Conteúdo 4 - Impulsos elétricos e fenômenos biológicos 4.1– Introdução Os seres vivos, em sua grande maioria, são compostos majoritariamente por água. A água é uma material que na presença de certos sais se comporta como condutora de eletricidade. A natureza, por alguma razão que não exploraremos aqui, acabou por usar a eletricidade e a transmissão de impulsos elétricos como a principal forma de transmissão de sinais em sistemas biológicos. Nos humanos praticamente toda a percepção discutida no conteúdo 3 abordado nas aulas anteriores termina com a transformação de sinais sonoros, luminosos, mecânicos ou químicos sendo transformados em sinais elétricos que são interpretados através do sistema nervoso e do cérebro. Um dos mais complexos fenômenos elétricos biológicos é o excesso de íons nos lados externo e interno da superfície celular, e às diferenças entre as concentrações iônicas no interior da célula e no meio extracelular. Nos seres humanos e nos animais, uma grande quantidade de energia metabólica (cerca de 20% da taxa metabólica basal) é constantemente despendida para manter esse processo, isto é um indicativo de sua importância. Uma das estruturas mais importantes na composição celular é a membrana citoplasmática que separa o interior da célula do seu meio externo. Graças a membrana citoplasmática, são mantidas as diferenças de composição entre soluções no interior e no exterior da célula. Vamos introduzir alguns conceitos básicos de potencial elétrico, capacitores elétricos, corrente elétrica e difusão iônica. Todos estes conceitos auxiliaram na explicação da ideia de potencial de repouso de uma célula. Posteriormente discutiremos o que vem a ser o potencial de ação de uma célula 4.2 – Potencial elétrico Alguns fenômenos na natureza possuem a característica chamadas elétricas. Historicamente este nome surgiu pelo fato de que no passado ao se atritar tecidos com um tipo de âmbar (em grego elktron) eles atraem outros materiais. Ilustração 1: Distribuição de linhas de campo em uma carga elétrica positiva. Assim, se definiu que existiriam dois tipos de carga, a carga elétrica positiva e a negativa. Este são apenas nomes atribuídos pois alguns elementos tinham comportamento diferenciado de outros quanto esta atração. Não preciso relembrar que esta definição demorou anos para ser elaborada. As cargas positivas atraem as negativas. A unidade de medida de carga elétrica no sistema internacional é o Coulomb C. Uma carga elétrica cria em torno de si um campo elétrico E radial que possui estruturas imaginárias denominadas linhas de campo. A figura da ilustração 2 mostra como esta distribuição ocorreria. Assim, uma carga q de sinal contrário (chamada carga de prova) estaria sobre a ação de uma força causada pela carga Q como ilustra a figura da ilustração . A relação entre a carga elétrica, o campo elétrico e a força é dada pela expressão: =q E (4.1) F , dependendo da carga O sentido da força é o mesmo ou oposto ao sentido do campo E q ser positiva ou negativa. Assim, a unidade de campo elétrico é Newton por Coulomb. A partir da equação (4.1) podemos definir o trabalho W realizado por essa força, quando a partícula se desloca uma distância x . . x (4.2) W =F Ilustração 2: Interação entra a carga de prova e o campo elétrico causado por uma carga Q. Como vimos anteriormente o trabalho é um escalar e podemos associá-lo a variação da energia cinética K . W = K (4.3) A energia mecânica E desta partícula é constante e dada por: E=U K (4.4) U onde é a energia potencial elétrica. Assim,havendo uma variação na energia cinética da partícula, haverá também uma variação em sua energia potencial. U =− K (4.5) A partícula carregada possui essa energia potencial devido a sua interação com o campo elétrico. O valor de U depende da posição da partícula. Quando a partícula se move, há uma variação de U devida ao trabalho realizado pela força elétrica: U =−W (4.6) Se a carga q da partícula for positiva, se essa partícula se deslocar no sentido das linhas de força, o trabalho realizado será positivo e haverá uma diminuição da energia potencial. Neste sentido a variação de U é proporcional à carga elétrica. É interessante definir uma grandeza que relacione o trabalho necessário para deslocar uma carga elétrica q de um ponto x 1 para x 2 , esta grandeza é denominada de diferença de potencial