UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS DA RELIGIÃO VISÃO ESTRANGEIRA DA RELIGIOSIDADE BRASILEIRA NO SÉCULO XIX: UMA LEITURA DA OBRA DE DANIEL PARISH KIDDER Por: CARLOS ANTONIO VALENTIM São Paulo 2012 2 CARLOS ANTONIO VALENTIM Visão Estrangeira da Religiosidade Brasileira no Século XIX: Uma Leitura da Obra de Daniel Parish Kidder Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião Presbiteriana da Universidade Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião. Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Franklin de Sousa São Paulo 2012 3 V155v Valentim, Carlos Antonio. Visão estrangeira da religiosidade brasileira no século XIX: uma leitura da obra de Daniel Parish Kidder / Carlos Antonio Valentim. 74 f. : il. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2012. Bibliografia: f. 67-74. 1. Inserção do protestantismo. 2. Metodismo. 3. Religiosidade brasileira. 4. Catolicismo. 5. Viajante. I. Título. CDD 266 4 CARLOS ANTONIO VALENTIM Visão Estrangeira da Religiosidade Brasileira no Século XIX: Uma Leitura da Obra de Daniel Parish Kidder Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Presbiteriana Universidade Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião. Aprovado em 06 /02 /2012 BANCA EXAMINADORA _______________________________________________________________ Prof. Dr. Rodrigo Franklin de Sousa - Orientador Universidade Presbiteriana Mackenzie _______________________________________________________________ Prof. Dr. Edson Pereira Lopes Universidade Presbiteriana Mackenzie _______________________________________________________________ Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth Universidade Metodista de São Paulo 5 A minha filha Débora e esposa Dulce, as quais compreenderam a importância do conhecimento acadêmico. 6 AGRADECIMENTOS A Deus, que nos concede vida, sendo possível a realização de projetos. A minha esposa, Dulce, e filha, Débora, que tiveram a paciência de suportar minha ausência nos passeios e brincadeiras, durante este período. Aos meus pais, João Valentim da Silva e Eva Belarmina Valentim, os quais, mesmo não tendo uma formação acadêmica, sempre me motivaram a seguir. Ao meu irmão José Carlos Valentim, pelo incentivo e estímulo. Aos irmãos Presbítero Cristian Kresbky da Silveira e Ana Sílvia Sales Ferreira da Silveira, pela revisão do texto e incentivo à pesquisa. Ao Prof. Dr. Rodrigo Franklin de Sousa, pela bondosa e competente orientação, mesmo com tantos compromissos, sem a qual esse trabalho não seria realizado. Aos membros da banca examinadora, Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth e Prof. Dr. Edson Pereira Lopes, pelas preciosas contribuições dadas para a conclusão da pesquisa. À Escola Superior de Teologia, professores e funcionários, pela prontidão no atendimento e sempre com excelência. Ao Conselho da Igreja Presbiteriana do Jardim Morada do Sol em Indaiatuba, São Paulo, desejando o melhor para a igreja, permitiu-me dedicar parte do meu trabalho aos estudos. 7 “Cruzes, há com abundância, mas quando prevalecerá a verdadeira doutrina da cruz?” D. P. Kidder 8 RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo refletir sobre os pensamentos sobre a instituição religiosa brasileira sob o olhar do viajante e missionário metodista norteamericano Daniel Parish Kidder por meio de seus relatos de viagens no Brasil na primeira metade do século XIX. Utiliza-se como referencial teórico o pensamento da Escola dos Annales, mais especificamente E. P. Thompson com sua lógica histórica, que diz que cada época, cada geração fará perguntas diferentes para o objeto estudado e terá respostas diferentes. Para a contextualização do tema observa-se a interpretação da sociedade brasileira feita pelos escritores Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior sobre o período do Brasil colônia. Para compreender a visão estrangeira, analisa-se o que outros viajantes também disseram sobre a religiosidade brasileira e observa-se o que Auguste De Saint-Hilaire, Jean-Baptiste Debret e Richard Francis Burton afirmaram sobre o tema, os quais são unânimes em identificar que a dificuldade de civilizar o Brasil ocorre devido à religiosidade brasileira que, segundo Saint-Hilaire o catolicismo sofreu uma regressão social quando em contato com a natureza primitiva. Para Kidder, e para os intérpretes do Brasil e os viajantes, o Brasil não é civilizado porque a Igreja Católica não conseguiu evangelizar o país, não tendo condições de fazê-lo devido à imoralidade e ignorância do clero. Kidder denuncia também o catolicismo, que em vez de levar os fiéis a Deus, os afastava dele. Para ele, a pregação do evangelho era fundamental para civilizar o Brasil, pois entende que o evangelho que os protestantes norte-americanos ofereceriam para os brasileiros trazia em seu bojo o progresso. Portanto, o Brasil com o evangelho se tornaria um país de homens e mulheres que saberiam ler e escrever, contribuindo assim para o desenvolvimento pessoal e social, rumo ao progresso. Palavras-chaves: Inserção do protestantismo, metodismo, religiosidade brasileira, catolicismo, viajante. 9 ABSTRACT This research aims to analyze the thoughts on the Brazilian religious institution under the eye of the traveler and the American Methodist missionary Daniel Parish Kidder through his narrative of travels in Brazil in the first half of the nineteenth century. It is used as the theoretical thinking of the Annales school, specifically E. P. Thompson with its historical logic that says that each time, each generation will be different questions for the object under study and will reach different answers. To contextualize the subject there is the interpretation of Brazilian society made by the writers Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda and Caio Prado Junior, on the period of colonial Brazil. To understand the foreign view, we analyze what other travelers have also said on the religiousness in Brazil, for it is observed that Auguste Saint-Hilaire, Jean-Baptiste Debret and Richard Francis Burton said on the subject, they are unanimous in identifying the difficulty of civilizing Brazil is due to the Brazilian religiosity, which according to Saint-Hilaire Catholicism has undergone a social decline upon contact with the primitive nature. For Kidder, interpreters of Brazil and travelers, Brazil is not civilized because the Catholic Church was unable to evangelize the country, not having a position to do so because of the ignorance and immorality of the clergy. Kidder also denounces Catholicism, which instead of leading the faithful to God, away from him. For him, preaching the gospel was central to civilize Brazil. Kidder considers that the gospel that American Protestants offered to the Brazilians brought in its bulge the progress. Brazil with the Gospel would become a country of men and women who would know how to read and write, thus contributing to the personal and social development, towards progress. Keywords: Insertion of Protestantism, Methodism, Brazilian religiousness, Catholicism, traveler. 10 SUMÁRIO Introdução......................................................................................................................11 1. A OBRA DE KIDDER..............................................................................................18 1.1 - O Brasil e os Brasileiros........................................................................................18 1.2 - Reminiscência de Viagens e Permanências no Brasil........................................27 2. AS RAÍZES DO PENSAMENTO DE KIDDER....................................................29 2.1 – A Teologia Arminiana..........................................................................................29 2.2 – O Despertamento Espiritual ...............................................................................30 2.3 – A Pregação Milenarista........................................................................................31 2.4 – Olhar Estrangeiro.................................................................................................34 2.5 – Orientações de Kidder..........................................................................................39 3. A RELIGIÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRA DO SÉCULO XIX..................42 3.1 – A Visão dos Intelectuais Brasileiros....................................................................42 3.2 – A Visão dos Viajantes Estrangeiros....................................................................51 3.3 - A Igreja Brasileira no Século XIX.......................................................................60 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................65 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................67 11 INTRODUÇÃO O objetivo deste trabalho é identificar, nos relatos de viagem de Daniel Parish Kidder, sua compreensão da religiosidade brasileira. Focalizar-se-á em seus escritos Reminiscência de Viagens e Permanências no Brasil e O Brasil e os Brasileiros, à luz da lógica histórica de Edward Palmer Thompson. Desta forma, o presente trabalho se insere na linha de pesquisa e estudos interdisciplinares sobre o campo religioso brasileiro do programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Um exemplo da religiosidade brasileira do século XIX pode ser visto nas palavras do arcebispo da Bahia quando falava da falta de padres para suprir as necessidades das paróquias “É melhor não haver padres que havê-los, ignorantes e imorais” (KIDDER, 1980, p. 271). Kidder se utiliza de falas como essas para analisar a religiosidade brasileira. Diante deste material, dois fatores justificam a realização e relevância deste trabalho. Primeiro, existe um expressivo crescimento da igreja evangélica no Brasil, sendo importante entender como foi sua inserção no Brasil. Segundo, os viajantes do século XIX estão recebendo uma releitura, por teses e dissertações sobre o tema, por exemplo: O Príncipe Maximiliano de Vied-Neuwied, Sir Richard Francis Burton, Jean de Léry, Claude D’abbeville, Jean-Baptiste Debret, Auguste De Saint-Hilaire, entre outros. No entanto o viajante e missionário Kidder não tem tido a mesma atenção. Deste modo estudar Kidder é preencher a lacuna e contribuir para que essa releitura seja expandida. Neste trabalho discutiu-se a visão de Kidder sobre religião na medida em que seja relevante para a compreensão da religiosidade brasileira do século XIX. A questão religiosa neste período era muito importante, tendo em vista que o Brasil vinha de três séculos de predominância do catolicismo, sem autorização para a entrada de nenhuma imigração que professasse uma fé diferente da católica. Todavia, com a abertura dos portos para as nações protestantes, foi inevitável a introdução de bíblias e da fé protestante pelos imigrantes, a mudança das leis autorizando a imigração 12 de pessoas de países protestantes, mas com ressalva, pois ainda era proibida a construção de templos com fachadas de igrejas. Na Constituição Imperial (1824), o catolicismo foi declarado como religião de Estado, tendo assim um caráter oficial e quase exclusivista. Afirma o artigo número 5: “A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo”. A autorização para a construção de templos ocorreu depois de algum tempo. Outro fator que contribuiu também para todas essas aberturas foi o fato das autoridades liberais verem nas nações protestantes uma oportunidade de progresso e civilização. Desta forma, a análise dos escritos de Kidder, sua impressão e opiniões sobre a religiosidade brasileira registradas nos escritos Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil e O Brasil e os Brasileiros, possibilitou a compreensão da religiosidade neste período que marcou a inserção do protestantismo brasileiro. A problematização passa pelos questionamentos: Como a religiosidade brasileira aparece ao olhar de Kidder? Como ele vê as instituições religiosas existentes no Brasil? Para responder às questões propostas, formula-se a seguinte hipótese: Há um Brasil religioso descrito nas obras dos viajantes que estiveram no Brasil no século XIX, dentre eles o missionário Kidder. Para Kidder esse Brasil religioso não era cristão, mas sim marcado por um catolicismo sincrético, supersticioso e pagão, que ao invés de levar as pessoas para um relacionamento com Deus, as afastava dele. Kidder vê nesse sentido uma oportunidade para a implantação de um evangelho “genuíno” trazido pelo protestantismo norte-americano. Sobre essa tentativa de implantação do protestantismo no Brasil, por parte da igreja Metodista norte-americana, enviando o missionário Kidder, alguns escritores destacam: São poucos os trabalhos que abordam o objeto de nossa pesquisa. Estes mencionam sempre o breve período que Kidder passou no Brasil, suas dificuldades de introduzir a bíblia nas escolas públicas, a viagem que fez ao norte e sul do país, a distribuição de bíblias e literatura, a boa receptividade que teve por onde passou, e a morte de sua esposa, tendo assim que abortar a missão, voltando para os Estados Unidos com seus dois filhos pequenos. Cairns (1990, p. 366) em O Cristianismo Através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristã menciona Kidder somente no texto que segue. Os metodistas fizeram a primeira tentativa de enviar missionários à América Latina. Justin Spaulding e Daniel Kidder estabeleceram a primeira igreja metodista no Rio de Janeiro em 1836. Eles nomearam colportores das Escrituras nas cidades marítimas e, numa viagem pelo norte do Brasil, Kidder distribuiu 60.000 folhetos. Depois de 1838 deram assistência 13 espiritual aos marinheiros americanos no Rio até que voltassem aos Estados Unidos (Kidder em 1840 e Spaulding dois anos mais tarde). Ribeiro, em Protestantismo no Brasil Monárquico (1973), mencionando Kidder e Fletcher, fala do trabalho deles, a princípio com marinheiros norte-americanos, e a viagem que fizeram, onde coletaram informações para a confecção de seu livro. Ainda do mesmo autor, Protestantismo e Cultura Brasileira – Aspectos Culturais da Implantação do Protestantismo no Brasil (1981, p.14), enfatiza a importância dos escritos de Kidder quando diz: O livro de Kidder sobre suas viagens no Sul e no Norte do País, depois ampliado em colaboração com Fletcher, fixou, para os norte-americanos, a imagem do Brasil como um país vasto, pitoresco, amável, acessível aos protestantes, e de futuro; mas, principalmente, como “país de Missão”, ao qual as igrejas protestantes deviam enviar missionários. A observação de Ribeiro mostra que os objetivos do livro eram tanto a oportunidade financeira de futuro próspero para os norte-americanos, quanto a evangelização dos brasileiros. Em O Protestantismo Brasileiro (2002), Émile G. Leonard faz uma síntese do trabalho de Kidder. Ao mostrar como o clero católico estava neste período, transcreveu as conversas que Kidder teve com o regente Feijó, apresentou a quantidade de literatura e bíblias distribuídas, e a tentativa de conseguir, através da Assembleia Legislativa, a autorização para doar a cada escola da província doze exemplares da bíblia, porém a autorização foi negada devido à influência do bispo católico, visto que um sacerdote anglicano pôs em dúvida a veracidade da tradução. Em História do Metodismo no Brasil (1992), José Gonçalves Salvador traça uma breve biografia de Kidder, enfatizando o seu trabalho como vendedor de Bíblias, a perda da esposa por febre amarela, seu retorno para os Estados Unidos com seus dois filhos e o hiato que permaneceu após a saída do missionário metodista do Brasil. Ducan Alexander Reily, em História Documental do Protestantismo no Brasil (1984) e Momentos Decisivos do Metodismo (1991), transcreve documentos que mostram os verdadeiros motivos para a retirada dos missionários metodistas da primeira tentativa de implantação do metodismo no Brasil, para ele o motivo foi financeiro, a falta de dinheiro nas igrejas norte-americanas e reproduz a proposta apresentada à Assembleia Legislativa da imperial província de São Paulo, solicitando autorização para doar bíblias para às escolas da província. Relata também a perda da esposa e a volta para os Estados Unidos. Boaventura, num capítulo do livro Introdução a História do Metodismo (1981), faz uma breve e pontual menção de Kidder. Segundo ele, Kidder foi o terceiro e o mais 14 importante dos missionários que chegaram ao Brasil enviados pela igreja Metodista norte-americana. Os outros dois foram Fontain F. Pitts e Justin R. Spauding. Eula K. Long, em Do Meu Velho Baú Metodista (1968), contendo várias biografias de missionários, menciona Kidder, ao fazer um breve resumo de seu trabalho em São Paulo, ao Norte e Nordeste do Brasil. Relata também a solidão que a esposa de Kidder sentia quando seu marido ficava meses viajando a trabalho. Halford R. Luccok, em Linha de Esplendor Sem Fim (s/d), menciona a vinda do missionário Kidder como o primeiro esforço para implantar o evangelho no Brasil. Falam também da perseguição que Kidder sofreu por parte do Cônego Luiz Gonçalves dos Santos, através da publicação do livro Memórias da História do Reino do Brasil. Além disso, abordam também a intenção frustrada de doar bíblias para as escolas da província de São Paulo. E o retorno a sua terra natal após a morte de sua esposa. Isnard Rocha, em Pioneiros e Bandeirantes do Metodismo no Brasil (1967), o qual é composto de 100 breves biografias de missionários metodistas que trabalharam no Brasil, enfatiza o trabalho de distribuição de bíblias e o trabalho de produção dos livros Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil e em seguida O Brasil e os Brasileiros. Antonio Gouvêa Mendonça e Prócoro Velasques Filho, em Introdução ao Protestantismo no Brasil (1990), quando mencionam o protestantismo de Missão que chegou ao Brasil após o protestantismo de imigração, dizem que houve uma tentativa de implantar o metodismo no Brasil em 1836, mas que foi uma tentativa frustrada, não mencionando os nomes dos missionários e nem a missão a que pertenciam. Luiz Antonio Giraldi, em História da Bíblia no Brasil (2008), relata Kidder como um colportor e viajante que, após sua breve passagem pelo Brasil, volta aos Estados Unidos, motivado pela perda de sua esposa, e escreve suas memórias em livro que recebeu o nome de Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil. Através de um estudo dos textos produzidos por Kidder, a saber, “Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil” e “O Brasil e os Brasileiros” (este último feito em parceria com James Cooley Fletcher), realizar-se-á uma análise histórico-descritivo-religiosa da religiosidade brasileira a partir dos escritos de Kidder. Em comparação com a leitura de Kidder sobre a religiosidade brasileira, segue-se também a visão proporcionada por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Junior, os quais analisaram o Brasil Colônia, dando a suas contribuições para entender o discurso que subjaz de seus escritos. A contribuição