Caderneta de Poupança
A Caderneta de Poupança é uma das mais antigas e populares formas de
aplicação financeira existente no Brasil e foi concebida para atender poupadores de
baixa renda, com reduzida capacidade de economizar recursos.
Devido a essas características, a Caderneta de Poupança sempre se beneficiou de
isenções fiscais, o que não ocorre com outros tipos de ativos financeiros comercializados
no mercado. Goza, também, de garantias sobre o saldo dos recursos depositados.
As modificações introduzidas no cálculo da remuneração da Caderneta de
Poupança visa, única e exclusivamente, criar condições para a redução da taxa básica de
juros da economia – Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia).
A Selic é taxa básica de juros, pois apresenta risco mínimo e, portanto, referência
para a remuneração dos demais ativos transacionados no mercado financeiro com risco
de crédito1 superior. A queda na taxa básica de juros deve, em condições normais,
induzir à redução das demais taxas praticadas no mercado.
Histórico2
O Decreto no. 2.723, de 12 de janeiro de 1861, promulgado pelo então Imperador
D.Pedro II, criou a Caixa Econômica da Corte. Em seu artigo 1º, diz o Decreto: “A Caixa
Econômica estabelecida no Rio de Janeiro (...) tem por fim receber, a juro de 6%, as
pequenas economias das classes menos abastadas e de assegurar, sob garantia do
Governo Imperial, a fiel restituição do que pertencer a cada contribuinte, quando este o
reclamar (...)”.
A característica de aplicação segura e garantida da Caderneta de
Poupança é, portanto, secular.
1
O risco de crédito é a incerteza de se ter de volta os recursos aplicados em determinado ativo financeiro, ou
seja, de o contrato não ser honrado. Os títulos do governo são de risco mais baixo, por isso, deverá pagar taxa
de juros menores que as instituições privadas, que possuem riscos maiores (falências, quebras, por exemplo).
2
www.caixa.gov.br
1
Ratificando a “aura popular” da Caderneta de Poupança, está o fato de que, a
partir de 1872, serem aceitos, inclusive, depósitos de escravos. “Como todos os
depositantes, os escravos recebiam da Caixa uma caderneta de controle de depósitos e
retiradas. A única diferença é que na caderneta deles constava o nome de seu senhor,
uma vez que era necessária a autorização deste para que a conta do escravo fosse
aberta.”
Uma marca política distintiva dos primeiros anos da República (a “República
Velha”) foi a descentralização político-administrativa da Nação. Assim, pelo Decreto no.
11.820 de dezembro de 1915, “os juros passaram a ser estipulados pelo governo,
anualmente, conforme as circunstâncias locais”. Assim, o percentual de remuneração
das Cadernetas não era unificado para todo o País. Pelo mesmo decreto, “foi aberta a
possibilidade de a mulher casada instituir sua própria caderneta, salvo expressa
oposição do marido”.
No governo Vargas, num movimento contrário, de centralização, o Decreto no.
24.427 de 14 de junho de 1934 instituí “novos parâmetros para o funcionamento dos
depósitos” e cria o Conselho Superior, “órgão de fiscalização e controle das diversas
Caixas Econômicas então existentes”. O Decreto ampliou as funções da Caixa Econômica
Federal, fazendo com que os depósitos aumentassem em mais de 200% em cinco anos.
Uma nova e importante modificação no funcionamento da Caderneta de
Poupança volta a ocorrer 30 anos depois, em 1964. A Lei 4.380, de 21 de agosto de 1964,
introduz a correção monetária sobre os depósitos da Poupança. Assim, a remuneração
dos depósitos seria composta dos mesmos 6,0% ao ano, mais a correção monetária
(saldos atualizados mensalmente sobre os 0,5% de juros nominais mensais), “conforme
percentual definido pelo Banco Central do Brasil”.
Em 1994, decorridos mais trinta anos, o Plano Real introduz outras modificações:
“os valores depositados nas Cadernetas de Poupança serão remunerados mensalmente a
uma taxa de juros de 0,5% a.m. , aplicada sobre os valores atualizados (corrigidos) pela
Taxa Referencial (TR)3.
