ESCOLA DE GUERRA NAVAL CMG (EN) LUIZ ROBERTO RAGONE LOPES O PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO E A MALHA ENERGÉTICA NACIONAL. PERSPECTIVA DE MAIOR PARTICIPAÇÃO DA ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL. REPERCUSSÃO PARA A MB: oportunidades e ameaças para a Marinha do Brasil em função do crescimento do Programa Nuclear Brasileiro Rio de Janeiro 2009 CMG (EN) LUIZ ROBERTO RAGONE LOPES O PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO E A MALHA ENERGÉTICA NACIONAL. PERSPECTIVA DE MAIOR PARTICIPAÇÃO DA ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL. REPERCUSSÃO PARA A MB: oportunidades e ameaças para a Marinha do Brasil em função do crescimento do Programa Nuclear Brasileiro Monografia apresentada à Escola de Guerra Naval como requisito parcial para a conclusão do Curso de Política e Estratégia Marítimas. Orientador: Rio de Janeiro Escola de Guerra Naval 2009 CMG (RM1) Francisco Eduardo Alves de Almeida Dedico este trabalho à minha esposa e filho, sem os quais nada teria o menor valor. AGRADECIMENTOS A Deus, pelo dom da vida, por ter me concedido esta oportunidade evolutiva, por ter me dado saúde para sobrepujar os desafios do curso e pela tranquilidade e equilíbrio concedidos nos momentos mais difíceis. Aos meus pais, Marly e Dilermando (in memoriam), por todos os sacrifícios praticados em meu nome, pelos fundamentos morais e de conduta ensinados e por serem responsáveis por quem sou hoje, minha eterna gratidão e admiração. À minha esposa Alessandra, pela vida compartilhada em mais esta etapa de nossas atribuladas e gratificantes existências, pelo carinho e compreensão demonstrados. E ao meu filho Luiz Phillipe pelos períodos de renúncia de estarmos juntos que foram necessários à elaboração de tão importante trabalho. Aos amigos e parentes, pelo incentivo, apoio e compreensão da privação do convívio, de quem foram roubados dias de convivência que são difíceis de resgatar. Por último, agradeço ao meu orientador, Capitão-de-Mar-e-Guerra (RM1) Francisco Eduardo Alves de Almeida, pelas orientações, gentileza e a forma fidalga com que sempre me atendeu e que, certamente, contribuíram para uma melhor compreensão dos assuntos abordados nesta monografia. RESUMO A elevação da renda per capita nos países em desenvolvimento, a alta das vendas de veículos e a migração do campo para a cidade de cerca de 400 milhões de habitantes, apenas na India e na China, são alguns dos fatores que deverão elevar a demanda de energia no planeta ao longo dos próximos anos. Em paralelo, as pressões ambientais para reduzir as emissões de poluentes globais, como o dióxido de carbono, deverão aumentar tanto entre as economias desenvolvidas quanto nas em desenvolvimento. Nesse cenário, a energia nuclear deve ganhar espaço na matriz energética mundial, após ter passado por quase duas décadas com crescimento decepcionante, devido, principalmente, pelos acidentes nas usinas nucleares de Chernobyl (URSS) e Three Mile Island (EUA). Analisam-se quais são as motivações que provocaram o renascimento da energia nuclear no cenário mundial, bem como qual a sua participação na malha energética nacional e a sua tendência futura, diante dos planejamentos energéticos de médio e longo prazo elaborados pelo governo federal. A Marinha Brasileira tem um grande interesse nestes rumos aos quais a malha energética brasileira vem sinalizando, pois o novo Programa Nuclear Brasileiro (PNB), em cujo contexto está o Programa Nuclear da MB (PNM), permitirá o domínio e autossuficiência de todo o processo do ciclo de combustível nuclear, a construção de novas usinas nucleares, bem como o retorno de investimentos para a retomada do PNM, após ter sido mantido em “estado vegetativo” por mais de 5 anos pelas restrições orçamentarias. Avaliam-se os projetos que compõem o novo PNB, quais as expectativas da maior participação da energia nuclear na malha elétrica nacional e quais as repercussões e reflexos para a MB, tanto no PNM quanto em outras áreas da MB, principalmente no campo da medicina nuclear. Dentro de um enfoque de identificar quais as oportunidades e ameaças para a MB em função do crescimento do PNB, utiliza-se uma ferramenta de diagnóstico estratégico no PNM, com o emprego da Análise SWOT, que geram fatores para subsidiar o seu planejamento e estabelecer estratégias de ações. Palavras-Chave: Malha Energética Nacional. Programa Nuclear Brasileiro. Programa Nuclear da Marinha do Brasil. ABSTRACT The increase in per capita income in developing countries, the increase in vehicle sales and migration from rural to urban areas of about 400 million people, only in India and China, are among the factors that should increase the demand for energy the planet over the next few years. In parallel, the environmental pressures to reduce emissions of global pollutants such as carbon dioxide, to increase both between developed economies and the developing world. In this scenario, nuclear energy is gaining ground in the energy world, having spent nearly two decades with disappointing growth, mainly by nuclear accidents in Chernobyl (USSR) and Three Mile Island (USA). It examines what are the motivations that led to the rebirth of nuclear power on the world stage and that its participation in the national power grid and its future trend, before the energy planning of medium and long term established by the federal government. The Brazilian Navy has great interest in the course of which the Brazilian power grid are signs, as the new Brazilian Nuclear Program (PNB), in which context is the Brazilian Navy Nuclear Program (PNM) will allow the field and self-sufficiency of the whole process the nuclear fuel cycle, construction of new nuclear plants and the return on investment for the resumption of PNM after being kept in a "vegetative state" for over 5 years by budgetary constraints. We evaluate the projects that comprise the new PNB, the expectations of greater involvement of nuclear energy in national electricity grid and what the repercussions and consequences for the MB, both the PNM and in other areas of the MB, especially in the field of nuclear medicine. Within an approach to identify the opportunities and threats for the MB in terms of PNB growth, we use a strategic diagnostic tool in PNM, with the use of SWOT analysis, factors that generate to support their planning and develop strategies actions. Keywords: Lattice Energy National. Brazilian Nuclear Program. Brazilian Navy Nuclear Program. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Evolução da estrutura de energia..........................................................37 Figura 2 – Evolução do aproveitamento do potencial hidrelétrico brasileiro........40 Figura 3 – O ciclo do combustível nuclear............................................................58 Figura 4 – Organização do setor nuclear brasileiro...............................................62 Gráfico 1 – Oferta interna de energia no Brasil (2008).........................................21 Gráfico 2 – Oferta interna de energia no Brasil e no mundo.................................23 Gráfico 3 – Oferta interna de energia no mundo (2006)........................................25 Gráfico 4 – Brasil: capacidade instalada de geração elétrica 1974-2007...............31 Gráfico 5 – Brasil: matriz de oferta de energia elétrica em 2008..........................31 Gráfico 6 – Mundo: matriz de energia elétrica por fonte 1993-2006....................32 Gráfico 7 – Mundo: fator de capacidade das usinas nucleares..............................52 Gráfico 8 – Mundo: numero de reatores e capacidade instalada...........................53 Gráfico 9 – Emissão de CO2 das fontes de energia elétrica...................................56 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Oferta interna de energia no Brasil .....................................................22 Tabela 2 – Estrutura da oferta interna de energia por fonte...................................24 Tabela 3 – Matriz de consumo final de energia por fonte em 2008.......................26 Tabela 4 – Brasil: matriz de oferta de energia elétrica em 2008............................30 Tabela 5 – Tabela média de fornecimento de energia............................................37 Tabela 6 – Potencial hidrelétrico brasileiro por bacia hidrográfica em 2000........39 Tabela 7 – Mundo: Unidades do ciclo do combustível nuclear em 2009............123 LISTA DE ABREVIATURAS AIE AIEA ANGRA I ANGRA II ANGRA III BNDES CEA CNEN Agência Internacional de Energia Agência Internacional de Energia Atômica Primeira usina da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto Segunda usina da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto Terceira usina da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Centro Experimental de Aramar Comissão Nacional de Energia Nuclear Conselho CNPq COPESP Coppe-UFRJ CTMSP EMGEPRON EUA FINEP Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Coordenadoria para Projetos Especiais Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo Empresa Gerencial de Projetos Navais Estados Unidos da América Financiadora de Estudos e Projetos FDTE IME INB IPEN IPT LABGENE LADEP MB NUCLEP PNB PDTN PNM PWR TNP UF6 USEXA Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia Instituto Militar de Engenharia Indústrias Nucleares do Brasil Instituto de Pesquisa Energéticas e Nucleares Instituto de Pesquisas Tecnológicas Laboratório de Geração Núcleo- Elétrica Laboratório de Desenvolvimento de Equipamentos Propulsão Marinha do Brasil NUCLEBRAS Equipamento Pesado Programa Nuclear Brasileiro Programa de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear Programa Nuclear da Marinha Pressurized Water Reactor Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares Hexafluoreto de urânio Unidade de Produção de Hexafluoreto de Urânio de USP Universidade de São Paulo UTS Unidade de Trabalho Separativo UxC The U x Consulting Company SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 13 2 A MALHA ENERGÉTICA NACIONAL 16 2.1 Energia e Desenvolvimento 16 2.2 Análises das Matrizes Energéticas – Nacional e Mundial 19 2.3 A Matriz Elétrica Brasileira 26 2.4 Perspectivas do Planejamento Energético 33 3 O NOVO PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO 43 3.1 Gênese Histórica da Energia Nuclear 43 3.1.1 No Mundo 43 3.1.2 No Brasil 46 3.2 Ressurgimento no Cenário Internacional 50 3.3 Perspectivas da Energia Nuclear na Matriz Elétrica Brasileira 54 3.4 O Ciclo do Combustível e a Autossuficiência 58 3.5 Projetos e Metas do Programa 62 4 O PROGRAMA NUCLEAR DA MARINHA 67 4.1 Breve Descrição 67 4.2 A Análise SWOT: Oportunidades e Ameaças para a MB 68 5 CONCLUSÃO 75 REFERÊNCIAS 77 APÊNDICES – Entrevistas 82 ANEXO – Tabela 7 123 13 1 INTRODUÇÃO “If I have seen farther than the others it is because I was standing on the shoulders of giants”1 – Isaac Newton Com o novo Programa Nuclear Brasileiro (PNB), apresentado em 18 de agosto de 2008 pelo governo federal, o país ganha recursos para investir em diversos programas de desenvolvimento da tecnologia nuclear. No cenário em que a legislação ambiental se torna cada vez mais rigorosa, a energia nuclear apresenta-se com a inegável vantagem de não emitir gases responsáveis pelo efeito estufa e, por isso, vem sendo considerada uma das principais formas de combater o aquecimento global. Com relação à discussão sobre o destino dos rejeitos radioativos, o Presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), Francisco Rondinelli, fez a seguinte análise: Na verdade, o que está em questão não é a existência de uma solução definitiva, mas sim a viabilidade de reaproveitamento do combustível irradiado, uma alternativa hoje bastante eficiente do ponto de vista da gestão do armazenamento dos rejeitos. O material produzido pelos reatores tem um grande valor energético e, portanto, seu descarte é antieconômico. Em vez de rejeito, ele é matéria-prima para a fabricação de outro tipo de elemento de combustível. Isso hoje já acontece em alguns reatores em operação, que utilizam dióxido misto produzido a partir de combustível reprocessado. Acredita-se que a próxima geração de reatores poderá trabalhar com combustível totalmente baseado em óxido misto, o que permitirá reduzir fortemente o volume de rejeitos que, estes sim, efetivamente terão o destino do depósito definitivo. (ABEN, 2008, p. 3) A matriz energética nacional possui como estratégia para geração de energia elétrica o aproveitamento do nosso enorme potencial hidroelétrico, sendo considerada uma matriz das mais limpas2 do mundo, constituída por mais de 80% de energia proveniente de fontes renováveis. Entretanto, os novos projetos hidrelétricos para atender o aumento da demanda de energia possuem pouco incentivo devido à atual legislação ambiental, que desestimula o licenciamento de hidrelétricas com grandes reservatórios por possuírem, às vezes, um imensurável impacto ambiental. Este fato explica o aumento da participação das usinas térmicas movidas a combustíveis fósseis na matriz energética brasileira, que utilizam carvão mineral, óleo mineral, gás natural e produtos derivados do petróleo, considerados _______________ 1 2 “Se já vi mais longe que os outros é porque eu estava de pé sobre os ombros de gigantes” (tradução nossa). Refere-se às matrizes energéticas constituídas por fontes de energia com nenhuma ou pouca emissão de gases poluentes, principalmente do gás CO2 e, por isso, não contribuem para o aquecimento global ou efeito estufa. 14 extremamente prejudiciais ao meio ambiente por liberarem gases como o dióxido de carbono (CO2) e contribuírem para o efeito estufa. Portanto, a energia nuclear é uma opção para atender ao crescimento da demanda de energia pela sua grande capacidade de produção, pelo já domínio da tecnologia de todo o ciclo do combustível nuclear, incluindo o enriquecimento do urânio, e por ter o Brasil a sexta maior reserva de urânio do mundo, com somente 30% do território prospectado, existindo a expectativa de que o país abrigue a segunda maior reserva mundial. Em razão do apresentado, este trabalho pretende identificar as perspectivas da maior participação da energia nuclear na malha energética nacional em comparação com outras fontes de energia e verificar como está a questão nuclear dentro do atual cenário internacional e qual a sua tendência no futuro. Serão examinadas, também em função do crescimento do novo Programa Nuclear Brasileiro, as repercussões para a Marinha do Brasil (MB) do Programa Nuclear da Marinha, e em outras áreas da MB fora deste programa. Com isto, pretende-se enfocar quais são as oportunidades e as ameaças decorrentes do PNB para a MB. Para esta análise, este trabalho apresentará um estudo que evidenciará e avaliará a participação da energia nuclear na malha energética nacional e qual será a sua tendência; as oportunidades e ameaças para a Marinha do Brasil em função do crescimento do Programa Nuclear Brasileiro, tanto no Programa Nuclear da Marinha como em outras áreas da MB. A Marinha do Brasil possui um Programa Nuclear com aplicação à propulsão naval e que está inserido no contexto do Programa Nuclear Brasileiro. A justificativa para a pesquisa é que devem ser levantadas as repercussões para a MB considerando o crescimento e a retomada de aplicação de investimentos, conforme previsto no novo Programa Nuclear Brasileiro apresentado no ano de 2008. Com a pesquisa será possível identificar e ter conhecimento das oportunidades e ameaças existentes para o cumprimento do Programa Nuclear da Marinha do Brasil, permitindo, assim, a adoção de medidas para viabilizar o projeto de construção do submarino nuclear e a consolidação do domínio e da autossuficiência em relação a todo o processo do ciclo do combustível nuclear. A situação atualizada e a análise da malha energética nacional podem ser obtidas através do Balanço Energético Nacional (BEN) de 2008, documento elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e publicado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), sendo peça fundamental para as atividades de planejamento e acompanhamento do setor energético nacional. O BEN2008 contém a contabilidade relativa à oferta e o consumo de energia no 15 Brasil, bem como dos processos de conversão de produtos energéticos e do comércio exterior. A consolidação do PNM implica a conclusão do projeto de construção do submarino nuclear; e conquista do domínio e autossuficiência de todo o processo do ciclo do combustível nuclear. Atualmente, pouquíssimas nações estão capacitadas a construir, manter e operar submarinos nucleares, e, por motivos óbvios, guardam toda e qualquer informação referente ao tema como segredo de Estado e com o sigilo que o assunto requer. Por conseguinte, é natural que haja pouca disponibilidade de referenciais teóricos e literaturas de autores de renome sobre o assunto. Os pressupostos teóricos contidos no PNB e no PNM serão seguidos para a consecução dos objetivos deste trabalho. Com relação ao PNM, o Comandante da Marinha comentou alguns de seus pressupostos: Sendo um projeto estratégico do País e não só da nossa Instituição, o Programa Nuclear da Marinha (PNM), nascido em 1979, em que pese ficar restrito aos recursos