1548 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO 1a Vara Federal de Resende JUIZ(A) FEDERAL : JOÃO BATISTA MARTINS PRATA BRAGA PROCESSO : 0000013-54.2010.4.02.5109 (2010.51.09.000013-7) AUTOR : ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DO ITATIAIA E OUTRO RÉU : UNIAO FEDERAL E OUTRO TIPO DE SENTENÇA : A – FUNDAMENTAÇÃO INDIVIDUALIZADA CONCLUSÃO Nesta data, faço os presentes autos conclusos ao(a) Exmo(a). , Dr(a). JOÃO BATISTA MARTINS PRATA BRAGA. Resende, 19 de julho de 2011. ROSANGELA PINTO LUCENA Diretora de Secretaria SENTENÇA I - RELATÓRIO A ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DO ITATIAIA propõe AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face de UNIÃO FEDERAL e o INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE com pedido liminar, visando 1.a) “sejam declarados nulos o decreto federal nº 87.586, de 20.09.82, e os atos administrativos (normativos ou executório) nele apoiados – por vício formal, ilegalidade do objeto e insubsistência de motivos (CC 104, I e II, 186/187, c/c. lei 4717/65, 2º)” ou, alternativamente, 1.b) “seja declarado caduco o decreto federal 87.586, de 20.09.82, e sem efeito os atos administrativos (normativos ou executórios) dele derivados , quer por inércia do poder público no qüinqüênio decadencial, quer por superveniência de norma com novas exigências”; (2) sejam os réus “proibidos” de 2.a) “expedirem atos expropriatórios dos imóveis situados na área do Núcleo Colonial Itatiaia ou qualquer ato tendente a dissolver a comunidade local e respectivo patrimônio social (histórico, cultural, científico)”; 2.b) “aplicarem o programa de monitoramento do plano de manejo na área do Núcleo Colonial Itatiaia”; 2.c) “turbarem ou esbulharem os direitos dos proprietários de imóveis no citado Núcleo, especialmente no que concerne à entrada, saída e circulação de pessoas e coisas e à construção, reforma e pintura das suas casas”; 2.d) “praticarem atos que impliquem desvalorização dos imóveis ou que interfiram na respectiva negociação ou atividade hoteleira”; 2.e) “derrubarem árvores sem as cautelas legais , tanto na área do Núcleo Colonial, com na área do Parque Nacional” ; (3) “determinar aos réus” 3.a) “a devolução do acervo ao Museu local”; 3.b) “a implantação do sistema de filtragem e fossas compatíveis Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a JOAO BATISTA MARTINS PRATA BRAGA. Documento No: 42845068-166-0-1548-10-660060 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/docs com a preservação da qualidade de vida, nas edificações da União, tanto as localizadas no Núcleo Colonial (casas de funcionários, sede do Parque, Abrigo do Pesquisador) como as localizadas no Parque Nacional (Abrigo Rebouças, Posto Marcão)”; 3.c) “ a restauração (i) da estrada federal BR 485 na extensão do Núcleo Colonial e do Parque Nacional, (ii) das vias de circulação interna do Parque Nacional”; 3.d) “que respeitem a autonomia municipal e a iniciativa da Prefeitura Municipal de Itatiaia para criar unidade de conservação da natureza no Núcleo Colonial Itatiaia do modo menos oneroso para a sociedade, para o erário e para os proprietários, evitando desapropriações, remoção de famílias e dissolução da comunidade local”. Pugna, outrossim, (4) pelas cominações legais em caso de descumprimento e condenação nas custas e honorários advocatícios. Como medida de urgência, pugna por provimento antecipatório referente ao item 02 da inicial no sentido de que sejam os réus proibidos de: 2.a) “expedirem atos expropriatórios dos imóveis situados na área do Núcleo Colonial Itatiaia ou qualquer ato tendente a dissolver a comunidade local e respectivo patrimônio social (histórico, cultural, científico)”; 2.b) “aplicarem o programa de monitoramento do plano de manejo na área do Núcleo Colonial Itatiaia”; 2.c) “turbarem ou esbulharem os direitos dos proprietários de imóveis no citado Núcleo, especialmente no que concerne à entrada, saída e circulação de pessoas e coisas e à construção, reforma e pintura das suas casas”; 2.d) “praticarem atos que impliquem desvalorização dos