elétrico V e pode ser expressa por duas relações U V= (4.7) q ou V =−E x (4.8) É fácil obter a expressão (4.8) a partir das expressões anteriores (é bom você fazer isto!!!). A 1J unidade do potencial elétrico é volt, assim 1V = . No mesmo sentido, a intensidade de um 1C campo elétrico uniforme em função da diferença de potencial é − V E= (4.9) x Existe a abordagem diferencial da equação (4.9) que deixaremos para o futuro quando tivermos o conceito de derivada direcional mais bem definido, mas para você entender a princípio, imagine que o vetor campo elétrico pode ser obtido pela derivada no espaço do potencial elétrico e o sinal da variação resultaria na direção do vetor. Todos estes conceitos estão sendo revistos, durante o ensino médio eles foram trabalhos no terceiro ano. Agora iremos falar de uma ideia mais aplicada aos sistemas biológicos, o potencial de repouso. 4.3 - Potencial de repouso Entre o líquido no interior de uma célula e o fluído extracelular há uma diferença de potencial elétrico denominada potencial de membrana. Esse potencial pode ser medido ligando por meio de microeletrodos, os polos de um medidor tensão (voltímetro) ao interior de uma célula (figura da Ilustração 3). Ilustração 3: Medida do potencial de repouso de uma célula. Na maioria das células, o potencial de membrana V permanece inalterado, desde que não haja influência externas. Quando a célula se encontra nessa condição, dá-se ao potencial de membrana V, a designação de potencial de repouso representado por V 0 . Em uma célula nervosa ou muscular o potencial de repouso é sempre negativo, apresentando um valor constante e característico. Nas fibras nervosas e musculares dos animais de sangue quente, os potenciais de repouso se situam entre -55 mV e -100 mV. Nas fibras dos músculos lisos, os potenciais de repouso estão entre -30 mV e -55mV. Origem do potencial de repouso Desenho 1: Potencial de repouso de uma célula. Unidade do eixo x e angstron, no caso a espessura desta membrana seria de 70 Å . Quando ambos os pontos do medidor de tensão (ou voltagem) estão no meio externo, a diferença de potencial medida é nula, indicando que o potencial elétrico é o mesmo em qualquer ponto desse meio. O mesmo aconteceria se os dois eletrodos pudessem ser colocados no interior da célula. O potencial elétrico do fluido extracelular, por convenção, é nulo e V é o potencial no interior da membrana. O potencial V, mostrado no Desenho 1, é constante dentro e ora da célula, devendo, portanto, variar no interior da membrana citoplasmática. Nessa figura, a variação linear V dentro da membrana é apenas hipotética, baseada em considerações físicas. O campo elétrico dentro e fora da celula é nulo pois não há variação de potencial elétrico. O campo elétrico na membrana citoplasmática pode ser calculado a (4.9) e o seu valor em módulo é de 1,0×10 6 N /C , tente calcular este valor usando a equação (4.9) e os dados do Desenho 1 e lembre-se que −10 1 Å=10 m . Outras informações relevantes neste momento é que a carga elétrica de um íon monovalente, como os existentes dentro e fora da célula, é q=1,6×10−19 C . 4.4 – Origem do potencial de repouso A célula animal, que será o foco de nossos estudos, pode ser entendida como um capacitor elétrico pois acumula carga elétrica através de uma distribuição específica de cargas elétricas. Para uma compreensão melhor do que vem a ser um capacitor sugiro a leitura do livro de Okuno (Okuno, 1982) que explica de uma forma mais aplicada à Biologia e a leitura do livro de Halliday (Hallyday, 2008) que apresenta uma descrição mais geral e Física do funcionamento do capacitor. De maneira geral podemos entender que o comportamento da célula se assemelha com um capacitor por existir um acúmulo de cargas elétricas diferentes em partes específicas da célula. No geral a célula é neutra, tanto o interior da célula como o meio extracelular estão cheios de uma solução salina. Em soluções salinas muito diluídas, a maior para das moléculas se decompõem em íons. Esses íons movem-se livremente numa solução aquosa. Os fluídos dentro e fora da célula são sempre neutros, isto é, a concentração de ânions em qualquer local é sempre igual à de cátions, não podendo haver um acúmulo local de cargas elétricas nesses fluidos. Pode-se imaginar a membrana celular como um capacitor no qual duas soluções condutoras