orçamentários da própria Força, já apresenta avanços significativos, com o desenvolvimento de tecnologia própria em dois projetos: O Projeto do Ciclo de Combustível, que envolve o enriquecimento de urânio, empregando ultracentrifugadoras projetadas com tecnologia nacional, que já está pronto; e a conclusão do Projeto de construção de uma planta nuclear, inclusive do reator nuclear, para a produção de energia elétrica (Projeto LABGENE), com dimensões que permitam sua instalação em submarino de propulsão nuclear, o que ainda não está pronto. Esses dois projetos representam um salto tecnológico creditado aos cientistas e técnicos brasileiros. A conclusão do reator permitirá que o Brasil ingresse no seleto grupo dos países com capacidade de construir um submarino com propulsão nuclear. (MOURA NETO, 2009, p. 37) 16 2 A MALHA ENERGÉTICA NACIONAL 2.1 Energia e Desenvolvimento Ao longo de sua evolução, o homem desenvolveu meios para a obtenção dos alimentos e, em torno de 500 mil anos atrás, alguns hominídeos passaram a usar o fogo para se aquecer e assar os alimentos. Os seus descendentes Homo Sapiens, 100 mil anos atrás, começaram a dominar e controlar o processo de combustão, iniciando uma jornada de descobertas e aprimoramentos que nos trouxe até os dias atuais, com o uso cada vez maior da energia e que parece não terá fim. Ao longo do tempo, por meio de várias revoluções e de acordo com os recursos disponíveis e as suas necessidades, o homem aprendeu a produzir outras formas de energia. A de combustão, que servia apenas para preparar os alimentos, aquecer e fundir os metais, já não era suficiente, e passaram a usar a energia de animais (tração), dos ventos, e a do movimento das águas dos rios. Precisando de mais energia térmica e a madeira não sendo suficiente, aprendeu a usar o carvão mineral, o petróleo e, depois, a energia nuclear, ou seja, a energia é sinônima do desenvolvimento. Atualmente, um terço da população mundial ainda não tem acesso à eletricidade, enquanto a parcela consumidora de energia lança na atmosfera 800 toneladas de gás carbônico (CO2) por segundo, provocando uma poluição que causa, direta ou indiretamente, cerca de três milhões de mortes por ano (seis por minuto), de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) (ARTHOU, 2006, p. 93). A questão energética assume o caráter de desafio para os países em industrialização, quando se constata que 18% da população mundial, correspondente aos habitantes das nações desenvolvidas de economia de mercado, e que respondem por 78% da economia, consomem, praticamente, a metade da energia do mundo, ou seja, 48% da energia mundial (Empresa de Pesquisa Energética - EPE, 2009, p.17). O paradigma histórico do desenvolvimento das nações fortemente industrializadas, que hoje ocupam a vanguarda econômica do mundo, não deverá repetir-se. A Revolução Industrial trouxe consigo crescente demanda de energia e matériasprima que o mundo nunca havia visto; e o fantástico ritmo de expansão continuou através do século XX. Foi estimado, por exemplo, que nas primeiras duas décadas do século XX, a humanidade consumiu mais energia do que na totalidade do passado. Além disso, uma constatação similar manteve-se para cada período subsequente de 20 anos (BAUMOL, 1989, p. 212). 17 A Revolução Industrial requereu profundas modificações qualitativas no uso da energia. Antes, a produção e os serviços se fundavam na própria força de trabalho dos homens, complementada pela tração animal, pela utilização direta da força das águas e dos ventos, e pela lenha e carvão vegetal. Com a revolução, a lenha perdeu para o carvão mineral nos países de vanguarda industrial a sua posição de principal combustível. A industrialização se processava em países detentores de boas reservas de carvão, que dominou de forma absoluta o panorama energético. O desenvolvimento industrial do século XIX esteve intimamente ligado ao progresso tecnológico e às invenções no domínio da transformação e da utilização da energia. Trata-se no início, principalmente, das fornalhas e caldeiras para a produção de vapor destinado às máquinas que acionavam indústrias e propulsionavam locomotivas e navios. No Brasil não ocorreu a fase do carvão mineral e a industrialização foi tardia. As reservas de carvão se mostraram limitadas, de baixa qualidade e de difícil extração. É natural, portanto, que a lenha mantivesse, por muito tempo, a sua posição predominante no cenário energético nacional e que, em 1940, ainda representasse ¾ da energia total do país. O que se fez em matéria de desenvolvimento científico e tecnológico em pouco mais de um quarto de século, iria definir o fantástico crescimento do uso da energia no século XX e início do XXI, dominado pelo petróleo, que entrou em cena na economia mundial em 1854, a partir da perfuração bem-sucedida na Pensilvânia (EUA), e da expansão de refinarias para produção de querosene. A versatilidade do petróleo e seus derivados, a facilidade do seu manuseio e transporte, o suprimento sempre satisfatório em escala mundial a preço relativamente estável foram razões suficientes para sua crescente importância. Com isso, ocorreu a diversificação do progresso tecnológico com importantes invenções, como os motores de combustão interna desenvolvidos por Otto, Daimler e Diesel. Quase em paralelo, desenvolveram-se vários instrumentos que possibilitaram o emprego da energia elétrica3, como o dínamo de Siemens, a lâmpada de Edson, a alta tensão de Deprez e a corrente alternada de Tesla. A abundância e o preço baixo explicam, em grande parte, de um lado, a complacência dos usuários com os desperdícios de energia e, de outro, o desestímulo de _______________ 3 Em setembro de 1889, a primeira usina hidrelétrica da América do Sul foi inaugurada em Juiz de Fora, MG. A usina Marmelos, que foi idealizada pelo industrial Bernardo Mascarenhas, destinava-se a abastecer a sua fábrica de tecidos e a dotar Juiz de Fora de energia elétrica. O projeto foi contratado com a firma Max Northman & Co. e os equipamentos com a Westinghouse. A usina compreendia duas turbinas com potência total de 250kw. 18 inovações tecnológicas, tanto na busca de maior eficiência, como de novas fontes de energia. Apenas a energia nuclear, resultante de pesquisas com outras motivações, viria provocar novos desenvolvimentos tecnológicos nas décadas de 40 e 50. Entretanto, na década de 70 ocorreram dois choques dos preços do petróleo promovidos pela OPEP, o poderoso cartel dos países exportadores, e que vieram chamar a atenção da humanidade para a precariedade da produção de energia dentro dos moldes estabelecidos na época, e da dependência com relação ao petróleo como fonte de energia. Por consequência, o comando das ações passou das grandes empresas sediadas em países industrializados, que estivera em seu poder por décadas, para as mãos dos países exportadores, detentores de grandes reservas. Os preços tiveram elevação forte e rápida nas duas crises do petróleo: em 1973, de US$ 3,00 para US$ 12,00 e, em 1979, de US$ 12,00 para US$ 40,00, alterando a relação entre os preços dos energéticos e entre estes e os demais preços e, ainda, de forma diversa em cada país. No período compreendido entre os dois choques do petróleo, e em função principalmente do comportamento dos países industrializados, ocorreu, em escala mundial, uma redução significativa da parcela do petróleo e menos acentuada do carvão mineral e, ao contrário, cresceu significativamente a importância do gás e incorporou-se a energia nuclear. No caso do Brasil, a redução do papel do petróleo teve, em contrapartida, um forte acréscimo da hidroeletricidade. Em se tratando da composição da demanda final de energia, o fenômeno dominante no intervalo de vinte anos, entre o início dos anos 70 e o início dos anos 90, foi o crescimento contínuo da participação relativa da eletricidade. No conjunto dos países industrializados, essa proporção passou de 25% para 38%, enquanto no Brasil também subia de 21% para 39% (LEITE, 1997, p. 259). Há uma correlação nítida, bastante generalizada, entre a evolução da produção global, medida pelo Produto Interno Bruto – PIB, e o correspondente consumo global de energia, medida em toneladas equivalentes de petróleo – tep4 (ibidem, p. 35). Essa relação é tanto mais forte quanto maior o peso do segmento industrial, tanto na economia quanto no consumo de eletricidade. À relação entre o consumo de energia e o PIB dá-se o nome de intensidade energética do PIB. A relação entre o crescimento do consumo de energia e o crescimento da economia costuma-se denominar elasticidade-renda da demanda. _______________ 4 Unidade de medida de energia adotada como referência para comparação entre as diversas fontes de energia, correspondendo à quantidade de energia contida em uma tonelada de petróleo de referência. O petróleo de referência passa a ser o de 10.000 Kcal/kg e os fatores de conversões passam a ter como base os poderes caloríficos inferiores das fontes de energia. Para a energia hidráulica e eletricidade passam a ser considerados que 1 kWh = 860 Kcal (10 Princípio da Termodinâmica). 19 Tem sido objeto de estudo por muitos em várias bibliografias a relação energiadesenvolvimento, incluindo-se o estabelecimento da causa e efeito entre essa relação com os danos ao meio ambiente. Para demonstrar o comportamento da relação do consumo de energia de um país e o seu desenvolvimento econômico e social, têm sido levantados e analisados vários indicadores comparativos, como: o consumo de energia per capita, intensidade energética (I=E/PIB), elasticidade de renda da demanda (Δ consumo relativa/∆ PIB relativo), índice de desenvolvimento humano (IDH), índices sociais (analfabetismo, expectativa de vida, mortalidade, fertilidade) em relação ao consumo etc., sendo que dentre todos eles, o IDH é o índice considerado o mais abrangente e superior em todos os aspectos (GOLDEMBERG, 2009). A conclusão a que se chega é não ser realista a ideia simplista de que a conservação da energia e o aumento do uso dos renováveis podem resolver os problemas ambientais e de fornecimento sustentável nas próximas décadas. Todas as fontes de energia serão necessárias, apesar dos esforços de conservação de energia dos países emergentes, em industrialização e dos industrializados. Deve-se procurar o equilíbrio, na delicada situação entre a paralisia econômica, com suas consequências dolorosas, e o desenvolvimento. No futuro, terão de ser encontradas formas de promover o desenvolvimento, minimizando, ou evitando completamente, os problemas ambientais (ibidem, 2009, p. 217). 2.2 Análises das Matrizes Energéticas – Nacional e Mundial No mundo, o momento atual é particularmente instigante, pois apresenta dois desafios de extrema gravidade: a) dúvidas quanto ao horizonte de duração das reservas mundiais de petróleo; e b) alterações ambientais em escala planetária. Sob essa perspectiva, as chamadas energias renováveis passaram a merecer maior atenção internacional. O cenário do planeta está sob tal ponto de inflexão, que, mesmo a energia nuclear, tão rejeitada na ultima década, passa a ser considerada uma alternativa viável por não contribuir para o efeito estufa. Políticas de conservação e aumento da eficiência dos equipamentos de produção e usuários de energia certamente farão parte de alternativas de políticas públicas no futuro. Portanto, mais do que nunca, a competição entre fontes de energia deve ser analisada sob esses paradigmas: o da eficiência energética e o da preservação dos recursos naturais. Obviamente, todas as formas de produção de energia afetam de algum 20 modo, em diferentes graus, o meio ambiente, pois todas advêm da transformação dos recursos naturais, mesmo as chamadas energias renováveis podem também causar problemas5 (CENTRO DE PESQUISAS DE ENERGIA ELÉTRICA - CEPEL, 2007, p. 622). A energia que atende às necessidades da sociedade em geral, movimentando a indústria, o transporte, o comércio e demais setores econômicos do país recebe a denominação de Consumo Final no Balanço Energético Nacional (CFE). Esta energia, para chegar ao local de consumo, é transportada por gasodutos, linhas de transmissão, rodovias, ferrovias etc., e distribuída através de diversos outros sistemas, cujos processos acarretam perdas de energia e em alguns casos emissão de CO2. Dados estatísticos mostram que a evolução, no Brasil, da Oferta Interna de Energia (OIE), as Perdas e o Consumo Final, no período 1970 a 2007, são consideradas as mais representativas de um balanço energético. Notou-se um crescente distanciamento entre a OIE e o Consumo Final, resultado do crescimento das perdas acima do crescimento do Consumo Final. As performances negativas do ano de 1981 resultam da recessão econômica mundial, provocada pelo aumento dos preços internacionais do petróleo em 1979. Em 1990, os resultados negativos foram reflexos do plano econômico da época, que bloqueou as aplicações financeiras da sociedade (EPE, 2009, p. 21). Anualmente, a Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia (MME), elabora o Balanço Energético Nacional (BEN), que documenta extensa pesquisa sobre o consumo, a produção e a comercialização das diferentes fontes energéticas em âmbito nacional. O BEN é uma publicação básica para qualquer estudo do planejamento do setor energético brasileiro e na formulação de políticas energéticas. Os levantamentos concluídos, até o momento, indicam que a demanda total de energia no Brasil (OIE), em 2008, atingiu 251,5 milhões de tep, montante 5,3% superior ao verificado em 2007 e equivalente a cerca de 2% da energia mundial (grifo nosso) (GRAF. 1). O crescimento verificado da OIE em 2008 ficou acima do patamar do crescimento da economia que, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam para um desempenho da economia de 5,1% em 2008 (IBGE, 2009, p. 2). _______________ 5 Por exemplo, a energia eólica, classificada como limpa, causa problemas de ocupação extensiva de terras, ruído e pode ser uma ameaça à vida de aves silvestres. A energia solar, apesar de não poluir na fase de operação, utiliza células fotovoltaicas cuja fabricação envolve a produção de materiais perigosos, como o arsênico, o cádmio ou o silício inerte. A queima de biomassa, apesar da absorção do CO2 emitido pelo replantio, polui a atmosfera com particulados. A biomassa estaria associada às extensas áreas voltadas para o cultivo de energéticos, podendo deslocar o plantio de outras culturas voltadas ao consumo humano. 21 Dois fatores contribuíram para a formação do crescimento da demanda por energia: a) os resultados negativos alcançados pelos setores exportadores, especialmente os intensivos em energia (metalurgia, química e açúcar); e b) o bom desempenho da demanda interna de bens e serviços. GRÁFICO 1: Oferta interna de energia (OIE) no Brasil (2008) Fonte: Empresa de Pesquisa Energética – EPE (2009, p. 6). Conforme pode ser analisado na TAB. 1, o aumento na demanda total por fonte de energia se deu com redução relativa do uso das fontes renováveis (hidráulica, biomassa e outras). De fato, houve crescimento de apenas 4,1% na energia proveniente dessas fontes, enquanto as não-renováveis cresceram 6,4% (petróleo e derivados, gás natural, carvão mineral e urânio). Com isso, a energia renovável passou a representar, em 2008, 45,4% da Matriz Energética Brasileira, enquanto em 2007 a participação foi de 45,9%. (grifo nosso). 22 TABELA 1 Oferta interna de energia (OIE) no Brasil Fonte: EPE (2009, p. 6). Com uma demanda total de energia (OIE), em 2008, de 251,2 milhões de tep, o Brasil atingiu um consumo de energia per capita de 1,34 tep/hab, indicador 3,9% superior ao de 2007, mas ainda inferior à média mundial, de 1,8 tep/hab, e muito inferior à média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) 6, de 4,7 tep/hab. Como componentes da OIE, as perdas na distribuição e transformação de energia corresponderam a 10%, e o consumo final de energia (CFE) a 90%. Na constituição do CFE, cujo montante foi de 225,2 milhões de tep, a distribuição por grupo consumidor foi da seguinte maneira: 36,5% em indústrias, 27,8% em transportes, 10,4% no setor energético, 10,0% de uso residencial e 15,2% em outros setores. A oferta interna de energia renovável no Brasil corresponde a 45,4% da OIE total em 2008, o que equivale a 114,2 milhões de tep. Esta proporção é uma das mais altas do mundo, contrastando significativamente com a média mundial, de 12,9%, e mais ainda com a média dos países que compõem a OCDE, em sua grande maioria países desenvolvidos, de apenas 6,7% (GRAF. 2) (grifo nosso). Em 2008, a demanda por energia renovável no Brasil passou por redução absoluta na energia hidráulica, ficando a lenha praticamente estável. Os derivados da cana-de-açúcar continuaram a trajetória de aumento de participação na malha _______________ 6 São os seguintes os 30 países membros da Organisation de Coopération et de Développement Économiques (OCDE): Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coreia do Sul, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Noruega, Nova Zelândia, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Eslovaca, República Tcheca, Suíça, Suécia e Turquia. Além desses países, também integra a OCDE os países da União Europeia. 