dos viajantes Auguste De Saint-Hilaire, Jean-Baptiste Debret e Richard Francis Burton, que estiveram no 15 Brasil no século XIX, contribuem para a compreensão da religiosidade brasileira sob o olhar estrangeiro. O conhecimento do contexto religioso norte-americano também é contemplado nesta pesquisa, tendo em vista sua importância para o conhecimento da influência dele para o envio do missionário Kidder ao Brasil. Utilizar-se-á como referencial teórico E. P. Thompson, que em seu livro A Miséria da Teoria ou um planetário de erros: Uma crítica ao pensamento de Althusser, auxiliará com a sua teoria para o entendimento dos viajantes. Um método de investigação adequado a materiais históricos, destinados, na medida do possível, a testar hipóteses quanto à estrutura, causação, etc., e a eliminar procedimentos autoconfirmadores. O discurso histórico disciplinado da prova consiste num diálogo entre conceito e evidência, um diálogo conduzido por hipóteses sucessivas, de um lado, e a pesquisa empírica, do outro. O interrogador é a lógica histórica; o conteúdo da interrogação é uma hipótese; o interrogado é a evidência, com suas propriedades determinadas. (THOMPSON, 1981, p.49) Sendo o historiador inglês um dos expoentes do que se convencionou chamar de “nova história cultural”, além de um profundo militante das causas da “história dos de baixo” e "da história vista a partir de baixo" será de extrema utilidade a aplicação de suas teorias, e de outros referenciais do campo historiográfico, na tentativa de entender o pensamento de Kidder, o viajante de referência, entendendo que faz parte daqueles que fazem a “história dos de baixo”, missionário, protestante, num país genuinamente católico, seus escritos para os historiadores não cristãos não teriam valor histórico na historiografia tradicional. Ainda relacionando às justificativas para a escolha desses referenciais teóricos observa-se que Thompson foi um grande pensador que soube melhor analisar o objetivo do historiador, que não é chegar à veracidade dos fatos (no caso, impossível), mas ajudar a ver que cada geração fará perguntas à evidência histórica, e terá respostas diferentes. Thompson enuncia: Cada idade, ou cada praticante, pode fazer novas perguntas à evidência histórica, ou pode trazer luz novos níveis de evidência. Nesse sentido, a “história” (quando examinada como produto de investigação histórica) se modificará, e deve modificar-se, com as preocupações de cada geração ou, pode acontecer de cada sexo, cada nação, cada classe social. (THOMPSON, 1981, P. 51) Segundo Burke (2005, p. 78) em O que é História Cultural? Após mencionar os quatro teóricos desse novo paradigma, Mikhail Bakhtin, Nobert Elias, Michel Foucault e Pierre Bourdieu, assevera que: “Práticas” é um dos paradigmas da NHC (Nova História Cultural): a história das práticas religiosas e não da teologia, a história da fala e não da linguística, a história do experimento e não da teoria científica. Para Thompson: 16 O objeto do conhecimento histórico é a história “real”, cujas evidências devem ser necessariamente incompletas e imperfeitas. Supor que um “presente”, por se transformar em “passado”, modifica com isto seu status ontológico, é compreender mal tanto o passado como o presente. (THOMPSON, 1981, p. 50) Segundo Thompson (1981, p. 57) nunca a evidência será completa, não se terá a história real, mas o objetivo principal da história é: compreender, explicar e reconstruir seu objeto, a história “real”, que são as próprias evidências do comportamento humano ocorrendo no tempo. De acordo com Thompson, o conhecimento histórico não permanece cativo no passado. “Ele ajuda-nos a conhecer quem somos, saber por que estamos aqui, que possibilidades humanas se manifestam, e tudo quanto podemos saber sobre a lógica e as formas do processo social” Como foi observado por Thompson (1981, p. 50): O passado humano não é um agregado de histórias separadas, mas uma soma unitária do comportamento humano, cada aspecto do qual se relaciona com outros de determinadas maneiras tal como os atores individuais se relacionavam de certas maneiras. Ao utilizar nessa pesquisa Thompson como um referencial teórico, tem-se como objetivo dialogar com certas hipóteses. Para Kidder esse Brasil religioso não era cristão, mas sim caracterizado por um catolicismo sincrético, supersticioso e pagão, que ao invés de levar as pessoas para um relacionamento com Deus, o afastava dele. Kidder vê, nesse sentido, uma oportunidade para a implantação de um evangelho “genuíno” trazido pelo protestantismo norte-americano. Considerando que a tese de Thompson é definida levando em conta que “cada idade, ou cada praticante, pode fazer novas perguntas à evidência histórica, ou pode trazer luz novos níveis de evidências”, tratar-se-á nesta pesquisa de três intérpretes do Brasil, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Junior, os quais estudando o Brasil, tendo o mesmo objeto de pesquisa, depois de acurada investigação, chegam a um mesmo discurso devido seus pressupostos serem os mesmos. Esses pressupostos estavam relacionados à idéia de progresso existente no século XIX. Sobre este assunto Rost explica: O século XIX é, na Filosofia, o grande século da descoberta da História ou da historicidade do homem, da sociedade, das ciências e das artes. É particularmente com o filósofo alemão Hegel que se afirma que a História é o modo de ser da razão e da verdade, o modo de ser dos seres humanos e que, portanto, somos seres históricos. No século passado, essa concepção levou à idéia de progresso, isto é, de que os seres humanos, as sociedades, as ciências, as artes e as técnicas melhoram com o passar do tempo, acumulam conhecimento e práticas, aperfeiçoando-se cada vez mais, de modo que o 17 presente é melhor e superior, se comparado ao passado, e o futuro será melhor e superior, se comparado ao presente. No aspecto religioso esse tema tem conotações mais abrangentes a ponto de criar-se uma doutrina escatológica que se chama pós-milenismo que ensinava que a sociedade iria melhorar, que iriam descobrir as curas para as doenças, o mundo se tornaria melhor, e quando todas estas coisas acontecessem Jesus voltaria para levar a sua igreja. Para apressar esse acontecimento era necessário a expansão do cristianismo por todas as partes da terra, levando o reino de Deus e o progresso. O lugar da obra de Kidder está assegurado no modelo de historiografia proposto por Thompson. Dentro desta perspectiva, as perguntas que podem ser feitas são: Qual é a religiosidade brasileira que brota do olhar de Kidder? Por que ele fica “espantado” com a religiosidade brasileira? O que mais o impressionou? Qual a proposta dele para mudar a realidade que estava presenciando? 18 1. A OBRA DE KIDDER Daniel Parish Kidder (1815–1891) foi um missionário metodista e é considerado um dos pioneiros do protestantismo no Brasil. Kidder, em companhia do seu colega R. J. Spaulding chegou ao Rio de Janeiro em 1836; demorou-se no Brasil alguns anos, tendo percorrido o norte do país entre os anos 1837 e 1838. Em 1842, por falecimento de sua esposa no Rio de Janeiro, regressou aos Estados Unidos onde, três anos depois, publicou a sua obra Reminiscências de viagens e permanências no Brasil. Esta obra foi com seu consentimento, ampliada, refundida e atualizada pelo seu colega James Cooley Fletcher, e recebeu o nome de “O Brasil e os Brasileiros”. Na parte introdutória observamos o referencial teórico e em seguida vimos o que já existe escrito sobre o missionário e viajante Kidder, a seguir abordaremos a obra O Brasil e os Brasileiros, uma obra feita em parceria entre Fletcher e Kidder. A importância dessa leitura se dá devido a obra abordar temas que não foram mencionados na obra Reminiscências. 1.1 - O BRASIL E OS BRASILEIROS Além do livro Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil, Kidder junto com James Cooley Fletcher1, escreveu O Brasil e os Brasileiros. A análise deste livro é importante dentro do tema, tendo em vista que também neste livro os autores vão reafirmar o que Kidder já havia mencionado no seu primeiro livro, agora com a contribuição expressiva de Fletcher. Neste livro também se detectam as críticas contundentes que posteriormente apareceriam nos intérpretes do Brasil, Freyre, Holanda e Caio Prado, críticas que serão mencionadas no capítulo específico sobre esses autores. 1 James Cooley Fletcher (1823-1901) foi um pastor presbiteriano, que estudou em Princeton e na Europa e casou-se com uma filha de César Malan, teólogo calvinista de Genebra. Chegou ao Brasil em 1851 como novo capelão da Sociedade dos Amigos dos Marinheiros e como missionário da União Cristã Americana e Estrangeira. Atuou como secretário interino da legação americana no Rio de Janeiro e foi o primeiro agente oficial da Sociedade Bíblica Americana. Promotor entusiasta do protestantismo e do "progresso”. Fletcher dedicou-se também ao estudo de ciências naturais, tendo, na sua viagem pelo Amazonas, colhido material que enviou ao Prof. Agassiz o qual se serviu deste material para seus estudos ictiológicos e posteriores observações na mesma região. 19 Sérgio Buarque de Holanda inclusive cita o viajante Kidder para fundamentar as suas observações sobre a religiosidade brasileira. Via de regra, após o período de viagem, os viajantes editavam os seus escritos em forma de diário ou livros. As suas observações sobre o país visitado eram sempre novidades em seu país de origem. Alguns viajantes eram também cientistas, outros só observadores da natureza, que no caso do Brasil, com uma natureza primal, tornava-se um atrativo a mais para eles. Esses escritos tornavam-se em instrumentos de divulgação e de lucro. Considerando que as obras Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil e O Brasil e os Brasileiros são as mais importantes sobre o Brasil escritas por norte-americanos naquele período, e também que os missionários norte-americanos chegaram ao Brasil após a publicação delas, percebe-se que havia um interesse de conhecer um país exótico com uma natureza ainda intocável. Considerando ainda que o livro teve nove edições, (alguns dizem 12 edições, mas sem mencionar datas). Seria inadmissível que missionários preparados em seminários e universidades de renome, como o Seminário de Princeton, e a Universidade Wesleiana, não conhecessem esse livro. Por isso, os missionários que chegaram ao Brasil após as publicações dessas obras, Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil e O Brasil e os Brasileiros, obtiveram conhecimento sobre o Brasil através destes escritos. Ribeiro (1981, p. 173) registra que Simonton2 indicou o livro de Kidder Reminiscências, para norte-americanos que queriam conhecer o Brasil, juntamente com o livro A Vida no Brasil de Thomas Ewbank. Giraldi (2008, p. 39) diz que Kalley leu o livro Reminiscências, e foi motivado a vir trabalhar no Brasil. Simonton foi amigo de James Cooley Fletcher. Vieira (1980, p. 135) menciona que Simonton trouxe cartas de apresentação fornecidas por Fletcher para pessoas importantes. Simonton ao chegar ao Brasil, trazia consigo cartas de apresentação, fornecidas por James Cooley Fletcher, dirigidas a “pessoas de alta classe”. Entretanto, não as utilizou a não ser em duas ocasiões, nos casos do Dr. Manoel Pacheco da Silva, Diretor do Colégio Dom Pedro II e do Dr. Luís Correia de Azevedo. 2 Ashbel Green Simonton, foi ordenado ministro do evangelho em 1859, no mesmo ano, partiu para o Brasil como missionário da Igreja Presbiteriana, chegando ao Rio de Janeiro no dia 12 de Agosto. Em 1862 fundou a Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro. Em 1864, criou o Jornal Imprensa Evangélica e a primeira livraria evangélica do País. Em 1865, organizou o Presbitério do Rio de Janeiro. E, em 1867 fundou o primeiro Seminário Presbiteriano no Brasil. Em 1867, foi acometido de febre amarela e faleceu com apenas 34 anos de idade. (GIRALDI, 2008, p. 40) 20 Com esta informação conclui-se que Simonton era conhecedor dos escritos de Kidder e Fletcher, e se utilizou deles para conhecer o Brasil. Existe outro exemplo de que os textos escritos por Kidder e Fletcher eram como manuais para os missionários, Vieira (1980, p.164) menciona o missionário e pastor episcopal Richard Holden o qual veio para o Pará, trouxe um exemplar do livro O Brasil e os Brasileiros. Em 16 de dezembro de 1860, Holden escreveu sua primeira carta de Belém do Pará. Viajara para lá, via Inglaterra e Escócia, onde fora visitar o pai, Mr. R. G. Holden. Em Londres, visitou a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira e a Sociedade de Literatura Religiosa. Então munido com um exemplar do Brazil and the Brazilians, de Fletcher e de um suprimento de Bíblias, saiu de Liverpool para Belém do Pará, em novembro de 1860. Essa citação mostra a importância que o livro O Brasil e os Brasileiros teve no período da inserção do protestantismo brasileiro ao informar sobre o Brasil para os missionários. Autoria, Objetivos e Conteúdo do Livro O Brasil e os Brasileiros. Ao ler atentamente O Brasil e os Brasileiros, observa-se que a contribuição de Kidder para essa obra se dá somente em pequenas citações, as quais são retiradas das Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil, mas que a contribuição não vai, muito além disto. Fletcher relata os lugares por onde passou e as pessoas com que se comunicou, e vez por outra, ao mencionar uma situação semelhante a que Kidder experimentou, menciona-o citando-o literalmente. Conclui-se que colocar Kidder como co-autor de O Brasil e os Brasileiros foi uma estratégia, tendo em vista que Kidder já havia vendido muitos livros, enquanto que Fletcher não era conhecido como escritor, podendo ter muita dificuldade de receptividade. Com a co-autoria de Kidder, esse obstáculo seria transposto mais rapidamente. O título do novo livro também era uma estratégia comercial. O livro teve, para o período, um recorde de edições. Todos quantos queriam vir para o Brasil, ou abrir um negócio neste país, ou aqueles que queriam saber se o Brasil era um lugar de oportunidades, adquiriam o livro e o liam. Vieira (1980, p. 71) informa que Fletcher foi auxiliado por Dr. Thomas Tainey na elaboração de O Brasil e os Brasileiros. Em 1857, Fletcher evidentemente dividiu seu tempo entre New York e Newbury-port, Massachusetts, escrevendo Brazil and the Brazilians. Foi auxiliado nessa atividade pelo jornalista e ex-editor do jornal Cincinatti Daily 21 Republican, Dr. Thomas Rainey. Este acabava de regressar do Brasil, onde passara algum tempo em Belém do Pará e explorara o vale do Amazonas “por diversas centenas de milhas”. Considerando essa informação do auxílio do Dr. Thomas Rainey na elaboração de O Brasil e os Brasileiros. Observando o pouco conteúdo do primeiro livro de Kidder, Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil, presente no segundo livro, tendo a informação dada por Vieira (1980, p. 68) que Kidder pediu para Fletcher “completar seus esboços do Brasil (sic) até o tempo presente”. Tendo em vista o espírito de propagandista brasileiro nos Estados Unidos, conclui-se que Fletcher pegou seus escritos, além dos escritos de Kidder, e escreveu O Brasil e os Brasileiros levando em conta o seu objetivo de fazer conhecido o Brasil, suas oportunidades, sua beleza para os norte-americanos. Para quem quiser conhecer o pensamento de Kidder, suas viagens pelo Brasil, sua impressão dos brasileiros, as instituições religiosas, e a cultura, a leitura do primeiro livro de Kidder Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil é o material mais indicado. O Brasil e os Brasileiros tem outros objetivos, e esses são mais publicitários do que religiosos. A obra O Brasil e os Brasileiros contém relatos históricos sobre o Brasil, como as tentativas de invasões pelos franceses e holandeses, e a vinda da família real para o Brasil. Contém descrição da realidade brasileira, a casa brasileira, a mulher brasileira, como são os mercados, a alimentação diária, as diversões familiares, o menino brasileiro, o moço brasileiro, os partidos políticos e os estadistas, escreve sobre a monarquia, que é a forma de governo do país naquele momento, descreve de forma minuciosa paisagens por onde passou, inclusive mencionando as minas de ouro e como era a forma de extração, mostra também as instituições religiosas, hospitalares, relata como os brasileiros tratam os negros. Aborda também a precariedade dos instrumentos de trabalho, sempre muito rústicos. As narrativas possuem sempre um sentido de oportunidade para o investimento no país. O objetivo da obra é divulgar o país para os norte-americanos, pois segundo ele existia uma ignorância dos americanos sobre os brasileiros e uma ignorância dos brasileiros sobre os americanos, “a recíproca ignorância do povo norte-americano em relação ao Brasil, desejei tudo fazer que estivesse ao alcance de uma simples pessoa, para remover a impressão errônea” (Kidder e Fletcher, 1941, v. I p.277) Tendo esse objetivo em mente, divulgar o Brasil para os norte-americanos, Fletcher vai em 1854 para os Estados Unidos, coloca anúncio nos jornais divulgando uma exposição que aconteceria no Brasil e convidando todos os empresários, 22 comerciantes, escritores, poetas, artistas que quisessem que seus trabalhos ou produtos estivessem na exposição a encaminhar um exemplar para o endereço anunciado. Fletcher diz que recebeu gratuitamente um navio para transportar o material para a exposição, embora segundo ele a quantidade de pessoas que enviaram o material teria sido abaixo de suas expectativas3. O imperador foi o convidado de honra. A exposição foi visitada primeiramente por D. Pedro II e sua comitiva, só depois sendo aberta ao público. A exposição contou com seiscentos objetos4. O material exposto consistia de exemplares de livros, gravuras de aço, e cromolitografias de Filadélfia, bem como pelos maquinários agrícolas. Segundo Fletcher o imperador ficou admirado ao observar os objetos. Depois da exposição, muitos dos objetos da exposição foram enviados como presentes ao imperador. Nesse episódio, vê-se em Fletcher o espírito empreendedor e patriótico, embora ele diga que o motivo principal era “o bem dos Estados Unidos e do Brasil”, pois observava que a Inglaterra estava tirando vantagens sobre os norte-americanos com relação ao Brasil, os ingleses possuíam linhas de navios a vapor desde 1850, e desfrutavam isolados dos benefícios desse empreendimento. Fletcher “escreveu uma carta sobre o assunto ao “Jornal do Comércio” de Nova York, e desde então, continuou a agitar na imprensa a questão das comunicações a vapor entre os dois países”, (Kidder e Fletcher 1941, v. I p. 223). Segundo ele “os vapores ingleses, a energia e o capital desse país, e a nossa negligência fizeram desse modo progredir o comércio da nossa rival” (Kidder e Fletcher, 1941, v. I p. 221). A concorrência entre Inglaterra e os Estados Unidos era algo natural, e Fletcher percebe que, com relação ao comércio entre Inglaterra e Brasil, e os Estados Unidos e o Brasil, as estatísticas mostram a grande vantagem da Inglaterra. Fletcher lembra que muitos comerciantes já haviam solicitado essa linha de vapor entre os Estados Unidos e Brasil, mas que até aquele momento não tinham sido atendidos. Somente em 1864, num convênio entre o Brasil e os Estados Unidos foi possível estabelecer a comunicação a vapor, fazendo doze viagens de ida e volta de Nova York ao Rio de Janeiro, anualmente. Fletcher pendia entre o desejo de ver o seu país tirando vantagem sobre os recursos naturais do Brasil, através da comercialização de seus produtos, e a 3 Fletcher menciona que alguns lamentaram a não participação, devido os bons resultados da exposição, e o que se seguiu após ela, “milhares de dólares foram depois de 1865 empregados na compra dos artigos que expuz”(Kidder & Fletcher, 1941, v. I p. 277). 