imóveis ou que interfiram na respectiva negociação ou atividade hoteleira”; 2.e) “derrubarem árvores sem as cautelas legais , tanto na área do Núcleo Colonial, com na área do Parque Nacional”, com as cominações legais em caso de descumprimento. Como causa de pedir assevera, em apertada síntese, que o decreto federal nº 87.586, de 1982, que promoveu a ampliação do Parque Nacional, com a incorporação do Núcleo Colonial e outras áreas da Serra da Mantiqueira encontra-se eivado de antijuridicidade e vem sendo utilizado pelos réus como instrumento de turbação dos direitos dos associados da autora, manifestado pelas mais diversas formas, tais como proibições, exigências de posturas, represálias, etc. Cuida-se de ato não auto-executável, dependendo de atos administrativos complementares, não conferindo a transmissão das propriedade particulares ao Estado. Demais disso, o retro citado decreto federal, a seu juízo, perdeu eficácia por inação estatal dada a demora de se editar os atos declaratórios de utilidade pública e o decreto expropriatório da área. Defende a tese, nesse passo, que o decreto federal consiste em instrumento político que cumpre apenas a primeira fase da vontade estatal de ampliação, qual seja, “a fase declaratória” de um processo composto por outras fases (qualificação da área e transferência de domínio), que, ao final, não se sucederam. Demais disso, a legislação hoje, alterada, desafia outros requisitos para criação de unidade de conservação (CF, art. 225; L. 9985/00, art. 22, §2º). Assevera que a relação do Poder público com os proprietários associados é horizontal, não se permitindo, na hipótese, a preponderância do primeiro sobre o segundo, mas uma relação regrada à luz do direito de vizinhança. Traz a descrições de diversas ações do Poder Público que reduzem seus direitos. Por fim, alega não haver razoabilidade na eleição do modelo de unidade de conservação, por não escolhido, dentre os tipos possíveis, o menos oneroso aos cidadãos, dado o reflexo que cada qual exerce através das limitações administrativas. Conclui: “se os réus pretendem fazer do Núcleo Colonial Itatiaia unidade de conservação da natureza, deverão fazê-lo através da prefeitura municipal, respeitando a autonomia e a competência outorgadas ao Município pela Constituição Federal” (f. 16). Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a JOAO BATISTA MARTINS PRATA BRAGA. Documento No: 42845068-166-0-1548-10-660060 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/docs 1549 A inicial vem acompanhada de documentos (f. 20-427), merecendo destaque a de f. 21-29 (estatuto social). 1550 Protraída a apreciação da tutela de urgência, determinou-se a citação dos réus e intimação do MPF e do Município de Itatiaia (f. 429). O Município de Itatiaia manifestou o interesse de compor o pólo ativo, como assistente (f. 439). A União Federal ofereceu resposta, na forma de contestação a f. 442-492. Junta documentos (f. 493-641). Suscitou preliminares: 1- inadequação da via eleita, pois a presente tem por escopo apenas a proteção do patrimônio particular; 2- ilegitimidade do pólo ativo, tem em vista a formação da entidade autora e sua modificação, pouco antes do ajuizamento, de seus estatutos. Respondeu, também, o ICMBio, ofertando contestação a f. 642-656. Junta documentos (f. 657-952). Manifestou-se a autora a f. 953-956, oportunidade em que requereu a suspensão de editais de licitação por se tratarem de matéria afeta ao objeto da presente. Manifestou-se o MPF pela necessidade de sua intervenção (f. 975). Nova promoção da autora a f. 976; 981-982. Vieram aos autos manifestações, na forma de moções, de diversas entidades ligadas ao Parque Nacional (f. 983-987; 988-991). Espontaneamente, a autora oferece réplica (f. 992-1009). Analisado o presente, o feito é extinto, sem resolução do mérito, quanto aos pedidos formulados nos itens I, II e III “d” da petição inicial. O pedido formulado no item III, “a”, “b” e “c” é admitido. O pedido de antecipação de tutela é declarado prejudicado e as partes são intimadas a manifestarem-se, querendo, o interesse na produção de provas (f. 1010-1016). O MPF informa que o item III “a” do pedido autoral, que trata da remoção do acervo do Museu, está sendo acompanhado por meio do procedimento ministerial nº 1.30.008.000023/2006-53 e requer a juntada da informação técnica nº 253/2009 emitida pela Eg. 