ANAIS DO IX SEMINÁRIO NACIONAL DE LITERATURA HISTÓRIA E MEMÓRIA –
LITERATURA NO CINEMA e
III Simpósio Gêneros Híbridos da Modernidade – Literatura no cinema
Vida Toda Linguagem: Memória e Cultura em Pedra do Reino
ALVES, Maria das Dores Valentim (UNIOESTE)
SILVA, Dr. Acir Dias (UNIOESTE)
RESUMO: Este trabalho tem a intenção de expor criticamente, a partir das imagens da
microsserie A Pedra do Reino (2007) do diretor Luiz Fernando Carvalho e do Romance d’A
Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do vai-e-volta(1971) de Ariano Suassuna as relações
com a arte da memória. Diante disso, refletiremos sobre as reminiscências estéticas e poéticas
de Cervantes, de Dante, de Platão, Giullio Camilo, Carvalho e de tantos outros artistas que,
dialogam na circularidade das representações culturais e num jogo de identificação,
transferência e projeção, criam novas imagens, palavras e artisticamente devolvem-nas ao
meio cultural. Tal estudo consiste ainda na tentativa de perceber a tradução como uma nova
criação; pois, ao traduzir um texto primeiro, se constrói uma nova maneira de reconhecer na
cultura, nas imagens e na literatura o mundo que elas encerram. As representações da cultura
atual são Imagens Agentes, pois surgem como alegorias de outras tantas representações da
sociedade. Essas imagens estão inseridas organicamente na visualidade do texto literário, nas
imagens e sons do cinema, nas artes plásticas e no teatro. As narrações cinematográficas,
assim como as séries televisivas, com seus mitos e alegorias são tensões, desejos
materializados em ação permanente que se renovam e se perpetuam em memórias e
reminiscências.
PALAVRAS-CHAVE: Arte da memória, tradução cultural, literatura e cinema.
ABSTRACT: This paper aims to expose critically from the microarray images of the A Pedra
do Reino (2007) director Luiz Fernando Carvalho and Romance d’A Pedra do Reino e o
Príncipe do Sangue do vai-e-volta (1971), Ariano Suassuna relations with the art of memory.
Given this, we will reflect on the aesthetic and poetic reminiscences of Cervantes, Dante,
Plato, Giulio Camillo, Carvalho and so many other artists, dialogue in the circularity of
cultural representations and a set of identification, transference and projection, creating new
images, words and artistically return them to the cultural environment. This study is still
trying to understand the translation as a new creation, for, to translate a text first builds a new
way to recognize the culture, the images and literature the world that they embody.
Representations of the current culture images are agents, because there are as many allegories
of other representations of society. These images are embedded organically in visuality of the
literary text, images and sounds of the cinema, the visual arts and theater. The narrative films,
as well as the television series, with their myths and allegories are tensions, desires
materialized in permanent action to renew and perpetuate themselves in memories and
reminiscences.
KEYWORDS: Art of memory; cultural translation; literature and cinema.
1. INTRODUÇÃO
Os mitos e emblemas que configuram a obra romanesca A pedra do Reino e o
príncipe do sangue do vai-e-volta(1971), de Ariano Suassuna, estão também organicamente
inseridas em A Pedra do Reino(2007), microssérie televisiva de Luiz Fernando Carvalho.
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Para além disso, tais emblemas não se originam nelas, mas perfazem o caminho da
atualização de algumas memórias sob a forma de tradução de alegorias, ou seja, imagens de
outras produções culturais que agem para educar nossa memória estética e também política.
