 8:30 18:30 Lazer e agencias de viagem 1 8:30 18:30 Outros serviços pessoais 1 9:00 19:00 ADE Administração pública Estadual 1 9:00 19:00 Alimentação 1 9:00 19:00 Cabeleireiro e centros de beleza 2 9:00 19:00 Outros tipos de comércio 2 9:00 20:00 Moda, têxtil e confecção 1 9:00 20:30 Bar e lanchonete 2 9:00 21:00 Bijuteria e relógios 1 9:00 21:00 Calçados e acessórios de couro 1 9:00 21:00 Farmácia e drogaria 1 277 9:00 21:00 Outros tipos de comércio 1 9:00 21:30 Educação 1 9:00 22:00 Educação 1 9:00 20:00 Móveis, eletrodomésticos e decoração 1 Total 92 Total estabelecimentos estudados Fonte: Elaboração do autor. 192 Tabela 7. Av. Coronel Marcondes. Estabelecimentos com horário diferente ao habitual (8:00 até 13:00). Horário Sábado Tipologia Quantidade 0:00 0:00 Farmácia e drogaria 1 0:00 0:00 Hospitais, Clínicas e consultórios médicos 2 0:00 0:00 Hotel 1 0:00 0:00 Outros serviços pessoais 5 0:00 0:00 Bombeiros 1 0:00 0:00 Postos 1 0:00 0:00 Serviços transporte 2 5:30 14:30 Alimentação 1 6:00 13:00 Bar e lanchonete 1 6:00 15:00 Bar e lanchonete 1 6:00 16:30 Bar e lanchonete 1 6:00 21:00 Bar e lanchonete 1 6:00 22:00 Postos 2 6:30 22:00 Alimentação 1 7:00 7:00 13:00 18:00 Bar e lanchonete Outros tipos de comércio 1 1 7:00 20:00 Bar e lanchonete 2 7:00 21:00 Academia e clubes esportivos 1 7:00 22:00 Farmácia e drogaria 1 7:00 23:00 Farmácia e drogaria 2 7:30 12:00 Hospitais, Clínicas e consultórios médicos 1 7:30 12:00 Material de construção 1 7:30 12:00 Moda, têxtil e confecção 1 7:30 12:00 Venta de carros e motos e acessórios 1 7:30 23:00 Farmácia e drogaria 1 7:45 13:00 Farmácia e drogaria 1 7:45 21:00 Cafeteria 1 7:45 21:00 Supermercados 1 8:00 13:30 Outros serviços pessoais 1 8:00 15:00 Cabeleireiro e centros de beleza 1 8:00 15:00 Moda, têxtil e confecção 1 8:00 17:00 Educação 1 8:00 18:00 Alimentação 2 8:00 19:00 Alimentação 1 278 8:00 19:00 Educação 1 8:00 21:00 Cabeleireiro e centros de beleza 1 8:00 21:00 Farmácia e drogaria 1 8:00 22:00 Bar e lanchonete 1 8:00 22:00 Farmácia e drogaria 2 8:00 23:59 Farmácia e drogaria 1 8:15 21:00 Supermercados 1 8:15 15:00 Moda, têxtil e confecção 1 8:15 15:00 Outros tipos de comércio 1 9:00 14:00 Cabeleireiro e centros de beleza 1 9:00 14:00 Fotografia, gráfica e vídeo club 1 9:00 15:00 Alimentação 2 9:00 15:00 Calçados e acessórios de couro 1 9:00 15:00 Moda, têxtil e confecção 2 9:00 15:00 Móveis, eletrodomésticos e decoração 6 9:00 17:00 Outros serviços empresariais 1 9:00 18:00 Educação 1 9:00 18:00 Outros tipos de comércio 1 9:00 19:00 Cabeleireiro e centros de beleza 2 9:00 19:00 Outros tipos de comércio 1 9:00 20:00 Moda, têxtil e confecção 1 9:00 20:30 Bar e lanchonete 1 9:00 21:00 Bijuteria e relógios 1 9:00 21:00 Calçados e acessórios de couro 1 9:00 21:00 Farmácia e drogaria 1 9:00 21:00 Outros tipos de comércio 1 9:30 20:00 Móveis, eletrodomésticos e decoração 1 12:00 18:00 Móveis, eletrodomésticos e decoração 1 12:00 18:00 Academia e clubes esportivos 1 12:00 19:00 Alimentação 1 12:00 23:59 Restaurante 1 18:00 23:59 Restaurante 1 18:30 23:59 Restaurante 1 Total 86 Total estabelecimentos estudados Fonte: Elaboração do autor. 192 279 AS LÓGICAS ESPACIAIS DO SISTEMA BANCÁRIO: REESTRUTURAÇÃO DAS CIDADES MÉDIAS PAULISTAS- MARÍLIA E SÃO CARLOS Tamires Eugenia Barbosa135 RESUMO Apresentando um breve histórico sobre o sistema bancário nas cidades brasileiras, esse trabalho busca entender suas lógicas espaciais em duas cidades paulistas - Marília e São Carlos - associando a abordagem, sobretudo, ao contexto das cidades médias que é o caso das estudadas. Realizamos esta análise, trabalhando com as relações entre lógicas espaciais, reforço da centralidade urbana e novas tendências a fim de compreender possíveis práticas espaciais decorrentes da reestruturação urbana e da cidade. PALAVRAS-CHAVE Sistema bancário - Lógicas espaciais - Cidades médias INTRODUÇÃO O sistema bancário brasileiro, seguindo a tendência internacional das duas últimas décadas do século XX, passou por profundas transformações, visando diminuir 135 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”; Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais – GAsPERR; Rede de Pesquisadores Sobre Cidades Médias- ReCiMe. Trabalho realizado sob orientação da Professora Doutora Maria Encarnação Beltrão Sposito, com bolsa de apoio concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 280 custos, o que exigiu não apenas inovações tecnológicas, como novas estratégias espaciais. Estas se estabeleceram em dois planos diferentes: a) Rede urbana - Foram fechadas inúmeras agências em cidades pequenas, sobretudo nas regiões mais pobres do país, em que o número de correntistas e o volume de recursos movimentados não justificavam do ponto de vista econômico, os custos de manutenção destas unidades. Este processo fortaleceu os papéis urbanos de cidades médias e grandes que passaram a concentrar serviços bancários de maior nível de complexidade. b) Espaços urbanos - As agências que antes se concentravam, em cidades médias, apenas no centro principal, passaram a obedecer a novas lógicas locacionais, buscando os setores residenciais de maior poder aquisitivo, eixos comerciais importantes e shopping centers, e a instalação de caixas eletrônicos seguiu a mesma tendência. Este texto tem como objetivo analisar o contexto histórico de implantação das principais redes bancárias nas cidades de Marília e São Carlos e investigar quais as lógicas espaciais que orientam a localização das agências e caixas eletrônicos e em que medida essas lógicas contribui para a reestruturação das cidades estudadas, através da redefinição ou adição de novas características ao perfil funcional de determinados espaços, redefinindo ou reforçando a centralidade urbana. Para tal, verificamos as escolhas locacionais de agências e caixas eletrônicos em Marília e São Carlos, buscando compreender porque foram instalados ali e de que forma redefinem ou adicionam características ao perfil funcional das áreas onde estão. Observamos, ainda, com que frequência os usuários desses bancos se deslocam até as agências e caixas eletrônicos, por quais motivos se deslocam até determinados caixas e qual o perfil dos usuários de certas unidades bancárias. METODOLOGIA Para o desenvolvimento da pesquisa que gerou este texto, foi realizada uma revisão bibliográfica, com o intuito de haver um aprofundamento na estruturação teórico-metodológica da pesquisa, subsidiando o entendimento e construção do conhecimento científico da temática em questão. Foi feita consulta a eventuais trabalhos científicos desenvolvidos sobre os municípios. Como a pesquisa faz parte do Projeto Temático “Lógicas econômicas e práticas espaciais contemporâneas - cidades médias e consumo”, realizaram-se discussões sobre 281 leituras referentes ao tema, além da elaboração de questionários e apresentação dos dados coletados nas pesquisas de campo, bem como esclarecimento de dúvidas e possibilidade de debates que proporcionaram direcionamento a pesquisa. Como metodologia fundamental para análise de como se localizam os empreendimentos bancários que foram pesquisados, utilizou-se uma abordagem que tem como referência a ideia de que “(...) as cidades médias em suas relações, sobreposições e articulações com outros espaços – rural ou urbano – seja tomada a partir da distinção entre a função de gestão, produção e consumo, já que a dimensão que estou privilegiando é a econômica.” (SPOSITO, 2006, p.247). Assim, foi trabalhado na pesquisa como forma de sistematização, a identificação da estrutura do sistema bancário em três escalas: a escala da gestão dos empreendimentos, das agências localizadas nas cidades e dos caixas eletrônicos instalados. A autora ainda ressalta que o caminho metodológico deve ser feito em dois conjuntos de análise de dinâmicas e processos distintos, entretanto complementares e articulados entre si, o da (re)estruturação da cidade e o da reestruturação urbana, sendo a ênfase do projeto dada, sobretudo, à reestruturação da cidades. Para a verificação das escolhas locacionais de agências e caixas eletrônicos em Marília e São Carlos, foram realizados levantamentos dos endereços de todas as agências e caixas eletrônicos junto aos sites: Banco24horas (http://www.tecban.com.br/) e FEBRABAN (http://www.buscabanco. org.br) além da confirmação dos endereços junto aos sites das próprias instituições bancárias. Visitas a campo foram executadas para confirmação de localização e também como forma de observar os espaços onde os caixas eletrônicos e agências bancárias se localizam, para buscar compreender as razões das escolhas locacionais feitas. Foram realizadas contagem de fluxo de clientes que acessam as agências da área central utilizando a seguinte metodologia: Observou-se a quantidade de clientes que acessam as agências durante 10 minutos em diferentes situações; com o comércio e agência fechadas; com o comércio aberto e agência fechada; com o comércio e agência aberta e após o fechamento do comércio em dias considerados úteis e também no sábado. Aplicaram-se enquetes direcionadas aos usuários de alguns bancos e caixas eletrônicos, buscando compreender qual a atratividade dessas áreas e porque essas pessoas frequentam certos caixas eletrônicos e agências, em especial. 