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (f. 1020- 1027). A parte autora informa que pretende produzir prova testemunhal (f. 1028). A parte autora interpõe agravo retido (f. 1029-1041). A União e o ICMBio não se manifestaram quanto à produção de provas (f. 1042). Saneado o feito, é deferida a produção de prova testemunhal (f. 10471048). Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a JOAO BATISTA MARTINS PRATA BRAGA. Documento No: 42845068-166-0-1548-10-660060 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/docs A União requer a oitiva do Chefe do Parque Nacional.(f. 1052). O MPF junta documentos protocolados por servidor do Parque Nacional do Itatiaia (1057-1302). Embora intempestivo o pedido de produção de prova testemunhal, pela União, em razão da relevância sócio-econômica da questão, é deferida a oitiva do Chefe do Parque Nacional e designada audiência de instrução (f.1305-1306). A União acrescenta testemunhas a seu rol (1307-1309), intempestivamente, pelo que é indeferido o novo requerimento de produção de prova testemunhal (f. 1307-1309). É determinada a inclusão do Município de Itatiaia no pólo ativo da presente demanda (f. 1329). A União junta documentos (f. 1333-1488). Em audiência, colhidos os depoimentos, a parte autora contradita a testemunha da União. Não acolhida a contradita formulada, a parte autora recorre, na forma retida. Encerrada a fase probatória é concedido prazo para as partes, querendo, apresentarem alegações finais (f. 1493-1504). Foram apresentadas as alegações finais pela parte autora (f. 1506-1508), União(f. 1509-513), ICMBio (f. 1514-1523) e o MPF (f. 1528-1541). A União manifesta-se às fls. 1542-1543 e junta documentos (f. 1544-1547). II - FUNDAMENTAÇÃO Conforme fundamentado na decisão de fls. 1010/1016, a apreciação da controvérsia foi restringida para a análise dos seguintes pleitos: determinar aos réus: a) “a devolução do acervo ao Museu local”; b) “a implantação do sistema de filtragem e fossas compatíveis com a preservação da qualidade de vida, nas edificações da União, tanto as localizadas no Núcleo Colonial (casas de funcionários, sede do Parque, Abrigo do Pesquisador) como as localizadas no Parque Nacional (Abrigo Rebouças, Posto Marcão)”; c) “a restauração (i) da estrada federal BR 485 na extensão do Núcleo Colonial e do Parque Nacional, (ii) das vias de circulação interna do Parque Nacional”. II.1.PRELIMINARES II.1.1. Da Ilegitimidade Passiva Pretende a parte autora ver os réus, União Federal e ICMBio, condenados a promoverem a restauração da estrada federal BR 485 na extensão do Núcleo Colonial e do Parque Nacional de Itatiaia. Conforme preceitua a Lei n° 10.233/01 que, dentre outros, criou o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transporte – DNIT, autarquia federal vinculada ao Ministério dos Transportes, são objetivo e atribuições do referido órgão: Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a JOAO BATISTA MARTINS PRATA BRAGA. Documento No: 42845068-166-0-1548-10-660060 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/docs 1551 Art. 80. Constitui objetivo do DNIT implementar, em sua esfera de atuação, a política formulada para a administração da infra-estrutura do Sistema Federal de Viação, compreendendo sua operação, manutenção, restauração ou reposição, adequação de capacidade, e ampliação mediante construção de novas vias e terminais, segundo os princípios e diretrizes estabelecidos nesta Lei. Art. 81. A esfera de atuação do DNIT corresponde à infra-estrutura do Sistema Federal de Viação, sob a jurisdição do Ministério dos Transportes, constituída de: II – ferrovias e rodovias federais; Art. 82. São atribuições do DNIT, em sua esfera de atuação: I – estabelecer padrões, normas e especificações técnicas para os programas de