1 O USO DO ENXERTO DE TECIDO CONJUNTIVO PARA O RECOBRIMENTO RADICULAR: INDICAÇÕES E TÉCNICAS CIRÚRGICAS Connective tissue graft use for root covering: indications and surgical techniques Tatiana Miranda DELIBERADOR1 Tertuliano Ricardo LOPES2 Bruno TON3 Karina Maria Sztoltz TANCARA4 Hisadora Hirome HIROSE4 Endereço para correspondência: Universidade Positivo – Programa de Mestrado em Odontologia Clínica. A/C Profª. Drª. Tatiana Miranda Deliberador. Rua Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 5.300 Campo Comprido – Curitiba-Pr CEP: 81.280-330 E-mail: [email protected] 1 Professora do Mestrado Profissional em Odontologia Clínica da Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil. 2 Professor do Curso de Especialização em Periodontia, Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil. 3 Mestrando do Programa de Mestrado Profissional em Odontologia Clínica da Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil. 4 Graduandas em Odontologia pela Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil. 2 RESUMO A recessão gengival é um achado comum no dia a dia clínico. Entre as conseqüências da presença da recessão gengival é possível citar a hipersensibilidade dentinária, a cárie radicular e o comprometimento estético.Diferentes técnicas cirúrgicas têm sido propostas para corrigir estas deformidades, sendo que a técnica de enxerto de tecido conjuntivo é mais usada e mais previsível. Palavras-chaves: recessão gengival, hipersensibilidade, tecido conjuntivo ABSTRACT Gingival recession is a common finding in clinical nowadays. As consequences of gingival recession may have hypersensibility, root caries and aesthetic compromise can be expected. Different surgical techniques have been proposed to correct these deformities, the technique of connective tissue graft being the most used and predictable. Key-words: gingival recession, hypersensibility, connective tissue INTRODUÇÃO A recessão gengival é a migração apical da margem da gengiva em relação à junção amelocementária com consequente exposição da superfície radicular. Muitos fatores etiológicos têm sido relacionados com o desenvolvimento da recessão gengival. Entre eles, a inflamação induzida por placa, trauma de escovação, impactação alimentar, movimentação ortodôntica e procedimentos restauradores. Quando há associação de outros fatores etiológicos como, ausência de gengiva inserida ou uma fina camada da mesma, bem como a posição dos dentes proeminentes no arco, o problema torna-se ainda mais grave. Nesses casos os tecidos gengivais são submetidos a uma maior pressão, ficando ainda mais propensos à recessão gengival. 3 O envolvimento estético, a presença de hipersensibilidade dentinária, o aparecimento de cáries radiculares, dificuldade no controle de placa e desgastes cervicais são algumas das conseqüências relacionadas às recessões gengivais. O recobrimento radicular tem sido estudado por muitos pesquisadores, a fim de se obter o melhor resultado estético e funcional para o paciente. Diferentes abordagens cirúrgicas são usadas com a finalidade de recobrir áreas que apresentem recessões gengivais Entre elas, está a técnica de enxerto de tecido conjuntivo, que consiste em usar o tecido conjuntivo do palato duro, tuberosidade ou crista alveolar edêntula do paciente para o recobrimento radicular. O enxerto de tecido conjuntivo possibilita um bom resultado estético final previsibilidade de recobrimento radicular, redução da profundidade de sondagem, ganho de inserção clínica e ganho de tecido queratinizado. 