estão separadas por uma delgada camada isolante, a membrana citoplasmática. A figura da Ilustração 4 mostra um capacitor com cargas Q e −Q . Ilustração 4: Figura esquemática de um capacitor. As cargas elétricas em excesso, Q e −Q , que provocam a formação do potencial de repouso se localizam em torno da membrana celular. Esse potencial se origina também na membrana celular: a superfície interna da membrana é coberta pelo excesso de ânions ( −Q ), enquanto que, na superfície externa, há o mesmo excesso de cátions ( Q ). Por razões que ficarão mais claras no futuro, na célula animal a distribuição superficial de cargas elétricas no exterior da célula é positiva e no interior é negativa. Note que, no livro de Okuno não há a explicação da causa desta formação preferencial de cargas. A autor usa boa parte do texto discutindo as dimensões das células que são facilmente observadas pela experiência (pelo uso de microscópios) e das constantes elétricas universais como a permissividade elétrica e susceptibilidade magnética (termos que ficarão mais claros no futuro), a associação destes conceitos permite a obtenção do valor do potencial elétrico de repouso da célula com grande aproximação do que é observado experimentalmente através de experiências como a esquematizada na Ilustração 3. A explicação do porquê desta distribuição é uma tarefa para a teoria do equilíbrio celular que será discutida mais a frente quando falarmos sobre as diferentes concentrações iônicas dentro e fora da célula. 4.5 - Concentrações iônica dentro e fora da célula Vamos neste momento nos focalizar as diferenças de concentrações iônicas nos fluídos dentro e fora das células. Na parte interna a concentração de íons K + é bem maior que na parte externa. O oposto ocorre com os íons Cl- e Na+. A maior parte dos ânions intracelulares não são íons de Cl-, mas grandes ânions protéicos designados aqui por A-. Devido à mobilidade dos íons, o fluído permanece neutro. A tabela mostra as concentrações iônicas no exterior C(1) e interior C(2) de uma célula muscular de rã. Tabela 1 – Concentrações iônicas no exterior e interior de uma célula muscular de rã. Íon Concentração C(1) fora da Concentração C(2) no interior célula (10-3 mol/l) da célula (10-3 mol/l) K+ 2,25 124 Na+ 109 10,4 Ca++ 2,1 4,9 1,25 14 Cl 77,5 1,5 HCO3 26,6 12,4 Íons orgânicos 13 74 Mg ++ - Para este tipo de célula, a concentração de potássio é 55 vezes maior dentro, enquanto que a C K 2 C Cl 1 ≃ concentração de cloro é quase 53 vezes maior no meio extracelular. Assim, . C K 1 C Cl 2 A concentração de sódio é quase 11 vezes maior do lado de fora da célula. No livro de Okuno, a autora gasta um certo tempo discorrendo sobre a diferença entre a quantidade de íons na superfície interna da membrana e o número de íons dentro da meio intracelular. Para este cálculo ela leva em conta a densidade superficial de carga elétrica obtida a partir da modelagem da membrana celular como sendo um capacitor de placas paralelas. A autora chega em uma razão entre o número de íons de Potássio no interior da célula N K e quantidade de íons de Potássio na N superfície da célula muito pequeno o que se repete para praticamente todas as células, ou NK seja, uma pequena quantidade dos íons no interior da célula encontram-se na membrana celular, no entanto, esta pequena quantidade é a responsável pelo potencial de repouso. 4.6 - Corrente elétrica Existem dois campos de estudos na eletricidade, um relacionado as cargas elétricas estáticas (a eletrostática), que são muito raras na natureza, mas são de grande valor para a compreensão de sistemas em equilíbrio (o tratamento do capacitor é uma situação uma aplicação da eletrostática) e para fins didáticos. O outro campo de estudos é o das cargas em movimento, a chamada eletrodinâmica. Um dos primeiros e mais fundamentais conceitos na eletrodinâmica é o conceito de corrente elétrica. Pode-se definir corrente elétrica como um fluxo de cargas elétricas. Para que seja mantida uma corrente elétrica num certo meio condutor é necessário que haja uma diferença de potencial, isto é, um campo elétrico neste meio. Num condutor ou numa solução eletrolítica, define-se a intensidade média de corrente elétrica i, através de uma área A, como sendo Q i= (4.10) t onde Q é a carga elétrica total que atravessa a área A durante o intervalo de tempo t . Se a Q dQ = corrente variar com o tempo, usas-se a definição diferencial i=lim t 0 . t dt 1C A unidade de corrente elétrica é o ampère (A) que é definido como 1 A= . 