XIX SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HIDRÍCOS AVALIAÇÃO DO MODELO KINEROS2 NA ESTIMATIVA DO HIDROGRAMA DE PROJETO PARA UMA PEQUENA BACIA CARACTERÍSTICA DE MATA ATLÂNTICA.1 Fábio Alex Beling2; João Batista Dias de Paiva3; Eloíza Maria Cauduro Dias de Paiva3 Resumo – Este trabalho avalia o desempenho do modelo hidrológico Kineros2 em uma pequena bacia de 17,7 km² nas cabeceiras do Rio Vacacaí Mirim, em Santa Maria, característica do bioma Mata Atlântica, na estimativa do hidrograma de projeto. Os parâmetros característicos da bacia, necessários para a execução do modelo, foram inicialmente estimados a partir de ensaios de laboratório e de recomendações bibliográficas. Para a calibração dos parâmetros do Kineros2 foram utilizados 8 eventos observados de precipitação/vazão, obtendo-se índice de eficiência de NashSutcliffe variando entre 0,92 e 0,50, com a vazão de pico variando em média ± 8,3% e o volume escoado variando ± 14,8%. Na fase de validação, o índice médio de eficiência Nash-Sutcliffe variou entre 0,93 e -1,63. Já o erro médio na vazão de pico ficou em ± 25,8% e, no volume escoado, ± 12,9%. Com o uso dos parâmetros médios obtidos da fase de calibração, obteve-se o hidrograma de projeto com recorrência de 100 anos, tomando-se uma precipitação de projeto com igual tempo de retorno. A vazão de pico do hidrograma para o período de retorno de 100 anos foi de 333 m³/s. Abstract – This work evaluates the performance of the hydrologic model Kineros2 in a small basin of 17.7 km² in the headwaters of the Vacacaí Mirim river, Santa Maria, characteristic of Mata Atlântica biome, in estimating the hydrograph project. The characteristic parameters of the watershed, necessary to run the model, were initially estimated from laboratory tests and bibliographical recommendations. For the calibration of Kineros2 parameters, 8 observed rainfall/flow events were used, resulting in a Nash-Sutcliffe efficiency index ranging between 0.92 and 0.50, with the peak flow ranging in average ± 8.3% and volume ranging ± 14.8%. In the validation phase, the average Nash-Sutcliffe efficiency index varied between 0.93 and -1.63. The average error in runoff peak flow was within ± 25.8% and the in the volume, ± 12.9%. Using the mean parameters obtained from the calibration phase, the design hydrograph with recurrence of 100 years was obtained, taking up a project precipitation with equal return period. The hydrograph peak flow for the return period of 100 years was 333 m³/s. Palavras-Chave – Kineros2, modelo hidrológico, hidrograma de projeto. 1 Parte integrante do Trabalho de Conclusão de Curso do primeiro autor sob a orientação do segundo. Engenheiro Civil, Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da UFSM, Av. Roraima, Camobi, Santa Maria – DESA /Centro de Tecnologia, Campus, UFSM. (55) 99997873. [email protected]. 3 Eng. Civis, Drs., PQ-CNPq, Professores do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental. Centro de Tecnologia. UFSM. Emails: [email protected] e [email protected]. 2 XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 1 INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo avaliar o desempenho do modelo hidrológico Kineros2 a uma pequena bacia característica do bioma Mata Atlântica, situada no sul do Brasil, a fim de simular a resposta da vazão gerada a partir de precipitações incidentes. A comparação do comportamento simulado com o comportamento real da bacia, obtido a partir de dados observados, permite a estimativa de seus parâmetros físicos, possibilitando a predição do hidrograma de projeto para um determinado período de retorno de interesse. O Kineros2, acrônimo na língua inglesa para modelo cinemático de escoamento superficial e erosão, é o aperfeiçoamento do modelo Kineros, apresentado por WOOLHISER et al. (1990). Trata-se de um modelo hidrológico distribuído, de base física, orientado a evento, que descreve os processos de interceptação, infiltração, escoamento superficial e erosão em pequenas bacias rurais e urbanas. SMITH et al. (1995) referem que o Kineros foi testado em diversas bacias de características semi-áridas, tendo sido encontrados resultados muito bons para áreas de até 7,6 km². 1 1.1 MATERIAIS E MÉTODOS Área de Estudo O presente estudo tem como base a bacia hidrográfica Menino Deus I, com 17,7 km², característica do bioma Mata Atlântica, localizada nas cabeceiras da bacia do Rio Vacacaí Mirim, situada na região central do Estado do Rio Grande do Sul (Figura 1). O modelo numérico do terreno é apresentado na Figura 2. A cobertura do solo da bacia, predominantemente de mata nativa (55%), é apresentada na Figura 3, tendo sido obtida a partir de fotointerpretação de imagens aéreas do ano de 1996, data compatível com a época dos eventos de precipitação empregados. Os tipos de solo presentes na bacia, de acordo com AZOLIN e MUTTI apud BRANCO (1998), estão relacionados na Figura 4. XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 2 Figura 1 - Localização da área de estudo. 