Quaderna, o narrador-personagem da obra de Suassuna, tem suas origens na
Literatura Medieval sob sua forma mais difundida, a Novela de Cavalaria; consagrada pela
literatura canônica e mais tarde dessacralizada pela obra de autores como Rabelais, Lazarillo
de Tormes e Cervantes, na obra Dom Quixote de La Mancha (1978). No caso da Novela
Épica de Cervantes, assim como em A Pedra do Reino, a inversão dos papéis social,
recorrente na carnavalização, pode ser notada pelo fato de Quixote ser nomeado cavaleiro
andante por sua obstinada vontade de sê-lo, contrariando certas normas de organização da
sociedade medieval. Essas normas, vigentes também no círculo ortodoxo da literatura e de
outras formas de arte, relegavam tudo o que não fosse oficial para fora das esferas legítimas
do reconhecimento cultural. Nesse caso, o herói que representava esse espírito de
conformidade com tais regras era o Cavaleiro medieval. Esse herói para quem a honra e a
bravura eram características imprescindíveis figurava nos textos da chamada grande literatura,
nas telas de pintores renomados e no teatro erudito.
O herói picaresco de Cervantes, de Suassuna e também o de Carvalho, tem um perfil
diferente do herói de cavalaria, para quem a honra e a palavra são sagradas. Segundo Tavares
(2007), para o herói pícaro mais valioso do que a honra é a sobrevivência, e mais importante
que a palavra dada é não passar fome (TAVARES, p. 69).
O estudo da Arte da Memória tem sua origem com os oradores Gregos e Romanos,
era antes um recurso da retórica. Diz Francis Yates que “o Ad Herenium é a principal fonte da
tradição de estudos da memória”. Segundo seus preceitos, quem quiser iniciar-se nessa prática
precisa antes criar um loci, um lugar imaginário, pois estamos falando da memória artificial.
Deve cuidar para que este loci seja tranqüilo e silencioso, de tamanho mediano, e atentar
ainda para o efeito da iluminação sobre a imagem a que se deseja memorizar. Depois, nesse
loci, devem ser inseridas as imagens. É recomendado dar um caráter dramático à imagem que
se quer memorizar, uma vez que as imagens impressionantes se inscrevem em nossas mentes
de maneira mais memorável do que as banais (YATES, 2007, p. 22). A respeito disso, nos diz
o autor anônimo do Ad Herenium:
Agora a própria natureza nos ensina o que fazer. Quando vemos em nosso
cotidiano coisas triviais comuns, banais, geralmente falhamos em nos
lembrar delas, porque, a mente não é estimulada por algo novo ou
excepcional. Mas se vemos ou ouvimos algo indigno, desonroso, incomum,
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grande, inacreditável ou ridículo, disso conseguimos nos lembrar. (Ad
Herenium. Apud YATES, 2007, p. 26).
O
estudo
da Arte
da
Memória
considerado
nesse
trabalho
segue
na
contemporaneidade os mesmos métodos dos antigos estudiosos e suas relações perfazem o
caminho dessas imagens alegóricas. Segundo Milton José de Almeida em Cinema Arte da
Memória (1999) a educação estética proposta pela imagem, é na contemporaneidade,
sobretudo efetuada pelo cinema, que age na construção e da memória histórica, sendo essa
memória também discurso e ideologia. Diz Almeida que
Quando sugiro que se pense no cinema, ao lermos esses textos sobre a
memória artificial, estou querendo dizer que o cinema participa da sua
história, não só como técnica, mas como arte e ideologia. O cinema é uma
invenção moderna, no sentido material-técnico, porém, a forma como
suas imagens são produzidas é homóloga à produção da memória
artificial. Assistir a um filme é estar envolvido num processo de recriação
de memória [...] O cinema, ao mesmo tempo, cria ficção e realidades
históricas, em imagens agentes e potentes, e produz memória.
(ALMEIDA, 1999, p. 56).
Em sua obra O Teatro da Memória de Giulio Camillo (2005), Almeida nos apresenta
um Teatro. Nele as imagens agentes estão materializadas e distribuídas em 49 locis, e em sete
degraus. O Teatro seria uma estrutura em madeira, cujo projeto Giulio Camillo apresentou
em Veneza e depois em Paris. Acomodaria no máximo dois espectadores por vez e em seu
interior estavam dispostas as imagens consideradas representativas do pensamento divino,
artístico, científico e filosófico, representados primeiramente pelos sete planetas até então
conhecidos e pela ordem da criação do mundo. O que propõe Camillo é a realização material
daquilo que, até então, era imagem mental. O loci de Camillo, seu Teatro da Memória, seria
uma fábrica de conhecimento, de memória.