1s Se houver uma diferença de potencial V entre dois pontos de um condutor, haverá nele uma corrente elétrica i. Define-se resistência elétrica R como a razão − V R= (4.11) i Ilustração 5: Figura ilustrando a corrente elétrica atravessando um condutor elétrico. A corrente i será positiva se cargas elétricas positivas se deslocarem no sentido das linhas de (ou cargas negativas no sentido contrário); nesse caso a diferença de forças do campo elétrico E potencial V será negativa. Assim, pela definição pode-se concluir que R>0. A unidade de resistência elétrica é ohm ( ). Quando R é constante, a corrente elétrica é proporcional à diferença de potencial. Nesse caso a equação (4.11) equivale a lei de Ohm. Em cada instante, pode-se definir a densidade de corrente elétrica por unidade de área como: i j= (4.11) A A unidade de densidade de corrente elétrica é A/m2. A corrente elétrica num metal de deve ao deslocamento de elétrons e numa solução eletrolítica ao deslocamento dos íons. Além do movimento de agitação térmica, essas partículas possuem um movimento devido ao campo elétrico E que produz a corrente elétrica. Esse E movimento ordenado de cargas elétricas j é a intensidade do campo elétrico E é 1 E (4.12) onde é a resistividade elétrica do meio considerado. Sua unidade é . m . Por exemplo, o líquido (axoplasma) no interior do axônio de uma célula nervosa de uma lula é um líquido condutor com resistividade elétrica ≈0,6 . m . Numa solução eletrolítica, a resistividade elétrica i é diferente para cada íon i. Pode-se verificar experimentalmente que i é inversamente proporcional ao quadrado da carga elétrica q i e à concentração C i (número de íons por unidade de volume) desse íon, ou seja, 1 = i q2i C i (4.13) i A constante i é denominada constante de mobilidade. A partir das equações (4.12) e (4.13) pode-se escrever j Ei = i q 2i C i E (4.14) E j = 4.7 - Difusão Até o presente, todo o tratamento feito com relação a eletrodinâmica das soluções eletrolítica foi realizado pensando-se em soluções iônicas homogêneas. Entretanto, raramente ocorrem concentrações iônicas são homogêneas na natureza em nível celular. Quanto não há uniformidade ocorre o fenômeno da difusão que é uma resposta termodinâmica do sistema na procura da homogeneidade da solução. O processo de difusão, numa solução a uma temperatura T (em K), está relacionado ao movimento de agitação térmica dos íons. Os íons colidem frequentemente com as moléculas do solvente, dando origem a um movimento aleatório sem nenhuma direção preferencial. A distribuição de um grande número de íons caracteriza-se por sua concentração C i , corresponde ao número de íons por unidade de volume (as concentrações são expressas, geralmente, em mol/l). Se essa concentração C i , não for uniforme, a agitação térmica dos íons fará a concentração se uniformizar. Isso corresponde a um fluxo de cargas elétricas, ou seja, a uma densidade de corrente elétrica. Ci Se, para os íons i , o gradiente de concentração iônica for uniforme na direção x, x haverá uma densidade de corrente elétrica J Di , devida à difusão, proporcional a esse gradiente Ci (4.15) J Di =−qi Di x onde Di é a constante de difusão para os íons i. O sinal (-) indica que a densidade de corrente elétrica J i é no sentido da diminuição da concentração C i , . A equação (4.15) é conhecida como a lei de Fick e também é pensada no caso de indivíduos em processos migratórios em Biologia de populações. Se a concentração C i , não variar uniformemente em x a equação (4.15) será substituída pela equação dada por: lim x 0 C i d Ci (4.16) J i=−q i D i =−qi Di x dx A constante de mobilidade i , que aparece nas equações (4.13) e (4.14), e a constante de Difusão Di estão relacionadas por D i= i (4.17) kT onde k =1,38×10−23 J / K é a constante de Boltzamnn. Essa relação expressa a influência da temperatura T da solução na difusão iônica. Assim, a densidade J Di devida a difusão iônica pode ser escrita como dC i (4.18) dx Para uma melhor compreensão da difusão de íons em soluções eletrolíticas existe a equação de Nernst-Planck e o potencial de Donnan que não gastaremos tanto tempo na matematização, mas direi em linhas gerais quais são os