segurança operacional, sinalização, manutenção ou conservação, restauração ou reposição de vias, terminais e instalações; II – estabelecer padrões, normas e especificações técnicas para a elaboração de projetos e execução de obras viárias; IV - administrar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou cooperação, os programas de operação, manutenção, conservação, restauração e reposição de rodovias, ferrovias, vias navegáveis, terminais e instalações portuárias fluviais e lacustres, excetuadas as outorgadas às companhias docas; V - gerenciar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou cooperação, projetos e obras de construção e ampliação de rodovias, ferrovias, vias navegáveis, terminais e instalações portuárias fluviais e lacustres, excetuadas as outorgadas às companhias docas, decorrentes de investimentos programados pelo Ministério dos Transportes e autorizados pelo Orçamento Geral da União; Resta assim evidente que a satisfação do pleito autoral, acaso venha a ser acolhido, não é de responsabilidade legal de nenhum dos réus arrolados na petição inicial, sendo de competência do DNIT, ente de direito público distinto e autônomo dos demais réus. Deve, portanto, ser extinto o processo sem julgamento do mérito, com fulcro no art. 267, VI do CPC, em relação ao pleito de restauração da BR 485. II.1.2. Da Impossibilidade jurídica do pedido Almeja a parte autora a restauração das vias de circulação interna do Parque Nacional ao argumento de que “as trilhas e as vias de circulação estão em péssimo estado” (fl. 06). Conforme Decreto n° 87.586/82, que ampliou a área do Parque Nacional de Itatiaia, referida unidade de conservação possui 30.000 hectares, equivalente à 300 quilômetros quadrados. Com efeito, em área de tamanha dimensão, equiparável a uma cidade de médio/grande porte (para se ter uma idéia, Resende-RJ possui 101km2)1, há infinitas trilhas e vias de circulação interna, de sorte que qualquer comando judicial acaso manifestado acerca do tema seria inexeqüível dada a imprecisão do objeto litigioso, levando à constatação de que o pleito autoral não obedece ao quanto disposto no art. 286 do CPC. A toda evidencia é impossível o prolatação de um comando judicial tão incerto e impreciso como o pretendido pela parte autora, merecendo referido pleito ser 1 http://www.resende.rj.gov.br/page/informacoesgerais.asp Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a JOAO BATISTA MARTINS PRATA BRAGA. Documento No: 42845068-166-0-1548-10-660060 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/docs 1552 extinto sem julgamento do mérito em face da sua manifesta impossibilidade (art. 267, VI, CPC). 1553 II.2. MÉRITO. II.2.1. Da devolução do acervo ao museu local. Afirma a parte autora que “o acervo do museu da comunidade do Núcleo foi removido para a cidade do Rio de Janeiro, desfalcando o patrimônio social (histórico, cultural e científico) por decisão autoritária do atual administrador do parque. (...) acervo removido à sorrelfa, contra a expressa vontade dos membros da comunidade (relatório anexo). A memória cultural e a existência da comunidade estão ameaçadas para conduta arbitrária dos réus.” (fl. 04) Inicialmente, cabe destacar que o acervo existente no Centro de Visitantes do Parque Nacional de Itatiaia, diferentemente do que entende a parte autora, não constitui propriedade particular, mas sim bem público - administrado por esta unidade de conservação vinculada ao Instituto Chico Mendes de Conservação Ambiental e Biodiversidade, autarquia federal -, destinado, por sua natureza, à satisfação do interesse coletivo, não podendo este ser preterido em prol de interesses particulares. Analisando os autos, constata-se que o processo de remoção de parte do acervo então existente no Centro de Visitantes do Parque Nacional de Itatiaia insere-se dentro de um contexto de comemoração dos 70 anos do PARNA Itatiaia, tendo sido adotadas medidas tendentes a preservar e revitalizar os bens públicos sob a tutela daquela unidade de conservação. Assim, imbuído desse espírito, o PARNA Itatiaia, por intermédio da