ENTREVISTA
NOVAS LEIS DAS
ÁREAS METROPOLITANAS
COMUNIDADES URBANAS
E INTERMUNICIPAIS
SÃO PROJECTOS
CLARAMENTE INCOMPLETOS
...afirma
ANA TERESA VICENTE
Ana Teresa Vicente, Vice Presidente da Área Metropolitana de Lisboa (AML) e
Presidente da Câmara de Palmela, considera a lei que renova o quadro das áreas metropolitanas e a nova lei que institui as comunidades urbanas, projectos claramente coxos. Entende que as funções, competências e o grau de problemas que se devem discutir
ao nível das áreas metropolitanas, são demasiado importantes. Que têm de ser tratados por quem tenha competência para o efeito, ou seja, uma autarquia eleita de nível
metropolitano. Nesta entrevista, também fala da importância da implementação de serviços de transportes públicos e de boas acessibilidades no seio da AML, no sentido da
melhoria do conforto e da qualidade de vida das populações e do ambiente.
Por fim, saliência da autarca para a nova lei que enquadra os loteamentos clandestinos,
uma boa nova para Ana Teresa Vicente, uma vez que dá agora um papel mais activo aos
municípios em relação a um problema muito real no nosso País, marcante a nível local.
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ENTREVISTA
Metrópoles O quadro de atribuições das áreas metropolitanas, das comunidades urbanas e das comunidades intermunicipais, em vigor desde 13 de
Agosto último, vai permitir aos Municípios promoverem novas formas de organização entre si, de
acordo com alguns requisitos territoriais e demográficos. Neste contexto, qual a sua opinião sobre
os caminhos possíveis do associativismo autárquico que vai moldar o futuro da organização política e administrativa do País?
Ana Teresa Vicente Trata-se de um tema complexo
e “quente” para todos nós, especialmente para quem
trabalha nas áreas metropolitanas.
A minha opinião é que, politicamente, foi muito importante a ideia da criação das áreas metropolitanas.
Datadas de 1991, as de Lisboa e Porto constituem
um projecto que apoio e considero necessário. Mas
penso termos esquecido todos, muito rapidamente,
que só tinha sido concretizado parcialmente.
Sinto que tirámos poucas lições e ilações do que foi
“Criámos as áreas metropolitanas,
mas nunca lhes demos competências
específicas e nunca foram exercidas as
vocações para as quais foram criadas.”
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a história deste projecto. E o resultado é o que aconteceu com a aprovação da lei que renova o quadro
das áreas metropolitanas e da nova lei que institui as
comunidades urbanas.
Estamos a falar de um projecto claramente coxo.
Para isso, basta ver as dificuldades com que nos debatemos na Junta Metropolitana de Lisboa (JML).
Sempre afirmámos que há problemas que, pela sua
dimensão, não podem ser tratados ao nível de municipal, mas tem de ser tratados e encarados a uma
escala supramunicipal. Sempre defendemos que deveriam de ser encarados ao nível metropolitano.
O que é que falhou? Tudo a partir daí. Isto é, criámos as áreas metropolitanas e nunca pensámos nos
meios para elas funcionarem. Criámos as áreas metropolitanas, mas nunca lhes demos competências
específicas e nunca foram exercidas as vocações para as quais foram criadas. Depois, não contentes com
isto, alterámos o seu quadro, passando a dotá-las de
uma infinidade de competências, continuando a não
observar, rigorosamente, a transferência das dotações financeiras.
Estes anos de existência das áreas metropolitanas
não serviram de nada em relação à reflexão, que
considero importante, para produzir nova legislação.
Seja para regular as existentes, seja para criar novas. Uma posição que defendi era a de não misturar
as competências das áreas metropolitanas com a
questão da criação de novas comunidades urbanas.
São duas coisas diferentes! Por isso, o balanço que
faço deste processo é que a nova lei, no tocante às
áreas metropolitanas, é um logro, resulta de um processo que eu contesto vivamente.
Nós pronunciámo-nos sobre um documento radicalmente diferente da lei aprovada. Se tivessem sido
contempladas muitas das nossas preocupações... Mas
nem isso aconteceu. Continua a não tocar em algo
que considero essencial para o seu funcionamento.