1-9 O objetivo do presente trabalho é revisar a literatura e relatar as indicações e as diferentes técnicas cirúrgicas do uso de enxerto de tecido conjuntivo para o recobrimento radicular. REVISÃO DE LITERATURA Edel em 197410 iniciou a técnica do enxerto de tecido conjuntivo para aumento de tecido queratinizado em cirurgias regenerativas. Em 1980, foi originalmente apresentada como a técnica do aumento de rebordo11 e posteriormente apresentada por Langer e Calagna como a técnica usada para recobrimento radicular12 Diversos autores1-9 obtiveram bons índices de sucesso com o uso do enxerto de tecido conjuntivo para recobrimento radicular, porém, o sucesso do procedimento de recobrimento radicular pode variar, porque depende de alguns fatores, entre eles a 4 localização e a classificação da recessão gengival bem como, a técnica de recobrimento radicular a ser utilizada.13 1) Classificação das recessões gengivais A primeira classificação das recessões gengivais foi feita por Sullivan e Atkins em 1968, que as classificaram em: a) rasas e estreitas; b) rasas e largas; c) profundas e estreitas e d) profundas e largas. Todavia, foi a classificação de Miller em 1985 que obteve maior sucesso, por usar como parâmetro a margem gengival, a junção mucogengival e a perda óssea interdentária. Dessa maneira obteve-se maior precisão no prognóstico com relação à previsibilidade de recobrimento radicular.14 De acordo com Miller (1985), as recessões gengivais podem ser classificadas em: • Classe I - recessão do tecido marginal que não se estende até a junção mucogengival. Não há perda de osso ou de tecido mole interdental; • Classe II - recessão do tecido marginal se estende até ou além da junção mucogengival. Não há perda de osso ou tecido mole interdentais; • Classe III - recessão do tecido marginal se estende até ou além da junção mucogengival. A perda de osso ou tecido mole interdentais é apical em relação à junção amelocementária, porém coronária à extensão apical da retração do tecido marginal; • Classe IV - recessão marginal se estendendo além da junção mucogengival. A perda do osso interdental se estende até um nível apical em relação à extensão da retração do tecido marginal. 2) Indicações do enxerto de tecido conjuntivo para recobrimento radicular 5 De acordo com a classificação de Miller, a indicação do enxerto de tecido conjuntivo para recobrimento radicular é realizada apenas em casos em que o paciente apresente a classe I ou II, por apresentar uma previsibilidade de recobrimento próxima a 100%. O principal fato é que nesses casos não houve perda óssea interproximal garantindo assim recobrimento radicular altamente previsível.8,15 As indicações de recobrimento radicular se justificam quando há envolvimento estético, hipersensibilidade dentinária, dificuldade da manutenção da higiene bucal, acúmulo de placa com conseqüente perda do suporte periodontal e risco de cárie radicular.16 As técnicas cirúrgicas para recobrimento radicular devem ser realizadas conforme o caso clínico individual de cada paciente, sempre se baseando na classificação de Miller e na faixa de gengiva inserida. O enxerto de tecido conjuntivo na cirurgia plástica periodontal está indicada para recobrimento radicular associado principalmente ao retalho posicionado coronalmente, ao retalho posicionado lateralmente e pela técnica do envelope17 e também pode ser indicado para o preenchimento da crista alveolar, no tratamento das discromias gengivais, para criação de papilas interdentais, na cirurgia plástica periimplantar ou com o objetivo de criar de tecido queratinizado.18 3) Contra-indicações do uso de enxerto de tecido conjuntivo para recobrimento radicular O uso do enxerto de tecido conjuntivo é contra-indicado quando o paciente apresenta problemas sistêmicos, como: cardiovasculares,diabetes , hipertensão arterial não controlada, alterações da crase sanguínea, distúrbios psíquicos e tabagismo. 6 O uso do enxerto de tecido conjuntivo também é contra-indicado de forma relativa por ordem técnica; quando o mesmo se encontra ao nível dos segundos molares inferiores, a linha obliqua externa pode constituir um incômodo. Ao nível de molares superiores, o acesso e a visibilidade tornam-se limitados, pois a presença do músculo bucinador aumenta a dificuldade. Em regiões linguais dos incisivos inferiores, a estabilização do enxerto de tecido conjuntivo e a vascularização são precárias.19 As limitações do recobrimento radicular com enxerto de tecido conjuntivo baseiam se principalmente na má qualidade e na manipulação do tecido doador, recessões de classe III ou IV de Miller no leito receptor, e quando o diâmetro mesiodistal da raiz exposta for superior às dimensões horizontais dos tecidos interproximais.18-20 4) Técnica cirúrgica Antes de iniciar a cirurgia, é recomendável realizar anti-sepsia com colutório de gluconato de clorexidina a 0,12% durante um minuto para reduzir o potencial de infecção. Os leitos doador e receptor devem ser anestesiados. 