Por intermédio do movimento e das associações de pensamentos e imagens nesse
meio, era permitido ao espectador apropriar-se de todo o conhecimento nele contido:
A Arte da Memória, para imagens e palavras, ressurgida aqui no Teatro de
Camillo, aconselha que nos movimentemos de modo ordenado, pausado,
indagando cada imagem e tentando liberar de cada uma as mensagens aí
contidas, ou decifra-las como pequenos oráculos visuais. Liberta-las também
da sua auto-referência e coloca-las no circuito de relações possibilitadas por
todas as outras imagens presentes, fora e dentro do seu freqüentador.
(ALMEIDA, 2005, p. 38).
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As imagens do Teatro da Memória se repetiam em diferentes ordens e permitiam ao
espectador atuar nelas também como diretor, fazendo delas as associações simbólicas que lhe
convinha obedecendo a determinadas regras.
Consideremos as memórias de Quaderna, personagem das obras de Suassuna e
Carvalho também como artificiais, pois foram forjadas na intenção de construir uma obra
literária, seu castelo enigmático; sendo a sua própria história uma miscelânea de romance,
crônica, memorial, epopéia, novela de cavalaria, folheto de cordel, mito, á guisa de defesa e
apelo diante do processo no qual está envolvido, acusado de subversão política, de liderar
movimentos de oposição ás instituições e de estar envolvido com na morte de seu padrinho,
Pedro Sebastião Garcia Barretto, e com o desaparecimento de Sinésio. Ao mesmo tempo em
que Quaderna se defende da acusação, o herói tenta provar sua fidalguia, sagrar-se Rei da
Pedra do Reino do Sertão. Diz-se descendente dos Reis Castanhos e Cabras do sertão, dos
legítimos e verdadeiros Reis brasileiros, não daqueles reis e imperadores estrangeiros e
falsificados da casa de Bragança. Requer para si o trono do Brasil por “herança de sangue e
decreto divino” (Suassuna, 2007, p. 34). Para cumprir seus intentos, evoca os textos de outros
autores de várias vertentes, eruditas e populares: Homero e os poetas do sertão estão lado a
lado no mosaico de suas memórias. Figuras mitológicas, símbolos cristãos, cabalísticos,
astrológicos, alquímicos e pagãos permeiam toda a narrativa.
Autodenomina-se um
diassevasta, vai recolhendo os cantos e montando seu castelo da memória. Ao modo de
Camillo, suas memórias são editadas pelos arquétipos.
2. OS QUATRO JOGADORES
Na unidade dos quatro elementos é que pode haver vida. Quaderna é uno, a
divindade formada de quatro elementos, ou antes, o homem feito como imitação da idéia de
Deus. O quatro, relacionado á personalidade de Quaderna é considerado um número místicosagrado. Segundo Chevalier & Gheerbrant (1999), as interpretações para o número quatro e
suas inferências sob outros números, como o quarenta, e formas geométricas como o
quadrado, estão, em quase todas as civilizações, ligados à Simbologia Sagrada. Como símbolo
cristão, está associado aos quatro braços da Cruz (p. 751-762). E, segundo Bráulio Tavares na
obra ABC de Ariano Suassuna (2007), o nome Quaderna recebeu a influência direta desse
símbolo:
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O nome Quaderna não entrou para a literatura brasileira pelas mãos de
Ariano Suassuna, mas pelas de João Cabral de Melo Neto que o usou como
título de seu livro de poemas publicado em Lisboa em 1960, enfeixando
poemas escritos no período 1956-1959, entre eles alguns dos mais famosos
seus, como: “Estudos para Uma Bailadora Andaluza”, “Paisagem Pelo
Telefone”, “A Palo Seco” e Poemas(s) da Cabra”. Segundo Marli de Oliveira
em sua Introdução á Obra Completa de Cabral, era intenção do poeta dedicar
quatro poemas ás “Bailadoras Andaluzas”, as dançarinas de flamenco,
comparando-as com os quatro elementos (fogo, água, terra, e ar), o que já
sugere uma estrutura dividida em quatro. (TAVARES, 2007, p. 143).
