O TEATRO DE HILDA HILST
Ana Catarina Popowicz de Paula¹, UFRN
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1. Introdução
Este trabalho pretende compilar as oito peças escritas por Hilda Hilst, narrando
detalhadamente o enredo de cada uma delas, para, dessa forma, esboçar uma reflexão
acerca de alguns temas presentes nas obras, vincular ações de personagens em
diferentes peças, destacar a forma utilizada pela autora ao elaborar o seu acervo
dramático, como também introduzir os leitores a alguns simbolismos que chamam
bastante atenção nos enredos. Faremos uma introdução às peças e aspectos de
elaboração das mesmas pela autora. Em seguida, elucidaremos os resumos para que
sejam comentadas tais características nas considerações finais.
2. As oito peças
Hilda Hilst produziu durante os anos de 1967 a 1969 todo o seu acervo
dramático, constituído por oito peças que apresentam enredos diferenciados, porém
encontram-se em temáticas comuns. As personagens criadas pela autora se opõem e se
assemelham na constante luta de expressão e repressão que denotam fortemente o
caráter político presente nestas obras. Tal aspecto se mostra como uma reação ao
contexto histórico, período da ditadura militar no Brasil, indicando assim a
uniformidade do tema tratado nas obras. A repressão é constantemente representada no
drama de Hilst, através de personagens que sofrem censura religiosa, moral e social.
Os textos produzidos pela autora, apesar de representarem gêneros
determinados, demonstram uma fluidez entre os mesmos, produzindo assim obras
modernas e ricas em estrutura, já que Hilst não se limita a utilizar um gênero em cada
obra, fazendo uso de temas universais visando à discussão acerca da transcendência
metafísica e do humanismo. Em seu teatro tal característica não poderia ser diferente, as
peças expõem forte presença lírica, além da constante presença de um subgênero: a
narração.
Muitas personagens de Hilst usam as narrações como um meio de existir no
enredo, atribuindo extrema importância às palavras. O anseio pela existência se torna
um questionamento levantando pela autora regularmente em seus trabalhos,
caracterizando seu teatro como reflexivo sobre a temática do existencialismo.
O existencialismo, questionado nas obras de Hilst, é comumente referido à
linha de abordagem filósofica política do francês Jean-Paul Sartre. Tal linha de
pensamento aborda o homem como um ser livre em relação a sua individualidade,
comprometido com sua subjetividade, o que acarretaria no senso de responsabilidade
social do ser. No drama discutido, o existencialismo é combinado com a metafísica e o
humanismo, discutindo a liberdade do pensar, a persistência dos personagens em defesa
daquilo que acreditam, a existência da alma e o senso de justiça perante os outros.
O preceito mais importante, que é facilmente identificado em personagens
como América (“A empresa” - 1967), Irmã H (“O rato no muro” - 1967), o Filho (“O
verdugo” - 1969), o Trapezista (“O auto da barca de camiri” - 1968), entre outros é o de
que o ser não se define pelo o que é, já que a existência e o decorrer dela são os fatores
que formularão a essência do mesmo.
¹ Bolsista de Iniciação Científica da UFRN
Semelhante a esse conceito, as obras levantam questões dentro das próprias
peças, estendendo-se para o público que é levado à reflexão do que se diz acerca da
existência humana, suas consequências e também a importância de estar em processo de
definição e transformação.
Ao mesmo tempo, as obras atentam para o caráter político de cada indivíduo,
advertindo a sociedade para realidades apresentadas em peças como “A empresa”
(1967), “A aves da noite” (1968), “O rato no muro” (1967), “O verdugo” (1969), “O
novo sistema (1968) e “O auto da barca de camiri (1968). Tais exemplos mostram que o
indivíduo é ativo na sociedade para modificar as condições políticas, porém a autora
mostra que a falta de consciência e reflexão de muitos, podem levar tais sistemas a
“engolirem” estas pessoas que tentam modificar a realidade a sua volta.
O teatro praticamente inédito de Hilst nos leva, principalmente, a reflexão de
comportamentos que possam passar despercebidos na sociedade, advertindo, instruindo
e realizando-se através de ideias que surgem de tais reflexões.
Em seguida, encontram-se comentários e resumos das peças escritas pela
autora que se dedicou por dois anos a se aproximar do público através deste gênero,
quebrando o tradicionalismo presente no teatro brasileiro, sempre com a preocupação
dos conteúdos tratados.
“A empresa”, 1967
Inicialmente, esta peça foi chamada de “A possessa”. A estória se passa em
uma escola católica. É formada por seis cenas e por sete personagens. América,
personagem principal, mostra características fortes de alguém que tenta se encontrar,
mantendo-se verdadeira a si mesma, mesmo diante das mudanças. Há também três
Postulantes, que se transformam em Cooperadoras e tem o papel de coordenar as
estudantes. O Vigia é um personagem que passa a ser o Bispo, assim como o
Monsenhor passa a ser o Inquisidor. A Superintendente é uma figura rígida e autoritária.
Todos estes personagens possuem papéis extremamente repressores na história.
Há dois tempos diferentes na peça. As cenas iniciais marcam o passado, as
personagens são mais jovens e com características diferentes. Durante a terceira cena já
ocorrem algumas mudanças, tais mudanças são refletidas no vestuário das personagens.