4.1) Preparo do leito receptor A intervenção cirúrgica deve sempre começar pelo preparo do leito receptor. Se houver impeditivos, a cirurgia pode ser abortada sem dano desnecessário ao leito doador. Ainda, começando pelo preparo do leito receptor, o tempo em que o tecido conjuntivo doado permanece sem vascularização também é reduzido. O preparo do leito receptor inicia-se pelo planejamento do tipo de retalho que será utilizado para recobrir o enxerto de tecido conjuntivo. Os principais e mais previsíveis tipos de retalho são o retalho posicionado coronalmente, o retalho 7 posicionado lateralmente e o retalho em envelope. A escolha depende principalmente das características anatômicas do leito receptor, da qualidade e quantidade dos tecidos adjacentes à recessão e da habilidade do operador. A idéia principal neste momento cirúrgico é criar um leito capaz de nutrir o enxerto de tecido conjuntivo. Independente do tipo de retalho escolhido, prepara-se um retalho dividido com profundidade suficiente para acomodar o tecido conjuntivo doado sem interferências do tracionamento dos tecidos circunjacentes. Para o reposicionamento do retalho, são feitas incisões relaxantes de acordo com a necessidade de recobrimento. Deve-se verificar o adequado preparo do retalho tracionando-o até a posição final desejada, sem tensão dos tecidos. Após a realização do retalho a superfície radicular deve ser raspada e alisada com auxílio de curetas periodontais e brocas de fina granulação. Pode-se ainda, realizar em seguida da raspagem e alisamento da raiz o condicionamento ácido da superfície radicular com cloridrato de tetraciclina a 10% com o principal objetivo de remover a “smear layer” e desmineralizar a raiz. 21,22 Com o leito receptor pronto a sequência cirúrgica é realizar um mapa para saber o tamanho desejado e formato do enxerto de tecido conjuntivo. Este mapa se faz sobre o leito receptor com um papel ou folha de alumínio estéril recortada com o formato desejado. O mapa é então posicionado no leito doador para delinear o tamanho desejado do enxerto conjuntivo e orientar o tamanho da incisão.17 4.2) Técnicas de remoção do tecido conjuntivo do leito doador Diferentes técnicas de remoção do enxerto de tecido conjuntivo são relatadas na literatura. Estes enxertos podem ser obtidos de regiões da cavidade oral, que possuam gengiva queratinizada e espessura suficiente para possibilitar a remoção do tecido 8 conjuntivo subjacente. Estas regiões incluem: região retromolar, regiões edêntulas e palato duro, principalmente a região entre molares e pré-molares. O operador deve conhecer a anatomia da área doadora em detalhes, a fim de evitar danos ao feixe neurovascular palatino. A anatomia do palato se diferencia em tamanho e forma, o que afeta a dimensão do tecido a ser removido.23 As técnicas mais utilizadas para a remoção de tecido conjuntivo do palato duro são: a Técnica do Alçapão (Langer e Langer, 1985)24, a Técnica das Incisões Paralelas com bisturi de duas lâminas (Harris, 1992)26, a Técnica de Bruno (Bruno, 1994)27, a Técnica da Incisão Linear (Lorenzana e Allen, 2000)28, a incisão em L (Tinti et al., 2000)29 e a Técnica de Bosco e Bosco (2007)30. A variação da escolha da técnica varia de acordo com alguns fatores. Entre eles, a habilidade do operador, a espessura do leito doador e a remoção prévia do tecido conjuntivo no mesmo leito doador. Quando o palato duro apresenta uma boa espessura podem ser utilizadas Técnica de Langer e Langer24,25 ou a Técnica das Incisões Paralelas com bisturi de duas lâminas26 ou a Técnica de Bruno27 ou a Técnica da Incisão Linear28 ou a Técnica de incisão em L29. As técnicas que necessitam de maior habilidade cirúrgica são a Técnica de Bruno27 e a da Incisão Linear29 e são