Assim, ao relacionar o número quatro à Quaderna, que são quatro elementos, quatro
temperamentos, podemos associá-lo também a quatro deuses Greco-romanos e suas
representações alegóricas no Teatro de Camillo.
KIRCHER, Athanasius. Teatro da Memória de Giulio Camillo. In: ALMEIDA, M. J. O
Teatro da Memória de Giulio Camillo. 2005, p. 129.
3. O BANQUETE HOMÉRICO DE OCEANO
O segundo grau do teatro é dedicado ao Banquete, tem em uma de suas portas Apolo,
que foi retirado do primeiro grau para ceder lugar ao Banquete. Para materializar essa
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alegoria, Homero imagina que Oceano (água da sabedoria que existiu antes da origem da
criação) oferece um Banquete aos deuses (as idéias no modelo divino). Por isso, coloca o
Banquete no primeiro e segundo graus do Teatro, de modo a torná-lo agentes em todas as
outras imagens (ALMEIDA, 2005, p. 247).
Oceano, as águas da sabedoria, corresponde á criação da vida, pois figura os seres
que se originaram da água. Oceano também é uma imagem simbólica em O romance d´A
Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta e em A Pedra do Reino. É na Lagoa do
Vieira, durante a caçada, que brota da água para os olhos de Quaderna uma Pedra com o
desenho do Escorpião, símbolo do Reino do Sete Estrelo do Escorpião, e a parte desaparecida
da Coroa do Reino, um chapéu de couro que se encaixava a ela como forro, prova corporal e
irrefutável da história de seu Reino Encantado.
Não é por acaso que a pedra é encontrada na lagoa, no “barro esbranquiçado de um
riacho seco”. Pedra e água são símbolos importantes em todas as culturas. O barro representa
nas Escrituras Sagradas à origem do homem. Segundo Chevalier & Gheerbrant, a pedra e o
homem apresentam um movimento duplo de subida e de descida. (CHEVALIER &
GHEERBRANT, 1999, p. 696). Assim, Quaderna, ao encontrá-la, se eleva da sua condição
plebéia e ascende á condição de “escolhido”. Forjado no barro da lagoa, elevado pelo poder
da pedra, e da coroa o Homem se torna Rei.
Quaderna une à Coroa do Reino – a coroa de seu bisavô Dom João Ferreira Quaderna, o
Execrável – o forro de couro por ele encontrado na Lagoa do Vieira, onde diziam que Dom
Sebastião aparecia, pedindo para seu Reino fosse desencantado. Fotograma: PIATTI, D. E. A
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Pedra do Reino. Direção: Luiz Fernando Carvalho. TV Globo. Brasil, 2007. Português. 2
DVDs (4h36min), son., color.
4. QUADERNA É SATURNO, O TEMPO DO TEATRO MEMÓRIA
A natureza de Saturno é melancólica. Suas emoções são a seriedade, a tristeza, a
introspecção e a solidão, que estão representadas no Teatro da Memória de Giulio Camillo,
no grau da Caverna, pelo pardal solitário. Possui forte ligação com objetos antigos e simboliza
o tempo, que no domínio do Teatro está representado na porta da Caverna pela cabeça de um
lobo, um leão e um cachorro, símbolos do presente, passado e futuro. Saturno representa
ainda infortúnio e pobreza, que se apresenta no grau da Caverna pelas imagens de Pandora.
Seus materiais são o couro e o chumbo. Representa também o poder e a autoridade, esses
representados no grau da Caverna por Cibele, que revela sua relação com a Terra – a Mãe,
Gaya – numa forte ligação com a tradição e com a disciplina; e o transporte, que é a mais
humilde ocupação de Saturno, está representado ainda no grau da Caverna pelo Asno
(YATES, 2007, p. 186).