23 energética brasileira (MEB). De fato, as participações de 16,6% na MEB e de 37% nas fontes renováveis de 2008, são maiores do que as verificadas em 2007, de 15,9% e de 34,5% respectivamente. Nos países desenvolvidos, a biomassa, de uso muito pouco representativo, mais que dobrou a sua participação na matriz energética, de 2,3%, em 1973, para 4,8%, em 2006, o que reflete a preocupação em atenuar as emissões de poluentes atmosféricos. A expressiva participação da energia hidráulica e o uso ainda representativo de biomassa, no caso do Brasil, proporcionam indicadores de emissões de CO2 bem menores que a média dos países desenvolvidos. No país, a emissão é de 1,44 toneladas de CO2 por tep da OIE, enquanto nos países da OCDE a emissão é de 2,32 toneladas de CO2 por tep, ou seja, 62% maior. GRÁFICO 2 - Oferta interna de energia (OIE) no Brasil e no Mundo Fonte: EPE (2009, p. 8). Em 2008, o aumento na participação da energia não-renovável se deu em função das altas performances do gás natural e da energia nuclear. A despeito da conta petróleo ter mantido o equilíbrio no comércio externo, a dependência global do País por energia passou para 10,4% (foi de 8% em 2007), em razão dos incrementos nas importações de gás natural da Bolívia e de energia elétrica do Paraguai. O gás natural é o que vem apresentando as maiores taxas de crescimento na matriz energética, tendo quase triplicado a sua participação nos últimos anos, de 3,7%, em 1998, para 9,3%, em 2007. No ano de 2008, com significativa 24 performance, a participação passou a 10,2%. Nos últimos trinta anos, as matrizes energéticas do Brasil e do mundo apresentaram significativas alterações estruturais. No Brasil houve forte aumento na participação da energia hidráulica e do gás natural. Já nos países da OCDE, houve forte incremento da energia nuclear, seguido do gás natural. A perda de 13,5 pontos percentuais do petróleo e derivados na matriz energética da OCDE, entre 1973 e 2006, reflete o enorme esforço de substituição desses produtos, decorrente, principalmente, dos choques nos preços de petróleo ocorridos em 1973 e em 1979, como mencionado na seção 2.1, § 10º. No Brasil, a matriz energética teve a máxima participação do petróleo e seus derivados em 1979, quando atingiu 50,4%. A redução de 8,3 pontos percentuais entre 1973 e 2008, evidencia que o país, seguindo a tendência mundial, desenvolveu, também, esforço significativo de substituição desses energéticos, sendo digno de nota, nesse caso, o aumento da hidroeletricidade e do uso de derivados da cana (álcool carburante e bagaço para fins térmicos) (TAB. 2). TABELA 2 Estrutura da oferta interna de energia por fonte ESPECIFICAÇÃO BRASIL 1973 OCDE 2008 1973 MUNDO 2006 1973 2006 45,6 37,3 52,8 39,3 46,1 34,4 0,4 10,2 18,8 22,6 16,0 20,5 CARVÃO MINERAL 3,1 5,7 22,5 20,8 24,5 26,0 URÂNIO 0,0 1,5 1,3 10,6 0,9 6,2 HIDRÁULICA E ELETRICIDADE 6,1 13,9 2,1 1,9 1,8 2,2 44,8 31,5 2,5 4,8 10,7 10,7 PETRÓLEO e DERIVADOS GÁS NATURAL BIOMASSA TOTAL (%) TOTAL - milhões tep Fonte: EPE, 2009, p. 10. 100,0 82 100,0 252 100,0 3.747 100,0 5.590 100,0 6.115 100,0 11.741 A produção nacional de petróleo viveu, também, grande desenvolvimento, graças a vultosos investimentos em prospecção e exploração, que permitiram à Petrobras a aplicação de tecnologia pioneira no mundo de extração de petróleo em águas profundas, com lâminas d’água de mais de 1.000 metros. O resultado foi o considerável aumento do volume medido, ou seja, pronto para ser tecnicamente explorado, das reservas nacionais totais de petróleo, de 283 milhões de m³ em 1979, para 2 bilhões de m³ em 2007. Neste mesmo período, a produção 25 de petróleo passou de 170 mil barris por dia para mais de 1,7 milhões de barris por dia. A diminuição da dependência externa, especificamente em relação ao petróleo, foi ainda mais significativa: de dependente em aproximadamente de 85% em 1979, o país passou à autossuficiência em 2005, e, em 2006, apresentou um superávit de 1,7% (calculado como a diferença entre a demanda interna de energia, inclusive perdas de transformação, distribuição e armazenagem e a produção interna) (EPE, 2009, p. 23). A indústria de energia elétrica também desenvolveu tecnologias no campo da construção e operação de grandes centrais hidrelétricas, bem como na operação de sistemas de transmissão a grandes distâncias e em corrente contínua. Seu parque gerador de eletricidade foi aumentado de 11 GW em 1970, para 30,2 GW em 1979, e superando os 100 GW a partir de 2007; somente em usinas hidrelétricas a capacidade instalada atinge, em 2007, valor próximo a 77 GW. O reflexo dessas medidas pode ser observado claramente, seja pela redução do grau de dependência externa de energia, seja pela evolução da matriz energética brasileira desde o início da década de 80 (EPE, 2009, p. 22). Portanto, pode-se observar o perfil da oferta de energia no Brasil, cuja evolução mostra uma forte alteração de estrutura, em função da redução da dependência externa de energia e da permanência ainda significativa das fontes renováveis de energia. Em relação ao mundo, os países da OCDE, com apenas 18% da população, respondem por 78% da economia e por 48% da energia (GRAF. 3). GRÁFICO 3 - Oferta interna de energia (OIE) no Mundo (2006) Fonte: EPE (2009, p. 7). 26 Analisando o consumo final de energia (CFE) em 2008, que atingiu 225,2 milhões de tep e com um montante 4,5% superior ao de 2007 (TAB. 3), registra-se uma taxa de crescimento menor do que a taxa da OIE, de 5,3%, fato que encontra explicação no aumento das perdas nas Centrais Elétricas de Serviço Público decorrentes da maior geração térmica. TABELA 3 Matriz de consumo final de energia por fonte em 2008 mil tep ESPECIFICAÇÃO 08/07 % 2007 2008 DERIV. PETRÓLEO 89.331 93.074 4,2 GÁS NATURAL 15.502 16.076 3,7 CARVÃO MINERAL 12.050 11.966 -0,7 ELETRICIDADE 35.443 36.958 4,3 BIOMASSA 63.238 67.173 6,2 215.565 225.247 4,5 TOTAL Fonte: EPE/MME (2009, p. 13). O setor energético apresentou a maior taxa de crescimento na composição setorial do CFE, de 11,6%, alavancada pelo uso térmico do bagaço oriundo da produção de álcool (20% de aumento na produção de álcool em 2008). O Setor de Transportes apresentou, também, significativa taxa de crescimento, em razão da performance dos combustíveis do ciclo Otto (gasolina, álcool e gás natural), com 10,6% de crescimento. Este indicador reflete o forte acesso da população a bens duráveis. 2.3 A Matriz Elétrica Brasileira A geração elétrica no Brasil possui uma história diretamente associada à construção de usinas hidrelétricas. Existem registros de pequenas usinas construídas, por particulares, para a geração de energia já no final do século XIX. No entanto, no início do século XX, o mercado consumidor de energia elétrica ganhou um impulso extraordinário com o crescimento dos centros urbanos, a proliferação dos bondes elétricos e da iluminação pública, além da ampliação do número de indústrias no país. Isto requereu a construção de usinas para suprir o mercado, conforme mostra o recenseamento em 1920, que registrou 209 27 instalações funcionando à base de turbinas e rodas d´água (DIAS, 1988, p. 54). Mas foi na década de 30 que o país assistiu ao crescimento acelerado da demanda por energia elétrica, muito maior que o crescimento dos investimentos para a expansão do setor elétrico. As empresas geradoras, em especial o Grupo Light, passaram a operar as usinas no limite da capacidade de geração, mas as pequenas centrais hidrelétricas (PCH) construídas no início do século XX até a década de 30, não conseguiram suprir esse mercado e foram, aos poucos, desativadas ou pouco exploradas. A respeito do papel cumprido pelas PCH no passado e, agora, no presente, Leite (1997, p. 357) explica: Quanto às pequenas hidrelétricas, hoje tão em moda, foram elas em certa época relegadas em segundo plano, simplesmente porque as grandes usinas podiam gerar eletricidade mais barata e, em muitos casos, porque os correspondentes reservatórios, ao regularizar os deflúvios, podiam exercer concomitantemente o controle das inundações, a melhoria das condições da navegação fluvial e a irrigação. Elas se associaram, também, à constituição de redes de transmissão de energia, que propiciaram maior eficiência aos sistemas integrados. O Brasil possui uma vocação hídrica para a geração de energia elétrica inegável, o que traz uma importante vantagem competitiva em nível mundial, por ser uma fonte de energia renovável e com uma das mais baixas emissões de gases que provocam o efeito estufa, propiciando que o país tenha uma matriz elétrica das mais limpas em termos globais. É uma dádiva da natureza que, por sua vez, depende dos caprichos dessa própria natureza. O risco hidrológico associado à evolução da capacidade de armazenamento dos reservatórios das usinas hidrelétricas é um aspecto crucial da característica de preponderância hídrica do sistema elétrico nacional. Desde a década de 50, o Brasil teve dois grandes surtos de crescimento dos reservatórios, sendo um na década de 60 e outro na década de 70. Após esse período, o volume disponível de reservatórios tem crescido apenas marginalmente, enquanto a capacidade instalada vem crescendo em ritmo mais acelerado. Em decorrência desse descompasso, o risco de déficit se eleva, dado que, apesar de ter capacidade instalada, o sistema fica à mercê do regime hidrológico, que pode conduzir a crises de abastecimento, como foi o caso em 2001. A capacidade de estocar energia nas barragens, que já foi de dois anos, estava reduzida há 5,8 meses em 2003. Um sistema hídrico que se autorregule para enfrentar um ano seco como o de 2001, necessita no mínimo de cinco meses de energia hídrica armazenada. As usinas hidrelétricas que estão programadas para entrar em operação terão razão acumulação/produção da ordem de dois meses, fazendo com que essa razão 28 continue a cair para o conjunto das centrais hidrelétricas brasileiras (OTHON, 2006, p. 78). O país enfrentou uma grave crise no setor elétrico em 2001, que submeteu todos os setores da sociedade, direta ou indiretamente, a um período de racionamento, conhecido como “apagão”, que nada mais foi que o desligamento de consumidores por falta de potência elétrica disponível, decorrente de fatores hidrológicos, dentre outros, que reduziram drasticamente os níveis dos reservatórios de água em consequência da falta de chuvas. O fenômeno também está associado à escassez de investimentos para ampliação do parque gerador de energia elétrica e à falta de um planejamento e política energética eficaz de longo prazo, aliada a uma regulamentação estável para o setor (GARCIA, 2008, p. 12). Por ocasião das privatizações das empresas estatais e subsidiárias da Eletrobrás, ocorrida na segunda metade da década de 90, houve desmobilizações dos planejamentos existentes, de médio e longo prazos, para expansão da geração de energia por parte das empresas privadas vencedoras dos leilões, tornando, assim, o sistema mais vulnerável ao regime de chuvas (informação verbal) 7. Em consequência disto, ocorreu um descompasso entre o crescimento da potência instalada sem o crescimento proporcional na capacidade de armazenamento dos reservatórios. Numa análise da referida crise, o professor e cientista José Goldemberg (2009) declara textualmente: A causa imediata foi a falta de chuvas ocorridas nos anos anteriores, mas a causa mediata e real foi o fato de a capacidade de armazenamento dos reservatórios não ter aumentado desde meados da década dos 80, tornando o sistema muito vulnerável ao regime de chuvas. Contribuiu também a falta de interligação dos sistemas de geração Sul-Sudeste. Foi necessário haver uma crise energética da magnitude da que ocorreu em 2001 no Brasil, para que uma nova postura passasse a vigorar, com o objetivo de minimizar os possíveis efeitos de um novo racionamento nos próximos anos, decorrente de outros ciclos hidrológicos desfavoráveis. Após o racionamento, diversos estudos foram feitos no sentido de se evitar a repetição do evento, entre eles o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA) e o estabelecimento de premissas que serviriam de base, mais adiante, para o novo modelo regulatório do setor elétrico (GARCIA, 2008, p. 16). Uma das iniciativas com o intuito de promover a diversificação da matriz elétrica _______________ 7 Informe repassado por ocasião de entrevista do professor e cientista José Goldemberg ao autor da monografia, ocorrida no Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP (IEE/USP), em 17 de julho de 2009. 29 brasileira e de buscar alternativas para aumentar a segurança no abastecimento de energia elétrica, foi a criação, pelo governo, do PROINFA8. Este programa tem o objetivo de aumentar a participação da energia elétrica produzida por empreendimentos com base em fontes eólica, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas (PCH) 9. O prazo para o início de operação desses empreendimentos se encerra em 30 de dezembro de 2010. O Programa prevê a implantação de 144 usinas, totalizando 3.299,40 MW de capacidade instalada, sendo 1.191,24 MW provenientes de 63 PCH, 1.422,92 MW de 54 usinas eólicas, e 685,24 MW de 27 usinas a base de biomassa. Toda essa energia tem garantia de contratação por 20 anos pela Eletrobrás. A necessidade de centrais térmicas para a geração de eletricidade no Brasil não é motivada, apenas, pelo esgotamento do potencial hídrico em médio prazo, como pode ser visto, mas para fazer frente aos riscos hidrológicos. Ela advém da necessidade de regulação do sistema, uma vez que a construção de novas hidrelétricas com grandes reservatórios de acumulação vem sofrendo sérias restrições para a obtenção de licenciamento ambiental. A imaginada complementaridade dos regimes de chuva das bacias hidrográficas brasileiras, que garantiria a autorregulação do sistema, não é corroborada pelos dados históricos de vazões. As regiões brasileiras, com exceção da Região Sul, apresentam meses de secas mais ou menos coincidentes. O país está passando por um divisor de águas, em que a malha elétrica de virtual monopólio da hidroeletricidade no Sistema Interligado Nacional (SIN) apresenta a tendência de evolução para uma situação em que a componente hidrelétrica continuará a predominar e ter precedência, porém ao lado de uma importante componente termelétrica, necessária para garantir a operação segura do sistema. Isto é, o sistema elétrico nacional está passando por uma transição de uma situação quase 100% hídrica, para uma condição hidrotérmica. A geração hidrelétrica manterá o seu protagonismo, porém ao lado de uma componente termelétrica com o objetivo de prover a necessária regulação plurianual do nível dos reservatórios, minimizando os riscos hidrológicos associados, assim como, complementando a _______________ 8 9 O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA) foi instituído conforme descrito no Decreto nº 5.025, de 2004. As Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) são caracterizadas por possuírem potência instalada superior a 1.000kW e igual ou inferior a 30.000 kW, destinadas à produção independente, autoprodução ou produção independente autônoma, com reservatórios de área inferior a 3,0 km2, ou, no caso da área do reservatório maior que 3,0 km2, respeitando a potência mencionada que atenda à seguinte inequação: A ≤14,3 x P/ Hb; onde: A = área do reservatório (km2); P = potência elétrica instalada (MW); Hb = queda bruta (m), definida pela diferença entre os níveis d’água máximos normal de montante e normal de jusante. Neste caso, deve ser respeitado o limite máximo de 13,0 km2 de área do reservatório e a potência de 30.000 kW (Resolução ANEEL n° 652, de 09/12/2003). 30 capacidade instalada e dando segurança ao suprimento de energia elétrica, capaz de atender a um desenvolvimento econômico sustentável (OTHON, 2006, p. 78). As análises quantitativa e qualitativa da atual matriz elétrica brasileira passam pela Oferta de Energia Elétrica do País, que, em 2008, mostra crescimento de 4,2% em relação a 2007, atingindo montante de 503,5 TWh, incluídos 50,1 TWh de geração de autoprodutores (10% de participação) e 42,1 TWh de importação líquida (8,4%). Na composição da matriz de oferta, os destaques ficam com os incrementos das gerações por gás natural (91%); por biomassa (35%); por carvão mineral (20%); e por derivados de petróleo (17%). A geração hidráulica teve retração de 2,4%, demonstrando o cuidado do planejamento com a manutenção satisfatória dos níveis dos reservatórios com os períodos de estiagem ocorridos naquele ano (TAB. 4). TABELA 4 Brasil: Matriz de oferta de energia elétrica em 2008 ESPECIFICAÇÃO HIDRO NUCLEAR GÁS NATURAL CARVÃO MINERAL DERIVADOS DE PETRÓLEO BIOMASSA GÁS INDUSTRIAL IMPORTAÇÃO TOTAL GWh 2007 2008 374.015 12.350 15.497 6.792 365.062 13.969 29.596 8.179 13.333 08/07 % Estrutura (%) 2007 2008 -2,4 13,1 91,0 20,4 77,4 2,6 3,2 1,4 72,5 2,8 5,9 1,6 15.577 16,8 2,8 3,1 18.104 4.492 38.832 24.398 4.638 42.060 34,8 3,2 8,3 3,7 0,9 8,0 4,8 0,9 8,4 483.415 503.480 4,2 100,0 100,0 Fonte: EPE (2009, p. 11). Nota: a) Hidro inclui autoprodutores (50,1 TWh); b) biomassa inclui 559 GWh de eólica em 2007 e 557 GWh em 2008; c) carvão mineral inclui geração por gás de coqueria; d) gás industrial inclui gás de alto forno, gás de aciaria e calor de processamento de enxofre. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a capacidade instalada de geração elétrica foi acrescida de 2.160 MW em 2008, assim distribuídos: 653 MW correspondendo a Usina Termelétrica (UTE) à biomassa; 643 MW a Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH); 375 MW de UTE ao gás natural; 198 MW de UTE ao óleo diesel e óleo combustível; 180 MW de UHE e 75 MW a usinas eólicas. Como resultado, a capacidade instalada de geração, em 31/12/2008, atingiu 102,6 GW. Considerando a possibilidade de importação de 8,2 GW, a capacidade de oferta de energia elétrica chega a 110,8 GW (ANEEL, 2009, p. 1). 31 De uma maneira geral, o GRAF. 4 mostra essa evolução, na qual se observa o salto de crescimento das usinas termelétricas a partir da crise energética ocorrida no Brasil em 2001, e a participação da fonte de energia nuclear. GRÁFICO 4 - Brasil: Capacidade instalada de geração elétrica 1974-2007 Fonte: EPE (2009, p. 123). Ainda em 2008 foram acrescentados à infraestrutura elétrica, 3.506 km de Linhas de Transmissão (LT), dos quais 955 km em 230 kV e 2.551 km em 500 kV. Como resultado, foi alcançado o montante de 94.800 km de LT em alta tensão, ao final do ano. GRÁFICO 5- Brasil: Matriz de oferta de energia elétrica por fonte em 2008 Fonte: EPE (2009, p. 11). 32 Sob a análise internacional, o Brasil apresenta uma significativa diferença na participação da energia hidráulica na Matriz de Oferta de Energia Elétrica de 81% contra um pouco mais de 16% no mundo (grifo nosso). Tal dinâmica contrasta com baixas participações no Brasil da geração a energia nuclear, a gás natural e a carvão mineral (GRAF. 5). A matriz mundial passou por significativas alterações em sua composição no período de 1973 a 2006, com fortes reduções de participação da geração por derivados de petróleo (de 24,7% para 5,8%) e da geração hidráulica (de 21% para 16%). Estas reduções foram compensadas por acréscimos nas participações do gás natural e do urânio (GRAF. 6) (EPE, 2009, p. 15). GRÁFICO 6 – Mundo: Matriz de energia elétrica por fonte 1993-2006 Fonte: EPE (2009, p. 12). A grande incerteza que cerca o comportamento do consumo de energia elétrica está no segmento industrial, até agora o mais afetado pela crise. A partir de outubro de 2008, a trajetória do consumo industrial, 46,5% do total, foi declinante até janeiro de 2009. No primeiro semestre, o consumo médio mensal da indústria girou em torno de 13,1 TWh, bem abaixo da média registrada no segundo semestre de 2008, que foi superior a 15,2 TWh. Supondo a manutenção do ritmo de recuperação da atividade e do consumo industrial que já 33 se observa, estima-se que o total demandado pela indústria em 2009 atinja 166,7 TWh (projeção tendencial). Os setores industriais mais afetados pela crise respondem por grande parte da retração do consumo de energia elétrica no setor secundário, principalmente nas regiões Sudeste e Nordeste. Foi intensamente afetado, por exemplo, o consumo na cadeia da metalurgia básica desde a extração do minério de ferro até a produção da gusa e de ferro-liga e, ainda, a siderurgia. Nesse contexto, é no Sudeste onde se verifica a retração mais profunda do consumo industrial de energia, principalmente em Minas Gerais e no Espírito Santo, onde há importantes consumidores nos setores metalúrgicos e siderúrgicos. O consumo semestral de 42,9 TWh na região é comparável ao registrado em 2004. Já a evolução do consumo na baixa tensão (consumidores residenciais e comerciais) está influenciada por efeitos estatísticos, que condicionam taxas de crescimento mais elevadas no primeiro semestre, e relativamente mais baixas na segunda metade do ano. De qualquer modo, o consumo nessas classes poderá crescer próximo de 5% em relação a 2008. Nessas condições, tendo em conta que o consumo apurado no primeiro semestre do ano ficou abaixo do esperado e que, além disso, a perspectiva de crescimento para a economia em 2009 sofreu redução de 2% para 0,5%, a taxa de crescimento do consumo nacional de energia elétrica na rede para 2009, relativamente a 2008, foi revista de 1,2% para 0,5% a -1% (grifo nosso). Isto resulta em valores do consumo total entre 388 e 391 TWh. Note-se que, conforme mencionado, as projeções já consideram uma recuperação do consumo de energia no setor industrial no segundo semestre (EPE, 2009, p. 2). 2.4 Perspectivas do Planejamento Energético A cenarização da evolução da demanda e da oferta de energia é uma tarefa que vem desafiando o setor de planejamento das empresas energéticas e dos órgãos governamentais nas últimas décadas no Brasil e no mundo. Esta atividade ganha nova relevância com as transformações por que vem passando o setor energético brasileiro. Em um ambiente cada vez mais competitivo, onde cada agente procura realizar de forma isolada e setorial suas próprias projeções, torna-se fundamental para o funcionamento destes próprios agentes e dos órgãos reguladores a existência de estudos que procurem trabalhar as diferentes formas de energia de forma integrada. (TOLMASQUIM, 2000, p. 13) Na área energética, cabe ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) a formulação de políticas e diretrizes de energia para o desenvolvimento nacional equilibrado. O Ministério de Minas e Energia (MME) é o responsável pela concepção, articulação e 34 coordenação do planejamento energético nacional. Este planejamento é determinante para o setor público e indicativo para o setor privado das ações a serem desenvolvidas na área energética, devendo assim conter uma visão integrada da expansão da demanda e da oferta de diversos energéticos. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), empresa pública, vinculada ao MME, instituída em 2004, tem por finalidade prestar serviços de estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético, sendo desenvolvidas nas áreas da energia elétrica, nuclear, petróleo e gás natural, carvão mineral, fontes energéticas renováveis e eficiência energética, dentre outras. O planejamento do sistema energético nacional teve seu horizonte ampliado com a elaboração do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2008-2017) e do Plano Nacional de Energia (PNE) 2030 pelo EPE, sob coordenação do MME e apoio do Centro de Pesquisa de Energia Elétrica (CEPEL), órgão ligado à Eletrobrás. Os objetivos dos planos foram de definir um cenário de referência para a implementação de novas instalações na infraestrutura de oferta de energia, necessárias para se atender ao crescimento da demanda do mercado, segundo critérios de garantia de suprimentos preestabelecidos, de forma ambientalmente sustentável e minimizando os custos totais esperados de investimento, incluindo os socioambientais, e de operação. O PDE 2008-2017 foi recentemente aprovado pelo MME (3 de agosto de 2009), que esteve em consulta pública até final de fevereiro deste ano, em substituição ao plano anterior, PDE 2006-2015 (EPE, 2009, p. 7). Há uma significativa correlação entre a evolução da demanda total de energia e o nível de atividade econômica. Dessa forma, não é razoável fazer um exame prospectivo da demanda de energia de um país sem a concomitante análise da evolução do respectivo contexto econômico ao longo do horizonte de interesse. Estudos de natureza prospectiva de longo horizonte requerem a aplicação de métodos específicos, dentre os quais a abordagem de cenários está entre os mais indicados, especialmente por conta do elevado número de incertezas envolvidas. Para a elaboração dos estudos de planejamento energético de longo prazo, a EPE formulou cenários para a economia brasileira, sendo destacado um deles como o de referência no âmbito do Plano Nacional de Energia, o PNE2030. Os estudos posteriores da EPE, nomeadamente aqueles relativos ao Plano Decenal, utilizaram como pano de fundo esses cenários, que definem tendências de longo prazo. Não obstante, julga-se que aumenta a importância do papel do planejamento de médio e longo prazos, num ambiente incerto, para auxiliar na formação das expectativas dos 35 agentes do setor energético brasileiro, no sentido de buscar a utilização mais adequada dos recursos nacionais. Entende-se que as análises com horizonte decenal e de mais longo prazo não podem deixar que a eventual deterioração das expectativas de curto prazo contamine a visão para além da crise. No que concerne o setor elétrico, os principais papéis na expansão do sistema de energia elétrica pertencem aos agentes, tanto de geração e transmissão, quanto de distribuição, responsáveis, respectivamente, pelos investimentos e pela contratação da maior parcela de energia, com antecedência necessária à implantação dos novos empreendimentos. Para o setor elétrico, o planejamento tem, portanto, a função de orientar e subsidiar: a) a realização dos futuros leilões de compra de energia e de novos empreendimentos de geração e de transmissão; b) a definição de quais estudos de expansão da transmissão devem ser priorizados; c) quais estudos devem ser realizados de viabilidade técnico econômica e socioambiental de novas usinas geradoras; e d) quais estudos de inventários deverão ser feitos ou atualizados. Constatou-se em 2007 e 2008 que uma grande parcela da expansão de geração, foi devida a instalação de usinas termelétricas a combustível fóssil, pois já se encontrava definida pelo resultado de leilões já realizados. Assim, a configuração de expansão até o ano de 2013 não corresponde a um cenário elaborado pelo planejamento do sistema. Dentre as justificativas para a significativa contratação de termelétricas a combustível fóssil nos últimos leilões, deve-se ressaltar a dificuldade para a obtenção de licenças ambientais para os empreendimentos hidrelétricos. Na área de exploração e produção de petróleo e gás natural, elaboraram-se previsões de produção de petróleo e gás natural com base nas reservas dos campos em produção e em desenvolvimento. Portanto, é possível antever as condições de atendimento ao mercado e as possibilidades de exportação, bem como os investimentos necessários no parque de refino e na infraestrutura logística de petróleo e seus derivados. Vislumbra-se para o próximo decênio um novo papel para o Brasil no mercado mundial de petróleo, passando à condição de exportador líquido de petróleo e derivados, em função do desenvolvimento da produção em campos de petróleo já delimitados. Esta condição será posteriormente ampliada, a partir do desenvolvimento dos novos campos descobertos na nova e promissora província petrolífera conhecida como pré-sal. Na área do gás natural, foram levantadas as projeções de demanda de gás natural 36 das companhias distribuidoras locais, do consumo em refinarias, das fábricas de fertilizantes e das termelétricas. A competitividade entre o gás natural e fontes energéticas substitutas em cada segmento, como por exemplo, o óleo combustível no segmento industrial, constitui-se como orientadora na elaboração das projeções das demandas e, com este objetivo, foram analisadas as perspectivas dos preços de gás natural no cenário mundial e seus reflexos no Brasil. Projeta-se para o período decenal uma ampliação da participação do gás nacional na oferta total de gás, devido ao incremento da produção interna, mesmo considerando a perspectiva de novos terminais de gás natural liquefeito (GNL), além dos dois terminais, um no Rio de Janeiro e outro no Ceará, que iniciaram sua operação em 2009. Prevê-se também que a importação de gás boliviano permanecerá estável nos níveis atuais. Quanto aos biocombustíveis, foram analisadas as condicionantes de demanda e perspectivas de atendimento, focando o etanol carburante e o biodiesel. Para o etanol carburante, analisou-se a sua competitividade em relação à gasolina no novo mercado de veículos “flexfuel”, que apresenta taxas de crescimento expressivas, bem como o potencial de expansão da capacidade de oferta e sua logística de transporte, a estimativa de investimentos associados e o mercado internacional, avaliando-se as estimativas brasileiras de exportações. No que tange ao biodiesel, foram analisados aspectos de disponibilidade de insumos e de capacidade de processamento, a infraestrutura de escoamento da produção, o potencial de consumo, a perspectiva de preços nacionais e sua competitividade face ao diesel fóssil, bem como a existência de condições para que a demanda ultrapasse as metas estabelecidas pela Lei nº 11.097/2005, de 20% e 25% de mistura na gasolina. Os estudos do Plano 2030 referentes aos cenários econômicos e energéticos, para o país, foram estabelecidos para quatro trajetórias distintas, com as seguintes taxas anuais médias de crescimento do PIB, no período 2005/2030: cenário A com 5,1%, cenário B1 com de 4,1%, cenário B2 com de 3,2% e cenário C com 2,2%. Aos cenários econômicos foram associadas a quatro trajetórias de consumo energético distintas. A energia final é consumida de duas formas principais, como eletricidade ou como combustível, a análise aqui apresentada aborda estas duas formas. Partindo-se do consumo de 165 milhões de tep, registrado em 2005, espera-se evoluir para valores entre 309 e 474 milhões de tep, em 2030, em termos de consumo final de energia (exclusive o consumo próprio do setor energético e usos não energéticos). Quanto à energia elétrica, em particular, o consumo verificado em 2005, de 375 TWh, espera-se que se eleve para valores entre 847 e 1.244 TWh, em 2030, como mostrado na TAB. 5. 37 TABELA 5 Brasil: Taxa média de fornecimento de Energia (%) 2005-2030 Cenário A Cenário B1 Cenário B2 Cenário C Energia* 4,3 3,6 3,1 2,5 Energia Elétrica 5,1 4,1 3,9 3,5 Fonte: EPE (2009, p. 7). * Exclusive consumo no setor energético e usos não energéticos. Observa-se que há uma expansão da energia elétrica em qualquer um desses cenários, crescendo sempre a taxas maiores que as da energia em geral. Isto é devido ao fato de que, em todos os cenários, há um crescimento do setor de serviços na economia e aumento da participação de indústria de maior valor agregado, bem como o aumento da posse de equipamentos eletrodomésticos por parte da população. O cenário B1 foi priorizado para o estabelecimento das estratégias de expansão do sistema energético nacional, complementado com análises de sensibilidade. As matrizes energéticas correspondentes ao cenário B1 de 1970, 2005 e 2030 (valores projetados), são apresentadas na FIG. 1, onde podem ser elaboradas algumas análises a seguir. 100 80 60 40 20 0 . 1970 2005 FIGURA 1 – Evolução da estrutura de energia Fonte: EPE (2008, p. 28). 2030 38 A diversificação da matriz energética, no período de 2005-2030, está claramente demonstrada em sua evolução, onde haveria: a) uma redução significativa da utilização de lenha e carvão vegetal, de 13% para 5,5%; b) um aumento da participação do gás natural, de 9,4% para 15,5%; c) uma redução da participação do petróleo e derivados de 38,7% para 28%; d) uma elevação na participação das fontes energéticas oriundas de produtos da canade–açúcar e outras renováveis, (etanol, H-Bio, Biodiesel e outras), de 16,7% para 27,6%; e e) a manutenção da participação das fontes renováveis, atualmente em torno de 45%, diante do valor de 14% no mundo. A Matriz Energética brasileira apresenta uma elevada participação das fontes primárias de energia nacionais, mantendo-se o valor de 2005, de aproximadamente 90%, no ano de 2030, dentro das hipóteses deste Plano. Os estudos apontam a tendência de manutenção da liderança do diesel de petróleo, no setor de transporte, mesmo com a introdução do biodiesel e do diesel a partir de óleos vegetais (H-Bio), mantendo a taxa de 3,6% a.a. no período 2005-2030. Dentro do mercado do diesel de 260 milhões de litros por dia em 2030, estima-se que cerca de10% desse mercado será suprido pela ampliação do processo H-Bio nas refinarias, perfazendo a participação de 27 milhões de litros por dia, a partir de óleos vegetais. A competitividade da cana-de-açúcar para fins energéticos é o principal elemento que justifica a expansão expressiva da produção de etanol, com excedentes para exportação. Assim, há um aumento da produção dos demais derivados, em especial da biomassa destinada à geração de energia elétrica. Destaque-se que ao longo do horizonte, parte da biomassa será destinada à produção do etanol, pelo processo de hidrólise. No final do horizonte vislumbra-se uma redução do montante de etanol para exportação, em função do crescimento do consumo interno. O uso do etanol reduz a demanda de gasolina, aliviando pressões sobre o meio ambiente e a demanda e o refino do petróleo. A previsão de produção de etanol, no Brasil, em2030, é de 66 bilhões de litros por ano. No setor elétrico, o Brasil possui fontes primárias para produção de energia elétrica em quantidade suficiente para o suprimento do mercado de eletricidade, no horizonte além de 2030. No entanto, aspectos como a competitividade entre as fontes, diversificação da matriz energética, restrições socioambientais, racionalização do uso da energia leva a um portfólio múltiplo de alternativas na estratégia da expansão. As matrizes elétricas para os anos 39 de 2005 (verificada) e 2030 (projetada), para o cenário B1, destacando-se os comentários a seguir. A capacidade instalada da hidreletricidade no ano de 2005, considerando a parcela paraguaia de Itaipu, situou-se em torno de 75%, e prevê-se que esse percentual se mantenha no ano 2030. Em outras palavras, dentre as diversas fontes de geração, a hidreletricidade ainda se manterá predominante no período de 25 anos, 2005/2030. Considerando as demais fontes renováveis nacionais, centrais eólicas, biomassa da cana-de-açúcar e resíduos urbanos, a parcela de energia renovável para produção de eletricidade se situaria em torno de 81%, em 2030 (em 2008 foi de 86%), bastante elevada quando comparada com a média mundial atual de apenas 20% (em 2008 foi de 18%). O potencial hidrelétrico nacional permitiria a instalação de uma capacidade total de cerca de 260GW, como mostrado na TAB. 6. Deste total foi identificada uma parcela de 174 GW como aproveitável, sob o ponto de vista ambiental, até o ano 2030. Considerando a parcela atualmente em operação, acrescida do previsto no horizonte decenal até 2015, que totaliza 98 GW, estaria, portanto, disponível para aproveitamento, no período 2015/2030, um montante de 76 GW. Importante notar que grande parcela deste potencial encontra-se localizado na Região Norte, na Amazônia, como pode ser observado na TAB. 6 e ilustrado pela FIG. 2, que mostra a evolução da concentração das usinas hidrelétricas no Brasil. TABELA 6 Potencial hidrelétrico brasileiro por bacia hidrográfica em 2000 Fonte: ANEEL (2002, p. 19). 