seus papeis para a melhor compreensão da dinâmica dos fluídos. Em linhas gerais a equação de Nernst-Planck expressa a densidade de corrente elétrica de um determinado íon com a variação espacial da concentração e do potencial de elétrico em uma dada região do espaço. Assim, em sua forma mais simples, a equação de Nernst-Planck é uma equação diferencial no espaço que relaciona duas grandezas distintas, a concentração de um dado íon e o potencial elétrico. Como nossos conhecimentos de equações diferenciais é limitado, nos limitaremos a entende-la nestes moldes. Para uma compreensão superficial expresso a equação de Nernst-Planck que é dada por: dC i dV (4.19) J i=q i i kT qi C i dx dx Um fato experimental que notamos na célula: há diferença de concentrações dos diversos íons na célula. Basta olhar a tabela 1 para verificar que a concentração de íons dentro e fora da célula são muito diferentes para certos íons. Cada íon possui sua carga elétrica, seu tamanho (que pode ser expresso pelo seu raio hidrodinâmico ou seu diâmetro atômico), no entanto, íons com a mesma carga elétrica pode possuir diferentes concentrações. Podemos tentar explicar esta diferença, esta aparente permeabilidade seletiva, através de algum mecanismo. O equilíbrio de Donnan é uma explicação para a ocorrência de uma distribuição de íons desigual, gerando um gradiente elétrico, em função da presença de outro íon que a membrana é impermeável. Existem canais iônicos específicos em cada célula para a transmissão de íons característicos, estes canais iônicos são os caminhos físicos que permitem a caracterização do movimento de carga. Para a construção do equilíbrio de Donnan se considera que a equação de Nernst-Planck é nula, ou seja, há um balanço (equilíbrio) entre a variação da concentração e a variação espacial do potencial elétrico. Esta imposição leva a uma relação que explica para cada medida de potencial entre dois pontos na célula as variações de concentração de um dado íon. Note que na construção do equilíbrio de Donnan existe a suposição de um situação estática no espaço que não explica completamente a dinâmica do íons, pois a mesma não é estática no tempo. Para explicar estes fenômenos existe um outro mecanismo para a descrição da dinâmica do transporte de íons. J Di =−qi i k T 4.8 - A bomba de sódio e potássio. O que vimos até o momento foi um transporte de íons através de mecanismos termodinâmicos (difusão) e elétricos (potenciais elétricos em virtude das cargas elétricas). Mas, por si só estes mecanismos não são capazes de explicar todas as diferenças de concentração de íons. Este tipo de transporte descrito até o momento é chamado de transporte passivo pois o mesmo não consome energia. Isto quer dizer: usar energia de outra forma sendo transformada para gerar o transporte. Existe um mecanismos denominado de bomba de sódio e potássio que é o principal mecanismo de transporte ativo na célula animal. O transporte ativo caracteriza-se por ser o movimento de substâncias e íons contra o gradiente de concentração, ou seja, ocorre sempre de locais onde estão menos concentradas para os locais onde encontram-se mais concentradas. Esse processo é possível graças à presença de certas proteínas na membrana plasmática que, com o gasto de energia, são capazes de se combinar com a substância ou íon e transportá-lo para a região em que está mais concentrado. Para que isso ocorra, a proteína sofre uma mudança em sua forma para receber a substância ou o íon. A energia necessária a esta mudança é proveniente da quebra da molécula de ATP (adenosina trifosfato) em ADP (adenosina difosfato) e fosfato, que discutimos em aulas anteriores. A concentração do sódio é maior no meio extracelular enquanto a de potássio é maior no meio intercelular. A manutenção dessas concentrações é realizada pelas proteínas transportadoras descritas formadoras da bomba que capturam íons sódio (Na+) no citoplasma e bombeia-os para fora da célula. No meio extracelular, capturam os íons potássio (K +) e os bombeiam para o meio interno. Se não houvesse um transporte ativo eficiente, a concentração destes íons iria se igualar. Desse modo, a bomba de sódio e potássio é importante uma vez que estabelece a diferença de carga elétrica entre os dois lados da membrana que é fundamental para as células musculares e nervosas e promove a facilitação da