4 Segundo a autor havia disposto os seiscentos diferentes objetos de forma tal que a exposição não deixou de ter uma certa imponência.(Kidder & Fletcher, 1941 v. I p.280) 23 evangelização dos brasileiros. Em visita ao imperador para entregar-lhe os objetos da exposição, Fletcher pôde contemplar o palacete de Marquês de Abrantes, onde a família real estava passando algumas semanas para tomar banho de mar. Kidde e Fletcher (1941, p. 283) relatam: Olhando para uma cena tão encantadora, tive um único desejo, de que esta terra, para quem tanto Deus fez no ponto de vista da natureza, pudesse possuir as vantagens mentais e morais que pertencem aos mais ríspidos povos do norte, pela sua educação e religião. Para Kidder e Fletcher a civilização se desenvolvia através de dois carros-chefe, uma educação de qualidade e uma religião que elevasse a moral de sua população. Ele tem como padrão de civilização os Estados Unidos. Em carta escrita a seu pai Calvin Fletcher, Fletcher começava a formular o que parece ter-se tornado seu plano de ação e por algum tempo sua grande obsessão: converter o Brasil ao protestantismo e ao “progresso”. Para ele, o protestantismo equalizava-se ao desenvolvimento econômico científico e tecnológico. (VIEIRA, 1980, p. 63) Para Fletcher o protestantismo trazia em seu bojo, tanto o desenvolvimento quanto a fé, por isso, ao encher o Brasil de norte-americanos, iria contribuir para a evangelização e o desenvolvimento econômico. Segundo Kidder e Fletcher (1941, v. I p. 278) no Brasil havia falta de material para utilização nas escolas e comenta: No Brasil, encontrei grande falta de livros didáticos. No Chile, em Nova Granada, vi livros espanhóis, publicados por Appleton, e desejaria ver a mesma coisa feita para a juventude do Brasil, onde grande atenção esta sendo despertada para os assuntos de educação. De acordo com os autores, era aquele momento importante para atingir seu desejo, pois o assunto sobre a educação estava sendo comentado, despertando-se na juventude desejo pelo conhecimento. O país estava aberto para a evangelização, possuindo uma multidão como consumidores em potencial dos produtos norteamericanos. O duplo objetivo que permeia toda a obra, de evangelizar e de beneficiar-se das riquezas brasileiras, pode ser visto na citação a seguir, segundo Kidder e Fletcher (1941, v. I p. 278). Era meu ardente desejo, primeiro – ver esses sete milhões de homens tolerantes possuindo uma profunda moralidade e uma verdadeira religião. Outro desejo meu seria ver homens de ciência estudiosos do Brasil ligados aos espíritos irmãos da nossa vigorosa terra e contemplar bons compêndios nas mãos das crianças brasileiras, e ver a nossas fábricas, tendo mostruários neste país, seu tão grande consumidor. 24 A ideia de uma nação eleita, com um chamado de Deus para civilizar o mundo pagão fazia parte do pensamento norte-americano. Para eles este era um chamado de Deus. Mas também estava presente nos pensamentos de Kidder e Fletcher o desejo de ver sua nação tirando vantagens dessa atividade financeira. Mesquida (1994, p.38), em seu livro a Hegemonia Norte-Americana e Educação Protestante no Brasil, quando menciona a vinda dos norte-americanos sulistas para o país após a guerra da secessão, apresenta um pensamento presente entre eles de ocupação do sudeste do Brasil e, se necessário fosse até mesmo utilizariam as forças armadas. O dr. Barnsley, imigrante americano, médico em Tatuí, São Paulo, (..) afirmava que a meta dos sulistas americanos era “de ocupar o país..., converter os nativos e, se necessário, fazer uso da solução armada”. Por outro lado, esta idéia não era estranha ao rev. Ballard Dunn, que consagrou um capítulo de seu livro ao tema da ocupação do sudeste do Brasil. Para ele, segundo a opinião de um “velho soldado prussiano”, 20 mil soldados bem disciplinados e alguns navios de guerra poderiam manter a marinha e o exército brasileiros afastados da região. Assim, os imigrantes não tinham nada a temer porque o território poderia ser mantido como uma fortaleza, onde o sistema de escravidão e a liberdade religiosa e política seriam defendidos contra os eventuais ataques dos “pagãos” nativos. Esse pensamento de conquista e ocupação tem sua origem no pensamento protestante, que olha para Josué, personagem bíblico que possibilitou a conquista da terra prometida após a morte de Moisés, e tem nele sua inspiração. Esse pensamento não foi adiante, pois os norte-americanos que haviam passado por uma grande guerra civil, a guerra da secessão, não iriam para um lugar distante e empreender outra guerra. A tragédia da guerra perdida estava presente ainda na memória daqueles que tiveram seus entes queridos perdidos nas batalhas. Kidder e Fletcher também foram influenciados pelo Destino Manifesto,5 que havia sido interiorizado pela nação norte-americana, e também acreditavam que os norte-americanos haviam sido comissionados por Deus para levar a civilização e a fé a todos os países pagãos. Mesquita (1994, p. 105) assevera. A convicção de que os sinais do Reino de Deus são a liberdade (civil e religiosa), a civilização e o progresso, levava os metodistas a identificarem a nação americana com o povo escolhido por Deus para salvar o mundo. Por isso, o pastor metodista H. H. Lowry acreditava que “a introdução de nossa civilização pelas agências missionárias nos países menos desenvolvidos torná-los-á mais dinâmicos e contribuirá para a sua evolução”. Ao mesmo tempo, o secretário-geral de Missões afirmava que “o evangelho é a mais eficiente empresa civilizadora”. 5 O Destino Manifesto é o pensamento que expressa a crença de que o povo dos Estados Unidos é eleito por Deus para comandar o mundo, e por isso o expansionismo americano é apenas o cumprimento da vontade Divina. Os defensores do Destino Manifesto acreditaram que expansão não só era boa, mas também era óbvia ("manifesto") e inevitável ("destino"). 25 Com a influência do Destino Manifesto, mais o desejo de ver os norteamericanos sendo beneficiados com os enormes recursos naturais existentes no Brasil, Fletcher e Kidder empreendem o objetivo de divulgar o Brasil para os norte-americanos, através da ampliação dos escritos de Kidder, sobre seu livro Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil. O sucesso desse empreendimento pode ser visto na quantidade de edições. Sobre a importância do empreendimento missionário no suposto mundo pagão, que preparava caminho para o expansionismo norte-americano, Mendonça (1995, p. 62) afirma: Pelo menos no século XIX, o melhor e mais eficiente condutor da ideologia do “Destino Manifesto” foi a religião americana, ou melhor dizendo, o protestantismo americano com a sua vasta empresa educacional e religiosa, que preparou e abriu caminho para o seu expansionismo político e econômico. É corrente entre os historiadores a ideia de que o desejo de cristianizar o mundo pagão foi utilizado pelas autoridades para a dominação ideológica, mas para os protestantes os motivos eram também espirituais, visto estar claro que o Brasil precisava da presença civilizadora dos americanos, pois estavam trabalhando para levar os outros povos a Cristo e contribuir para a salvação de sua alma. Para Vieira (1980, p.68) Fletcher pagou um preço muito alto por se posicionar como missionário protestante nessa campanha comercial de divulgar o Brasil entre os norte-americanos, e se posicionar e defender o Brasil para os norte-americanos no período da Guerra do Paraguai. Por isso foi retirado da história do protestantismo brasileiro. A rejeição de Fletcher e de seus métodos pelos seus colegas missionários, como será discutido adiante, foi tão completa que chegou a obliterar seu nome da história da igreja protestante no Brasil. A pessoa mais responsável por seu olvido foi provavelmente o Reverendo Alexander Latimer Blackford, o primeiro historiador do movimento missionário protestante no Brasil, que também foi um dos líderes do movimento contra Fletcher. Em 1876 publicou seu primeiro esboço do esforço missionário protestante no Brasil. Nele o nome Fletcher aparece apenas como alguém que tinha cooperado com Kidder escrevendo o livro Brazil and the Brazilians. Os historiadores que se seguiram seguem este mesmo esboço, colocando a participação de Fletcher somente como um co-autor de O Brasil e os Brasileiros, ignorando seu papel de ajuda aos primeiros missionários protestantes que chegaram no Brasil. 26 Mas Fletcher se defende dessa crítica, pois segundo ele não havia incompatibilidade entre o comércio e o trabalho missionário. Vieira (1980, p.65) repetindo as palavras de Fletcher, relata: Sei que alguns podem dizer que não é do papel de um clérigo missionário estar envolvendo-se com negócios. Mas creio que tenho uma visão mais alta do que o mero interesse mercantil do meu país, pois sou dos tais que crêem que a religião e o comércio são servos que, unidos com a Bênção de Deus, servem para a promoção dos interesses mais nobres e mais altos da humanidade. A sua defesa não foi suficiente para mudar a realidade que se seguiu. Pois até pouco tempo eram poucos os livros que relatavam a importância e relevância do ministério de Fletcher no Brasil. Se os companheiros do trabalho missionário de Fletcher não o viam com bons olhos, como o via o clero católico? Vieira (1980, p. 80) lembra que o veículo de comunicação católica O Apóstolo era o meio dos católicos atacarem a ofensiva protestante. “Em 1871 o jornal ultramontano, O Apóstolo (...) critica a escolha do Fletcher, como membro honorário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro”. Já o havia criticado pelos escritos de O Brasil e os Brasileiros, por possuir várias críticas ao clero católico, dizendo que o clero era ignorante e imoral. Só recentemente a historiografia começou a reconhecer a importância de Fletcher, Giraldi (2008, p. 38) destaca essa importância. Ele estava como secretário da delegação americana no Brasil, procurando aproximar o Brasil e os Estados Unidos nas áreas diplomática, comercial e cultural. Através de seus contatos com políticos e intelectuais brasileiros, ele contribuiu indiretamente para a introdução do protestantismo no Brasil. Foi por sua sugestão que o fundador da primeira Igreja Protestante no Brasil o missionário congregacional escocês Robert Reid Kalley veio para o Brasil, em 1855. Observa-se uma mudança de discurso na análise da atuação de Fletcher, pelos primeiros historiadores e agora pelos contemporâneos, estes, procurando destacar os pontos importantes da atuação de Fletcher e não enfatizando seu interesse comercial. Vemos na mudança do discurso sobre a atuação de Fletcher, porque cada geração, cada pessoa, cada sexo como diz Thompson pode fazer perguntas à evidência histórica e obter respostas diferentes, as perguntas que o Rev. Alexander Latimer Blockford responsável por retirar a importância Fletcher em sua publicação do esboço missionário protestante no Brasil fez de Fletcher, não são as mesmas que Giraldi fez, Giraldi viu os aspectos positivos da vida de Fletcher, enquanto que Alexander observou somente seu comportamento como missionário, que não era o que ele esperava. 27 O livro O Brasil e os Brasileiros cumpriu seu objetivo para o qual foi escrito, pois divulgou, durante muito tempo, o Brasil para os norte-americanos, serviu de material de propaganda para todos quantos queriam de alguma forma conhecer o Brasil, visando evangelizá-lo, ter algum tipo de envolvimento comercial, ou simplesmente conhecê-lo. O livro reflete a dicotomia de seus autores, de um lado vê-se Kidder com seu desejo principal de evangelizar o país, e por outro lado Fletcher enfatizando o lado mercantilista e comercial desse empreendimento. À luz da história subsequente vê-se que os dois objetivos foram atingidos, não como os autores esperavam, nem com a rapidez com que eles previam. A importância da leitura desse livro orienta a pensar que a vinda dos missionários norte-americanos para o Brasil, não foi apenas com o desejo de conduzir pessoas para o “Reino de Deus”. O Brasil e os Brasileiros nos indica que por detrás de alguns missionários piedosos estavam também alguns interesses comerciais. No século XIX havia o pensamento de que os norte-americanos deveriam levar o evangelho ao mundo e junto com o evangelho o progresso. Esse pensamento também acompanhou os missionários protestantes que chegaram ao Brasil neste período. Para eles ao cumprir seu ministério como missionários, também estavam cumprindo sua vocação como cidadãos norte-americanos. No pensamento protestante calvinista, Deus vocaciona as pessoas para serem profissionais, comerciantes, professores, para eles a profissão deve ser uma vocação, e exercendo sua vocação eles realizariam a obra de Deus na terra. Por isso na mente deles não havia incompatibilidade entre o evangelizar e o progresso. No século XIX o progresso era o tema central das conversas e a preocupação dos governantes, alguns países estavam se desenvolvendo muito rapidamente e outros estavam ficando para trás, os países em desenvolvimento eram protestantes e os países menos desenvolvidos eram católicos ou de outra religião, por isso a concepção de que o protestantismo e o progresso eram dois amigos que caminham juntos. Com essa concepção os missionários chegam ao Brasil para torná-lo protestante e beneficiá-los com o progresso. Vê-se à importância dos temas mencionados na obra O Brasil e os Brasileiros, agora passar-se-à a análise da obra Reminiscências, que tem como objetivo observar qual religiosidade brasileira brota do olhar de Kidder. 28 1.2 – REMINISCÊNCIAS DE VIAGENS E PERMANÊNCIA NO BRASIL Este foi o primeiro livro que o missionário Kidder escreveu após retornar aos Estados Unidos, motivado pela morte de sua esposa. Neste livro ele relata suas impressões sobre esse país tão vasto e pitoresco, faz observações de como vivem os brasileiros, suas instituições religiosas, como é a administração das cidades, como foi a história do Brasil até aquele momento, menciona as tentativas de colonização pelos franceses e holandeses, a vinda da família real para o Brasil, como era o trabalho dos brasileiros e como viviam os escravos, se colocando claramente contra o sistema, teve contato com muitas autoridades civis e eclesiásticas, fez o trabalho de distribuição e venda de bíblias e literatura protestante. Em sua análise de sua permanência no Brasil, foi bem recebido pela maioria das pessoas e não sofreu nenhuma perseguição considerável. Seu desejo de doar bíblias para as escolas públicas não foi realizado, mas ele não desistiu do trabalho, viajou o Brasil de norte a sul, distribuindo exemplares de bíblias e evangelizando. Como o objeto de nossa pesquisa é a religiosidade brasileira na obra de Kidder, abordaremos mais profundamente este tema e o livro Reminiscências em capítulo específico. Neste capítulo foi abordado à obra O Brasil e os Brasileiros e sua contribuição para fazer conhecido o Brasil entre os norte-americanos, tornou-se também um manual para os missionários que iriam trabalhar no Brasil. Agora passaremos a observar os fatores que contribuíram para a vinda do missionário e viajante Kidder para o Brasil, com objetivo de entender quais os pressupostos presentes nos pensamentos de Kidder. 29 2. AS RAÍZES DO PENSAMENTO DE KIDDER O cenário do contexto cultural e religioso norte-americano do século XIX, que proporcionou a vinda do missionário protestante Daniel P. Kidder para o Brasil era composto de múltiplas influências. A situação que compõe esse cenário era a teologia arminiana, o despertamento espiritual e a pregação predominante que era o milenarismo. Embora se saiba que muitos outros fatores, tais como a abertura dos portos brasileiros para nações protestantes, a fundação de sociedades bíblicas para a comercialização de bíblias e a divulgação do evangelho, o aumento da arrecadação das igrejas devido o aumento no número de membros após o grande despertamento espiritual tenham contribuído para a vinda de Kidder, destaca-se apenas estes a seguir por possuírem maior relevância para a pesquisa. 2.1 - A Teologia Arminiana O arminianismo era predominante no metodismo americano devido à influência de John Wesley (1703-1791) fundador do metodismo. Podemos resumir a doutrina arminiana como segue: “Jesus Cristo, por sua obra expiatória, é o salvador dos homens, mas cada qual tem sua parte a fazer, procurando ativamente reformar a própria vida” (MENDONÇA, 1984, p. 39) Embora o arminianismo tivesse sido combatido severamente pelos puritanos e calvinistas, (MARTINS, 1991 p. 75) este achou espaço nas pregações fervorosas e repletas de conteúdo emocional dos discípulos de Wesley. Mendonça explica o crescimento superior do metodismo no oeste americano em virtude da sua teologia arminiana, que colocava sobre as pessoas a responsabilidade de decisão para Cristo, enquanto que a teologia puritana, por exemplo, enfatizava a eleição. A mensagem metodista arminiana (...) era mais condizente com a democracia fronteiriça do que a doutrina elitista de Calvino, quando o pregador metodista 30 pregava, ele convidava ‘todo aquele que quer’; o calvinismo oferecia salvação só aos eleitos (MENDONÇA, 1984, p. 50,51). No calvinismo não era enfatizada a eleição pura e simplesmente, e sim a consciência da necessidade de arrependimento que só aquele que foi eleito teria. Para eles, só o eleito creria em Cristo, ao passo que no arminianismo todos poderiam crer. Para Mendonça, a teologia de Wesley é fruto da fusão de três correntes: o misticismo, o pietismo e o puritanismo. Ele completa: Apelo para a conversão e mudança de vida, a ação social no sentido da moralidade e o emocionalismo lembram, respectivamente, a pregação arminiana da responsabilidade pessoal, o puritanismo e o pietismo. O sentimento de conhecer a Deus através da união íntima com ele lembra o misticismo que, por sua vez, deve ter influído no pietismo (MENDONÇA, 1984, p. 42). As posições teológicas de Kidder é fruto da influência da teologia de Wesley bem presente no metodismo norte-americano. 