indicadas para profissionais com maior experiência clínica. Se o palato duro apresentar pouca espessura e o operador não tiver uma grande habilidade cirúrgica recomenda-se utilizar a técnica de Bosco e Bosco30. Antes de iniciar, o operador de identificar a posição da artéria palatina maior por palpação, a fim de evitar uma incisão acidental. Por ser um vaso calibroso e com fluxo arterial, o seu rompimento acarretaria em uma hemorragia considerável. A artéria palatina fica na junção do palato duro com o processo alveolar. Geralmente, ela encontra-se de 7 a 15 mm apical à junção amelocementária dos dentes superiores. (Figura 1) 23 9 a a b Figura 1 – Posição da artéria palatina maior no palato. A sua posição pode variar dependendo da forma do palato, estando geralmente de 7 a 15 mm apicalmente à junção amelo-cementária. a. corte coronal; b. corte sagital.23 Técnica do Alçapão (Langer e Langer, 1985)24 Inicialmente mencionada por Edel em 1974,10 essa técnica consiste em fazer incisões no palato duro de modo a descolar um alçapão de tecido queratinizado, revelando o tecido conjuntivo subjacente e permitindo sua remoção criteriosa. (Figura 2) Para tanto, com uma lâmina n. 15, faz-se uma incisão horizontal reta (Figura 2) na área doadora do palato paralela ao contorno gengival, afastada cerca de 2 a 3 mm da margem gengival, com o comprimento desejado previamente estabelecido pela confecção do mapa baseado no leito receptor. A extensão mésio-distal da incisão é determinada pelo tamanho do enxerto necessário. O enxerto de conjuntivo deve ser de tal dimensão que cubra toda a área da recessão em todas as suas dimensões mésio-distal e ocluso-apical. Em seguida, se faz duas incisões perpendiculares à primeira em direção (Figura 2 b) à rafe palatina partindo das extremidades da primeira incisão de acordo com a necessidade do tamanho do enxerto de tecido conjuntivo. Essas incisões tem uma 10 profundidade de aproximadamente 2mm. O próximo passo é a lâmina de bisturi entrar paralela ao palato com o objetivo de separar o tecido epitelial do tecido conjuntivo. (Figura 2 c) Neste momento o alçapão é rebatido visando deixar a base mais larga do que a extremidade livre do retalho. (Figura 2 d) Com o alçapão aberto, pode-se dissecar a espessura necessária do conjuntivo. (Figura 2 e) Existe uma espessura específica de enxerto de tecido conjuntivo segundo as suas indicações: um enxerto de tecido conjuntivo 1,5 mm é indicado para recobrimento radicular enquanto um de 2 mm de espessura é indicado para preenchimento de rebordo. Para isso lâmina entra de bisturi paralela ao palato, só que agora com o objetivo de separar o tecido conjuntivo do periósteo do palato. Com auxílio de uma pinça Dietrich remove-se delicadamente o tecido de conjuntivo. Imediatamente após a retirada do tecido conjuntivo as bordas da ferida (alçapão) do sítio doador devem ser aproximados e comprimidos com uma gaze umedecida. Em seguida recomenda-se mantê-los em posição por meio de uma sutura simples interrompida, uma vez que é possível obter uma cicatrização por primeira intenção. Sendo esta, uma vantagem desta técnica.11,24,25 11 a b a a d c e Figura 2 – Técnica do Alçapão. a. Incisão horizontal perpendicular ao longo eixo dos dentes; b. incisões verticais; c. dissecação do epitélio; d. alçapão rebatido; e. remoção do tecido conjuntivo. Técnica das Incisões Paralelas (Harris, 1992)26 Para essa técnica, utiliza-se um bisturi de lâmina dupla, chamado de Bisturi de Duas Lâminas de Harris. As duas lâminas entram paralelas ao longo eixo do dente até atingirem o osso, resguardando 2 a 3 mm de segurança apicalmente à margem genvival livre. (Figura 3) Em seguida, com um deslize das lâminas de mesial para distal, tem-se um enxerto de espessura constante. Em seguida com a utilização de um bisturi convencional com lâmina no 15 liberam-se lateralmente as extremidades do tecido conjunto. Na porção mais apical, o tecido conjuntivo é descolado com uma lâmina ou com um descolador delicado. Uma vez coletado, pode-se remover a faixa de epitélio ou utilizá-la junto com o enxerto de acordo com a necessidade. O sítio doador recebe suturas suspensórias compressivas para aproximar as bordas da ferida. 