282 No que condiz à avaliação da forma de uso do solo residencial e para verificar se as lógicas do setor bancário contribuem para aumentar a segmentação social do espaço, como amostra, foram utilizados dados de localização de todas as agências da cidade de São Carlos com o objetivo de avaliar se a segmentação social do espaço é reforçada de fato. A conclusão foi também embasada em outros estudos acadêmicos sobre o tema, a fim de subsidiar uma discussão mais aprofundada, principalmente com relação à formação histórica desses espaços segmentados. O SISTEMA BANCÁRIO BRASILEIRO Em torno dos anos de 1970, dá-se início aos incentivos, por parte do governo, para a abertura de novas agências em algumas áreas do território nacional onde ainda não havia bancos, como ao longo da Transamazônica. “A Resolução nº 193 de 04-11-1971 do Banco Central, estabelecia a abertura de dez agências nessa área, podendo cada banco obter a autorização para implantação de até duas agências ao longo desta rodovia, desde que já tivesse experiência com agências pioneiras” (VIDEIRA, 2009, p.178) Após esse período, o governo suspendeu novas cartas patentes e, com isso, impediu a abertura de novas agências, a fim de promover uma troca, segundo a qual, nos locais que houvesse muitas agências, essas fossem fechadas, assim autorizando a abertura de novas somente em lugares de fronteira de capital como o Centro Oeste e a Amazônia, de acordo com a categoria que foi fechada. Segundo Minella (1988), os bancos envolvidos nesta empreitada se consolidaram como fortes bancos nacionais e se destacaram, na organização do território, por terem seus líderes envolvidos em órgãos de decisões políticas econômicas do país. Videira (2009) destaca que “...diante desta suspensão de abertura de novas agências, havia três vias para expansão da rede bancária: a abertura de agências pioneiras, a instalação de postos de serviços em empresas privadas e públicas (PEP’s), e as fusões e incorporações”. (VIDEIRA, 2009, p. 179) Após a suspensão das cartas patentes, entre 1971 e 1976, os quatro maiores bancos da rede privada – Bradesco, Itaú, Nacional e Unibanco – adicionaram aproximadamente 79% de agências em sua rede, sendo que o total de agências no nível nacional cresceu apenas 13%. Esse crescimento é resultado de incentivos 283 governamentais, que se apoiavam na ideia de que havia necessidade de maior segurança no sistema financeiro do país, a fim de promover uma maior competição com os bancos estrangeiros aqui instalados. Nessa época, muitos banqueiros também possuíam informações privilegiadas por terem cargos políticos. (VIDEIRA, 2009, p. 180) Em 1980, surgiu uma nova maneira de redistribuição de agências com o intuito de descongestionar o eixo Rio-São Paulo. “Esta respeitava uma sistemática de pontuação conforme a categoria que a agência estivesse inserida, para que houvesse a permuta de agências”. (Videira, 2009), o que provocou um aumento significativo de abertura de agências ao longo do território e o que levou, novamente, o Banco Central a suspender as concessões de cartas patentes. A partir de 1986, o Banco Central passou a regularizar a instalação de vários Postos de Atendimento Bancário (PAB) e autorizou a abertura deles juridicamente. Os Postos de Atendimento Bancário Eletrônico (PAE), também autorizados, são as dependências bancárias automatizadas, proporcionando atendimento ao cliente por meio de senha pessoal (VIDEIRA, 2009 P. 191) são popularmente conhecido como “caixas eletrônicos”. Anos depois, surge um ponto influente neste novo comportamento do sistema bancário nacional, pois o Estado passou a ter uma posição mais intervencionista, sobretudo, a partir de 1994, com a instituição do Plano Real. “Estas posições inusitadas do governo, nesta década, estiveram voltadas sempre no sentido de tomar medidas econômicas e jurídicas que atraíssem o capital estrangeiro. O abandono de tarifas alfandegárias e a série de programas de privatizações, assim como a eliminação de barreiras ao investimento estrangeiros sobre o mercado de capitais, inscreveram-se nessa onda neoliberal, possibilitando uma similaridade com os grandes centro mundiais”. (VIDEIRA, 2009, p. 2007) Nesse contexto, consegue-se observar o papel das agências instaladas, como no caso das cidades médias do interior paulista situadas fora do eixo Rio-São Paulo, sobretudo as que apresentam papéis importantes junto à rede urbana e que exercem funções de capital regional, como é o caso de Marília. MARÍLIA E SÃO CARLOS: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO Marília localiza-se na região centro-oeste do estado de São Paulo e está a 437 quilômetros da capital. Possui 216.745 habitantes, segundo dados do Censo IBGE 2010. Atualmente, a cidade conta com aproximadamente 30 agências e pouco mais de 100 postos de atendimento bancário e eletrônico. 284 São Carlos está localizado a 250 quilômetros de São Paulo, com uma população de 221.950 pessoas segundo dados do Censo IBGE 2010. O município conta com 22 agências e 58 Postos de Atendimento Bancário e Eletrônico. As cidades escolhidas como objeto da pesquisa apresentam certas semelhanças em sua formação. Nos dois casos, a implantação da estrada de ferro foi um elemento importante ao desenvolvimento delas, proporcionando uma maior interação com outros centros urbanos do estado; o cultivo do café também se mostrou importante para a economia de ambas e a crise econômica de 1929 trouxe praticamente os mesmo reflexos para elas, fazendo que tivessem que desenvolver outros tipos de atividades para movimentar sua economia. Marília mantém relações com uma densa rede de cidades de diferentes portes demográficos e características socioeconômicas (MELAZZO, 2012 P.165). A cidade está situada em uma região denominada de Alta Paulista região esta que proporciona detectar diversas interações espaciais, elementos que ajudam a traçar o perfil da cidade e orientam seus papéis urbanos junto a sua definição como cidade média no contexto da rede urbana brasileira, sobretudo na região Sudeste. “São Marcantes as relações regionais desenvolvidas com os municípios de seu entorno direto, principalmente pelos intensos fluxos de pessoas e mercadorias: seja pelo papel de centro de consumo e serviços especializados que vem crescendo, diferenciando-se e sofisticando-se ao longo dos últimos anos, seja ainda pela presença de determinadas atividades industriais, caracterizadas pela tendência de especialização produtiva e pelas articulações produzidas em distintas escalas geográficas cada vez mais ampla.” (MELAZZO, 2012, p. 165) Atualmente, Marília é considerada uma capital regional categoria C, segundo a classificação da Região de Influência das Cidades – REGIC136, em uma posição de hierarquia, “que como as metrópoles, também se relacionam com o estrato superior da rede urbana. Com a capacidade de gestão do nível imediatamente inferior ao das metrópoles, têm área de influência de âmbito regional, sendo referidas como destino, para um conjunto de atividades, por grande número de municípios” IBGE137 apud MELAZZO, 2012). 136 A REGIC subdividiu as cidades brasileiras em cinco grandes níveis, com seus respectivos subníveis: Metrópoles (Grande metrópole nacional, Metrópole Nacional e Metrópole), Capitais Regionais (A, B e C), centros sub-regionais (A e B), Centros de Zona (A e B) e Centro Local. Mais detalhes sobre a metodologia ver REGIC (2008). 