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A Taxa Referencia – TR é um indexador. Foi criada no Plano Collor II para ser uma taxa básica referencial dos
juros a serem praticados no mês vigente e que não refletisse a inflação do mês anterior. O valor (%) da TR é
obtido a partir das taxas médias mensais ponderadas e ajustadas (retiram-se as duas maiores e as duas
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Características Gerais da Caderneta de Poupança
A Caderneta de Poupança é uma aplicação financeira tradicional, conservadora e
popular entre os aplicadores de baixa renda. Todos podem abrir uma Caderneta de
Poupança, mesmo não mantendo conta-corrente ou outro tipo de vínculo com o banco.
Mesmo pessoas menores de idade podem abrir e manter uma Caderneta, desde que
autorizadas pelos pais ou responsáveis.
Segundo o Banco Central, existem cerca de
100 milhões de contas de Cadernetas de Poupança no país, com os depósitos somando
R$ 434 bilhões (abril/2012).
Trata-se de uma aplicação financeira do tipo pós-fixada (devido à variação da TR)
e tem garantia de até R$ 70.000,00, por CPF, prestada pelo Fundo Garantidor de Crédito
(FGC)4. A Caderneta de Poupança tem liquidez imediata e os juros + TR são capitalizados
mês a mês, no respectivo aniversário (data de abertura da conta de poupança) da
Caderneta.
O risco das aplicações em Caderneta de Poupança é muito baixo e, por isso, sua
taxa de remuneração é utilizada, muitas vezes, nos cálculos de Taxa Mínima de
Atratividade (TMA), para avaliar fluxos de caixa de projetos de investimentos.
menores taxas) dos CDBs (Certificado de Depósito Bancário) e RDBs (Recibo de Depósito Bancário), prefixadas,
das 30 instituições financeiras selecionadas. Sobre a média apurada das taxas pagas pelos CDBs/RDBs, aplica-se
um redutor para “extrair” os juros reais e a tributação incidente. Em 1993 a TR foi de 2.474,73%, em 2011 de
1,21%. (BACEN).
4
Fundo Garantidor de Crédito (FGC): Criado em 1995, é uma entidade privada que funciona como mecanismo
de proteção aos correntistas, poupadores e investidores. Todas as instituições financeiras e APEs são
associadas, obrigatoriamente, ao FGC e contribuem com 2% dos depósitos para a manutenção do Fundo
(www.fgc.org.br).
3
Sua rentabilidade é menor que a alternativa de menor risco, como os fundos de
investimentos, lastreados em títulos do Tesouro5.
Os rendimentos advindos das aplicações em Caderneta de Poupança das Pessoas
Físicas não sofrem incidência de Imposto de Renda nem de IOF (Imposto sobre
Operações Financeiras), fato que constitui grande vantagem em relação às demais
aplicações em renda fixa disponíveis no mercado. Para as Pessoas Jurídicas, no entanto,
há recolhimento de Imposto de Renda sobre os ganhos obtidos com as Cadernetas. As
alíquotas vão de 22,5% para aplicações até 180 dias, até 15% para permanências
superiores a 720 dias (2 anos).
Os recursos depositados nas Cadernetas de Poupança são utilizados para o
financiamento imobiliário e obras de saneamento básico. “A caderneta, ao lado do FGTS,
é uma das principais fontes de recursos do crédito habitacional, tendo respondido por
cerca de 40% das operações do sistema em 2011”. Especificamente sobre o crédito
imobiliário, quando a Selic atingir a taxa de 8,5% a.a. , a TR será nula (igual a zero) e as
prestações da casa própria deverão se reduzir, uma vez que somente serão cobrados os
juros contratados, sem a incidência da TR. O Governo, por ora, descarta quaisquer
possibilidades de alterações nos contratos habitacionais, por conta das mudanças na
remuneração das Cadernetas.
Mudanças
A partir de 4 de maio de 2012, haverá três formas de cálculo para se apurar a
remuneração do saldo da Caderneta de Poupança:
1) Para as Cadernetas antigas, com saldos em 3 de maio de 2012, nada muda. A remuneração
continuará sendo de 0,5% a.m. (ou 6,17% a.a.) de juros, mais a variação da Taxa Referencial
de Juros – TR;
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Para melhor comparação entre a rentabilidade da Caderneta de Poupança e os Títulos Públicos, é necessário
verificar três indicadores: rentabilidade dos títulos, tributação da operação e taxa de administração cobrada
pela instituição financeira que administra o fundo de investimento.