12 Quando feita sobre a tuberosidade, ou na crista edêntula, pode ser utilizada um bisturi convencional, e a distância entre as incisões pode exceder 1,5 mm. Figura 3 – Técnica de Harris.25 Uso do bisturi de Harris (com duas lâminas paralelas). Técnica de Bruno (Bruno, 1994)26 A primeira incisão no palato é feita perpendicular ao longo eixo dos dentes, (Figura 4 a) aproximadamente 2 a 3mm apical à margem gengival dos dentes superiores até tocar o osso. O comprimento mésio-distal depende do tamanho do tecido conjuntivo necessário para o sítio receptor. Em seguida, faz-se uma segunda incisão afastada 1 a 2 mm da anterior, de acordo com a espessura do tecido conjuntivo desejada, (Figura 4 b e c) penetrando agora paralelamente ao longo eixo dos dentes, com o objetivo de separar o tecido epitelial do tecido conjuntivo, até tocar o tecido ósseo na sua porção mais apical. O próximo passo é remover o enxerto conjuntivo periosteal com espessura total, com auxílio de um descolador delicado e afiado. (Figura 4 d) Uma vez coletado, a espessura, assim como a faixa de epitélio queratinizado removido junto podem ser trabalhadas de acordo com as necessidades do operador . Nesse momento, valem os mesmos princípios de cuidado com o enxerto, assentando-o sobre o leito uma gaze umedecida com soro fisiológico. 13 O sítio doador é suturado com uma sutura suspensória compressiva cruzada para aproximar a ferida do palato, evitar o deslocamento do coágulo afim de evitar pressão excessiva sobre o enxerto de tecido conjuntivo. e a b c d Figura 4 – Técnica de Bruno.26 a. incisão horizontal perpendicular ao longo eixo dos dentes tocando no osso; b. e c. Incisão paralela ao longo eixo do dente tocando no osso; d. descolamento do conjuntivo junto com periósteo. Técnica da Incisão Linear (Lorenzana e Allen, 2000)27 Nesta técnica faz-se uma incisão no palato afastada de 2 a 3 mm da margem gengival livre, perpendicular à superfície do palato até tocar o osso. (Figura 5 a e b) Em seguida, com a lâmina de bisturi paralela ao palato faz-se a dissecação de um retalho dividido, separando o tecido epitelial do tecido conjuntivo para posteriormente descolar o periósteo subjacente e coletar o enxerto de tecido conjuntivo. (Figura c, d, e) Deve-se utilizar um descolador pequeno e uma pinça delicada para a manipulação deste enxerto, evitando rasgá-lo ou danificá-lo durante a remoção. O fechamento da ferida nessa técnica se dá com cicatrização por primeira intenção com suturas simples interrompidas. O uso de suturas para o fechamento da ferida é opcional, porém recomendado. A 14 dissecação do retalho parcial as “cegas” é uma das dificuldades desta técnica. Além disso, existe a dificuldade de se manter a espessura do tecido conjuntivo uniforme. e a b c d e Figura 5 – Técnica da Incisão Linear.27,28 a. e b. incisão horizontal perpendicular ao longo eixo do dente até tocar no osso; c. e d. Incisão vertical paralela ao longo eixo dos dentes entrando pela primeira incisão até tocar o osso; e. Remoção do tecido conjuntivo com descolador delicado. Técnica da Incisão em L (Tinti, 2000)29 A primeira incisão é perpendicular ao longo eixo dos dentes, a cerca de 3mm apical à margem gengival livre. A segunda incisão é perpendicular à extremidade mesial da primeira até atingir o osso, obtendo assim, um desenho em “L”. (Figura 6 a) A partir deste ângulo de encontro das duas incisões, rebate-se um retalho parcial com objetivo de se separar o tecido epitelial do tecido conjuntivo. (Figura 6 b) É necessário cuidado para que o retalho não fique excessivamente fino e não ocorram perfurações ou necrose. Em seguida, a lâmina dirige-se para a superfície óssea. Com um bisturi de Kramer-Nevis nº 15 7, ou um descolador de periósteo e uma pinça anatômica, o tecido conjuntivo é removido junto com o periósteo de forma menos traumática possível. (Figura 6 c) As bordas da ferida são aproximadas e mantidas em posição por suturas simples interrompida ou suspensória horizontal para a obtenção