137 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Região de influência das cidades 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008 285 Desenvolve um papel de centralidade importante junto aos municípios vizinhos, o que abrange o apoio a dimensões jurídica, administrativa e econômica, o que se deve ao fato de que sediam órgãos estatais e sedes de importantes empresas privadas, além de oferecerem diversos serviços educacionais e bancários, nelas, desenvolverem-se várias atividades comerciais. Mantêm importante relação com os outros centros urbanos, razão pela qual as pessoas se deslocam para efetuar compras, procurar opções de lazer, frequentar ensino superior, serviços de saúde de maior complexidade, dentre outros motivos. São Carlos, por sua vez, segundo a classificação da REGIC, está hierarquicamente abaixo de Marília nessa tipologia, integrando-se à rede como Centro sub-regional A. Por se encontrar próximo a Araraquara que é uma Capital Regional C, e Ribeirão Preto que é considerada Capital Regional B, a oferta de serviços de maior complexidade nesses dois núcleos urbanos pode refletir na maior atração para o deslocamento dos citadinos até eles, diminuindo a importância regional de São Carlos. Entretanto, apesar desta diferença, os dois municípios apresentam certas semelhanças. São considerados cidades médias cujo conceito aponta que “sua particularidade reside no pressuposto de uma específica combinação entre tamanho demográfico, funções urbanas e organização de seu espaço intra-urbano” (CORRÊA, 2006) o autor ainda expõe que podemos pensar as cidades médias, em primeiro lugar a rede urbana brasileira, na qual a cidade média é importante nó e de onde é possível pensa-la como tal. Em segundo lugar, a rede urbana global, em relação a qual à cidade média pode ser vista como um nó menos importante. (CORRÊA, 2006, p. 23). Ressalta, ainda, que: Significa afirmar que na construção de um objeto de estudo qualificado como cidade média, é necessário que não se considere isoladamente cada um desses três pontos aqui apresentados - tamanho demográfico, funções urbanas e organização do espaço intra-urbano - mas uma particular combinação deles. (CORRÊA, 2006, p. 25) As cidades estudadas apresentam papéis regionais, exercem influência e têm relações diretas com um certo número de cidades pequenas no seu entorno, estão ligadas à rede urbana brasileira de uma maneira intermediária, o que é proporcionado pelos elementos que já foram citados até o momento. MARÍLIA E O SISTEMA BANCÁRIO Marília apresenta uma relação histórica com o desenvolvimento empresarial e tecnológico do sistema bancário brasileiro. Nela teve origem o banco Bradesco S.A., em 286 10 de março de 1943, com a proposta inicial de se tornar um banco inovador, democrático, presente em todo o país, a serviço de seu desenvolvimento econômico e social, segundo a visão que eles projetam sobre si. Para isso, atendeu aos imigrantes, lavradores e pequenos comerciantes, além do público tradicional das casas bancárias que era formado por empresários e grandes proprietários de terras. (http://www.bradesco.com.br/html/classic/sobre/nossa-historia.shtm) O primeiro caixa eletrônico do Brasil também foi instalado no município de Marília e se situava na Rua Prudente de Moraes, ao lado de uma agência do Banco Bradesco S.A. Atualmente, as maiores instituições bancárias, nacionais e internacionais se fazem presente na cidade, representando sete redes diferentes. (Banco Bradesco S.A; Banco do Brasil S.A; Itaú Unibanco S.A; Banco Santander S.A; Caixa Econômica Federal; Banco Mercantil do Brasil S.A e HSBC Bank Brasil S.A). Quanto à localização delas, o maior número de agências está situado na área central da cidade, com destaque para a Avenida Sampaio Vidal que apresenta uma concentração de diversos bancos, inclusive mais de uma agência da mesma rede. Esta via mostra-se como um importante eixo comercial do município, pois nela há uma grande concentração tanto de agências como seguradoras e financeiras, além da presença de escolas de línguas e cursos preparatórios, comércio de calçados e confecções, utilidades, eletrodomésticos, dentre outros (Figuras 1 e 2). Ela tem características fortes de comércio local e/ou regional, mostrando que a presença dos bancos está intimamente relacionada com as atividades comerciais. MELAZZO, 2012 aponta que: De uma perspectiva que procure abarcar toda a cidade, observa-se, entretanto, a forte presença das agências bancárias, dos postos de atendimento e de caixas eletrônicos quase exclusivamente nas áreas centrais e sul. Reforçam, assim, um padrão de distribuição intimamente associado aos processos de formação de centralidade ligada ao setor de comércio e serviços. (MELLAZO, 2012, p. 222) BANCOS E CENTRALIDADE EM MARÍLIA E SÃO CARLOS Uma parte dos postos de atendimento, em menor quantidade, encontra-se na porção residencial das classes média e alta, região sul e sudeste, e também junto às universidades e serviços de saúde, quando analisamos a cidade de Marília. Já ao norte, em menor quantidade, encontram-se aqueles que apenas têm relação direta com as empresas localizadas nos distritos industriais e o que está instalado no interior de um 287 dos shoppings centers da cidade. Nota-se ainda uma distribuição linear, reforçando a importância dos eixos viários principais, como fatores determinantes da centralidade em Marília (MELAZZO, 2012). Figura 1 – Avenida Sampaio Vidal. Seguradoras e financeiras Figura 2- Avenida Sampaio Vidal. Presença do Comércio em Geral Em São Carlos, o principal eixo comercial e de serviços do município é a Avenida São Carlos onde pode se notar a presença de várias agências como do Banco Santander S.A; Banco Bradesco S.A; duas agências do Banco Itaú Unibanco S.A e Banco do Brasil S.A. Essa grande via corta praticamente toda a cidade e concentra comércio de diferentes setores: supermercados, lojas de eletrodomésticos, farmácias, bem como lojas do setor calçadista e de roupas. A concentração de bancos está em um trecho da avenida, onde o comércio de roupas, calçados e eletrodomésticos se mostra 288 mais presente. Em outro trecho, há um número expressivo de restaurantes, inclusive fastfoods e supermercados (Ver fotos 3 e 4). Foto 3 – Avenida São Carlos. Presença de comércio e serviços, como destaque para fastfood e supermercado em trecho da avenida onde as agências não se fazem presente. Figura 4 – Avenida São Carlos. Trecho de concentração da maior parte das agências bancárias junto ao comércio de diversos segmentos Em algumas ruas adjacentes, situadas no centro da cidade, encontra-se ao menos uma agência de bancos como Santander S.A., Itaú Unibanco S.A., Banco do Brasil S.A. e Bradesco S.A. Na rua XV de Novembro e Avenida Doutor Carlos Botelho, que são próximas, uma da outra, e representam área de expansão do centro principal onde 289 também há muitas agências, sendo que neste setor da cidade consegue-se encontrar tanto agências como postos de atendimento eletrônico próximos uns dos outros reforçando a centralidade urbana junto a essa área de intensa atividade comercial. (SPOSITO 2012, p. 54) destaca que: “A presença de agências bancárias, no caso brasileiro, quando se trata de cidades médias, têm significado importante em termos de reforço da animação da área central. Desde a denominada ‘reengenharia do sistema bancário’, que vem acontecendo desde 1990, muitas cidades pequenas tiveram agências bancárias fechadas. Isso fortaleceu os vínculos entre essas cidades maiores, em todas as regiões do país” Representação cartográfica 1- São Carlos. Localização das Agências, PAE e PAB. 2014 290 Nota-se que, na área central das duas cidades estudadas, uma concentração de redes bancárias atrai grande fluxo de pedestres que acessam as agências ao longo do dia, em horários distintos, havendo alterações de fluxos que podem ser relacionadas ao funcionamento do comércio. É o que mostram os dados obtidos após trabalho de campo 291 realizado no município de Marília e São Carlos como serão representados nos gráficos a seguir. Gráfico 1– Av. Sampaio Vidal, Marília. Comparação entre o número médio de usuários dos dias 25/10/2013, Sexta-feira e 26/10/2013, Sábado. Número médio de usuários 110 120 100 64 80 Número médio de usuários 60 40 20 0 Dia 25/10/13 Sexta-feira Dia 26/10/2013 Sábado Elaborado por: Tamires Eugenia Barbosa Dados obtidos, após trabalho de campo realizado no mês de outubro de 2013, em que foram escolhidas agências localizadas na área central, possibilitaram verificar que há uma concentração de estabelecimentos comerciais de vários segmentos. A contagem de pedestre foi realizada durante dois dias, sendo eles: a) dia 25 (sexta-feira), que por ser dia útil, exigiu o levantamento de informações em três horários para contagem; das 14h às 16h, período, após a abertura das agências quando foi observado o maior movimento de pessoas na via; b) das 16h às 17h, período após fechamento das agências com o comércio ainda aberto; e c) das 18h às 18h30 min., período após o fechamento do comércio, sempre contando o fluxo de pessoas que acessavam cada agência durante 10 minutos. Já no dia 26, sábado, foi escolhido o período da manhã para contagem, das 10h às 11h, com contagem também de 10 minutos para cada agência, já que neste período havia grande fluxo de pessoas na avenida e levando em conta que no sábado o comércio fecha mais cedo e, principalmente, considerando que o trabalho de campo se encerrou após o almoço. 