2.2 - O Despertamento Espiritual O movimento que de alguma forma interferiu na vinda de Kidder para o Brasil foi o segundo grande avivamento, que ocorreu nos EUA em todas as igrejas protestantes no início do século XIX. “O acampamento mais famoso aconteceu numa fortificação em Cane Ridge, em agosto de 1801, marcado por estranhos fenômenos, como quedas, pulos, meneios, danças e ladridos” (CAIRNS, 1985, p. 398). O avivamento produziu um crescimento no número de igrejas protestantes e um aumento no número de membros nas igrejas já existentes. Esse movimento atingiu todo o território nacional e ainda atravessou os mares, quando os grandes avivalistas eram convidados para irem à Inglaterra e a outros países do continente europeu. Kidder, embora não fosse metodista de nascimento, foi influenciado pelo despertamento espiritual de sua época e sentiu-se vocacionado por Deus para a obra missionária. Sonhava ir para a China como missionário, porém não conseguiu e resolveu aceitar o convite para trabalhar no Brasil. A decisão de enviar Kidder para o Brasil foi antecedida de debates nos Estados Unidos sobre a adesão dos brasileiros ao cristianismo. Os debates giravam em torno da necessidade de evangelização no Brasil, já que este era um país católico. Decidiu-se que os missionários deveriam desconsiderar que o catolicismo era cristão, e pensá-lo como 31 uma paganização do verdadeiro cristianismo recuperado pela Reforma. No Brasil, todos deveriam ser evangelizados, inclusive o clero (MENDONÇA, 1984, p.59). Mendonça (1995, p. 82) destaca que os protestantes norte-americanos definiram como era o catolicismo brasileiro, e em seguida realizaram estratégias para evangelizar o Brasil. A análise do comportamento protestante na fase de sua implantação e consolidação, o que se dá muito provavelmente, creio, ao findar o Primeiro Período Republicano, mostra a visão peculiar que o protestantismo teve da Igreja Católica. Como essa visão é importante, como já foi dito, para se entender a estratégia protestante em seus diversos níveis de ação, ela merece ser reconstruída. Por outro lado, a ótica protestante do catolicismo brasileiro revelou justeza em certos aspectos porque mostrou as brechas pelas quais ele pode entrar. A definição de que o catolicismo não era uma religião cristã e sim uma paganização do cristianismo restaurado pela reforma, ajudou os missionários a não terem nenhum diálogo com o catolicismo, o contato com os padres e líderes católicos ocorria tendo como principal objetivo o proselitismo através da conversão, e não o diálogo entre religiões. 2.3 - A Pregação Milenarista Além da pregação arminiana e da influência do despertamento espiritual, outro aspecto de análise é a pregação milenarista, uma versão protestante do “Destino Manifesto”. Segundo Mendonça: Os americanos não afirmavam ter realizado ou estar prestes a realizar o Reino de Deus na terra, mas que tinham, a duras penas, encontrado o caminho. Para muitos pensadores e pregadores, a civilização cristã apontava para o milênio, (...) o avanço da civilização nos princípios do progressismo, norteava-se pela vinda do Reino de Deus, aperfeiçoamento e coroação dessa civilização. A expectativa milenarista no século XIX na América era intensa e extensa, embora variassem os detalhes teológicos (MENDONÇA, 1984, p.54). Esse sentimento de ser capaz de reformar o mundo era generalizado em todas as igrejas norte-americanas e houve uma cooperação entre elas, mesmo mantendo suas formas específicas. A percepção de que os norte-americanos eram a locomotiva que levaria ao reino de Deus por toda a terra, fez com que as diferenças teológicas e denominacionais se nivelassem diante de um inimigo comum que era o paganismo. A crença na possibilidade da realização do Reino de Deus na terra intensificou a cooperação entre todas as denominações protestantes que, embora mantivessem suas características próprias assim como suas formas específicas, nivelavam-se numa teologia mais ou menos uniforme como produto dos reavivamentos metodistas. As denominações dispunham-se a 32 cooperar para a reforma do mundo a partir da visão de uma população religiosa livre letrada, industriosa, honesta e obediente às leis (MENDONÇA, 1984, p. 55). Os pregadores milenaristas dividiam-se entre os que acreditavam que o milênio seria consequência do Reino de Deus implantado na terra, e os que pensavam que o milênio viria e depois o Reino de Deus se estabeleceria, os quais eram denominados pós-milenistas e pré-milenistas respectivamente. A crença no milenarismo vem desde a chegada dos pais peregrinos à América do Norte. Segundo Delumeau (1997, p. 13) “Os ´pais peregrinos’ que se estabeleceram na América do Norte nos anos 1620 eram milenaristas e a esperança de fazer dessa parte do mundo o centro do reino terrestre de Cristo constitui um dos componentes da identidade americana”. Com o passar dos tempos o fundo religioso dos pais peregrinos foi sendo secularizado, embora nunca tenha se apagado da mentalidade norteamericana. Outro aspecto é que o pré-milenarista e pós-milenarista se alternaram nos diferentes momentos históricos, políticos e sociais. Uma definição dos termos se faz necessária: “Pré-milenarismo é a fé de que o reino milenar seria um período no futuro posterior à segunda vinda de Cristo, a sua vinda em glória. Pós-milenarismo é a fé de que o reino milenar seria um período da história anterior ao retorno de Cristo” (MOLTMANN, 2003, p. 165). A necessidade dessa pregação exigia empreendimentos missionários. As denominações protestantes se mobilizaram então, criando conferências para tratar do assunto. A Igreja Metodista, na sua conferência de Nova Iorque no ano de 1808, tinha como tema: “Os campos estão brancos para a ceifa diante de nós”. Os presbiterianos, por sua vez, em 1815, recomendaram orações especiais para que “a vinda gloriosa do Reino se apressasse”. É clara a contribuição das igrejas protestantes para a ideologia do “Destino Manifesto”. “Todas as grandes denominações criaram suas agências missionárias e enviaram missionários para os quatro cantos da terra” (MENDONÇA, 1984, p. 55). Um dos aspectos religiosos dos norte-americanos era uma versão da chamada “teologia do pacto”, segundo a qual Deus havia feito uma aliança com o povo, ou seja, os norte-americanos. Diferente dos judeus que se fecharam em sua religiosidade, os norte-americanos deveriam cristianizar as nações pagãs. Segundo Olmstead (apud, MENDONÇA 1984, p. 60): Para o protestante americano parecia bem claro que Deus o havia escolhido para ser, política e religiosamente, mestre da raça humana (...) antes do fim do século XIX, os empreendimentos missionários haviam dado provas de 33 invulgar importância, talvez inconsciente, de sua aliança com o imperialismo americano. Sobre a importância do empreendimento missionário no suposto mundo pagão, que preparava caminho para o expansionismo americano, Mendonça (1984, p. 57) assevera: Pelo menos no século XIX, o melhor e mais eficiente condutor da ideologia do “Destino Manifesto” foi a religião americana, ou melhor dizendo, o protestantismo americano com a sua vasta empresa educacional e religiosa, que preparou e abriu caminho para o seu expansionismo político e econômico. É corrente entre os historiadores a ideia de que o desejo de cristianizar o mundo pagão foi utilizado pelas autoridades para a dominação ideológica, mas para os protestantes os motivos eram espirituais, pois estava claro que o Brasil precisava da presença civilizadora dos norte-americanos, visto que estavam trabalhando para levar os outros povos à Cristo e contribuir para a salvação de sua alma. O Cristianismo na América tem uma visão mundial, um sonho de um mundo ganho para Cristo. No ímpeto missionário dos séculos XVIII e XIX procurou-se tornar esse sonho realidade... O futuro do mundo parece estar nas mãos de três grandes forças protestantes: Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos... Os seguidores do verdadeiro Deus estão herdando o mundo... O cristianismo é a religião dos povos dominantes da terra. Em pouco tempo ele será a única religião do mundo. O plano divino era que os não-cristãos se tornassem cristãos (...) O progresso das nações cristãs se explica pela sua descoberta da verdade, dos eternos princípios com que Deus criou o mundo (MENDONÇA, 1984, p. 59). Na passagem fica claro que, para os protestantes norte-americanos, civilizar o Brasil era cristianizá-lo verdadeiramente. E, para isto, era necessário um grande esforço por parte dos protestantes norte-americanos, que imaginavam que já haviam descoberto o cristianismo verdadeiro. Embora eles colocassem a Inglaterra e a Alemanha como nações cristãs, verdadeiramente os norte-americanos se consideravam mais puros, porque Alemanha e Inglaterra já haviam recebido a influência do catolicismo, tanto no aspecto litúrgico quanto no doutrinário. Dessa forma, os Estados Unidos seriam o “Israel de Deus”, o povo do pacto, de quem Deus esperava o cumprimento da grande comissão dada por Cristo. Observa-se que muitas influências contribuíram para formar o pensamento de Kidder em seu aspecto religioso, a doutrina arminiana com seu convite a todas as pessoas, para fazer parte do “povo de Deus”. O grande avivamento espiritual, despertamento que mobilizou todas as igrejas para o envio de missionários para os 34 quatro cantos da terra, e a pregação milenarista que dizia que o reino de Deus chegou até nós, mas que esse tempo estava curto, logo viria o fim. A esperança religiosa na implantação do reino milenar na América foi abalada e os sonhos foram ofuscados. O final do século XIX presenciou um declínio das expectativas sobre as esperanças do protestantismo norte-americano e sobre o sonho de uma nação que se via como alicerçada sobre os fundamentos das verdades bíblicas e que tinha uma mensagem e um modelo de sociedade para semear pelo mundo. Em meados do século XIX a visão pós-milenarista ainda mostrava sua força. Porém, já da metade para o final do século XIX, o otimismo esfriou e “a guerra civil (1861-1865), o problema da escravidão e do racismo e outras questões sociais perturbadoras proporcionaram o florescimento de teologias escapistas” (ORO, 1996, p. 68). A religiosidade secularizada e confiante do protestantismo dito liberal e pós-milenarista começa a perder espaço, e movimentos que buscavam um “reavivamento” espiritual e uma religiosidade mais espiritualizada e individualista entram em cena. O otimismo em relação ao sonho do reino milenar no Novo Mundo começava a ruir. Enfim, foram elencados alguns aspectos do contexto religioso e cultural da vinda de Kidder para o Brasil. Há outros que não foram relacionados, mas também são importantes, tais como: a abertura do país para a entrada de estrangeiros protestantes, fato que havia ocorrido algumas décadas anteriores, e o surgimento das Sociedades Bíblicas nos Estados Unidos que sustentavam seus missionários. 2.4 - Olhar estrangeiro Kidder, como protestante norte-americano, havia recebido a influência da doutrina arminiana, a qual atribuía ao homem a responsabilidade de tomar a decisão para se tornar discípulo de Cristo, também do avivamento que ocorreu nos Estados Unidos da América no século XIX, e cria na doutrina milenarista de que o evangelho deveria atingir todas as terras do planeta em cumprimento da ordem de Cristo, produzindo uma vinda mais rápida do Messias. Ele observa a Igreja Católica com os óculos deste tipo de protestantismo e dirige fortes críticas a suas práticas religiosas. Críticas essas que já haviam sido feitas por outros viajantes e que se repetiu com os intérpretes do Brasil como veremos em capítulo específico. As críticas giram em torno da incapacidade da Igreja diante da tarefa de evangelizar os brasileiros, e a consequente falta de moral do povo e do clero. Defende uma mudança na forma de evangelização do Brasil, algo que ajude a instalar a civilização no país. Segundo ele, esse processo passa 35 pela pregação fiel das Escrituras Sagradas, que somente o protestantismo norteamericano possuía. Para Kidder a evangelização dos brasileiros não ocorreu efetivamente porque o catolicismo era deficiente e contaminado pelo sincretismo e práticas animistas, o que podia ser verificado nas numerosas festas religiosas que eram inspiradas pelo folclore português medieval. Essa percepção também é reconhecida por outros viajantes como Saint-Hilaire, por exemplo, que abordaremos no capítulo específico sobre os viajantes. Para eles, o catolicismo brasileiro é quase pagão. Southey é citado por Kidder (1980, pp. 87-88) para justificar suas ideias: (...) Tais foram os extremos a que no Brasil de então levaram a superstição católica. Em lugar do domínio de si mesmo que recomenda a filosofia divina, instituíram um sistema de tortura baseado no maniqueísmo e não menos repugnante ao sentimento e à razão que as práticas dos yogas orientais. Os anseios de exagerada pureza redundavam nas mais impuras maquinações e conseqüências; a aversão ao luxo era externada pelo desleixo habitual e por meio de ações absolutamente repugnantes. Ainda que a Igreja de Roma apele para os seus cânones e Concílios, as práticas de então eram idênticas às do panteísmo e da idolatria (...). Quando se refere à Igreja Católica, Kidder não mede esforços para descaracterizála como uma igreja cristã, a ponto de chamar as práticas de seus religiosos e fiéis de “práticas corruptas”. Quando narra à morte do padre Joam d’Almeida que, nos últimos momentos de sua vida, pedia instrumento de flagelação para ser aceito por Deus, Kidder (1980, p. 83) afirma: “Tais eram as obras que uma Igreja corrupta sobrepunha à verdadeira fé e aos deveres do genuíno Cristianismo”. As perguntas que Kidder fazia para o catolicismo brasileiro são: Por que o catolicismo não ensina as sagradas escrituras para o povo? Por que escondem os princípios elementares da fé cristã do povo? Por que se são cristãos não vivem como Cristo? Thompson nos lembra cada geração fará perguntas a evidência histórica, e terá resposta diferentes. Kidder também se apropriou de falas de brasileiros importantes para confirmar suas ideias sobre a religiosidade brasileira. Essa atitude pode ser definida como transculturação. Pratt (1999, p. 234) observa que existe na relação entre viajantes europeus e norte-americanos uma apropriação dos conhecimentos destes últimos por parte dos primeiros. Assim, o viajante ouve um discurso e se apropria dele como se fosse seu, ocultando o seu agente. Kidder recorre aos próprios brasileiros para confirmar suas críticas e seus pressupostos. 36 Pratt (1999, p. 235) narra em seu texto a história do viajante Alexander Von Humboldt que: ...se gabava de ter sido a primeira pessoa a trazer o guano para a Europa, como fertilizante, uma “descoberta” que afinal levou a tal intensificação do uso deste produto que acarretou, na última quadra do século XIX, uma guerra entre Peru e Chile, levando a economia deste último a se tornar totalmente dependente dos banqueiros britânicos. Esse exemplo mostra como os viajantes europeus e norte-americanos se apropriavam de produtos, discursos, conhecimentos já existentes nas Américas, e relatavam como descobertas pessoais, para com isso receberem prestígios ou benefícios financeiros. No caso do adubo que Humboldt levou para a Europa já era utilizado como adubo na América espanhola. Humboldt só fez divulgá-lo para o resto do mundo. A apropriação das falas por Kidder tinha como objetivo confirmar suas pressuposições sobre a religiosidade brasileira, Thompson nos lembra que essa apropriação de Kidder, tem como objetivo responder as perguntas feitas por ele naquele momento histórico, Kidder se perguntava se o catolicismo brasileiro era cristão, e ele mesmo respondia que não, e se utilizava das respostas das pessoas entrevistadas para confirmar sua posição de protestante. Considerando que a igreja protestante norteamericana já havia definido que o catolicismo brasileiro não era cristão, respondendo a pergunta baseado em seus pressupostos, mesmo porque se considerasse o catolicismo como cristão, como pode existir um país que não está sob a dominação teológica e econômica dos Estados Unidos. A resposta a pergunta se o Brasil precisava ser evangelizado ou não, não passava por questões de fé e sim por questões econômicas. Em conversa com o Padre Feijó, o regente, ele registra a opinião do mesmo sobre a situação da Igreja no Brasil: “Dificilmente se encontrava em toda a província um padre que cumprisse os seus deveres como manda a Igreja, especialmente, com relação à instrução religiosa das crianças, no dia do Senhor” (KIDDER, 1980, p.250). Azzi (1991, p. 9) chama a atenção dizendo que Feijó fazia parte do clero que queria uma igreja brasileira independente da autoridade romana. Ainda falando sobre o mesmo tema, Kidder cita as palavras de um diácono que exercia a profissão de advogado: Disse-nos que o catolicismo estava quase abandonado no Brasil, como no resto do mundo (...) Explicou-nos que era nulo o espírito de religião, tanto no clero como no povo. A situação de muitos padres era pior do que se fossem casados, com grande escândalo para a religião; que tal era a ignorância de certos cléricos que poderiam sentar-se aos pés de muitos de seus paroquianos e deles receber instrução religiosa; que o espírito de infidelidade estava se generalizando célere ultimamente e destruindo aquele respeito externo pela religião e o temor a Deus que costumavam passar de geração em geração. Perguntamos-lhe que notícia daríamos ao mundo religioso com respeito ao 37 Brasil. – “Diga que estamos em trevas, atrasados, quase abandonados.” – “ Mas que desejam a luz?” – aventuramo-nos, - “Que nada desejamos. Que esperamos em Deus, o pai das luzes”, respondeu-nos o sacerdote (KIDDER, 1980, pp. 263-264). Como vimos nas palavras do diácono e enfatizadas por Kidder, o problema do Catolicismo era mundial, existindo uma debilidade generalizada da Igreja Católica enquanto instituição evangelizadora. Esse problema se agrava no Brasil devido à imoralidade e ignorância do clero. A ignorância e imoralidade tanto do clero, quanto do povo, é enfatizada por todas as falas que Kidder se apropria ao tentar provar que era homogênea e lamentável a situação da religiosidade em todos os rincões do país. Para Kidder, o clero, além de ignorante e de não conhecer as escrituras sagradas, era imoral. Pessoas sem vocação enchiam as suas fileiras, procurando apenas satisfazer seus interesses econômicos, deixando a moral em segundo plano, a ponto do arcebispo da Bahia preferir ter poucos padres, não conseguindo assim suprir todas as paróquias: Não há dúvidas de que os parcos emolumentos do clero contribuíram para reduzir o número de seus membros; entretanto, que tenham sido de fato nocivos, não parece lá tão evidente, pois são do arcebispo da Bahia as seguintes palavras: “É melhor não haver padres que havê-los ignorantes e imorais”. Com efeito, o clero, cujas fileiras se cerram principalmente pelo atrativo de gordas vantagens, constitue [sic] antes praga que bênção (KIDDER, 1980, p. 271). A imoralidade e ignorância do clero realmente chamavam a atenção de Kidder. Para ele, parte da elite brasileira também não aceitava a imoralidade do clero, a ponto de criticá-lo e não se submeter às ordenanças da igreja. Kidder (1980, pp.82-83) encontra um