de um fechamento primário. e a b c Figura 6 – Técnica da Incisão em L.29 a. Incisão horizontal e vertical rasas; b. dissecação do epitélio; c. dissecação do tecido conjuntivo. Técnica de Bosco e Bosco (2007)30 Bosco e Bosco propuseram uma técnica para a coleta de tecido conjuntivo do palato duro que apresente uma espessura reduzida. A idéia é coletar uma porção de tecido correspondente ao material como se fosse para um enxerto gengival livre e separar o tecido epitelial do tecido conjuntivo fora da boca para em seguida reposicionar o epitélio queratinizado no sítio doador. (Figura 7) Deve-se tomar cuidado para obter um retalho de espessura uniforme, cuidando para manter o periósteo intacto. Após a retirada do tecido do palato, o mesmo é colocado em gaze estéril umedecida com soro fisiológico estéril. Com uma nova lâmina de bisturi n. 15, o enxerto é dividido gerando duas partes: uma que compreende ao epitélio com uma fina camada de tecido conjuntivo e outra apenas com o tecido conjuntivo. O enxerto de epitélio queratinizado 16 é então reposicionado na área doadora como um enxerto gengival livre e comprimido com gaze estéril para evitar a existência de áreas de espaço morto e a formação de um coágulo sanguíneo excessivo. Caso o enxerto gengival livre seja deslocado pelo sangramento, podem-se realizar suturas compressivas para mantê-lo firmemente adaptado. A área doadora é então recoberta com cimento periodontal durante 7 a 10 dias. O enxerto de tecido conjuntivo é levado ao leito receptor e adequadamente suturado. a c b Figura 7 – Técnica de Bosco e Bosco.30 a. Incisões perpendiculares rasas ao longo eixo dos dentes unidas formando um retângulo que é em seguida removido com um retalho dividido; b. novo retalho dividido feito na peça de tecido removida do palato; c. dois enxertos distintos são obtidos, um de tecido conjuntivo e outro com epitélio e uma fina camada de conjuntivo que vai ser reposicionado na área doadora. 4.3) Manipulação e sutura do enxerto de tecido conjuntivo no leito receptor Após a retirada do enxerto de tecido conjuntivo do leito doador, o mesmo deve ser protegido por uma gaze estéril, para inspeção e remoção de tecido adiposo. Logo, 17 segue-se para a adaptação e estabilização do tecido conjuntivo no leito receptor. O enxerto deve ser posicionado abaixo da junção amelocementária e sobre a superfície radicular previamente preparada. A estabilização do enxerto é realizada com fio reabsorvível, através de duas suturas simples interrompidas, uma na mesial e outra na distal do enxerto. Sendo que, os nós devem ser mantidos fora da área do tecido conjuntivo. Uma sutura compressiva vertical é realizada com o objetivo de comprimir o enxerto contra a superfície radicular evitando a formação de coágulo sanguíneo entre ambos. Para realizar esta sutura, o fio reabsorvível deve pegar o periósteo apical ao enxerto e passar nos espaços interproximais dos dentes, sendo que o nó da sutura deve ficar por palatino.30 Após a estabilização do enxerto de tecido conjuntivo o retalho deve ser suturado de modo a cobri-lo totalmente. O tipo de sutura a ser realizada depende do tipo de retalho que foi planejado e realizado no início do procedimento cirúrgico. Na maioria dos casos a principal sutura indicada para recobrir o enxerto é a sutura suspensória, seguida de suturas complementares. Após o término das suturas o leito receptor deve ser comprimido com uma gaze umedecida com soro fisiológico durante 5 minutos. Recomenda-se cobrir tanto o leito receptor como o doador com cimento cirúrgico durante 7 a 10 dias. 5) Pós-operatório Uma técnica cirúrgica bem executada minimiza o desconforto do paciente no pós-operatório, porque reduz o duração da cirurgia, reduz a possibilidade de infecção e evita danos desnecessários. Ainda assim, o período pós-operatório de cirurgias de enxerto conjuntivo pode ser bastante desconfortável por causa do dano causado principalmente no leito doador. É comum o paciente apresentar um quadro de dor 18 moderada, que pode ser exacerbada por trauma mecânico ou químico sobre as áreas afetadas. Para evitar