229000 230000 231000 ± 232000 Legenda 6720000 Água Ca mpo Cu ltura Temp orá ria Euca lipto 6719000 6718000 6717000 227000 228000 229000 230000 231000 232000 6716000 6718000 6716000 6717000 6719000 6720000 6721000 228000 6721000 227000 Impe rmeá vel Ma ta Na tiva Pin us Terre no Exp osto Escala 0 500 1,000 Metros 2,000 Coordenadas Plano Retangulares Sistema UTM - Fuso 22 - Sul DATUM HORIZONTAL SAD69 Figura 3 - Uso do solo na bacia Menino Deus I. 1.2 Figura 2 - Modelo numérico do terreno. Legenda: C1: Cambissolo; RLd1: Neossolo litólico distrófico, relevo ondulado; RLe1: Neossolo Litólico Eutrófico Chernossólico; RLe1-CCo: Associação Neossolo Litólico Eutrófico ChernossólicoCambissolo-Colúvios; PVAa1-RLe: Associação Argissolo VermelhoAmarelo Alumínico Alissólico e Neossolo Litólico Eutrófico. Figura 4 – Tipos de solo bacia Menino Deus I Eventos Os eventos empregados para as simulações com o Kineros2 foram os mesmos utilizados por BRANCO (1998) e DIAS (2003). Os dados de precipitação e de vazão, parâmetro de entrada do modelo, foram obtidos a partir do banco de dados do GHIDROS, grupo de pesquisas em recursos hídricos e saneamento ambiental da UFSM, sendo necessários para a calibração e validação das simulações realizadas no Kineros2. São 8 eventos observados na bacia do Menino Deus I e que abrangem o período de 02/11/1996 a 19/06/1997. As características desses eventos são apresentadas na Tabela 1. Tendo em vista que o Kineros2 fornece como saída o escoamento superficial gerado após uma precipitação incidente na bacia, para cada um dos períodos analisados foi realizada a separação do XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 3 escoamento através do método visual, com auxílio da plotagem do evento em escala monologarítmica (TUCCI, 1997a, p. 397). Tabela 1 – Características dos eventos empregados nas simulações. ∆T Ev. PP ∆T PP PP Média tc4 Esc. Sup. 5 (mm) (min) (mm) (min) (mm/h) min 340 02/11/1996 900 13 295 18,1 0,99 625 10/12/1996 1000 20 540 29,4 0,26 310 13/01/1996 405 22 90 23,1 0,51 330 14/01/1996 445 11 30 11,5 0,90 380 02/02/1997 500 27 60 27,6 0,18 295 19/02/1997 570 24 300 28,5 0,68 640 13/06/1997 1130 50 480 58,0 4,36 315 18/06/1997 840 46 470 53,6 2,61 724 27 283 31,2 405 1,31 Média ∆T Ev. – duração do evento; PP – precipitação; ∆T PP – duração da precipitação; PP Média – precipitação média; tc – tempo de concentração; Esc. Sup. – escoamento superficial. Evento (Ev.) 1.3 Aplicação do modelo Kineros2 No modelo Kineros2, a bacia hidrográfica é discretizada em uma série de planos e canais ordenados sequencialmente. Cada um desses elementos possui parâmetros específicos que tentam representar as características geométricas, o tipo e o uso do solo na bacia. Para a simulação de eventos chuva-vazão, são necessários, no mínimo, dezesseis parâmetros por elemento (Tabela 2). Tabela 2 - Parâmetros necessários para o Kineros2. Parâmetro Length Width Slope Manning Relief Spacing Interception Canopy Saturation CV Ksat G Distribution Porosity Rock Thickness Descrição Comprimento do elemento. Largura do elemento. Declividade do elemento. Coeficiente de Manning equivalente do elemento. Microtopografia. Altura média dos sulcos do terreno. Microtopografia. Espaçamento dos sulcos do terreno. Interceptação devido à cobertura do solo. Fração da superfície que provoca interceptação. Saturação inicial do solo relativo à porosidade do solo. Coeficiente de variação de Ksat. Coeficiente de condutividade hidráulica saturada do solo. Potencial de capilaridade do solo. Índice de distribuição do tamanho dos poros do solo. Porosidade. Fração de rochas presente no solo. Profundidade da camada de solo. Unidades m m mm m mm 0-1 0-1 0-1 mm/h mm 0-1 0-1 0-1 mm Abrev. L W SL n h s I Can. Sat. CV Ksat G Dist. Por. Rock H 4 O tempo de concentração estimado a partir dos eventos foi obtido a partir da diferença entre o tempo do fim da precipitação efetiva e o fim do escoamento superficial observado. Para a definição do final da precipitação efetiva, empregou-se o método do índice Φ, conforme GENOVEZ (2001, p. 45). 5 Esta duração não se refere apenas ao escoamento superficial, mas desde o início da precipitação até alguns minutos após o fim do escoamento superficial. XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 4 Obtidos os parâmetros de todos os elementos da bacia, a organização dessas informações em um formato adequado permite fomentar o algoritmo do Kineros2 que irá realizar os cálculos, fornecendo o hidrograma no exutório da bacia. O formato de entrada do modelo e a operacionalização do software podem ser encontrados no trabalho de WOOLHISER et al. (1990), cujas orientações estão condensadas no site http://www.tucson.ars.ag.gov/kineros/. 1.3.1 Discretização e parâmetros iniciais da bacia Para a tarefa de discretização da bacia, foi empregado o software AGWA6 - Automated Geospatial Watershed Assessment Tool - (Semmens et al., 2000), que integra-se à interface do ArcGIS e permite a obtenção dos parâmetros da bacia a partir dos arquivos contendo as informações do MNT, uso e cobertura dos solos. No caso em estudo, foram obtidos e empregados no Kineros2 28 planos e 11 canais, cuja disposição está representada na Figura 5 e na Figura 6. O AGWA, com base no MNT, extrai os parâmetros geométricos das sub-bacias e canais como, por exemplo, largura, comprimento e declividade. Apesar de o AGWA permitir a estimativa dos parâmetros de uso e cobertura do solo, esta funcionalidade não foi aproveitada neste trabalho, tendo em vista que os resultados obtidos pelo programa possuem embasamento na classificação dos solos norte-americanos. No caso em estudo, a tarefa foi realizada por intermédio de uma planilha eletrônica, onde foram tabulados os percentuais do uso do solo e tipo de solo para cada um dos planos discretizados pelo AGWA. Os parâmetros relativos aos solos, dentre os quais estão a porosidade e o coeficiente de condutividade hidráulica saturada, foram estimados a partir do trabalho de DIAS (2003, p. 116 e 117), que coletou amostras de solo na região e submeteu-as a ensaios em laboratório. Informações complementares foram obtidas do Relatório do Enquadramento do Rio Vacacaí Mirim (PAIVA et al., 2008) e da correlação de distintas propriedades dos solos, como apresentados em RAWLS et al. (1982) e em KINEROS2 (2010). Os parâmetros relativos ao uso do solo como a altura de interceptação e o coeficiente de Manning foram estimados a partir das recomendações trazidas pelo manual do Kineros (WOOLHISER et al., 1990, p. 6 e p.20-21). Já os parâmetros de microtopografia foram considerados, para todos os planos, iguais aos resultados obtidos por DARONCO (2008, p. 82). 