penetração de aminoácidos e açúcares. Além disso, a manutenção de alta concentração de potássio dentro da célula é importante para síntese de proteína e respiração e o bombeamento de sódio para o meio extracelular permite a manutenção do equilíbrio osmótico. Com isto explicamos praticamente a maioria dos mecanismos que são úteis na explicação dos potenciais elétricos de repouso na célula e das diferenças de concentração na célula. Agora, um dos mais importantes mecanismos na dinâmica celular é a variação deste potencial de repouso (ou potencial de membrana) da célula. Pois esta variação caracteriza a chamada transmissão de pulso elétrico que é tão importante nas células musculares e nervosas. Este é o chamado potencial de ação. 4.9 - O Potencial de Ação O valor numérico do potencial de ação na maioria das células animais é da ordem de V0=90 mV, no entanto, há para certas situações, variações da magnitude deste potencial V e esta variação se propaga pelo espaço da extensão da célula, matematicamente podemos representar isto por: V =V 0 V (4.20) Na figura da ilustração 6A temos uma representação do potencial de ação que é feita meramente por razões didáticas. Nesta situação o potencial de repouso tem o valor de -70 mV (o sinal negativo é apenas para indicar que dentro da célula há cargas negativas), este valor pode variar até um valor de -55 mV que é conhecido como limiar (isto quer dizer que uma perturbação abaixo do limiar não causa a transmissão do impulso elétrico), flutuações nestes valores denominamos de fase de repouso. Quando o potencial de ação começa a atuar temos a fase ascendente, caracterizada pela despolarização da célula (explicarei melhor a seguir), nesta fase o potencial da célula torna-se positivo, indicando uma inversão da distribuição de cargas dentro da célula. Quando o potencial se torna positivo temos o chamado “overshoot” que irá aumentar a sua magnitude até o valor pico (neste caso +40 mV), após o pico o potencial medido da célula começa a cair na fase conhecida como repolarização e assim a célula volta a sua configuração anterior de negativo no interior da célula e positivo no exterior, no entanto, o retorno é muito intenso superando mesmo o potencial de repouso esta fase é conhecida como hiperpolarização, depois o potencial da célula retorna ao repouso. Tudo que foi discutido no parágrafo anterior é uma idealização do que mediríamos durante um intervalo de 5 ms em um ponto de uma célula. Estas medidas podem ser realizadas em células específicas e as medidas são muito mais “sujas” como mostra a figura da ilustração 6B. Este pulso transmitido ao longo da extensão da célula é conhecido como impulso elétrico e células específica transmitem impulsos específicos. Assim, a dor que você sente na ponta do dedo ao sofrer uma martelada é sentida por que a alteração causada nas células do dedo são transmitidas através das células nervosas do seu braço até seu cérebro. Na figura da ilustração 7 mostra quais são os mecanismos para que ocorram estas variações de potencial da célula. Que são basicamente mudanças nos canais iônicos da célula. Ilustração 6: Representação do potencial de ação no tempo. A ilustração do potencial. B- ilustração do potencial de ação. Ilustração 7: Ilustração do potencial de ação com a indicação de cada etapa no nível celular. Podemos ilustrar o comportamento dos canais iônicos para cada uma das etapas discutidas anteriormente e para facilitar a compreensão iremos adicionar às explicações ilustrações de uma célula nervosa que é a melhor célula que transmite impulsos elétricos (também chamados de impulsos nervoso) por causa de sua forma apropriada. A figura da ilustração 8 mostra a constituição de um neurônio. Neste tipo de célula o impulso é transmitido em apenas um sentido. Ilustração 8: Estrutura esquemática de um neurônio. Vamos começar a explicar o potencial de ação dentro da representação dos canais iônicos e começando pela despolarização. A membrana celular possui vários canais iônicos, que são estruturas de proteínas que permitem a passagem de íons de sódio e potássio. Esses canais ficam normalmente fechadas em um neurônio em repouso, abrindo-se quando ele é estimulado. Quando um estímulo apropriado atinge o neurônio, os canais de sódio abrem-se imediatamente na área da membrana que foi estimulada: o íon sódio, por estar em