um contato direto sobre a área doadora do palato, recomenda-se cobrir tanto o leito receptor como o doador com cimento cirúrgico durante 7 a 10 dias. Pode também ser utilizada uma placa de acrílico previamente confeccionada que recubra a área doadora do palato. Deve ser realizado acompanhamento durante o período pós-operatório para controle periódico da cicatrização. Uma boa cicatrização é crucial para o sucesso do tratamento, por isso também deve haver um cuidado especial na alimentação nos dias seguintes à cirurgia. É importante que o paciente siga as recomendações pós-operatórias e é papel do cirurgião dentista assegurar-se de que o paciente seja adequadamente orientado. Essas orientações devem ser passadas ao paciente verbalmente e por escrito para que ele tenha uma referência à qual recorrer em caso de dúvida.31 Recomenda-se que o paciente mantenha-se em repouso nas primeiras 48 horas, evitando esforços físicos para que não haja aumento da pressão arterial, o que poderia aumentar o riso de hemorragia. É preferível que o paciente evite cuspir ou fazer bochechos vigorosos, pois a pressão negativa que acontece no interior da cavidade bucal poderia propiciar uma hemorragia ou deslocar os tecidos reposicionados. As áreas cirúrgicas podem ser higienizadas, contanto que com bastante delicadeza. O controle de placa pode ser realizado com bochechos de gluconato de clorexidina a 0,12%, iniciando após 48 horas da cirurgia durante 7 dias. Devem ser evitados colutórios com álcool na composição. A alimentação no pós operatório também deve ser bastante cuidadosa, recomendando-se alimentação líquida ou pastosa (para evitar traumas mecânicos) e de preferência gelada ou levemente morna. Também pede-se que se evitem alimentos muito salgados alimentos ou muito condimentados. Alimentos ácidos são 19 desaconselháveis, pois além de afetarem a cicatrização das áreas cirúrgicas podem originar bastante dor. Para controle medicamentoso da sintomatologia pós-operatória, os pacientes recebem prescrição de analgésico e antibiótico. O uso local de gelo evita a formação de edema. A sua aplicação pode ser feita com o gelo dentro de um saco plástico envolto em um tecido umedecido com água. O contato com a pele deve ser intermitente, pois o leito cirúrgico necessita de vascularização e se área ficar muito gelada pode ocorrer isquemia e comprometimento da irrigação do enxerto. CONSIDERAÇÕES FINAIS O enxerto de tecido conjuntivo tem ótima previsibilidade para o recobrimento de recessões gengivais quando indicado corretamente e é o tratamento de eleição nestes casos. A execução da técnica requer habilidade clínica do operador e também colaboração pós-operatória do paciente. Por isso é importante que o cirurgião dentista saiba quando e como usar a técnica de enxerto de tecido conjuntivo. AGRADECIMENTOS Aos professores da disciplina de Periodontia da Universidade Positivo, em especial a orientadora Professora Doutora Tatiana Deliberador e ao co-orientador Professor Tertuliano Lopes por todo incentivo, dedicação e carinho. Ao mestrando do Programa de Mestrado Profissional em Odontologia Clínica da Universidade Positivo, Bruno Ton pela dedicação e confecção das figuras deste trabalho. 20 REFERÊNCIAS 1. Sedon CL, Breault LG, Covington LL, Bishop BG. Subepithelial connective tissue graft: part II. Histologic healing and clinical root coverage. J Contemp Dent Pract 2005 mai 15;6(2):139-150. 2. Paolantonio M, di Murro C, Cattabriga A, Cattabriga M. Subpedicle connective tissue graft versus free gingival graft in the coverage of exposed root surfaces. A 5-year clinical study. J Clin Periodontol 1997 Jan;24(1):51-56. 3. Nelson S. The subpedicle connective tissue graft: a bilaminar reconstructive procedure for the coverage of denuded root surfaces. J Periodontol 1986 fev;58(2):95–102. 4. Wennström JL, Zucchelli J. Increased gingival dimensions: a significant factor for successful outcome of root coverage procedures? A 2-year prospective clinical study. J Clin Periodontol 1996 ago;23(2):770–777. 5. Levine RA. 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