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2) Para os novos depósitos (realizados a partir de 4 de maio), a Selic passa a ser a referência de
cálculo. Há duas contas a fazer:
 Se a taxa básica de juros (Selic) situar-se acima de 8,5% a.a., os rendimentos da
poupança serão calculados como é hoje: 0,5% a.m. + TR (ou 6,17% a.a. + TR);
 Se a taxa básica de juros (Selic) for igual ou menor que 8,5% a.a., os rendimentos da
Caderneta de Poupança serão de 70% da Selic + TR.
As condições fiscais não se alteram. Os depósitos em Caderneta de Poupança
continuam isentos de Imposto de Renda (depósitos de Pessoas Físicas) e Imposto sobre
Operações Financeiras (IOF). Além disso, as Cadernetas não pagam Taxa de
Administração.
Passa a existir, então, um “gatilho”, que será acionado quando a Selic for igual ou
menor que 8,5%. Quando isso ocorrer, automaticamente a parcela dos saldos cujos
depósitos foram efetuados a partir de 04 de maio será corrigida a taxa de 70% da Selic +
TR.
No entanto, a queda dos juros provocará redução na rentabilidade dos
CDBs/RDBS, alterando a variação da TR, tornando-a negativa. Para evitar que o valor
negativo da TR reduza o rendimento da Poupança, o governo decidiu considerar a TR
igual a zero. Na prática, então, o rendimento efetivo da Caderneta será de 70% da Selic.
Se a taxa básica de juros (Selic) voltar a subir e ultrapassar os 8,5%, o “gatilho”
funciona novamente, fazendo com que a remuneração dos saldos retorne aos 0,5% a.m.
+ TR.
No caso de saque e na ausência de instrução contrária, o banco resgatará o valor
sacado da conta nova, aquela que rende menos.
A remuneração da Caderneta de Poupança com as novas regras está descrita no
quadro a seguir
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Taxa Selic
Rendimento da poupança sem TR
Estimativa de
rendimento da
poupança com TR
Mensal
Anual
Anual
8,5%
0,48%
5,95%
6,17%
8,0%
0,46%
5,60%
5,60%
7,5%
0,43%
5,25%
5,25%
7,0%
0,40%
4,90%
4,90%
6,5%
0,37%
4,55%
4,55%
6,0%
0,34%
4,20%
4,20%
5,5%
0,32%
3,85%
3,85%
5,0%
0,29%
3,50%
3,50%
4,5%
0,26%
3,15%
3,15%
4,0%
0,23%
2,80%
2,80%
3,5%
0,20%
2,45%
2,45%
3,0%
0,17%
2,10%
2,10%
2,5%
0,14%
1,75%
1,75%
2,0%
0,12%
1,40%
1,40%
Fonte: Ministério da Fazenda
6
Obs.: Segundo as estimativas do Ministério da Fazenda, apresentadas acima, quando a
taxa Selic for igual ou menor a 8,0%, a TR será igual a zero. Ou seja, o rendimento da
poupança será igual aos 70% da Selic.
De acordo com o Governo, a mudança é necessária, pois “a rentabilidade de todos
os ativos e aplicações financeiras (fundos de renda fixa, CDB etc) já está caindo e a regra
atual de rendimento da poupança funciona como um obstáculo para a queda das taxas
de juros da economia a partir de certo patamar da Selic. A remuneração fixa da
poupança cria uma taxa mínima de juros para a captação dos bancos” impedindo maior
redução da Selic. Caso essa redução ocorra, como necessária ao crescimento da
economia, “tende a haver forte migração de grandes investidores para a Caderneta de
Poupança”, dificultando a administração e rolagem da dívida pública.
Risco de Perdas
Como dito no início, as mudanças na remuneração das Cadernetas de Poupança
têm como objetivo permitir a redução das taxas de juros da economia. Altas taxas de
juros são perniciosas, pois atrapalham o consumo e os investimentos. Juros altos só
beneficiam os bancos e as grandes fortunas, que vêem o dinheiro multiplicar sem que
façam o mínimo esforço. Altas taxas de juros são ruins para a produção e para o
emprego. Além disso, quando se deseja adquirir um bem durável qualquer, os juros altos
faz com que se pague até mais que o dobro do preço à vista desse bem.