292 Gráfico 2 - São Carlos. Av. São Carlos. Comparação entre o número médio de usuários nos dias 17/01/2014 – sexta-feira e 18/01/2014 – sábado. Número médio de usuários 52,3 53 52 51 50 49 48 47 46 45 44 47 Dia 17/01/2014Sexta Número médio de usuários Dia 18/01/2014 Sábado Elaborado por: Tamires Eugenia Barbosa Dados obtidos através da aplicação de enquetes nos municípios apontam que, dentre os entrevistados, a maioria não se desloca até o centro da cidade apenas para utilizar as agências. No caso de Marília, entre os entrevistados nenhum diz ir ao centro apenas para realizar serviços bancários; em São Carlos, entre as pessoas que foram entrevistadas apenas quatro disseram ir ao centro somente para efetuar serviços bancários. Constatamos que os usuários aproveitam para fazer compras ou realizar outros tipos de serviços, o que indica que a localização é o que mais influencia na escolha da agência a ser utilizada, mostrando que o centro principal, onde as agências se localizam em sua maior parte continua a exercer papel importante na estrutura urbana da cidade. Assim, através dos resultados obtidos com os trabalhos de campo realizados nos municípios torna-se possível destacar alguns pontos previamente sugeridos no início da pesquisa. No que tange ao reforço da centralidade nos municípios brasileiros, sobretudo, nas cidades médias, Sposito (2012, p. 48) afirma que: “O duplo processo de urbanização tem forte influência sobre os centros das cidades, seja o centro histórico e/ou principal, sejam subcentros, centros especializados, shopping centers, eixos comercias e de serviços etc. Várias são as dinâmicas que estabelecem relações entre o padrão geral da urbanização e a constituição da centralidade em múltiplas escalas”. A forte presença de distintas agências junto aos grandes eixos comerciais dos dois municípios, como Avenida Sampaio Vidal, em Marília e Avenida São Carlos, em 293 São Carlos, confirma a relação entre localização delas e as possibilidades de atrair usuários que frequentam o centro para realizar outras atividades. O estudo das lógicas espaciais executadas pelos grandes grupos que operam o sistema bancário tem tido papel preponderante na articulação entre a reestruturação urbana (SOJA, 1993) e das cidades (SPOSITO, 2007), ou seja, a escolha das cidades onde estão os bancos tem influência na escala interurbana (reestruturação urbana) e a localização delas no espaço urbano tem efeitos na escala da cidade (reestruturação da cidade). 294 BIBLIOGRAFIA CORRÊA, Roberto Lobato. Diferenciação sócio-espacial, escala e práticas espaciais. In Revista Cidades, Vol. 4, nº6, 2007, p.61-72. CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. São Paulo: Ática, 1995 IBGE Cidades@. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA online. 2010. Apresenta informações censitárias dos municípios brasileiros. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/cidadesat/> Acesso em: 29 abr. 2013. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Região de influência das cidades 2007 (REGIC) Rio de Janeiro: IBGE, 2008 MELAZZO, E.S. Marília: Especialização Industrial e diversificação do consumo. Trajetórias de uma cidade média. In: SPOSITO, M.E.B. ELIAS, B. SOARES, B.R(org.) Agentes Econômicos e reestruturação urbana regional Chillán e Marília. 1ª ed. São Paulo: Outras Expressões, 2012. Parte II, p. 161-274 MINELLA, Ary C. Banqueiros – Organização e poder político no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo; São Paulo: ANPOCS, 1988. PREFEITURA municipal de São Carlos. São Paulo, online. Apresenta informações sobre história do município de São Carlos. Disponível em: < http://www.saocarlos.sp.gov.br/index.php/historia-da-cidade/115269-historia-de-sao carlos.html> acesso em: 10 de julho de 2014) SANTOS, M. A urbanização brasileira. São Paulo: Hucitec, 1996 SECRETARIA da cultura de Presidente Prudente. São Paulo, online. Apresenta informações sobre a história de Presidente Prudente. Disponível em: < http://museu.presidenteprudente.sp.gov.br/historiapp.php> acesso em: 10 de julho de 2014). SINGER, Paul. Para entender o mundo financeiro. São Paulo: Contexto, 2000. SOJA, Edward. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1993. SPOSITO, M. E. B.(org); Cidades Médias: espaços em transição. São Paulo: Expressão Popular, 2007. SPOSITO, M. Encarnação Beltrão. Cidades médias: reestruturação das cidades e reestruturação urbana. In: SPOSITO, M. Encarnação Beltrão. (Org.). Cidades médias: espaços em transição. São Paulo: Expressão Popular, 2007, v. 1, p. 233-253. 295 SPOSITO, M.E.B. Centros e Centralidades no Brasil. In: FERNANDES, J.A.V.R.; SPOSITO, M.E.B. (Org.) A nova vida do velho centro nas cidades portuguesas ebrasileiras. Porto, Gráfica Maiadouro, 2012 296 DINÂMICAS TERRITORIAIS RECENTES NO MUNICÍPIO DE VOLTA REDONDA-RJ: A ASCENSÃO DE NOVOS AGENTES CONFIGURADORES DO ESPAÇO INTRA-URBANO Túlio Heckmaier de Paula Cataldo138 Fábio Salgado Araújo139 RESUMO Este artigo propõe a discutir a ascensão de novas centralidades resultantes da atuação de novos agentes sócios espaciais no município de Volta Redonda, localizado no estado do Rio de Janeiro. Nesta perspectiva, o questionamento central da investigação consiste em analisar como as centralidades tradicionais se consolidaram e quais razões levaram a uma perpetuação da centralidade de tais locais em relação a oferta de serviços e uso residencial. Também questionamos se há a existência de novos eixos centrais, que obedecem a outras ordens e contextos político-econômicos e se são capazes de alterar a rede de localidades centrais do município. Pretendemos confirmar o surgimento de localidades que se diferem das antigas centralidades intra-urbanas ligadas à atuação da CSN e se são dotadas de infraestrutura, oferta de bens, serviços etc., de modo que tais possam se tornar novos eixos de expansão e centralidade no espaço intraurbano. Palavras-chave: Centralidade; Volta Redonda, CSN 1. Introdução Este artigo trata da ascensão de novas centralidades resultantes da atuação de novos agentes sócios espaciais no município de Volta Redonda, localizado no estado do Rio de Janeiro. A escolha pela temática resulta de investigações que induziram a percepção que o espaço urbano do município sofreu diversas mutações, mas ainda mantém a estrutura sócio-espacial de outrora, principalmente no que tange à valorização de âmbito residencial e comercial de determinados bairros e a perpetuação de 138 Licenciatura e bacharelado em geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e mestrando em Planejamento Urbano e Regional - IPPUR/UFRJ – Pesquisador do laboratório Tecnologia, Território e Planejamento Regional. 139 Licenciatura e bacharelado em geografia pela Universidade Federal de Viçosa, mestre e doutorando em geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 297 diferenciações de cunho sócio-espacial no tecido urbano da cidade. Neste sentido, faz-se necessário admitirmos a peculiaridade existente na estruturação do espaço urbano em questão, notadamente influenciado pela implantação da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), na década de 1940. Salientamos que este grande projeto de desenvolvimento, concebido em escalas administrativas superiores e espacializado em nosso recorte de análise, possuía necessidades, em uma perspectiva produtiva, que contribuíram por estruturar um espaço em plena articulação com as demandas da atividade industrial, com efeito, a estruturação espacial ligada ao estabelecimento de conjunturas favoráveis à reprodução da mão de obra. Neste sentido, realizaremos o esforço de concebermos centralidades ligadas à moradia e à oferta de serviços que se estruturavam paulatinamente e de acordo com o início das atividades da indústria, nas décadas de 1940 e 1950, e se solidificaram nos anos posteriores. O principal objetivo do trabalho é verificar a perpetuação da importância das centralidades induzidas e configuradas pela CSN no espaço intraurbano verificado e, paralelamente, confirmar a existência de novas centralidades a partir da atuação de novos agentes políticos e econômicos, notadamente em um recorte temporal compreendido pelas décadas de 1990, 2000 e 2010. Também é foco de nossa investigação a reestruturação territorial em um município de