UNIVERSIDADE ESTÁCIO E SÁ ANA TERESA DERRAIK BARBOSA NÃO HÁ VAGAS: CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DA PEREGRINAÇÃO ANTEPARTO NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO Rio de Janeiro 2010 ANA TERESA DERRAIK BARBOSA NÃO HÁ VAGAS: CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DA PEREGRINAÇÃO ANTEPARTO NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO Dissertação apresentada à Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Saúde da Família. Orientador: Prof. Dr. Luiz Guilherme Pessoa da Silva Rio de Janeiro 2010 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) B238 Barbosa, Ana Teresa Derraik Não há vagas: contribuição ao estudo da peregrinação anteparto no município do Rio de Janeiro. / Ana Teresa Derraik Barbosa. - Rio de Janeiro, 2010. 99 f. Dissertação (Mestrado em Saúde da Família) – Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 2010. Bibliografia: p. 87 - 93 1. Assistência ao parto – Rio de Janeiro. 2. Acesso. 3 Peregrinação. 4. Anteparto. I. Título. À Maria e à Júlia. AGRADECIMENTOS Ao Sérgio. Ao meu pai Anthero pelo apoio incondicional sempre. À minha filha Júlia, companheirinha curiosa e querida. Ao Paulo, tio e amigo a quem devo a revisão do texto e profícuas conversas. Ao meu orientador Prof. Luiz Guilherme Pessoa da Silva, pela dedicação, paciência e apoio durante a execução do presente trabalho. Aos alunos da turma 2003.2 da faculdade de Medicina da Universidade Estácio de Sá pela fundamental ajuda na aplicação dos questionários. À Ana Carla e à Vanessa pelo empenho na seleção das pacientes e aplicação dos questionários. Aos colegas da turma de 2008 e ao Corpo Docente do Mestrado em Saúde da Família da Universidade Estácio de Sá pelos comentários e debates pertinentes a cada vez que uma etapa da construção do presente trabalho era apresentada. “Fosse eu Rei do mundo, baixava uma Lei: Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho, e ele, velho embora, será pequenino feito um grão de milho.” (Carlos Drummond de Andrade) RESUMO Objetivo: Traçar o perfil epidemiológico e social das gestantes e compreender os principais aspectos envolvidos no processo de peregrinação anteparto no Município do Rio de Janeiro. Material e Métodos: Através de estudo observacional, de natureza transversal, foram analisados dados de 502 entrevistas estruturadas de puérperas internadas nas enfermarias de Alojamento Conjunto da Associação Pro Matre, no período de fevereiro a outubro de 2009. Definiu-se peregrinação como o ato de buscar assistência ao parto em mais de uma maternidade. Resultados: A idade variou de 14 a 45 anos, média de 24,1±11,5 anos, sendo 21,7% adolescentes. A amostra se constituiu de puérperas com predominância de cor não branca (61%), que referiram ter companheiro (87,1%) e possuírem escolaridade entre o ensino fundamental e médio (96%). Do ponto de vista obstétrico, a maioria declarou que estava parindo pela primeira vez (56,4%), que recebeu assistência pré-natal na quase totalidade dos casos (97,8%), com numero de consultas igual ou superior a seis (91,6%). A grande maioria das mulheres é originaria do próprio município do Rio de Janeiro (86,1%), seguido dos municípios vizinhos da baixada fluminense. O tempo transcorrido entre o inicio da busca pela vaga e a efetiva internação na maternidade variou de 45 minutos a 23,1 horas, média de 5,3 ± 4,1. Os números da peregrinação revelaram que 89% das mulheres tentaram atendimento obstétrico, sem sucesso, em pelo menos uma maternidade, tendo o restante percorrido duas, três, quatro e cinco maternidades. A grande parte da recusa à internação se deu por conta da falta de vagas obstétricas, seguida de inadequação ao risco, falta de indicação para internação e problemas estruturais das unidades. Nos deslocamentos, as gestantes utilizaram a condução de terceiros (49%), ônibus (21%), táxi (13%), carro próprio (12%), trajeto a pé (4%) e ambulância (1%). Poucas mulheres pensaram em voltar para casa (24,1%), insistindo na busca por um leito obstétrico sem levar em conta que necessitam ingerir algum líquido ou alimento leve (82,3%). Chama atenção a pouca informação prestada às gestantes no decorrer do pré-natal acerca das possíveis dificuldades na busca por leito obstétrico (30,7%). O atendimento respeitoso dispensado pelos profissionais de saúde (86,1%) à gestante não impediu que houvesse percepção de risco para ela ou para o feto (53%). A grande maioria das entrevistadas alegou que não esperava passar por isso (84,7%), e pouco mais da metade declarou que o ocorrido pode influenciar na decisão de engravidar novamente (53,6%). No que diz respeito aos resultados obstétricos e perinatais, os dados revelaram que quase todas as peregrinas deram entrada na Pro Matre em boas condições de higidez, tanto materna como fetal. A taxa de cesariana foi calculada em 21,1%, levando em consideração indicações anteparto e intraparto, sendo relevante às indicações da primeira (cesariana previa, hipertensão materna, hemorragia de terceiro trimestre, amniorrexe prematura e apresentação pélvica), condições que poderia acarretar algum risco ao binômio caso o parto não ocorresse em ambiente hospitalar. Conclusões: O trabalho permite concluir que a peregrinação anteparto é um fato corriqueiro e está associada a vários fatores, como: dificuldade de compreensão do início do trabalho de parto, falta de vagas e problemas na estrutura física das maternidades. Por outro lado é flagrante a dificuldade de locomoção das gestantes em busca de assistência ao parto, seja pelo acesso aos transportes ou pela grande distância percorrida. Lamentavelmente, a maioria das peregrinas é oriunda do próprio município do Rio de Janeiro, o que demonstra em parte a fragilidade da rede de assistência obstétrica do município. Palavras-chave: Assistência ao parto; Acesso; Peregrinação Anteparto. ABSTRACT Objective: To outline the epidemiological profile of pregnant women and to understand the main aspects involved in the antepartum peregrination process in the city of Rio de Janeiro. Material and Methods: Through an observational study of transversal nature the data of 502 structured interviews of women in labor interned in the infirmaries of Communal Housing of the Pro Matre Association from February to October 2009 were analyzed. Peregrination was defined as the act of searching for parturition assistance in more than one maternity hospital. Results: Age varied from 14 to 45 years old, an average of 24.1 ± 11.5 years old, 21.7% adolescents. The sample consisted of mainly non-white women (61%) who stated having a partner (87.1%) and holding an educational background between first grade and high school (96%). From an obstetrical point of view, most of them declared it was their first childbed (56.4%), almost all of them had received pre-natal assistance (97.8%) with a number of medical consultations equal or higher than six (91.6%). The great majority of the women are originary from the city of Rio de Janeiro itself (86.1%), followed by the neighboring municipalities of the Baixada Fluminense region. The length of time between the beginning for the vacancy and the effective internment in the maternity hospital varied from 45 minutes to 23.1 hours, an average of 5.3 ± 4.1. Peregrination numbers revealed that 89% of the women unsuccessfully requested obstetrical treatment in at least one maternity hospital, while the rest visited two, three, four and five maternity hospitals. Most internment denials happened due to the lack of obstetrical vacancies, followed by risk inadequacy, lack of internment appointment and structural problems of the units. For traveling the pregnant women employed the vehicle of third parties (49%), buses (21%), taxi (13%), their own automobile (12%), walking (4%) and ambulance (1%). Few women thought of returning home (24.1%), insisting on the search for an obstetrical bed not considering they needed to ingest some liquid or light food (82.3%). Outstanding is the little amount of information given to pregnant women during pre-natal assistance about the possible difficulties they would find when looking for an obstetrical bed (30.7%). The respectful treatment given by health professionals (86.1%) didn’t prevent the perception of risk for the woman or the fetus (53%). The great majority of the interviewed women stated they didn’t expect to endure such situation (84.7%) and a little over half of them declared that this could influence their decision of becoming pregnant again (53.6%). Concerning obstetrical and pre-natal results, data indicate that almost all peregrines entered Pro Matre in good physical condition of both mother and child. Caesarean rate was calculated in 21.1%, taking into consideration both antepartum and intrapartum indications, being relevant to the indications of the former (previous caesarean surgery, maternal hypertension, third-semester hemorrhage, premature amniorrexis and pelvic presentation), conditions that could bring about some risk to the pair. Conclusions: The thesis allows us to conclude that antepartum peregrination is a common occurrence and it’s associated to several factors, such as: difficulty of understanding the beginning of labor, lack of vacancies and problems in the physical structure of the maternity hospitals. On the other hand, it’s remarkable the difficulty of locomotion of the pregnant women in search of labor assistance, whether related to transportation access or the large distances to cover. Lamentably, most peregrines are from the city of Rio de Janeiro, which partially demonstrates the frailty of the city’s system of obstetrical assistance. Keywords: Labor Assistance, Access, Antepartum Peregrination. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AISM – Atenção Integral à Saúde da Mulher AP – Área Programática CREMERJ – Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro CTG – Cardiotocografia DNV – Declaração de Nascido Vivo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística MEB – Medicina Baseada em Evidências MS- Ministério da Saúde NOAS – Norma Operacional de Assistência à Saúde NOB – Norma Operacional Básica do SUS OMS – Organização Mundial da Saúde ONU – Organização das nações Unidas OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde PAISM – Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher PHPN – Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento PSF – Programa de Saúde da Família RA - Região Administrativa REHUNA – Rede pela Humanização do Parto e do Nascimento RJ – Rio de Janeiro SFA – Sofrimento Fetal Agudo SIM – Sistema de Informação sobre Mortalidade SINASC – Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos SUS - Sistema Único de Saúde UBS – Unidade Básica de Saúde UNICEF – Fundo da Nações Unidas para a Infância USG- Ultra-Sonografia WHO – World Health Organization LISTA DE ILUSTRAÇÕES LISTA DE FIGURAS FIGURA 1: Mapa do município do Rio de Janeiro com os respectivos bairros da cidade 55 ................................................................................................. FIGURA 2: Distribuição dos resultados da peregrinação segundo o número maternidades procuradas até a efetiva 56 internação.............................................. FIGURA 3: Distribuição dos resultados, segundo as alternativas de transporte utilizadas durante o movimento de 58 peregrinação................................ LISTA DE QUADROS E TABELAS QUADRO 1: Mortalidade infantil segundo o tipo e complexidade do prestador, local de residência materna e peregrinação para o parto ......................................... TABELA 1: Distribuição da casuística segundo características sóciodemográficas............. TABELA 2: Distribuição da casuística segundo as condições obstétricas............................. TABELA 3:Distribuição dos resultados segundo a origem da clientela.............................. TABELA 4:Distribuição dos resultados segundo dados da peregrinação.............................. TABELA 5:Distribuição dos resultados segundo aspetos de natureza médico-social.......................................................................................... 39 51 52 53 57 59 TABELA 6:Distribuição dos resultados segundo percepções pela busca da vaga............ 61 TABELA 7:Distribuição dos resultados segundo os desfechos obstétricos e perinatal...................................................................... 62 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 14 2 OBJETIVOS. 23 3 JUSTIFICATIVA 24 4 REFERENCIAL TEÓRICO 30 5 METODOLOGIA 46 6 RESULTADOS 51 7 DISCUSSÃO 63 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS 84 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 87 10 APÊNDICE I: QUESTIONÁRIO 94 11 APÊNDICE II: TERMO ESCLARECIDO DE CONSENTIMENTO LIVRE E 99 1 - INTRODUÇÃO Peregrinar, segundo o dicionário Aurélio, é um verbo intransitivo quando significa “viajar ou andar por terras distantes, correr por diferentes partes; ir em romaria por lugares santos ou de devoção.” É um verbo transitivo indireto quando significa ”andar em peregrinação por. percorrer, viajando”. Independente da análise sintática, a semântica mantém-se. A palavra peregrinar remete à idéia de sacrifício através do qual se busca uma dádiva ou uma graça. O destino de quem peregrina é um lugar abençoado, um santuário, uma terra desejada. Persistir na caminhada significa acreditar que uma vez alcançado o destino, todas as agruras serão compensadas. O conceito de peregrinar entendido nesse trabalho trata de uma busca em especial. Não se trata de devotos à procura de uma terra prometida, mas sim de uma peregrinação, cujo verbo derivado é transitivo: trata-se da peregrinação por entre as Maternidades do município do Rio de Janeiro. Quem peregrina? Mulheres, parturientes ou gestantes, que se julgam com indicação de internação hospitalar. A busca é por um item básico garantido pela Constituição brasileira que diz que o acesso à Saúde é Universal. A garantia de direito, não se cumpre de fato em algumas ocasiões. Em não raras ocasiões. O Município do Rio de Janeiro responde hoje por 90.000 partos hospitalares por ano. Uma mulher em trabalho de parto, nesse município, tem chances de se tornar, antes de parturiente, uma peregrina. Se essa mulher for negra, tiver menos de 17 anos, solteira, residir em região sem coleta de lixo e o feto for pequeno para a idade gestacional (PIG), é quase certo, estarmos diante do retrato falado de uma verdadeira peregrina (MENEZES, 2006). O trajeto dificultado pela dor e pelas intempéries impostas por uma cidade precária nos quesitos segurança e transporte conferem à peregrinação o caráter de sacrifício ou saga. Não há quem não se compadeça de uma grávida com dor. Existe sempre um vizinho solidário que tem um carro, um parente distante em visita oportuna capaz de prover o dinheiro da passagem, uma viatura policial, todos prontos para cumprirem um papel: conduzir a futura mãe até a maternidade. Como não acolher essa mãe? Quantas pessoas mobilizadas nesse processo são frustradas com a falha da meta? O que passa a representar a vaga na Maternidade? As expectativas a respeito do trabalho de parto começam a crescer quando o final da gravidez vai se aproximando. A consciência de um processo doloroso e a possibilidade de um mau desfecho assombra as gestantes. As pacientes não têm suas vagas garantidas e o desencadeamento do trabalho de parto não confere certeza de internação. A gestação é uma situação clínica sui generis, cujo desfecho ocorre dentro de uma Unidade Hospitalar. O fato de a paciente freqüentar as consultas de pré-natal com regularidade também não garante reserva de leito. Quando o trabalho de parto é desencadeado, a dor é sintoma corriqueiro, cada vez mais forte e com intervalos mais breves, conforme o nascimento se aproxima. É nessa situação que as usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS) iniciam uma verdadeira via crucis em busca de uma vaga. Cientes das dificuldades que podem envolver o processo de internação, muitas delas procuram a maternidade em fase precoce, na qual a indicação de internação é ainda discutível. O médico responsável pela admissão dessa parturiente fica em situação difícil quando é confrontado com o período prodrômico do trabalho de parto e as questões sociais que surgem quando ele contra-indica a internação. É comum, nessa situação que a paciente não conformada com a recusa, procure uma outra Unidade onde pode mais uma vez ser recusada. Se a condição clínica da paciente já é compatível com o franco trabalho de parto a celeridade do atendimento e internação tem conseqüência no prognóstico. Via de regra a assistência pré-natal ocorre em Unidades Municipais de atenção básica. Durante esse período de atenção primária à saúde não há interlocução entre as Unidades Básicas e as Unidades Hospitalares no que diz respeito a planejamento de internação e reserva de vagas. O sistema de referência e contra-referência, dessa forma, parece dificultar o acesso das gestantes aos leitos dos hospitais, e mesmo a gestante que foi acompanhada durante todo o período pré-natal em determinada Unidade de Saúde tem que dar conta por meios próprios de localizar vaga na maternidade na iminência do seu parto. Ao falar de peregrinação em busca da vaga para parir, fala-se de acesso, uma variável crucial que interfere de forma direta em um dos preceitos que alicerçam o SUS, a Universalização da Saúde. As configurações dessa variável são inúmeras e seu entendimento como categoria de análise faz interseção com todas as faces do Sistema de Saúde expondo os pontos nevrálgicos da rede de atendimento. Os alicerces legais que garantem o acesso foram fincados de forma contundente com a Constituição de 1988, que no seu artigo 196 reza que o acesso às ações e aos serviços de saúde é universal e igualitário, devendo ser garantido pelo Estado. A Lei complementar 8080 de 1990, no seu parágrafo 2º., corrobora o papel do Estado: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.” Apesar das inquestionáveis bases legais, são inúmeros os autores que entendem a categoria “acesso” como um direito ainda em construção dentro de um universo maior: a cidadania (LORA, 2004). O Ministério da Saúde, em portaria de 1990, enfatiza a necessidade de regionalização da rede de saúde por meio de Unidades cuja distribuição releve a proximidade das moradias e as condições de transporte. Ressalta a importância da hierarquia da rede para que, uma vez acionados os diferentes níveis de