Com o passar das cenas é explicado que América se torna mais madura e consciente das
ideias que defende.
A peça se inicia com a personagem principal contando uma história para as
Postulantes. Ao longo da obra, ela conta várias histórias, mostrando que é através delas
que a mesma mostra suas ideias aos outros, mesmo que ela conte histórias nas quais
nunca havia pensado antes. As Postulantes demostram estranhamento, mas dizem
compreender.
A segunda cena é marcada por uma conversa entre o Monsenhor e América,
em que o Monsenhor questiona o comportamento dela e da responsabilidade que ela
deve assumir perante os colegas e as Postulantes. Já que ela as influencia, ele se
preocupa com a perturbação que ela provoca nas Postulantes. A personagem deixa claro
que faz perguntas inocentes, já que não sabe ao certo se o que pensa é ruim ou bom.
América afirma que só diz o que faz sentido a ela.
Assim, a personagem tenta mostrar para o Monsenhor como ela se sente. Sendo
uma menina diferente e com ideias diferentes em relação às colegas, fica explícito que
América só consegue que os outros ouçam suas histórias quando ela as conta em forma
¹ Bolsista de Iniciação Científica da UFRN
de histórias tradicionais e assim ela conta ao Monsenhor uma história sobre o avanço
tecnológico e a criação de duas criaturas mecânicas, Eta e Dzeta, que representam um
nível quase perfeito de repressão.
O Monsenhor demonstra bastante interesse pela ideia dessas máquinas e atribui
significado a esses símbolos que até mesmo América não havia pensado (como é
mostrado na terceira cena). É oferecido à América um cargo de ajudante na escola, para
que ela sinta mais liberdade em criar novas ideias e histórias.
A quarta cena se inicia com outra história sua, sendo contada para as
Postulantes. Esta história é relevante em relação à escolha consciente de América em
tomar um caminho que outros já não vêem mais sentido. Ao contar mais uma de suas
histórias, a personagem menciona um homem que enxerga um caminho por entre a
floresta e questiona se os outros podem vê-lo. Como ninguém consegue ver o que ele
vê, o homem segue sozinho e determinado.
Esse caminho serve como metáfora para a escolha de América. Esta passará a
agir de forma diferente. Demonstra uma compreensão acerca dos temas metafísicos e
religiosos, ao contrário das Postulantes e da Superintendente que passam a defender o
concreto, a matéria e a objetividade.
A quarta cena se encerra com uma conversa entre América e o Inquisidor,
antigo Monsenhor. O discurso de América é mais lírico, apresentando até mesmo
poemas, o que é caracterizado pelas outras personagens como loucura e falta de
objetividade.
A quinta cena é basicamente um interrogatório feito pelo Inquisidor, Bispo e
Superintendente com América, em que eles questionam o novo caminho que ela tomou
e tentam tirar justificativas dela para a escolha deste novo caminho. América se mostra
muito religiosa, defendendo o que eles defendiam antes. Agora são eles que questionam
o posicionamento dela em acreditar em preceitos não lógicos como ressurreição, mãe
virgem, o próprio Deus, tão questionado nas obras de Hilst.
E assim eles pedem que ela ponha em palavras e em teoremas a existência de
Deus, o que América diz não poder “falar do mistério com a linguagem que conhece”,
porém ela desenha um esboço de Deus, com um triângulo que representa a tríplice.
Menciona também as asas do espírito e um círculo representando a unidade e a
infinitude. Tal representação não é levada a sério pelo Inquisidor e pelos demais.
Temas metafísicos são claramente defendidos pela protagonista ao contrapô-los
aos argumentos apresentados pelos coordenadores da “escola” que se tornou “empresa”,
onde é valorizado o trabalho técnico. Assim, na sexta cena os interrogandos querem
tentar, por uma última vez, que América seja útil a eles criando ideias novas, e decidem
colocá-la como observadora de duas máquinas (mencionadas em uma de suas histórias,
que tomou grandes proporções pelo Monsenhor).
América é conduzida para até as máquinas e ao ser explicado pela Segunda
Cooperadora qual seria sua função, a mesma continua falando sobre a importância da
técnica enquanto Eta e Dzeta vão podando América por dentro, repreendendo sua
liberdade de espírito ao ponto de matá-la, sem nem que a cooperadora que está falando
perceba, encerrando assim a peça. A morte da personagem causada pelas máquinas pode
funcionar como uma metáfora em relação à censura presente na época da ditadura
militar no Brasil.
A peça é bastante poética e repleta de simbolismo, revelando, acima de tudo, a
luta da personagem por sua liberdade. O ponto mais importante a ser comentado é a
mensagem presente na peça contra a repressão em qualquer nível, ao qual a autora faz
¹ Bolsista de Iniciação Científica da UFRN
extrema ênfase na página de observação ao declarar que essa peça tem cunho didático e
de advertência.
“O rato no muro”, 1967
O drama é composto de um ato e dez personagens, uma sendo a Superiora que
coordena as outras nove que são freiras em um convento. Seus nomes são dados a partir
da ordem alfabética: Irmã A, Irmã B e assim até a Irmã I. Algumas delas são destacadas
com características que as individualiza, como a Irmã A que apresenta olhos arregalados
o tempo todo, a Irmã C que tem sangue nas roupas, a Irmã G que come incessantemente
e a Irmã I que é irmã de sangue da Irma H. A irmã H, não casualmente, recebe a inicial
da autora. No enredo será a única que tenta fugir da repressão vivida no convento. Tal
repressão contextualiza a ditadura militar que é claramente caracterizada pela
imobilidade e impossibilidade de mudança que as personagens encaram no convento.