6 O AGWA está disponível para download no endereço http://www.tucson.ars.ag.gov/agwa/. XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 5 Figura 5 – Discretização dos planos. Figura 6 – Discretização dos canais. Feita a atribuição inicial de valores para cada tipo e uso de solo, esses valores foram ponderados para cada elemento de plano e canal discretizado, a fim de se obter parâmetros médios representativos do comportamento da bacia. 1.3.2 Calibração A fase de calibração visa ajustar os parâmetros da bacia inicialmente estimados de modo que o hidrograma de saída seja o mais aproximado possível do hidrograma observado. Para a calibração dos 8 eventos empregados neste trabalho, foi utilizado o método da tentativa e erro, tendo sido automatizado o procedimento de geração dos parâmetros de entrada, execução do algoritmo do Kineros2, importação e plotagem dos resultados em uma planilha eletrônica do Microsoft Excel®. Com vistas a facilitar o processo de ajuste, ao invés de se calibrar um parâmetro de cada elemento, foram usadas constantes que multiplicam os parâmetros dos planos e canais da bacia. Cada parâmetro possui um multiplicador que se aplica a todos os elementos, escalando-os linearmente. Assim, permite-se a variação progressiva do multiplicador, aumentando ou diminuindo o valor dos parâmetros de entrada sucessivamente, até encontrar-se um bom ajuste. Partindo-se dos valores iniciais estimados no tópico anterior, passou-se ao ajuste, em primeiro lugar, da saturação inicial do solo, pois se trata do parâmetro mais sensível no Kineros2 e que depende do evento analisado, em especial do índice de precipitação antecedente ao período analisado. Atingido um hidrograma semelhante ao observado, ao menos no pico de vazão, partiu-se para a calibração dos multiplicadores dos demais parâmetros, dando-se preferência à condutividade hidráulica saturada, que também sensibiliza consideravelmente a resposta. Na seqüência, calibrou-se o coeficiente de Manning dos planos e canais. Os parâmetros de porosidade e distribuição dos poros XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 6 foram calibrados apenas na hipótese de nenhuma combinação ter se mostrado eficiente ou para o refino da qualidade do ajuste obtido. Também com o objetivo de refino, foram calibrados os demais parâmetros. Para a avaliação da qualidade do ajuste, foi utilizado o índice de Nash–Sutcliffe. No entanto, também foi levada em consideração a variação entre o volume observado e o gerado, bem como a variação entre a vazão de pico observada e a gerada. O índice de eficiência de Nash-Sutcliffe pode variar de 1 até -∞, sendo que quanto mais próximo a 1, melhor o ajuste. 1.3.3 Validação dos resultados Considerando o baixo número de eventos analisados, apenas oito, a validação das simulações empregou os mesmos eventos. Para esta tarefa, foram calculadas as médias dos valores dos parâmetros que conduziram aos melhores resultados na etapa de calibração. Considerando que o parâmetro de saturação inicial do solo varia de evento para evento, este foi ajustado a fim de obterse o melhor resultado, mantendo-se os demais parâmetros fixos nas médias obtidas. 1.4 Hidrogramas de projeto Para a obtenção dos hidrogramas de projeto foram gerados hietogramas para o período de retorno de 100 anos, empregando-se a equação de chuvas intensas de Santa Maria, Equação ( 1 ), (BELINAZO e PAIVA, 1991). Os distintos hietogramas serviram de entrada para a execução do Kineros2, adotando-se os parâmetros médios obtidos na fase de calibração da resposta da bacia. I= a.TR d ( t + c) b (1) Onde: a = 807,801 b = 0, 7472.TR −0,028 c = 5, 67 d = 0,14 TR - período de retorno em anos t - duração da precipitação em minutos I - intensidade máxima da precipitação mm/h Para a duração do evento extremo, a bibliografia recomenda adotar o tempo de concentração da bacia (TUCCI, 1997b, p.549), definido como o período necessário para que toda a bacia contribua para o escoamento observado no exutório (CHOW et al., 2000, p. 170), conceito ilustrado pela Figura 7. No entanto, o tempo para que esta condição aconteça está vinculado à saturação inicial do solo, sendo que, em saturações menores, o tempo de concentração é mais estendido do que XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 7 em condições próximas à saturação. Em função disso, PILGRIM e CORDERY (1992, p. 9.15) comentam que o termo seria melhor conceituado se considerado como o tempo, após o início da precipitação efetiva, para que toda a bacia contribua simultaneamente para o escoamento no exutório. Figura 7 - Ilustração do significado de tempo de concentração. Fonte: Adaptado de HOLTZ e PINTO (1976, p. 138). Para a avaliação das distintas abordagens no cálculo do conceito de tempo de concentração, foram utilizadas 3 metodologias. A primeira considerou a duração da precipitação igual ao tempo de concentração médio obtido a partir dos dados observados, calculado em 422 minutos. Todavia, em vista das limitações do método do índice Φ, conforme