complexidade, conforme as necessidades do usuário, estes respondam de forma eficiente, tornando eficaz o sistema de referência / contra-referência. A portaria determina ainda que os trâmites burocráticos devem ser ágeis, tendo como objetivo maior o atendimento da demanda e que as instruções quanto aos serviços oferecidos e as etapas a serem cumpridas para sua utilização devem ser amplamente divulgados Assis et al. (2003) discutem esse aspecto em trabalho qualitativo sobre a percepção do usuário quanto ao acesso às Unidades Básicas de Saúde em Feira de Santana, BA. Baseados em amplo referencial teórico, apontam para o entendimento de “acesso” como um direito da cidadania a ser construído. Giovanella e Fleury (1994) fazem uma abordagem deveras interessante sobre acesso como categoria de análise e o definem em quatro dimensões, a saber: 1.política - que valoriza a consciência sanitária e a organização social através das diretrizes de saúde e seus respectivos modelos; 2.econômica – em que impera a lei da oferta-procura; 3.técnica – que considera os óbices que se impõem ao atendimento pretendido, no que diz respeito ao planejamento e organização dos Serviços; 4.simbólica – que incorpora as representações sociais de saúde-doença. Essas dimensões, por sua vez, são permeadas por quatro modelos teóricos de assistência: 1.economicista, no qual a oferta e a procura se moldam na assistência médica; 2.sanitarista-planificador, em que o Estado tem ação no planejamento da distribuição dos serviços; 3.sanitarista-politicista, o qual já conta com o entendimento da população no processo saúde-doença; e finalmente, 4.modelo de representação social, com visão mais abrangente por parte dos sujeitos e grupos sociais com suas respectivas histórias e tradições. Noronha e Andrade em 2009, no 100. Seminário sobre Economia Mineira, chamam atenção para o custo da oportunidade ao acesso, elucidando um ponto interessante na discussão sobre acesso aos Serviços de Saúde. Comentam o perfil de alguns países onde as discrepâncias sociais são mais amenas e a utilização dos serviços é gratuita; porém, ainda assim, a desigualdade é notada, favorecendo os grupos mais abastados da sociedade. Concluem que no Brasil isso também é verificado. Na região Sudeste em particular, onde estão concentrados os maiores investimentos de saúde, existe uma divergência no comportamento de cada estado quanto à questão do acesso. No Rio de Janeiro e em Minas Gerais, a iniciativa de procurar consulta médica favorece aos mais ricos, porém a quantidade de cuidados que o paciente recebe não depende dessa variável. No Espírito Santo, a desigualdade é favorável aos mais ricos nas duas etapas do processo. Interessante é o comportamento do estado de São Paulo, onde a desigualdade é mais favorável aos mais pobres. Esses dados corroboram a influência de todas as nuances e representações das quais depende o acesso do usuário ao Sistema de Saúde. O peso dos problemas administrativos e econômicos algumas vezes prepondera sobre as questões biológicas e médicas, no que concerne aos pontos fracos do Sistema de Saúde. Kassouf (2005) comparou o acesso aos serviços entre as áreas urbana e rural, no Brasil, concluindo, através de resultados econométricos, que a prevenção, a melhoria da infra-estrutura do domicílio e o aumento da escolaridade elevam o nível de saúde da população diminuindo a procura por atendimento. Ressalta ainda que o fator determinante para a redução da busca por atendimento é a percepção do indivíduo sobre o seu próprio estado de saúde. Esse achado introduz uma nova perspectiva sobre a análise de acesso, pois se a percepção de adoecimento é mais baixa entre os mais ricos, esse grupo demandará menos os serviços de saúde. O modelo hegemônico de saúde vigente hoje, cujas principais ações têm caráter curativo e tem lugar em hospitais e postos de saúde, enfatiza a premissa de que o atendimento é procurado pelo indivíduo que se julga doente. Sob esse aspecto, a obstetrícia é especialidade peculiar, visto que trabalha com a promoção da saúde ao acompanhar a fisiologia do desenvolvimento do ciclo gravídico-puerperal, e não apenas suas doenças e intercorrências. A literatura européia e norte-americana indica que o questionamento sobre as dificuldades de acesso, não são particularidades brasileiras. Tanto aqueles Sistemas que são financiados e geridos por forte tradição estatal, como aqueles que são regidos pelas leis de mercado, não garantem eficiência nem tão pouco eficácia, aos seus usuários no que tange a essa questão. O mundo ocidental especula sobre novas formas de gerência que considerem parcerias entre os setores público e privado. Há uma tendência para reestruturar a atenção básica a fim de que esta funcione como uma porta de entrada mais resolutiva. (SILVA, 2001) O conceito ampliado de saúde guarda em seu cerne a possibilidade de acesso de qualquer cidadão aos Serviços, independentemente da instância de complexidade. A Universalização desejada requer luta contínua. A garantia de acesso deve ser perseguida em prol de uma sociedade justa e igualitária. Consumir benefícios em saúde hoje no País está relacionado ao poder de compra do usuário, independentemente das características do prestador. A medicina supletiva representada pelos “planos de saúde” oferece produtos variados em cobertura individual, familiar, empresarial etc conforme a capacidade de compra do contratante. Nada mais distante da utopia do acesso Universal assegurado pela Constituição. As leis de mercado predominam no que concerne ao acesso. A redução na desigualdade do acesso aos serviços extrapola os estudos que só consideram demanda. Faz-se necessário equilibrar as diferenças existentes entre os diversos extratos sociais. (FERNANDES et al, 2007) A cidade do Rio de Janeiro foi sede dos Jogos Pan-Americanos, em 2008. Estádios e parques aquáticos foram construídos. Recursos foram mobilizados nesse evento. Nessa mesma cidade as mulheres não tem garantia de acesso à Maternidade quando em trabalho de parto. A saúde não é tratada como um bem público como preconiza a nossa Constituição, mas como um bem de consumo, suscetível às oscilações de um mercado que movimenta um montante de recursos significativos. O direito universal à saúde é cerceado quando o acesso é dependente da condição sócio-econômica dos usuários. Essa condição não é incomum no território nacional. A disponibilidade dos recursos é limitada por fatores como os custos, a localização e a forma de organização desses recursos. Oliveira et al. (2004) analisaram as internações hospitalares pagas pelo SUS em todo o território nacional durante o ano de 2000, considerando apenas aquelas cujos pacientes eram maiores de 14 anos, e observaram que o parto normal é o procedimento que justifica o maior número de internações no Brasil, correspondendo a 12,6% do total de 9.404.746 internações. Observaram ainda que 22,0% dessas internações, independentemente da especialidade, ocorreram em município outro que não o da residência dos pacientes, o que indica que o processo de peregrinação na busca pelo leito hospitalar não é particularidade das pacientes da clínica obstétrica. Há de se considerar que em inúmeros municípios não há indicação técnica para a instalação de determinados serviços. Essas cidades, no entanto, devem ser cobertas por um sistema de referência e contra-referência, que leve em conta o problema de transporte, para que seus munícipes não fiquem privados do acesso. São inúmeras as variáveis que determinam o acesso aos Serviços de Saúde, em qualquer nível da atenção independentemente da especialidade procurada. A qualidade do acolhimento muitas vezes justifica um maior deslocamento do usuário na busca de uma determinada Unidade. Os profissionais de saúde assumem papel preponderante nessa acolhida. A capacidade de estabelecer um vínculo com o paciente aumenta o grau de satisfação por parte do usuário. Esse paciente então pode se tornar um grande propagandista de determinado serviço. Essa subjetividade acrescenta à categoria acesso nuances que só tornam sua análise instigante e interminável. (RAMOS et al., 2003). A presente investigação tem a pretensão de contribuir para o entendimento de alguns dos fatores que dificultam o acesso de parturientes às Maternidades no município do Rio de Janeiro, imprimindo à admissão hospitalar um roteiro repleto de escalas. 2 - OBJETIVOS 2.1 - GERAL Avaliar informações sobre qualidade de assistência e sobre a trajetória em busca de atendimento percorrida pelas mulheres em trabalho de parto no município do Rio de Janeiro. 2.2 - ESPECÍFICOS Estabelecer o perfil epidemiológico e social das mulheres que peregrinam em busca de atendimento obstétrico; Avaliar possíveis causas que contribuem para o processo de peregrinação. 3 - JUSTIFICATIVA As complicações da gravidez, do abortamento, do parto ou do puerpério matam mais de 2.000 mulheres e mais de 38.000 recém-nascidos por ano no Brasil. Mais da metade dessas mortes ocorrem durante a internação para o nascimento. Ampliando para escala mundial, a OMS estima que 20.000.000 de mulheres apresentam complicações da gravidez, das quais 529.000, mais de 20%, evoluem para óbito. Apesar da constatação mais precisa da problemática - com a melhoria da qualidade e cobertura das notificações, o aumento da abrangência dos serviços de pré-natal e a hospitalização absoluta dos partos - a redução da mortalidade materna ainda está aquém do ideal. Longe de ser o único fator responsável pelas taxas de mortalidade materna, a busca itinerante por uma vaga contribui para esse quadro (NAGAHAMA, 2007). No Brasil, em 2002, ocorreram 2.343.760 partos com um índice de mortalidade materna de 73,05 mortes por cada 100.000 nascidos vivos (Departamento de Informação e Informática do SUS – DATASUS, www.datasus.gov.br). Nas décadas de 80 e 90 esses índices giravam em torno de 100, porém alguns autores calculavam índices em torno de 150 a 200 como números mais verossímeis, nesses períodos. Os órgãos oficiais registravam algo em torno de 54,8, subestimando o indicador. Independentemente das divergências entre a estatística oficial e a literatura, considera-se que hoje o Brasil tem uma boa cobertura do Sistema de Informação de Mortalidades onde a subnumeração fica em no máximo 20%. Há de se considerar que entre as capitais e as regiões mais periféricas essa subnotificação tem números percentuais diferentes. De qualquer forma, são taxas elevadas quando vislumbradas através de uma perspectiva mundial. Os países desenvolvidos mantêm esses números em torno de 4 a 10, ou no máximo 12 a 15 óbitos maternos para cada 100.000 nascidos vivos. Os países em desenvolvimento comportam índices em torno de 80 a 100. Considerem-se ainda as taxas escandalosas ostentadas por alguns países africanos como Angola, Burundi, República Centro-Africana e Moçambique: 400, 500 ou mais mortes por cem mil nascidos vivos. Em Nairobi, Quênia em 1987, durante a International Conference on Safe Motherhood, a mortalidade materna foi encarada como um grave problema de saúde pública dos países em desenvolvimento quando foram expostas as diferentes realidades do atendimento à saúde da mulher em torno do globo (LAURENTTI, 2000). Dados do SINASC e SIM, disponibilizados pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) constatam que o município do Rio de Janeiro, em 2004, contabilizou índices de mortalidade materna de 69,13. Ficando, portanto, discretamente abaixo da média brasileira registrada em 2002. O SINASC registrou 95.015 nascimentos durante esse ano e 100% desses partos tiveram como cenário o ambiente hospitalar de 98 diferentes maternidades, dentre as quais 30 vinculadas ao SUS. Os hospitais públicos foram responsáveis pela assistência de 72,8% dessas parturientes. Não é errado então supor que o acesso dessa clientela às Maternidades é ponto crucial na qualidade dessa assistência (Andrade 2008). . Assim como no Brasil, a quase totalidade dos nascimentos no Município do Rio de Janeiro ocorre dentro de unidades hospitalares. No entanto, quando a gestante se julga em trabalho de parto ou há indicação de interrupção da gestação, a busca por uma vaga pode ser um caminho longo e cheio de percalços. Observa-se em geral, um fluxo de gestantes que aponta no sentido das regiões mais ricas da cidade, levando as parturientes que residem em regiões de baixa renda para áreas onde se encontram melhores e maiores ofertas de serviços de saúde (CAMPOS & CARVALHO, 2000). Quando o trabalho de parto é deflagrado ou quando alguma intercorrência torna a hospitalização necessária, a busca por um leito em uma maternidade pode determinar o início de uma peregrinação. Esse movimento é permeado por inúmeras variáveis que vão desde a natureza do risco intrínseco a cada gestação, passam pelas opções de transporte, sofrem influência da política de saúde que rege determinada região, e culminam com a disponibilidade de leitos oferecidos nas maternidades locais e nos municípios vizinhos. O drama é mais acentuado quando a demanda do município é acrescida de gestantes oriundas de outras regiões do Estado (MENEZES, 2006). O espantoso é que para a maior parte dessas mulheres seriam suficientes os cuidados dispensados ao baixo risco gestacional. Por força de Lei, tais cuidados deveriam ser prestados no próprio município de origem. Mesmo assim, a boa saúde materna e a ausência de risco fetal, não são garantia de vaga, obrigando-as a migrarem, especialmente para o Rio de Janeiro, onde presumidamente há uma maior oferta de vagas obstétricas. O resultado disso é a ocupação dos leitos de maior complexidade por gestantes de baixo risco, vindo de outras localidades. A análise do número de maternidades percorridas até a paciente ser internada demonstra o caos da assistência ao parto no município. Sabe-se que toda transferência traz em si riscos potenciais, que aumentam quando a paciente precisa ser transferida ainda para um terceiro hospital (LANSKY, 2002). Durante a minha prática como médica da Maternidade Pro Matre, identifiquei o quanto o sofrimento inerente à própria condição de parturiente é agravado pelo caminho tortuoso, repleto de escalas, que essas mulheres percorrem desde suas residências até conseguirem um leito obstétrico para terem seus filhos. Fica evidente que, quanto maior a distância percorrida pela gestante, maior é a dificuldade de acesso ao serviço, assim como aumenta de forma significativa o risco de complicações maternas e fetais (LEAL & CAMPOS, 2004). As notícias de gestantes que enfrentam problemas durante as horas que antecedem seus partos devido à peregrinação ganham destaque muitas vezes com cunho sensacionalista amplamente explorado pela mídia. Histórias de gestantes que tiveram seu parto realizado em locais inadequados como em ônibus, táxis, na rua etc garantem audiência em noticiários. O apelo encontra eco no imaginário público. Não é difícil imaginar o padecimento de gestantes, em um trânsito contínuo, com destino incerto, entre uma Unidade de Saúde e outra, sujeitas a intempéries e incidentes. Isso tudo possibilita uma inversão de valores na qual a expectativa de conseguir uma vaga assume uma dimensão maior do que a expectativa do nascimento de uma criança viva e saudável (DESLANDES & DIAS, 2006). O médico responsável pela triagem da paciente na admissão da maternidade, ao constatar o diagnóstico de trabalho de parto, se vê diante de um verdadeiro dilema na escolha daquela que ocupará o leito disponível. As populações excedentes, independentes do motivo (falta de vagas, falso trabalho de parto, inadequação da paciente ao perfil da Instituição), quando liberada, recomeça uma longa peregrinação em busca de um espaço para parir. A situação se agrava quando não há indicações médicas de internação, forçando em muitas ocasiões o expediente de internações precoces em virtude da alegação do retorno a uma longa jornada já percorrida, fato que sensibiliza os profissionais de Saúde responsáveis pelo atendimento e que detém poder decisório sobre a ocupação do leito. Essas internações precoces, sem indicação técnica, acabam por aumentar o número de intervenções desnecessárias, como a indução e aceleração do trabalho de parto e o aumento do número de cesarianas. O direito universal à saúde é cerceado quando o acesso é dependente da condição sócio-econômica dos usuários. Essa condição não é incomum em todo a extensão do território nacional, face a limitação da disponibilidade dos recursos. O ambiente hospitalar vivenciado pelas pacientes durante a fase prodrômica e o início da fase ativa do trabalho de parto pode gerar angústias desnecessárias. Em condições ideais, essas mulheres deveriam estar em seus lares acompanhadas pelos seus familiares, atentas ao início da fase ativa do trabalho de parto, momento no qual deveriam ser atendidas na Unidade Hospitalar adequada ao seu perfil e mais próxima de sua casa. Ao perceber o constrangimento pelo qual passam essas mulheres em momento tão delicado de suas vidas fica evidente a importância do entendimento desse fenômeno identificado como “peregrinação anteparto”. Através de relatos em que as puérperas detalham o caminho que trilharam na busca pelo leito, busco identificar a gênese da peregrinação, apontando, ainda que de forma limitada, as questões sociais que sublinham todo esse processo. Aponto finalmente, dentro do sistema de saúde, as falhas da dinâmica referência / contra-referência que fazem com que a peregrinação anteparto seja prática corrente entre as parturientes do Rio de Janeiro. Este trabalho não tem a intenção de esgotar esse assunto. No entanto, busca elucidar alguns aspectos relacionados com a peregrinação anteparto, tais como o perfil socioeconômico da população, a expectativa do atendimento obstétrico e recebida ao final. 