A peça inicia-se com uma roda feita pelas Irmãs e pela Superiora, que em coro
iniciam um ritual em que cada uma é forçada pela Superiora a falar sobre alguma ação
que lhes atribuiu culpa. Cada fala é carregada de simbolismo, como a fala da Irma F que
diz ter visto um pássaro na janela e quis ter sido como ele. A confissão que, em termos
de ação, é a mais relevante, é a da Irmã D que diz ter sido arranhada pelo gato da igreja
e em seguida tê-lo matado com veneno para cupins. Porém, a confissão que gera mais
desconforto no ritual corriqueiro das Irmãs é a da Irmã H, que diz não ter queixas de si
mesma, o que a Superiora encara como afronta e ordena que ela vá rezar de joelhos no
canto da capela.
Com o término do ritual, a Superiora e as freiras deixam a capela ficando
apenas a Irmã I e a H. A Irmã I demonstra muita preocupação com a maneira rebelde de
sua irmã, as duas entram em um diálogo após um momento de lirismo que a Irmã H tem
ao olhar para o anjo velho na capela. Tal diálogo gira em torno de abstrações:
informações sobre alguns seres que vieram do céu e levaram várias pessoas por entre as
nuvens e invadiram também o convento onde as freiras estão, causando nelas forte
impressão. A Irmã H demonstra um desejo de que esses seres retornem, para que assim
elas possam ser levadas, já que a personagem não vê sentido em ficarem trancadas no
convento, sem liberdade. Enquanto a Irmã I tenta mostrar um lado mais conformista, o
de que teria alguma razão que elas desconhecem para que tivessem ficado.
Assim, outras Irmãs chegam à capela para conversarem com as que já estavam
lá, cada Irmã demonstra características próprias, que vão se assimilando, como se o
conhecimento de uma atribuísse no conhecimento de outra, formando assim um grande
uníssono, remetendo ao coro que inicia e finaliza a peça. Este uníssono é quebrado por
duas personagens, pela Irmã H e pela Irmã D, que se mostram muito próxima da
Superiora, partilhando de seu ponto de vista sobre repressão e aceitação, formando
assim o círculo do qual as outras Irmãs participam, aceitando a repressão vivida no
convento.
Mais irmãs se reúnem na capela. Em um determinado momento um rato é
citado. As Irmãs observam que o rato tem sempre dois tons, um branco que então é
usado por pessoas de branco, sendo submetido a estudos e um tom escuro, tom da
liberdade de ser rato de rua, que tenta sempre ir mais alto, mais além.
Quando todas as Irmãs estão novamente reunidas na capela, a Superiora traz
um caixão pequeno onde se encontra a Irmã E, que cometeu suicídio por não achar mais
o gato a quem ela entregava seu pão e leite. Encerrando a peça, há o discurso da
Superiora sobre a culpa que a Irmã E sentia ter sido a causa do suicídio cometido,
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iniciando assim mais um ritual de confissão e repressão onde as Irmãs, em uma só voz,
se fundem na aceitação. Contra esse ritual, a Irmã H tenta impedir as outras de
continuarem a cantar, rolando no chão e gritando para que parem.
A peça parece ser formada por círculos, um dentro do outro, a começar pelo
número de atos. O círculo, formado pela afinidade de ideias entre as Irmãs, é
representado pelos diálogos que completam as falas uma das outras, voltando sempre
aos mesmos assuntos. Há vários círculos: o círculo onde existe a obsessão pela culpa, o
círculo de cumplicidade, formado por algumas irmãs que concordam em participar dele,
e outros mais. Além desses círculos, há delimitações espaciais: a capela, depois da
capela o pátio, delimitado pela cerca, depois o muro e as montanhas ao redor.
São círculos que delimitam e reafirmam o isolamento da realidade mostrada.
Isolamento que também é notado no ambiente religioso, parecendo uma situação de
abandono onde as freiras continuam em uma rotina de isolar-se no incompreensível, nos
rituais e nas aceitações sem propósito, criando assim um desejo de contestação na Irmã
H e na audiência, que pode então julgar as ações e ideias da peça.
“O visitante” 1968
Esta obra é uma peça poética, com a maioria dos diálogos construídos em
forma de poemas, enquanto os de menos subjetividade ficam em forma de prosa. “O
visitante” constrói um enredo de extrema subjetividade. O tema é polêmico: a dúvida se
instala no acontecimento ou não de um adultério entre mãe e genro, ou com um terceiro
homem que aparece na história.
Constituída de apenas um ato, os personagens são Ana, mãe de Maria, Homem,
marido de Maria e Corcunda, um homem que se diz chamar Meia-Verdade. O cenário é
simples, como indicado na rubrica, é a casa de Ana, Maria e seu marido. Nesta peça são
destacadas características das cores do espaço e do vestuário das personagens, aludindo
a contextos bíblicos. Tons puxando para o vermelho, o marrom e o branco.
