Carlos Antonio Costa Ribeiro
Horizontes das ciências sociais no Brasil:
antropologia, ciência política e sociologia.
Martins, Carlos Benedito (coord.). São Paulo:
Barcarolla/Anpocs, 2010 (3 vol.).
Mais uma vez a Anpocs financia uma
posta por artigos que fazem uma
coletânea de artigos que faz um ba-
apreciação crítica sobre as publica-
lanço de algumas áreas de pesquisa
ções em certas áreas de conhecimen-
em antropologia, ciência política e
to e pesquisa. Para que as resenhas
sociologia. A anterior foi publicada
sejam realmente analíticas, estas de-
em 1999. Com efeito, já era hora de
vem, por um lado, mostrar os aspectos
uma nova publicação e tal iniciativa
positivos e negativos das pesquisas já
deve ser parabenizada. Enquanto em
publicadas e, por outro, apontar ou
1999 foram resenhadas e avaliadas
alertar para questões pouco estuda-
quinze áreas, a nova publicação de
das que poderiam ser desenvolvidas
2010 se dedicou a quarenta temas di-
em novas investigações. Embora ou-
ferentes. E, ao invés de incluir apenas
tras formas de avaliação da produção
um organizador geral, como ocorreu
das disciplinas, como ensaios ou co-
em 1999, a nova versão contou com
mentários gerais, também sejam in-
um organizador geral e mais um para
teressantes, considero que revisões
cada disciplina. Essa breve compa-
críticas, exaustivas e indicando lacu-
ração indica que houve um esforço
nas nos diversos campos de pesquisa
quantitativamente superior em 2010,
são mais úteis e necessárias para os
quando comparado com o anterior. Os
leitores desse tipo de coletânea. Nes-
novos volumes, no entanto, não de-
se sentido, os volumes de 1999 são
vem ser avaliados apenas do ponto de
mais homogêneos do que os de 2010.
vista quantitativo, mas, sobretudo, do
Na publicação anterior, todos os arti-
qualitativo. A pergunta que deve ser
gos fizeram um balanço da produção
feita é a seguinte: será que os artigos
brasileira e alguns sugeriram novos
publicados vão ajudar pesquisadores
rumos de pesquisa. Os textos de 2010
e estudantes de ciências sociais a tra-
são menos uniformes: alternam-se no
zerem novas contribuições para os di-
conjunto revisões exaustivas da bi-
versos temas e áreas de investigação?
bliografia brasileira, apontamentos de
A nova coletânea será bem-suce-
novos rumos de pesquisa, ensaios so-
dida se for predominantemente com-
bre o estado das ciências sociais, his-
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tóricos
de
melhor que vem sendo produzido nas
algumas áreas, balanços quantitativos
da
institucionalização
ciências sociais brasileiras não fica
de algumas publicações ou grupos de
melhor nem pior porque inclui tais
pesquisa. Obviamente há capítulos
capítulos. O conjunto falharia se não
que combinam duas ou mais dessas
incluísse artigos que apresentassem
características.
balanços da produção nacional.
Parte dos artigos, como “O cam-
É exatamente esse tipo de empre-
po da ciência política no Brasil: uma
endimento que a maioria dos capítu-
aproximação construtivista”, no volu-
los faz. Esta é a principal contribuição
me de ciência política, e “A produção
da coletânea, justamente porque apre-
de pesquisa sociológica”, no volume
senta revisões detalhadas de extensas
de sociologia, são antes ensaios filo-
bibliografias sobre temas específicos.
sófico-metodológicos que revisões de
Os pesquisadores que querem fazer
alguma literatura brasileira específi-
alguma contribuição para uma certa
ca; trata-se de capítulos sobre temas
área deveriam se concentrar nesses
epistemológicos gerais. Os autores,
capítulos, que são um guia inicial
por caminhos distintos, produzem
para encontrar novas questões de in-
uma oposição entre atividades aca-
vestigação ou até mesmo para elabo-
dêmicas “humanistas” e “científicas”
rar e expandir novas bibliografias. No
que não faz mais sentido nas ciências
volume de antropologia, praticamente
sociais dos dias de hoje, uma vez que
todos os artigos são revisões biblio-
em todas as áreas do conhecimento
gráficas extensas, embora alguns
há avanços e a obrigatoriedade de fa-
sejam mais argumentativos e outros
zer referência a literaturas contem-
mais descritivos. Literaturas também
porâneas. Não há como escrever um
se relacionam entre elas mesmas, o
trabalho sobre algum tema espinhoso
que significa que um pesquisador
de filosofia política ou realizar uma
pode encontrar informações relevan-
pesquisa estatisticamente sofistica-
tes na leitura sobre outros temas. Por
da em estratificação social sem fazer
exemplo, aqueles interessados em
referência e procurar contribuir para
antropologia urbana podem encontrar
alguma literatura específica. É bem
importantes contribuições nos artigos
verdade, como coloca o autor no vo-
“Família e parentesco na antropologia
lume de sociologia, que em algumas
brasileira contemporânea” e “Cidade
áreas não faz sentido fazer referência
e política: nas trilhas de uma antro-
a autores e conceitos antigos, enquan-
pologia da e na cidade no Brasil”. O
to em outras a volta ao passado é nor-
volume de ciência política também
mal. Contudo, em ambos os casos o
inclui predominantemente revisões
objetivo é essencialmente o mesmo:
extensas da bibliografia. Alguns capí-
produzir conhecimento inovador. Tal
tulos, como “Direitos humanos e ci-
forma de reflexão, apresentada nos
ências sociais no Brasil”, são bastante
textos mencionados, é interessante e
extensos e de forma bastante relevan-
válida; porém, uma coletânea sobre o
te versam sobre literatura produzida
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em diversas áreas, inclusive fora das
balanço dos grupos de pesquisa nas
ciências sociais strictu sensu. Outros
áreas específicas. A primeira estra-
artigos focalizam detalhadamente li-
tégia parece bem-sucedida, como é o
teraturas centrais na disciplina, como
caso de “A política comparada no Bra-
“Teoria política no Brasil hoje” e “Es-
sil: a política dos outros”, uma vez que
tudos legislativos”, ambos de excelen-
o autor se preocupou em explicitar as
te qualidade. No volume de sociologia,
limitações de sua abordagem e da se-
também a maioria dos textos faz lon-
leção de sua amostra de trabalhos. A
gas revisões como, por exemplo, “A
estratégia não funcionou da mesma
violência na sociedade brasileira” e
maneira em “Teoria por adição”, em
“Sociologia da educação: democracia
que o autor faz uma inferência geral
e cidadania”.