bases de formação peculiares, em uma perspectiva urbana brasileira. As heranças da cidade industrial, dotada de infraestrutura diretamente ligada aos interesses e demandas da indústria, são conflitantes com um novo conjunto de forças que regem a constituição do espaço, com maior efeito nas últimas décadas. A privatização da CSN, em 1993, contribuiu para que este agente, encarado por nós como principal responsável pela produção do espaço até dado momento, fosse substituído pelas esferas públicas municipais, que adentram tal responsabilidade em um contexto de crise política, econômica e social, resultante do processo de privatização iniciado ao final de década de 1980. Nesta perspectiva, o questionamento central da investigação consiste em de que maneira as centralidades tradicionais se consolidaram e quais razões levaram a uma perpetuação da centralidade de tais locais quanto ao nível de oferta de serviços e uso residencial. Também se questiona se há a existência de novos eixos centrais, que obedecem a outras ordens e contextos político-econômicos e se tais são capazes de alterar a rede de localidades centrais do município em foco. 298 Deste modo, este artigo encontra-se estruturado em três partes. Primeiramente, trataremos brevemente dos contextos históricos, políticos e econômicos que definiram o processo brasileiro de substituição de importações e que, por tal, requerem nossa atenção uma vez que o complexo CSN-VR estruturou-se sob tal paradigma. Também se faz necessário realizar breve apreciação em torno dos processos políticos, sociais e territoriais pelo qual o município passou ao longo da segunda metade do século XX. Posteriormente, analisaremos a constituição do espaço urbano a partir dos agentes que, pioneiramente, obtinham maior parcela de ação sobre o território, notadamente a CSN. Por fim, trataremos da ascensão das novas centralidades, em contexto recente, sob a ação do poder público municipal. O intuito, neste fragmento, é o de confirmar o surgimento de localidades que se diferem das antigas áreas centrais ligadas à atuação da CSN e se são dotadas de infraestrutura, oferta de bens, serviços etc., de modo que tais possam se tornar novos eixos de expansão e centralidade no espaço intraurbano. 2. Uma breve apreciação histórica do complexo CSN-VR e suas dinâmicas sócio espaciais A década de 1930 é compreendida por diversos autores como um ponto de ruptura na sociedade brasileira. As novas diretrizes tomadas por parte daqueles que ascendiam ao poder público são aqui entendidas como grandes garantias do estabelecimento de novas ordens na conjuntura econômica e social do país a partir de dado momento. A ditadura Vargas, voltando suas atenções para a implantação e, principalmente, manutenção de um estado de bem-estar social, não se limita no estabelecimento de um estado que se caracterizava, primeiramente, pelo forte caráter assistencialista adotado. A preocupação dos ideólogos do Estado Novo detinha maiores anseios e perspectivas. A promoção de um plano nacional de industrialização de base que, por sua vez, possui fortíssimas necessidades de grandes porções de capital acumulado para a garantia de sua implantação e (satisfatório) funcionamento, também regia as diretrizes do governo do velho caudilho. Neste contexto, Perroux (1977, p. 150) observa: O nascimento de uma indústria nova é sempre fruto de uma expectativa. Um ou mais agentes se propõe a enfrentar uma situação nova. Julgam-na possível. Assumem os riscos de sua realização. O projeto vai depender da amplitude de seu horizonte econômico, e se consubstancia em um plano ou mais exatamente, em planos alternativos e suscetíveis de correções , no decurso de períodos sucessivos. Uma vez que esses planos sejam ou se tornem compatíveis com os planos de outros agentes, em um mesmo conjunto, a expectativa torna-se criativa. 299 Neste sentido, a aventura de viabilização do complexo torna-se responsabilidade estatal dado o período em questão, marcado pelo pleno desafio em buscar dinamizar o setor secundário interno, dotando-o de um insumo industrial estratégico que passaria a ser produzido em território brasileiro, compondo o processo interno de substituição de importações. Volta Redonda e a Companhia Siderúrgica Nacional são inseridas em dado contexto. A responsabilidade estatal de iniciar a construção de um complexo, onde cidade e empresa iriam interagir de forma a sustentar as necessidades básicas mútuas, seria útil no que diz respeito à criação de uma espécie de laboratório de experiências necessárias à constituição da moderna sociedade do trabalho avançada. Os canteiros de obras são seus centros de excelência, como bem explana Ruy Moreira (2003). O planejamento de uma malha urbana que sustentasse o mínimo de recursos necessários para os grandes fluxos de mão de obra especializada e não especializada que se iniciariam, tornava-se consequência imediata da implantação da siderúrgica. Já na década de 1940, têm início os preparativos para o grande ensaio da industrialização brasileira. É exatamente essa dimensão humana que avulta da história social de Volta Redonda: mesclam-se, num mesmo lugar, milhares de pessoas, que deverão viver juntas, fazendo os mesmos trabalhos, sofrendo as mesmas privações, dividindo os mesmos anseios, somando as mesmas esperanças. (...) Mas os Ciclopes vêm e,sem se darem conta, passam a se movimentar como peões num tabuleiro de xadrez, ocupando as posições que o Estado Novo lhes destina, nos termos de um Projeto Nacional, que contempla a construção de um novo homem brasileiro, para atuar no cenário de uma nova sociedade, moderna, industrial, urbana(...)(BEDÊ, 2004 ,p.20-21). A forma como o complexo foi espacialmente organizado teve a finalidade de fazer dele o modelo de referência da construção da sociedade industrial no Brasil. De fato, mais que uma retaguarda de indústria de base destinada a subsidiar o desenvolvimento econômico nacional com o aço que lhe é primordial, o complexo CSN – VR atuou como uma retaguarda de modelo de sociedade de operários que então apareciam para substituir no Brasil uma sociedade de camponeses. E o seu modo de relação sociedade – espaço, já a partir do arranjo geográfico da cidade, a começar do dilema da escolha da sua localização no território nacional, exprime esse papel de transformar jecas tatus em operários(...) (MOREIRA, 2003, p.139 - 140). Assim, o complexo constituído por empresa e cidade inicia seu processo de afirmação, em um contexto de plena necessidade para que este pudesse garantir seu objetivo e fomentar uma nova sociedade de trabalho, subsidiando o processo de modernização produtiva, tão necessário ao momento que o país enfrentara neste contexto. A cidade juntamente com a siderúrgica foi planejado a partir do modelo de cidade industrial de Tony Garnier, adaptado pelo também arquiteto Attílio Corrêa Lima. Com isso, a constituição dos primeiros bairros ocorre paralelamente à implantação da siderúrgica, visando proporcionar moradia principalmente à mão de obra especializada 300 que chegava ao então distrito de Barra Mansa – RJ. O período de afirmação do complexo é estratégico, pois o funcionamento da siderúrgica dependeria principalmente de uma política absolutamente positiva e favorável para com a força de trabalho. A elaboração do plano urbanístico da cidade foi influenciada pelo modelo urbanístico norte-americano com o zoneamento indicando especialização por área e ordenação dos fluxos, inclusive as áreas e equipamentos destinados ao lazer. Previa uma cidade linear, com desenho simples e equilibrado com funções principais bem articuladas. A área central seria ocupada pelo centro comercial, desenvolvendo-se paralelamente à usina e concentrando a infraestrutura. A CSN seria um modelo autárquico onde a empresa utilizava diversas estratégias para educar, vigiar e controlar o trabalhador dentro e fora da fábrica. A estrutura da vila operária reproduzia a estrutura disciplinar da usina, com arranjo espacial que representava essa ordem, havendo com isto, um duplo controle dos trabalhadores configurando uma verdadeira company-town. (CALIFE, 2000; MOREIRA, 2000; FONTES e LAMARÃO, 2006; PIQUET, 1998). O não aproveitamento de todos os trabalhadores da construção da Usina gerou uma desmobilização da mão-de-obra empregada na construção acarretando um crescimento desordenado e desvinculado dos interesses imediatos da empresa. Com isso, na margem esquerda do Rio Paraíba surgia outra Volta Redonda, ocupada de forma não planejada por pequenos comerciantes e por aquela massa de trabalhadores dispensados da CSN. Os dois núcleos originais