aponta GENOVEZ (2001, p. 45), para a estimativa mais realista do tempo de concentração da bacia, simulou-se a sua resposta no modelo Kineros2, quando incidente uma precipitação de intensidade constante e duração suficientemente longa, conforme a ideia trazida pela Figura 7. Empregaram-se os coeficientes médios obtidos na fase de calibração para caracterização da bacia. O terceiro método considerou o tempo de concentração calculado pela equação empírica de Picking ( 2 ). L2 tc = 0,088333. i 0,333 (2) Onde: tc = tempo de concentração em horas. L = comprimento do maior talvegue em km. i = declividade do maior talvegue em m/m. XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 8 De posse do tempo de concentração e do período de retorno, calcularam-se os incrementos de precipitação em intervalos de 5 minutos. Para tal, seguiu-se a metodologia descrita por TUCCI (1997b, p. 555). A fim de considerar a variação na distribuição temporal existente nas precipitações intensas, empregou-se o método do Bureau of Reclamation, Soil Conservation Service (SCS), descrito em (TUCCIa, 1997, p. 222), localizando-se o pico da precipitação a 25% do tempo de duração do evento, a partir do seu início, uma vez que PAIVA (1996), ao analisar 2643 eventos chuvosos entre os anos de 1963 e 1988, concluiu que o padrão de adiantamento do pico da precipitação em Santa Maria é equivalente a 25% da duração do evento. 2 2.1 RESULTADOS E DISCUSSÃO Hidrograma e qualidade dos ajustes A partir do método de calibração do modelo Kineros2 já explicitado, foram obtidos os parâmetros que melhor resposta apresentaram. A Tabela 3 resume a qualidade dos resultados obtidos e a Tabela 4 apresenta os parâmetros obtidos por evento, além da média empregada para a realização da validação e da calibração. A qualidade obtida na validação de todos os eventos encontra-se detalhada na Tabela 5. Ressalta-se que os parâmetros não listados nas tabelas a seguir foram mantidos com valores idênticos às estimativas iniciais feitas. Tabela 3 – Resumo da qualidade do ajuste obtida para cada evento. 10³ m³ 10³ m³ 10³ m³ ΔVol Vobs 0,73 17,49 9,87 -7,6 43,60% 1,58 1,58 -0,005 -0,32% 20 0,67 4,57 5,02 0,4 9,80% 0,17 0,24 -0,07 -41,18% 405 22 0,84 9,01 9,92 0,9 10,10% 1,89 1,9 -0,006 -0,32% 14/01/1997 445 11 0,90 15,86 19,34 3,5 22,00% 4,06 4,06 -0,001 -0,02% 02/02/1997 500 27 0,50 3,14 2,99 -0,1 4,80% 0,52 0,52 19/02/1997 570 24 0,85 12,04 10,2 -1,8 15,20% 1,24 1,27 -0,027 -2,18% 13/06/1997 1130 50 0,84 77,21 84,04 6,8 8,80% 5,87 18/06/1997 840 46 0,92 46,13 48,32 2,2 4,70% 4,23 Média 724 27 0,78 - - 0,54 14,88% - Duração PP Evento Nash min mm 02/11/1996 900 13 10/12/1996 1000 13/01/1997 Vobs Vsim ∆Vol QPobs QPsim ∆QP (m³/s) (m³/s) (m³/s) 6 0,002 ΔQP QPobs 0,38% -0,131 -2,23% 5,11 -0,879 -20,78% - -0,14 -8,33% DP 0,14 4,19 12,91% 0,302 15,04% PP – precipitação; Vobs – volume observado; Vsim – volume simulado; ∆Vol = Vobs – Vsim; QPobs – vazão de pico observado; QPsim – vazão de pico simulada; ∆QP = QPobs – QPsim; DP – desvio padrão. XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 9 Tabela 4 – Parâmetros obtidos e a média empregada na validação. Evento Nash n n Canais Planos h Inter. Sat. H Ksat G Dist. Por. 2/11/1996 0,73 0,094 0,029 12 2,2 0,5 679,4 67,9 11,4 0,42 0,46 10/12/1996 0,67 0,474 0,14 29 3,6 0,39 679,4 88,3 11,4 0,42 0,46 13/1/1997 0,84 0,133 0,04 12 2,1 0,7 14/1/1997 0,9 0,08 0,029 29 3,6 0,75 679,4 74,7 10,4 0,42 0,46 2/2/1997 0,5 0,118 0,036 29 3 0,57 679,4 79,3 10,4 0,42 0,48 19/2/1997 0,85 0,134 0,033 15 7,2 0,438 679,4 76,1 10,3 0,42 0,46 13/6/1997 0,84 0,118 0,036 29 5,4 0,594 1358,8 66 13,8 0,42 0,46 19/6/1997 0,92 0,154 0,047 29 7,2 0,472 679,4 54,3 9,9 0,42 0,46 679,4 80,1 10,4 0,42 0,46 Média 0,78 0,163 0,049 23 4,3 0,552 764,3 73,3 11,0 0,42 0,46 DP 0,14 0,128 0,037 8 2,1 0,126 240,2 10,4 1,3 0 0,01 Nash – índice de eficiência de Nash-Sutcliffe; n – coeficiente de rugosidade de Manning; h – altura equivalente da microtopografia do terreno em mm; Inter. – interceptação; Sat – saturação inicial do solo; H – profundidade da camada de solo impermeável em mm; KSat – coeficiente de condutividade hidráulica saturada em mm/h; G – capilaridade; Dist. – índice de distribuição do tamanho dos poros; Por. – porosidade; DP – desvio padrão. Tabela 5 – Resumo da qualidade da validação obtida para cada evento. Evento Nash Vobs Vsim ∆Vol 10³ m³ 10³ m³ 10³ m³ ΔVol Vobs QPobs QPsim ∆QP (m³/s) (m³/s) (m³/s) ΔQP QPobs 02/11/1996 0,49 17,49 19,02 1,53 8,7% 1,58 1,76 0,18 11,4% 10/12/1996 -1,63 4,57 5,29 0,72 15,7% 0,17 0,44 0,27 160,8% 13/01/1997 0,93 9,01 8,76 -0,25 -2,8% 1,89 1,63 -0,26 -13,9% 14/01/1997 -0,06 15,86 28,05 12,19 76,9% 4,06 3,75 -0,31 -7,6% 02/02/1997 0,43 3,14 2,09 -1,04 -33,3% 0,52 0,54 0,02 3,3% 19/02/1997 0,84 12,04 13,07 1,03 8,6% 1,24 1,50 0,26 21,1% 13/06/1997 0,75 77,21 97,01 19,80 25,6% 5,87 6,46 0,58 9,9% 19/06/1997 0,91 46,13 47,76 1,63 3,5% 4,23 5,12 0,89 21,0% Média 0,33 - - 4,45 12,9% - - 0,20 25,8% DP 0,86 - - 7,46 31,1% - - 0,403 56,0% PP – precipitação; Vobs – volume observado; Vsim – volume simulado; ∆Vol = Vobs – Vsim; QPobs – vazão de pico observado; QPsim – vazão de pico simulada; ∆QP = QPobs – QPsim; DP – desvio padrão. Na sequência de gráficos abaixo, Figura 8, estão ilustrados os hidrogramas com melhor ajuste na fase de calibração e validação, contendo tanto a vazão observada, quanto as vazões simuladas na fase de calibração (sim. ótima) e na fase de validação (sim. média). Na legenda dos gráficos constam ainda as saturações adotadas para cada situação. XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 