A peça tem diálogos densos e o clima que fica é o de fragilidade em relação à
verdade, onde nada se torna exatamente claro, deixando subentendido as possibilidades
da verdade, remetendo assim à personagem ‘Meia-Verdade’, que lança mais
possibilidades a serem encaradas. A obra tem um tom seco, amargurado, tais
características são mais visíveis na personagem de Maria.
O início se dá com uma conversa entre Maria e Ana, onde Ana revela sentir um
movimento e dores na região ventral, implicando assim uma possível gravidez, Maria
age com desdém, dizendo que seria impossível engravidar sem que houvesse relação, ao
que Ana se cala, deixando assim implícito para o público a possível ocorrência de um
relacionamento. As duas se preparam para a chegada do marido de Maria, com jantar
pronto e tudo arrumado. A todo o momento Ana remete ao olhar e jeito de Maria que é
seca e amargurada.
Quando o marido chega, ele participa dos comentários de Ana sobre Maria,
aborrecendo-a. Ele traz notícias de que um amigo virá jantar com eles, o Corcunda, Ana
fica satisfeita com a visita, Maria se aborrece indo para o quarto. A chegada do amigo é
marcada por uma insinuação de que Ana seja casada com seu genro. Entre as conversas
é possível perceber o desejo de ela em ter um companheiro, e a insatisfação tanto de
Maria quanto de seu marido em relação à proximidade dos dois.
O Corcunda questiona sobre ser belo, já que se considera feio, então Ana e o
marido de Maria concordam que beleza não representa felicidade, e assim ela descreve
um certo alguém, belo, que lhe causou amarguras. Tal referência é apontada pela
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escritora na descrição dos personagens, deixando claro que Ana se refere ao marido da
filha.
Ela comenta sobre seu ventre, no momento em que sente um movimento nele.
o marido se ajoelha para ouvir, o que deixa Maria enfurecida, afastando-os. Maria é
direta acusando-os de terem um caso e isso ser a razão de sua amargura. O Homem fica
fora de si, batendo em Maria e logo depois se retirando da casa. Meia-Verdade tenta
apaziguar a situação, dizendo-lhe que Ana desejou tanto outra filha que por milagre iria
concebê-la.
Maria não acredita, mas cogita porém que o caso tenha sido entre Ana e MeiaVerdade, deixando-lhe bastante feliz e satisfeita. O Corcunda vai se retirando em busca
do marido de Maria, ao passo que somente Ana percebe, calada, deixando que
acreditem no que querem acreditar. O marido, ao retornar, é recebido pela esposa
satisfeita com a verdade que agora acredita, dizendo-lhe já saber do caso entre a mãe e o
Corcunda, deixando o Homem sem entender direito o que se passa. Encerrando a peça
com as dúvidas e certezas vindas das personagens e do público sobre os fatos descritos.
“O auto da barca de camiri”, 1968
A peça também havia sido chamada de “Estória, muito notória, de uma ação
declaratória” e foi escrita em 1968, tendo sido a quarta peça escrita por Hilda Hilst. A
obra é constituída por uma cena e seis personagens que são os dois juízes, um velho e
um jovem, o Passarinheiro, o Agente funerário, o Prelado e o Trapezista. O principal
tema abordado é a repressão estabelecida nos convívios sociais pela lei.
A lei é um termo que na peça será acompanhado diversas vezes por tiros de
metralhadora, enfatizando ainda mais a repressão causada pela mesma, que é
estabelecida por homens, sendo julgada assim de maneira relativa e nem sempre correta.
O cenário é composto por uma sala de julgamento com cadeiras rebuscadas
onde os juízes se sentam, duas portas diferenciadas, uma a das testemunhas, simplista e
sempre aberta, a outra também rebuscada sempre fechada, por onde os juízes entram. Os
juízes tem discussões subjetivas fazendo uso da poesia. O principal tema é sobre a
escatologia: os dois apresentam forte desgosto ao contato com as testemunhas, achamlhes nojentas, sujas e principalmente fedidas.
O caso é iniciado com a entrada do Passarinheiro que diz ter visto um homem
ressuscitar um pássaro morto. O que os juízes devem decidir é se este homem existe ou
não. O Passarinheiro defende a posição de que se o pássaro ressuscitou é porque, então,
está vivo. O Agente entra para discutir com o Passarinheiro, pois o Agente defende que
se algo já morreu, por mais que volte a vida, ainda deva ser considerado morto, e por ser
morto deveria ter um caixão, defendendo assim que o pássaro deve continuar morto.
O trapezista, que está em busca de subir cada vez mais, mostra liberdade de ir e
vir dizendo: “Ah, mas aqui/ Temos tanta sede da verdade/ Que queremos entrar e sair/
Segundo a própria vontade.” Ele funciona como um informante sobre o tal homem,
dizendo aos juízes falas do mesmo, aparência, característica do olhar e como se
movimenta. Assim, ele defende a existência do homem descrito.
O prelado anuncia que o homem não está sozinho, que o viu com um pássaro e
um cão. Viu também que este homem lutava com uma sombra, que ele descreve como
sendo diabólica. Em seguida, os juízes refletem sobre que posição a lei deve tomar,
sendo a palavra lei seguida de tiros. Um tumulto é instalado do lado de fora da
audiência, levando à morte o tal homem em julgamento. O trapezista anuncia a morte e
fala que a semelhança do mesmo era com Cristo, e que cantava um canto surdo aos
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ouvidos que se ouvia com o coração. O Juiz Jovem responde-lhe sobre o amor que “essa
asa, na lei, não está prevista”, mostrando o endurecimento das leis e a objetividade
tratada em assuntos mais subjetivos.