A dualidade da personalidade de saturno pode ser percebida no recorte do poema
citado por Quaderna:
O Encontro de Antonio Silvino com o valente Nicácio:
“neste Planeta terrestre”,
O homem não se domina:
tem que viver sob o julgo
da Providência Divina.
Foi feito do Pó da terra,
no Pó da terra termina!
Assim, eu mostro a estrada.
do passado e do presente,
Estrada onde morrem Reis
molhados de sangue quente!
Hoje tornados em Pó,
Resta a memória, somente!”
(SUASSUNA, 2006, p. 101).
O grande orador Quaderna também está nesse tempo circular que não é medido pelo
tempo real, tal qual o concebemos no mundo concreto de nossas ações cotidianas. Suas
memórias estão no templo de Saturno, deus carnavalesco, no Teatro de Giullio Camillo, e
também no templo de Saturno, devorador de homens sob forma de imagens alegóricas.
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5. APOLO O CARRO DO SOL NO SERTÃO DO CARIRI
Apolo é o deus solar, possui setas poderosas que imitam os raios que alcançam
distancias longinquas capazes de vencer o inimigo, assim iluminado pelo fogo da poesia é
visionário, desvenda os enigmas ocultos, tem a clarevidência de sentir o que virá. Guia o
povo, os liberta do terrível monstro Pitón, evoca as Musas. Por ser o deus dos poetas a quem
Homero dedica hinos, sua presença no O romance d´A Pedra do Reino e o príncipe do sangue
do vai-e-volta e em A Pedra do Reino é plausível. Quaderna começa sua narrativa evocando
as musas, porém a musa que ele evoca é a musa do deserto do sertão:
Ave musa incandecente
do deserto do sertão
forje no Sol do meu Sangue
o trono do meu clarão:
cante as pedra encantadas
e a Catedral Soterrada
Castelo desse meu chão.
(SUASSUNA, 2006, p. 27)
Quaderna viagem pelo Sertão em seu carro e palco teatral. Fotogramas: PIATTI, D. E. A
Pedra do Reino. Op. Cit.
Ao aludir às Musas e aos poetas, que podem tocar de leve o Sol, por isso são profetas
e visionários, alegoricamente Quaderna se aproxima do Deus Sol, Apolo, que fala com as
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Musas no Oráculo de Delfos. Desse modo, Apolo e algumas de suas muitas possíveis
representações também são imagens agentes em Romance d' A Pedra do Reino e em A
Pedra do Reino.
6. QUADERNA É MERCÚRIO NO TEATRO DA MEMÓRIA
Mercúrio, o deus mensageiro, é o planeta regente de Gêmeos o signo zodiacal de
Quaderna e também de Ariano Suassuna. Mercúrio é a divindade que está representada no
teatro de Giulio Camillo por meio de suas sandálias, elas estão no sexto grau do teatro,
lembremos porém que, as imagens agentes que estão representadas em quaisquer dos sete
graus do teatro podem comunicar todas as outras. Aliás, é essa a função dessa divindade que
por isso mesmo é tambem denomimada “o mensageiro”.
Conforme Chevalier e Gheerbrant (1999), Mercúrio foi escolhido por Zeus para atuar
como mensageiro junto aos deuses do infernos, Hades e Perséfone. Essa característica de
Mercúrio como um deus que tem o dom de transitar por todas as esferas do cosmo, Céu, Terra
e Inferno pode ser exemplificada na fala de Quaderna, que faz ainda alusão á obra de Dante
Alighieri:
Daqui de cima, porém, o que vejo agora é a tripla face, de Paraíso,
Purgatório e Inferno, do Sertão. Para os lados do poente, longe, azulada pela
distância, a Serra do Pico, com a enorme e alta pedra que lhe dá nome. Perto,
no leito seco do Rio Taperoá, cuja areia é cheia de cristais despedaçados que
faíscam ao Sol, grandes Cajueiros, com seus frutos vermelhos e cor de ouro.