Autarquia à qual era ligada – IBAMA, celebrou convênio com o Instituo de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, cujo objetivo era de instituir um programa de cooperação técnico-cientifico entre os participantes, visando ao avanço no conhecimento sobre a vegetação e a flora do PARNA Itatiaia e o enriquecimento das coleção botânicas de ambas as instituições, bem como apoiar o programados 70 anos do Parque, cujo extrato do instrumento foi devidamente publicado no DOU, conforme consta às fls. 1119/1125. Desta feita, promoveu o PARNA Itatiaia, em março/2007, a transferência de espécies botânicas ao Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (fls. 1129/1130). Deve ser destacado que, conforme parecer técnico lavrado por servidores públicos vinculados ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro (fls. 1062/1064), a coleção que foi apresentada encontrava-se em péssimo estado de conservação, sendo que “cerca de 70% da coleção estava em estado deplorável e foi perdida”, demonstrando que o parque nacional não detinha condições necessárias à preservação desses bens. Cabe destacar que, chegando no Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o material botânico foi devidamente tratado, restaurado, limpado e reorganizado, sendo que, após a restauração, as espécies passam por processo de informatização de modo a possibilitar a visualização das mesmas através da rede mundial de computadores (fls. 1135/1136). Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a JOAO BATISTA MARTINS PRATA BRAGA. Documento No: 42845068-166-0-1548-10-660060 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/docs Com relação às espécies animais, fulcrado no mesmo intento de preservação e revitalização imposto pela comemoração dos 70 anos do Parque de Itatiaia, fora celebrado convênio entre o Instituto Chico Mendes e o Museu Nacional/UFRJ com o escopo de manter, conservar e recuperar a coleção de espécimes vertebrados e/ou invertebrados pertencentes ao Parque Nacional localizados nas dependências do seu Centro de Visitantes (fls. 1296/1300), tendo sido então transferido parte do acervo. Conforme reconhecido pelo próprio Parque Nacional, referida unidade de conservação não detinha condições mínimas de restaurar e preservar o acervo existente no Centro de Visitantes (fls. 1189/1190), encontrando-se a coleção infestada de fungos, exposta a luminosidade excessiva, que provocou alteração da coloração de parte dos animais, e bastante danificada (fls. 1191/1193). Esse fato é evidenciado pelas condições em que se encontravam as espécies quando chegaram ao Museu Nacional (fls. 1158/1184), podendo-se observar que diversos itens encontravam-se em mediano, ruim e péssimo estado de conservação, sendo que muitos estavam quebrados. Conclui-se então que a remoção das espécies da flora e do acervo do Centro de Visitantes destinou-se a melhor tutelar os bens ambientais administrados pelo PARNA Itatiaia, em razão da insuficiência de recursos técnicos, científicos e estruturais por parte desta unidade de conservação para promover a melhor administração desse valioso arquivo, não havendo sido constatada qualquer arbitrariedade nos atos administrativos que deram ensejo às transferências, agindo a administração pública em estrita observância aos ditames constitucionais que impõem ao Poder Publico o dever de defender e preservar o patrimônio ambiental: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. Deve ser afirmado também que a parte autora não demonstrou a inveracidade dos motivos que levaram à remoção do acervo, não tendo ficado demonstrado em nenhum momento que, ao contrário do que expressamente reconhecido pelo PARNA Itatiaia, haveria condições de os bens ambientais lá permanecerem sem prejuízo de sua correta e adequada defesa e preservação. É compreensível que a comunidade de Itatiaia não queira perder de vista esse patrimônio ambiental que tanto tempo lhe foi vizinho, mormente quando se tem em mente a beleza natural que ostenta. Entretanto, esse interesse não pode se sobrepor ao primado do interesse público, principio