maior concentração no meio celular externo, penetra rapidamente através dessas aberturas na membrana. O brusco influxo de cargas positivas faz com que potencial da membrana, que era da ordem de -70mV (potencial de repouso), passe a aproximadamente +35mV ou mais dependendo da célula. Essa transição abrupta de potencial elétrico que ocorre durante a despolarização, e cuja a amplitude é da ordem de 105 mV (de -70mV a +35 MV), é o potencial de ação propriamente dito. Na área afetada pelo estímulo, a membrana permanece despolarizada, apenas por um intervalo curto de tempo (da ordem de 1,5 ms). Logo os canais de potássio se abrem, permitindo a saída desse íon, que está em maior concentração no interior da célula. Com isso, ocorre a repolarização da membrana, que retorna a condição de repouso. No entanto, o afluxo de íons potássio é muito intenso e acabam por causar a hiperpolarização. Cada célula possui um valor de potencial de ação específico. As experiências que estudam o potencial de ação na maioria das vezes são feitos em moluscos que O potencial de ação que se estabelece na área da membrana estimulada perturba a área vizinha, levando à sua despolarização. O estímulo provoca, assim, uma onda de despolarizações e repolarizações que se propaga ao longo da membrana plasmática do neurônio. Essa onda de propagação é o impulso nervoso. Ilustração 9: Representação de um neurônio e do deslocamento de um potencial de ação no mesmo, o chamado impulso nervoso. Como falei anteriormente o impulso nervoso se propaga em apenas um sentido na fibra nervosa. Assim, dendrito sempre conduzem o impulso em direção do corpo celular. O axônio por sua vez, conduz impulso em direção as extremidades, isto é para longe do corpo celular. Existe toda um matemática relacionada à descrição da propagação dos impulsos elétricos, a chamada redes neurais que são uma importante ferramenta para simular o pensamento humano. No entanto, uma discussão mais profunda deste desafio que é estabelecer como biologicamente surge a consciência está totalmente fora dos objetivos destas notas de aula. 4.10 - Exercícios 1-) Um câtion bivalente está em uma região do espaço onde atua um campo elétrico dado por 9 E=3,9×10 N /C i , ele sai de um meio intercelular e se difunde para dentro de uma célula cuja a membrana citoplasmática mede 60 Å . a-) Qual o trabalho realizado para o cátion transpor a =membrana? b-) Qual a variação de energia potencial elétrica neste processo? c-) Se o potencial do lado de fora da célula é nulo, qual a diferença de potencial elétrico do exterior para o interior da célula? 2-) Qual o valor do campo elétrico dentro e fora da célula? Explique sua resposta. 3-) Qual a carga no interior da célula? Explique sua resposta. 4-) O potencial elétrico no interior de uma célula é da ordem de -70mV no lado de fora o potencial elétrico é nulo, a espessura da membrana é de 70 Å . a-) Qual o módulo e o sentido do campo elétrico? b-) Em 1 ms uma quantidade de 106 íons de Na+ entram dentro da célula, qual seria a resistência elétrica equivalente nesta região? 5-) Na mesma situação do exercício anterior uma quantidade de 106 íons de Na+ entram através de uma região de 6×10−10 m2 em um intervalo de 1 ms. Calcule a densidade de corrente elétrica nesta região? 6-) Mostre que, para os íons K+ Cl- , razão entre suas concentrações extracelular e no interior da qV C 1 célula é =e KT . Por que essa razão não é verificada exatamente? C 2 0 7-) Explique a diferença entre potencial de ação e potencial de membrana. 8-) Explique o funcionamento dos canais de sódio e potássio e da bomba de sódio e potássio. 9-) Explique detalhadamente os processos de polarização, despolarização e repolarização da célula. 10) O diagrama do potencial de ação no nervo é ilustrado abaixo. – Em qual dos pontos marcados no potencial de ação o K + está mais próximo do equilíbrio eletroquímico? a–1 b–2 c–3 d–4 e–5 Explique sua resposta. Respostas: 1-) a-) W =7,5×10−18 J , b-) U =23,4 V , c-) V =−23,4V . 2-) É nulo, pois não há variação do potencial elétrico. 3-) No estado estacionário no interior da célula a carga é negativa. 7 4-) a-) O valor é ∣E∣=1,0×10 N /C o sentido é de fora para dentro. b-) R=4,4×108 . 5-) J =0,26 A/m 2 . 6-) 10-) a-). Referências Okuno, E; Caldas, I L; Chow, E Física para Ciências Biológicas e Biomédicas, Ed. Harbra, São Paulo, 1982