de Santo Antônio de Volta Redonda tornaram-se eixo de ligação entre os bairros planejados e os novos bairros surgidos nesse processo de crescimento. Assim, Volta Redonda ficaria dividida em duas: à margem direita do rio desenvolvia-se o núcleo urbano a partir do projeto dos bairros operários – a chamada de “Cidade Nova” – e à margem esquerda a “Cidade Velha”, separada da CSN e que não dispunha dos serviços da parte planejada. Os trabalhadores não aproveitados pela CSN foram deslocados para a parte “Velha” ou para a periferia da cidade, e os proprietários de fazendas da região se converteram em loteadores e especuladores. Com isso, a cidade conheceu uma considerável expansão da malha urbana (principalmente nas décadas de 1950/1960) com a implantação de numerosos loteamentos dando origem a novos bairros, principalmente na margem esquerda do Rio Paraíba do Sul como podemos observar na figura 01. O processo de ocupação de Volta Redonda gerou uma malha urbana descontínua e rarefeita, com grandes vazios e áreas urbanas enquistadas, subindo os morros e instalando-se em pequenas áreas de baixada. Não apenas as características 301 físicas definiram tal ocupação, mas, principalmente, o fato de as melhores terras estarem nas mãos da CSN e de alguns fazendeiros (CALIFE, 2000; MOREIRA 2000; FONTES e LAMARÃO, 2006). Figura 01 – Mapa com a expansão dos bairros de Volta Redonda entre 1940 e 1970. Elaborado por: Araújo, 2013. Nas décadas de 1960 e 1970, a CSN começou a reduzir seus encargos com moradias para funcionários vendendo as casas através da criação de uma imobiliária e também desfez de seu patrimônio público – ruas, praças, serviços urbanos etc. – e dos encargos decorrentes de sua manutenção passando para a Prefeitura Municipal. Assim, no dia 1º de janeiro de 1968, a prefeitura e a CSN assinaram um termo de entrega e recebimento dos serviços urbanos, dando início ao processo de unificação do espaço urbano ao reunir, sob a mesma administração, a cidade operária e a cidade velha. Essa medida foi responsável pela multiplicação dos encargos da administração municipal sem que esta se encontrasse preparada para tanto, passando para a responsabilidade da prefeitura o fornecimento desses serviços. O impacto foi significativo, pois até mesmo a 302 água que abastecia os bairros da cidade planejada era fornecida pela CSN (COSTA, 2004). A crise na década de 1980 e acúmulo de dívidas da CSN foram fatores que contribuíram para a estagnação econômica do município. As políticas governamentais em nível nacional, empreendidas a partir do fim da década de 1980, levaram ao processo de privatização da usina em 1993, dando origem a maior crise vivida pelo município ao longo de sua história. Com a privatização houve uma diminuição da intervenção da siderúrgica diretamente sobre a cidade, com a sua retirada na dotação de infraestrutura urbana e o término das políticas sociais empreendidas pela empresa. Assim, poder público municipal tem aumentado sua presença e poder no fomento de políticas públicas e sociais. O atual do poder público municipal, principalmente a partir de 1997 promoveu alterações na estrutura administrativa da cidade com novos investimentos procurando desenvolver o setor de comércio e serviços, construção/reforma de equipamentos e mobiliário urbano, principalmente aqueles ligados a saúde, educação, lazer e esporte. A CSN, hoje privatizada, continua sendo importante para o município, entretanto para enfrentar os graves problemas sociais, ambientais e econômicos que culminaram com a privatização houve um processo de reestruturação no município. Com o afastamento definitivo da CSN do fomento das políticas públicas e de investimentos em melhorias urbanas surgia a necessidade de uma gestão mais ativa da Prefeitura Municipal. Atualmente o município passa por uma fase de reestruturação territorial em conseqüência da reestruturação produtiva da empresa. Com isso, a cidade vive no início deste século um período de grandes transformações, onde o poder público municipal procura deslocar a imagem vinculada à empresa (“cidade do aço”) para uma cidade moderna e para isso vem investindo na construção e reforma de equipamentos urbanos para criar uma imagem de progresso e construir um consenso junto a população em torno das intervenções urbanas aplicadas. Procura-se com isso sugerir à população uma recuperação econômica após a crise vivida pelo município depois da privatização. Este discurso político tem alto poder de legitimação junto às classes trabalhadoras órfãs do paternalismo da CSN outrora presente. (OLIVEIRA e MASCARENHAS, 2007; SOUTO, 2007; PALMEIRA, 2012). 3. A centralidade pioneira em foco: o caso do bairro Vila Santa Cecília 303 Neste momento, estaremos dedicados ao tratamento de eixos centrais pioneiros e recentes no espaço intraurbano de Volta Redonda – RJ. Nosso intuito é o de verificar a continuidade da proeminência e importância das centralidades antigas, com destaque para o bairro Vila Santa Cecília, ao passo que também verificaremos a existência de novas centralidades a partir da atuação de novos agentes configuradores do espaço urbano (CORRÊA, 1995). Conforme este mesmo autor, o espaço urbano, em seu caráter imutável de fragmentação e articulação, é reflexo da dinâmica dos grupos sociais que o habitam. Por tal, se a sociedade que compõe o espaço urbano é desigual e estratificada socialmente, este irá possuir profundos reflexos desta estruturação desigual e se configurará de forma também desigual. O complexo urbano-industrial constituído pela CSN em Volta Redonda possui tal estratificação em sua própria gênese (PIQUET, 1998). A Vila Santa Cecília surge como principal centralidade deste núcleo inicial. Façamos a ressalva que quando de sua viabilização, o município de Volta Redonda – RJ sequer existira. Este garante sua emancipação apenas em 1954, tornando-se oficialmente um município. Logo, admitimos que o principal agente sobre a configuração do espaço urbano em dado momento tornava-se a CSN, sob a égide do Governo Getulista, em esferas federais de poder. As desapropriações de antigas fazendas cafeicultoras foram realizadas com o intuito de garantia de loteamentos para a construção da Usina e da Vila Operária. A antiga fazenda Santa Cecília é desapropriada, dando lugar ao bairro que receberia nome similar, a Vila Santa Cecília. Em 2013, Araújo (p.69) salientou que “a área central seria ocupada pelo centro comercial, desenvolvendo-se paralelamente à usina e concentrando a infraestrutura: creche, hospital, ambulatório, escola, cinema, clube, restaurante para operários, hotel para empregados solteiros e viajantes” (apud CALIFE, 2000; MOREIRA, 2000; FONTES e LAMARÃO, 2006). A Vila Santa Cecília emerge então como eixo central do núcleo pioneiro e, de acordo com nossas observações, garante sua manutenção como principal eixo central do tecido urbano, uma vez que possui uma série de características sócio espaciais que serão analisadas ao longo deste trabalho. Cabe, todavia, buscarmos realizar uma breve definição da ideia de área central, compreendida por Corrêa (1995 ,p. 38) [...] como a localidade, dentro de um contexto intraurbano, caracterizada por assumir o caráter de foco principal não apenas da cidade mas também de sua hinterlândia. Nela concentram-se as principais atividades comerciais, de serviços, 304 da gestão pública e privada, e os terminais de transportes interregionais e intra-urbanos. Ela se destaca na paisagem da cidade pela sua verticalização. Já Melo (1997, p.24), salienta que [...] os geógrafos conceituam um lugar central por ser um ponto de concentração e irradiação de fluxos comerciais, financeiros, sociais, administrativos, etc. A centralidade, sob este prisma, é a medida de importância do lugar enquanto lugar central, expressa pela magnitude dos bens e serviços oferecidos e pela área de influência. Afora esta tendência vale lembrar que a corrente humanística na geografia aprecia a dimensão etnocêntrica como algo concernente aos lugares centrais. No entanto, a centralidade não se encerra neste círculo. Uma pluralidade de perspectivas sobre o assunto merece ser analisada a despeito da dificuldade em ordenar toda uma complexa gama de centralidades que se entrelaçam ou ocorrem isoladamente. Neste sentido, o tecido urbano do município possui seu eixo central concentrado em quatro localidades, a saber, os bairros da Vila Santa Cecília, o eixo que interliga o Aterrado e a Avenida Amaral Peixoto até o bairro Aero Clube indo até o bairro Retiro como visualizamos nas figura 02 e 03 (IPPU – VR, 2008). 