Não podemos estar, em primeiro lugar, perante simples associações. Considero que as funções, as competências e o nível de problemas que se devem
discutir ao nível das áreas metropolitanas são de uma
importância tal, que tem de ser tratados por quem
tenha competência para o efeito. E só o pode ter
uma autarquia.
A primeira crítica que faço em relação ao conteúdo
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da nova lei é não criar uma autarquia de nível metropolitano. Penso que há, politicamente neste caso,
por parte do governo, um medo terrível. Assume as
vantagens e a necessidade da regionalização - porque há um discurso político, por parte do governo,
manifestando a necessidade de regionalizar - mas rejeita completamente um nível fundamental de uma
regionalização efectiva: o nível regional. Acho que esta lei procurou matar qualquer projecto de regionalização, não deixando de afirmar e defender uma
evidência que salta aos olhos de todos: que, de facto,
a descentralização é indispensável.
Mas esquecemo-nos todos que ela só é eficaz se perante um processo de regionalização. É fundamental
que tudo o que sejam órgãos desta autarquia metropolitana sejam eleitos directamente.
Não faz sentido que todo o esforço da presidente
da JML na batalha por aquilo que deve ser uma junta metropolitana, não chegue e leve a lado nenhum,
por ela continuar a ser Presidente da Câmara
Municipal de Vila Franca de Xira ou de outra qualquer. É inglório.
Não se pode exigir, aos presidentes de câmara, que
sejam simultaneamente – com a mesma capacidade,
a mesma eficácia, os mesmos resultados – presidentes de uma qualquer junta metropolitana. Acho que
é fundamental a eleição. Esta lei não altera nada neste aspecto. E pergunto mesmo como vamos desempenhar competências para as áreas metropolitanas
como as que a lei prevê? Vamos criar na AML um quadro técnico imenso, capaz de levar por diante as responsabilidades que nos são dadas? De facto, só assim
faz sentido discutir a nível metropolitano determinados problemas: com meios para intervir. Como é que
vamos discutir planos de ordenamento de nível metropolitano com a actual estrutura?
Acho que tudo isto é irreal e vai levar à conclusão –
que nos estão a empurrar para elas – que queremos
competências e depois não admitimos exercê-las. Não
é, de todo, verdade. É indispensável desempenhá-las,
mas é algo indissociável dos meios respectivos.
Todo o processo é lamentável. Não é tido em conta
o tempo necessário para a adaptação das estruturas.
E a descentralização não é feita da administração central para este nível metropolitano, mas ao contrário –
retirando do nível autárquico para o metropolitano.
“A nova lei procurou matar qualquer
projecto de regionalização,
não deixando de afirmar e defender
uma evidência que salta aos olhos
de todos, que a descentralização é,
de facto, indispensável.”
Não vejo nada de mal que sejam retiradas certas
competências aos municípios para serem exercidas,
de uma forma mais eficaz e vantajosa para o cidadão, ao nível metropolitano. Agora, mais uma vez,
não é com as associações de carácter metropolitano que vamos resolver os problemas dos munícipes.
Metrópoles Na sua esfera de competências como
Vice Presidente da Junta Metropolitana de Lisboa,
há uma vertente acentuada nas áreas de transportes e acessibilidades. No município que lidera, estas questões são entendidas como centrais para o
desenvolvimento local. Quer comentar?
Ana Teresa Vicente Penso serem matérias importantes para o município pelo qual sou responsável, e
centrais para toda a Área Metropolitana de Lisboa.
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“A terceira travessia do Tejo
continua a ser fundamental
para dar alguma equidade
na relação entre os vários
municípios que a compõem.”
Isto é, numa região do nosso País onde, de facto,
se concentra uma percentagem de 26% da população nacional, num território com relações muito imbricadas e muito próprias entre si, as questões dos
transportes e das acessibilidades são, forçosamente,
centrais.
Em relação ao concelho de Palmela, penso que
este tem todas as vantagens da proximidade do
centro da área metropolitana, ou seja, da nossa
capital, que é Lisboa. Tem também uma parte das
desvantagens. É, neste momento, um território atravessado por duas auto-estradas, e sofre todas as
consequências inerentes: uma sobrecarga enorme
de trânsito em cima de estradas muitíssimo antigas
e de vias municipais que não estão preparadas para
isso.
Por outro lado, Palmela é um município do centro
da própria Área Metropolitana de Lisboa. A sua relação para sul, norte e este - porque temos aqui um
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eixo muito importante em direcção a Espanha transforma de facto Palmela num território central,
em termos de acessibilidades, da AML.