coronel que privava suas filhas de contato com os padres, temendo que eles as pervertessem: O Coronel veio em nosso apoio declarando que preferia obedecer os preceitos de Deus a seguir os do clero. Disse mais que “não permitia que seus filhos se confessassem. Tinha uma filha de dezessete anos que nunca havia se confessado com um sacerdote e assim continuaria até a véspera de seu casamento. A grande maioria dos padres era tão imoral a ponto de, ao invés de cumprir suas obrigações religiosas, aproveitar-se da oportunidade de estar a sós com as moças para incutir-lhes no espírito idéias de que nunca deveriam elas ter conhecimento.” O grande número de padres que possuíam famílias e amantes produzia uma desconfiança generalizada, atingindo até aqueles que não eram imorais. Imoralidade e ignorância são os dois aspectos que caracterizam as autoridades eclesiásticas do Brasil. A ignorância proveniente do desconhecimento das Sagradas Escrituras, a ponto de pessoas serem nomeadas como padres sem terem sido preparadas em seminários. E imoralidade como fruto de uma cultura que despreza o padrão moral 38 preconizado pelas Escrituras. Um fato está relacionado com o outro, se o clero não ensina, a ignorância passa a ser generalizada. Existia uma predisposição daqueles que sabiam que o cristianismo poderia oferecer algo melhor do que se via, sabiam que os preceitos de Deus eram mais exigentes do que o clero ensinava. O coronel “preferia obedecer aos preceitos de Deus a seguir os do clero”, mas não havia oportunidade de escolha, já que era essa a religião oficial do país. Cada um então vivia da forma que achava mais correta. Quando Kidder (1980, p.158) visita a província do Ceará, encontra também as autoridades reconhecendo o problema do clero, mas elas afirmam que existe um conjunto de fatores que contribui para a decadência da religião. Segundo elas, a legislação também tem sua parcela de culpa: As instituições religiosas da província estavam em franca decadência. “Esse fato incontestável”, dizia o presidente Coelho, “ não deve ser atribuído apenas ao clero – que, (com honrosas exceções) é ignorante, de hábitos depravados e moral corrupta, interessado, antes nos negócios mundanos que em seu divino mister, - mas também à indiferença a que as legislaturas relegam as necessidades da igreja”. O presidente se refere ao sistema do padroado que recolhe os dízimos dos fiéis, mas que destina poucos recursos para a construção, manutenção e expansão das igrejas. Por outro lado, quando Kidder (1980, p.203) participou da festa de Nossa Senhora de Nazaré, no Pará, (hoje a festa é chamada de Sírio de Nazaré) ele ficou escandalizado, como nunca havia ficado em toda a sua viagem. Para ele, a religiosidade do povo era desprezível, e nessas festas muitos iniciavam uma vida de jogatina, prostituição, entre outros vícios. Parece desnecessário tecerem-se considerações de ordem geral sobre a natureza e a tendência dessas festividades que tanto atrativo tinham para toda uma comunidade e que se prolongavam por tantos dias consecutivos. Não tivessem elas cunho religioso e seriam menos chocantes. Mas é lamentável que um povo possa pensar que está servindo a Deus entregando-se a divertimentos e desatinos dessa ordem. (...) Ao contrário, não seria difícil encontrar pessoas que tivessem resvalado pelo deboche, pela depravação; era penoso imaginar-se que muita gente poderia ter aí iniciado uma vida de jogatina, prostituição ou qualquer outro vício que lhe causaria completa ruína. Entretanto, a pesar [sic] de serem possíveis e até prováveis tais resultados, durante todos esses dez dias não se pregou um único sermão, nem se fez cousa alguma no sentido de instruir e moralizar o povo. Kidder tem em mente que a civilização será um dos resultados da evangelização. Sente a necessidade de pregações de cunho moral, mas ele diz que, durante toda essa festa que ocupava vários dias, não se encontrou sequer uma pregação que instruísse e moralizasse, ou seja: a festa tinha um sentido mais profano do que sagrado. Além das críticas da falta de moral, da ignorância, do descrédito do clero, Kidder imaginava que 39 as festas religiosas poderiam ser instrumentos de deterioração da sociedade, locais de iniciação ao vício. Assim, o sentido da celebração religiosa tinha sido completamente degenerado pelo catolicismo brasileiro. 2.5 - As Orientações de Kidder Para alguns viajantes, havia o reconhecimento de que o Brasil ainda não tinha sido civilizado por falha da religião. Para eles evangelização e civilização andam juntas. Kidder (1980, p. 271) também pensa dessa forma e toma as palavras de um ilustre deputado, de quem não cita o nome, para mostrar essa tese. (...) tal é a confiança que tenho na influência da religião que, a meu ver, o melhor exército que poderíamos enviar contra os revoltosos seria um virtuoso prelado, cheio de brandura e imbuído do espírito evangélico, cercado de sacerdotes que fossem dignos desse nome. Estou certo de que, então, essa gente que hoje está tão próxima da vida semi-civilizada se tornaria mais brasileira do que é agora (...). Kidder não menciona a qual revolta o deputado se refere, mas sabemos que na primeira metade do século XIX, o Brasil estava repleto de revoltas, e o remédio para apaziguar os revoltosos e produzir uma unidade nacional, segundo este deputado, era a evangelização. Essa fala do deputado mostra ainda que para ele a civilização era a consequência da efetiva evangelização que a Igreja Católica não havia conseguido devido à ignorância do clero. Sobre a ligação entre civilização e cristianização, Kidder (1980, p.267) menciona as palavras de um estadista brasileiro que dirigiu a legislatura imperial, sem mencionar o nome, afirmando que sem um clero moralizado e inteligente a civilização não será instalada. (...) No que respeita à civilização do povo brasileiro propriamente dito, infelizmente quase nada se tem feito. Somente uma estreita faixa costeira goza dos benefícios da civilização, enquanto que, no interior, o nosso povo ainda se acha em grande parte envolto na mais completa barbárie.” Ainda com relação ao assunto, o mesmo orador disse: “Nada conseguiremos fazer e nada se conseguirá sem o auxílio de um clero moralizado e inteligente (...). Era corrente a ideia de evangelização como carro-chefe da civilização. Para muitos, cristianizar era sinônimo de civilizar, essa ligação está presente também no pensamento de Kidder. Considerando que o protestantismo estava presente nos países onde havia o “progresso”, existia um desejo da elite brasileira de que o Brasil também integrasse essa locomotiva. 40 Kidder (1980, p. 200) dirige suas críticas também contra a idolatria predominante no catolicismo brasileiro. Segundo ele, a grosseria das representações chocava quem conhecia a “verdade”. Na igreja do Espírito Santo, sobre o altar principal há uma grosseira representação, em tela, da Santíssima Trindade. A idéia, em si, já é chocante para quem está habituado a adorar a Deus em espírito e em verdade, mas a execução em painel nada lhe fica a dever. O Padre Eterno está ali representado por um velho vestido com uma estamenha fradesca; à direita está o Filho carregando a cruz. Estão ambos sentados, e, entre eles, vê-se uma pombinha descendo. Para um protestante como Kidder a adoração de imagens era algo inaceitável. Por isso ele se escandaliza frente a imagens ou representações de santos e da Trindade. No Rio de Janeiro, quando Kidder (1980, p. 113) foi ouvir um sermão na Igreja da Glória, ele se escandaliza com as palavras do sacerdote com respeito à dependência de Cristo frente à Maria. O segundo sermão que ouvimos foi na festa de Nossa Senhora da Glória e constou tão somente no louvor de suas virtudes. Tratava-se de um dos mais populares oradores sacros e o sacerdote estava convicto de que o tema escolhido lhe oferecia campo ilimitado. Em sua oração só usou superlativos: “As glórias da Santíssima Virgem não podem ser comparadas às das criaturas, só às do Creador.” [sic] “Ela fez tudo quanto Cristo fez, menos morrer com Ele.” “Jesus era independente do Pai, mas, não de sua Mãe”. Considerar Cristo dependente de Maria, realizar culto desta última, para Kidder, era heresia. Kidder (1980, p. 113) diz “que seria melhor enfatizar a obra do Filho e a necessidade de arrependimento do pecador, a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, do que falar das glórias de Maria”. As críticas de Kidder à religiosidade brasileira talvez se aproximem das observações de outros viajantes, como Saint-Hilaire, Debret, Burton, em especial quando acusa a ignorância do clero e sua imoralidade. Mas, quando acusa a idolatria, ele se distingue. Dirige críticas muito duras à exaltação de Maria, à maneira como ela é comparada a Cristo, à pompa dos altares de ouro e templos faraônicos em grande número, à produção de imagens de santos e da trindade, à comercialização dessas imagens, e as festas que segundo ele ao invés de conduzir os fiéis a Deus os afastam dele, produzindo nos fiéis oportunidades de embriaguez, a iniciação nas jogatinas e outro vícios. No pensamento protestante de Kidder, Maria era uma mulher cujas virtudes deveriam ser imitadas, como deveriam ser imitadas as virtudes de outros personagens das escrituras, porém para ele, ela não possui um lugar especial na galeria dos heróis da fé. Cristo possui esse lugar central na fé protestante de Kidder. 41 Vê-se também que as críticas de Kidder à Igreja não eram muito diferentes das críticas de parte da elite brasileira, que frequentava a Europa e tinha contato com o cristianismo de outros lugares, e se preocupava com “a moral” e com os “bons costumes”. Observa-se o relato de pessoas que não deixavam suas filhas confessarem com medo dos padres induzi-las ao erro. Pensamentos como este não eram incomuns na sociedade, principalmente entre as pessoas mais cultas. A elite social culta, que frequentava a Europa e tinha contato com o progresso, almejava ver o Brasil nos trilhos que conduziria à civilização. Por isso os liberais que conhecem os países protestantes e que estavam em franco desenvolvimento viam também na religião protestante uma alavanca para o progresso, por isso a boa receptividade que tinham os missionários protestantes, a ponto de Kidder dizer que durante todo o período que passou no Brasil, não sentiu perseguição considerável. A elite culta enviava seus filhos para longos períodos de estudo em Coimbra, lá eles tinham contato com pessoas de vários lugares do mundo, obtinham as informações mais privilegiadas sobre economia, progresso e desenvolvimento. Ao voltarem para o Brasil se deparavam com o falta de todos os benefícios que o progresso trouxe para a Europa. Esses brasileiros voltam com uma mentalidade diferente da predominante no Brasil e tentam de alguma maneira ajudar o Brasil a encontrar os trilhos do progresso. Neste período o Brasil não possuía universidade, e nem tipografia. Era uma estratégia de Portugal para manter o domínio sobre sua colônia, por isso a elite enviava seus filhos para estudarem principalmente em Coimbra, e os livros do Brasil eram todos impressos em Portugal. Esta elite culta que havia estudado na Europa e queria que o Brasil se tornasse mais desenvolvido, achava que a religião era um dos empecilhos, sendo o protestantismo uma opção melhor. Neste capítulo abordou-se as raízes dos pensamentos de Kidder, seus pressupostos, as influências que contribuíram para sua formação, tanto acadêmica quanto vocacional, seu olhar sobre a religiosidade brasileira, e suas propostas para que o Brasil alcance o progresso no aspecto comercial e espiritual. Agora passaremos a abordar a religiosidade sob o olhar dos intelectuais brasileiros em seguida dos viajantes que estiveram no Brasil no século XIX e por fim como se encontrava a igreja brasileira que já estava presente no Brasil há três séculos. A fim de conhecermos o contexto em estava o Brasil no período da chegada de Kidder. 42 3. RELIGIÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRA DO SÉCULO XIX 3.1 – VISÃO DOS INTELECTUAIS BRASILEIROS O catolicismo brasileiro veio com os colonizadores, ela estava presente na vida dos brasileiros há três séculos. No capítulo anterior observamos como era o catolicismo brasileiro sob a ótica de Kidder, a seguir abordaremos a religiosidade brasileira sob a ótica dos brasileiros, intelectuais, e também de outros viajantes estrangeiros. Com o objetivo de extrair desses autores sua visão do Brasil religioso neste período. Este capítulo abordará a sociedade brasileira, utilizando-se dos pensamentos dos autores Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior, os quais foram intelectuais que se propuseram a entender e interpretar o século XIX. Gilberto Freyre Para Freyre (1983, p. 4) “Formou-se na América tropical uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na técnica de exploração econômica, híbrida de índio – e mais tarde de negro – na composição”. Freyre (1983, p. 5) também aponta o motivo por que o português teve tanta facilidade com a colonização dos trópicos. Segundo ele: A singular predisposição do português para a colonização híbrida e escravocrata dos trópicos, explica-a em grande parte o seu passado étnico, ou antes, cultural, de povo indefinido entre a Europa e a África. Nem intransigente de uma nem de outra, mas das duas. No pensamento de Freyre, Portugal convivia com essa indecisão étnica e cultural entre a Europa e a África, durante muito tempo, por isso, quando chega à colônia dos trópicos não tem dificuldade de se adaptar à miscigenação. A falta de mulheres foi um dos fatores preponderantes dessa miscigenação. Não havendo mulheres brancas, as índias, e depois as negras, trouxeram ao português “alívio de suas tensões”. Segundo a visão de Freyre, a sensualidade das mulheres de cor e das índias quando os portugueses chegaram, contribuiu para a miscibilidade, e, como consequência, para a posse de um território tão amplo: 43 Quanto à miscibilidade, nenhum povo colonizador, dos modernos, excedeu ou sequer igualou nesse ponto aos portugueses. Foi misturando-se gostosamente com mulheres de cor logo ao primeiro contato e multiplicandose em filhos mestiços que uns milhares apenas de machos atrevidos conseguiram firmar-se na posse de terras vastíssimas e competir com povos grandes e numerosos na extensão de domínio colonial e na eficácia de ação colonizadora. (FREYRE, 1983, p. 9) Na concepção de Freyre (1983, p.21) existiam aqueles que eram aventureiros e oportunistas, enxergando no Brasil uma chance de viver livremente. “Atraídos pelas possibilidades de uma vida livre, inteiramente solta, no meio de muita mulher nua, aqui se estabeleceram por gosto ou vontade própria”. Segundo Freyre (1983, p.10) outra circunstância que favoreceu o português, além da miscibilidade, foi a aclimatabilidade, ou seja, “condições físicas de solo e de temperatura, Portugal é antes África do que Europa”. Outro aspecto abordado por Freyre (1983, p. 12) foi dizer que os portugueses criaram a primeira sociedade moderna dos trópicos. De qualquer modo o certo é que os portugueses triunfaram onde outros europeus falharam: de formação portuguesa é a primeira sociedade moderna constituída nos trópicos com características nacionais e qualidades de permanência. Para confirmar essa tese, Freyre (1983, p. 18) cita Payne, na sua History of European Colonies. Segundo essa citação, os portugueses venderam suas propriedades e trouxeram suas famílias para os trópicos. De acordo com Ricupero (2008, p. 83) Freyre defende que: “O principal terreno para que a mestiçagem tivesse ocorrido teria sido, a família patriarcal”. Todavia Freyre (1983, p. 17) disse: A sociedade colonial no Brasil, principalmente em Pernambuco e no Recôncavo da Bahia, desenvolveu-se patriarcal e aristocraticamente à sombra das grandes plantações de açúcar, não em grupos a esmo e instáveis; em casas-grandes de taipa ou de pedra e cal, não em palhoças de aventureiros. Falando sobre os grupos de pessoas que vieram para o Brasil, Freyre cita os aventureiros, os fugitivos, e os degredados. Esses grupos vieram para o Brasil em números insignificantes, não podendo ser definidos como determinantes da forma de colonização. A colonização por indivíduos – soldados e fortuna, aventureiros, degredados, cristãos-novos fugidos à perseguição religiosa, náufragos, traficantes de escravos, de papagaios e de madeira – quase que não deixou traço na plástica econômica do Brasil. Ficou tão no raso, tão à superfície e durou tão pouco que política e economicamente esse povoamento irregular e à-toa não chegou a definir-se em sistema colonizador. (FREYRE,1983, p. 19) 44 A religiosidade da colônia é retratada por Freyre (1983, p. 22) como uma religiosidade delimitada pelo sistema patriarcal, com a capela familiar, “uma liturgia social e não religiosa, um cristianismo lírico, com muitas reminiscências fálicas e animistas das religiões pagãs”. Freyre (1983, p. 22) fala também do relacionamento com o sagrado de maneira íntima e pessoal. Os santos e os anjos só faltando tornar-se carne e descer dos altares nos dias de festas para se divertirem com o povo; os bois entrando pelas igrejas para ser benzidos pelos padres; as mães ninando os filhinhos com as mesmas cantigas de louvar a Menino-Deus; as mulheres estéreis indo esfregar-se, de saia levantada, nas pernas de São Gonçalo dos Amarantes; os maridos cismados de infidelidade conjugal indo interrogar os “rochedos dos cornudos” e as moças casadouras os “rochedos do casamento”; Nossa Senhora do Ó adorada na imagem de uma mulher prenhe. A religiosidade, embora fosse superficial, era um elo entre a colônia e a nação portuguesa, por isso só era considerado português aquele que tivesse a religião católica, a prática predominante era de um padre ir a bordo de um navio, para examinar a religião, se o imigrante não professasse a fé católica ele era impedido de desembarcar. Freyre (1983, p. 29) assevera: O que barrava então o imigrante era a heterodoxia; a mancha de herege na alma e não a mongólica no corpo. Do que fazia questão era a saúde religiosa; a sífilis, a bouba, a bexiga, a lepra entraram livremente trazidas por europeus e negros de várias procedências. Para Freyre “O catolicismo foi realmente o cimento de nossa unidade” (FREYRE, 1983, p. 30). O fechamento dos portos para nações que não fossem católicas foi uma estratégia para concretizar essa unidade. Freyre “[...] observa que no Brasil foram o catecismo dos Jesuítas e as Ordenações do Reino que ‘garantiram desde os primórdios a unidade religiosa e a do direito’”. A tese principal de Freyre é que a unidade da colonização foi a família patriarcal. Diferentemente do próximo intérprete do Brasil, o qual vê no indivíduo aventureiro esse instrumento. Sérgio Buarque de Holanda Sérgio Buarque de Holanda é o segundo intérprete do Brasil que será consultado. Com seu Homem Cordial, tipo ideal weberiano, explorado no capítulo 5 da obra Raízes do Brasil, define a contribuição do Brasil para a civilização: Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será a cordialidade – daremos ao mundo o “homem cordial”. A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do 45 caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal. (HOLANDA, 1963 p.136) Com respeito à religiosidade, Holanda (1963, p. 142), diz que se formou no Brasil uma religiosidade democrática que não exigia nenhum esforço de seus fiéis, trazendo assim prejuízo para a religião oficial, pois destruiu a base do sentimento religioso. No Brasil, ao contrário, foi justamente o nosso culto sem obrigações e sem rigor, intimista e familiar, a que se poderia chamar, com alguma impropriedade, “democrático”, um culto que dispensava no fiel todo esforço, toda diligência, toda tirania sobre si mesmo, o que corrompeu, pela base, o nosso sentimento religioso. Essa religiosidade é tão superficial que como diz Holanda “Os que assistiram às festas do Senhor Bom Jesus de Pirapora, em São Paulo, conhecem a história do Cristo que desce do altar para sambar com o povo” (HOLANDA, 1963, p. 141). Essa relação do sagrado com o povo tem sua origem na Península Ibérica e na Europa medieval. Ao mencionar a observação feita pelos viajantes, Holanda cita Kidder que, a respeito da religiosidade brasileira, diz: “quem deseje encontrar, já não digo estímulo, mas ao menos lugar para um culto mais espiritual, precisará ser singularmente fervoroso” (HOLANDA, 1963, p.143). Holanda culpa o clima tropical por causar tamanha frieza religiosa e diz que os protestantes metodistas e puritanos não terão sucesso no Brasil. “É que o clima não favorece a severidade das seitas nórdicas. O austero metodismo ou o puritanismo jamais florescerão nos trópicos” (HOLANDA, 1963, p. 144). Para Holanda (1963, p. 116), a situação do catolicismo brasileiro passa pela administração da coroa, pois o patronato real trouxe muitas vicissitudes para a igreja. Propunham candidatos ao bispado e nomeavam-nos com cláusula de ratificação pontifícia, cobravam dízimos para dotação do culto e estabeleciam toda sorte de fundações religiosas, por conta própria e segundo suas conveniências momentâneas. A Igreja transformara-se, por esse modo, em simples braço do poder secular, em um departamento da administração leiga ou, conforme dizia o Padre Júlio Maria, em um instrumentum regni. Ainda falando sobre a religião no Brasil Colônia, Holanda (1963, p. 117) diz: “Os maus padres, isto é, negligentes, gananciosos e dissolutos, nunca representaram exceções em nosso meio colonial”. Kidder detectou esse mesmo problema que Holanda denunciou. Para o missionário os padres eram o maior problema da religiosidade brasileira, eram imorais e ignorantes, não sabiam as Escrituras e possuíam famílias. 