40 FIGURA 2 – Evolução do aproveitamento do potencial hidrelétrico brasileiro Fonte: ANEEL (2005, p. 38). Os estudos referentes à estratégia de expansão até 2030, para o cenário B1, considerando a conservação de energia, indicam, por razões de competitividade econômica com as termelétricas, a utilização da quase totalidade do potencial hidrelétrico avaliado como aproveitável até 2030. Assim, no horizonte do Plano, dos 174 GW considerados, estariam aproveitados, em 2030, aproximadamente 164 GW, o que representa 94% do montante disponibilizado, incluindo o aproveitado em 2005. Considerando que a capacidade instalada necessária para atendimento da demanda, em 2030, é de 225 GW, necessita-se em torno de 61 GW em outras fontes de geração não hidráulicas, com predominância para a geração térmica, num montante de 48 GW, incluindo o existente em 2005. Assim, os aproveitamentos hidráulicos da Região Norte, são necessários e estratégicos nesse plano de longo prazo. Nessa região encontra-se a maior parcela dos recursos hidrelétricos nacionais para desenvolvimento, a partir de 2010. O não aproveitamento desse potencial implicaria a necessidade de desenvolver um programa termelétrico adicional, em montantes da ordem de 50 GW (grifo nosso). As dificuldades relacionadas com os aspectos ambientais, de suprimento do combustível, e de custos de tal programa termelétrico seriam muito mais complexas do que o desenvolvimento das hidrelétricas amazônicas, com reflexos na dependência externa de energia e de importação de tecnologia. Na termeletricidade, os estudos apontam a necessidade de expansão de usinas em relação ao programa complementar termelétrico, operando prioritariamente na base, 41 resultando numa ênfase para as opções carvão mineral, nuclear e biomassa. Por essa razão o carvão mineral evolui de 2% para 3%, e a nuclear de 2,7% para 5%, na oferta de eletricidade no período 2005/2030 (grifo nosso). As usinas térmicas a gás natural, em regime de complementação, por razões de competitividade, seriam também incorporadas ao sistema energético. a) Nuclear – Os estudos indicam, por competitividade econômica, um montante mínimo de 4 GW, podendo alcançar 8 GW adicionais à Angra III, até 2030, localizados nas regiões Sudeste e Nordeste. Ou seja, para o PNE2030 a construção de 4 a 8 usinas nucleares de 1.000 MW, construídas duas a duas, e para o PDE 2008-2017 está incluída a conclusão de construção de Angra III (1.350 MW). Assim, estaria estabelecido um programa nuclear após as três unidades de Angra, no horizonte do Plano. Este programa nuclear apresenta o grande diferencial de não emitir os gases causadores do efeito estufa. b) Biomassa – A geração de energia elétrica a partir da biomassa é uma opção competitiva, ambientalmente viável e apresenta, para alguns combustíveis, diversidade sazonal dentro do ano, com a geração hidrelétrica. Quantidades adicionais de biomassa resultam das atividades agrícolas e do lixo urbano. Considerou-se um incremento de geração, em função da oferta prevista de combustível, de 4,75 GW para a biomassa, a partir de cana-de-açúcar e de 1,3 GW, a partir de resíduos urbanos e outras biomassas, ambos no período 2015/2030. c) Gás Natural – A geração de energia elétrica a partir do gás natural se insere no contexto de competição pelo uso desta fonte em outros setores como, por exemplo, matéria prima na indústria química e na geração de calor industrial. A tecnologia de geração termelétrica a gás natural apresenta, no entanto, vantagens socioambientais, de cronogramas de construção, de competitividade (com operação em regime de complementação), de flexibilidade e de confiabilidade, o que recomenda a sua inclusão, no horizonte do Plano. Os estudos indicaram uma expansão, no período 2015/2030, de 8 GW, podendo atingir 15,5 GW, em um cenário de demanda alta e de disponibilidade do combustível. O potencial eólico brasileiro para aproveitamento energético tem sido objeto de estudos e inventários desde a década de 1970, que culminaram com a publicação, em 2001, do Atlas do Potencial Eólico Brasileiro (BRASIL, 2001, p. 3). O Atlas apontou a existência de 42 áreas com regimes médios de vento, propícios à instalação de parques eólicos, principalmente nas regiões Nordeste (144 TWh/ano), Sul e Sudeste do país, (96,04 TWh/ano). Vale ressaltar que, nas regiões Sul e Sudeste, encontram-se os grandes centros consumidores, com maior necessidade de segurança e incremento no fornecimento de energia elétrica. Quanto à transmissão, estão previstos os sistemas de integração das usinas hidrelétricas da Região Amazônica ao Sistema Interligado Nacional (SIN), em particular as dos rios Madeira, Xingu e Tapajós. No horizonte do plano decenal há a previsão de interligação de dois sistemas isolados: Acre-Rondônia, a partir de dezembro/2009, e ManausMacapá, a partir de janeiro/2012. O Brasil se destaca por apresentar reduzidos índices de emissão, oriundos do setor energético, comparativamente ao resto do mundo. Projetam-se emissões de pouco mais de 770 milhões de toneladas de CO2 em 2030, com taxa anual média de 4,1%, enquanto a demanda de energia cresce a 3,6% a.a. Neste horizonte, os derivados de petróleo serão os maiores contribuintes para as emissões totais. Apesar de apresentar fatores de emissão menores do que os demais combustíveis fósseis, o gás natural expande sua contribuição para em torno de 17%, face à maior participação na indústria, bem como na geração elétrica. Por outro lado, tem-se uma maior participação das energias alternativas renováveis (como bioenergia e eólica) e das medidas de eficiência energética, tanto na matriz de combustíveis como na de energia elétrica, que contribuem para a minimização de emissão pela indústria da energia. Projeta-se, também, uma maior participação da energia nuclear, por ser a fonte de energia, até então utilizada comercialmente, que menos emite gases que provocam efeito estufa, considerando emissões em todo o ciclo de vida, desde a fabricação dos equipamentos. A expectativa para a malha elétrica nacional após 2030, considerando os estudos e previsões realizadas nos planos energéticos, é de que haverá um esgotamento de utilização do potencial hidráulico brasileiro, uma aceleração do programa complementar térmico, uma maior utilização de fontes alternativas energéticas menos agressivas ao meio ambiente, devendo haver maior aplicação de investimentos em desenvolvimento e pesquisa nessas fontes, maior incentivo a programas de eficiência energética e combate ao desperdício energético (EPE, 2009, p. 611). 43 3 O NOVO PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO O estudo deste capítulo está centrado na importância da questão nuclear para o mundo e para o Brasil, abordando aspectos relacionados com a sua origem, fundamentos teóricos, aplicações, vantagens, preconceitos e cuidados na sua utilização, no intuito de obter subsídios para o atendimento dos objetivos e as respostas das questões propostas no presente trabalho monográfico. Inicialmente, é apresentado um breve relato da história e dos princípios fundamentais, não sendo assim completos, onde foram apenas considerados os fatos basilares para o entendimento da situação atual e dos reflexos futuros da energia nuclear no mundo, no Brasil e na Marinha do Brasil (MB). O novo Programa Nuclear Brasileiro (PNB) é analisado em detalhes, avaliando-se os seus projetos e metas. São investigadas as motivações e aspirações para o ressurgimento da energia nuclear e as suas perspectivas da maior participação na malha energética brasileira, referenciando-se a dados de planejamento do capítulo anterior. Foi possível, também, ter um entendimento de como o Programa Nuclear da Marinha do Brasil (PNM) está contido no contexto do PNB e das repercussões para outras áreas da MB, principalmente a médica, sendo objeto de estudo no próximo capítulo. 3.1 Gênese Histórica da Energia Nuclear 3.1.1 No Mundo A Teoria Atomista foi desenvolvida, inicialmente, no quinto século antes de Cristo pelos filósofos gregos Leucipo e Demócrito, e afirma que o universo tem uma constituição elementar única, que é o átomo, partícula indivisível, invisível, impenetrável e possui movimento próprio. Somente no início do século XIX, os pesquisadores em química retornaram à hipótese atômica. Ela foi proposta por John Dalton em 1803, quando postulou que os elementos químicos consistem de átomos, partículas discretas de matéria, e que os compostos químicos são formados pela união de átomos de diferentes elementos. Amadeo Avogrado, Conde de Quaregna e Cerredo estabeleceram a hipótese da existência de moléculas como agrupamentos de átomo ao interpretar as leis de Gay-Lussac em 1811,. Após o ano de 1834, a 44 interpretação das leis de eletrólise, de Michael Faraday, permitiu a conclusão de que os átomos transportavam cargas elétricas. O russo Dmitri Mendeleev, em 1869, apresentou uma classificação periódica dos elementos na qual os átomos eram distribuídos por pesos atômicos. O primeiro modelo de átomo foi apresentado por J. J. Thompson (1856-1949), que ficou conhecido como “pudim de ameixas”, pois o núcleo positivo (pudim) se acha incrustado por elétrons (ameixas). J. J. Thompson é um dos principais físicos do período de transição entre a Física Clássica (século XIX) e a Física Moderna (século XX). Robert A. Millikan, físico americano, trabalhou nove anos na determinação da carga do elétron na sua célebre experiência da gotícula de óleo, tendo grande importância para o desenvolvimento da física atômica, na descoberta dos Raios X e da radioatividade. Roentgen, em 1895, descobriu um tipo de radiação que atravessava corpos opacos e impressionavam placas fotográficas. Como eram de natureza desconhecida, foram denominados Radiação ou Raios X, tendo sido apresentado por Poincarré, em 1896, os resultados desses estudos. Henri Becquerel, entusiasmado pelo trabalho de Poincarré, estabeleceu que os sais de urânio emitem radiações análogas às dos Raios X. Esses raios foram estudados por vários cientistas, até passar pelo célebre casal Curie (Pierre e Maria Curie). O casal já explicava a radioatividade como uma propriedade atômica. Descobriram as propriedades radioativas do tório, o elemento polônio (1898) e o elemento rádio (1910), após extrair 1 g do elemento ao tratar em torno de 10t de mineral. O início do Século XX foi caracterizado pelo enorme intercâmbio científico entre os EUA, Inglaterra, França, Itália e Alemanha, o que impulsionou, com a troca de informações, o desenvolvimento da atividade nuclear no mundo. Ernest Rutherford, em 1911, estabeleceu o modelo atual de átomo a partir do modelo de J. J. Thompson. Entre 1913 e 1915, Niels Bohr, estudando a estabilidade do átomo de Rutherford, estabeleceu os postulados das órbitas eletrônicas. A ideia original de quantificação da energia foi apresentada por Max Planck em 1901, e foi desenvolvida por vários cientistas, sendo que a mecânica quântica e a teoria da relatividade, de A. Einstein, são ferramentas poderosas para o campo da física atômica como da física nuclear. Rutherford propôs a existência do nêutron, que foi comprovada experimentalmente por Chawik em 1932. O pósitron, que é uma partícula de massa igual ao elétron e de carga positiva, foi determinado experimentalmente por Anderson, neste mesmo ano, em estudo de radiação cósmica. O brasileiro Cesar Lattes participou ativamente da descoberta do MÉSON II em experiência realizada nos Estados Unidos em 1948, dentro da 45 teoria para explicar o problema das forças nucleares. Este fato foi de grande importância para o desenvolvimento da física no Brasil, motivando a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, hoje um dos centros do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O italiano Enrico Fermi, um dos maiores físicos do século, está associado ao desenvolvimento da energia nuclear. Estavam previstas a fissão e a fusão nucleares. Devido à retórica de Mussolini, Fermi se deslocou para os Estados Unidos, após ter recebido, em 1938, o Prêmio Nobel pela produção de elementos transuranianos resultantes do bombardeamento de urânio por nêutrons. Ao reunir trabalhos e tendo a participação de outros cientistas estrangeiros que estavam nos Estados Unidos, incluindo Albert Einstein, e contando com o patrocínio e coordenação do governo americano do Presidente F. D. Roosevelt, no dia 2 de dezembro de 1942, Fermi e seu grupo conseguiram uma reação em cadeia autossustentável, entrando em operação o primeiro reator nuclear, dando início assim, à Era Nuclear (CNEN, 2000, p. 23, grifo nosso). Com o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), houve a interrupção da cooperação internacional na área nuclear, passando os Estados a tratar as pesquisas sobre o assunto como matéria sensível e recebendo elevado grau de sigilo. Contribuiu, também, para moldar a questão nuclear, o surgimento de uma disputa ideológica, política, econômica e militar entre os EUA e a URSS ao término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, criando uma bipolaridade internacional de liderança das duas potências e de defensores do capitalismo e do socialismo, originando a denominada Guerra Fria. Após 1945, os EUA eram o único Estado que detinha o conhecimento para a produção de artefatos nucleares e, por isso, tinha um papel relevante internacionalmente. Isto levou, também, a que as grandes potências daquela época buscassem desenvolver seus próprios programas nucleares para, assim, desempenharem um papel dissuasório perante outros Estados. Os EUA, diante deste contexto, estabeleceram políticas para evitar a disseminação do conhecimento nuclear, tendo a reação da URSS que, em 1949, se tornou o segundo Estado a detonar um artefato nuclear, iniciando a fase armamentista nuclear da Guerra Fria. Ocorreram, desta época em diante, a entrada das potências mais desenvolvidas neste grupo seleto: a Inglaterra, em 1952, a França, em 1960, e a China, em 1964. Esses Estados constituem um oligopólio possuidor de armas nucleares e são membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas com poder de veto. Ao longo dos anos, eles vêm dificultando o acesso à tecnologia do enriquecimento de urânio por meio de vários instrumentos, tanto políticos, como os 46 econômicos, e até os militares, como o Protocolo Adicional (1997) e a denominada trigger list (relação de materiais e equipamentos considerados sensíveis e proibidos de serem exportados) e a invasão do Iraque pelos EUA (RODRIGUES, 2006, p. 11). 