Para o outro lado, o do nascente, o da estrada de Campina Grande e EstacaZero, vejo pedaços esparsos e agrestes de tabuleiro, cobertos de Marmeleiros
secos e Xiquexiques. Finalmente, para os lados do norte, vejo pedras,
lajedos e serrotes, cercando a nossa Vila (SUASSUNA, 2006, p. 31).
As sandálias de Mercúrio simbolizam o deslocamento e a elevação. Essa divindade
pode abarcar ainda as outras três que citamos anteriormente; Saturno, Apolo e Oceano. A
simbologia de Mercúrio, no que tange a obra O Romance d'A Pedra do Reino e a microssérie
A Pedra do Reino é a que talvez mais se revele, pois também na estrutura da obra essa
divindade funciona como mensageiro: hora, mensageiro de outros feitos literários,
cinemátograficos, estéticos e filosóficos
que Suassuna, e Carvalho
pelo método da
bricolagem fundiram á sua obra; hora pelos vários gêneros que as perpassam, mensageiro de
estilos de romance, e de estilos de escrituras, mensageiro de imagens e Memórias.
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Os pedaços de imagens memoráveis escolhidos por Quaderna para compor a sua
Epopéia sertaneja, como é o caso do exemplo acima, vem de fontes populares e de fontes
clássicas, dos mitos. Conforme orienta o Ad Herenium, as imagens que Quaderna
personagem-narrador evoca são fantásticas, são imagens recolhidas no universo das Escrituras
Sagradas, das filosofias herméticas e dos pensadores neoplatônicos – para os quais a memória
é reminiscência –, das imagens da literatura, da pintura, cinema e do teatro. Imagens que são a
imitação da idéia perfeita, contemplada somente pela alma. Essas imagens agentes que
preenchem os loci das memórias de Quaderna em O romance d´A Pedra do Reino e em A
Pedra do Reino partem das reminiscências dos autores Ariano Suassuna e Luiz Fernando
Carvalho.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Milton J. de. Cinema: arte da memória. Campinas: Autores Associados, 1999.
__________. O Teatro da Memória de Giulio Camillo. Cotia: SP: Ateliê Editorial:
Campinas: Editora da Unicamp, 2005.
BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento. São Paulo:
Hucitec, 1987.
__________. Questões de Literatura e Estética. São Paulo: Editora da Unesp, 1994.
BULFINCH, Thomas. O livro de Ouro da Mitologia. Histórias de Deuses e Heróis.
[Tradução David Jardim Júnior]. 8ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.
CHEVALIER, Jean. & GHEERBRANT, Alan. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1999.
CERVANTES, Miguel. Dom Quixote. São Paulo: Editora Abril, 1978.
NICOLA, Ubaldo. Antologia Ilustrada de Filosofia: das origens á idade moderna. São Paulo:
Editora Globo, 2005.
SANT’ANNA, Afonso R. de. Paródia paráfrase e cia. São Paulo: Ática 1985.
SUASSUNA, Ariano. Iniciação á Estética. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.
TAVARES, Bráulio. ABC de Ariano Suassuna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007.
YATES, Frances Amélia. A arte da memória. [Trad. Flavia Bancher]. São Paulo: Editora da
Unicamp. 2007.
FILMOGRAFIA
A Pedra do Reino. Diretor: Luiz Fernando Carvalho. Roteiro: Luis Alberto de Abreu,
Bráulio Tavares, Luiz Fernando Carvalho, Ariano Suassuna. Música original: Marco Antônio
Guimarães. Música adicional: Antônio Madureira. Elenco: Irandhir Santos; Abdias Campos;
Alyyne Pereira; Américo Oliveira; Anthero Montenegro; Beatriz Lelis; Claudete Andrade;
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Everaldo Pontes; Flávio Rocha; Germano Haiut; Hilda Torres; Iziane Mascarenhas; João
Ferreira; Jones Melo; Júlio Rocha et alii. TV Globo. Brasil, 2007. Português. 2 DVDs
(4h36min), son., color.
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