Ouvem-se mais tiros, o trapezista vai e volta e informa que com o homem
mataram também quem o acompanhava, os pássaros e os cães, “para que não se
transformassem em guardiães” de um futuro. E assim os juízes tomam a decisão de que
não é lícito questionar a existência do que não se vê e que, caso insistam, a lei resolverá.
Quando os juízes tomam essa decisão tiros são ouvidos e o Passarinheiro é morto, logo
em seguida o Trapezista e o Prelado também são. Mostrando assim o nível de repressão
defendido pela lei e ocultado por ela, encerrando a peça com considerações insensíveis
dos juízes decidindo irem ter uma refeição, retomando a discussão sobre o escatológico
do início da peça.
“As Aves da noite”, 1968
Esta obra representa, no acervo da autora, a que mais se enquadra em um
contexto histórico específico, já que o drama é iniciado com descrição de tempo, local e
contexto que levou à construção da mesma, mostrando assim uma característica didática
presente na abertura da peça da autora. Hilst inicia o drama, primeiramente com
instruções de estrutura para encenação, justificando a particularidade do cenário
cilíndrico e do posicionamento do público: em cadeiras individuais e isoladas uma das
outras. Em seguida, a autora esclarece o objetivo da peça e situa os fatos prévios ao
início da peça:
Com “As aves da noite”, pretendi ouvir o que foi dito na cela
da fome, em AUSCHWITZ. Foi muito difícil. Se os meus
personagens parecerem demasiadamente poéticos é porque acredito
que só em situações extremas é que a poesia pode eclodir VIVA, EM
VERDADE. Só em situações extremas é que interrogamos esse
GRANDE OBSCURO que é Deus, com voracidade, desespero e
poesia.” (HILST, 2008: 233)
“AUSCHWITZ, 1941.
Do campo de concentração fugiu um prisioneiro. Em
represália os SS, por sorteio, condenaram alguns homens a morrer no
Porão da Fome. Figurava entre os sorteados o prisioneiro nº 5659, que
começou a chorar. O padre católico franciscano, Maximilian Kolbe,
prisioneiro de nº 16670, se ofereceu para ocupar o lugar do nº 5659.
Foi aceito. Os prisioneiros foram jogados numa cela de concreto onde
ficaram até a morte. O que se passou no chamado Porão da Fome
ninguém jamais soube.
A cela é hoje um monumento. Em 24 de maio de 1948, teve
início, em Roma, o processo de beatificação do Padre Maximilian
Kolbe.” (HILST, 2008: 237)
As instruções deixam claro que a peça se apóia nas referências históricas dos
acontecimentos no tempo do nazismo, criando assim diálogos imaginativos entre essas
personagens reais. A peça não apresenta surpresas em relação a sua continuidade e
finalização, já que é de conhecimento inicial que na cela da fome as personagens
chegariam à morte. O que ganha mais destaque na peça são os diálogos realizados pelas
personagens que aguardam a morte e relutam, agarrando-se em discussões que
preencham essa espera.
¹ Bolsista de Iniciação Científica da UFRN
As cinco personagens presentes na cela da forme são: Estudante, Poeta,
Joalheiro, Carcereiro e o Padre Maximilian. Assim, cada personagem tece histórias,
poemas, música e silêncio em busca de alívio na longa espera da morte.
A peça se utiliza de relatos para traçar o desejo das personagens em atingir um
grau de fuga, a fuga mental que se foca em outro tempo, outro espaço aliviando a
condição atual das mesmas que é aprisionada no cilindro. Dos relatos presentes na peça,
todos giram em torno de discussões sobre o corpo, sobre a matéria e algo inerente que
vai além (a alma) sobre o passado representar a melhor época vivida e sobre a intrigante
decisão do padre em morrer no lugar de outra pessoa.
Entre os relatos presentes um se faz mais intrigante e relevante, o do estudante
de biologia que aponta uma experiência feita com um falcão que foi forçado a engolir
um tubo de metal com telas, também de metal, com um pedaço de carne dentro. Depois
de certo tempo, o falcão vomita o tubo. O suco gástrico havia digerido a carne,
expelindo assim somente o metal. Este relato serve como metáfora da situação das
personagens, que estão presas em uma cela cilíndrica, e discutem o perecimento da
matéria, preocupando-se com a existência alma, daquilo resta após o fim da carne, visto
que na história do estudante nada resta no pequeno cilindro.
Os nomes dados as personagens representam o cargo na sociedade, refletindo
uma característica comum nas peças de Hilst. O padre é o único representado por nome
próprio, já que foi baseado na existência verídica do padre e para atribuir
individualidade aos atos praticados pelo mesmo.
“O novo sistema”, 1968
Esta peça é composta por uma cena e onze personagens, os principais sendo o
Menino, a Mãe e o Pai do mesmo, a Menina, filha do Escudeiro-mor, o Escudeiro
Positivo, dois Físicos, o Pipoqueiro e mais três escudeiros denominados por numeração:
1, 2 e 3.