3.1.2 No Brasil A importância do desenvolvimento da ciência e da tecnologia para a produção de energia nuclear no Brasil tem estimulado o debate nos meios acadêmico, político e militar a mais de 50 anos. O desfecho da Segunda Guerra Mundial, somado aos movimentos nacionalistas em defesa dos minerais radioativos e as atividades de pesquisa na área da física na década de 1950, contribuíram para despertar no interesse pela energia nuclear. Naqueles anos, um grupo formado de cientistas, empresários, técnicos do governo, militares e uns poucos parlamentares consideravam que promover a ciência e produzir energia nuclear contribuiria para superar o atraso crônico do país, ostentar sua grandeza cultural e garantir o poder político-militar. Nesse sentido, no discurso associado à produção de energia nuclear havia claras referências às seguintes questões: guerra, defesa e soberania nacional (ANDRADE; SANTOS, 2006, p. 2). As primeiras pesquisas na área nuclear no Brasil ocorreram nas escolas de física e engenharia de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte por cientistas europeus refugiados no Brasil devido às perseguições políticas em seus países, a partir dos anos 30. Mas foi em 1944 que, nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, se documentaram as primeiras pesquisas sobre teorias das forças nucleares. Um segundo movimento ocorreu no governo Getulio Vargas com a criação do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), em 1951, considerado um marco na história nuclear brasileira. Nomeado para ser o seu primeiro presidente, o almirante Álvaro Alberto continuava sua luta contra as pressões norte-americanas para exercer controle nas reservas mundiais de urânio e tório conhecidas naquela época. Em 1953, o almirante Álvaro Alberto negociou a compra de uma usina de yellow cake (urânio beneficiado) com a França e adquiriu quatro ultracentrifugadoras (para obtenção de urânio enriquecido) da Alemanha, cujo despacho para o Brasil foi vetado pelos EUA. Por pressões constantes norte-americanas, o almirante Álvaro Alberto foi exonerado da presidência do CNPq, ficando esvaziada a política de proteção das reservas brasileira e, no nesse mesmo ano, foram assinados dois tratados de cooperação nuclear com os Estados Unidos, após integrar-se ao programa americano "Átomos para a Paz” 47 10 . Em 1956 foi criada a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão subordinado à Presidência de República e transformado em autarquia, em 1962. Assim, a fim de assegurar a autonomia do novo órgão, foram transferidas do CNPq para a CNEN todas as atribuições afeitas à questão nuclear brasileira. A CNEN estava como órgão superior de planejamento, orientação, supervisão e fiscalização, encarregada de propor as medidas julgadas necessárias à orientação da política geral de energia atômica em todas as fases e aspectos. Desde então, cabe exclusivamente à CNEN: gerir o programa nuclear brasileiro; controlar os materiais nucleares; fomentar a produção de conhecimentos tecnológicos; formar recursos humanos; e a responsabilidade fiscalização e prospecção das reservas de materiais físseis e férteis (como o urânio e o tório), necessários ao programa nuclear. Neste mesmo ano, negociações conduzidas pela CNEN permitiram a entrega das ultracentrífugas ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo, para estudos dos pesquisadores. Entretanto, tais estudos foram encerrados e as centrífugas enclausuradas em instalações daquele instituto (ANDRADE; SANTOS, 2006, p. 4). Na década de 1950 foram criados dois institutos de pesquisa em física nuclear: em São Paulo, o Instituto de Pesquisas de Energéticas e Nucleares (IPEN) e, em Minas Gerais, o Instituto de Pesquisas Radioativas (IPR). Na presidência do almirante Octacílio Cunha (1956-1961), a CNEN firmou um convênio com o Instituto de Energia Nuclear (IEN), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), para o desenvolvimento de um projeto de construção de um reator de pesquisa. Uma equipe de engenheiros nucleares foi enviada para treinamento no laboratório norte-americano de Argonne, pelo programa "Átomos para a Paz". Batizado de Argonauta, o reator foi redesenhado e construído no Brasil e entrou em operação em 1965. A missão das instituições científicas ligadas ao setor nuclear, na década de 1950, deixa evidente que a política nuclear brasileira objetivava a busca da autonomia tecnológica para a produção de energia nuclear. Neste sentido, enquanto no Programa de Energia Atômica do governo Vargas, empreendido pelo CNPq, a montagem da infraestrutura de pesquisa em física nuclear foi o principal marco, a nova diretriz de política nuclear da CNEN visava à construção de reatores e o desenvolvimento do ciclo de combustível. Na década de 1960, as _______________ 10 Programa do presidente norte-americano Dwight D. Eisenhower proposto à ONU, em 1953, prevendo uma forma mais branda de controle do intercâmbio nuclear, sem exigir a aceitação incondicional de um regime internacional de salvaguardas. Buscava, de forma indireta, levar os Estados participantes a ficar sob sua orientação, controle e supervisão. 48 atividades de pesquisa tecnológica dirigidas pela CNEN com essa finalidade estavam correlacionadas com três grupos, a saber (ANDRADE; SANTOS, 2006, p. 7): a) o Grupo de Trabalho do Reator de Potência: instituído pelo CNEN em 1962 e teve a cooperação de técnicos franceses. O relatório de 1964 propunha a construção de uma central nuclear brasileira à base de urânio natural e a criação de uma subsidiária da Eletrobrás para administrar a usina; b) o Grupo do Tório: organizado no Instituto de Pesquisas Radioativas (IPR) da Universidade de Minas Gerais (posteriormente, UFMG), em 1965, contou com a colaboração das agências atômicas da Alemanha, França e Suécia, e desenvolveu um projeto de um reator de urânio natural, água pesada e tório. Propôs investimento na formação de pessoal e o desenvolvimento de uma linha autônoma de reatores; e c) o Grupo Lane: liderado, em 1968, pelo consagrado engenheiro americano e remanescente do Grupo Tório, James Lane, apresentou diretrizes ao PNB para a década de 80, como a escolha do tipo de reator, incentivo à industria nacional e operação integrada das hidrelétricas e térmicas. Em 1970, foi aberta concorrência internacional pelo Ministério das Minas e Energia para aquisição de um reator de potência a ser instalado em Angra dos Reis, que foi vencida pela empresa norte-americana Westinghouse. O Brasil assinou acordo com os EUA em 1972, no qual estes forneceriam urânio enriquecido, e que o reator de potência a ser vendido para o Brasil seria do tipo PWR (Pressurized Water Reactor - Reator a Água Pressurizada). Em 1974, a empresa Furnas Centrais Elétricas negociou a compra de suprimento de urânio, mas o negócio foi rejeitado pelo governo americano, que só o faria se o Brasil assinasse o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP). O dinheiro da aquisição do urânio foi devolvido e o governo brasileiro não assinou o TNP. Divergências políticas entre interesses do Brasil e dos EUA culminaram com a suspensão do fornecimento de combustível para a central ANGRA I e a decisão do governo brasileiro de buscar uma nova alternativa para a expansão da geração nucleo-elétrica e para a aquisição da tecnologia do ciclo do combustível nuclear. Em 1975, o Brasil firmou com a Alemanha o “Acordo sobre Cooperação para o Uso Pacífico da Energia Nuclear”, em que pretendia a construção de oito usinas nucleares de grande porte, a transferência das tecnologias envolvidas no ciclo de produção do combustível nuclear, além do projeto, engenharia e fabricação de componentes eletromecânicos de centrais nucleares e de instalações do ciclo. Coube às empresas do Sistema Nuclebrás - Empresas 49 Nucleares Brasileiras S.A., grupo constituído em 1975, absorver as tecnologias e implantar as unidades industriais abrangidas no Acordo. Com isso, encerra o processo de desenvolvimento autônomo para a produção de energia nuclear dos grupos ligados ao CNEN, uma vez que a compra da tecnologia alemã não levou em conta os estudos brasileiros sobre a pesquisa nuclear. Em 1979, com a implantação de o Centro Experimental Aramar (CEA), em Iperó SP, iniciou-se o então chamado Programa Nuclear Paralelo, desenvolvido pela MB e apoiado pelo Instituto de Pesquisas Energéticas Nucleares (IPEN/CNEN-SP, antigo Instituto de Energia Atômica - IEA), com o objetivo de desenvolver um reator para submarino nuclear e as tecnologias do ciclo de produção do seu combustível. No caso do enriquecimento de urânio, adotou-se o desenvolvimento da tecnologia de ultracentrifugação. No final de 1982, a parceria IPEN e Coordenadoria de Projetos Especiais COPESP (MB) registrou a primeira experiência de enriquecimento isotópico de urânio com ultracentrífugas totalmente construídas no Brasil. Desde então, houve uma sucessão de progressos no desenvolvimento das máquinas. Em setembro de 1987, o presidente José Sarney levou ao conhecimento público o domínio do enriquecimento do urânio pelo processo de ultracentrifugação, alcançado pelos pesquisadores envolvidos no Programa Nuclear Paralelo. O chamado Programa Nuclear Paralelo foi incorporado às pesquisas tecnológicas oficiais em 198811, passando a chamar-se Programa Autônomo, hoje denominado Programa de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (PDTN). Neste mesmo ano, com a extinção da Nuclebrás, foi criada a Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB), que absorveu as atividades industriais do ciclo do combustível nuclear. Com a extinção da Nuclebrás Enriquecimento Isotópico (Nuclei - empresa subsidiária da Nuclebrás), em 1993, a INB assumiu as atividades residuais vinculadas ao enriquecimento de urânio, já que se encontrava paralisada a implantação da usina demonstrativa de enriquecimento pelo processo do jato centrífugo (jet nozzle), em Resende, RJ. Determinaram a paralisação os altos custos envolvidos e a incerteza do desempenho tecnológico em nível industrial. A tecnologia do jato centrífugo surgira como alternativa tecnológica de enriquecimento de urânio disponibilizada pelos alemães, já que a transferência da ultracentrifugação fora vetada pelos outros países coproprietários da URENCO: a Holanda e a Inglaterra. _______________ 11 Por meio do Decreto-Lei 2.464, de 31 de agosto de 1988. 50 Através de portaria interministerial, foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), com a atribuição de discutir e propor o acordo necessário para viabilizar a instalação de uma unidade industrial de enriquecimento de urânio no Brasil, nas Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB), com utilização da tecnologia empregada no Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP). O GTI apresentou relatório em setembro de 1998, onde propôs, dentre outras providências, a assinatura de contrato entre a INB e o CTMSP, cujo objeto principal referia-se à implantação de um empreendimento em duas etapas: a primeira etapa com capacidade final de 114.000 UTS/ano (Unidades de Trabalho Separativo por ano), empregando três modelos de ultracentrífugas, após 8 anos; e a segunda etapa referente à possibilidade de extensão da capacidade para 203.000 UTS/ano, no prazo de mais 3 anos, com emprego de máquinas de maior capacidade de produção. Em julho de 2000, a INB e o CTMSP assinaram o contrato INB nº2/00/007, para o fornecimento, a instalação, a realização de testes funcionais e o comissionamento de cascatas de ultracentrífugas de forma modular, em 8 anos, para uma capacidade de 114.000 UTS/ano, com possibilidade de expansão para 203.000 UTS/ano. Foi inaugurada a 1ª Cascata de Enriquecimento na INB (Resende, RJ) em maio de 2006, e o início da produção industrial da 1ª Cascata de Enriquecimento na INB, em abril de 2009 (BOTELHO, 2009). 3.2 Ressurgimento no Cenário Internacional O início do uso da energia nuclear foi marcado pelo evento bélico em 1945, que foi o lançamento das duas bombas atômicas, em Hiroshima e Nagasaki. Este fato ainda repercute na aceitação geral da sociedade no aproveitamento da energia nuclear. O acidente com um reator em Chernobyl, na União Soviética, em 1986, também contribuiu para reforçar este estigma. Entretanto, a tecnologia nuclear, hoje, engloba muitas outras áreas de aplicação além da geração de eletricidade, e muitos já veem nela uma alternativa para a geração de energia elétrica sem emissão de gases de efeito estufa (MIT, 2003, p. 7). A primeira central nuclear com emprego comercial começou a operar na década de 1950 na União Soviética, apesar da energia elétrica ter sido gerada primeira em um reator experimental nos EUA. Com isso, a atenção se voltou para os fins pacíficos da fissão nuclear, notadamente para a geração de energia elétrica. Hoje, o mundo produz tanta energia elétrica a partir da energia nuclear como o fez a partir de todas as fontes combinadas em 1960. Muitos países têm construído reatores de pesquisa para fornecer uma fonte de nêutrons na utilização 51 em pesquisa científica e na produção de isótopos de empregos médicos (radiofármacos) e industriais, existindo mais de 280, em 56 países. Atualmente, somente oito países são reconhecidos por terem uma capacidade de fabricar armas nucleares. Em contrapartida, 56 países operam reatores de pesquisa na área civil, e 30 países, que representam dois terços da população mundial, têm 436 reatores nucleares comerciais para geração de energia, com uma capacidade total instalada de 372.100 MW (março de 2009). Este é mais do que três vezes o total da capacidade geradora da França ou da Alemanha, considerando juntas todas as fontes de energia. Cerca de 40 reatores estão em construção no mundo, equivalendo a 8% da capacidade mundial existente, e está planejada a construção de mais 90 reatores, o que corresponde a 27% da atual capacidade. Analisando a matriz elétrica dos países que utilizam a fonte nuclear, observamos que 16 países dependem da energia nuclear em pelo menos 25% de sua geração elétrica. A França recebe em torno de 75% de sua energia a partir da fonte nuclear, enquanto Bélgica, Hungria, Lituânia, Eslováquia, Coreia do Sul, Suécia, Suíça, Eslovênia e Ucrânia recebem um terço ou mais. Japão, Alemanha e Finlândia obtêm mais de um quarto da sua energia a partir de energia nuclear, enquanto os EUA recebem quase 20% do total gerado, que representa, aproximadamente, um terço de toda a energia elétrica gerada no mundo por fonte nuclear. Atualmente, menos centrais nucleares estão sendo construídas que durante as décadas de 70 e 80, mas elas estão produzindo mais eletricidade em sua operação, devido ao avanço tecnológico e a melhor eficiência dos reatores existentes. Ao analisar um período mais longo, de 1990 a 2006, verificamos que a capacidade mundial de geração pela fonte nuclear aumentou em 44 GW, sendo 13,5% foi devido ao acréscimo líquido de novas plantas nucleares e a extensão da vida útil (revalidação) de algumas plantas, e a produção de eletricidade aumentou em 757 mil GWh, correspondendo a 40%. A contribuição relativa para esse aumento está assim distribuída: construção de novas usinas - 36%; a revalidação de usinas com vida útil ampliada - 7%; e a disponibilidade para aumento de geração - 57% (WORLD NUCLEAR ASSOCIATION - WNA, 2009, p. 1). As interrupções das atividades da usina para a manutenção de seus equipamentos, tanto programadas quanto não programadas (forçadas), definem o fator de capacidade máximo, que indica a disponibilidade da usina para despacho. Do total de reatores mundiais, um terço tem fator de capacidade superior a 90%, e quase dois terços não passavam de 75% até 2004. Nos últimos anos, a média mundial vem crescendo, tendo atingido em torno de 85%, como mostrado no GRAF. 7. Durante 15 anos, as plantas finlandesas estiveram entre as de 52 melhor desempenho, mas os EUA, agora, dominam os primeiros 25 postos, seguidos pela Coreia do Sul. Nesse aspecto, o Brasil apresenta um índice histórico bem baixo, em especial durante a operação inicial isolada de Angra I. Porém, analisando a performance de 2002-2004, os índices são bem melhores: 84,2% em 2002, 72,1% em 2003 e 77,2% em 2004. A Eletronuclear projeta para Angra III fatores de capacidade de 91,16% em anos com parada programada e 98% nos demais (EPE, 2007, p. 68). GRÁFICO 7 – Mundo: Fator de capacidade das usinas nucleares Fonte: EPE (2007, p. 69). Os Estados Unidos são o proprietário do maior parque nuclear do mundo, com 104 usinas em operação (69 PWR e 35 BWR), que correspondem a uma capacidade instalada de 106.476 MW e produziram, em 2007, 806.501,3 GWh (e). Este valor é quase o dobro do que foi produzido no Brasil por todas as fontes disponíveis no mesmo período. Houve, nos últimos anos, um grande aumento de capacidade instalada no parque americano devido à ampliação da capacidade das usinas, ainda que nenhuma nova unidade tivesse sido construída. Outro fato relevante a ser citado é o aumento da vida útil das usinas, que está sendo estendido para 60 anos. Neste caso, já são 49 unidades com vida útil ampliada, equivalente a cerca de 43.000 MW funcionando por mais vinte anos, sem os custos de capital 53 para a construção. O GRAF. 8 mostra a quantidade e capacidade de reatores nucleares a partir de seu início de funcionamento, e, claramente, a redução observada depois de 1986, tanto no número de entrada em operação de novos reatores, quanto na capacidade instalada, após um período que parecia de crescimento exponencial. GRÁFICO 8 – Mundo: Número de reatores e capacidade instalada Fonte: EPE (2007, p. 55). Todavia, o entusiasmo pela energia nuclear está aumentando em todo o mundo. Após duas décadas de crescimento decepcionante, as indústrias líderes do mercado fazem uma previsão do renascimento nuclear. Predições de um "renascimento nuclear" vislumbram uma duplicação ou triplicação da capacidade nuclear em 2050, uma disseminação da energia nuclear para novos mercados, como no Oriente Médio e Sudeste da Ásia, assim como o desenvolvimento de novos tipos de reatores e técnicas de reprocessamento de combustível (grifo nosso). Durante o governo de George W. Bush, os Estados Unidos promoveram a energia nuclear tanto em seu país quanto no exterior. Programas como o 2006 Global Nuclear Energy Partnership12 e a declaração conjunta, em 2007, do presidente Bush com o então presidente russo Vladimir Putin, para facilitar e apoiar a energia nuclear nos países em _______________ 12 2006 Parceria Global de Energia Nuclear (tradução nossa). 