Já no que respeita aos transportes, penso que vivemos situações muito conflituosas na AML. Não posso
deixar de referir que, à porta da capital, nestes territórios com fluxos e relações tão importantes entre si, ainda temos municípios onde os transportes
públicos são praticamente inexistentes. E incluo aqui
o concelho de Palmela, onde os há entre Palmela e
Lisboa, Palmela e Setúbal e Pinhal Novo e Lisboa.
Mas o nosso concelho não engloba apenas estes dois
núcleos urbanos... Tem 460 km2! A AML tem, neste sector, ainda muito para resolver, muitas deficiências e necessidades da população por colmatar.
Penso que é central a instituição da Autoridade
Metropolitana de Transportes. E tenho defendido
que esta, para além de regular e melhorar os transportes no conjunto da AML, nomeadamente nos
concelhos mais populosos, deverá servir também para satisfazer as necessidades das populações rurais.
Falo de Palmela, e menciono também as áreas não
urbanas dos concelhos do Montijo e de Alcochete.
E, provavelmente, passar-se-á o mesmo com os concelhos da margem norte do Tejo nas suas zonas menos urbanas. Peso que acessibilidades e transportes
continuam a ser questões centrais da Área Metropolitana
de Lisboa e da população em geral.
Metrópoles A terceira travessia do Tejo há muito
que faz parte do discurso político, pelo menos desde
a escolha da localização da Ponte Vasco da Gama.
A nova versão em estudo reproduz o sempre adiado percurso Chelas – Barreiro ou vem introduzir
uma outra solução que satisfaça as pretensões dos
municípios numa lógica metropolitana?
Ana Teresa Vicente De facto, a ideia do corredor
Chelas - Barreiro é importante. Há uma carência e
a sua construção continua a justificar-se. Se nós temos a Ponte Vasco da Gama, concerteza um contributo muito importante na ligação entre as duas
margens do Tejo, não conseguimos deixar de ter filas intermináveis na Ponte 25 de Abril. E, a não ser
em casos de rotura, não encontramos trânsito condicionado na Vasco da Gama. Há, sem dúvida, toda
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uma população concentrada nos municípios de
Almada, Barreiro e Seixal que não viu resolvido o
seu problema com a Ponte Vasco da Gama. Por isso, espero que este projecto avance. Penso mesmo
que é consensual na AML que esta terceira travessia continua a ser fundamental para dar algum conforto e alguma equidade na relação entre os vários
municípios que a compõem.
Metrópoles Mas essa travessia será ferroviária
ou rodoviária?
Ana Teresa Vicente – A ideia é que seja rodoviária.
Penso que a travessia do comboio é, ela própria, extraordinariamente importante. Neste momento, temos forte expectativa quanto às ligações que se
criam com o comboio. Na mesma lógica, de procurar projectos que tenham sempre como fio condutor a qualidade de vida das pessoas.
Quando falamos em novas travessias e mais mobilidade, temos de ter sempre em conta que estamos
a defender circuitos e soluções que potenciem o conforto de todos e, simultaneamente, soluções para os
cidadãos, de uma forma mais económica, ambientalmente mais saudável, poderem, de facto, viajar com
conforto. Aqui, os transportes públicos adquirem
uma dimensão que o carro nunca terá. Por isso, é
importante um eixo rodoviário que será a ponte de
ligação Chelas - Barreiro. Mas é algo que não substitui os investimentos em transportes colectivos. É aí
que se insere a travessia de comboio e o Metro Sul
do Tejo (MST). São estas as principais vias para introduzir um verdadeiro conceito metropolitano na
nossa Área Metropolitana e para a qualidade de vida das pessoas.
população, temos de ter em conta que a dos concelhos à volta vai ter a possibilidade de deixar o carro
num parque e chegar ao centro da cidade através do
metropolitano. É um projecto que todos acarinhamos
e defendemos com muita com muita pertinência.
Penso que estão agora ultrapassadas as grandes
dificuldades que envolveram o projecto. Pelo que sei,
directamente dos meus colegas de Almada e Seixal,
que têm estado na linha da frente na defesa desta
solução, esperamos contar mesmo com o funcionamento do MTS na data anunciada. Havia questões
por resolver, como as relações entre as estações
e as acessibilidades. Não há muito tempo, o presidente da Câmara do Seixal afirmou que, se não
ficarem resolvidas as ligações consideradas fundamentais às acessibilidades existentes, então o
projecto será incompleto e funcionará apenas parcialmente.