305 Figura 02 - O Arco de Centralidade proposto pelo IPPU – VR, considerando os bairros de Vila Santa Cecília, o eixo constituído por Av. Amaral Peixoto e Aterrado, o bairro Aero Clube e o Retiro. Fonte: Plano Diretor Participativo – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Volta Redonda, 2008. As figuras 02 e 03 podem nos auxiliar na visualização e na análise da espacialização de nosso recorte de observação. Contudo, é de suma importância que façamos a ressalva da consideração dos eixos centrais a partir da análise do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano, autarquia da Prefeitura Municipal de Volta Redonda – RJ. O documento intitulado “Arco de centralidade” (PMVR, 2008) compõe o Plano Diretor Participativo do município, lançado neste mesmo ano. Ele nos fornece interessantes informações acerca da dinâmica urbana do município, além de nos oferecer também a proposta do arco de centralidade, que evidencia os bairros que possuem a maior capacidade de oferta de serviços e que concentram os aparatos administrativos, culturais e simbólicos da cidade. 306 Figura 03: Imagem de satélite do Arco de Centralidade. Fonte: Fonte: Plano Diretor Participativo – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Volta Redonda, 2008. Elaboração: João Wilheim, 2008 Consideramos também que as áreas centrais são, em diversos casos, centralidades pioneiras e localidades responsáveis pela fundação das cidades. A Vila Santa Cecília também exerce tal papel no espaço urbano volta-redondense. Os equipamentos dotados de simbolismo estão inseridos no eixo central aqui enfocado e destacam-se na paisagem. São heranças culturais e espaciais dotadas de história e carga simbólica não encontradas em outra localidade no município. Neste contexto, chamamos atenção para a Praça Brasil, localizada ao final da rua 14. As referências ao novo trabalhador brasileiro, bem como ao ex-presidente Getúlio Vargas, estão fixas no território e contrastam com a nova fase da cidade, notadamente desvinculada de seus antigos mártires. É de suma importância fazermos o esforço de analisar as simbologias existentes no território, que se vinculavam a outras temporalidades e contextos que ainda permanecem, mesmo que desvinculadas do período atual, no espaço. Volta Redonda – RJ tem em sua paisagem uma série de conteúdos e formas que retratam o esforço nacional e buscavam “exaltar o industrialismo, sublinhar a política social do governo e espacializar, através do desenho e do equipamento da cidade, o homem novo que estava 307 sendo construído” (ARAÚJO, 2013, p.69). Admitimos como já salientado no início deste trabalho, que a prefeitura municipal agora constitui um novo agente configurador do espaço e solidifica novas formas que possuem diferentes conteúdos, como explanam Mascarenhas e Oliveira (2006). Neste sentido, observamos que os símbolos criados quando da construção da siderúrgica possuem sua manutenção garantida no espaço, mas não mais se vinculam ao atual período vivenciado principalmente desde a década de 1990, após o marco da privatização da CSN. Desta maneira, o conflito existente entre a cidade industrial com a cidade terciária é pleno e ainda irá representar uma série de entraves e futuros processos para as próximas décadas. Figura 04: Planta do bairro Vila Santa Cecília. Fonte: IPPU-VR Se no passado, o referido bairro apresentava função residencial, e configurando a emergência de uma centralidade, atualmente a Vila Santa Cecília passa por profundas transformações em sua forma-conteúdo. Tais transformações são encaradas por nós como manifestações espaciais da atuação dos novos agentes que (re) configuram o espaço urbano de acordo com suas demandas e interesses. Esta reconfiguração, bem como a ascensão de novos eixos centrais, será alvo de nossa abordagem no próximo 308 capítulo, quando trataremos de dois exemplos de espaços que apresentaram dinâmicas recentes ligadas ao crescimento do setor terciário de Volta Redonda. 4. Breves considerações acerca da ascensão de novas centralidades intra-urbanas: O exemplo da Rodovia dos Metalúrgicos e do Bairro Jardim Amália? A partir deste momento, nos debruçaremos a analisar, de forma sucinta, dois possíveis exemplos de novas centralidades de concentração de recursos e empreendimentos ligados ao setor terciário e ao uso residencial. Referimos-nos, especificamente, aos casos da Rodovia dos Metalúrgicos e ao bairro Jardim Amália, respectivamente. Nas últimas décadas, notadamente após o processo de privatização e da transferência de maior responsabilidade de gestão do espaço urbano à Prefeitura Municipal, consideramos que novos agentes se tornam responsáveis pela reconfiguração territorial que vigora no tecido urbano, agentes ligados, com efeito, ao setor de comércio e prestação de serviços. Desta forma, a descentralização de atividades acompanha o adensamento dos eixos centrais pioneiros e aqueles contemplados pelo arco de centralidade, aliando também precauções por parte do poder público em esferas municipais com tal fenômeno (IPPU-VR, 2008). Neste sentido, observamos a ocorrência de realocação de investimentos, descentralização de atividades de consumo e lazer e novos bairros escolhidos por classes com alto padrão de consumo para moradia. Tais novas localidades se diferem dos eixos centrais considerados por nós até aqui e representam a anexação de novos locais às dinâmicas econômicas e sociais no espaço intraurbano. Optamos por analisar brevemente os casos supracitados pela dinâmica vivenciada por tais nas últimas décadas. 4.1 A Rodovia dos Metalúrgicos (Rodovia Tancredo Neves) A Rodovia dos Metalúrgicos, oficialmente denominada de Rodovia Tancredo Neves, é o principal eixo de ligação da Rodovia Presidente Dutra com o tecido urbano de Volta Redonda. Ao longo de seu percurso, observamos a existência de bairros, predominantemente residenciais, construídos durante a segunda metade do século XX e conectados aos eixos centrais da cidade a partir da referida rodovia, que desemboca na Avenida Amaral Peixoto, no arco de centralidade (IPPU-VR, 2008). Nos últimos dez anos, os loteamentos que se localizam ao longo da rodovia, em seu trecho de maior 309 proximidade ao eixo central, tem sido foco de escolha de localização por parte de redes de comércio atacadista, hipermercados e, com efeito, de um novo empreendimento. Este novo empreendimento, a saber, um Shopping Center, possui uma centralidade de consumo que irá atrair novos e significativos fluxos de pessoas, bens e capitais para este novo eixo. As figuras 04 e 05 nos auxiliam a compreender que tal localidade é alvo de estabelecimento de novas centralidades ligadas ao setor de comércio e serviços e, por tal, se aproveitam de diversos fatores. Entre esses fatores podemos destacar a própria rodovia, eixo de ligação entre bairros distantes do centro e do próprio arco de centralidade com a Rodovia Presidente Dutra, além da facilidade na obtenção de terrenos a preços pouco elevados e dotados de grande extensão, como bem observados nas figuras e imagem supracitadas. Portanto, observamos que um novo eixo de oferta de serviços pode efetivar seu desenvolvimento nas próximas décadas. O Shopping Center Park Sul, que promete ser o maior empreendimento do gênero na região Sul Fluminense (ver figura 05), cuja construção já teve início, ao passo que outros empreendimentos recentes, a saber, a rede atacadista Spani, o setor de administração da empresa Café Faraó e a rede de supermercados norte-americana Walmart já vigoram em funcionamento desde períodos recentes. Desta maneira, constatamos que a necessidade de grandes loteamentos sofrida pelos empreendimentos em destaque, somada à valorização dos loteamentos nos centros consolidados, a exemplo da Vila Santa Cecília, podem resultar na motivação de tais empreendedores pela localização de suas iniciativas neste recorte espacial. Trata-se de uma centralidade que poderá garantir sua consolidação na medida em que novos fixos encontrarem vantagens de diferentes naturezas para a instalação neste novo eixo. Questionamentos futuros podem seguir a direção da existência de iniciativas da Prefeitura Municipal na concessão de incentivos à instalação de empreendimentos em loteamentos ao longo da rodovia. Mas possuímos clara noção de que novos agentes, notadamente ligados ao setor de comércio e serviços, são também grandes responsáveis pela reconfiguração do espaço intraurbano em questão. 