10 0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 250 275 300 325 350 375 400 425 450 475 500 525 550 EVENTO 19/02/1997 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240 260 280 300 320 340 360 380 400 0,0 0,0 1,75 1,0 1,5 2,00 2,0 1,50 2,5 3,0 1,00 3,5 4,0 0,50 4,5 1,0 1,5 1,25 2,0 1,00 2,5 0,75 3,0 0,50 3,5 4,0 0,25 4,5 400 Sim. Ótima SAT=0,7 Sim. Média SAT=0,68 Precipitação Sim. Ótima SAT=0,438 6,0 Tempo (min) Vazão Observada Sim. Média SAT=0,527 500 1,0 0,0 800 1100 900 1000 800 700 600 500 400 300 200 5,0 0 0,0 100 4,5 700 4,0 1,0 2,0 600 3,5 2,0 3,0 500 3,0 400 3,0 4,0 300 2,5 200 2,0 4,0 100 5,0 5,0 0 1,5 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 4,5 5,0 Precipitação (mm/5min) 0,5 1,0 6,0 Vazão (m³/s) 7,0 Vazão (m³/s) 7,0 EVENTO 19/06/1997 0,0 Precipitação (mm/5min) EVENTO 13/06/1997 Vazão Observada Sim. Média SAT=0,54 0 45 90 135 180 225 270 315 360 405 450 495 540 585 630 675 720 765 810 0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500 550 600 650 700 750 800 850 900 950 1000 1050 1100 Vazão Observada Precipitação Sim. Ótima SAT=0,594 400 Tempo (min) Precipitação 8,0 300 Tempo (min) 200 5,0 100 0,00 0 300 200 100 5,0 0 0,00 0,5 1,50 Vazão (m³/s) Vazão (m³/s) 2,50 Precipitação (mm/5min) 0,5 Precipitação (mm/5min) EVENTO 13/01/1997 3,00 Tempo (min) Precipitação Vazão Observada Sim. Ótima - SAT=0,47 Sim. Média - SAT=0,48 Figura 8 – Eventos de melhor ajuste na fase de calibração e validação. 2.2 Discussão da fase de calibração Na fase de calibração, puderam ser obtidas algumas conclusões sobre o Kineros2, tendo sido esta etapa fundamental para a criação de uma sensibilidade subjetiva na operação do modelo. Considerando que o método adotado para a calibração foi a tentativa e erro, apesar da automatização elaborada, o desenvolvimento da noção de quanto o hidrograma gerado será afetado na variação de algum parâmetro agiliza o processo. De modo geral, os eventos de menor pico de vazão observados, dias 10/12/2010 e 02/02/2010, foram os que geraram as piores respostas, com índice de eficiência de Nash-Sutcliffe igual a 0,67 e 0,50 respectivamente. Já os eventos de picos de vazão mais elevados apresentaram melhor resposta, variando o índice de Nash-Sutcliffe de 0,73 a 0,92. Pela análise da variação entre o pico de vazão simulado e observado, pode-se obter um erro de ± 8,3%. Quanto ao volume total escoado, esse erro aumentou para ± 14,9%. XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 11 Quanto à sensibilidade dos parâmetros, constatou-se que a saturação inicial do solo afeta fortemente os resultados. Isto reforça a necessidade de monitoramento desta variável para uma maior confiabilidade nas respostas, em especial quando se opera o Kineros2 acoplado a sistemas de monitoramento em tempo real. Considerando que não havia tal tipo de informação nos dados analisados, tal parâmetro foi calibrado evento a evento. Esta metodologia pode revelar a falsa eficiência da calibração, pois o erro da estimativa de uma variável de característica física permanente da bacia – ou ao menos mais estável – fica mascarado frente à variabilidade da saturação, que depende das condições antecedentes de precipitação e varia de evento a evento. Apesar de calibrados, os resultados mostraram-se coerentes. Conforme explicitado na Tabela 3 e na Tabela 4 já apresentadas, a saturação variou de 0,39 a 0,75, sendo o valor de 0,75 correspondente ao dia 14/01/1997, dia que sucedeu o evento do dia 13, onde observou-se uma precipitação de 22mm. Logo, depreende-se que a ligeira elevação da saturação obtida no dia 14 deveu-se à precipitação do dia 13. Outro parâmetro de muita sensibilidade no Kineros2 refere-se à condutividade hidráulica saturada. A calibração deste parâmetro revelou interessante efeito. Pela análise dos dados inicialmente estimados, a média do Ksat foi igual a 135,8 mm/h, conforme os estudos apresentados por DIAS (2003). No entanto, na fase de calibração, seu valor restou apenas em 54% daquele valor inicialmente adotado, ou seja, uma média de 73,3 mm/h. Este efeito é reportado na bibliografia, conforme observa DARONCO (2008, p. 81), citando os trabalhos de Rawls e Bouwer. RAWLS et al. (1992, p. 5.34) comentam que a condutividade hidráulica saturada efetiva aplicável ao modelo de Green-Ampt7 é, em média, a metade do valor estimado em laboratório, tendo em vista a existência de ar aprisionado no interior do solo, o que diminui a capacidade de infiltração. GONZÁLEZ (2010) e HERNANDEZ (2000) também aplicaram a recomendação em seus trabalhos. Os parâmetros de saturação e condutividade hidráulica saturada possuem grande influência no volume do escoamento superficial, razão pela qual foram calibrados por primeiro. O coeficiente de Manning, tanto dos planos (n médio de 0,163), quanto dos canais (n médio de 0,049), não se manteve muito distante das faixas de valores recomendados pela bibliografia. DARONCO (2008) encontrou médias de 0,76 para o Manning. Já SANTOS et al. (2007) adotaram valores médios de 0,02. HERNANDEZ (2000) empregou em seu trabalho faixas de Manning variando de 0,01 até 0,07. SMITH et al. (1999) aplicaram valores na faixa de 0,15 a 0,25. 