4 - REFERENCIAL TEÓRICO O atendimento às mulheres durante o ciclo gravídico-puerperal tem sido motivo de preocupação por todos os sistemas de saúde do mundo. A assistência ao parto sofreu influências culturais ao longo do tempo. As variáveis que a acompanham vão além do processo biológico. Cada país, conforme a sua história, trata a questão de maneira própria. Há aqueles que primam por uma assistência mais humanizada com pouca intervenção, outros priorizam a hospitalização e intervenção durante todo o período da parturição (WHO, 2005). Sem perder o foco do tema central da assistência ao parto, cabe ressaltar alguns fatos históricos que dão a dimensão da problemática do nascimento nas diversas culturas e regiões do planeta. No século XIX, no mundo ocidental, o nascimento ocorria nas residências, e apenas pacientes em condições sociais vulneráveis buscavam os nosocômios para dar à luz e acabavam vítimas dos altos índices de infecções puerperais vigentes na época. O ambiente hospitalar era inóspito, as taxas de morbidade e de mortalidade por causas infecciosas eram altas. As Instituições tinham uma conotação de exclusão, visto que a população que atendiam representava um risco para as comunidades. Essa situação começou a mudar no período entre as duas guerras, e é bem documentado na França, quando a taxa de natalidade começou a decrescer e entre 1920 e 1939, segundo os Aunnuaires Statistiques de la Ville de Paris, os partos em maternidade chegaram a 68% os partos domiciliares ficaram em torno de 8% e os partos domiciliares assistidos por parteira ficaram em torno de 24%, caracterizando Paris como pioneira, dentre as cidades francesas, nesse movimento de hospitalização (THÉBAUD, 2002). O ambiente doméstico predominou como local de nascimento nos três primeiros séculos do Brasil. Em 1808, a vinda da família real confere à Colônia o locus de sede política do Império. Essa mudança representou avanços significativos na área tecnológica e científica. Até então, o Império mantinha total monopólio cultural e intelectual e as carreiras científicas eram proibidas. D. João VI revoga a proibição da iniciação em carreira científica aos brasileiros. E como conseqüência imediata dessa alforria científica, nesse mesmo ano, foi instalada na Bahia a primeira escola de cirurgia, que tratou com especial atenção a “arte obstétrica”. Em 1828, vinte anos depois foi expedido o primeiro diploma de parteira no país. Em 1830, na Casa dos Expostos na Santa Casa de Misericórdia, foi instalada a primeira sala de partos do Brasil. Essa Casa sofreu oposição da Faculdade de Medicina que só permitiu a enfermaria de partos em 1847. Essa enfermaria tinha condições precárias de higiene, e espaço menos privilegiado dentro das instalações, mostrando que a obstetrícia não gozava de grande prestígio. Em paralelo a esses agouros, a pesquisa e o ensino da obstetrícia criavam novos espaços para a assistência e começavam a surgir os profissionais de destaque diplomados no país. Em 28 de abril de 1854, publicou-se lei que determinava a criação de edificações específicas para a função de atenção materna no entanto, apenas 50 anos depois é que foi inaugurada a primeira unidade hospitalar para a assistência obstétrica. Apenas no século XX, mais precisamente em 18 de janeiro de 1904, foi inaugurada a primeira edificação específica para obstetrícia no Brasil, a Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Na Bahia, apenas 40 anos após a publicação da referida Lei é que através de um convênio entre o Governo Federal e a Santa Casa de Misericórdia foram construídos pavilhões para o funcionamento de clínica obstétrica. No entanto, observa-se uma peculiaridade: uma total falta de interesse das parturientes em estar longe dos seus lares durante o processo parturitivo. O trabalho de parto e o seu respectivo desfecho eram um evento que abarcava apenas o universo feminino, no qual a parturiente era amparada pelas mulheres da família em um cômodo da casa preservado para cenário desse evento. Fato difícil de imaginar hoje, quando a maioria dos partos acontece dentro de ambiente hospitalar, do qual se espera conforto e segurança durante o trabalho de parto. Em 1918, uma associação de mulheres lideradas por Stella de Carvalho Guerra Durval e o médico obstetra Fernando Magalhães fundaram a primeira Maternidade filantrópica do Rio de Janeiro, a Pro Matre, ocupando um velho pavilhão na zona portuária do Rio de Janeiro (BITTENCOURT, 2007). Na primeira década do século XX, novas técnicas foram instituídas nos EUA e na Europa, primordialmente como tentativa de redução da dor das parturientes. Os procedimentos envolviam administração de morfina no início do trabalho de parto e, em seguida, uma dose de amnésico chamado escopolamina. O objetivo era fazer a mulher não se lembrar da dor que sentiu durante o trabalho de parto. Intervenções dessa natureza introduziam o conceito de “humanização” do parto, conceito esse que passa por uma releitura durante as décadas de 60 e 70. No Brasil, Fernando Magalhães e Jorge Rezende, grandes ícones da obstetrícia brasileira, defendiam o uso de narcóticos e o emprego do fórceps como técnicas de humanização (RONSMANS & CAMPBELL, 2002; DINIZ, 2005). Essas técnicas, que podem hoje suscitar estranheza dentro do conceito de humanização representaram o embrião da tentativa de lidar com a dor, responsável pelo sofrimento que se impõe durante o ato da parturição. O conceito de humanização hoje é muito mais abrangente do que o simples tratamento da dor. Na presente abordagem daremos ênfase no quesito acesso e suas inúmeras abrangências na problemática da assistência ao parto e como ponto crucial a ser contemplado ao falar de humanização sob a ótica contemporânea. O parto é um evento que deve ser assistido por profissionais qualificados para acompanhar a sua evolução e diagnosticar suas distocias. Isso é ponto livre de qualquer polêmica. Definir qual o profissional que prestará esse cuidado já torna a questão algo mais inflamada, e essa discussão, embora mencionada, foge do objetivo do presente trabalho. As evidências apontam para a importância da qualidade da assistência ao parto e da assistência pré-natal no prognóstico perinatal e na redução da mortalidade materna. Esse último indicador é considerado pela WHO e pela UNICEF como um espelho que reflete tanto o acesso da mulher ao Sistema de Saúde como a adequação desse Sistema no que diz respeito ao atendimento de suas demandas (WHO/UNICEF, 1996). “A OMS (Organização Mundial da Saúde) define que o objetivo da assistência ao parto é ter como resultado mulheres e bebês sadios, com mínimo de intervenção médica compatível com segurança”, segundo d’Orsi (2005). A autora ressalta que o grau de intervenção se associa ao modelo de atenção à saúde, e refere três modelos de atenção ao parto: 1) o modelo medicalizado, com uso de alta tecnologia, encontrado nos Estados Unidos, Irlanda, Rússia, República Tcheca, França, Bélgica e regiões urbanas do Brasil; 2) o modelo humanizado com maior participação de obstetrizes e menor freqüência de intervenções, encontrado na Holanda, Nova Zelândia e países escandinavos; 3) os modelos mistos, encontrados na Grã-Bretanha, Alemanha, Japão e Austrália. Nota-se, no entanto que nos países com pouca intervenção no processo parturitivo e bons resultados perinatais existe um percentual significativo de transferência de pacientes durante o acompanhamento do trabalho de parto para Hospitais (16% das parturientes que utilizaram o domicílio como ambiente para parir, na Holanda; e 14% das pacientes que eram atendidas em casas de parto, no Japão) Esse fato corrobora a importância da retaguarda hospitalar e da integração entre os diversos níveis de atenção para um bom resultado perinatal. E mais uma vez acrescenta a variável acesso como quesito importante na assistência ao parto. O município do Rio de Janeiro é dividido em 153 bairros agregados em 33 RAs que por sua vez compõem 5 APs. A AP 1 corresponde ao centro da cidade. As Aps 2.1 e 2.2 correspondem respectivamente à Zona Sul e Zona Norte. As Aps 3.1, 3.2, e 3.3, correspondem ao subúrbio da Central, Leopoldina e Ilha do Governador. As Aps 4, 5.1, 5.2 e 5.3 correspondem à Zona Oeste. Cada AP assume uma característica própria no que concerne ao fluxo de gestantes em busca de atendimento em Maternidades, conforme aponta Andrade (2008) em trabalho onde analisa a trajetória dessas gestantes. Ainda segundo o autor, esse fluxo é determinado não só pela localização das instituições de saúde como também pelo perfil sócio-econômico da paciente que busca atendimento. O movimento ocorre com mais intensidade entre as RAs do que em áreas restritas a uma mesma RA, denunciando a falta de relação entre o local do nascimento e o conforto da proximidade do domicílio da gestante. O centro da cidade se caracteriza como ponto convergente e recebe gestantes oriundas principalmente da zona oeste. As gestantes casadas migram para a zona sul oriundas da Barra da Tijuca e de Jacarepaguá e geralmente percorrem distâncias menores do que as solteiras que têm como destino final a região portuária e os bairro de Madureira e Bangu. A gestantes que residem nas zonas Norte e Oeste têm mais chance de peregrinar do que as demais (ANDRADE, 2008). Outra discussão relevante concerne à preocupação em torno da compreensão do parto como experiência humana e do comportamento diante de uma situação que envolve sofrimento. Sendo a gravidez objeto de inúmeras expectativas, fantasias, crenças e também de medos, angústias e desconforto, a humanização da assistência às gestantes deve ser incorporada institucionalmente, já que ao sentir-se como parte do processo, principalmente no momento do parto, as preocupações e os abalos psicológicos gerados pela gravidez diminuiriam substancialmente. No Brasil, na década de 1980, vários grupos ofereceram assistência humanizada à gravidez e parto, e propuseram mudanças nas práticas, como o “Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde” e a “Associação Comunitária Monte Azul” em São Paulo, e os grupos “Curumim” e “Cais do Parto” em Pernambuco. Outro marco que caracteriza passo importante nas políticas públicas em prol da humanização do parto foi a criação do Prêmio Galba Araújo para Maternidades Humanizadas. Estas e outras iniciativas conduzidas pelo Ministério da Saúde inauguraram um processo mais amplo de humanização dos serviços. São exemplos disso o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN) e o Programa de Humanização de Hospitais, lançados em maio e junho de 2000, com objetivo de abranger centenas de instituições. Em 1994, é inaugurada no Rio de Janeiro, a primeira maternidade pública definida como humanizada, que recebeu o nome de Leila Diniz (d’ORSI & CHOR, 2005). Domingues et. al. (2004) utilizaram essa Maternidade definida como humanizada como cenário de um estudo que entrevistou 246 puérperas quanto ao grau de satisfação em relação ao atendimento que receberam na ocasião do parto. É interessante notar que mesmo dentro de um ambiente que tem a perspectiva de humanização como uma diretriz institucional, 16,7% das pacientes atendidas julgaram o momento do parto como ruim ou muito ruim. O sofrimento no parto e a má atenção da equipe são as causas que justificam essa insatisfação. 13% dessas mulheres acham que o momento do parto não foi nem bom, nem ruim. Durante o acompanhamento do trabalho de parto apenas 60% dessas mulheres sentiram-se informadas sobre o que estava acontecendo com elas. Esses resultados elucidam como ainda é incipiente o processo que busca tornar a parturiente protagonista do ato da parturição. Serruya et. al. (2004), através de estudo descritivo, avaliaram dados gerados no SISPRENATAL, sistema informatizado de informação e acompanhamento do PHPN. Os autores ressaltam a importância do PAISM, Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, na década de 80, mais precisamente em 1983. O PAISM foi concebido por um movimento de mulheres e profissionais de saúde que pensaram um novo modelo na atenção à saúde da mulher, cujas bases filosóficas abarcavam conceitos como integralidade e autonomia corporal. Esse programa foi o embrião do PHPN, Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento, que o MS instituiu em 2000. Os grandes desafios da implantação do PAISM, mais de 20 anos após a sua instituição concernem ao acesso aos Serviços em algumas regiões do país, à qualidade da atenção, à relação entre o pré-natal e o parto e às altas taxas de mortalidade materna e perinatal. O respeito aos direitos reprodutivos e à perspectiva da humanização, e a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade da assistência são pretensões do PHPN. Atenção especial merece a proposta de estabelecer o vínculo entre a assistência ambulatorial representada pelas consultas de pré-natal e o momento do parto. 3985 municípios brasileiros aderiram formalmente ao PHPN até dezembro de 2002, mas o conjunto de atividades que caracterizariam a boa assistência ainda é minúsculo tendo coberto apenas 5% das mulheres cadastradas até o ano de 2002 (SERRUYA et al., 2004). Ainda como parte do movimento que busca a Humanização da assistência ao parto, em 1993 é fundada a Rehuna – Rede pela Humanização do Parto e do Nascimento composta atualmente por centenas de participantes tanto pessoas físicas como Instituições. O termo humanização, entretanto, pode ser interpretado de várias formas e também se refere às mudanças nas práticas dos serviços de saúde. Tais Práticas são reflexo da introdução de conceitos que confrontam as abordagens puramente técnicas e condenam o olhar simplista em relação à parturição. Humanizar o parto é, acima de tudo, assumir que esse é um evento de extrema importância na vida de cada gestante e caracterizar o “ser mãe” como experiência única e plena, na qual estão diretamente envolvidas a sexualidade e a vida corporal (DINIZ, 2008). A mortalidade perinatal está intimamente relacionada ao Serviço de atenção à saúde. Lansky et al (2002) realizaram revisão da literatura sobre mortalidade perinatal com foco na evitabilidade desses óbitos. Adotaram como fonte de dados publicações da década de 90 nas bases Medline e Lilacs (América Latina e Caribe). Buscaram classificar as causas de óbitos de acordo com a possibilidade de preveni-las e concluíram que além do reconhecimento dos riscos inerentes a cada gravidez é importante a ampla oportunidade de acesso à assistência para causar impacto positivo tanto na mortalidade infantil quanto na prevenção de seqüelas dos recém-nascidos originadas no período intra-parto. Eles apontam a importância da regionalização dos serviços assistenciais. Demonstram que nos EUA na década de 70 houve uma diminuição significativa na mortalidade, atribuída ao processo de regionalização. Em contra partida a França, onde não houve regionalização dos serviços, tem uma das maiores taxas de mortalidade em relação a outros países da Europa. Pereira et. al. (2007) estimaram as taxas de mortalidade neonatal e pós-natal em uma amostra de nascimentos do município do Rio de Janeiro, entre 1999 e 2001, e concluíram que essas taxas de mortalidade foram seis a sete vezes maiores nas maternidades municipais e federais do que nas maternidades privadas não conveniadas com o SUS. Dentre as puérperas oriundas de outros municípios que não o Rio de Janeiro essa taxa foi 2,2 vezes maior do que dentre as munícipes. Dentre as mães que passaram por outros estabelecimentos antes de serem devidamente internadas, ou seja, dentre as mães que peregrinaram em busca de uma vaga, houve aumento de 2,4 vezes na taxa de mortalidade neonatal quando comparadas àquelas que foram prontamente internadas (Quadro1). Em um primeiro momento, imagina-se que a maternidade oferece à gestante segurança e recursos para solucionar intercorrências inerentes ao processo da parturição. No entanto são inúmeras as variáveis que determinam o bom desfecho obstétrico. A peregrinação é fator de risco tanto para mortalidade neonatal. A partir Quadro 1 - Mortalidade infantil segundo o tipo e complexidade do prestador, local de residência materna e peregrinação para o parto (PEREIRA,2007). dessa afirmação duas questões se impõem: a demora na assistência implica em risco ou é o alto risco quer tem dificuldade de encontrar vaga? Quem peregrina? Existe associação entre peregrinação e condições de vida desfavoráveis? O município do Rio de Janeiro é referência de risco para todo o estado? É maior parcela de não munícipes puérperas com risco gestacional associado? Menezes et al (2006) analisaram população de puérperas do município do Rio de Janeiro, no período de 1999-2001, e demonstraram que 1/3 das pacientes busca assistência em mais de um hospital, não sendo raro a paciente peregrinar por três ou mais maternidades, sendo que apenas 1/5 dessas mulheres é transferida de ambulância. Os fatores associados a essa peregrinação foram: área programática de residência, peso ao nascer, idade, cor de pele, estado civil e residência em local onde não há coleta de lixo. No entender de Campos & Carvalho (2000), o município do Rio de Janeiro sofreu, nos últimos anos, uma redução significativa de leitos obstétricos públicos, causada, principalmente, pela menor participação das instituições públicas, sejam estaduais ou federais, particularmente pela carência de profissionais de saúde. A sobrecarga dos serviços públicos municipais levou ao aumento da utilização de serviços privados que têm convênio com o SUS, alguns de qualidade questionável. Do mesmo modo, o pagamento do parto é feito por procedimento, sendo o valor atribuído pelo SUS, considerado muito inferior aos gastos necessários para uma assistência adequada, o que resulta em assistência desqualificada. Os mesmos autores apontam a desigualdade na oferta dos serviços de saúde no município, entre as Áreas de Planejamento (AP) que o compõe, como ponto a ser considerado. Sabe-se que quanto maior a distância a ser percorrida pela gestante, mais difícil é o acesso aos serviços e menor a probabilidade de adequação entre suas necessidades e os serviços oferecidos, especialmente quando se trata de pacientes de alto risco. Quanto maior a complexidade necessária ao atendimento p. ex. UTI neonatal ou UTI materna, mais difícil pode ser o processo de internação em Instituição com o perfil compatível com o quadro clínico compatível (SABROZA et al, 2004; LEAL et al 2004). Campos & Carvalho (2000) analisaram a assistência ao parto caracterizando o perfil das principais maternidades e o deslocamento da clientela, ou seja, o fluxo entre residência e local de nascimento. O referido estudo levou em conta dois tipos de maternidades: uma com grande número de partos cesáreos, boas condições da parturiente e recém-nato; e outra com maior proporção de partos espontâneos e indicadores que apontam riscos para o recém-nascido. Concluíram, entre outros pontos, que há grande heterogeneidade na distribuição espacial das maternidades concentradas nas regiões mais ricas da cidade, determinando, consequentemente, longos trajetos das gestantes na busca da assistência ao parto. Gurgel et al. (2003) avaliaram as características desse fluxo dentro do estado de Sergipe e constataram que o fluxo de gestantes em direção a Aracaju era