com base em uma amostra limitada,
Ademais, alguns textos da co-
produzindo generalizações sobre a
letânea tratam de literaturas ainda
área de teoria social sem referência
pouco desenvolvidas e propõem no-
a trabalhos publicados em livros e
vos rumos de pesquisa, embora tais
diversas revistas. Um problema mais
sugestões sejam em geral tímidas ao
geral desses balanços de áreas base-
longo dos três volumes. É o caso, por
ados em revistas acadêmicas é que
exemplo, de “Desigualdade, classes e
os cientistas sociais brasileiros ainda
estratificação social”, no volume de
publicam predominantemente capí-
sociologia, “Democracia e welfare”, no
tulos de livros ou livros; dessa forma,
volume de ciência política, e “O Brasil
as amostras são altamente enviesa-
em imagens: caminhos que antece-
das. A segunda estratégia, a de fazer
dem e marcam a antropologia visual
um balanço dos grupos de pesquisa,
no Brasil”, no volume de antropolo-
é adotada nos capítulos “Instituições
gia. O capítulo sobre desigualdades,
políticas e controles democráticos:
mais próximo de meus interesses de
o paradoxal exercício simultâneo do
pesquisa, mostra que ainda há poucas
poder e de sua contenção”, no volu-
investigações em desenvolvimento
me de ciência política, e “Pesquisa em
sobre o tema na sociologia brasileira,
ciência, tecnologia e inovação no Bra-
mas também revela que há inúmeras
sil”, no volume de sociologia. Ambos
possibilidades de análise. Os autores,
textos são interessantes porque mos-
no entanto, poderiam ter enfatizado
tram como as áreas em questão vêm
que os cientistas sociais brasileiros
se desenvolvendo. O primeiro artigo
falam muito sobre desigualdade, mas
guarda ainda algum espaço para re-
poucos estudam diretamente suas
flexão crítica sobre as questões mais
causas e consequências.
relevantes de pesquisa.
Há, finalmente, quatro capítulos
De um modo geral, as resenhas e
que adotaram a estratégia da conta-
capítulos ajudam o leitor a avaliar a
bilidade. Dois deles procuram definir
produção nas diversas áreas das ciên-
as literaturas a partir da contagem de
cias sociais. Não estou familiarizado
publicações, e outros dois fazem um
com a maioria das temáticas desen-
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volvidas, mas, ao final da leitura dos
ciências sociais são cada vez mais
três volumes, fiquei com a sensação
dinâmicas e incluem uma infinidade
de que os capítulos são um bom mapa
de temas, que podem ser resenhados
inicial de aproximação. Os volumes
de maneiras diferentes, a depender da
são realmente úteis para pesquisa-
escolha de certa perspectiva. Por isso,
dores e estudantes que estejam co-
me dou a liberdade de sugerir que, a
meçando a se aventurar pelas áreas
cada dois anos, a cada nova diretoria
apresentadas.
da Anpocs, uma nova coletânea seja
As coletâneas de 1999 e 2010 foram
organizada. Pode-se também melho-
apresentadas como avaliações ou ba-
rar a qualidade das contribuições se
lanços do estado da arte nas ciências
uma espécie de sistema de pareceris-
sociais brasileiras. É impressionante
tas — que, nesse caso, não ficariam
que só a cada onze anos a Anpocs faça
anônimos — for criado. Realizada essa
um balanço desse tipo, e vale ressaltar
iniciativa, seriam produzidas, na ver-
ainda que tanto em 1999 quanto em
dade, três novas revistas acadêmicas,
2010 foi necessário justificar por que
capazes de acompanhar mais de perto
algumas áreas ou temas ficaram de
o dinamismo da produção nas ciên-
fora. Na verdade, as disciplinas das
cias sociais brasileiras.
Carlos Antonio Costa Ribeiro é professor e pesquisador
da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), e PhD
em sociologia pela Universidade de Columbia. Foi pesquisador do Center for Advanced Studies in the Behavioral
Sciences, na Universidade de Stanford. Recentemente
publicou dois livros: Estrutura de classe e mobilidade social no
Brasil (2007) e Desigualdade de oportunidades no Brasil (2009).
Seu principal tema de pesquisa trata dos determinantes da
desigualdade de oportunidades econômicas ao longo dos
ciclos de vida e entre gerações.
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