“O Metropolitano Sul do Tejo
é um projecto que defendemos
com muita pertinência”
Metrópoles O Metropolitano Sul do Tejo é uma das
suas preocupações enquanto Vice Presidente da
AML. Trata-se de um projecto oneroso e complexo
que está finalmente a ser lançado no terreno. Qual
a importância da sua construção, em matéria de
mobilidade urbana e coesão territorial?
Ana Teresa Vicente Almada e Seixal têm lutado, em
particular, pela concretização do projecto do MST.
Apesar de estes concelhos terem o grosso da
Não basta pensar que as pessoas chegarão à boca
de metro. É necessário que deixem o seu carro num
sítio adequado e que circulem e tenham ligações
confortáveis.
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Metrópoles Acha que, no futuro, haverá lugar para mais projectos deste tipo, à semelhança do que
ocorre, por exemplo, em cidades como Amsterdão,
na Holanda, ou Antuérpia, na Bélgica?
Ana Teresa Vicente Claro. Em relação a tudo o
que seja um incentivo que nos ajude a libertar desta nossa atitude, já um pouco cultural, em relação
ao automóvel.
Nós encontramos famílias, mesmo com algumas dificuldades, que têm como investimento prioritário
da sua vida tudo o que tem a ver com mobilidade.
Deixámos que o carro seja hoje um objecto de afirmação social, económica, cultural – algo que nunca
deveria de ter ocorrido, uma vez que a afirmação
deveria acontecer por outros motivos, como a realização profissional, cultural, o bem estar das famílias.
“No nosso País, pela sua
reduzida dimensão, não faria
sentido termos uma grande zona
logística, concentrando aí
os investimentos, mas sim este
conceito de vários polos logísticos.”
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Metrópoles Há, na AML, alguns centros logísticos
especializados em concelhos como Lisboa e Setúbal,
Loures e Azambuja. Como vê o seu desenvolvimento na perspectiva do ordenamento do território, em função da crescente internacionalização e
como concorrentes directos de outros centros da
Península Ibérica.
Ana Teresa Vicente Quando se fala em Setúbal, um
dos pólos de logística situa-se nos concelhos de
Montijo /Palmela. Depois, é um centro importante
do ponto de vista da logística, no sentido lato, por
causa da sua relação com o porto.
Em primeiro lugar, penso que a logística tem um papel
muito importante no desenvolvimento do nosso País.
Temos de pensar que a nossa competitividade não se
faz só pela via das indústrias que nos procuram. Há hoje grandes zonas da Europa, de Espanha, que se desenvolvem à custa da logística. Barcelona, por exemplo,
para além de uma belíssima cidade, é fundamentalmente um centro muito importante do ponto de vista da logística.
Penso que, no nosso País, pela sua reduzida dimensão, não faria sentido termos uma grande zona de
logística, concentrando aí investimentos, mas sim,
este conceito de vários pólos logísticos.
Na AML há uma lógica de centro logístico a norte e
outra a sul. Têm vocações diferentes, relacionadas
com as especificidades de cada uma das regiões. Aqui,
por exemplo, na Península de Setúbal, considero de
facto fundamental um eixo em torno da zona industrial já existente da Auto Europa, no concelho de
Palmela. Temos aqui uma área e um conjunto de empresas onde o investimento na logística pode ser muito benéfico, não só para os que cá estão, mas
também para os que podem vir.
O outro eixo é, de facto, o que diz respeito à relação com o mar. Acho que tudo o que pode beneficiar do Porto de Sines ou, no nosso caso, do de
Setúbal, deve de ser potenciado. Sei que há um esforço enorme para afirmar o Porto de Setúbal como um espaço de mais-valia em termos de logística.
E eu considero que essa deve de ser uma das nossas estratégias para o futuro.
Tenho alguma preocupação relativamente a esta área.
Vi um trabalho muito importante feito pela Direcção
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Geral de Transportes Terrestres, que não tenho visto evoluir. Já manifestei preocupação, porque estes
territórios estão em dinâmica constante. E se queremos incentivar determinadas áreas a desenvolver,
temos de concretizar, de facto, os conceitos que defendemos. Se não, qualquer dia olhamos em volta
e o território estará retalhado, porque os terrenos
foram vendidos e aparecerem mais algumas empresas para ocupar o espaço. Elas são bem vindas, mas
acho que não devemos corromper áreas com este
destino e vocação.