norteador de toda administração pública, muito mais ainda no caso em análise, quando restou evidenciado que a permanência do mesmo no parque nacional colocaria em risco a própria integridade do bem publico. Ademais, é notório que a exposição dessas coleções, após os processos de restauração, nos órgão públicos de destino (Jardim Botânico do Rio de Janeiro e Museu Nacional do Rio de Janeiro) possibilita uma melhor e maior disseminação do estudo relativo às espécies da flora e da fauna de que trata, dada a maior exposição e publicidade que referidos órgãos possuem, situação que se compatibiliza inteiramente com o objetivo inserto no VI do §1° do art. 225 da CF/88: Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a JOAO BATISTA MARTINS PRATA BRAGA. Documento No: 42845068-166-0-1548-10-660060 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/docs 1554 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; Por fim, é de bom tom destacar que todo o procedimento relativo à transferência do acervo da flora e da fauna do Parque Nacional de Itatiaia para o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e para o Museu Nacional/UFRJ foi devidamente acompanhado pelo Ministério Público Federal tendo os analistas do parquet avalizado os procedimentos destacando que: “relativamente à conservação do acervo científico (coleção botânicas, entomológicas e de animais taxidermizados) e de sua exposição aos visitantes, não apresentamos objeções à conduta adotada pelo PNI que, segundo infere-se nos autos, dispõe de uma equipe técnica ativa na gestão dos recurso científicos disponíveis naquela UC. Além disso, o material cientifico que não ficará sob a guarda direta do Parque estará sob responsabilidade de instituições públicas conceituadas e de referência na temática, que atuarão na desinfecção, limpeza, recuperação, registro e devida conservação dos exemplares.” (fls. 1021/1027). II.2.2. Da implantação do sistema de filtragem e fossas compatíveis com a preservação da qualidade de vida Afirma a parte autora que “nas casas dos funcionárias do parque e em outras edificações existentes nos lotes da União, tanto as situadas no Núcleo Colonial como as situadas no Parque Nacional, não há esgotamento sanitário correto do ponto de vista ecológico; urina e fezes humanas são lançadas em fossas rústicas ou diretamente no rio, poluindo águas que abastecem a cidade.” As afirmações autorais, no que pertine ao pedido em análise, não encontram lastro probatório nos autos, tendo inclusive uma testemunha por ela arrolada afirmado que existem fossas construídas nas unidades administradas pelo parque, afirmando, contudo, não saber como se dá o tratamento sanitário (fl. 1500). Em que pese a afirmação autoral de que resíduos seriam lançados diretamente nos rios não ter ressonância nos autos, o pleito em questão merece uma análise mais detalhada sobretudo quando se observa o Plano de Manejo do Parque Nacional do Itatiaia elaborado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em abril/2009, repousante às fls. 687/756. Consta no referido documento ser uma necessidade do PARNA Itatiaia “rever o sistema de esgotos das instalações do PNI e substituí-los por sistema mais ecologicamente corretos, do tipo Sanetec, incluindo as ocupações funcionais.” (fl. 703). Tal necessidade é confirmada pelo Chefe do Parque Nacional em depoimento judicial (fl. 1496), admitindo ele que “a rede sanitária existente na ponte da Maromba, no Centro de Visitantes e no Abrigo Rebouças foi construída há muitas décadas atrás e que existe um projeto de substituição dessa rede por conta da comemoração dos 75 anos do PARNA-Itatiaia.” Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a JOAO BATISTA MARTINS PRATA BRAGA. Documento No: 42845068-166-0-1548-10-660060 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/docs 1555 Tal fato, por si só, não daria ensejo a maiores conseqüências ante a constante e natural necessidade de estar a administração publica se aperfeiçoando, visando sempre a consecução do principio da eficiência, aqui tratada em sentido amplo. Entretanto, um dado chama a atenção e impõe a adoção de providências: o reconhecimento pela administração pública, não só da necessidade de substituição da rede sanitária, mas também da gravidade da situação: “Rever o sistema de esgotos das instalações do PNI e substituí-los por sistema mais ecologicamente corretos, do tipo Sanetec, incluindo as ocupações funcionais. Iniciar pelos casos de maior gravidade, a exemplo do Abrigo 3 e a casa do Pesquisador.” (fl. 703). Evidencia-se, pois, não só que os sistemas de tratamento sanitário utilizados no PARNA Itatiaia são antigos e ineficientes do ponto de vista ambiental, como também que a sua manutenção é potencialmente lesiva ao meio ambiente dada a gravidade em que se encontram os sistemas de instalação sanitária das unidades do parque. Frise-se que, em que pese os próprios gestores do Parque Nacional reconhecerem a deficiência e a necessidade de alteração da rede sanitária hoje existente, planejando a correção do sistema, isso não indica ausência de interesse de agir por desnecessidade de tutela judicial, pois, a simples previsão de determinado projeto não é garantia de sua execução. Não há ainda que se falar em impossibilidade de acolhida do pleito autoral por inexistência de danos comprovados ao meio ambiente, vez que deve se ter em mente que, em se tratando de meio ambiente, o termo prevenção guarda importância primeira. O princípio da prevenção é o mais importante princípio do ordenamento jurídico ambiental, visto que parte do pressuposto incontestável de que a prevenção é o grande objetivo de todas as normas ambientais, pois, uma vez desequilibrado o meio ambiente, a reparação ou a recomposição é, na maior parte das vezes, difícil ou praticamente impossível. Esperar que o dano se concretize quando há indícios de sua ocorrência (os próprios gestores falam em “casos de maior gravidade”) é atentar contra o comando constitucional que impõe ao Poder Público o dever de defender e preservar o meio ambiente (art. 225, CF/88). Em sendo o Parque Nacional do Itatiaia uma unidade de conservação federal vinculada ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, autarquia responsável pela gestão, proteção e fiscalização das unidades de conservação (art. 1°, I, Lei n° 11.516/07), deve ser, somente ele, responsabilizado pelas obras de alteração da rede sanitária. Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a JOAO BATISTA MARTINS PRATA BRAGA. Documento No: 42845068-166-0-1548-10-660060 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/docs 1556 III. DISPOSITIVO Ante o exposto, com fulcro no art. 267, VI do CPC, extingo o processo sem julgamento do mérito em relação ao pleito de restauração da estrada federal BR 485 na extensão do Núcleo Colonial e do Parque Nacional, e das vias de circulação interna do Parque Nacional. Com fulcro no art. 269, I do CPC, resolvo o mérito para julgar PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos apenas para condenar o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade a substituir, no prazo de 02 (dois) anos contados do trânsito em julgado desta decisão, os sistemas de esgotos das instalações do PNI, incluindo as ocupações funcionais, por sistemas do tipo Sanetec ou outro similar. Fixo, desde já, multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia, limitada à R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), em caso de descumprimento da obrigação de fazer ora determinada, valor este a ser revertido em favor do Fundo Nacional do Meio Ambiente, sem prejuízo da apuração de eventual prática de ato de improbidade administrativa. Sem condenação em custas processuais e honorários advocatícios (art. 18, Lei n° 7.347/85). Sentença sujeita a reexame necessário. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Resende, 07 de Fevereiro de 2012. Assinado digitalmente JOÃO BATISTA MARTINS PRATA BRAGA Juiz Federal Substituto Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a JOAO BATISTA MARTINS PRATA BRAGA. Documento No: 42845068-166-0-1548-10-660060 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/docs 1557