determinado não apenas pela distribuição dos hospitais, mas pela qualidade do atendimento e a facilidade do acesso, ressaltando a importância, no processo migratório das parturientes, da melhoria da malha viária e do aumento do número de ambulâncias disponíveis no estado. No entender de Leal et al. (2004) a mudança na estrutura da assistência materno–infantil no município do Rio de Janeiro começou a ser engendrada em meados da década de 90, com a preconização da descentralização do Sistema Único de Saúde (SUS). Nessa ocasião, vários hospitais federais que proporcionavam assistência à mãe e ao recém-nascido foram municipalizados. O impacto desse processo de descentralização na taxa de mortalidade infantil foi positivo, reduzindo o número de óbitos por 1000 nascidos vivos de 22, nos primeiros cinco anos década de 90, para 15,3 em 2001. Segundo os autores, muitos desses óbitos sugerem causas evitáveis, visto que incluem grande número de recémnascidos a termo com peso adequado para a idade gestacional. Esse mesmo estudo mostra que 11,5% dos partos ocorridos no município vieram de municípios vizinhos, sendo que essa importação é inexpressiva no setor privado. Demais disso, ao analisar o acesso da gestante ao atendimento recebido no momento do parto e sua satisfação com ele, observaram que 23,9% das munícipes do Rio de Janeiro não conseguiram atendimento na primeira instituição procurada. O intervalo de tempo entre a admissão hospitalar e o parto aumenta a solicitação de cesariana por parte da parturiente. Esse fato tem a sua relevância no dano que pode causar a internação precoce, ainda sem a abertura do quadro clínico do trabalho de parto. É comum que o médico, sensibilizado com a peregrinação ou com a violência que impera na cidade do Rio de Janeiro, priorize indicações sociais em detrimento das indicações técnicas de internação. O aumento do intervalo entre a internação e o nascimento é causa de angústia, não só para a paciente, mas como para a equipe que a assiste (BARBOSA, 2003). Os fatores que comprometem a assistência ao parto são sabidamente conhecidos em nosso meio. Dentre eles incluem-se a falta de integração entre a Assistência Pré-natal e o atendimento hospitalar na hora do parto, a central de vagas ineficiente, a falta de esclarecimento da própria paciente sobre sintomas do trabalho de parto (MENEZES et al, 2006). O desequilíbrio da equação se torna mais evidente quando se constata a pouca disponibilidade de leitos existente nos municípios, particularmente da baixada fluminense, onde os municípios não possuem rede de serviço organizada. O déficit de leitos públicos é maior nas regiões mais periféricas, não só em relação ao atendimento de gestantes saudáveis, mas também, e principalmente, para gestantes e recém-nascidos com patologias que exijam atendimentos mais complexos, apesar de já existir substancial incorporação de tecnologias sofisticadas e de alto custo à atenção pré-natal e perinatal. Como agravante, alguns municípios próximos não possuem rede de serviços de saúde adequada, em especial maternidades, sobrecarregando a rede do Município do Rio de Janeiro. Esses fatos, ainda que não tenham provocado alterações nas coberturas de partos hospitalares, originaram uma verdadeira peregrinação de gestantes e recém-natos em busca de assistência adequada (GOMES, 1995). O Brasil registra um índice elevado de partos operatórios. Vários fatores atuam como responsáveis pelo excesso de partos casarios. Esses fatores podem ser divididos entre aqueles relacionados à assistência médica e aqueles sócioculturais. O primeiro grupo abrange questões que passam pela perícia do profissional de saúde que acompanha o trabalho de parto. Já o segundo grupo passa por questões ligadas à gestante, como o medo da dor do parto espontâneo e da deformação do corpo, assim como a opção da realização concomitante da laqueadura tubária. O padrão sócio-econômico é um dos fatores que seleciona a demanda dos serviços de saúde e aponta para a dicotomia entre o setor público e o setor privado. No público, dificilmente se estabelece um vínculo entre a gestante e o sistema de saúde, levando a um desconhecimento da história da gestação e, em razão da rotina de carga de trabalho nessas instituições, a uma tendência de se intervir precocemente na evolução dos trabalhos de parto, a fim de que estes não se prolonguem para o plantão seguinte. Deslandes & Dias (2006) enumeram alguns fatores pertinentes ao perfil das mulheres que peregrinam. Chamam a atenção da estrutura da família, da idade da gestante e de questões socioeconômicas que abrangem tanto a renda familiar como o grau de instrução. Um estudo realizado por Schramm et al. (2002) demonstrou que há um número significativo de unidades hospitalares no Município do Rio de Janeiro que não possuem adequação de suas estruturas ao perfil de risco dos partos realizados. Outros elementos considerados determinantes para o atual cenário da atenção às parturientes são: ausência de referenciamento e hierarquização da rede, a distribuição heterogênea de recursos hospitalares e o excesso de hospitais que realizam menos de 100 partos / ano. Mister destacar ainda como fator desencadeante da peregrinação, o fato da grande parcela da população de grávidas atendidas no município do Rio de Janeiro residirem em outros municípios do Estado. Por outro lado um fator crucial como causa da busca incessante pela internação no momento do trabalho de parto é a falta de integração entre os serviços de assistência pré-natal e parto, além da ausência de um sistema de referência e contra-referência eficaz, que acabam sendo os responsáveis por uma “superutilização” dos serviços em situações de inadequação do perfil de risco (MENEZES, 2006; CAMPOS, 2000). Os informes da literatura exarados linhas atrás dão conta da importância do estudo da peregrinação anteparto em nosso meio. O número reduzido de publicações sobre o tema não lhe confere o significado de tema noviço. Trata-se de um problema grave e crônico que afeta também pacientes portadores de doenças agudas ou crônicas, independente de gênero, que procuram atendimento em hospitais e ambulatórios do nosso País. Alguns fatores estribados na literatura pertinente como causa da peregrinação anteparto: falhas no sistema de referenciamento, insuficiência logística e estrutural das maternidades, ausência de sistemas de transporte e comunicação entre as unidades e falta de integração entre os serviços de assistência pré-natal e parto. Estes fatores se devem, principalmente, à falta de estrutura do sistema de saúde em que estamos inseridos, visto que a gravidez é uma condição com desfecho conhecido e programável, na maioria das vezes. O presente estudo visa complementar as pesquisas já realizadas por outros autores, os quais tentaram elucidar o processo de peregrinação, dado que se aprofundará nas questões ligadas à percepção do usuário quanto ao atendimento e às suas expectativas de acolhida no momento do parto. 5 - METODOLOGIA 5.1 - DESENHO DO ESTUDO Através de estudo descritivo, de natureza transversal, foram analisados dados de entrevistas de uma amostra aleatória de 502 puérperas internadas nas enfermarias de puerpério da Associação Pro Matre, no período de fevereiro a outubro de 2009. 5.2 - CAMPO DE ESTUDO O estudo foi desenvolvido nas dependências da Associação Pro Matre, Instituição filantrópica vinculada ao Sistema Único de Saúde, que presta assistência à população de baixa renda do Estado do Rio de Janeiro. Localizada no centro da cidade do Rio de Janeiro, atende pacientes de todos os bairros da cidade do Rio de Janeiro, inclusive municípios da baixada fluminense. A Associação Pro Matre é uma Instituição voltada para assistência, ensino e pesquisa. Dispõe de 105 leitos para internações, distribuídos em cinco enfermarias e um pré-parto, disponibilizados exclusivamente para o Sistema Único de Saúde (SUS). Conta com aproximadamente 80 profissionais de saúde (Médicos, Enfermeiros, Farmacêutico, Assistentes Sociais) que convergem suas ações, de natureza clínica e ou cirúrgica, para a assistência à saúde da mulher e da criança, através dos setores de pronto atendimento, de internação e dos ambulatórios de obstetrícia (pré-natal de baixo-risco e de alto-risco) e de ginecologia (ginecologia geral, adolescente, patologia do trato genital inferior, uroginecologia, climatério, mastologia, histeroscopia, cirurgia endoscópica, infertilidade e planejamento familiar. Em 2008, foram realizados 10.558 procedimentos cirúrgicos (obstétricos e ginecológicos), além de 41.242 consultas, distribuídas nos setores de Pronto Atendimento e nos ambulatórios geral e especializados de ginecologia e obstetrícios). 5.3 - POPULAÇÃO FONTE, POPULAÇÃO ALVO, POPULAÇÃO DE ESTUDO E CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO População fonte: constituída por puérperas internadas nas dependências das enfermarias do alojamento conjunto da Associação Pro Matre. População alvo: representada pela população fonte após a validação dos critérios de inclusão. População de estudo: resultante da submissão da população base aos critérios de exclusão e subtraindo-se das mesmas as perdas ocasionais. Critérios de inclusão e exclusão: foram incluídas na presente investigação puérperas, independentemente da idade gestacional, paridade, raça e condição clínica, que tenham sido acolhidas pela Pro Matre para procedimento de parto e que tenham revelado ter procurado atendimento em uma ou mais maternidade de qualquer localidade do Estado do Rio de Janeiro para o referido atendimento. Foram excluídas do estudo puérperas que se negaram a participar da referida pesquisa. 5.4 - MÉTODO DE COLETA Dada a complexidade das informações colhidas foi pertinente a realização de um estudo piloto, no qual aproximadamente quarenta questionários foram aplicados visando avaliar a homogeneidade das perguntas, além de avaliar o tempo estimado para sua aplicação. Adotou-se um questionário, do tipo estruturado, construído exclusivamente com esta finalidade, sendo aplicado pela autora e por outros profissionais de saúde treinados. As entrevistas foram realizadas face a face, em ambiente silencioso e confortável, sob condição de consentimento esclarecido documentado (Apêndice II). Quando a puérpera era menor de idade o termo de consentimento esclarecido era assinado também pela sua responsável. O questionário era composto por perguntas que permitem avaliar a percepção e a impressão das puérperas sobre as condições de atendimento e acolhida das pacientes em trabalho de parto que procuram as maternidades públicas do Rio de Janeiro, visando obter informações referentes à identificação (idade, endereço, bairro, município); dados de cunho social (estado civil, escolaridade, profissão, trabalho fora de casa, número de moradores); história gestacional (gestações, paridade, tipo de parto, prematuros, abortos); pré-natal (trimestre em que iniciou, número de consultas realizadas, exames complementares realizados, o município onde realizou o pré-natal); cadastramento do PSF, peregrinação (quantas maternidades procuradas, nome e localização, tipo de atendimento, sintomatologia, justificativa da não acolhida, transporte (s) utilizado na busca; expectativa e percepção da qualidade do atendimento (relação médico-paciente, apoio dos familiares e parceiro), alimentação, estado de ânimo, (queixas físicas mais frequentes), internação para assistência ao parto (presença de trabalho de parto, intervalo entre internação e parto, higidez e índice de Apgar do recém-nascido) e puerpério imediato na Pro Matre (Apêndice 1). As entrevistas foram realizadas aleatoriamente, de segunda a sexta-feira à tarde, na tentativa de obter informações de puérperas que se internaram nos diversos dias da semana, inclusive nos sábados e domingos. Considerou-se como peregrinação, a efetiva internação para procedimento obstétrico (parto transpélvico ou cesariana) com menção de não ter sido internada em uma ou mais maternidade anteriormente procurada (MENEZES, 2006). 5.5 - MÉTODO DE AVALIAÇÃO Os dados extraídos das entrevistas da população estudada foram tabulados e analisados, de forma a permitir a obtenção de prevalências, estimativas de parâmetros como médias, proporções (desvio-padrão e variância) das diversas variáveis, que são apresentados na forma de gráficos e tabelas. Intentou-se com isso estabelecer postulados que poderão trazer subsídios para redução do processo de peregrinação anteparto nos diversos municípios do nosso País. Para a elaboração dos cálculos estatísticos e análise dos resultados foram utilizados os softwar Epi-Info 5.5.1 do CDC - 2008 5.6 - CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES DE NATUREZA ÉTICA Foi utilizado na pesquisa em apreço o termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice II), a fim de caracterizar que as informações foram prestadas espontaneamente pelos componentes da pesquisa. Para a execução da presente investigação, o projeto foi apreciado pela douta Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade Estácio de Sá, recebendo aprovação daquele colegiado. Por ocasião da apresentação dos resultados, nenhuma informação que atente contra o anonimato do sujeito da pesquisa será divulgada ou veiculada, assim como quaisquer dados que permitam a identificação e a caracterização dos mesmos, enquanto pessoas físicas. Esse trabalho não apresentou riscos aos sujeitos envolvidos, dado que a pesquisa foi realizada em ambiente tranqüilo e acolhedor, nas dependências da maternidade. A pesquisa não tem objetivo de esgotar o assunto em apreço, mas sim fornecer dados importantes sobre as condições de atendimento e acolhimento das gestantes em trabalho de parto que buscam atendimento na iminência do parto. Acreditamos que a divulgação dos resultados desse trabalho estimulará ações de promoção de saúde e prevenções específicas para este ou demais grupos de pacientes que procuram atendimento nos hospitais públicos, quase sempre vitimados pela superlotação e outros problemas como: falhas no sistema de referência/contra-referência, problemas estruturais, falta de entendimento da paciente sobre os sintomas clínicos que indicam a internação. 6 - RESULTADOS Os dados da presente investigação constam de 502 entrevistas realizadas na Associação Pro Matre no aludido período. A idade das puérperas entrevistadas variou de 14 a 45 anos, média de 24,1±11,5 anos, sendo 21,7% da amostra composta por adolescentes. A amostra foi constituída por puérperas com predominância de cor não branca (61%), que referiram ter companheiro (87,1%), com escolaridade balizada entre o ensino fundamental e médio (96%) e que desempenhavam suas atividades laborativas no lar 78,1% (Tabela 1). Tabela 1– Distribuição da casuística segundo características sócias Demográfica Variáveis sóciodemográficas Absoluto (n) Relativo (%) IC (95%) Adolescente 109 21,7 19,3-23,7 Não Adolescente 393 78,3 75,3-80,2 Com companheiro 437 87,1 83,7-89,8 Sem companheiro 65 12,9 10,0-16,1 Branca 199 39 37,2-40,9 Parda 160 32 29,3-33,5 Negra 143 29 27,4-35,1 4 0,8 0,3-2,2 Ensino fundamental 225 44,8 37,9-52,5 Ensino médio 257 51,2 53,7-59,4 Ensino Superior 16 3,2 1,7-6,3 No lar 392 78,1 70,3-86,6 Fora do lar 110 21,9 18,2-25,9 Condição etária Situação marital Cor Escolaridade Analfabeta Atividade laborativa Do ponto de vista obstétrico, a maioria das puérperas revelaram que estavam parindo pela primeira vez (56,4%), que receberam assistência pré-natal na quase totalidade dos casos (97,8%), com numero de consultas igual ou superior a 6 (91,6%) e, que realizaram exames complementares no referido período, em 90,6% dos casos (Tabela 2). Tabela 2 – Distribuição da casuística segundo as condições obstétricas Variáveis Obstétricas Absoluto Relativo IC (n) (%) (95%) Primípara 283 56,4 51,6-60,0 Secundípara 142 28,3 24,4-32,5 Multípara 77 15,4 10,2-24,5 Sim 491 97,8 76,1-98,2 Não 11 2,2 0,6-3,0 Não realizou 11 2,2 0,6-3,0 1a3 32 6,4 3,8-11,5 4 –5 45 8,4 62,2-12,1 6 ou mais 258 91,6 89,1- 93,4 Sim 455 90,6 87,2-96,2 Não 47 9,4 8,1-13,2 Paridade Pré-natal Número de consultas Realizados exames comp. Os dados exarados na Tabela 3 revelam a origem do processo de peregrinação anteparto, estratificados por municípios do Estado do Rio de Janeiro. Desafortunadamente a grande maioria das mulheres obrigadas a busca por leitos obstétricos durante o trabalho de parto são originarias do próprio município do Rio de Janeiro (86,1%), seguido dos municípios vizinhos da baixada fluminense. No que concerne à assistência pré-natal, a maioria das puérperas entrevistadas realizaram o pré-natal no município de origem. Dado adicional: parcela não desprezível da população estudada realizou o pré-natal em programas de Saúde da Família (11,2%) Tabela 3- Distribuição dos resultados, segundo a origem da clientela Absoluto Relativo (n) (%) IC (95%) Município de origem Munícipes do Rio de Janeiro 432 86,1 82,6-88,9 Duque de Caxias 26 5,2 3,5-7,6 Belford Roxo 15 3,0 1,7-5,0 São João de Meriti 14 2,8 1,6-4,7 São Gonçalo 6 1,2 0,5-2,7 Magé 3 0,6 0,2-1,9 Nilópolis 3 0,6 0,2-1,9 Nova Iguaçu 2 0,4 0,1-1,6 Mesquita 1 0,2 0,0-1,3 Sim 477 96,2 93,5-97,3 Não 19 3,8 2,4-6,0 Sim 56 11,2 8,4-15,5 Não 444 88,8 85,6-91,4 Pré-natal no município onde mora Pré-natal realizado no PSF A analisando a questão do domicílio de origem das puérperas cujo parto ocorreu na Associação Pro Matre, observa-se que efetivamente as gestantes percorrem trajetórias laboriosas antes de encontrarem um lugar para o nascimento de seu filho. O tempo transcorrido entre o início da busca pela vaga e a efetiva internação na maternidade variou de 45 minutos a 23,1 horas, média de 5,3 ± 4,1 h. A Figura 1 dá a dimensão desse caminho percorrido, encimado pelos bairros longínquos com: Jacarepaguá (81), Bonsucesso (44), Ilha do Governador (32), Penha (18), Rocinha (17), Campo Grande (16). Cordovil (10) e de outros que também seguem listados, conforme citados pelas entrevistadas na casuística em apreço: Água Santa, Anchieta, Bangu, Barra da Tijuca, Benfica, Bento Ribeiro, Braz de Pina, Cabral, Cacuia, Caju, Cabuis, Catete, Catumbi, Centro, Cidade Alta, Copacabana, Costa Barros, Culumbande, Curicica, Del Castilho, Dendê, Edem, Engenho da Rainha, Gramacho, Guadalupe, Guadalupe, Higienópolis, Inhaúma, Inhanhoiba, Itaipu, Jacaré, Jardim América, Jardim Botânico, Jardim Gramacho, jardim Íris, Jardim Leal, Jardim Meriti, Jardim Metropole, Jardim Paraíso, Jardim Primavera, Jóquei, Madureira, Mangueira, Manguinhos, Maracanã, Marapicu, Marechal Hermes, Maringá, Mariopolis, Mutua, Nossa Sra. do Carmo, Olaria, Olavo Bilac, Paciência, Padre Miguel, Parada de Lucas, Parque Anchieta, Parque Eldorado, Parque Lafaiete, Parque São Francisco, Parque São José, Parque Suécia, Pedra de Guaratiba, Ramos, Realengo, Recreio, Ricardo de Albuquerque, Rocha Miranda, Santa Cruz, Santa Elias, Santa Maria, Santa Teresa, Santíssimo, Santo Aleixo, Santo cristo, São Conrado, São Cristóvão, Saracuruna, Senador Câmara, Sepetiba, Tijuca, Vargem grande, Vargem Pequena, Venda Velha, Vidigal, Vigário Geral, Vila Aliança, Vila da Penha, Vila Isabel, Vila Kenedy, Vila Pauline, Vila Rosalio, Vila São João, Vila Valqueire, Vilar dos Teles, Vila São Luiz. Figura 1- Mapa do município do Rio de Janeiro com os respectivos bairros da cidade. Os números da peregrinação(Figura 2), revelaram que 89% da amostra tentaram atendimento obstétrico em pelo menos uma maternidade, antes da efetiva internação na Unidade onde ocorreu o parto, tendo o restante percorrido três, quatro e cinco maternidades para realização do parto. 