7 O Kineros2 aplica a equação de Smith e Parlange para o cômputo da infiltração, no entanto, esta se aproxima da formulação de Green-Ampt. XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 12 Pelas seguidas modificações realizadas no coeficiente de rugosidade, pode-se constatar que a alteração de seu valor impacta principalmente o pico da vazão, tanto no tempo (adiantando ou retardando), quanto na amplitude. O parâmetro de interceptação variou na faixa de 2,1 mm a 7,4 mm, valores que também estão coerentes com a média sugerida pelos desenvolvedores do Kineros (WOOLHISER et al. 1990, p. 6). O parâmetro relativo à espessura da camada permeável de solo teve que ser reajustado apenas no evento do dia 13/06/1997, pois o volume escoado simulado permanecia acima do valor observado. Isto pode indicar que a espessura adotada inicialmente foi subestimada, sendo que valores maiores deveriam ter sido empregados. Os demais parâmetros pouco foram alterados, tendo em vista o resultado satisfatório encontrado a partir da calibração dos parâmetros acima citados. Pequenos ajustes foram realizados na capilaridade (G) e na porosidade, com intuito de refinar o resultado. No entanto, os valores encontrados permaneceram próximos dos inicialmente estimados. Um importante detalhe refere-se ao índice de distribuição do tamanho dos poros. Segundo RIBEIRO et al. (2007), “para se entender melhor o comportamento do solo, a distribuição dos poros por seus tamanhos é mais importante que a porosidade total”. Os autores ainda comentam que, a depender do tamanho dos poros, o fluxo d’água no solo poderá ser restringido, independentemente da porosidade. No Kineros2, o parâmetro é importante no cômputo da redistribuição da água no solo (KINEROS2, 2010). DARONCO (2008, p.84) empregou para todos elementos de sua discretização o valor de 0,01 para Dist, tendo sido esta recomendação inicialmente adotada no presente trabalho. No entanto, após a revisão da bibliografia sobre o tema, redefiniu-se o uso dessa estimativa, pois o trabalho de RAWLS et al. (1982) demonstra que sequer um solo argiloso possui o parâmetro Dist na ordem de grandeza de 0,01. Ainda, a aproximada estimativa da distribuição dos poros tem especial relevância em áreas com cobertura vegetal, pois o sistema radicular de plantas cria macroporos pelas quais a água percola com maior facilidade. 2.3 Discussão da fase de validação A fase de validação do modelo permitiu a comparação da qualidade dos parâmetros médios obtidos na fase de calibração. Os resultados são apresentados nos hidrogramas e na Tabela 5. De modo geral, a qualidade analisada pelo índice de eficiência de Nash-Sutcliffe variou consideravelmente, tendo obtido-se uma média baixa, apenas 0,33, quando computados todos os eventos. No entanto, esta média sobe para 0,64 se desconsiderados os eventos de menor pico de vazão. XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 13 Os eventos do dia 10/12/1996 e do dia 14/01/1997 apresentaram baixa eficiência devido ao retardo no pico de vazão. Isto pode estar relacionado a não representatividade na distribuição espacial da precipitação, sendo toda a simulação realizada suscetível a este erro, considerando-se o uso realizado neste trabalho de apenas um pluviômetro como fonte de dados para a entrada no modelo. Ademais, a fonte dos dados observados sequer estava localizada no interior da bacia (BRANCO, 1998). Quanto à qualidade do volume total simulado, obteve-se um erro médio de ± 12,9%. Já a vazão de pico apresentou erro de ± 25,8%. Ainda, a coerência com relação ao parâmetro da saturação inicial manteve-se na fase de validação tendo o evento do dia 14/1/1997 revelado um valor de 80% para a variável, frente aos 70% de saturação para o evento do dia antecedente. 2.4 Hidrograma de projeto Para a determinação do hidrograma de projeto, geraram-se chuvas de projeto para o período de retorno de 100 anos, com duração estimada pelos três métodos apontados: a partir dos dados observados (Tabela 1), a partir da equação de Picking e a partir da simulação da resposta da bacia quando sobre ela incide uma precipitação de intensidade constante. Os resultados obtidos a partir da aplicação da duração média calculada a partir dos dados observados (404 minutos) são apresentados na Figura 9. Nesta são apresentados os hidrogramas para 3 condições iniciais do solo, com 20%, 50% e 90% de saturação. Percebe-se que a vazão de pico é substancialmente afetada com a variação destas condições iniciais. A Figura 10 apresenta o hidrograma de projeto para o período de retorno de 100 anos e duração de 55 minutos, obtida da formulação proposta por Picking. XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 14 800 5 10 285 270 255 240 225 210 195 180 165 150 135 120 105 90 75 60 45 30 15 0 TR: 100 anos Duração: TC Picking = 55 min. QP = 322 m³/s 350 Precipitação (mm/5min) TR: 100 anos Duração: TC Obs. = 405 min. QP = 725 m³/s Hidrograma de Projeto 400 300 5 10 30 300 35 200 40 100 45 50 45 0 50 0 50 Vazão (m³/s) 400 15 250 20 200 25 150 30 35 100 Tempo (min) Precipitação Sat=0,2 250 200 150 50 100 40 0 600 500 25 400 500 300 20 200 600 100 15 0 700 Precipitação (mm/5min) 0 900 Vazão (m³/s) 0 0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 250 275 300 325 350 375 400 425 450 475 500 525 550 575 600 Vazões de Projeto 1,000 Tempo (min) Sat=0,5 Precipitação Sat=0,9 Figura 9 - Hidrograma de projeto, Tr = 100 anos e duração de 405 min. Sat=0,2 Sat=0,5 Sat=0,9 Figura 10 - Hidrograma de projeto, Tr = 100 anos e duração de 55 min. O terceiro método considerou a duração obtida a partir da simulação com o modelo Kineros2. Apesar de o tempo de concentração depender de fatores como a intensidade da precipitação e da saturação inicial do solo, esta problemática foi contornada ao tomar-se o solo na condição saturada desde o início do evento. O resultado obtido para o tempo de concentração é apresentado na Figura 11, tendo resultado em 200 minutos. O hidrograma de projeto obtido a partir da precipitação de projeto de tempo de 90 0,5 900 80 1,0 4,0 Precipitação 1200 Tempo (min) 1000 800 600 5,0 400 0 200 4,5 0 10 380 400 360 320 340 300 280 240 260 220 180 200 100 45 0 50 Tempo (min) Precipitação XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 160 40 Vazão Sim. Figura 11 – Tempo de concentração estimado pelo Kineros2. 