Para por fim a essa situação, o governo, depois de muita pressão do setor
produtivo e dos sindicatos de trabalhadores, decidiu reduzir os juros da economia. Para
isso teve que “mexer” na poupança. Essa foi uma medida importante e difícil de ser
tomada, uma vez que a Caderneta de Poupança sempre foi entendida como uma
aplicação segura e a grande maioria daqueles que possuem Caderneta é de baixa renda,
trabalhadores e aposentados.
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Veremos, no entanto, que as alterações na remuneração da Poupança podem
beneficiar aquelas pessoas, na medida em que os juros cobrados pelos bancos, quando
fizeram um empréstimo, também caia. A simulação6 a seguir ilustra uma situação que
pode ser real:
“Suponha uma família que tem um depósito de R$ 2.000,00 na Caderneta. Essa Caderneta
paga de juros, 6,37% ao ano, isto é, R$ 128,00. Essa família tem uma dívida fixa de R$
1.000,00 no ano e que, sobre essa dívida pague juros de 40% ao ano (baixo para nosso
padrão), ou seja, R$ 400,00 de juros.
Então, ela recebe como remuneração da Caderneta, juros de R$ 128,00 e paga juros para
seu credor de R$ 400,00. A diferença é negativa para a família em R$ 272,00 (R$ 400,00 –
R$ 128,00).
Suponha agora que a taxa básica de juros (Selic) esteja hoje em 9,0% e baixe para 7,5% e
permaneça assim durante um ano. O que deve acontecer com o rendimento da Caderneta
de Poupança da família?
Com o depósito de R$ 2.000,00 (que já existia em 03 de maio) não acontece nada. Continua
rendendo o que rendia antes: R$ 128,00. Se, por acaso, a regra fosse a nova, ao invés dessa
quantia, ele receberia R$ 109,00. Diferença de R$ 19,00.
Se a reação dos bancos for a que se espera e que, por sinal, já está acontecendo, as taxas de
juros de empréstimos irão cair. Suponha, então, que, ao invés de 40% de juros, a família
passe a pagar 30% ao ano.
A despesa com juros, que era de R$ 400,00, baixa para R$
300,00 e a família economizará R$ 100,00.”
Assim, o que numa primeira vista pode parecer perda, num segundo instante,
com as contas bem feitas, se revelará ganho.
6
A partir de artigo de Delfim Netto no jornal “Folha de São Paulo” de 09.05.2012.
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Conclusão
As modificações ocorridas na Caderneta de Poupança não estão isoladas e fazem
parte de uma série de mudanças que estão ocorrendo com grande velocidade, diga-se de
passagem, no mercado de crédito brasileiro.
A decisão de reduzir a taxa de juros básica da economia (Selic) a níveis
compatíveis com àquelas praticadas mundialmente, a redução nas taxas de juros de
empréstimos dos bancos estatais, forçando maior concorrência no sistema financeiro,
juntamente com as medidas macroprudenciais7 tomadas anteriormente, revelam a
determinação do governo de mudar certas práticas arraigadas na cultura brasileira,
estruturadas no mercado financeiro e alimentadas pela dívida pública. O país reúne,
hoje, condições econômicas e políticas a partir das quais a cadeia de interesses dos
rentistas pode ser quebrada.
A Caderneta de Poupança funcionava como um gigantesco indexador que tornava
as taxas inflexíveis para baixo, uma vez que funcionava como patamar mínimo para os
juros. Quebrado esse índice, abre-se o caminho para, definitivamente, desindexar toda a
economia, todos os contratos. Amarras que foram importantes em certa época, hoje são
grandes obstáculos ao funcionamento normal do sistema econômico. Enfim, foi
quebrado um paradigma, uma prática que existia somente no mercado financeiro
brasileiro.
As alterações na remuneração da poupança abrem espaço para acelerar a queda
das taxas de juros, barateando os investimentos e o preço das mercadorias adquiridas
pelo crediário. Torna, também, mais arriscadas as operações de arbitragem e a entrada
de recurso estrangeiros de curto prazo, contribuindo, dessa forma, para a depreciação
cambial, fazendo com que nossos produtos passem a ser mais competitivos no mercado
internacional. Tudo isso é bom para a produção e para o emprego e, portanto, para o
desenvolvimento País.
Dieese/ Força Sindical
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Aumento nas alíquotas de IOF para aplicações estrangeiras de curto prazo; contenção da expansão do crédito
e modificação no recolhimento compulsórios dos bancos comerciais são as principais.
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