46 Sabemos que ninguém estava satisfeito com a religiosidade brasileira, nem os líderes religiosos, como vimos no depoimento do bispo, dizendo que os padres não cumpriam suas obrigações sacerdotais, e ele preferia ter poucos padres do que tê-los infiéis. As autoridades civis que sabiam que a coroa não colaborava para melhorar a situação da igreja no Brasil, pois não havia interesse. Os intelectuais que conheciam e tiveram contato com o catolicismo de outras países e desejavam uma igreja que contribuísse com a melhora da população. E os brasileiros donos de terras que não deixavam suas filhas se confessarem por medo dos padres induzissem-nas ao erro. Dessa forma Kidder e Holanda possuem o mesmo discurso de condenação dessas atitudes, dizendo que o cristianismo tem o objetivo de moralizar as pessoas, fazer com que sejam pessoas melhores, sendo bons cidadãos. Quando Holanda (1963, p 139) aborda o capítulo sobre o Homem Cordial ele observa que existe uma tendência grande em usar as palavras no diminutivo: A terminação “inho”, aposta às palavras, serve para nos familiarizar mais com as pessoas ou os objetos e, ao mesmo tempo, para lhes dar relevo. É a maneira de fazê-los mais acessíveis aos sentidos e também de aproximá-los do coração. Essa observação de Holanda (1963, p. 141) também aparece na intimidade com o sagrado, como ele narra sobre a Santa Terezinha. A popularidade, entre nós, de uma Santa Teresa de Lisieux – Santa Terezinha – resulta muito do caráter intimista que pode adquirir seu culto. Culto amável e quase fraterno, que se acomoda mal às cerimônias e suprime as distâncias. Após ter-se analisado Gilberto Freyre, o qual enfatiza, no aspecto religioso, que o catolicismo foi o cimento da unidade da colônia, e Sérgio Buarque de Holanda, que aborda a religiosidade dos brasileiros como democrática, não havendo nenhum esforço dos fiéis na prática da religião, e discorre sobre a influência do sistema do padroado, gerando maus padres, na sua maioria, negligentes, gananciosos e dissolutos. A seguir passa-se a discorrer sobre o escrito de Caio Prado Junior a respeito da Formação do Brasil Contemporâneo. Caio Prado Junior Prado Jr., em seu livro Formação do Brasil Contemporâneo, aborda um importante aspecto sobre a colonização e formação do Brasil. Para Prado Jr.: 47 Todos os acontecimentos desta era, que se convencionou com razão chamar dos “descobrimentos”, articulam-se num conjunto que não é senão um capítulo da história do comércio europeu. Tudo que se passa são incidentes da imensa empresa comercial a que se dedicam os países da Europa a partir do séc. XV, e que lhes alargará o horizonte pelo Oceano afora (PRADO JR., 1972, p. 22). Segundo Prado Jr., a colonização do Brasil é produto direto da expansão ultramarina europeia, que tinha como objetivo explorar os lugares descobertos para abastecer o mercado europeu. Como diz Ricupero, referindo-se à Formação do Brasil Contemporâneo, “dessa forma a colonização dos trópicos se reduziria a quase a “uma vasta empresa comercial” (RICUPERO, 2008, p. 140). Esse espírito de exploração está presente, é o comércio que interessa aos colonizadores, não existe o interesse em povoar a terra. Prado Jr. (1972, p. 23) ressalta o desprezo pela América em detrimento do Ocidente: A ideia de povoar não ocorre inicialmente a nenhum. É o comércio que os interessa, e daí o relativo desprezo por este território primitivo e vazio que é a América; e inversamente, o prestígio do Oriente, onde não faltava objeto para atividades mercantis. Prado Jr. também faz uma diferenciação entre a colonização da América do Norte, que ele chama de colonização de povoamento, e da colonização da América do Sul, a qual chama de colonização de exploração. Falando sobre o norte, ele diz: “O que os colonos desta categoria têm em vista é construir um novo mundo, uma sociedade que lhes ofereça garantias que no continente de origem já não lhes são mais dadas” (PRADO JR., 1972, p. 27). Referindo-se às perseguições religiosas ou às questões de ordem econômica. De acordo com Prado Jr. (1972, p. 31) a colônia existia para fornecer matéria prima para a Europa. Ele relata: Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamante; depois, algodão e em seguida café, para o comércio europeu. Segundo Prado Jr. (1972, p. 37) houve a necessidade de marcar território, mesmo sendo colonização de exploração era necessário o povoamento. Vários fatores determinaram esta dispersão do povoamento. O primeiro é a extensão da costa que coube a Portugal na partilha de Tordesilhas, o que obrigou, para uma ocupação e defesa eficientes, encetar a colonização simultaneamente em vários pontos dela. A garantia da posse do território se deu através da divisão do território em capitanias, que garantiu à coroa portuguesa a posse efetiva do longo litoral. Para Prado 48 Jr. (1972, p. 39) “o povoamento só começa a penetrar o interior, propriamente, no segundo século” da colonização. Assim como falar em colônia é falar de índios sendo “civilizados”, também é falar de negros escravizados, Prado Jr. (1972, p. 273) diz: Uma última circunstância diferencia e caracteriza a escravidão americana: é a diferença profunda de raças que separa os escravos de seus senhores. Em algumas partes da América, tal diferença constitui, como se sabe, obstáculo intransponível à aproximação das classes e dos indivíduos, e reforçou por isso consideravelmente a rigidez de uma estrutura que o sistema social, em si, já tornava tão estanque internamente. Na colônia havia muito preconceito com os negros, chamados muitas vezes de “pretos”, forma de tratamento pejorativo e que significava basicamente escravo, mesmo para aqueles que já haviam conquistado a liberdade. Prado Jr. (1972, p. 274) declara: O negro ou mulato escuro, este não podia abrigar quaisquer esperanças. Por melhores que fossem suas aptidões; inscrevia-se nele, indelevelmente, o estigma de uma raça que à força de se manter nos ínfimos degraus da escala social, acabou confundindo-se com eles. “Negro” ou “Preto” são na colônia, e sê-lo-ão ainda por muito tempo, termos pejorativos; empregam-se até como sinônimo de “escravo”. Enquanto que para o índio havia quem lutasse por eles, a saber, os Jesuítas, mesmo que de forma acanhada, os negros não possuíam alguém que os defendesse. Eles não tinham proteção alguma. Prado Jr. observa que “O negro não teve no Brasil a proteção de ninguém. Verdadeiro “pária” social, nenhum gesto se esboçou em seu favor” (PRADO JR., 1972, p. 276). Para Prado Jr. as escravas tinham também outra função além de ama. Era também objeto dos desejos dos senhores. “A outra função do escravo, ou antes, da mulher escrava, instrumento de satisfação das necessidades sexuais de seus senhores e dominadores, não tem um feito menos elementar” (PRADO JR., 1972, p. 343). A preguiça e o ócio do brasileiro têm sua origem, segundo autores mencionados por Prado Jr. (1972, p. 348), na contribuição do sangue indígena. Uma tal atitude da grande maioria, da quase totalidade da colônia relativa ao trabalho, de generalizada que é, e mantida através dos tempos acabará naturalmente por se integrar na psicologia coletiva como um traço profundo e inerraigável do caráter brasileiro. A preguiça e o ócio, aqui no Brasil, “até se pega como visgo”, dirá Vilhena. Mas se a escravidão, nas suas várias repercussões, é a responsável principal por isto, há outros fatores de segundo plano que não deixam de ter o seu papel. Esse pensamento de Prado Jr. é uma versão do mesmo pensamento de Nina Rodrigues, que não são mais defendidos atualmente, pois, não podem ser provados e 49 estão envoltos a preconceito. Essa posição desconsidera aspectos culturais importantes em cada cultura. De forma resumida, Prado Jr. (1972, p. 356) sintetiza a situação da colônia. “incoerência e instabilidade no povoamento; pobreza e miséria na economia; dissolução nos costumes; inércia e corrupção nos dirigentes leigos e eclesiásticos”. Quando aborda o aspecto religioso, Prado Jr. (1972, p 338) faz uma comparação entre a administração leiga e eclesiástica, quanto a este ele diz: ...no seu teor moral, a massa do clero não se destaca muito acima de seus colegas da administração leiga. A mercantilização das funções sacerdotais tornaram-se pela época em que nos achamos um fato consumado. Segundo Prado Jr. era natural os sacerdotes terem lojas e farmácias, e também realizarem serviços religiosos. Daí a afirmação que Baltasar da Silva Lisboa, alto funcionário da administração ao se dirigir ao Vice-Rei, falando sobre o clero “Êles (sic) só querem dinheiro, e não se embaraçam que tenham bom título” (1972, p.338). A obrigação do clero era somente rezar as missas e o ministrar da comunhão. Não se esperavam muito mais do que isso deles. Como defende Ricupero, Prado Jr. contribuiu com a compreensão da continuidade da história brasileira desde a colônia até hoje: “Boa parte das realizações de Caio Prado talvez venham justamente daí, da percepção de que a história brasileira é uma história feita sem ruptura significativa com a orientação que vem da colônia” (RICUPERO, 2008, p. 152). Levando em conta a interpretação do Brasil feita por Gilberto Freyre, dizendo que a estrutura do Brasil era agrária, a mão de obra era escrava, a população era híbrida, que os portugueses se saíram bem na colonização do Brasil devido à miscibilidade e a aclimatabilidade e que a coroa conseguiu a unidade da colônia graças ao cimento do catolicismo. Por sua vez, Sérgio Buarque de Holanda, em sua interpretação, enfatiza sua tese sobre a religiosidade brasileira, dizendo que os fiéis não faziam nenhum esforço para o exercício da religiosidade, mas que o maior culpado dessa frieza, em primeiro lugar o sistema predominante na época, que era o patronato real, ou sistema do padroado, onde a coroa assumia o papel da liderança da igreja, escolhendo bispos, removendo e ordenando os clérigos, e em segundo lugar os maus padres que, segundo Holanda, eram negligentes, gananciosos e dissolutos. Para Prado Jr. a colonização do Brasil é produto direto da expansão ultramarina europeia. Segundo ele, o que os europeus queriam eram tão somente abastecer o mercado europeu. Com esse objetivo empreenderam vasta empresa comercial para 50 explorar a colônia. Uma vez que, mesmo com esse objetivo sendo alcançado, havia a necessidade de povoamento para assegurar a posse da terra, surgem então as capitanias com esse propósito. Para Prado Jr., não houve até hoje uma ruptura considerável, no modelo de colônia e estado independente. No aspecto religioso aborda sua posição que os sacerdotes não deveriam se envolver em outros ofícios, como comerciantes, funcionários públicos, farmacêuticos, mas deveriam dedicar-se ao ofício sacerdotal. Em cada uma dessas interpretações, com suas particularidades e diferentes formas de olhar um mesmo objeto de pesquisa, compreende-se sua importância para a interpretação da sociedade. A confirmação dessas teses pode ser vista ainda hoje em nossa sociedade. O Brasil é um país híbrido e ninguém tem dúvidas disso, a mistura de raças produziu um povo diferente. Darcy Ribeiro em seu livro O Povo Brasileiro: A formação e o sentido do Brasil, destaca a contribuição do negro, do índio, e do europeu na formação da nação. A religião católica até hoje é a religião da maioria da população brasileira; os trezentos anos de isolamento e da hegemonia católica contribuíram para essa superioridade numérica. O que há de comum nestes três autores, é a concepção de religiosidade, todos são unânimes em observar a religiosidade brasileira, detectando que deveria ser diferente a forma como a igreja lidava com a educação religiosa das crianças, a forma como o clero deveria conduzir suas paróquias, e a forma como a coroa deveria conduzir a igreja no Brasil, sendo que no sistema do padroado, a igreja é um braço da coroa. Ao considerar a interpretação de Sérgio Buarque de Holanda, quando enfatiza o aspecto religioso dos brasileiros, os fiéis não tinham compromisso com a sua religiosidade, não faziam nenhum esforço para realizá-la. Para ele, o protestantismo não se desenvolveria no Brasil em razão dessa característica cultural nativa. A visão de Caio Prado Junior sobre a existência da colônia se justificar para o abastecimento do mercado europeu, é presenciada quando, os navios saem dos portos cheios, por exemplo, de minério de ferro e outros chegam com produtos industrializados, ou seja, vende-se produtos a preços baixos e compra-se produtos industrializados a preços altos. Dessa forma, Prado Jr., e os demais autores estudados possuem o mesmo discurso sobre o Brasil, porque partem de pressupostos comuns relacionados à idéia sobre o progresso, o desenvolvimento e a religiosidade comuns no pensamento do século XIX e primeira metade do século XX. Ao abordar esses intelectuais e suas interpretações do período colonial, verificase que era comum o pensamento sobre a religiosidade brasileira, o qual via que o 51 problema da falta de progresso do Brasil passava pela religião predominante; mesmo pessoas que não eram religiosas, mas desejavam o progresso do país, viam na religião um empecilho ao desenvolvimento. Até mesmo o clero, em que uma ala queria uma igreja independente de Roma, no caso do regente Feijó, porque viam que na falta de um poder central próximo, o descaso da coroa, segundo eles tudo isso contribuía para que a religiosidade fosse superficial. O assunto explanado a seguir tem como objetivo entender o pensamento dos viajantes que visitaram o Brasil no século XIX e sua visão da religiosidade brasileira, este é o assunto do texto a seguir. 