310 Figura 05 - Imagem de satélite contendo o recorte por nós observado: A Rodovia dos Metalúrgicos. A área destacada trata-se do eixo de localização dos novos empreendimentos. Destaque para a proximidade com a ligação que a rodovia promove com os eixos centrais do município, bem como com municípios vizinhos, também alvo da oferta dos serviços ali futuramente encontrados. Fonte: HECKMAIER, 2014. Figura 06 - Imagens contendo os outdoors de publicidade do Shopping Park Sul, com as mensagens: “Aqui, o maior e mais completo empreendimento do Sul Fluminense” e “Uma oportunidade de ouro na região do aço”. As constantes referências a região denotam que o empreendimento procura se tornar uma referência de consumo intraregional, fator que este que afirma a característica atual de Volta Redonda, enquanto nó da região do Médio Vale do Paraíba Fluminense. Fonte: HECKMAIER, 2014. 311 4.2 O bairro Jardim Amália Buscamos neste momento salientar a importância de mais um novo eixo que apresenta interessante dinâmica imobiliária, especialmente nas últimas duas décadas. O referido bairro encontra-se próximo dos eixos centrais já referenciados e também às principais vias de acesso a outras localidades do espaço urbano em questão. Contudo, linhas de transporte coletivo são ineficientes e se limitam ao transporte até a base do morro que caracteriza o desenho geomorfológico do bairro. Assim como o bairro do laranjal - caracterizado por concentrar os funcionários do topo da hierarquia empregatícia da CSN e dotado de residências de padrão com maior grau de sofisticação quando da implantação da CSN e dos primeiros bairros do complexo urbano-industrial – o Jardim Amália também se constitui em relevo acidentado e estrutura íngreme, tornando o acesso à boa parte deste limitado à veículos automotores individuais, fator este que caracteriza ainda mais o bairro como foco de classe média alta. Fruto de antigos loteamentos de fazendas cafeiculturas da localidade, o bairro teve sua expansão em contexto recente e aglomera residências de bom padrão de sofisticação, além de um incipiente comércio que busca atender apenas ao bairro em questão, com exceção de poucos exemplos, como escolas de ensino básico particulares, um hospital também particular, além de estabelecimentos noturnos de lazer e entretenimento que exercem significativa centralidade atualmente por estabelecer diversos fluxos, que extrapolam até mesmo os limites municipais, conforme os cadernos de bairro do IPPU-VR relatam (2010). Constatamos, de acordo com nossas observações, que tal localidade sofre intenso ritmo de procura e valorização dos imóveis, bem como até mesmo certa verticalização, já ocorrem no bairro, como exemplificado na figura 16. Com uma população de 6.492 habitantes, sendo que, deste total, o grupo de idade majoritário é de 35 a 39 anos (IPPU apud IBGE, 2010), o bairro torna-se, com o passar dos anos, uma centralidade no espaço intraurbano, dotado de boa infraestrutura e equipamentos urbanos, é alvo de procura de famílias de melhor poder aquisitivo, em relação a outros bairros do município. 312 O bom tratamento das vias públicas, como asfaltamento, arborização e etc, são notórios e também denota uma postura específica do poder público municipal e participa do processo de valorização do solo que este bairro enfrentou nas últimas décadas, tornando-se uma nova centralidade habitacional ao passo que poucos bairros registraram crescimento populacional, com residentes de camadas médias de consumo, como o aqui enfocado. A figura abaixo, conforme anteriormente mencionadas, retratam empiricamente o que foi abordado. Podemos mais uma vez ratificar o papel da verticalização residencial, com a presença de construções de padrão mais sofisticado. Figura 07: Planta do bairro Jardim Amália. Fonte: IPPU-VR Figura 08: Mosaico contendo fotos que nos auxiliam a visualizar as características do espaço em questão, com o fenômeno da verticalização, dada a valorização sofrida pelo bairro em períodos recentes. Destaque também para o embelezamento e arborização das ruas. Fonte: HECKMAIER, 2014. 313 5. Considerações Finais Diante de nossas exposições ao longo deste trabalho, observamos que a estruturação do espaço de Volta Redonda – RJ, que sofreu ímpar influência da CSN, mantêm uma série de paradigmas e estruturações vivas no espaço, no território e na paisagem. Todavia, é de suma importância realizar a ressalva de que a mudança nos agentes configuradores do espaço promove profundos conflitos entre a cidade fordista e a cidade terciária, que luta para se estabelecer em domínios influenciados pela viabilização de um espaço integrado diretamente à indústria. A maior responsabilidade do poder público municipal possui plenos desafios na gestão do espaço e busca torná-lo cada vez mais autônomo em relação a CSN, além de realização de um esforço considerável na reconstrução dos símbolos e das referências que o cidadão de Volta Redonda busca em tempos de conflitos simbólicos e sociais. A reestruturação do espaço atende a novas demandas e ao interesse de novos agentes, que se afirmam no espaço e na sociedade principalmente após a paradigmática privatização da CSN, em primórdios da década de 1990. Com isso, novas centralidades buscam afirmação no espaço, apesar de ainda conflitarem e coexistirem com os eixos centrais estruturados ao longo da implantação da CSN e nas primeiras décadas de afirmação do complexo urbano-industrial. Estes, no caso específico da Vila Santa Cecília, vivem pleno contexto de expansão de atividades econômicas, notadamente terciárias, que atraem novos fluxos, instalam novos fixos, fortalecem fluxos já existentes e contribuem para a maior diversificação e fortalecimento da centralidade encontrada no bairro desde a década de 1940. Portanto, observamos que as centralidades pioneiras, a exemplo do eixo de centralidade proposto pelo IPPU-VR – O Arco de Centralidade – (2008), com ênfase especial ao bairro da Vila Santa Cecília, persistem enquanto principais espaços dotados de centralidade no município. O caso específico da Vila Santa Cecília nos chama atenção para um maior adensamento da centralidade pioneira, dotada de serviços especializados de grande demanda no município, atraindo até mesmo fluxos interurbanos. A incorporação de novos espaços afirma que a localidade está anexando novas áreas e incorporando-as em sua dinâmica de oferta de bens e serviços. Contudo, não podemos desconsiderar a existência de novos espaços dinâmicos, como os supracitados ao longo 314 deste trabalho, principalmente na Rodovia dos Metalúrgicos, uma vez que esta pode oferecer aspectos que as centralidades pioneiras não mais estão aptas, como grandes loteamentos a preços não elevados. O tipo dos empreendimentos que vêm sendo erguidos neste eixo também carecem destas amenidades, visto que tratam-se de grandes edificações que requerem grandes loteamentos para garantirem sua reprodução. O caso do bairro do Jardim Amália também é elucidativo no aspecto de novas centralidades residenciais que ascendem, ao passo que os bairros pioneiros e sempre referenciados ao considerarmos as moradias de alto padrão não mais são o foco do novo conjunto de grupos sociais de alto poder aquisitivo que residem na cidade, com efeito, destacados da figura da CSN, diferentemente de períodos anteriores. Deste modo, concluímos destacando a gama de participação que os novos agentes configuradores do espaço urbano possuem na vigente reestruturação urbana vivenciada por Volta Redonda – RJ. O poder público torna-se mediador dos interesses do capital privado, na medida em que este se configura, de acordo com nossas observações, como o maior modelador do espaço urbano em questão e o faz centro e referência na rede urbana em que este se encontra inserido. Por fim, salientamos a importância de considerarmos que o espaço urbano é configurado a partir de interesses e agentes que não possuem caráter fixo e se vinculam às demandas que tais possuem, tendo nas esferas políticas entraves ou agentes indutores de novas configurações espaciais. É de suma importância sempre considerar que as heranças do período em que a CSN configurava e planejava o território de acordo com suas demandas entram e entrarão em constantes conflitos e se apresentarão enquanto constantes entraves aos novos ritmos de expansão vivenciados, principalmente pelos agentes atualmente hegemônicos. 315 6. Referências Bibliográficas ARAÚJO, Fábio Salgado. O Lazer em Volta Redonda-RJ: dos clubes sociorrecreativos vinculados a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) aos novos investimentos esportivos da prefeitura. Dissertação de Mestrado em Geografia. Programa de Pós Graduação em Geografia. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2013. 155p. BEDÊ, Waldir. A. 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