O tema principal gira em torno da obediência do povo perante um novo sistema
político criado para que a população seja facilmente controlada e que assim não existam
conflitos individuais ou de ordem considerada irrelevante. As personagens criadas nesse
contexto desconhecem o que é amor e relacionamentos de ordem humana, valorizam os
conceitos técnicos, especificamente os conceitos físicos que são mudados para que
sirvam de analogia para o novo sistema de governo.
O governo se resume a um modelo de despotismo em que as medidas de
liderança são baseadas nas vontades de uma só pessoa ou grupo, tendo poder total sobre
as forças armadas, como acontece no enredo. O medo é a principal forma de controlar a
sociedade, o que é visível no comportamento automático e robótico de algumas
personagens ao se depararem com corpos amarrados em postes nas praças.
A peça se inicia com o Menino e a Mãe saindo do colégio e parando na praça
em que se encontram dois corpos amarrados a postes. O Menino fica intrigado com a
situação e pergunta para a Mãe o porquê de eles estarem lá, recebendo apenas a
informação de que esses homens “foram maus”, o que não satisfaz a curiosidade do
Menino. A Mãe fica bastante preocupada em desviar o assunto, questionando o menino
sobre sua prova de física, na qual ele obteve maior nota na sua ala (os estudantes nesta
peça são divididos por alas).
Até esse ponto é possível compreender a ligação da disciplina de física e do
governo implantado. As analogias de governo com conceitos físicos funcionam como
lavagem cerebral com o objetivo de produzir cidadãos que não questionam e somente
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aceitam os conceitos, implicitamente aceitando a política instalada. Porém, o menino
não faz a relação entre os conceitos físicos com a forma de governo, não entendendo
porque deveria deixar de olhar ou questionar sobre os mortos na praça.
A Mãe aguarda que o Pai chegue para que ele possa solucionar as questões do
Menino, porém o Pai dá a mesma resposta da Mãe, deixando o Menino mais inquieto.
Assim que dois escudeiros chegam para trocar os corpos, temos a informação de que há
muitos corpos para serem expostos como forma de advertência para que os outros não
façam o mesmo. Os dois escudeiros notam o olhar do menino, mas o Pai despista-os
dizendo que o menino olha para os Escudeiros por admirá-los.
Um terceiro Escudeiro e o Escudeiro Positivo chegam com mais dois corpos. O
último escudeiro nota o olhar do menino para os corpos e chama os pais para uma
conversa. Sabemos que as pessoas com maiores notas em física nunca devem ser
agredidas e que quando apresentam algum comportamento considerado inadequado os
pais deverão ser responsabilizados. Afinal, se na escola as instruções são corretas dentro
do tipo de governo, então só pode ser em casa que o Menino não deve estar recebendo
os direcionamentos corretos.
Neste momento, o Menino é deixado com um dos Escudeiros e logo depois é
deixado sozinho. A Menina chega e por ter a melhor nota de física na sua ala comenta
sentir atração em se aproximar do Menino. Ela informa que é filha do Escudeiro-mor, o
comandante do governo, e diz que se sente feliz pela mãe ter sido pendurada num poste
como os corpos ali presentes, justificando que a mãe era fraca e não soube ensinar os
preceitos do novo sistema. A Menina informa, ainda, que está ali para ganhar tempo
com o Menino, enquanto os Escudeiros executam a morte dos pais dele. Revoltado com
o comportamento frio da Menina, ele a mata, arrastado-a para fora do palco.
A peça funciona como uma advertência, como é explicada no final: os atores se
apresentam no palco fora das personagens, juntos apresentam um poema que tem por
tema principal falar das angústias comuns vividas nos tempos atuais da peça, mostrando
que o medo existe no “velho sistema”, assim como existe no “novo”, apresentado na
peça, mas que esse medo deve servir para unir os homens, enquanto os atores dão as
mãos e pedem: “Que nossos homens se dêem as mãos./ Que a poesia, a filosofia e a
ciência/ Através de uma lúcida alquimia/ Nos preparem uma transmutação:/ Asa de
amor/ Asa de esperança/ Asa de espanto/ Do conhecimento.” (Hilst, 2008, 262)
“O verdugo”, 1969
No último ano em que Hilda Hilst produziu as suas obras dramáticas, escreveu
“O verdugo”, através do qual ganhou o prêmio Anchieta, sendo assim reconhecida pelos
críticos. Em um período em que fazer arte era extremamente delicado devido à censura,
a autora optou por produzir um acervo cheio de simbolismos e analogias. Em “O
verdugo” não é diferente. Hilst apresenta ações que fazem referência direta ao
movimento político instalado no Brasil na época, a ditadura militar, porém a crítica se
finaliza no público que é levado a reflexão de comportamentos de censura,
representados na peça.
A obra é constituída de dois atos, onze personagens definidos e seis que
constituem cidadãos da cidade representada. Na rubrica, temos a informação sobre à
casa da família retratada como sendo “modesta, mas decente”, localizada em “uma vila
do interior, em algum lugar triste no mundo”. Tal descrição já remete a algum
acontecimento emocionalmente negativo, além do nome da peça que caracteriza um dos
personagens, referenciando tal acontecimento.