450 423 400 350 300 250 200 150 100 57 18 50 4 0 Duas Três Quatro Cinco Figura 2- Distribuição dos resultados da peregrinação, segundo o número de maternidades procuradas até a efetiva internação. Os dados sobre as características da peregrinação revelam que as entrevistadas realizaram a procurara da primeira maternidade ainda no próprio município de origem (91%), e que os sintomas mais prevalentes foram exatamente aqueles que denunciam o trabalho de parto (dor, sangramento e perda de líquido amniótico). Consta ainda, que a maioria foi examinada nas Unidades e que grande parte da recusa à internação se deu por conta da falta de vagas obstétricas, seguidas de inadequação ao risco, falta de indicação para a internação e problemas estruturais das unidades procuradas (Tabela 4). Tabela 4- Distribuição dos resultados, segundo dados da peregrinação. Absoluto Relativo IC DADOS DA PEREGRINAÇÃO % N 95% A primeira maternidade procurada foi no 457 91,0 88,1-93,3 483 96,6 94,5-97,2 Dor 352 70,2 70,1-96,6 Sangramento 85 17,1 0,8-7,0 Perda líquida 55 10,9 9,9-16,5 Encaminhada pelo pré-natal 5 0,9 0,4-2,9 Outros 5 0,9 0,4-2,9 Falta de vagas 309 65,3 61,6-76,3 Inadequação ao risco 59 12,4 9,1-18,3 Falta de indicação de internação 50 10,5 7,6-15,1 Problemas estruturais 54 11,4 8,8-14,7 Outros problemas associados 1 0,2 0,1-1,4 próprio município Foi examinada pelo médico O que sentiu para procurar a Maternidade Motivo da não internação O processo de peregrinação anteparto revela outra faceta na busca do leito obstétrico para parir. Os resultados mostram que a maioria das gestantes utiliza a condução de terceiros (49%) quando necessita receber atendimento obstétrico em trabalho de parto, seguida da utilização de ônibus (21%), táxi (13%), carro próprio (12%) e ambulância (1%).Como dado adicional, observou-se que parcela considerável das entrevistadas faz esse trajeto a pé (4%), que enfatiza ainda mais o sofrimento em busca do leito obstétrico (Figura 3) Figura 3- Distribuição dos resultados, segundo as alternativas de transporte utilizado durante o movimento de peregrinação. Os resultados exarados na Tabela 5 revelam aspectos de natureza médicosocial da peregrinação. Nesse sentido mostram que as puérperas deram preferência à maternidade de sua escolha em 76,3% dos casos e que tiveram a companhia da família durante esse processo (80,5%). Observa-se ainda que os pais dos bebês tiveram participação expressiva nessa peregrinação. Há de se considerar as dificuldades de deslocamento e a desmobilização das atividades laborativas que normalmente exercem (67,3%). A despeito das dificuldades, poucas mulheres pensam em voltar para casa (24,1%), insistindo na busca por um leito obstétrico sem levar em conta que necessitam ingerir algum líquido ou alimento leve (82,3%). As puérperas declararam que saíram das maternidades ainda com muita dor associada a outros sintomas (62,2%), a despeito de terem recebido e entendido as explicações fornecidas pelos profissionais de saúde (78,1%). Chama atenção a pouca informação prestada às gestantes no decorrer do pré-natal acerca das possíveis dificuldades na busca por leito obstétrico (30,7%). Tabela-5 – Distribuição dos resultados, segundo aspetos de natureza médico-social n % IC absoluto relativo 95% A) A primeira Maternidade procurada foi de sua preferência? 383 76,3 72,3-79,9 B)Sua família lhe acompanhou nesse momento? 404 80,5 76,7-83,8 C)O pai do bebê lhe acompanhou nesse momento? 67,3 63,0-71,4 338 D)Você pensou em voltar pra casa quando foi liberada da Maternidade? 121 24,1 20,5-28,1 E)Você se alimentou durante a procura pela vaga? 89 17,7 14,5-21,4 F) Foi explicado a você o motivo da sua liberação? 392 78,1 74,2-81,6 G)Você entendeu o motivo de sua liberação? 392 78,1 74,2-81,6 H) Você estava com muita dor quando foi liberada? 302 60,2 55,7-64,4 I) O seu médico do pré-natal lhe informou que isso poderia acontecer? 153 30,7 26,7-35,0 Variáveis Psicossociais A análise das percepções sobre o processo de peregrinação revela que o desejo de trazer um filho ao mundo sobrepuja todas as dificuldades que se apresentam, conforme ilustrado na Tabela 6. Há sempre a busca de energia extraordinária para cumprir a empreitada, embora o medo de parir em ambiente impróprio ronde a cabeça da gestante (45%). A expectativa do parto por parte da gestante e de seus familiares muitas vezes valoriza sobremaneira os sinais e sintomas do trabalho de parto, embora nem sempre seja valorizado como critério para admissão, independente da disponibilidade de vaga. O êxito da parturição apagou o sofrimento da peregrinação para algumas pacientes, dado que um pequeno número de entrevistadas minimizou na fase puerperal o sofrimento que passou na condição de peregrina (19,1%). O atendimento respeitoso dispensado pelos profissionais de saúde (86,1%) à gestante não impediu que houvesse percepção de risco para ela ou para o feto (53%). A grande maioria das entrevistadas alegou que não esperava passar por isso (84,7%) e pouco mais da metade declarou que o ocorrido pode influenciar na decisão de engravidar novamente (53,6%). Tabela- 6 – Distribuição dos resultados, segundo percepções pela busca da vaga n % IC Variáveis de percepção absoluto relativo 95% A)Você achou que teria forças para procurar outra maternidade? D)Você teve medo de parir na rua? B)Você julga que procurou a maternidade cedo demais? C)A busca pela vaga gerou mais sofrimento do que o próprio parto? 252 50,2 45,7-54,3 226 45 40,6-49,5 48 9,6 7,2-12,6 96 19,1 15,8-22,9 70 13,9 11,1-17,4 266 53 48,5-57,4 77 15,3 12,4-18,9 269 53,6 49,1-58,0 E)Você foi tratada de forma desrespeitosa em alguma das Maternidades? H)Você acha que houve risco para você e seu bebê durante a busca pela vaga? G)Você esperava passar por isso? F) Isso lhe desanima quando a engravidar novamente? No que diz respeito aos resultados obstétricos e perinatais, os dados revelaram que quase todas as peregrinas deram entrada na Pro Matre em boas condições de higidez, tanto materna como fetal. A taxa de cesariana foi calculada em 21,1%, levando em consideração indicações anteparto e intraparto, sendo relevante às indicações da primeira (cesariana previa, hipertensão materna, hemorragia de terceiro trimestre, amniorrexe prematura e apresentação pélvica) que constituem um grupo de alto risco. A vitabilidade dos recém-nascidos, avaliada pelo índice de Apgar, revelou que o percentual de escore abaixo de 7 nos primeiro e quinto minutos de vida, foram respectivamente de 8,6 e 0,2% (Tabela 7) . Tabela 7- Distribuição dos resultados, segundo os desfechos obstétrico e perinatal DESFECHOS Absoluto Relativo (n) (%) Mãe e feto vivo e saudáveis na internação Operação cesariana 498 126 99,2 25,1 24 23 18 14 10 10 5 22 19,4 18,2 14,2 11,1 7,9 7,9 3,9 12,6 8 6 8,6 7,2 Principais Indicações de cesariana Sofrimento fetal agudo Desproporção céfalo-pélvica Cesariana previa Amniorrexe prematura Hipertensão materna Hemorragia de terceiro trimestre Apresentação pélvica Outros Índice de Apgar Apgar < 7 1º. Min Apgar < 7 5º. Min 7 – DISCUSSÃO A gravidez na vida da mulher representa fenômeno que supera os limites da biologia. Ocorre uma mudança de paradigma na representação do papel social da mulher que passa a agregar a função de “mãe”. O universo passa a girar em torno do produto da concepção. Nesse sentido, qualquer ameaça que venha a pairar sobre a sua integridade ou do seu filho passa a ter um valor inestimável. A despeito das várias formas de terminação da gestação, que também podem sofrer influências de credo, religião, cultura e condição sócio-econômica, o nascimento ainda é objeto de preocupação por parte da própria gestante e de seus familiares. No entanto, em nome da segurança, os seus sentimentos e sua satisfação não podem ser considerados menos importantes do que o zelo com o parto. Em alguns países ocidentais, nascer em ambiente não hospitalar pode representar risco adicional ao estimado. A dificuldade da mulher em ter assegurado lugar para que possa confortavelmente prover o nascimento de seu filho ainda é uma questão de difícil resolução visto que o número de parturientes excede o número de leitos disponíveis. O conceito de peregrinação anteparto entendido nesse estudo define como peregrina toda parturiente que antes de ser acolhida na Maternidade onde ocorreu o nascimento de seu filho teve a vaga negada em pelo menos uma Instituição de Saúde, fato que a obrigou a buscar atendimento em outra Unidade, independentemente do transporte que foi utilizado nesse trajeto. A presente investigação se apropriou do que foi estabelecido por Menezes (2004), que conceitua a peregrinação como a tentativa frustrada de internação em um ou mais estabelecimento de saúde. O estudo realizado foi de natureza observatória, com desenho transversal, de base populacional. Contou com a participação das 502 puérperas que aceitaram participar do estudo mediante a assinatura do termo de consentimento. A amostra conseguiu abranger praticamente todos os dias da semana, embora as entrevistas tenham sido realizadas de segunda a sexta-feira, dado que a alta ocorre 48 a 72 horas após o parto. Este fato é particularmente importante, dado que poderiam ocorrer desvios em função de problemas que ocorrem nos plantões de final de semana, por conta de diversos fatores, incluindo a representação efetiva de representantes da Direção nos referidos dias. A escolha da Pro Matre como campo de pesquisa se deu não só em função da observação diária da autora, enquanto médica daquela Instituição, mas também pela suas características assistenciais e geográficas. Trata-se de uma maternidade quase centenária, que presta assistência à mulher desde a adolescência até a senilitude. A referida instituição já obteve recordes de atendimento obstétrico, sempre com competência e dedicação à causa do parto humanizado. Dados preliminares obtidos junto ao Setor de Informação dão conta de que a Pro Matre recebe gestantes de todos os bairros do Município do Rio de Janeiro, e também os dos municípios da Baixada Fluminense. Dessa forma o campo pode expressar as características da população de usuárias do SUS do município do Rio de Janeiro. Como critério de inclusão, foram incluídas todas as puérperas que passaram por mais de uma Maternidade antes de serem definitivamente internadas no Hospital Pro Matre. Foram excluídas do estudo todas aquelas que foram prontamente internadas na referida Maternidade. Nenhuma paciente se recusou a participar do estudo, fato que seria representado como perda: ao contrário, durante a realização das entrevistas foi identificada por parte dos entrevistadores, colaboração entusiasmada das pacientes, satisfeitas por terem chance de expressar, ainda que através de um questionário estruturado, a indignação pelas escalas inesperadas a que foram submetidas na ocasião que precedeu a internação. Não foi objetivo desse estudo calcular a prevalência da Peregrinação, mas sim analisar as características e as circunstâncias que envolvem a dificuldade de internação. No entanto, avaliação preliminar, não inclusa na presente investigação, revelou que 28,3% das pacientes internadas buscaram a internação em uma ou mais maternidades do município do Rio de Janeiro antes da internação. Menezes (2006), em trabalho já citado, estimou em 33,5% o número de pacientes que buscaram atendimento em mais de uma maternidade antes da internação. Assim como a referida autora, também constatamos que o percentual da transferência feita de ambulância foi mínimo e a falta de vagas nas primeiras Instituições buscadas foi a principal causa da recusa em admitir as pacientes. O presente estudo não tratou da gravidez na adolescência de forma especial, mas não pode deixar de sublinhar a problemática dessa condição, visto que essa população teve representação significativa no universo da peregrinação anteparto, representando 21,7% das entrevistadas. Sabroza et al.(2004) em trabalho sobre o grupo específico de 1228 adolescentes puérperas no município do Rio de Janeiro, ajuda a pincelar com cores sombrias o retrato dessas meninas quando aponta que 24,2% delas moram em favelas ou nas ruas, em torno de 44% não vivem com o pai do bebê e 40% não pretendem trabalhar. A gravidez é indesejada na maioria das vezes, tanto o pai como as famílias respondem de maneira negativa em relação à gestação, 13% tentou abortar, 21,2% abandonou os estudos devido à gravidez e 40% não pretende trabalhar para seu auto-sustento e o da criança. Analisando parte de uma amostra de puérperas do Município do Rio de Janeiro, Leal et al (2005) vaticinaram: “é persistente a situação desfavorável das mulheres de pele preta e parda em relação às brancas. Nas mulheres pretas e pardas são maiores as proporções de puérperas adolescentes, com baixa escolaridade, sem trabalho remunerado e vivendo sem companheiro. Sofrer agressão física, fumar, tentar interromper a gravidez e peregrinar em busca de atenção médica foram mais freqüentes nas negras seguidas das pardas e das brancas com baixa escolaridade. O grupo de elevado nível de escolaridade tem melhores indicadores, mas repete o mesmo padrão. Esse gradiente se mantém, em sentido inverso, quanto à satisfação com a assistência prestada no pré-natal e no parto. Constata-se a existência de duas formas de discriminação, por nível educacional e cor da pele”. Não foi intenção analisar aspectos raciais como fator de risco para peregrinação, dada a grande dificuldade de caracterização desta variável em função da miscigenação. No entanto, ressalta a informação de que 42,7% das entrevistadas se declararam negra ou parda, número que coincide com o de estudo que analisou dados da população do Rio de Janeiro. Leal et al. (2005) em elegante estudo que teve como objetivo denunciar as desigualdades sociais e os aspectos raciais implicados na dificuldade ao acesso aos serviços de saúde materno-infantil no Município do Rio de Janeiro apontam que dentre as mulheres que chegam desacompanhadas à maternidade a grande maioria é parda ou negra. Apontam que as taxas de peregrinação também são desfavoráveis nesse grupo populacional: 31,8% entre as negras, 28,8% entre as pardas e 18,5% nas brancas. As autoras constataram que há desvantagens para as mulheres pardas e negras que vão além dos indicadores sócio-econômicos e atingem a assistência à saúde da mãe e à do concepto. Essas desigualdades também são observadas no acesso ao pré-natal. O pré-natal considerado adequado não cobriu nem a metade das mulheres negras, mesmo aquelas com nível de instrução maior. As pardas mostram o mesmo padrão, ligeiramente atenuado. Fora do Brasil, Rittenhouse et al (2003), publicaram trabalho realizado no ano de 1999, tendo como campo o estado americano da Califórnia. Observaram que, embora com percentuais mais baixos que as brancas, mais de 80% das mulheres negras receberam atenção pré-natal considerada adequada. Esses dados revelam que o fator racial ainda é relevante no acesso à assistência daquele país. Apenas 12,9% das puérperas entrevistadas declararam-se sem companheiro. Dentre o número total de pacientes, 67,4% tiveram a companhia do pai da criança durante a peregrinação. As analfabetas foram minoria da amostra, mas dado a gravidade social do fato, merece registro: 4 puérperas responderam ser analfabetas. A maioria absoluta diz ter ensino entre fundamental e médio, embora 78,1% não exerça atividade laborativa fora do lar. Mais da metade das pacientes entrevistadas (56,4%) estava parindo pela primeira vez. Esse dado sugere o quanto a sintomatologia do final da gravidez é valorizada pelas mães de primeira viagem que procuram a Maternidade antes do início do trabalho de parto. A internação precoce, por sua vez, não é procedimento louvável. Sabroza et al (2003) investigando o desejo de cesariana por parte das parturientes constataram que quanto maior o tempo entre a admissão e o nascimento, maior é a solicitação pela via alta. No entanto, a grande maioria das mulheres gostaria de trazer seu filho ao mundo através das vias naturais. Essa pesquisa sobre a “cultura de cesárea” nos leva a refletir sobre a construção da indicação da cesariana que está intimamente relacionada com a qualidade da assistência ao parto, salvo o desejo por parte das pacientes de realizar a laqueadura tubária, encarada por muitas delas como a solução abençoada para limitar a prole. Mas dentro da discussão levantada, isso suscita uma questão interessante sobre qual o melhor momento para internar. O profissional responsável pela triagem está mais uma vez entre a cruz e a espada. Se internar cedo demais aumenta a incidência de cesarianas tanto pelo esgotamento físico e psíquico da paciente como pela falha de indução ou pelo uso de medicamentos que causam ou aceleram o trabalho de parto e podem causar sofrimento fetal, não deixando outra alternativa médica que não seja a interrupção via alta. Por outro lado, não internar aquela gestante naquele momento pode representar o início da sua peregrinação. As gestantes, por sua vez, na incerteza da vaga, iniciam sua busca em uma fase precoce conhecida como fase prodrômica do trabalho de parto. A alta incidência de cesariana no município do Rio de Janeiro seria tema para uma outra discussão, mas vale ressaltar pesquisa realizada por Dias & Deslandes (2004) na qual através de estudo qualitativo, os autores investigaram a construção da indicação de cesarianas por parte dos médicos obstetras e concluíram que as indicações do parto cesáreo vão se