3.2 – A VISÃO DOS VIAJANTES ESTRANGEIROS Inicia-se essa jornada pela visão dos viajantes, passando por Auguste de SantHilaire, depois por Jean-Baptiste Debret e encerrar-se-á essa viagem pelos escritos de Richard Francis Burton. A análise do tema religiosidade brasileira na visão dos viajantes, se faz necessária quando informações dialogam com os pensamentos dos intérpretes brasileiros, e também com o pensamento do nosso viajante Kidder, descobrindo as diferenças e as similaridades de seus pensamentos. Auguste De Saint-Hilaire, um cientista Auguste De Saint-Hilaire (1779-1853) foi um cientista francês que percorreu o Brasil-colônia, no início do XIX, fazendo relatos de viagem sobre o que via ou mesmo ouvia dos próprios habitantes dos locais em que visitava. Escreveu sobre a geografia e história e comparou a sociedade colonial brasileira com a europeia, tida pelos intelectuais do período como a mais evoluída do planeta. Kury em seu artigo Auguste De Saint Hilaire, viajante exemplar, assevera. O famoso viajante Auguste de Saint-Hilaire é, na verdade, um desconhecido entre nós. Poucos detalhes de sua vida e de sua obra foram estudados. Na França atual, ele é um personagem esquecido, o que não aconteceu em sua época, quando ocupou posição de prestígio no meio cientifico parisiense e francês. Saint-Hilaire buscou fazer de sua viagem ao Brasil, realizada entre 1816 e 1822, um modelo no que diz respeito à forma como os cientistas da Europa civilizada deveriam se relacionar com os demais países do globo. Além disso, o botânico quis atuar como um viajante-naturalista exemplar e usar suas credenciais científicas – somadas a suas relações familiares na França da Restauração - para garantir boa situação quando de retorno à França. Em tal comparação, Saint-Hilaire é comumente crítico do modo de vida dos brasileiros, escrevendo sobre seus comportamentos ou mesmo sobre as moradias dos 52 mesmos que, muito mais que simples, parecem fruto de um comodismo provocado por costumes que denotam indolência. Saint-Hilaire acreditava que o homem sofria uma regressão social quando passava a viver em contato com a natureza primitiva, termo usado para descrever a exuberante natureza da América. Assim, os portugueses e seus descendentes que passaram a viver nas áreas mais afastadas das cidades, e tendo contato com a cultura primitiva dos índios, passaram, com o tempo, segundo Saint-Hilaire, a ter parte dos hábitos dos selvagens, como ele mesmo afirma quando “os portugueses se misturam, então, com os índios e aos vícios de uma civilização ainda atrasada eles não tardaram a juntar os que adquiriam dos selvagens” (SAINT-HILAIRE, 1972, p. 20), esse pensamento recebe o nome de Darwinismo Social. Num outro relato, observa-se novamente tal conceito quando o autor critica o comportamento de descendentes de europeus, muito mais parecidos com os ameríndios, quando por falta de “educação”, na visão dele, deixam de agradecer a um gesto de gentileza: Durante toda a minha viagem tratei esses homens do melhor modo que me foi possível, nunca lhes zanguei e suportei pacientemente suas grosserias e impertinências. Protegi-os aqui durante um mês, sem que me fossem de utilidade nenhuma. Ontem, pela manhã, mandei-lhes a baixa, assinada pelo general: dei-lhes dinheiro e três cavalos e não recebi nenhum agradecimento. Nem ao menos se despediram de mim. Tinha contado como fato extraordinário, que um índio me havia deixado, após 15 dias de convivência, sem agradecer-me a recompensa que lhe dera e sem despedir-se da gente, nunca supus que teria de relatar um acontecimento idêntico, porém, muito mais forte, com homens de nossa raça. Custa-lhes muito dar provas refletidas de reconhecimento, porquanto elas são sempre a confissão de um benefício usufruído e há receio em, com isso, mostrar inferioridade. O europeu será ingrato de caso pensado, mas não haverá um, por muito mais que seja, que não agradeça, no momento benefícios semelhantes aos que prestei aos meus soldados. Esses dois homens diferem muito dos europeus e se parecem com os índios, eis, por conseguinte, um exemplo da alteração que nossa raça sofre na América, sendo possível citar uma porção de outros (SAINT-HILARIE, 1972, p.199). Saint-Hilaire desconsiderou o aspecto cultural brasileiro, cada cultura têm seus costumes, suas tradições, não posso exigir que o outro reaja da forma como é feito em minha cultura. Essa imposição cultural leva a pessoa a pesar na superioridade cultural, assunto já ultrapassado hoje, mas para o período de Saint-Hilaire ainda essa visão era predominante. E não são apenas os mais pobres que ostentam, segundo o mesmo, certa corrupção de costumes, uma vez que, de acordo com Saint-Hilaire (1972, p. 69), “parte dos homens do interior do Brasil possuía comportamentos muito mais próximos dos nativos da América do que os europeus”. Saint-Hilarie observa o Brasil com a ótica do 53 europeu, querendo que as pessoas se comportem como europeus, desconsiderando a cultura que estava sendo construída, sob as influências européias, africana e indígena. Fazendo duras críticas ao modus videndi do homem do interior da colônia, SaintHilaire credita a “palermice” de grande parte de seus habitantes, como mesmo diz num de seus relatos, a uma falta de sociabilização e civilidade mais eficaz. Considerando que no início do XIX a Igreja exercia forte influência em governos de países católicos, bem como na formação moral da sociedade, Saint-Hilaire a entendia como um dos fatores da precária sociabilidade e civilidade da população da colônia, pois era deficiente a instrução moral do clero, sendo a religião cristã basicamente restrita ao plano doméstico. Sobre isso escreve Saint-Hilaire (1975, p. 28) ao comentar sua viagem a Goiás: Seja como for, os habitantes dessa região não vão jamais a missa (1819), não recebem sacramentos quando estão doentes e se acham privados de qualquer tipo de instrução religiosa e moral. Se ainda têm algumas noções da religião cristã, isso se deve provavelmente a tradição de família que o tempo acabará por desaparecer. A palermice e a grosseria demonstradas por esses infelizes não deve, pois, causar surpresa. As poucas pessoas com quem eles comunicam de longe em longe, e, unicamente no tempo da seca, são os tropeiros, afora o convívio com seus escravos e rudes empregados (camaradas). Nada há para despertar a sua inteligência, para reavivar os seus conceitos morais, e nada, por assim dizer, os liga à sociedade humana. É interessante notar que Saint-Hilaire aponta, na passagem acima, o isolamento dos habitantes que encontra em suas viagens no interior da colônia e como esse isolamento da sociedade interfere ativamente na “palermice” dos habitantes. Saint-Hilaire era um católico que acreditava seriamente em sua doutrina religiosa. Entendia também que a base educacional de um indivíduo era sua moralidade e, somente com esta, poderia assegurar um crescimento da consciência social. Assim, o autor acreditava que a religião era um forte meio de ligação dos que viviam em contato intenso com a “natureza primal”, caminho para a constituição da verdadeira sociedade humana no sertão, como deixa subentendido o fragmento acima. Desse modo, o que Saint-Hilaire via ou ouvia sobre a instrução moral e religiosa dos brasileiros lhe causava indignação, pois, segundo o mesmo, os brasileiros necessitavam e muito de uma moralidade e sociabilidade para superar os efeitos da regressão social provocada, como já relatado, pelo prolongado convívio com o ambiente primitivo e pela falta de “contato” com a “sociedade humana”. Porém, o clero, de acordo com Saint-Hilaire, além de não cumprir tal função, servia de mau exemplo, como nota-se em um de seus relatos, ao mencionar a perda de significado espiritual dos sacramentos pelos próprios representantes da Igreja: 54 A capela de Santa Maria depende, como disse, da Paróquia da Cachoeira, cujo vigário recebe de cada fiel meia pataca em cada confissão pascoal. Os moradores de Santa Maria cotizam-se e fazem um salário ao seu capelão. Este recebe do cura licença para praticar a confissão; os penitentes pagam-lhe meia pataca que ele remete ao cura. Seria de toda justiça que o cura pagasse ao capelão, como acontece em Minas; mas, para ele essa parte da paróquia é uma espécie de Sinecura, em que usufrui sem encargos e seu contrato com o capelão se reduz a isto: Permito-vos exercer as funções curais no distrito de Santa Maria e receber salários de meus paroquianos, com a condição de reservardes para mim o produto das confissões pascoais”. Creio ser impossível levar mais longe o comércio das cousas sagradas [...] (SAINTHILAIRE, 1972, p.173). Assim, Saint-Hilaire raramente faz algum elogio a um membro do clero quando o encontra, e se o faz, não deixa de ressaltar tratar-se de uma rara exceção, como quando comenta sobre as virtudes de um vigário chamado João Teixeira Alvarez. Crê-se não ser incorreto dizer que o próprio catolicismo, que teoricamente desembarca logo após o descobrimento do Novo Mundo, passa, na visão de SaintHilaire, também a sofrer a regressão primitiva devido ao contato prolongado com a cultura ameríndia e negra, analisando as críticas do autor quanto às celebrações religiosas do período na colônia, sabidamente carregada de elementos culturais indígenas e africanos. É perceptível identificar a irritação que as cerimônias religiosas no Brasil provocam no autor. Em seus relatos sobre a viagem à província das Minas Gerais, Saint-Hilaire escreve, com estranhamento, um vasto comentário sobre a festa de Pentecostes realizada na província e não oculta o tom depreciativo. Em outro relato da viagem a Goiás, ele também faz comentários sobre os cultos religiosos, vejamos: Nesse dia encontrei na mata um bando de gente a cavalo, conduzindo burros carregados de provisões. Um dos homens levava um estandarte, outro um violão e um terceiro um tambor. Procurando saber o que significava tudo isso, fui informado de que se tratava de uma folia, palavra cujo sentido passarei a explicar. Já tive ocasião de dizer em outro relato que a festa de Pentecostes é celebrada em todo o Brasil com muita devoção e em meio a bizarras cerimônias [...](SAINT-HILAIRE, 1972, p.95). Ocorre, porém, que Saint-Hilaire, embora pareça reproduzir à exaustão a imagem de homens ociosos e embrutecidos, e de uma Igreja débil e corrompida por elementos primitivos, não deixa de mencionar que conseguindo tal instituição superar e eliminar os efeitos da regressão provocada pelo ambiente selvagem, ela poderia contribuir para o progresso social aos moldes europeus, uma vez que proporcionaria a formação moral e civilizadora de uma elite, calcada no “verdadeiro” espírito 55 cristão/católico, que para Saint-Hilaire possuía um papel tão ou mais importante que o próprio Estado. Esse mesmo discurso possui os outros viajantes, os intelectuais e Kidder. Havia solução para a falta de progresso no Brasil, a solução era resolver o problema da religiosidade brasileira, criando uma igreja que se preocupasse com o social, com a moral, com a fé do povo, uma igreja que tivesse uma liderança comprometida com a igreja e uma liderança com conhecimento teológico para ensinar os fiéis, e uma coroa que não influenciasse nas decisões da igreja. É possível notar, ainda, que o “terreno” para esse processo estava fértil, uma vez que a devoção ao catolicismo, por parte dos brasileiros, era inquestionável. O problema era como superar os efeitos da corrupção que vitimavam os homens e, consequentemente, as instituições. Mas, nem mesmo o autor parecia ter uma solução imediata. Para uma análise mais profunda dos conceitos de Saint-Hilaire, é preciso compreender o contexto em que vivia. Membro de uma família aristocrática oriunda do antigo Regime Francês, cuja influência da Igreja na sociedade era bastante expressiva, nosso autor assimilou, além de elementos da Filosofia das Luzes, também seu oposto, pois se percebe que, enquanto no iluminismo o Estado é o motor que proporciona o progresso civilizador, para Saint-Hilaire a Igreja, como já dissemos, assume, ao lado do Estado, um meio decisivo para a função numa sociedade como a do Brasil. Mas a superação do estágio primitivo dos povos ameríndios não é um assunto tão tranquilo para Saint-Hilaire, principalmente por acreditar que os índios não são capazes de projetar o futuro e agir de modo previdente, como podemos observar na passagem a seguir: A civilização não nasceu para os índios, visto ser fundada inteiramente na concepção do futuro, que lhes é absolutamente estranha. Cercados de homens civilizados, os selvagens não podem volver completamente ao estado de bárbaros. Até serem completamente absorvidos pelos brancos terão de viver de modo muito pior que a vida selvagem, visto terem perdido a inocência peculiar dos seus ancestrais quando viviam em plena floresta, e visto não possuírem qualidades necessárias à vida em sociedade, da qual, entretanto não podem sair (SAINT-HILAIRE, 1974, p. 127) Esse preconceito era muito comum por parte dos viajantes estrangeiros, devido a dificuldade que os portugueses tiveram de escravizar os indígenas, por isso criou-se um estigma dizendo que o índio é preguiçoso, e que esse aspecto cultural dos brasileiros provêm dessa influência indígena na formação dos brasileiros. 56 Jean-Baptiste Debret – Um Viajante Pintor Jean-Baptiste Debret, nascido em Paris no ano de 1768, morreu no mesmo lugar em 1848. “Foi um artista bastante inserido em seu tempo: frequentou um ateliê de pintura, realizou a imprescindível experiência de estudos na Itália.” (LIMA, 2004, pp.8) Debret fez parte da Missão Artística Francesa, a qual veio para o Brasil na primeira metade do século XIX com o objetivo de estabelecer relações comerciais entre a França e Brasil. O objetivo pessoal de Debret era oferecer uma “biografia nacional”. Segundo Lima, Debret queria: oferecer aos estrangeiros um panorama que extrapolasse a visão de um país exótico e interessante apenas do ponto de vista da história natural. Acreditava que o Brasil merecia estar entre as nações mais civilizadas da época e que a elaboração de uma obra histórica a seu respeito seria uma contribuição valiosa para que esta justiça se cumprisse.(LIMA, 2004, p. 27) Debret é conhecido pelas imagens que captou durante sua permanência no Brasil. Como descrito acima, seu objetivo é maior do que escrever uma história natural, é divulgar o país. De acordo com Lima, Debret descreve através das imagens a situação dos índios, escravos e homens brancos. Debret enfatiza o que considera os diferentes momentos da marcha da civilização no Brasil: os indígenas e sua relação com o homem branco, as atividades econômicas e a presença marcante da mão-de-obra escrava e, por fim, as instituições políticas e religiosas. (LIMA, 2004. p. 29) Segundo Debret a miscigenação racial e a educação eram os dois caminhos que o Brasil deveria tomar para a marcha da civilização. Debret desejava que o Brasil figurasse entre as maiores nações civilizadas, e sua obra iria contribuir para atingir esse objetivo. Conforme Debret o passado deveria ser conhecido e preservado, e para a construção de uma identidade brasileira, as imagens teriam esse poder. De acordo com Lima: é fácil compreender que as viagens pitorescas não tiveram, à maneira dos relatos científicos, a pretensão de se mostrarem exaustivas. Não se apresentam como inventários, sequer como repertórios, mas constituem-se a partir da reunião de uma série de imagens capazes, com a força de sua própria linguagem, de despertar o público para os valores do passado. Resgatar esse passado estava, de resto, na base da busca da própria identidade do público, a qual só poderia se constituir quando os monumentos que materializavam episódios passados fossem conhecidos e preservados. (LIMA, 2004, p. 35) 57 Debret menciona que a partir do Rio de Janeiro o progresso alcançaria o interior do território, Lima (2004, p. 40) destaca: Inspirando-se no Rio de Janeiro, Debret interpretaria não só a cultura como a sociedade, a política e a economia do país. As Imagens e referências textuais que ele dedica à cidade fundamentam sua crença de que, a partir dela, o progresso alcançaria o interior do território. Na concepção de Debret não havia dúvida de que o Brasil iria alcançar o progresso, mas para isso algo deveria ser feito, dentre eles os brasileiros deveriam resgatar o passado, e a partir do Rio de Janeiro todo o resto do país atingiria o mesmo objetivo. Quando Debret publica, Viagem Pitoresca e Histórica do Brasil, ele acrescenta o termo histórica ao título, com o objetivo de “dar ao Brasil o estatuto de uma nação civilizada e em franco processo de desenvolvimento” (LIMA, 2004, p. 46) Segundo Debret a marcha do progresso do país passa pela miscigenação, como visto anteriormente, pois ela traria benefícios devido às diferentes raças, Lima enfatiza que “a força e a resistência física dos negros e índios com a inteligência e habilidades superiores do branco europeu” (LIMA, 2004, p. 52) seria o carro chefe da civilização. Debret também vê empecilhos para o avanço da civilização. Ele culpa a religiosidade imposta pelos colonizadores, uma religiosidade supersticiosa com cerimônias “vazias e grotescas”. Lima destaca: “no Brasil, como entre todos os povos ignorantes, essas práticas supersticiosas foram impostas pelo homem esclarecido que, impondo-as, procurou preservar os habitantes de abusos prejudiciais”. Assim como Saint-Hilaire, Kidder e outros viajantes estrangeiros, Debret via na religiosidade brasileira um empecilho ao avanço do progresso. Uma religiosidade em que, segundo Debret, “os cultos e cerimônias religiosos no Brasil são vazios de significação, por vezes bárbaros e grotescos”. Conforme Debret, com o progresso das luzes invadindo o Brasil, seriam apagados os vestígios da superstição presente no catolicismo. Richard Francis Burton - Um Intelectual Sir Richard Francis Burton, explorador e orientalista britânico, nasceu em 19 de março de 1821, em Turquay, mas seu avô se estabeleceu na Irlanda como reverendo, e seu pai, coronel do 36º Regimento, era irlandês de nascimento e caráter. Faleceu em 20 de outubro de 1890, em Damasco. 58 Em suas observações sobre o Brasil, Burton focaliza-se na descrição da natureza brasileira, de como são os lugares por onde passou, em suas observações sobre o relevo, as estradas, os meios de comunicação, porém fala muito pouco sobre o povo que aqui habita. Ele discorre sobre o tratamento com os escravos, que elogia como sendo o mais amigável possível, tendo prejuízo para os senhores de escravos, pois os escravos aproveitavam da bondade de alguns senhores. Ao falar sobre como se locomovia pelos lugares do Brasil, reclama das más condições das estradas as quais chama de comunicação, mostrando assim que esse era o ponto que ele queria chamar a atenção dos viajantes. no império, destinado a se tornar tão poderoso e pujante, as comunicações significam civilizações, prosperidade, progresso – tudo. São mais importantes para o bem-estar nacional que escolas ou jornais, pois estes a elas se seguirão. E os viajantes que querem bem a esta terra, têm de se bater por tal coisa, mesmo correndo o risco de exagero. (BURTON, 1976, p. 66) Segundo essa observação, o que primeiro deveria acontecer era a construção de estradas, linhas de transporte de um lugar para outro através de diligências, atingindo assim lugares mais distantes, com tempo mais curto. Para Burton os escravos no Brasil possuíam privilégios que em outros lugares, não tinham, a ponto de serem confundidos como homens livres. Veja suas observações: Não me demorarei em discutir se a raça ou o clima, a religião ou a situação da sociedade, ou todos esses fatores combinados, são os responsáveis pelo tratamento excepcionalmente humano que o escravo recebe no Brasil; posso, contudo, assegurar, que, em nenhuma outra terra, nem mesmo nos países orientais, uma “gota tão amarga” contém tão pouco fel. (BURTON, 1976, p. 233) Ainda relata que durante seu período no Brasil nunca havia presenciado uma crueldade sequer contra os escravos, mas ouviu falar de alguns poucos casos de flagelação severa. Segundo Burton “O escravo tem no Brasil, por lei não escrita, muitos dos direitos de um homem livre” (BURTON, 1976, p. 233). Dentre essas ações de livres eles podem ser instruídos na leitura e escrita e são incentivados a fazê-lo, também são catequizados e recebem os serviços religiosos. Pode ser objeto de outra pesquisa, descobrir por que Burton achou que os escravos brasileiros eram melhores tratados do que em outros países, será por não ter visto nenhuma escravo ser punido em um tronco, ou porque o contato dele era somente com os senhores de engenho? Por que Burton nos seus discursos fala tão pouco do povo brasileiro? Esses questionamentos são suficientes para demonstrar que existe uma limitação nos discursos de Burton. 