54 desenvolvimento, contribuíram para firmar o conceito de um grande renascimento nuclear mundial. O interesse renovado na energia nuclear surge da vontade de encontrar alternativas ao petróleo caro e ao gás natural, assim como a percepção de ser a energia nuclear uma opção facilmente aplicável para tornar rápidas e drásticas as reduções nas emissões de dióxido de carbono, necessária para atenuar alterações climáticas. A segurança energética e a mudança climática são invariavelmente mencionadas hoje como as duas principais razões para prosseguir a energia nuclear. A expansão desenfreada da energia nuclear, no entanto, não é uma evidência. Os tradicionais desafios da sua utilização, como os custos de instalação da energia nuclear, a segurança, os resíduos e a proliferação generalizada continuam a limitar o seu crescimento (SQUASSONI, 2009, p. 2). A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) adotou a resolução de encorajar e dar suporte para o desenvolvimento de aplicações nucleares em países em desenvolvimento. Esta atitude tem o intuito de reduzir a imensa distância existente entre o consumo médio anual dos países desenvolvidos (cerca de 8.600 kWh por habitante, na OCDE) e, por exemplo, o do continente africano, que consome 170 vezes menos, uma vez que a melhoria deste indicador é a mola propulsora do progresso e bem-estar da população mais pobre. Mais de 50 países visam a ter fontes energéticas nucleares, e as potências em expansão querem multiplicar o número de usinas em seu território. Muitos governos consideram a ampliação internacional da energia nuclear uma opção à mudança climática e uma alternativa às oscilações do preço dos produtos energéticos, além de ser uma proteção à incerteza sobre os combustíveis fósseis, mas a AIEA advertiu que a iminente expansão da energia nuclear em todo o mundo requer que os governos atuem com responsabilidade nessa empreitada (ELETRONUCLEAR, 2008, p.17). 3.3 Perspectivas da Energia Nuclear na Matriz Elétrica Brasileira A crise econômica preenche atualmente a agenda mundial, que há poucos meses era ocupada por uma provável crise energética decorrente do alto preço do petróleo e do aquecimento global. Nesse quesito, os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) são emblemáticos, pois neles a dependência de combustível fóssil chega a mais de 70%. Será difícil para esses países cumprirem suas obrigações de redução das 55 emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global com uma matriz energética ainda dominada por fontes fósseis. Nesse cenário, a energia nuclear se apresenta como a melhor alternativa para a expansão energética mundial. Diferentemente das fontes renováveis, a geração nuclear é competitiva, produz energia em grande escala e não emite gases causadores do efeito estufa. Além disso, o preço do urânio caiu, acompanhando o comportamento da cotação do petróleo. Depois de atingir um valor máximo de US$ 135 a libra-peso, hoje o urânio está sendo negociado a US$ 65 a libra-peso. Apesar de ter havido este aumento vertiginoso do custo do combustível nuclear, o impacto na tarifa da energia das usinas nucleares foi baixo, visto que o custo do combustível representa somente 17% do custo de geração, mantendo a competitividade delas. Baseando-se no alto custo do petróleo e na questão climática, a AIEA revisou para cima suas previsões para a geração nuclear nas próximas décadas. Até países que têm restrições à energia nuclear estão reconsiderando suas políticas. O Brasil não foi atingido pela crise tanto quanto os países desenvolvidos, mas, segundo especialistas, o crescimento este ano será menor do que o previsto. De acordo com o PNE 2030, será necessário adicionar 53,7 GW à matriz elétrica até o final deste período, o que fará com que a capacidade do sistema interligado chegue a 156,3 GW. A EPE prevê que a capacidade instalada terá atingido um nível de 3 MW por ano até 2015 para fazer frente ao aumento da demanda energética. Da mesma forma que as reservas de petróleo são finitas, o potencial hídrico tem estimativa de esgotamento no Brasil a partir de 2030 (CAMARGO, 2009, p.10). Além da dificuldade de obter crédito para executar os projetos de infraestrutura, o País poderá ter que reduzir as emissões de dióxido de carbono após 2012, em virtude da revisão do Protocolo de Kyoto. Os resultados dos últimos leilões servirão como um sinal de alerta, pois as usinas térmicas movidas a combustíveis fósseis têm vencido com grande margem, o que pode acarretar um aumento das emissões provenientes da geração de energia elétrica. Como consequência, obter licenciamento ambiental para essas usinas hidrelétricas com grandes reservatórios tornou-se um suplício. Em termos ambientais, as usinas nucleares apresentam a inegável vantagem de não emitir gases responsáveis pelo efeito estufa e, por isso, vêm sendo consideradas uma das principais formas de combater o aquecimento global (GRAF. 9). Em seu mais recente relatório, a Agência Internacional de Energia (AIE) – entidade ligada à OCDE – afirma que, para reduzir em 50% as emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa entre 2010 e 2050, seria necessário adicionar 32 gigawatts (GW) de energia 56 nuclear, a cada ano, à produção mundial. Desta forma, as usinas nucleares ganham espaço para aumentar a sua participação na matriz energética. EMISSÕES DE CO2 DIRETA E INDIRETA NA GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA 5 - 33 Hidrelétrica 4 - 36 Alternativas Usinas Nucleares 10 - 38 Eólica 78 - 217 Solar 399 - 644 Gás Natural 550 - 946 Óleo Comb. 838 - 1231 Carvão 0 500 1000 Emissões CO2 g/kWh 1500 2000 GRÁFICA 9 – Emissão de CO2 por fontes de energia elétrica Fonte: ABEN (2009, p. 5). Atualmente, Angra I e II são responsáveis por 50% da energia consumida no Rio de Janeiro, e 2,8% do total gerado no País. O Brasil tem a sexta maior reserva de urânio do mundo, com somente 30% do território prospectado. Além disso, detém a tecnologia do ciclo do combustível nuclear, incluindo o enriquecimento de urânio. Somente Rússia, EUA e Brasil detêm esta tecnologia e contam com reservas expressivas de urânio. Os demais são dependentes de um ou de outro. Reconhecendo a importância da energia nuclear, a EPE incluiu no PDE 2008-2017 a conclusão da construção da usina nuclear de Angra III (1.350 MW) e no PNE 2030 a ampliação da capacidade nuclear instalada em 4 mil a 8 mil MW até 2030. Mas a construção de usinas sem os investimentos necessários para consolidar as etapas do ciclo do combustível nuclear em escala industrial é ineficiente para o País. É imperativo que o Brasil alcance a autossuficiência na produção de combustível. Atualmente, duas etapas do ciclo ainda são feitas no exterior. A conversão do yellow cake (concentrado de urânio) em gás hexafluoreto de urânio e o enriquecimento são realizados, respectivamente, no Canadá e na Europa. Com pouco investimento é possível construir a unidade de conversão e ampliar a fábrica de enriquecimento da INB, que fica em Resende, RJ. A fábrica de enriquecimento 57 produz hoje cerca de 2% das necessidades de Angra I e II. O resto é feito pelo consórcio europeu URENCO (Alemanha, Inglaterra e Holanda). Com esta etapa sendo feita aqui, o País economizaria cerca de US$ 16 milhões por ano. Incluindo o Brasil, hoje, apenas dez países realizam esse processo em escala industrial e, destes, apenas seis dominam o mercado internacional (TAB. 7, ANEXO A). Portanto, nenhum país compartilha sua tecnologia devido aos interesses comerciais envolvidos, além de sua natureza dual, civil e militar, gerando pressões internacionais de origem política direcionadas à não-proliferação nuclear. Além da economia de recursos, implantar o enriquecimento em escala industrial é relevante do ponto de vista estratégico. A INB também se prepara para expandir sua produção, visando ao atendimento da demanda de urânio do setor nuclear brasileiro, que sofrerá um aumento com a entrada em operação de Angra III, prevista para 2014, e com as quatro a oito usinas previstas no planejamento do governo até 2030. Até 2012, a empresa planeja duplicar a produção da mina de Caetité, no sertão da Bahia, que passará de 400 para 800 toneladas de urânio. Paralelamente, a INB, em parceria com a empresa Galvani, iniciará a exploração da mina de Santa Quitéria, no Ceará, cuja produção atingirá 1.500 toneladas por ano, em 2015. Isso significa que, a partir de 2012, a INB terá um excedente anual de 1.300 toneladas em sua produção. Após 2015, este número subirá para 1.600 toneladas anuais, sendo que, depois da entrada em operação de Angra III, a demanda brasileira aumentará somente após 2020, quando começarão a entrar no sistema as primeiras usinas previstas no PNE 2030. Assim sendo, este excedente poderia ser exportado, e os recursos obtidos serviriam para completar os investimentos necessários para garantir a autossuficiência na produção de combustível nuclear. Esta estratégia é perfeitamente viável, e depende apenas de uma decisão governamental (APÊNDICE B). Tendo em vista a grande importância que a energia nuclear terá no sistema elétrico nacional e seu crescente papel no mercado internacional, é preciso retomar a prospecção de urânio em solo brasileiro. Estimadas em 309 mil toneladas, as reservas nacionais ainda podem aumentar consideravelmente, pois o País foi prospectado em cerca de 30% do seu território apenas. O Brasil poderá chegar à segunda ou terceira posição no ranking mundial. A INB já tem planos de retomar as pesquisas geológicas em busca do urânio em território nacional. A geração de recursos próprios é uma alternativa excelente para estruturar e dar escala à indústria nuclear brasileira, de forma a torná-la robusta para sustentar o crescimento do setor até 2030. 58 3.4 O Ciclo do Combustível e a Autossuficiência FIGURA 3 – O ciclo do combustível nuclear Fonte: INB (2009, p. 1). A Produção do Combustível Nuclear é o conjunto dos processos industriais apresentados, que promovem a transformação do mineral urânio, encontrado na natureza, no composto químico final para utilização como combustível nos reatores nucleares (FIG. 3). O elemento químico urânio é um metal pesado (1,7 mais pesado que o chumbo), encontrado em baixas concentrações (2 a 4 partes por milhão) em certos tipos de formações rochosas da crosta terrestre, e é usado como fonte de energia concentrada. Nesta primeira etapa do ciclo do combustível, após as operações de pesquisa e prospecção destinadas a descobrir uma jazida, estimá-la e fazer sua avaliação técnicoeconômica, determinam-se os locais onde serão realizadas as extrações do minério do solo, por meio de técnicas convencionais de mineração, e os subsequentes processos industriais da etapa de beneficiamento. Na usina de beneficiamento, empregando operações físicas e químicas, o urânio é extraído do minério, purificado e concentrado sob a forma de um óxido de cor amarela, conhecido como yellow cake, também chamado de concentrado de urânio (U3O8). Atualmente estas atividades industriais da INB são desenvolvidas no Estado da Bahia, na localidade de Caetité. O empreendimento, compreendendo mina de urânio associada 59 à fábrica de concentrado de urânio, tem capacidade instalada para produzir 400 toneladas/ano de yellow cake, quantidade que atende à demanda interna. O Brasil apresenta a 6ª maior reserva mundial de urânio. A INB firmou, em 23/07/09, contrato de parceria com uma empresa nacional para exploração da mina de Itataia, localizada no Município de Santa Quitéria, no Ceará (INB, 2009, p. 7). Neste local, o urânio está associado ao fosfato, de modo que o parceiro vai explorar a mina, separar o fosfato para produzir fertilizantes/ração animal e entregar o urânio para uso da INB, que detém o monopólio nacional deste minério. A previsão é que na 1ª fase do projeto (2013) se tenha uma produção de 1.200 t/ano de U3O8. Os processos químicos que transformam o yellow cake (U3O8) em hexafluoreto de urânio (UF6) são a segunda etapa do ciclo do combustível, preparatória para o enriquecimento isotópico do urânio. Na usina de conversão, o urânio sob a forma de yellow cake, depois de dissolvido e extraído, é submetido a transformações químicas para obtenção de urânio nuclearmente puro, na forma do composto hexafluoreto de urânio (UF6). Esta etapa do ciclo do combustível, cujas tecnologias dos processos químicos envolvidos já são de domínio do Brasil (CTMSP), ainda não faz parte das atividades industriais da INB. Os serviços de conversão têm sido contratados no exterior (atualmente no Canadá, pela empresa CAMECO), primordialmente por questões econômicas (baixa demanda interna; necessidade de altos investimentos versus baixo valor agregado na produção do elemento combustível - cerca de 5%) e acessíveis preços de serviços ofertados no exterior. Atualmente, planeja-se a implantação de uma unidade de conversão na INB, de modo a tornar o País autossuficiente, nesta etapa industrial do ciclo do combustível nuclear, em 2014 (INB, 2009, p. 5). O urânio235 (U235) é o isótopo de urânio presente nos elementos combustíveis, responsável pela reação de fissão nuclear em cadeia, que ocorre de forma controlada no núcleo do reator nuclear. Na natureza, sua concentração é de 0,7% em peso, enquanto a do isótopo urânio238 (U238 - isótopo não-físsil) é em torno de 99,3%, ou seja, 100kg de urânio natural contém 0,7kg de U235 e 99,3kg de U238, aproximadamente. O enriquecimento isotópico, que utiliza o hexafluoreto de urânio (UF6) como material a ser processado objetiva a otimizar a proporcionalidade de concentrações dos isótopos em favor do U235 (isótopo físsil). Assim, o produto de uma usina de enriquecimento isotópico (UF6 enriquecido) é resultado da aplicação de tecnologias sofisticadas que promovem a separação física dos dois isótopos, aumentando a concentração do U235 encontrado no urânio natural (0,7% em peso) para cerca de 4%, de forma a permitir sua utilização otimizada no processo de fissão nuclear a que é submetido o combustível para 60 geração de energia elétrica. A produção de urânio enriquecido reveste-se de importância tecnológica, estratégica e econômica para os países que fazem uso da energia nucleoelétrica na matriz de geração de eletricidade. Em termos estratégico e tecnológico, porque envolve a aplicação de tecnologias de ponta, cujo domínio e acesso estão restritos a poucos países (TABELA 7, ANEXO A). A questão econômica torna-se relevante, posto que, apesar de exigir consideráveis investimentos, representa em torno de 35% do custo total de fabricação do combustível nuclear. Atualmente, o país contrata os serviços no exterior ao custo superior a US$10 milhões anuais. Com a finalidade de, no primeiro momento, reduzir tais custos, decidiu-se pela aplicação industrial da tecnologia de ultracentrifugação desenvolvida pela Marinha do Brasil (CTMSP) e pelo Instituto de Pesquisas de Energéticas e Nucleares (IPEN). Neste contexto, coube à INB, em Resende, RJ, implantar uma usina de enriquecimento de urânio com capacidade de produção inicial de 125t UTS/ano (toneladas de Unidades de Trabalho Separativo/ano), equivalente a aproximadamente 100% das necessidades anuais de combustíveis da central nuclear de Angra I, e de 20% Angra II. Está planejado o aumento da produção de ultracentrífugas pelo CTMSP (MB) para o fornecimento de 100.000 UTS/ano, a partir de 2012, e o atingimento da autossuficiência a partir de 2014. A primeira etapa consiste de 4 módulos, constituindo um total de 10 cascatas de ultracentrífugas, conforme contrato em vigor (BOTELHO, 2009). A etapa de reconversão do hexafluoreto de urânio (UF6) enriquecido nas usinas de enriquecimento não é o composto de urânio conveniente para ser usado diretamente como combustível nuclear. Deve ser convertido para outra forma química, o dióxido de urânio (UO2), que tem propriedades físico-químicas tais que resultam em adequada resistência às condições severas (neutrônicas, hidráulicas e térmicas) encontradas no núcleo do reator. As operações unitárias das transformações químicas a que é submetido o hexafluoreto de urânio enriquecido, acompanhadas de rigorosos métodos de análises físico-químicos, resultam na produção de pó de UO2, um óxido estável que serve de matéria-prima para a produção de pastilhas de UO2 (IAEA, 2009, p. 15). Essa etapa de transformação do urânio é realizada na Fábrica de Combustível Nuclear (FCN)-Reconversão da INB, com capacidade instalada de 140 toneladas de UO2/ano, em Resende. Tal capacidade de produção atende às necessidades atuais brasileiras. Está planejada uma nova fábrica a partir de 2020, com capacidade para 200t de UO2 enriquecido. A 61 fabricação de pastilhas de UO2 consiste em realizar transformações físicas que levam à forma final de aplicação na montagem dos elementos combustíveis. O pó de UO2, depois de homogeneizado, é submetido, sequencialmente, aos processos de: prensagem, para a formação de pastilhas verdes; sinterização em fornos contínuos, para dotar as pastilhas de características cerâmicas de forte resistência termomecânica (pastilhas sinterizadas); e retificação, para promover os ajustes dimensionais finais necessários à inserção das pastilhas nas varetas dos combustíveis. A exemplo da fabricação de pó de UO2, qualificados métodos de análises físicoquímicos e mão de obra aplicada garantem a qualidade técnica requerida das pastilhas de dióxido de urânio (UO2) para uso nos combustíveis. As pastilhas de dióxido de urânio (UO2), que contêm cerca de 7g de urânio, e têm a forma de cilindros de cerca de 1 cm de comprimento e de diâmetro, são produzidas na Fábrica de Combustível Nuclear (FCN)-Pastilhas, situada ao lado da FCN-Reconversão . A unidade industrial possui capacidade nominal de produção de 120 toneladas de UO2/ano, que atende às necessidades das usinas nucleares do Brasil. O aumento da produção da fabricação de pastilhas esta planejada do mesmo modo que o processo de reconversão. Os elementos combustíveis são estruturas formadas por peças metálicas usinadas e soldadas, que, montadas com o feixe de varetas (tubos de pequeno diâmetro preenchidos com pastilhas de UO2) de uma liga metálica especial de zircônio (zircaloy), conferem o estado de rigidez necessário à suportação dos esforços mecânicos resultantes da reação de fissão em cadeia no núcleo do reator. Em Resende, na Fábrica de Combustível Nuclear (FCN)-Componentes e Montagem, são montados os elementos combustíveis e possui uma capacidade de produção instalada de 240 toneladas de U/ano. Essa montagem está em conformidade com severos padrões de qualidade e precisão mecânica, aplicados nas etapas de fabricação e de controle de qualidade. A produção de elementos combustíveis (EC) na INB atende às especificações da empresa Eletronuclear, operadora das centrais nucleares Angra I e Angra II, cujas cargas dos núcleos perfazem 121 EC e 193 EC, respectivamente. Está planejada a ampliação da capacidade de produção da fábrica para 300t de varetas a partir de 2018 (BOTELHO, 2009). 