cristalizando a partir das representações de risco para a mãe e para o recém-nascido. Os médicos são cada vez menos treinados para a prática da operatória obstétrica em detrimento da realização da cesariana. Os autores chamam atenção para o quanto é importante mudar o paradigma do modelo médico do nascimento - que não valoriza qualquer outro aspecto da assistência que não seja o aspecto técnico - com o objetivo de contribuir não só para melhores resultados nas taxas de mortalidade materna e perinatal como também no grau de satisfação das mulheres e dos profissionais de saúde. Freqüentar o pré-natal, como fez a maioria das pacientes que compõem a nossa amostra, não é garantia de acolhida hospitalar. Mais de 80% das entrevistadas compareceram ao pré-nata, cumprindo o número de consultas mínimas preconizadas pelo Ministério da Saúde. A assistência à mulher durante o ciclo gravídico-puerperal evoca o preceito de integralidade. Durante o pré-natal, o atendimento em uma Unidade de atenção básica supre as necessidades da gestação de baixo risco. No entanto, é mandatória a realização de alguns exames de diagnose que rastreiam patologias passíveis de intervenção durante a gestação e cujo tratamento tem impacto benéfico no prognóstico perinatal. Durante esse acompanhamento, é possível que haja necessidade de uma transferência para um degrau acima na hierarquia da atenção. De qualquer forma, o parto, enquanto evento hospitalar, elucida a necessidade de integração da rede: a gestante que freqüenta o pré-natal necessitará, em algum momento, de um leito hospitalar. O MS institui como cobertura pré-natal 6 ou mais consultas, sendo a primeira no primeiro trimestre da gestação e realização de exames laboratoriais. Essas medidas visam promover a saúde da gestante e do feto, bem como a identificação de riscos, para ambos, objetivando assistência adequada e oportuna (MS, 2000). A cobertura da assistência pré-natal é ampla no Município do Rio de Janeiro. Gama et al (2004) corroboram os nossos resultados quando afirmam que no ano de 1996 mais de 90% das gestantes munícipes usufruíram dessa assistência. Dentre as inúmeras variáveis sócio-demográficas que são analisadas nesse trabalho que relaciona o número de consultas pré-natal com o perfil social da mãe, um pequeno recorte merece especial atenção: o fato de que aquela paciente que apresentou maior assiduidade nas consultas de pré-natal foi a mesma que teve a companhia da família e do companheiro na busca pela vaga no momento da internação, foi a mesma que se sentiu apoiada pelo seu parceiro, é a que tem melhor nível de escolaridade e é a que mora em melhores condições de salubridade. Os resultados dessa investigação demonstram que 96% das mulheres realizaram o pré-natal em seus municípios de residência. No que tange à assistência ao parto, 70 mulheres não tiveram a mesma sorte, visto que essa parcela de parturientes acolhidas na Associação Pro Matre veio de outros municípios. Vale ressaltar que 11% dessas mulheres foram atendidas no PSF durante esse período. Ribeiro et al (2004), em estudo que abarcou 22 municípios da União e entrevistou 203 gestantes no que tange à percepção da qualidade de atenção durante o pré-natal, apontam que 47,2% dessas mulheres ignoram a Maternidade que as acolherá no momento do parto, e esse desconhecimento é observado tanto entre as mulheres que tiveram seu pré-natal realizado dentro de um UBS como por aquelas que contaram com a assistência dentro de uma unidade de PSF. Revelam ainda que, na opinião de 43,6% das usuárias das UBS, a admissão hospitalar será um processo árduo. As usuárias do PSF são mais otimistas e apenas 22% julga que irá penar durante o processo admissional. O interessante na análise desses números é a exposição do quanto as dificuldades do acesso comprometem a integralidade da assistência. A zona oeste, representada pelos bairros de Jacarepaguá e Campo Grande foram as grandes fornecedoras de peregrinas desse estudo. A literatura, ainda que parca no que tange à peregrinação anteparto no município do Rio de Janeiro, confirma esses achados. Não é difícil intuir que essa área da cidade carece de leitos obstétricos para atender a sua população. Em princípio essa área deveria receber as parturientes na Maternidade do Hospital de Saracuruna, do Hospital Rocha Faria e na Maternidade Leila Diniz. Esta é a primeira Maternidade, no estado, concebida com o propósito de prestar assistência humanizada ao parto, com espaço físico que possibilita a presença de acompanhante e a prática de técnicas de analgesia não medicamentosas. Entre setembro e outubro de 2009, a Comissão de Saúde Pública do CREMERJ visitou a referida unidade e constatou que o CTI pediátrico pronto e aparelhado há mais de um ano permanece fechado por falta de médicos intensivistas, que nunca foram contratados. Nessa ocasião o corpo clínico se compunha de 38 médicos entre pediatras e obstetras, sendo o ideal estimado em 50. A comissão encontrou pacientes em macas enquanto aguardavam vagas para serem devidamente acomodadas nas enfermarias. (CREMERJ, 2009). Considerando que são preconizados 3 leitos de UTI neonatal e 1 leito de Unidade Intermediária como número ideal de leitos por 100.000 nascidos vivos, o Rio de Janeiro dispõe da metade. É de se lamentar o desperdício que representa a tentativa frustrada de proporcionar esses leitos à zona oeste da cidade. (DUARTE, 2005) Os resultados do presente estudo são compatíveis com o que foi constatado por Campos & Carvalho (2000): há uma grande iniquidade na distribuição espacial das Maternidades entre as APs do município, que são muito mal servidas nas áreas mais periféricas. Segundo dados da Secretaria Municipal da Saúde do Rio de Janeiro, as Instituições federais e estaduais reduziram o número de leitos obstétricos, devido à carência de recursos humanos, principalmente enfermeiras e auxiliares de enfermagem, sobrecarregando as Maternidades municipais. Como a demanda é maior do que a oferta, utilizam-se serviços privados que recebem do SUS através de convênios. O pagamento é feito por procedimento, sendo o valor pago é aquém do custo real, o que compromete a qualidade da assistência. A noção da importância do acesso ao Centro Obstétrico, segundo Armellini & Luz (2003), é percebida tão logo a paciente se depare com a Portaria da Maternidade onde são colocadas as exigências para o seu atendimento, tais como limitação do número de acompanhantes ou determinação de quem será seu acompanhante durante o exame, apresentação de documentos de identificação etc. Não raras vezes, ali mesmo são informadas da falta de vagas. Percebe-se, então, que a barreira principal é representada à internação e não ao atendimento. É o exame clínico obstétrico ao qual as pacientes são submetidas que embasa a liberação, em não raras ocasiões, como ilustra depoimento de paciente: “Fui em vários hospitais, Estava com contrações. Eles não baixavam porque eu tinha só dois dedos de dilatação.” Os dados que ilustram as características da peregrinação apontam que a primeira investida em busca da internação é feita ainda no próprio município de origem (91%), e que a despeito da falta de vagas as pacientes foram examinadas por médico antes da liberação. Houve acesso ao atendimento representado pelo exame clínico obstétrico, mas não havia vagas. Apesar das munícipes do Rio de Janeiro corresponderem à maior fatia da amostra, não foi desprezível o número de parturientes oriundas de outros municípios, encabeçados pelo município de Duque de Caxias, de Belford Roxo e de São João de Meriti, que não garantiram lugar adequado para que as mulheres pudessem parir perto do lugar onde habita. Parada & Carvalhaes (2007) analisaram dados de 12 Maternidades e 134 partos em região do interior de São Paulo no intuito de comparar a assistência prestada pelo SUS com os padrões estabelecidos pelo MS ou pela OMS. Eles partiram do pressuposto de que é falha a assistência ao ciclo gravídico-puerperal, já que 92% da mortalidade materna é considerada evitável e a razão de mortalidade materna brasileira (74,8 óbitos por 100.000 nascidos vivos) representa aproximadamente quatro vezes o índice considerado aceitável pela OMS. Os resultados obtidos apontam para o quanto ainda são pouco praticadas medidas simples de monitoramento do bom andamento do trabalho de parto, tais como: aferição da pressão arterial, ausculta de batimentos cardíacos fetais e avaliação da dinâmica uterina. Chamam atenção para a falta de estrutura da maioria das Maternidades para permitir a presença de acompanhante durante o processo da parturição. Também criticam a prática indiscriminada de tricotomia, enema, prescrição de jejum e prescrição de repouso. O controle não farmacológico da dor e o contato pele a pele mãe/bebê, assim com a amamentação na primeira hora de vida raramente foram praticados, o que aponta para a falta de preocupação institucional com a humanização do parto. O processo de internação durante o trabalho de parto envolve uma dinâmica complexa que contém variáveis ímpares. Esse processo é deflagrado com a demanda espontânea da gestante pelo leito obstétrico, condição muito mais comum do que a indicação médica após uma consulta de pré-natal ou após a realização de algum exame complementar (CTG, USG ou Dopplerfluxometria). A internação de caráter eletivo é rara e restrita na maioria das vezes às condições de risco para mãe e/ou feto previamente diagnosticadas durante a gravidez. Essa demanda espontânea, no entanto, nem sempre coincide com a fase clínica do trabalho de parto que teria indicação indubitável de internação. A dispensa da paciente após a triagem na admissão de determinada maternidade marca o início de um movimento em busca de um leito obstétrico. Partindo-se do princípio de que há uma carência de vagas no estado do Rio de Janeiro, tanto para a mãe como para o recém-nascido que necessite de uma estrutura hospitalar um pouco mais complexa, não é difícil prever que há possibilidade dessa mulher percorrer um grande número de Maternidades até conseguir a internação. 423 das gestantes da amostra percorreram pelo menos duas maternidades antes da internação, 75 passaram por mais de duas maternidades e houve 4 pacientes que fizeram baldeação em cinco maternidades. Os transportes utilizados nesses trajetos denunciam a total falta de inadequação entre estes e a sintomatologia referida pela paciente. As gestantes buscaram a Maternidade quando sentiram dor, quando apresentaram sangramento ou perda líquida. Parcela mínima das peregrinas contou com assistência móvel. A solidariedade entre vizinhos, amigos e parentes foi o que sustentou o deslocamento das parturientes, visto que quase a metade delas contou com carro de terceiros para chegar ao seu destino. Subir e descer de ônibus, caminhar e arcar com o ônus de longas viagens de táxi que tanto acrescentam sofrimento extra ao que já é sofrido. Mobilizar terceiros no percurso desse trajeto e contar com a boa vontade alheia pode ser motivo de constrangimentos, ainda mais quando o motivo da recusa é a falta de indicação da internação. O processo de acolhida, no entanto, não se encerra no ato da internação. Tendo a paciente peregrinado, não há dúvida, a conquista do leito tem gosto de vitória. Inicia-se então, a etapa seguinte: a descaracterização do indivíduo que se transforma em “a paciente” ou “a mãe” como comumente passa a ser chamada. Despir a roupa, colocar o avental, ficar sem as roupas íntimas, entregar os pertences pessoais aos familiares ou amigos que a acompanharam - e que até pouco tempo atrás, não tinham acesso garantido como acompanhantes -, são ações que imprimem o caráter institucional que o processo parturitivo assumirá a partir daquele momento (NAGAHAMA, 2007). Um contraste extremo com essa condição pode ser observado em um relato de caso de um parto de uma tercigesta acompanhado por uma enfermeira obstetra no próprio domicílio da parturiente. Em companhia do marido e dos filhos mais velhos, a gestante deu à luz sem qualquer intercorrência em um ambiente familiar e tranquilo (DAVIM & MENEZES, 2001). Assunto controverso é o ambiente ideal para parturição. Se por um lado o ambiente hospitalar proporciona segurança nos comemorativos clínicos que por ventura possam ocorrer (ou pelo menos, deveria fazê-lo), por outro, pode pecar pela negligência aos outros aspectos sócio-culturais que sempre cercaram o nascimento. O ambiente domiciliar, por sua vez, impõe distância-tempo entre a parturiente e um centro cirúrgico, caso este seja necessário. McCallum e Reis (2006) chamam atenção para a expectativa de sofrimento que acompanha esse processo e que já se anuncia desde o início da gravidez, principalmente quando se trata de mães jovens. Em trabalho realizado em Maternidade de Salvador, as autoras deram voz às jovens parturientes para que contassem o que sentiram durante o acompanhamento do trabalho de parto. A condição de submissão ao ato médico, o medo da dor, a solidão e os signos da institucionalização desse evento fisiológico são notórios em todos os depoimentos. Longe de esmiuçar detalhes sobre essa questão específica, o fato é que, em todo o território nacional, o parto é um evento majoritariamente hospitalar e o acesso às maternidades é o primeiro ponto nevrálgico dessa assistência. A busca pelo leito obstétrico suscita uma reflexão mais abrangente sobre os conceitos de “humanização”, integralidade e universalidade da assistência, sendo os dois últimos como pilares ideológicos do SUS. Carvacho et al. (2008), através de estudo transversal, analisaram as variáveis que dificultaram o acesso de adolescentes gestantes aos serviços de atenção primária à saúde, em uma fase anterior à da gravidez. Apesar desse trabalho ter tido como cenário o município de Indaiatuba, no interior do estado de São Paulo, cidade com características diversas da cidade do Rio de Janeiro, a amostra de 200 adolescentes que foram entrevistadas na ocasião de sua primeira consulta de prénatal, elucidam as barreiras que constrangem ou impedem o acesso desse grupo específico aos Serviços de Saúde. Esse trabalho aponta como alguns grupos têm o acesso dificultado por motivos especiais. Os adolescentes especificamente estão à margem dos Serviços de Saúde, excetuando-se a condição de adolescentes grávidas e a principal barreira verificada tem caráter psicossocial, com ênfase na questão de gênero do médico que prestaria o atendimento. A pesquisa observou que as adolescentes desistiam em persistir na consulta ginecológica quando o médico era homem. A cobertura pré-natal do município de Indaiatuba é ampla (em torno de 99%), e barreiras de acesso que seriam relevantes em municípios com outras características, tais como fatores administrativos, geográficos, econômicos e de informação, ficam restritas às barreiras psicossociais. Se assumirmos o município do Rio de Janeiro como o cenário para analise do acesso de adolescentes aos Serviços de Saúde às barreiras psicossociais somar-se-iam obstáculos das mais diversas ordens. Dias e Deslandes (2006) ao estudarem as expectativas de gestantes em relação ao parto constataram que a qualidade da assistência, no entendimento dessas pacientes, é alicerçada na tríade admissão rápida na internação, garantia de vaga na maternidade e equipe de saúde competente. Os dois primeiros itens ficam comprometidos com a falta de homogeneidade na distribuição das Instituições o que complica o acesso e determina uma peregrinação. A falta de referência precisa para o momento do parto é uma das principais angústias da usuária do SUS. As entrevistas colhidas durante esse trabalho ilustram inclusive mecanismos de defesa criados pelas parturientes na tentativa de driblar uma transferência ou possível recusa de vaga. Algumas optam em ficar em casa o quanto suportam a dor, pois a dilatação avançada dificultaria os trâmites da não admissão. Os autores concluem que a política de humanização deve ter como preceito um sistema de referência que garanta a vaga na Maternidade desde os primórdios da gravidez, evitando assim a peregrinação. Uma parcela significativa da casuística dessa investigação foi submetida à cesariana para desfecho da gestação. 