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O primeiro ato é marcado com um jantar em família, onde se encontram o
Verdugo, a Mulher, o Filho e a Filha, eles discutem o novo trabalho que o pai recebera:
o de executar a morte do Homem condenado por falar demais, sendo explicitado pela
fala do Juiz Jovem que “a boca tem medida”, remetendo diretamente a censura da época
que vetava o que era publicado pelos artistas.
Na discussão fica claro que o Filho e o Verdugo partilham da ideia de que o
Homem não deve ser executado pelo que disse, pois eles confirmam sua honestidade:
era honesto e dizia coisas para alertar o povo. Já a Filha, a Mulher e o Noivo da filha
que chega ainda no primeiro ato, defendem que o trabalho deve ser executado pelo pai
como qualquer outro, que não há diferença entre os homens que ele executou e este que
aguarda para ser morto, declarando que a lei decidiu, devendo então ser cumprida.
As posições extremas levam ao principal conflito da peça: a chegada dos
Juízes, o velho e o jovem, divide ainda mais as posições acerca da execução do trabalho
do Verdugo. Eles oferecem uma alta quantia em dinheiro para que o trabalho seja
executado adiantadamente, com a negação do Verdugo, a Mulher toma a decisão de se
vestir como o marido e ir realizar a execução. O Filho e o Verdugo são imobilizados e
amarrados à mesa pelo carcereiro que aparece na casa para apressar ainda mais a
execução, pois teme um protesto do povo na delegacia a favor do homem a ser
executado.
Com a saída das demais personagens, o Verdugo e o Filho tem uma conversa
bastante humanista a respeito da piedade e comoção a respeito de outras pessoas,
animais e qualquer coisa que represente estar vivo, por parte do Verdugo, mostrando a
sensibilidade de alguém que aparentemente seria menos humanista, já que seu trabalho
é executar pessoas condenadas, mostrando a sensatez em ter recusado realizar a morte
do homem condenado.
O ato dois se inicia na praça, onde a execução seria realizada. A população
percebe que a execução vai acontecer sem aviso prévio e o povo começa a se posicionar
em frente ao patíbulo, protestando a morte que aconteceria a seguir. O Verdugo e o
Filho conseguem se soltar planejando uma fuga com o Homem, porém quando o
Verdugo chega à praça desmascarando a esposa, ele inicia um conflito ainda maior.
Enquanto o povo defendia o homem que seria executado, o Verdugo divulga que a
mulher dele só realizaria o trabalho no lugar dele por causa de dinheiro. Sua filha, ao
tentar convencer o povo de que a morte do Homem era melhor para todos, consegue
mudar a opinião de muitos cidadãos que exigem o recebimento de tal dinheiro também.
Assim a população se volta contra o Verdugo e o Homem, o último que é extremamente
protegido pelo Verdugo, levando os dois à morte causada por espancamento pelos
cidadãos.
A peça se finaliza com a simbologia de dois homens-coiotes que olham a cena
e logo em seguida vão embora com o Filho. Esta simbologia foi uma das mensagens
ditas pelo Homem ao se referir ao Filho e ao Verdugo, sendo analisada pelo Filho como
homens que precisam se mostrar como um lobo, que saem da moita para serem
respeitados, e quando o são, poderem ser livres para “achar nosso corpo pássaro e
levantar vôo”, mostrando assim a dureza de certas ações que visam o futuro mais
pacífico.
“A morte do patriarca”, 1969
A obra trata de um dos assuntos mais recorrentes em Hilst: o papel da religião
na sociedade. A peça finaliza deixando uma ideia de renovação na sociedade, que viria
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com a finalização de governos religiosos, instaurando novas ideias, conceitos e
comportamentos, que levariam os humanos a repensarem suas condições e agirem como
humanos que são. Assim, o drama tem cunho humanista, alertando o público da
importância em refletir sobre esses preceitos.
A autora critica a religião católica ao posicionar personagens como o Papa, um
Cardeal, um Monsenhor em discussão direta com o Demônio, que é auxiliado por dois
Anjos. A peça é constituída de um ato e o cenário tem o chão como em um jogo de
xadrez, com parte externa mostrando a praça onde se encontra a população e ainda parte
superior em estantes onde, no início, fica o Demônio, do lado esquerdo e os dois Anjos
no lado direito.
Além de elementos como um pássaro de arame, parte com penas falsas e parte
sem, com garras e bico acentuados e com as asas deslocadas do corpo, ao chão. Ainda,
três jovens participam da peça ao posicionarem bustos de Lênin, Marx, Mao e Ulisses.
Há uma estátua de Jesus presente na sala que é caracterizada como uma espécie de
vaticano.
A cena começa com o Demônio e os Anjos discutindo se devem ou não intervir
na sociedade que descrevem como tendo atingido um grau de satisfação em que nada
mais é relevante para eles, nenhuma conquista é inspiradora e que nem mesmo falam,
pois atingiram um ponto em que não há mais nada a ser falado de relevante. Nas peças
de Hilda Hilst, a fala é sempre a tentativa de resistir, de fazer diferença, mostrando
assim uma característica muito importante, a qual o Demônio e os Anjos se preocupam
bastante, com que a população seja incitada a querer existir e que o tédio em que se
encontram possa ser revertido.