59 Burton também notou a cordialidade brasileira quando, depois de um dia viagem cansativa, demoraram a encontrar um lugar de descanso, mas quando chegaram foram recebidos com “habitual hospitalidade brasileira, e não perdeu tempo em nos fornecer aquilo de que mais necessitávamos: mesa e cama” (BURTON, 1976, p. 255) Em alguns lugares não era fácil encontrar lugar para pernoitarem, devido à companhia de sua esposa, Burton não poderia se alojar em qualquer lugar como faziam outros viajantes. Chegando a Mariana, em Minas Gerais, as hospedarias eram tão precárias que corria-se o risco de os pés afundarem nos assoalhos, havia sujeira nos quartos e, além disso, só existiam três hospedarias. Contudo, a quantidade de igrejas o impressionou. Ele relata: “E, no entanto, para essas três malditas hospedarias, há na cidade, nove igrejas!” (BURTON, 1976, p. 273). Ao seguir para Ouro Preto, Burton parou em uma fazenda e naquele dia havia falecido a sogra do proprietário, que o convidou para participar do ofício fúnebre. Ele ficou impressionado com a frieza do rito e disse: Depois de passar muitos anos sem ouvir os serviços religiosos da Igreja da Inglaterra, fiquei impressionado com a frieza e insensibilidade do rito, a ausência de consolo aos vivos e a necessidade de reconfortar os mortos, se os “espíritas” falam a verdade. (BURTON, 1976, p. 286) Ele continua criticando a frieza ao falar que o curto ofício usado na parte ocidental do cristianismo, mostrava mais vida à cerimônia, do que este que ele havia presenciado. Como era comum padres serem comerciantes, fazendeiros, empresários e constituir famílias, Burton narra a história de um desses padres que tinha sido proprietário de uma fazenda próximo a Morro Velho. a mulher do padre era muito bonita, com olhos negros e “bem gorda”. O padre, depois de ter o cuidado de colocar D. Silvéria na pequena e bonita Fazenda de Santa Ana, na estrada de Sabará, morreu em Congonhas, mas, na quaresma ainda visita seu lar mundano, e, sem constrangimento, tira do armário o que quer. (BURTON, 1976, p. 196) Sabe-se que essa é uma história que passava oralmente, mas que com naturalidade as pessoas aceitavam a vida matrimonial dos padres. Burton a achou interessante para mostrar não somente a religiosidade, mas também o misticismo que envolvia a religiosidade brasileira. Devido à ausência da igreja institucional em todos os lugares, os fiéis se reuniam para as rezas em grupos pequenos, nas fazendas e vilas. Neste período quem conduzia as atividades eram os mais velhos, sem nenhuma instrução religiosa, sendo muitos ainda praticantes das religiões africanas que os escravos possuíam, essas reuniões para reza se 60 tornaram solo fértil para o surgimento do catolicismo popular, com suas crenças, lendas e superstições. Em Morro Velho, Burton e sua esposa encontraram uma capela. Sua esposa ficou escandalizada quando não encontrou a pedra do altar, mas depois descobriram que aquela capela ainda não tinha sido consagrada, porém já estava sendo usada pelos fiéis, a maioria mecânicos e mineiros, que eram divididos pelo corredor da igreja. Em outro local, Burton encontra uma igreja sem bancos e observa que os fiéis brancos se aglomeravam em pé na frente, os “pretos” atrás, e as mulheres sentadas no chão. “O velho costume continua no interior; somente nas cidades mais civilizadas do Brasil, as igrejas dispõem de bancos” (BURTON, 1976, p. 198). Nessa capela Burton observa que há muitas pessoas, mais do que na outra igreja concorrente, mas observa que isso ocorre porque o “culto é rápido e o sermão mais rápido ainda” (BURTON, 1976, p. 198). Quando se analisa os viajantes estrangeiros, percebe-se todos constatando que a falta de uma religião comprometida com o cristianismo que eles conheciam e que achavam que era um cristianismo verdadeiro, e que levava o povo a ter uma vida de obediência, com sacerdotes conhecedores das obrigações cristãs e que instruam os fiéis no verdadeiro conhecimento, faria toda a diferença na instrumentalização de levar o povo para a civilização. Os viajantes, embora em períodos diferentes, sem nenhum contato, percorrem o Brasil, as vilas e cidades, e reproduzem um discurso semelhante, a religiosidade brasileira atrapalha o seu desenvolvimento e progresso. Em todos vemos um discurso comum. Mas como era essa igreja, essa instituição religiosa? O texto a seguir auxiliará na compreensão desse assunto. 3.3 - A IGREJA BRASILEIRA NO SÉCULO XIX Quando Daniel Parish Kidder chegou ao Brasil, já havia uma igreja institucionalizada trazida pelos colonizadores. A Igreja Católica Apostólica Romana estava presente na vida dos brasileiros há mais de três séculos. Nesta pesquisa já se tratou de como estava essa igreja, abordando somente os aspectos observados pelos intelectuais e pelos viajantes. A seguir observará como era governada essa igreja e o que a fazia ser alvo de tantas críticas, como já foi relatado anteriormente. A religiosidade brasileira era regida pelo caráter obrigatório, segundo Hoornaert (1991, p. 13) “Era praticamente impossível viver integrado no Brasil sem seguir ou pelo 61 menos respeitar a religião católica”. Para o autor não havia outra opção, todos os brasileiros eram católicos, ser brasileiro era sinônimo de ser católico. A igreja e a coroa utilizaram vários métodos para alcançar o objetivo de unanimidade da religião, dentre eles a inquisição, conforme Hoornaert (1991, p. 14) A inquisição ajudou poderosamente a formar (ou deformar) a consciência católica no Brasil, criando a impressão de que todos são católicos da mesma forma, obedecendo às mesmas normas e lutando contra os mesmos inimigos. O Brasil não teve um tribunal do Santo Ofício, todos os brasileiros que foram indicados pela inquisição eram levados para Portugal para receberem a sentença. Neste período a coroa se utilizou desse instrumento para se apropriar de terras de fazendeiros, acusando-os injustamente para ficar com seus bens. Neste período o medo da inquisição fez com que os brasileiros divulgassem sua fé católica, com medo de serem acusados de hereges ou cristãos novos, faziam isso participando ativamente das atividades da igreja e colocando em seu comércio nome de santos católicos. Os índios e os africanos tiveram que apresentar-se como católicos para garantirem a sobrevivência e serem aceitos pela sociedade, o catolicismo passou a ser o cimento que une a nação, que prende a todos, e ainda a igreja passou a ser um local de confraternização de todas as raças. A Igreja Brasileira, na primeira metade do século XIX era regida pelo sistema do padroado. Segundo Hauck (1985, v.II, p.13) a vida da Igreja era regida pela monarquia. A maior parte das funções episcopais eram exercidas pela instituição leiga do padroado, bispos e sacerdotes encarregados de paróquias eram nomeados e mantidos pelo rei. Devido essa ligação do clero com a coroa, pode-se dizer que a “Igreja era, no Brasil, uma organização de leigos” (HAUCK, 1985, v. II, p.13). A Coroa recebia e administrava os dízimos dos fiéis, construía igrejas, remunerava o clero e tomava decisões eclesiásticas. Devido a essa relação igreja/monarquia, questões como escravidão de negros e massacre dos índios não entravam em pauta, e a igreja se comportava como se o problema não existisse. As poucas vezes em que ela se manifestava, “sempre se posicionava favorável ao rei e contrário aos negros e índios” (HAUCK, 1985, v. II, p. 16). Os bispos exigiam dos paroquianos lealdade ao Rei em toda e qualquer circunstância. 62 A distância entre o bispado e as paróquias era um obstáculo na vida religiosa dos brasileiros, mas diminuir essa distância acarretaria um aumento nas despesas da Coroa, segundo Hauck (1985, v. II p. 87): É fácil deduzir que muitos padres não acreditassem muito em sua missão sacerdotal e demonstrassem pouco interesse pelo exercício do ministério. Ocupavam-se de suas fazendas, do comércio e pouco interesse mostravam pela vida espiritual do povo. Saint-Hilaire reclama contra o abandono dos fiéis, sem sacramentos, sem instrução religiosa ou moral, enquanto padres vizinhos se ocupavam no comércio; os padres não se dedicavam à instrução dos fiéis e participavam da corrupção geral por não haver vigilância dos bispos, que vivem longe demais; o remédio seria aumentar o número de bispados e paróquias, o que o rei não faz, por economia. Devido à deficiência da estrutura eclesiástica, a religião no Brasil tinha um caráter doméstico. Na família ocorria a catequização, a precária evangelização e a instrução espiritual. A família era de grande importância como expressão religiosa, uma vez que a religião brasileira era mais doméstica e privatizada do que institucional. No ambiente familiar aprendiam-se as orações e os comportamentos religiosos (HAUCK, 1985, v. II, p. 13). Essa religião familiar se tornava lugar fértil para o surgimento do sincretismo religioso, pois sem uma estrutura doutrinária sólida, sem a orientação de teólogos católicos, a assimilação tanto de crenças folclóricas e religiosas cresceu sem nenhum impedimento. A catequese das crianças ficava por conta das famílias, gerando uma religiosidade muito intensa, sem dúvida, mas de doutrina pouco assimilada, terreno fértil para a mistura de cristianismo com as raízes e reminiscências religiosas de indígenas e africanos (HAUCK, 1985, v. II p. 104). O sincretismo do catolicismo brasileiro espantava todos os estrangeiros que tinham contato com ele. A diferença entre este e o catolicismo de outros países era grande: As numerosas festas religiosas eram um meio eficaz de amalgamar crenças provenientes de fontes muito diversas: tradições portuguesas carregadas do folclore peninsular medieval, práticas animistas e fetichistas de índios e africanos, tudo se misturava numa religiosidade que os estrangeiros mais benévolos não conseguiam entender: “na Igreja brasileira não há o que possa causar espanto: está fora de todas as regras” (HAUCK, 1985. v. II, p. 17). Outra dificuldade encontrada pela igreja brasileira era a falta de um poder central propriamente religioso. Já que Roma não podia opinar em todas as coisas, devido ao sistema do padroado, as ordens terceiras tentaram fazê-lo, mas estavam preocupadas com a própria sobrevivência. 63 Faltava à Igreja do Brasil um centro de unidade, alguém que personalizasse a sua consciência, que se sentisse autorizado a falar em nome dela. Ou alguém que fosse a voz profética a denunciar os erros e apontar caminhos novos. Tal função foi exercida muitas vezes na história da igreja pelas ordens religiosas, mas estas, completamente decadentes, estavam a exigir um tratamento de urgência. (HAUCK, 1985, v. II, p. 16) A não obediência da igreja a Roma e sim à Coroa, fazia da igreja um braço do Estado, obrigando o papa a nomear bispos contra a sua vontade, pois trariam benefícios para a Coroa. Essa situação prosseguiu por todo o século XIX. A Igreja, devido à deficiência de sua liderança, não conseguindo moralizar os brasileiros, produziu assim um cristianismo percebido como superficial, sincrético e sem autoridade profética. É dentro desse contexto religioso que o viajante Kidder desembarca no Brasil e encontra aqui uma colônia que, segundo Freyre, era uma unidade religiosa petrificada durante três séculos, mas de uma religião, conforme Holanda, democrática, em que seus fiéis não fazem nenhum esforço para praticá-la, porém o clero também contribui com o desprezo da religiosidade, sendo eles mesmos exemplo de negligência, ganância e dissolução. Prado Jr. aborda o aspecto da corrupção dos dirigentes leigos e dos eclesiásticos, colaborando para a instabilidade no povoamento da colônia. Quando se analisa os viajantes que visitaram o Brasil neste período, vê-se que em alguns aspectos existem uma unanimidade nos discursos, quando se referem à religiosidade brasileira eles convergem para uma mesma origem, visto que para eles o problema do atraso no desenvolvimento é a religiosidade a qual se tornou sincrética e mística, não trazendo os benefícios que uma religião organizada produz na nação, como o progresso, por exemplo. Para Saint-Hilaire, quando os portugueses chegaram ao Brasil e passaram a viver em contato com a natureza primitiva, ocorreu o que ele chama de regressão social, isto é, os portugueses que viviam isolados, sem muito contato com a população das cidades, se tornavam muito parecidos com os nativos que já viviam ali antes de chegarem os portugueses, dessa forma o isolamento interferia, gerando uma “palermice” nos habitantes. Segundo ele, até mesmo o catolicismo passa por essa regressão primitiva, devido ao contato prolongado com a cultura ameríndia e negra. Uma demonstração desse fenômeno é a celebração carregada de elementos culturais indígenas e africanos. Mas, como conhecedor do catolicismo europeu, que não possuía essa influência, Saint-Hilaire diz que, quando a igreja conseguir superar os efeitos da regressão provocada pelo ambiente selvagem, a igreja proporcionará a formação moral e 64 civilizadora de uma elite calcada no “verdadeiro” espírito cristão/católico que conforme o autor possuía papel mais importante que o Estado. Para Debret, o Brasil ainda iria destacar-se entre as maiores nações civilizadas, não figurava ainda devido à religiosidade predominante, a qual era composta de cerimônias supersticiosas, “vazias e grotescas”, se tornando-se empecilho para o avanço rumo à civilização. Com o objetivo de mudar essa realidade Debret se propõe a oferecer uma biografia nacional para divulgar o Brasil. Essa biografia era um panorama que extrapolava a visão de um país exótico e interessante apenas do ponto de vista da história natural. Para cumprir esse objetivo ele descreve através das imagens a situação dos índios, escravos e homens brancos. Segundo o autor, a partir do Rio de Janeiro o progresso alcançaria o interior do território, a educação e a miscigenação contribuiriam para que o Brasil figurasse entre as maiores nações. Burton também observou que a religião no Brasil era mística e que diferente de outros lugares, os padres podiam constituir famílias, não tendo tempo para o cuidado com as cerimônias religiosas. Mas muito mais que a religiosidade, Burton identifica que o progresso não chegou ainda no Brasil porque não há estradas e a dificuldade de acesso nos lugares fazia com que a civilização e a prosperidade não chegassem. Para ele os meios de comunicação eram mais importantes do que escolas. Outro aspecto observado por Burton foi o tratamento cordial dos senhores para com os escravos, ele disse que para os escravos o Brasil era o melhor lugar do mundo para viverem, para os senhores não, porque os escravos, segundo ele, aproveitavam dessa bondade. Ao observar-se como se encontrava o Brasil, nos olhares dos intérpretes Freyre, Holanda e Caio Prado, também se analisa os relatos dos viajantes Saint-Hilaire, Debret e Burton. Praticamente eles detectam os problemas e propõem soluções, as quais muito se assemelham. Tanto os intelectuais brasileiros quanto os viajantes estrangeiros possuíam uma visão de progresso adquirida do conhecimento e vivência na Europa, por isso, ao olharem para o Brasil verificam a necessidade de se fazer alguma coisa para que o progresso chegue aos brasileiros, e a primeira coisa que fazem é falar e escrever sobre o problema, desse modo, nos escritos mostram que a religiosidade tem sido um empecilho para o progresso. O progresso era a palavra de ordem, todos os países estavam em busca do progresso, e os intelectuais brasileiros também o queriam para o Brasil e viam no protestantismo um meio para alcançar este objetivo. Neste capítulo vimos que as visões tanto dos intelectuais brasileiros, quanto dos viajantes estrangeiros eram muito parecidas. O discurso deles praticamente é o mesmo, o problema da falta de progresso do Brasil é a sua religiosidade. Agora passaremos as 65 considerações finais desta pesquisa, que tem como objetivo incorporar todos esses discursos, culminando no discurso de Kidder, a fim de entender qual a religiosidade que brota do olhar dele. 66 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao final desta pesquisa, deve-se lembrar que o objetivo era entender qual religiosidade brasileira brotou do olhar de Kidder e como ele via as instituições religiosas existentes no Brasil. Para Kidder, a religiosidade brasileira precisava de uma transformação, pois, tanto o clero quanto os fiéis eram ignorantes com relação às escrituras sagradas e imoral. Para ele somente o protestantismo norte-americano conseguiria moralizar o povo através dos ensinamentos das sagradas escrituras. Nestas considerações finais não se deve deixar de mencionar as contribuições que trouxeram os intérpretes do Brasil, Freyre, Holanda e Prado Jr. A compreensão de Freyre de que o Brasil possuía uma estrutura agrária, com sistema escravocrata, e que seu povo era uma raça híbrida de composição do índio, negro e europeu, tornando assim a possibilidade de povoamento de um território enorme, esse é o mesmo discurso de Debret. A visão da religiosidade democrática observada por Holanda, fruto do domínio da Coroa sobre a religião, gerando assim uma religiosidade sem uma liderança espiritual e um povo místico, supersticioso, sem conhecimento e progresso. Prado Jr. destaca que a religiosidade brasileira é deficitária porque os padres também são comerciantes, fazendeiros, empresários, funcionários públicos, exercendo somente o necessário que é a celebração da missa com seus sacramentos. A contribuição dos outros viajantes mencionados nesta pesquisa reforça a tese de que existia uma unanimidade no discurso dos viajantes sobre a situação religiosa no Brasil. O motivo da falta de progresso no Brasil é a religião, Saint-Hilaire chega ao ponto de dizer que se esse problema, a regressão religiosa, fosse resolvido, o Brasil conseguiria progredir em semelhança com os países europeus. Debret faz a sua parte para que o Brasil figure entre as maiores nações europeias, ao ajudar na construção de uma biografia nacional. Burton, por sua vez, diz que, resolvendo o problema da religiosidade mencionada pelos outros viajantes e construindo meios de comunicação, como estradas, o progresso era uma questão de tempo. Na obra de Kidder verifica-se a ênfase na religiosidade brasileira. É verdade que ele vem para o Brasil com o propósito de implantar outra vertente do cristianismo, o protestantismo norte-americano, por isso suas observações giram em torno da 67 religiosidade predominante no país, até mesmo para que essas observações sejam ferramentas a serem utilizadas na elaboração de críticas contra a religião predominante. Na obra O Brasil e os Brasileiros, Kidder e Fletcher demonstram de forma clara a intenção com a qual vieram: evangelizar os brasileiros e divulgar o Brasil para os norte-americanos, para que de alguma forma os empreendimentos nesta nova terra tragam benefícios materiais para a pátria. Essa dicotomia entre evangelizar e negociar tinha o objetivo de trazer recursos financeiros para seu país, tornando o Brasil um grande consumidor dos produtos norte-americanos. 68 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZZI, Riolando. 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Orientação: Prof. Dr. Adone Agnolin. GEBARA, Alexsander Lemos de Almeida. A África Presente no Discurso de Richard Francis Burton: Uma análise da construção de suas representações. Tese de Doutorado, Depto de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Orientação: Profª. Drª. Maria Helena Pereira Toledo Machado. LIMA, Valéria. A Viagem Pitoresca e Histórica de Debret: por uma nova leitura. Tese de Doutorado em História, IFCH-UNICAMP, 2003. Orientação: Prof. Dr. Robert Wayne A. Slenes. NOVAES, José Luiz. Protestantismo e educação: metodistas e liberais na primeira República. São Bernardo do Campo. 2001. [Dissertação de Mestrado – Universidade Metodista de São Paulo]. VALENTIM, Ismael Forte. A Educação Metodista sob a Égide do Educar e Evangelizar. Tese (Doutorado em Educação) Faculdade de Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação da Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Piracicaba. 2008.