18 dessas mulheres tinham cesariana anterior, 20 delas eram hipertensas ou apresentaram sangramento de terceiro trimestre de gestação, 14 delas peregrinaram com a bolsa rota e 5 tiveram na apresentação pélvica a sua indicação cirúrgica. Esses números sugerem o risco imputado à falta de acolhida imediata. As três indicações acima podem complicar sobremaneira o trabalho de parto. O ideal seria a pronta internação desses casos diminuindo os riscos de complicação ou até mesmo a internação eletiva marcada durante a assistência pré-natal. Em um estudo de caso-controle Lansky et al (2006) analisaram a assistência ao parto em maternidades do SUS em Belo Horizonte, buscando evidenciar a relação da qualidade dessa assistência com os fatores de risco para a morte perinatal. A despeito das inúmeras variáveis relevantes capazes de imputar prognósticos ruins ao recém-nato, chamam atenção para o fato de que 8,4% das gestantes cujos filhos vieram a óbito foram admitidas em período expulsivo contra 0,8% do grupo controle. A presteza do diagnóstico das complicações e a agilidade na tomada de condutas pertinentes são fundamentais para um bom resultado perinatal. Sem intencionar qualquer juízo de valores pode-se intuir que grande parte das mulheres que foi admitida em período expulsivo perdeu um tempo caro na conquista do leito obstétrico. As autoras colocam ainda que a concentração de óbitos fetais no final da gestação e durante o trabalho de parto denunciam a íntima relação entre estas mortes e a qualidade da assistência dentro dos serviços. É sabido que os bons resultados perinatais são oriundos de uma máquina complexa, com inúmeras engrenagens que requerem fino ajuste, mas não se pode fechar os olhos para aquelas variáveis já comprovadas na literatura, que dão ênfase às condições sócio-econômicas, às condições maternas, às do recém-nascido e às informações relativas aos serviços de saúde. A mesma autora em trabalho anterior aponta que grande parcela dos óbitos perinatais incide em crianças com peso maior que 1500g sem malformação congênita grave ou letal. Isso confere a característica de evitabilidade da morte caso houvesse a garantia de acesso oportuno a serviços qualificados de atenção prénatal, ao parto e ao recém-nascido. As ações diretas de assistência teriam grande potencial de redução dessas mortes. Óbitos decorrentes de asfixia intra-parto dentro dessa faixa de peso deveriam ser consideradas eventos sentinelas por todos os serviços que prestam assistência à gestante e ao recém-nascido (LANSKY, 2002). No Brasil, ao contrário do que ocorre em países desenvolvidos, a asfixia é uma das principais causas de mortalidade perinatal. Países com melhores indicadores de saúde têm como causa predominante de mortalidade perinatal a prematuridade extrema e a malformação congênita. São escassos os trabalhos brasileiros que associam aspectos relativos à estrutura da assistência com mortalidade perinatal. Mas não há como fugir desse ponto, visto que a maioria maciça dos partos é hospitalar (91,5%) e realizada por médicos (77,6%). É significativo o número de estudos que apontam falhas na estrutura da assistência perinatal no Brasil, mas carecemos de trabalhos que avaliem o processo de assistência obstétrica e neonatal prestada nos serviços (ALMEIDA, 2002). Os dados disponíveis no país sobre mortalidade perinatal referem-se a realidades locais e mostram que o nosso índice está muito além dos aceitáveis, duas a três vezes maiores quando comparados com taxas de países desenvolvidos e mesmo com alguns países em desenvolvimento. As afecções perinatais se constituem não apenas na primeira causa de mortalidade neo- natal no país, mas também das mortes que ocorrem ao longo do primeiro ano de vida; são responsáveis ainda por 48,5% das mortes de crianças menores de cinco anos (VICTORA & BARROS, 2001). A relevância dessa discussão não exclui a assistência pré-natal que compreende um conjunto de atividades que visa à promoção da saúde da mulher grávida e do feto, bem como a identificação de riscos para o binômio, visando à assistência adequada e oportuna. Ausência e/ou deficiência nesta assistência, da natureza que for, compromete os bons resultados, associando-se sobremaneira a maiores taxas de mortalidade perinatal, prematuridade, baixo peso ao nascer, retardo de crescimento intra-uterino e mortalidade materna (BOLZAN et al, 2000). A maioria das pacientes entendeu bem o motivo da sua liberação quando este foi explicado, no entanto ainda devemos refletir sobre parcela não desprezível da população estudada que procurou a Maternidade, foi examinada no processo de triagem, foi recusada para internação e não sabe porquê. Um dos preceitos da humanização é o entendimento por parte do paciente sobre cada etapa do processo ao qual ele está sendo submetido. 22% das pacientes da nossa amostra não sabem o que as impediu de serem internadas. Goldman e Barros (2003) caracterizam bem essa situação com a fala de uma paciente: “Sabe, acho que a ambulância ia sair, então, o médico falou: espera, leva mais essa nem examinaram direito, nem explicaram direito nada, foi só correria”. Esses autores estudaram 520 puérperas em maternidade filantrópica do estado de São Paulo e mostram que peregrinar não é particularidade das gestantes cariocas. 396 pacientes antes de serem internadas percorreram mais de uma instituição. O descaso com o período clínico da assistência ao parto ganha colorido no depoimento dessa outra paciente: “nasceu no caminho, eu sabia, estava com muita dor. É que demorou muito a remoção e o hospital é longe, nem sei como eu vou fazer para voltar pra casa.” Duarte e Mendonça (2005) relacionam o nível sócio-econômico da mãe e sua história reprodutiva ao risco de mortalidade neonatal. Colocam que os fatores maternos mais comuns associados à mortalidade neonatal são: número de partos, número de visitas ao pré-natal, as morbidades durante a gestação, o uso de corticosteróide antenatal, a corioamnionite e a gemelaridade. Andrade et al (2004) acrescentam a esses fatores as variáveis sócio-econômicas representadas pelo grau de escolaridade materna e pela renda do chefe da família como influenciadores diretos da saúde perinatal no município do Rio de Janeiro. Alguns aspectos mais subjetivos da peregrinação foram incluídos na nossa abordagem. Perguntas como: “Você pensou em voltar pra casa quando foi liberada da Maternidade?”, “Você estava sentindo muita dor quando foi liberada?”, “O seu médico do pré-natal lhe informou que isso poderia acontecer?” sugerem a sensação de angústia com a qual a paciente é confrontada. A despeito de qualquer indicador de saúde que possa comprovar os graves riscos intrínsecos à peregrinação, não se pode desconsiderar as percepções de rejeição vivenciadas por essas mulheres. Parcela mínima da amostra julgou que procurou a Maternidade cedo demais. Não há como ficar insensível a essa percepção: A hora chegou! Mas não há lugar. Não há vagas. Não há garantias de acesso. 45% das puérperas entrevistadas tiveram medo de parir na rua, mais da metade temeu pelo seu bem-estar e de seu bebê. Quase 20% atribuíram mais sofrimento na tentativa de internação do que no próprio parto. Quando a discussão das políticas de humanização entra em voga e ocupam lugar nos planejamentos, não há como não caracterizar o acesso como o ponto inicial dessa jornada. A sensação de ter recebido tratamento desrespeitoso por parte da equipe médica, afirmada por mais de 10% da nossa amostra assim como o desânimo para procurar uma nova Instituição diante da recusa referida por quase metade das nossas entrevistadas, nos fazem refletir sobre a abrangência das ações contidas no exame físico da parturiente e o significado do diagnóstico que lhe é comunicado. O processo de peregrinação pode ter sua origem nessa dinâmica. É cedo para internar, ainda não há trabalho de parto, mas se isso não é explicado de forma inteligível, a busca continua. A despeito da acolhida representada pela Maternidade Pro Matre a essas pacientes, a Instituição suspendeu, em dezembro de 2009, a assistência obstétrica prestada desde a época da sua fundação. Dificuldades financeiras e de manutenção do contrato com a Secretaria Municipal da Saúde riscaram a Pro Matre como o destino final de parcela significativa de parturientes. A região portuária conta agora apenas com a maternidade Oswaldo Nazareth, localizada na Praça XV, e com a Santa Casa da Misericórdia. Ambas, porém, também enfrentam problemas estruturais da mesma natureza e não raro limitam a internação por falta de profissionais ou de material para prestar assistência. 8 - CONSIDERAÇÕES FINAIS 1- A despeito dos esforços empreendidos pelas autoridades das três esferas da saúde (municipal, estadual e federal), as grávidas em trabalho de parto, ainda continuam padecendo pela busca de um leito obstétrico no momento do parto. Os dados da peregrinação revelam tratar-se de mulheres adultas jovens, de cor não-branca, com parceiro estabelecido, escolaridade balizada entre o ensino fundamental e médio e que exercem prioritariamente suas atividades laborativas no lar. Do ponto de vista obstétrico, os dados mostram que um número expressivo de peregrinas estava experimentando a parturição pela primeira vez, que realizaram o pré-natal com mais de seis consultas e se submeteram a todos os exames necessários. 2- Desafortunadamente, o maior contingente de peregrinas foi do próprio município do Rio de Janeiro, oriundas de bairros longínquos como: Jacarepaguá, Bonsucesso, Ilha do Governador, Penha, Rocinha, Campo Grande e Cordovil. A distância percorrida, medida pelo tempo entre a saída de casa e a parturição, dá a verdadeira dimensão da peregrinação, na qual algumas gestantes quase ultrapassam a barreira dos dois sois na busca pala vaga. 3- Os dados sobre as características da peregrinação revelam que os sintomas que as levaram a procurar a maternidade foram exatamente aqueles que denunciam o trabalho de parto (dor, sangramento e perda de líquido amniótico), sendo que grande parte da recusa à internação se deu por conta da falta de vagas obstétricas, inadequação ao risco, falta de indicação a internação e problemas estruturais das unidades procuradas. São situações que põem à mostra a fragilidade do sistema no que se refere a referênciacontra-referência e às condições gerenciais e de financiamento da saúde em nosso Pais. 4- Além das agruras por conta da luta pela falta de vagas, as gestantes em trabalho de parto também passam por problemas relacionados à locomoção. Contam freqüentemente com apoio de veículos de amigos, vizinhos e parentes distantes no processo de peregrinação. Não obstante, seguem também o caminho em busca da maternidade, utilizando transporte impróprio como ônibus, táxi, ou caminham a pé para conseguir seu intento. 5- Chama atenção a pouca informação prestada ás gestantes no decorrer do pré-natal acerca das possíveis dificuldades na busca por leito obstétrico. Revela ainda um estado de frustração pelo fato de não ficarem internadas nas maternidades que escolheram, muito embora, diante do fato não exitoso, partirem em busca do leito em companhia de seus familiares, deixando claro que a peregrinação anteparto é um processo coletivo. Mostra ainda que, a despeito das dificuldades, poucas mulheres pensam em voltar para casa, insistindo na busca por um leito, sem levar em conta que necessitam ingerir algum líquido ou alimento leve. 6- A análise das percepções sobre o processo de peregrinação revela que o processo de parturição ainda está longe de alcançar o que desejam as famílias de baixa renda. Ainda há angústia, incerteza, decepção e medo num processo do qual se espera ternura, compreensão, tranqüilidade e respeito. A persistência da gestante, de seus familiares e de amigos na busca pelo leito acaba por vencer as dificuldades, a despeito do medo de que o nascimento possa ocorrer no trajeto. Não se pode negar que muitas vezes os sinais e sintomas do trabalho de parto são majorados, mas na grande parte dos casos a decisão de não internar decorreu de causas não obstétricas. O êxito da parturição apagou o sofrimento da peregrinação, dado que apenas um pequeno número de entrevistadas valorizou na fase puerperal o sofrimento que passou na condição de peregrina. Há de se ressaltar o atendimento respeitoso por parte dos profissionais de saúde, embora isso não tenha impedido que houvesse percepção de risco para o binômio. Essas condições, segundo relato das entrevistadas pode influenciar na decisão de engravidar novamente. 7- Na presente investigação, o padecimento psicológico e social e a peregrinação em si, não revelaram a sua face mais dramática, embora grande contingente de mulheres que peregrinaram estivessem sob real risco de desfecho gestacional infeliz, quando avaliados pelas principais indicações da operação cesariana (cesariana previa, hipertensão materna, hemorragia de terceiro trimestre e apresentação pélvica); Essas condições apontadas, freqüentemente, carregam elevado risco materno e perinatal, se não receberem assistência obstétrica em ambiente hospitalar. 9 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ALMEIDA MF, NOVAES HMD, ALENCAR GP, RODRIGUES LR. Mortalidade neonatal no Município de São Paulo: influência do peso ao nascer e de fatores sócio-demográficos e assistenciais. Rev Bras Epi- demiol 2002; 5:93-107. ANDRADE, C. L.T.; SZWARCWALD, C. L.; GAMA, S. G. N.; LEAL, M. C. Desigualdades sócio-econômicas do baixo peso ao nascer e da mortalidade perinatal no Município do Rio de Janeiro, 2001. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20 Sup 1:S44-S51, 2004 ANDRADE, F.; MELO, E.; KNUPP, V. Trajetória de Gestantes pelas maternidades do município do Rio de Janeiro: análise segundo variáveis selecionadas. Paper apresentado em maio de 2008. 15º Pesquisando em Enf. / 11ª Jornada Nac. História Enf. / 8º Encontro Nac. Fundamentos Cuid. Enf., Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Disponível em http://www.pesquisando.eean.ufrj.br/viewabstract.php?id=300&cf=2 ÂNGULO-TUESTA, A. Saberes e práticas de enfermeiros e obstetras: cooperação e conflito na assistência ao parto. Cad. Saúde Pública, v. 19, n. 5, pp. 1425-1436. 2003. ARMELLINI C.; LUZ A. Acolhimento: a percepção das mulheres na trajetória da parturição Porto Alegre (RS). Rev Gaúcha Enferm;24(3):305-15, dez 2003. ASSIS, M.A.; VILLA,T.C.S.; NASCIMENTO, M.A.; Acesso aos serviços de saúde: uma possibilidade a ser construída na prática. Ciência e Saúde Coletiva, 8(3):815823,2003. BARBOSA, G.; GIFFINN, K.; ANGULLO-TUESTA, A.; GAMA, A., DORSI; E.; REIS,A. Parto cesáreo: quem o deseja? Em quais circunstâncias? Cad. Saúde Pública vol.19 no.6 Rio de Janeiro Nov./Dec.2003 BHARATI, S.; PAL, M. Obstetric care practice in Birbhum District, West Bengal, India. International Journal for quality in health care advanced access published p. 1-6, august 18, 2007. BITTENCOURT, F. Arquitetura do ambiente de nascer - investigação, reflexões e recomendações projetuais sobre o conforto humano em centros obstétricos no rio de janeiro 2007 Hospitalar - Tese de Doutorado- UFRJ – 2008 BOLZAN, A.; GUIMAREY, L. & NORRY, M.. Factores de riesgo de retardo de crecimiento intrauterino y prematurez en dos municipios de la Provincia de Buenos Aires. Jornal de Pediatria, 76: C8-C14. 2000 BRENES, C. História da parturição no Brasil, séc. XIX. Cadernos de saúde pública. Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, jun 1991. CAMPOS, T.; CARVALHO, M. Assistência ao parto no Município do Rio de Janeiro: perfil das maternidades e o acesso da clientela. Cad. Saúde Pública, RJ 16(2):411420, abr - jun 2000. CARVACHO, I. E.; MELLO, M. B.; MORAIS, S. S.; SILVA,J. L. Fatores associados ao acesso anterior à gestação a serviços de saúde por adolescentes gestantes. Rev Saúde Pública;42(5):886-94, 2008 COMIBRA, L. Fatores associados à inadequação do uso da assistência pré-natal. Rev. Saúde Pública, v. 37, n. 4, pp. 456-462. 2003. COSTA, J.O.; XAVIER, C.C., PROIETTI, F.A.;DELGADO, M. S. Avaliação dos recursos hospitalares para assistência perinatal em Belo Horizonte, Minas Gerais. Rev. Saúde Pública, v. 38, n. 5, pp. 701-708, 2004. DAVIM,R.; MENEZES, R.; Assistência ao parto normal em domicílio. Rev Latino-am Enfermagem nov-dez; 9(6):62-8, 2001. DORSI, E.; CHOR, D.; GIFFIN,K.; ANGULO-TUESTA, A.; BARBOSA,G.; GAMA,A.; REIS, A.; HARTZ, Z. Qualidade de atenção ao parto em maternidades do Rio de Janeiro. Cad. Saúde Pública;39(4):646-54. 2005 DESLANDES, S. A ótica de gestores sobre a humanização da assistência nas maternidades municipais do Rio de Janeiro. Ciênc. saúde coletiva v. 10, n. 3, pp. 615-626. 2005. DIAS, M. A. B.; DESLANDES, S. F. Expectativas sobre a assistência ao parto de mulheres usuárias de uma maternidade pública do Rio de Janeiro, Brasil: os desafios de uma política pública de humanização da assistência. Cad. de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 22, n. 12, dez 2006. DIAS, M.; DESLANDES, S. Cesarianas: percepção de risco e sua indicação pelo obstetra em uma maternidade pública do Rio de Janeiro. Cad. Saúde Pública, v. 20, n. 1, pp. 109-116. 2004. DIAS, M.A.B.; DOMINGUES, R. M. S. M. Desafios na implantação de uma política de humanização da assistência hospitalar ao parto. Ciência & Saúde Coletiva, 10(3):669-705, 2005 DINIZ, C. S. G. Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento. Ciência e Saúde Coletiva. v. 10, n. 3, 2005. DOMINGUES R., SANTOS E., LEAL M. Aspectos da satisfação das mulheres com a assistência ao parto: contribuição para o debate. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20 Sup 1:S52-S62, 2004. DUARTE, J.L.; MENDONÇA,G.A. Comparação da mortalidade neonatal em recémnascidos de muito baixo peso ao nascimento, em maternidades do Município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 21(5):1441-1447, set-out, 2005 FERNANDES, D.M.; GOMES, J.C.; FERREIRA,M.C.; BRANDÃO, M.V.M.; LORANDI, P.A. Análise da equidade no acesso aos serviços da saúde através do índice de exclusão e inclusão social. III Encontro de Engenharia Ambiental. UFRJ, 2007. FISH, W. Can’t see water: the need to humanize birth. Int J Gynecol Obstet;75:S25-S37 1989. GAMA, S. Fatores associados à assistência pré-natal precária em uma amostra em puérperas adolescentes em maternidades do Município do Rio de Janeiro, 19992000. – Cad. Saúde Pública, RJ, 20 Sup 1:S101-S111, 2004. GOLDMAN, R. E.; BARROS, S. M. O. de. O acesso às maternidades públicas no município de São Paulo: procedimentos no pronto-atendimento obstétrico e opinião das mulheres sobre esta assistência Acta Paul. Enferm; 6(4):9-17, out.-dez. 2003. GURGEL, R.Q.; FRANÇA, V.L.; MATOS, D.M. Evolução da migração de partos para Aracaju, Sergipe, Brasil, 1970-1996. Cad. Saúde Pública vol.19 no.1 Rio de Janeiro Jan./Feb. 2003. HOTIMSKY, S.; RATNNER, D., VENÂNCIO, S.; BÓGUS, C.; MIRANDA, M. O parto como eu vejo... ou como eu o desejo? Expectativas de gestantes, usuárias do SUS, acerca do parto e da assistência obstétrica. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5): 1303-1311, set-out, 2002. JULIANI, C.; CIAMPONE, M. Organização do Sistema de referência e contrareferência no contexto do sistema único de saúde: a percepção de enfermeiros. Esc. Enf. USP, v.33,n. 4, p. 323-33, dez. 1999 KASSOUF,A.L. Acesso aos serviços de saúde nas áreas urbana e rural do Brasil. RER, Rio de Janeiro, vol. 43, n.1, p. 000-000, jan/mar 2005 LANSKY, S.; FRANÇA, E.; LEAL, M. C. Mortalidade perinatal e evitabilidade: revisão da literatura, Rev Saúde Pública 2002;36(6):759-72 759 LANSKY, S.; FRANÇA, E.; CÉSAR,C .; NETO, L.; LEAL, M. Mortes perinatais e avaliação da assistência ao parto em maternidades do Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil 1999. Cad. Saúde Pública, v. 22, n.1, pp. 117130.2006 LAURENTI, R.; MELLO-JORGE,M.; GOTLIEB, S. Reflexões sobre a mensuração da mortalidade materna. Cad. Saúde Pública vol.16 n.1 Rio de Janeiro Jan./Mar. 2000 LEAL, M.C.; GAMA,S.G.; CAMPOS,M.R.; CAVALINI,L.T.; GARBAYO, L.S.; BRASIL,C.L.; SZWARCWALD,C.L. Fatores associados à morbi-moratalidade em uma amostra de maternidades públicas e privadas do Município do Rio de Janeiro, 1999-2001. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20 Sup 1:S20-S33, 2004 LEAL, M. C.; GAMA, S. G.; CUNHA, C. B. Desigualdades raciais, sociodemográficas e na assistência ao pré-natal e ao parto, 1999-2001. Saúde Cad. Saúde Pública 2005;39(1):100-7. LORA, A. Acessibilidade aos Serviços de Saúde – estudo sobre o tema no enfoque da Saúde da Família no município de Pedreira – SP. Tese de Mestrado em Saúde Coletiva. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas. 2004. MAEDA, S. Gestão da referência e contra-referência na atenção ao ciclo gravídico puerperal: a realidade do Distrito de Saúde do Butantã. São Paulo: Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2002. McCALLUM, C. REIS, A. Re-significando a dor e superando a solidão: experiências do parto entre adolescentes de classes populares atendidas em uma maternidade pública em Salvador, Bahia, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(7): 1483-1491, jul, 2006. MENEZES, D.; LEITE, I.; SCHRAMM, J.; LEAL, M. C. Avaliação da peregrinação anteparto numa amostra de puérperas no Município do Rio de Janeiro, Brasil, 1999/2001 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(3):553-559, mar, 2006 MLISAGO, C.; HYANKIS,J. From “culture of dehumanization of childbirth” to “childbirth as a transformative experience”: changes in five municipalities in northeast Brazil. International Journal of Gynecology and Obstetrics. v. 75, nov 2001. S67S72. MS (Ministério da Saúde), 2000. Portaria n° 570, Programa de humanização no pré-natal e nascimento. 01 de junho 2000 http://www.saude.gov.br/programas/mulher/prenatal.htm. MURRAY, F. Tools for monitoring the effectiveness of district maternity referrals systems. Health Policy Plan. v.16, n. 4, 2001. p. 353-61. NAGAHAMA, E. A Humanização no Cuidado da Assistência Hospitalar ao Parto: uma avaliação da qualidade. Tese de Doutorado em Saúde Coletiva. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas. 2007 NORONHA, K.V.M. de S.; ANDRADE,M.V. Desigualdade social no acesso aos serviços de saúde na região Sudeste do Brasil. X Seminário sobre a Economia Mineira,2007 OLIVEIRA, S.; RIESCO,G.; MIYA, R. ; C.; VIDOTTO, P. Tipo de Parto: expectativa das mulheres. Rev. Latino-Am. Enfermagem, v. 10, n. 5, pp. 667-674. 2002 OLIVEIRA, E. X. G.; TRAVASSOS, C. & CARVALHO, M.S., Acesso à internação hospitalar nos municípios brasileiros em 200: territórios do Sistema Único de Saúde Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20 Sup 2:S298-S309, 2004 ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS) Organização Mundial da Saúde. 130ª Sessão do Comitê Executivo. Estratégia regional para a redução da mortalidade e morbidade materna. Disponível em: <http://experiência de parir. www.who.org >. Acesso em: 01/12/2008 PARADA,C.; CARVALHAES, M. Avaliação da estrutura e processo da atenção ao parto: contribuição ao debate sobre desenvolvimento humano. Rev. Latino-Am. Enfermagem, v. 15, n. spe, pp. 792-798. 2007 PEREIRA, A. P.; GAMA, S. G.; Leal, M. C. Mortalidade infantil em uma amostra de nascimentos do município do Rio de Janeiro, 1999-2001:”linkage” com o sistema de Informação de Mortalidade. Rev. Bras. Saude Mater. Infant. 2007, v. 7, n. 1, pp. 8388. PERINI, E.; MAGALHAES,S.; NORONHA, V. Consumo de medicamentos no período de internação para o parto. Rev. Saúde Pública, v. 39, n. 3, pp. 358-365. 2005 PUCCINNI, R. F. Eqüidade na atenção pré-natal e ao parto em área da Região Metropolitana de São Paulo, 1996. Cad. Saúde Pública, v. 19, n. 1, pp. 35-45. 2003 REZENDE, J.: Tratado de Obstetrícia - Obstetrícia-histórico. 2ª edição. Editora Guanabara Koogan. Rio de Janeiro, 1969. RIBEIRO, J. M.; COSTA, N. R.; PINTO, L. F. S.; SILVA, P. L. B. Atenção ao prénatal na percepção das usuárias do Sistema Único de Saúde: um estudo comparativo. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(2):534-545, mar- abr, 2004 RONSMANS, C.; CAMPBELL, R.; McDERMOTT, J.; KOBLINSKY, M. Questioning the indicators of need for obstetric care. Bull World Health Organ 2002, v. 80, n. 4, pp. 317-324. ROSA, M. L.; HORTALE, V. A. Óbitos Perinatais evitáveis e estrutura de atendimento obstétrico na rede pública: estudo de caso de um município da região metropolitanda do Rio de Janeiro. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 16(3):773783,jul-set, 2000 ROWE, R.; GARCIA, J. Social class, ethnicity and attendance for antenatal care in the United Kingdom: a systematic review. Journal of Public Health Medicine. v. 25, n. 2, 2003. p. 113-119. SÁ, P. A Integralidade da atenção no programa médico de família de Niterói /RJ. [Tese de Mestrado] Escola Nacional de Saúde Pública. FIOCRUZ. Rio de Janeiro. 2003. SANTOS, I.; BARONI, R.; MINOTTO, I.; KLUMB, A. Criteria for choosing primary health care facilities for prenatal care, Brazil. Rev. Saúde Pública. 2000, v. 34, n. 6, pp. 603-609, 2000. SABROZA, A. R.; LEAL, M. C.; GAMA, S.; COSTA, J. Perfil sócio-demográfico e psicossocial de puérperas adolescentes do Município do Rio de Janeiro, Brasil 1999-2001 Cad. Saúde Pública vol.20 suppl.1 Rio de Janeiro 2004 SCHRAMM, J. M. A. et al. Assistência obstétrica e risco de internação na rede de hospitais do Estado do Rio de Janeiro. Revista de Saúde Pública. São Paulo, v. 36, n. 5, outubro 2002. SCHRAMM, J. M. A.; SZWARCWALD, C. Diferenciais nas taxas de mortalidade neonatal e natimortalidade hospitalares no Brasil: um estudo com base no Sistema de Informações Hospitalares do Sistem Único de Saúde (SIH/SUS) Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 16(4):1031-1040, out-dez, 2000 SERRUYA, S.; CECATTI, J.; LAGO,T. O programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento do Ministério da Saúde no Brasil: resultados iniciais. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(5):1281-1289, set-out, 2004. SCHOEPS, D.et al. Fatores de risco para mortalidade neonatal precoce. Rev. Saúde Pública, v. 41, n. 6, pp. 1013-1022. 2007 SILVA, P. L. B. Acesso e gerenciamento dos serviços de saúde: o dilema do SUS na nova década. São Paulo em Perspectiva, Fundação SEADE, 2001. RAMOS, D. D.; LIMA, M. A. D. S., Acesso e acolhimento aos usuários em uma unidade de saúde de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil; Cad. Saúde Pública vol.19 no.1 Rio de Janeiro Jan./Feb. 2003 Rittenhouse DR, Braveman P, Marchi K. Improvements in prenatal insurance coverageand utilization of care in California: an unsung public health victory. Matern Child Health J 2003;7:75-86. THÉBAUD, F. A medicalização do parto e suas conseqüências: o exemplo da França no período entre as duas grandes guerras. Estudos Feministas 415 2/2002 TOSI, L. A mulher e a ciência. Ciclo de Conferências proferidas na faculdade de Medicina – UFMG. Minas Gerais, jun 1988. VAITSMAN, J; ANDRADE, G. Satisfação e responsividade: formas de medir a qualidade e a humanização da assistência à saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 10(3):599-613, 2005. Victora CG, Barros FC. Infant mortality due to perinatal causes in Brazil: trends, regional patterns and possible interventions. São Paulo Med J 2001; 119:33-42. WHO/UNICEF (World Health Organization/United Nations International Children's Emergency Fund), 1996. Revised 1990 Estimates of Maternal Mortality. A New Approach by WHO and UNICEF. WHO/FRH/MSM/96.11 UNICEF/PZN/96.1. Geneva: WHO/UNICEF. 10 - Apêndice I UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ PEREGRINAÇÃO ANTEPARTO QUESTIONÁRIO:________ 1. Idade: _______ 1’. Raça: 1( ) Negra 2( )Parda 3( )Branca 2. Endereço atual: _________________________________________________________________________________ 3. Bairro onde mora ______________________________ 4. Município em que mora ________________________________ 5. Gesta: _____________ 6. Para: _________________ 7. Abortos: ____________________ 8. Partos vaginais:____________________ 9. Partos cesáreos: ___________________________ 10.Natimortos: ___________11. Neomortos: ___________ 12. Prematurmos:______________ 13. Vivos atualmente: _______________ 14. Estado civil: 1 ( ) com compamheiro 2 ( ) sem companheiro 3 ( ) ignorado 15. Quantas pessoas moram na sua casa: ______________ 16. Quantas dessas pessoas trabalham fora: _______________ 17. Escolaridade: 1 ( ) analfabeta 2 ( ) ensino fundamental incompleto 3 ( ) ensino fundamental completo 4 ( ) ensino médio incompleto 5 ( ) ensino médio completo 6 ( ) ensino superior incompleto 7 ( ) ensino superior completo 8 ( ) pós-graduação 18. Profissão: ___________________________________________________ 19. Trabalha fora de casa: 1( ) sim 2 ( ) não 20. Em que trimestre você descobriu que estava grávida? 1 ( ) 1º. Trimestre 2 ( ) 2º. Trimestre 3 ( ) 3º. Trimestre 4 ( ) ignorado 21. Em que trimestre você começou o pré-natal? 1 ( ) 1º. trimestre 2 ( ) 2º. Trimestre 3 ( ) 3º. Trimestre 4 ( ) não realizou pré-natal 5 ( ) ignorado 22. Quantas consultas de pré-natal foram realizadas? ___________________________ 23. Você realizou o pré-natal no Município de __________________________________________________ 24. Você realizou o pré-natal no munícipio onde você mora? 1 ( ) sim 25. Você conhece o PSF? 1 ( ) sim 26. Você está cadastrada no PSF? 1 ( ) sim 2 ( ) não 2 ( ) não 2 ( ) não 27. O seu pré-natal foi realizado no PSF? 1 ( ) sim 2 ( ) não 28. Foram realizados exames complementares durante o pré-natal? 1 ( ) sim, apenas em 1 trimestre 2 ( ) sim, em 2 trimestres 3 ( ) sim, em 3 trimestres 4 ( ) não 29. Quantas Maternidades você procurou até ser internada? ___________________________________ 30. A primeira Maternidade procurada foi no município de:__________________________________ 31. A primeira Maternidade procurada foi no seu município? 1 ( ) sim 2 ( ) não 32. Você lembra o nome da primeira Maternidade procurada?__________________________________ 33. O que você sentiu para procurar a Maternidade? 1 ( ) dor 2 ( ) sangramento 3 ( ) perda líquida 4 ( ) encaminhada pelo médico após consulta pré-natal 5 ( ) outros sintomas ______________________________ 34. Qual o transporte utilizado para chegar a 1ª.Maternidade? 1 ( ) a pé 2 ( ) ônibus 3 ( ) táxi 4 ( ) carro próprio 5 ( ) carro de terceiros 6 ( ) trem 7 ( ) ambulância com médico 8 ( ) ambulância sem médico 9 ( ) outros ____________________________________ 35. Você voltou pra casa após o atendimento na 1ª. Maternidade? 1 ( ) sim 36. Você foi internada na 1ª. Maternidade que procurou? 1 ( ) sim 2 ( ) não 2 ( ) não 37. Caso não, qual o motivo alegado para a não internação? 1 ( ) falta de vagas 2 ( ) inadequação do perfil de risco 3 ( ) falta de indicação de internação 4 ( ) problemas estruturais (falta de profissionais, falta de roupas, de instrumental cirúrgico, de sala etc.) 5 ( ) outros (citar) _________________________________________________________________________ 38. Você foi examinada pelo médico antes de ser liberada? 1 ( ) sim 2 ( ) não 39. A segunda Maternidade procurada foi no município de ________________________________________ 40. A segunda Maternidade procurada foi no seu município? 1 ( ) sim 2 ( ) não 41. Você lembra o nome da segunda Maternidade procurada?____________________________________ 42. Como foi feito o transporte da primeira para a segunda maternidade? 1 ( ) a pé 2 ( ) ônibus 3 ( ) táxi 4 ( ) carro próprio 5 ( ) carro de terceiros 6 ( ) trem 7 ( ) ambulância com médico 8 ( ) ambulância sem médico 9 ( ) outros ____________________________________ 43. Você foi internada na 2ª. Maternidade que procurou? 1 ( ) sim 2 ( ) não 44. Caso não, qual o motivo alegado para a não internação? 1 ( ) falta de vagas 2 ( ) inadequação do perfil de risco 3 ( ) falta de indicação de internação 4 ( ) problemas estruturais (falta de profissionais, falta de roupas, de instrumental cirúrgico, de sala etc.) 5 ( ) outros (citar) ___________________________________________________________ 45. Você foi examinada pelo médico antes de ser liberada 1 ( ) sim 2 ( ) não 46. A terceira Maternidade procurada foi no município de___________________________________ 47. A terceira Maternidade procurada foi no seu município? 1 ( ) sim 2 ( ) não 48. Você lembra o nome da terceira Maternidade procurada?______________________________________ 49. Como foi feito o transporte da segunda para a terceira maternidade? 1 ( ) a pé 2 ( ) ônibus 3 ( ) táxi 4 ( ) carro próprio 5 ( ) carro de terceiros 6 ( ) trem 7 ( ) ambulância com médico 8 ( ) ambulância sem médico 9 ( ) outros _____________________________________________________________________ 50. Você foi internada na 3ª. Maternidade que procurou? 1 ( ) sim 2 ( ) não 51. Caso não, qual o motivo alegado para a não internação? 1 ( ) falta de vagas 2 ( ) inadequação do perfil de risco 3 ( ) falta de indicação de internação 4 ( ) problemas estruturais (falta de profissionais, falta de roupas, de instrumental cirúrgico, de sala etc.) 5 ( ) outros _____________________________________________________________________ 52. Você foi examinada pelo médico antes de ser liberada 1 ( ) sim 2 ( ) não 53. A quarta Maternidade procurada foi no município de _________________________________________ 54. A quarta Maternidade procurada foi no seu município? 1 ( ) sim 2 ( ) não 55. Você lembra o nome da quarta Maternidade procurada_______________________________________ 56. Como foi feito o transporte da terceira para a quarta maternidade? 1 ( ) a pé 2 ( ) ônibus 3 ( ) táxi 4 ( ) carro próprio 5 ( ) carro de terceiros 6 ( ) trem 7 ( ) ambulância com médico 8 ( ) ambulância sem médico 9 ( ) outros ____________________________________ 57. Você foi internada na 4ª. Maternidade que procurou? 1 ( ) sim 2 ( ) não 58. Caso não, qual o motivo alegado para a não internação? 1 ( ) falta de vagas 2 ( ) inadequação do perfil de risco 3 ( ) falta de indicação de internação 4 ( ) problemas estruturais (falta de profissionais, falta de roupas, de instrumental cirúrgico, de sala etc.) 5 ( ) outros _________________________________________________________________ 59. Você foi examinada pelo médico antes de ser liberada 1 ( ) sim 2 ( ) não 60. A 5ª. Maternidade procurada foi no município de ________________________ 61. A 5ª. Maternidade procurada foi no seu município? 1 ( ) sim 2 ( ) não 62. Você lembra o nome da 5ª. Maternidade procurada?_________________________________________ 63. Como foi feito o transporte da 4ª.para a 5ª. maternidade? 1 ( ) a pé 2 ( ) ônibus 3 ( ) táxi 4 ( ) carro próprio 5 ( ) carro de terceiros 6 ( ) trem 7 ( ) ambulância com médico 8 ( ) ambulância sem médico 9 ( ) outros ____________________________________ 64. Você foi internada na 5ª. Maternidade que procurou? 1 ( ) sim 2 ( ) não 65. Caso não, qual o motivo alegado para a não internação? 1 ( ) falta de vagas 2 ( ) inadequação do perfil de risco 3 ( ) falta de indicação de internação 4 ( ) problemas estruturais (falta de profissionais, falta de roupas, de instrumental cirúrgico, de sala etc.) 5 ( ) outros _____________________________________________________________________________ 66. Você foi examinada pelo médico antes de ser liberada 1 ( ) sim 67. Você estava em trabalho de parto avançado quando foi internada 1 ( ) sim 2 ( ) não 2 ( ) não 1 sim 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 A primeira Maternidade procurada foi de sua preferência? Sua família lhe acompanhou nesse momento? O pai do bebê lhe acompanhou nesse momento? Você pensou em voltar pra casa quando foi liberada da maternidade? Você foi tratada de forma desrespeitosa em alguma das maternidades? Foi explicado a você o motivo da sua liberação? Você entendeu o motivo de sua liberação? Você achou que teria forças para procurar outra maternidade? A busca pela vaga gerou mais sofrimento do que o prório parto? Você teve medo de parir na rua? Você estava com muita dor quando foi liberada? Isso lhe desanima a engravidar novamente? O seu médico do pré-natal lhe infomou que isso poderia acontecer? Você esperava passar por isso? Você acha que houve risco para você e seu bebê durante a busca pela vaga? Você julga que procurou a maternidade cedo demais? Você se alimentou durante a procura pela vaga? Você estava sozinha na busca pela vaga? 2 não 86. Ao internar o feto estava vivo e saudável? 1 ( ) sim 2 ( ) não 87. Intervalo de Tempo entre o início da busca pela vaga a efetiva internação na Pro Matre___________ 88. Intervalo de Tempo entre a internação e o parto___________________________ 89. Apresentou alguma anormalidade clínica ou obstétrica quando da internação? 1 ( ) não 2 ( ) sim 90. Qual anormalidade: _________________________________________ 91. Qual o tipo de parto: _________________________________________ 92. Em caso de parto cesáreo, qual a indicação? 1 ( ) DCP ( ) 2 SFA 3 ( ) hipertensão materna 4 ( ) outros:_______________________________________________ 93. Apgar do 1º. Minuto:_________ 94. Apgar do 5º. Minuto:_________ Minuto:____________ 95. Apgar do 10º. OBSERVAÇÕES ADICIONAIS: __________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ 11 - APÊNDICE II TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ - PRO MATRE Título da pesquisa: Não há vagas- Contribuição ao Estudo da Peregrinação Anteparto no Estado do Rio de Janeiro Como voluntária a Senhora está sendo solicitada a participar de uma investigação científica, patrocinada pela Universidade Estácio de Sá, que tem como objetivo principal a obtenção de informações sobre aspectos relacionados ao caminho percorrido obstétrica em busca de uma vaga (peregrinação) em Maternidade para acompanhamento de trabalho de parto/parto. Para participar, a senhora deverá prestar algumas informações sobre sua situação sócioeconômica, sua gestação, e sobre o caminho percorrido até a internação hospitalar. Estes dados serão arquivados em um formulário (questionário) apropriado. Este documento procura fornecer à Senhora, informações sobre o problema de saúde pública em estudo, podendo recusar-se a participar da pesquisa sem que este fato lhe venha causar qualquer constrangimento ou penalidade por parte da Instituição. Os investigadores se obrigam a não revelar a identidade em qualquer publicação resultante do estudo. Antes de assinar o termo, a senhora deve informar-se plenamente sobre o mesmo, não hesitando em formular perguntas sobre qualquer aspecto que julgar conveniente esclarecer. Declaro estar ciente do inteiro teor deste Termo de Consentimento, decidindo participar da investigação proposta, depois de ter formulado perguntas e ter recebido respostas satisfatórias a todas elas, e, ciente que poderei voltar a fazê-las a qualquer tempo, assim como abandonar a entrevista caso queira. Declaro dar o meu consentimento para participar desta investigação. Nome da Entrevistada _____________________________________________________________ Assinatura da Entrevistada ______________________________________________________ Nome do responsável (em caso de entrevistada menor de idade): ______________________________________________________________________Assina tura do responsável:___________________________________________________ Assinatura do investigador ________________________________________________________ Telefone para contato: 2187-1900 Assinatura da Testemunha ____________________________________________________ Local e data: _____________________________________, ________ / ________ / ______