O Papa e o Cardeal jogam xadrez, o que leva o Demônio a analisar o Papa
através de suas jogadas, como distraído e indefeso. O Demônio desce da estante para
intervir, decisão concordada pelos Anjos, e inicia discussões metafísicas sobre a
existência de Jesus, dele mesmo, dos humanos, das ideias de Marx, Mao, Lênin e
Ulisses, sendo bastante admirado pelo Cardeal e pelo Monsenhor. O Papa, por sua vez,
se mostra bastante desestimulado, participando sem empolgação de uma discussão
crucial sobre o que deve ser feito para inspirar a sociedade a serem relevantes através de
ações. As sugestões dadas pelo Demônio são seguidas, como repetir falas das
personalidades representadas por estátuas, incitando a população a alguma reação,
mesmo que negativa, deixando o Papa sem esperanças e retirando-se para descansar.
Nesse momento, o Demônio causa bastante influência sobre o Cardeal e o
Monsenhor, incitando o Cardeal a assumir o posto do Papa para que assim aja alguma
mudança, porém a sugestão do Demônio leva os dois de encontro à população, que já
não demonstrava uma reação boa às outras sugestões dadas, levando assim a uma
renovação na sociedade, que utilizando metralhadoras matam os dois e o Papa, que ao
pedir que a população pare com os tiros é assassinado na varanda de sua sala.
Finalizando a peça com uma voz vibrante e forte vinda da praça perguntando
por onde deveriam começar. O Demônio vibra ao notar que conseguiu uma mudança no
comportamento dos humanos instruindo que deverão começar “Pelo começo! Pelo
começo! Pelo começo!”
3. Considerações finais
Nos comentários tecidos sobre cada peça, foi possível identificar temas,
características de personagens e técnicas que se tornam recorrentes na obra de Hilda
Hilst. Há personagens que merecem destaque por representarem as tentativas de
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mudanças que parecem necessárias a sociedade. Tais personagens são identificados na
maioria das peças produzidas pela autora, que demonstra pela sua criação, o anseio de
revolução diante do que lhe parece injusto.
É mostrado que a escrita hilstiana é extremamente abstrata e subjetiva, o que
dificulta a análise e o resumo das obras. Identificamos a retratação do ser admirável, que
busca respostas, que não abaixa a cabeça, que não obedece ao sistema, mesmo que não
consiga ir além. O teatro de Hilst é a tentativa do personagem de alcançar algo além, de
ultrapassar a sua própria humanidade.
América, em “A empresa” representa a liberdade de expressão. Ao ser
censurada ou mal interpretada, entende que a mudança que ela quer ver na sociedade
tem que partir inicialmente dela, sendo coerente com as ideias que defende e
compreendendo previamente o que quer comunicar. Representa um protesto contra tal
censura ao se deixar engolir pelo sistema, não deixando que seu modo de pensar seja
modificado, mantendo-se fiel as suas crenças resistindo, deixando-se morrer para atingir
a liberdade.
O aspecto humanista é perceptível nessa personagem como em muitos outros
retratados pela autora. Outro exemplo é o Padre Maximilian que demonstra extrema
humanidade ao aliviar a agonia de um condenado à morte se colocando,
voluntariamente, no lugar dele. Enquanto espera a morte, o mesmo mantém sua
humanidade demonstrando fraquezas e voltando sempre a resistir, pacientemente, no
intuito de que os outros presentes possam se acalmar também.
O Menino, em “O novo sistema”, tem a sua humanidade censurada e reprimida
ao ser obrigado a seguir preceitos, comandos do sistema.
presente na maioria das peças, o que mostra que apesar das tentativas de
libertação A morte discutida no teatro é das repressões, as personagens envolvidas
podem ser “devoradas” pelo sistema se não se adequarem. Tal característica tem caráter
de denúncia e advertência para a sociedade. É através desses atos que a escritora exerce
sua política, apresentando consequências para as realidades destacadas.
Hilst mostra recorrência na estrutura que utiliza para construir seu acervo
dramático. Até 1967, a autora havia produzido somente poemas, o que é observado no
seu drama, atingindo, assim, uma produção lírico-dramática, em que as expressões
revelam as crenças desse eu - lírico, que se posiciona claramente nas peças. Assim, é
marcada uma criação moderna e experimental, fugindo do tradicionalismo do teatro
nacional, ao misturar gêneros e ao expressar o subjetivismo de forma livre e radical.
Finalmente, com o teatro aqui estudado, foi possível entrar em contato com
aspectos particulares da imaginação livre de uma autora que se expressou no anseio de
atingir o que transcende as palavras, formulando e buscando significados acerca da vida,
da existência e do comportamento humano.
Referências
CADERNOS DE LITERATURA BRASILIERA. Hilda Hilst. São Paulo: Instituto
Moreira Sales, Número 8, outubro de 1999.
FARIA, Álvaro Alves de. Hilda Hilst, o silêncio estrondoso. São Paulo: Revista Caros
amigos, dezembro, 1998.
HILST, Hilda. Teatro Completo. São Paulo: Globo, 2008.
HILST, Hilda. Teatro reunido. São Paulo: Nankin Editorial, volume 1, 2000.
¹ Bolsista de Iniciação Científica da UFRN
PALLOTTINI, Renata. Do teatro In: HILST, Hilda. Teatro completo. São Paulo: Globo,
2008.
RODRIGUES, Éder. O teatro performático de Hilda Hilst. Belo Horizonte: UFMG,
2010.
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Ana Catarina Popowicz de Paula (UFRN)