Metrópoles Os concelhos da AML têm acolhido no
seu território muitos imigrantes oriundos da
Europa de Leste há procura de uma vida melhor.
Apesar das relações harmoniosas que têm estabelecido com as sociedades de acolhimento, a sua integração plena pode ser posta em causa por
choques culturais e clivagens sociais. Como analisa esta problemática?
Ana Teresa Vicente Provavelmente como uma das
questões às quais teremos de dar resposta no quadro da AML. De facto, aqui também se concentra
um grande parte dessas populações provenientes de
outros países. Em primeiro lugar, vieram as pessoas
oriundas das ex-colónias. Neste momento, há uma
presença muito forte de brasileiros e de população
dos países de leste.
Como é que vejo este fenómeno? Eu defendo que
os por tugueses, sendo um povo solidário e, sobretudo, tendo na sua história também uma procura de vida melhor, sabe acolher estas culturas
diferentes.
Nós, por exemplo, em relação a estes imigrantes
de leste e também do Brasil, temos populações
com culturas bastante diferentes das nossas. Mas
as primeiras chegam a Portugal com níveis de educação bastante elevados. É vulgar encontrarmos
nelas pessoas licenciadas que, por falta de emprego, trabalham aqui nos mais variados sectores. É
uma razão para eventuais situações problemáticas.
Pessoas desintegradas, com grande dificuldade para vencer a barreira da língua, não apoiadas socialmente, activos em trabalhos muitíssimo duros em
relação aos seus hábitos e as suas qualificações, po-
derão tender a gerar complicações. Para as resolver - e eu não defendo nada que devemos de fechar por tas – há que saber integrar, tal como o
fizemos há muitos anos. Cabe aos municípios, em
ar ticulação com os organismos da administração
central com responsabilidades nestas áreas, desenvolver todos os esforços de apoio a estas populações. Há várias autarquias a fazê-lo, criando
gabinetes especiais de atendimento, algo que não
se esgota nas soluções e competências de cada município, mas sim em tudo o que é importante para
a vida destes cidadãos - para que não tenham de
se deslocar de ministério em ministério, de direcção em direcção, para resolver os seus problemas.
Depois, há coisas fundamentais que os municípios
estão a fazer, como ajudar e encaminhar para projectos de aprendizagem da língua.
“Em Palmela estamos
a conduzir as pessoas
dos países de leste, população
estrangeira dominante no concelho,
para relações próprias com algumas
colectividades locais.”
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Em Palmela estamos, por exemplo, a conduzir as
pessoas dos países de leste, população estrangeira dominante no concelho, para relações próprias
com algumas colectividades locais. Por via delas,
cria-se uma teia de relações sociais que geram
também novas formas de apoio. Trata-se de uma
forma de integração muito saudável. Depois, começam a ser essas pessoas a participar na vida da
colectividade e a entrelaçar a sua cultura na nossa. São projectos que têm em vista, sobretudo, integrá-las e facilitar-lhes a vida, gerando noções de
solidariedade através do conhecimento mais profundo, que leve a evitar aquela que é a nossa grande preocupação: a rejeição. Porque esta leva à
violência e à desagregação e a outros problemas.
“Não defendo o conceito de polícia
municipal e não a quero
no meu território.”
Metrópoles As autarquias não têm responsabilidades directas na segurança de pessoas e bens. Mas
a sua proximidade das populações reserva-lhe um
papel de interlocutor privilegiado dessa realidade.
Qual é o papel reservado ao Poder Local nessa matéria tão complexa e sensível?
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Ana Teresa Vicente Tenho rejeitado, por princípio,
a ideia de transmitir aos municípios competências
concretas e efectivas no domínio da segurança, nomeadamente através da constituição das polícias municipais. No entanto, percebo os municípios que, pelo
contrário, têm defendido a ideia de as constituir.
Eu contesto a ideia, porque penso que essa função
não cabe às autarquias. Não temos essa vocação.
Resolver os problemas dos cidadãos em tantos sentidos como os municípios têm de fazer, não é compatível, na minha opinião, com o exercer, ao mesmo
tempo, uma função, que é coerciva, e que deve caber às forças da ordem.