140 100 120 80 60 35 200 400 20 30 300 350 3,5 300 30 25 400 250 3,0 20 500 200 40 15 600 150 2,5 100 50 700 50 2,0 5 10 TR: 100 anos Duração: TC Kineros2=200 min. QP = 679 m³/s 0 1,5 60 0 800 Vazão (m³/s) tc Hidrograma de Projeto Precipitação (mm/5min) 1.000 Precipitação (mm/5min) 0,0 70 Vazão (m³/s) 0 Tempo de Concentração 100 20 40 0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500 550 600 650 700 750 800 850 900 950 1000 1050 1100 1150 1200 retorno igual a 100 anos e duração de 200 minutos é apresentada na Figura 12. Sat=0,2 Sat=0,5 Sat=0,9 Figura 12 - Hidrograma de projeto, Tr = 100 anos e duração de 200 min. 15 Conforme é revelado pela análise dos hidrogramas de projeto obtidos, a vazão de pico e também o volume total escoado variaram muito quando alteradas as condições iniciais de saturação do solo. Todavia, pode-se perceber que a vazão de pico, para saturações de até 50%, alcançou, no máximo, 265 m³/s, valor que pouco se alterou devido mudança da duração da precipitação. Poder-se-ia adotar como vazão de projeto aquela de 725 m³/s. No entanto, esta condição superestima em termos estatísticos a previsão para um período de retorno de 100 anos, pois a combinação da condição de saturação máxima do solo e precipitação intensa seguramente terá um período de recorrência maior no tempo. Neste sentido, oportuno é o comentário de TUCCI (1997b, p.556): As condições iniciais adotada (sic) para o modelo utilizado devem procurar condições desfavoráveis de projeto e com chance de ocorrência. Não é recomendável combinar situações desfavoráveis de pouca probabilidade de ocorrência, pois o hidrograma passaria a ter um risco muito maior que o previsto. Por exemplo, numa bacia em que as maiores intensidades de precipitação ocorrem no verão, quando o solo está em geral seco, não devem ser combinadas com solo próximo da saturação, que é condição do inverno quando as chuvas são pouco intensas mas de longa duração. TUCCI (1997b, p.556, grifo nosso). Em assim sendo, o valor obtido de 265 m³/s parece razoável a ser adotado como vazão de projeto, quando se está estimando a vazão de pico para um período de retorno de 100 anos. Ressalta-se que este resultado pouco variou em função da duração da precipitação adotada para a saturação de até 50%. Evidentemente que dados estatísticos sobre as circunstâncias antecedentes à precipitações intensas poderiam reforçar a qualidade das previsões. Já a estimativa do aporte de volume de projeto, importante para o planejamento de reservatórios, por exemplo, mostra-se mais sensível à adoção de uma duração mais larga. Observa-se que o valor obtido para a vazão de pico, 265 m³/s, é, aproximadamente, 45 vezes superior à maior vazão de pico (5,8 m³/s) observada, empregada na fase de calibração e validação realizada. Portanto, trata-se de mais uma fonte de incerteza na estimativa do hidrograma de projeto, devendo esta condição ser considerada na avaliação do uso ou não dos resultados aqui apresentados. Cabe ainda considerar o erro médio na vazão de pico obtida, que no caso foi de ± 25,8%, ou seja, resultando, para um período de retorno de 100 anos, uma vazão de pico de 333 m³/s, CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES O uso de modelos hidrológicos distribuídos tem permitido a reprodução do comportamento de uma bacia hidrográfica de maneira cada vez mais próxima ao seu comportamento real. A partir deles XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 16 é possível considerar a variabilidade da cobertura vegetal, bem como do tipo de solo existente em determinada área. Nesse sentido, os resultados obtidos neste trabalho com o uso do modelo Kineros2 foram satisfatórios, tendo se alcançado na fase de calibração uma boa correlação entre o escoamento superficial calculado e o observado na bacia Menino Deus I, característica do bioma Mata Atlântica. A fase de validação revelou um bom ajuste para os eventos de maior pico de vazão, sendo a conclusão também estendida para o volume gerado. No entanto, nesta fase houve a defasagem temporal de alguns picos em certos eventos, o que pode estar relacionado com a não consideração da distribuição espacial e temporal da precipitação empregada como parâmetro de entrada do modelo. Com o uso dos parâmetros médios empregados na fase de validação foi possível a obtenção dos hidrogramas de projeto para um período de retorno de 100 anos, período típico para os projetos de pontes e vertedores de pequenos açudes, por exemplo. Obteve-se, nesse caso, uma vazão de pico de 333 m³/s, tomando-se o solo saturado a 50%. Essa vazão, para valores de saturação de 50%, pouco variou, mesmo com a consideração de distintos valores de duração da precipitação. Por fim, destaca-se que os modelos hidrológicos são importantes ferramentas para o planejamento e avaliação de intervenções humanas no meio ambiente, prestando-se especialmente para a previsão de cenários futuros, que refletem possíveis impactos de uma alteração no presente. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq pelo apoio e ao Prof. Dr. Daniel Allasia Piccilli pelas oportunas sugestões na elaboração deste trabalho. BIBLIOGRAFIA BELINAZO, H. J.; PAIVA, J. B.. Metodologia computacional para análise de chuvas intensas – Desenvolvimento e aplicação aos solos de Santa Maria – RS. 1991. Dissertação (Mestrado em Engenharia Agrícola) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 1991. BRANCO, N. Avaliação da Produção de Sedimentos de Eventos Chuvosos em uma Pequena Bacia Hidrográfica Rural de Encosta. 1998. 135p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Agrícola). Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 1998. CHOW, Ven Te; MAIDMENT, D.; MAYS, L. W. Hidrología Aplicada. Tradução para o Espanhol: Juan C. Saldarriaga. Bogotá: McGraw Hill, 2000. DARONCO, G. C. Avaliação dos parâmetros do modelo Kineros2 para simulação hidrossedimentológica em duas pequenas bacias hidrográficas. 2008. 120p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2008. XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 17 DIAS, Janaína Rios. Aplicação do modelo hidrológico AGNPS2001 utilizando dados observados na bacia do Arroio Vacacaí-Mirim. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2003. GENOVEZ, M. A. “Vazões Máximas.” In: Hidrologia aplicada à gestão de pequenas bacias hidrográficas. Org. por PAIVA, J.B.D., PAIVA, E.M.C.D.. Porto Alegre: ABRH, 2001, p. 33-109. GONZÁLEZ, A. M. R. et al.. Evaluation of upscaling parameters and their influence on hydrologic predictability in upland tropical areas. AWRA 2010 SUMMER SPECIALTY CONFERENCE. Porto Rico, 2010. Disponível em: <http://www.awra.org/PR2010/doc/papers/Alejandra%20 Rojas%20Gonzalez_c2033145_6793.pdf>. Acesso em: 12/12/2010. HOLTZ, A. C. T., PINTO, N. L. S.; “Vazões de Enchente” In: Hidrologia Básica.Org. por PINTO et al.; São Paulo: Edgar Blücher, 1976. p. 121-166. HOLTZ, A. C. T., PINTO, N. L. S.; “Vazões de Enchente.” In: Hidrologia Básica. PINTO et al.; São Paulo: Edgar Blücher, 1976. p. 121-166. KINEROS2: A Kinematic Runoff and Erosion Model. Documentation/Infiltration. 2010. Disponível em: <http://www.tucson.ars.ag.gov/kineros/>. Acesso em:10 dez. 2010. MATA-LIMA, Herlander. et al. Comportamento hidrológico de bacias hidrográficas: integração de métodos e aplicação a um estudo de caso. Revista Escola de Minas, v. 60. Ouro Preto. Jul./Set. 2007. p. 525-536. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rem/v60n3/v60n3a14.pdf. Acesso em: 09/12/210. PAIVA, J. B. D. et al.. Enquadramento em regiões com carência de dados. Bases técnicas. Estudo de caso. A bacia do Rio Vacacaí Mirim. Ghidros, Convênio: Finep x Fatec x UFSM: 01.04.0978.00, Santa Maria. 2008. PILGRIM, D. H.; CORDERY, I.. “Flood Runoff.” In: Handbook of Hydrology. MAIDMENT, D. R. (Editor in Chief.). McGraw-Hill, 1992. p. 9.1-9.42. PAIVA, J. B. D.. Distribuição temporal das precipitações em Santa Maria – RS – Brasil. In: Anais do VII Congresso Argentino de Meteorologia. Bueno Aires, 1996. RIBEIRO, K. D. et al.. Propriedades físicas do solo, influenciadas pela distribuição de poros, de seis classes de solos da região de Lavras-MG. In: Ciência e Agrotecnologia. Vol. 31 nº.4. LavrasMG. Jul./Ago. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid= S1413-70542007000400033&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 12 dez. 2010. RAWLS, W. J.; BRAKENSIEK, D.L.; SAXTON, K.E. Estimation of Soil Water Properties. Trans. ASAE 25:1316-1320. 1982. Disponível em: <http://www.envsci.rutgers.edu/~gimenez/Soil Physics/HomeworkCommonFiles/Rawls%20et%20al%201982.pdf>. Acesso em: 7 dez. 2010. RAWLS, W. J. et al.. Infiltration and soil water movement. In: Handbook of hydrology. MAIDMENT, D. R. (Editor). McGraw-Hill, 1992. p. 5.1-5.51. SANTOS, C. A. G.; SILVA, R. M.; AGUIAR, L. M. C.. Estimativa da produção de sedimentos na bacia experimental Jatobá a partir de técnicas de modelagem e geoprocessamento. In: XVII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos. São Paulo, 2007. Disponível em: http://www.hidro.ufcg.edu.br/aguaesolo/PAP0163-01.pdf. Acesso em 11/12/2010. SEMMENS, D. J., et al.. Automated geospatial watershed assessment (AGWA) – a GIS-based hydrologic modeling tool: documentation and user manual. USDA- ARS. Tucson, Arizona, 2000. Disponível em: < www.tucson.ars.ag.gov/agwa>. Acesso em: 23 ago. 2010. XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 18 SMITH, R.E; GOODRICH, D.C; WOOLHISER, D.A.. “Kineros - a kinematic runoff and erosion model.” In: Computer models of watershed hydrology. Vijay P. Singh (Editor). Highlands Ranch, Colorado.: Water Resources Publications, 1995. p. 697-732. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10113/15062>. Acesso em: 11/12/2010. SMITH, R. E.; GOODRICH, D. C.; UNKRICH, C. L.. Simulation of selected events on the Catsop catchment by KINEROS2. In: A report for the GCTE conference on catchment scale erosion models. Catena, v. 37, p. 457-475. 1999. Disponível em: http://hdl.handle.net/10113/6273. Acesso em: 11/12/2010. TUCCI, C. E. M. “Escoamento Superficial.” In: Hidrologia: Ciência e Aplicação. Org. por TUCCI. C. E. M. 2ª Edição. Porto Alegre: Editora da UFRGS, ABRH. 1997a. p. 391-441. ______. “Vazão máxima e hidrograma de projeto.” In: Hidrologia: Ciência e Aplicação.Org. por TUCCI. C. E. M. (Org.). 2ª Edição. Porto Alegre: Editora da UFRGS, ABRH. 1997b. p. 527-572. WOOLHISER, D. A., SMITH, R. E. & GOODRICH, D.C. Kineros, a kinematic runoff and erosion model: documentation and user manual. U.S. Department of Agriculture, Agricultural Research Service, ARS-77, 1990. Disponível em: <http://www.tucson.ars.ag.gov/unit/Publications/ PDFfiles/703.pdf>. Acesso em: 25 set. 2010. XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 19