Não defendo o conceito de polícia municipal e não
a quero no meu território. No entanto, as autarquias
também têm um papel ao nível da segurança e que
deve de ser exercido todos os dias. Em primeiro lugar, quando nós planeamos as nossas cidades e territórios urbanos. É aí que começa a segurança. Depois,
é praticada uma acção de segurança quando trabalhamos nas nossas escolas, com os nossos meninos, e
desenvolvemos uma cultura de inclusão social, ao contrário da exclusão social, que vai fomentar a violência e os desvios. E é exercida todos os dias no
pequeno ordenamento urbano, no desenvolvimento
dos espaços verdes, na forma como arrumamos os
espaços públicos, contribuíndo para termos um território mais ou menos seguro. Finalmente, penso que,
ao nível das nossas políticas e práticas culturais,
contribuímos decisivamente para territórios mais
seguros.
Eu acho que estas é que devem ser as acções dos
municípios, Não devemos equacionar a nossa função em termos do tal papel coercivo e penalizador.
Também faz falta, mas não deve ser nosso.
Metrópoles Recentemente insurgiu-se contra o
enquadramento legal dos loteamentos clandestinos, apelando aos poderes públicos para que
sejam atribuídas mais competências às autarquias
nesta matéria, visando uma maior eficácia na defesa do território. Existe algum resultado prático dessa tomada de posição?
Ana Teresa Vicente Recebi há pouco a boa notícia
que a nova lei contempla exactamente as duas
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questões que considerávamos centrais. Uma, através da qual os municípios podem interpor acções
directamente em tribunal sem terem de esperar pelo Ministério Público. Porquê? Porque os loteamentos clandestinos surgem a uma velocidade
alucinante e nós também não podemos deixar que
se reinstalem.
Todos compreendemos que a justiça tem de se confrontar e debater com muitas coisas. Por isso, não lhe
é possível responder com a celeridade que estes processos precisam. É esse o motivo da primeira reivindicação que fizemos, para permitir aos municípios
interpor directamente acções contra essas situações
sem estar à espera da intervenção do Ministério
Público. É a primeira “vitória” na nossa luta contra
os loteamentos clandestinos.
A segunda nota positiva da nova lei é a reposição de
uma alínea da lei anterior, que implica que as Câmaras
Municipais passem um documento reconhecendo os
terrenos antes da sua escritura. Anteriormente, só tínhamos conhecimento que as intenções existiam
quando as Finanças nos davam conta. Por isso, entendemos ser fundamental que, quem queira constituir um loteamento em zonas, normalmente de
reserva ecológica ou agrícola, deve ir à Câmara
Municipal pedir uma certidão onde deve ser afirmado que o terreno é passível de qualquer tipo de divisão. Só com ela é que os notários podem fazer a
escritura. Trata-se de uma lei positiva.
dade de vida que as pessoas merecem. Porque sobra
depois para nós a construção das escolas e dos equipamentos todos. E repare que são populações que
nunca estão satisfeitas, como é evidente. A legalização
é apenas o seu primeiro objectivo. O seguinte é aquilo
a que todo o cidadão tem direito: infra-estruturas
básicas, saúde, educação, espaços verdes, culturais, etc.
Se queremos, de facto, uma Área Metropolitana mais
ordenada, temos de ser incansáveis no combate aos
loteamentos clandestinos. ■
“Se queremos, de facto,
uma Área Metropolitana mais ordenada,
temos de ser incansáveis no combate
aos loteamentos clandestinos.”
Metrópoles É um avanço para o ordenamento do
território?
Ana Teresa VicenteExactamente. Aquilo que está
a acontecer no concelho de Palmela, se continuasse
a evoluir, em poucos anos tínhamos o território esquartejado numa dimensão que significaria outro
concelho. Estaríamos a falar de mais não sei quantas
dezenas de milhar de habitantes. Não podemos deixar que isso aconteça.
Pagamos caro, todos muito caro. Em primeiro lugar, os
cidadãos que vivem nos sítios que foram tomados ilegalmente. E, depois, obrigam a investimentos extraordinários, em regra da Administração Local. Levam a
que as prioridades tenham, muitas vezes, de ser invertidas. O resultado é nunca se atingir o nível e a quali-
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Entrevista: Ana Teresa Vicente, Vice-Presidente da AML