62 3.5 Projetos e Metas do Programa ORGANIZAÇÃO DO SETOR NUCLEAR Presidência da República Ministério da Ciência e Tecnologia Comissão Nacional de Energia Nuclear Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. NUCLEP Ministério de Minas e Energia Centrais Elétricas Brasileiras S.A. Indústrias Nucleares do Brasil S.A. INB Eletronuclear Ministério da Defesa Marinha do Brasil CTMSP S.A. FIGURA 4 – Organização do setor nuclear brasileiro Fonte: INB (2009). O setor nuclear no Brasil está organizado em três áreas diferentes a saber: no Ministério da Defesa, no Ministério de Minas e Energia e no Ministério da Ciência e tecnologia, conforme ilustrado na FIG. 4. O novo Programa Nuclear Brasileiro (PNB), apresentado em 2008, possui duas vertentes: uma da área do Ministério de Minas e Energia (MME), do qual fazem parte o Programa Decenal de Expansão de Energia (PDE 2008-2017) e o Plano Nacional de Energia (PNE 2030), por tratarem das usinas nucleares de Angra III e da instalação de 4 a 8 novas usinas nucleares, respectivamente. A segunda vertente do PNB está contida no Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação (PACT 2007-2010) pertencente ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), em sua linha de ação nº 18. O Programa Nuclear da Marinha (PNM) está inserido no contexto em alguns projetos deste programa. A vertente do PNB no MME já foi abordada na seção 2, e em 3.2. Em particular, no âmbito do MCT, o PNB implementa ações para fortalecer institucionalmente a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN); completar a primeira fase da Planta de Enriquecimento de Urânio da INB, em Resende; a instalação de planta-piloto de produção de UF6 (conversão gasosa) em Aramar; o aumento da produção de minério e a 63 retomada da prospecção de urânio no Brasil; revigorar a Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. (Nuclep), capacitando-a para a fabricação de componentes para novas usinas nucleares; implementar uma política nacional de tratamento de rejeitos pela criação da Empresa Brasileira de Gerência de Rejeitos Radioativos, da construção de depósitos definitivos para rejeitos de média e baixa atividade e definir a guarda inicial de elementos combustíveis usados; criar e implementar a Empresa Brasileira de Radiofármacos e projetar um reator de pesquisa multipropósito; desenvolver os meios e instrumentos para a retomada das ações de pesquisa, desenvolvimento e inovação, assim como criar e desenvolver a capacitação necessária para a execução das ações do PNB. Para a execução destas ações, o PNB foi estruturado em sete projetos, cada um com seus objetivos e metas e a origem dos recursos financeiros necessários. O primeiro projeto tem como objetivo a reestruturação das bases legais da área nuclear, harmonizando as leis e normas existentes e ajustando a estrutura do setor para as realidades políticas e econômicas nacionais e internacionais. Este objetivo visa à consolidação do arcabouço legal da área nuclear, pois ele é antigo, insuficiente e inadequado para regulamentar as atividades hoje em dia realizadas, assim como da ampliação considerável de atividades previstas no novo PNB. Isto tem trazido dificuldades consideráveis para o setor, apesar de ter sido acrescido e modificado ao longo do tempo. As quatro metas desse programa são de formular a política nacional de gerenciamento de rejeitos radioativos, de identificar e propor adequações necessárias na legislação brasileira referente à área nuclear e de rever e harmonizar as normas do CNEN, interagindo com os demais órgãos reguladores (IBAMA, Polícia Federal e Ministério da Saúde). O segundo projeto visa à ampliação do ciclo do combustível nuclear na INB. Este projeto possui os objetivos de realizar pesquisas, levantamentos e prospecções sobre a ocorrência de reservas de urânio comercialmente viáveis para a exploração mineral; e, também, de investir em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) para o enriquecimento de urânio com vistas à autossuficiência interna e ao aumento de divisas na produção de combustível nuclear. As nove metas são as seguintes: instalar processo de lavra subterrânea em Caetitê, BA; desenvolver novas lavras de urânio; ampliar em até 70% a capacidade de produção de yellow cake; implementar a 1ª Etapa da Unidade de Enriquecimento de Urânio até 2010; instalar novas linhas de produção para o combustível nuclear tipo 16NGF e HTP; desenvolver novas ligas nacionais para os combustíveis avançados; implementar programa de 64 transferência de tecnologia e de novos talentos até 2010; desenvolver projeto e licenciar local para planta industrial de conversão até 2010; e implantar mineração em Santa Quitéria, CE. Os recursos financeiros previstos para este projeto totalizam R$ 319,20 milhões. O terceiro projeto está totalmente dentro do contexto do PNM e consiste na conclusão da planta-piloto de produção de UF6 (Conversão) em Aramar, SP (CTMSP). Tem como objetivo colocar em operação a planta-piloto de conversão do urânio (YC) para gás (UF6), visando à sua implementação para completar, no âmbito do PNM, o ciclo do combustível nuclear. A sua consecução irá fornecer informações importantes para o futuro projeto de planta em escala industrial previsto no programa do parágrafo anterior e será, também, peça fundamental na ampliação de produção para atender a demanda crescente, prevista na retomada do PNB, por combustível nuclear. O projeto possui como meta operar a planta-piloto até 2010, e estão previstos R$ 37 milhões para serem aplicados (APÊNDICE B). O quarto projeto trata da capacitação e adequação tecnológica da Nuclep para a fabricação de componentes das novas usinas nucleares, tendo como objetivo recuperar e modernizar a infraestrutura de fabricação da empresa para que possa atender as demandas oriundas do novo PNB. A Nuclep foi criada na década de 70 para fabricar os componentes pesados das oito usinas previstas no Acordo Brasil-Alemanha. Como apenas Angra II foi construída nesse contrato, a Nuclep passou um período de muitas dificuldades por falta de demanda da indústria nuclear. Dentro da estratégia de sobrevivência, ela investiu na área naval, como plataformas offshore, cascos de submarinos e, recentemente, a fabricação dos dois novos geradores de Angra I. Como o PNB prevê, até 2030, a construção de até oito novas usinas nucleares, além de Angra III, é fundamental a recuperação e modernização do parque industrial da Nuclep. Estão previstos recursos na ordem de R$ 1 milhão para este projeto. O quinto projeto tem ações para um aspecto polêmico da energia nuclear, que tem como objetivo a implementação de uma Política Brasileira de Gerenciamento de Rejeitos Radioativos, visando ao seu gerenciamento e armazenamento seguro quando produzidos no território nacional. A geração de eletricidade por meio de fonte nuclear, as aplicações das radiações ionizantes na saúde, indústria, agricultura e meio ambiente e mais o processamento de materiais brutos com radionucleídeos de ocorrência natural, produzem rejeitos radioativos que constituem agentes de risco e, portanto, devem ser gerenciados de forma que a proteção à saúde humana e o meio ambiente sejam garantidos no presente e no futuro. Compete ao CNEN receber e depositar os rejeitos radioativos e expedir regulamentos e normas de segurança relativas ao seu gerenciamento. O projeto consiste na criação de uma Empresa 65 Estatal independente do CNEN, responsável pelo gerenciamento e pelo armazenamento seguro de todos os rejeitos radioativos produzidos no território nacional. Uma vez criada a Empresa e construído o depósito definitivo, ela passa a ser autossustentada, pois a guarda é um serviço remunerado por aqueles que os produzem. O projeto possui como metas implementar a Política Brasileira de Gerenciamento de Rejeitos Radioativos em 2009; criar a Empresa de Gerenciamento de Rejeitos Radioativos até 2009; estabelecer o centro de referência em rejeitos radioativos; desenvolver e construir, até 2012, um protótipo de célula de armazenamento para o futuro depósito de elementos combustíveis usados; e projetar e iniciar a construção de um depósito definitivo para rejeitos de baixo e médio nível de radiação, objetivando sua entrada em operação em 2013. Recursos estão previstos na ordem de R$ 46,37 milhões. O sexto projeto tem o objetivo de criar uma empresa produtora de radiofármacos no âmbito estatal, permitindo maior flexibilidade e ampliação de mercado, já que a demanda do mercado futuro é maior que a do CNEN, que será denominada Empresa Brasileira de Radiofármacos (EBR). A indústria de radiofármacos do País adotou um modelo jurídico-institucional que ficou restrito à administração pública federal, tendo se iniciado e organizado no IPEN, SP, quase na sua totalidade e, em menor escala e mais recente, no IEN, RJ, ambos vinculados à CNEN, autarquia federal vinculada ao MCT. São realizados no Brasil mais de três milhões de procedimentos médicos em trezentos hospitais e clínicas, e a comercialização dos radiofármacos garante uma receita de mais de R$ 50 milhões/ano. O projeto visa à criação de uma empresa estatal para superar restrições e eliminar entraves na sistemática de investimentos, dando maior flexibilidade administrativa para ampliar a produção de radioisótopos e radiofármacos, sendo sucessora das atividades hoje desenvolvidas pelo IPEN e IEN. O aumento contínuo da demanda requer o desenvolvimento de um reator de pesquisa multipropósito nacional. Existe a intenção de este reator ser construído e instalado em Aramar (CTMSP), o que vislumbra uma importante oportunidade para a área médica da MB, visando a melhores condições contratuais de fornecimento de radiofármacos, tendo em vista a dependência estrangeira do Brasil no fornecimento de insumos dos principais radiofármacos. As metas são a de criar a EBR e definir e projetar um Reator de Pesquisa Multipropósito que seja, também, utilizado para ampliar a produção de radioisótopos no País. Recursos previstos na ordem de R$ 161,31 milhões (APÊNDICE E; CAMPOS, 2009). O último projeto visa a garantir o desenvolvimento das atividades de pesquisa, 66 desenvolvimento e capacitação para as atividades e objetivos previstos no PNB. Cinco metas no escopo do PNB se destacam e não constavam em projetos anteriores: término do projeto do reator de propulsão da Marinha (base dos futuros reatores de médio porte) e envolvendo diretamente o PNM; a criação de um laboratório Nacional de Fusão (tecnologia de geração de energia elétrica mais provável em futuro próximo de 50 anos); investimentos em pesquisa de futuros reatores com novas tecnologias (reatores de 4ª e 5ª geração); recomposição da capacidade humana no setor nuclear; e retomada dos projetos parcialmente abandonados devido à falta de recursos, principalmente nos laboratórios do Ministério da Defesa (MD). O reator de propulsão naval da MB está em estágio avançado de desenvolvimento, necessitando finalizar o projeto do núcleo e do sistema de monitoração para testes de operação no CTMSP. Uma vez concluído, o projeto servirá de base para os futuros reatores de médio porte a serem construídos no país. O financiamento contará com recursos específicos a serem alocados ao MD. Consideram-se as pesquisas iniciadas no passado e que tiveram sucesso, mas estão com dificuldade de continuidade de investimentos, ou por baixa prioridade na C, T&I, como, por exemplo, o enriquecimento de urânio a laser desenvolvido no Comando Geral de Tecnologia Aeroespacial – CTA. As metas são a de completar o projeto do reator de propulsão desenvolvido pela MB em 8 anos; fortalecer a Rede Nacional de Fusão e garantir a participação do Brasil como observador na ITEL; fortalecer a participação nas iniciativas internacionais de desenvolvimento de novas tecnologias de fissão, como Generation IV e INPRO (International Project on Innovative Nuclear Reactor and Fuel Cycles); projetar e iniciar a construção de um de um Laboratório Nacional de Fusão até 2010; fomentar a pesquisa nas áreas nucleares (geração de energia, ciclo de combustível e novas técnicas de enriquecimento) e em aplicações da energia nuclear na indústria, saúde, agricultura e meio ambiente; ampliar a formação de pessoal de nível superior, médio e operacional para sanar deficiências atuais e garantir a futura reposição requerida pelo PNB; fomentar a aplicação de técnicas nucleares e de radiações ionizantes nas áreas de saúde, indústria, agricultura e meio ambiente; e fortalecer as atividades regulatórias através de ações de P, D&I. Investimentos estão previstos na ordem de R$ 441,50 milhões. 67 4 O PROGRAMA NUCLEAR DA MARINHA Neste capítulo é mostrada uma breve descrição do Programa Nuclear da Marinha do Brasil, como a sua origem, os projetos componentes do PNM e a situação atual do programa. A execução do procedimento para elaboração deste trabalho monográfico, dentro do enfoque dado de identificar as oportunidades e ameaças para a MB em função do crescimento ou retomada do Programa Nuclear Brasileiro, foi de pesquisa bibliográfica documental e, principalmente, de pesquisa descritiva, utilizando técnica direta de entrevista com os responsáveis diretamente envolvidos no tema ou que, de alguma maneira, participaram ou tenham conhecimento profundo do assunto. Desta maneira, neste capítulo são apresentadas as análises dos resultados colhidos e respostas às seguintes perguntas que o presente trabalho se propôs: como o PNM está contido no contexto do PNB? Quais as oportunidades e ameaças para a MB, dentro do PNM, ou em outras áreas da MB, diante do crescimento do PNB? Na resposta do primeiro questionamento, cujos contextos foram apresentados em 3.4, são apresentadas as análises e, no segundo questionamento, utiliza-se uma ferramenta de apoio de diagnóstico estratégico, que foi a análise de SWOT. 4.1 Breve Descrição Em novembro de 2004 foi rompido o acordo nuclear do Brasil com a Alemanha. O fim da parceria não impediu o prosseguimento do PNB, mas deixou uma usina nuclear com construção paralisada desde 1986, um processo inviável de enriquecimento (jet nozzle) e não representou grandes avanços significativos para a implantação de uma indústria nuclear brasileira. Mas favoreceu a formação de grupo de pesquisadores na área nuclear que, juntamente com alguns setores militares, tornaram-se defensores da necessidade de o Brasil dominar todo o ciclo do combustível nuclear e, especialmente, a capacitação técnica da etapa de enriquecimento. Além disso, acordos tripartites de salvaguardas internacionais deste acordo nuclear, estabelecidos com a AIEA, limitavam a autonomia brasileira para qualquer intercâmbio nesta área. Um breve relato histórico para demonstrar como e em que condições surgiu o Programa Nuclear da Marinha do Brasil (PNM) pode ser assim citado: 68 [...] diante das dúvidas quanto à viabilidade técnica do método de enriquecimento negociado com a Alemanha, e mesmo, a respeito da viabilidade do acordo, a Marinha elaborou um programa paralelo, independente daquele conduzido pela Nuclebrás. A motivação era o desenvolvimento da tecnologia nuclear para a propulsão de submarinos e, evidentemente, do combustível. A cargo do CTMSP, o programa começou com a construção do Centro Experimental de Aramar, em Iperó (SP), sob o comando do Almirante Othon Luiz Pimenta da Silva, principal idealizador do projeto. [...] a Marinha decidiu investir no projeto do reator e no ciclo do combustível nuclear pela via do método de ultracentrifugação (ANDRADE, 2006, p. 160). O PNM buscou apoio na comunidade científica nacional, de empresas e de universidades, tendo sido concebido para ser conduzido independentemente dos outros programas nucleares em andamento no Brasil. Como mencionado em 3.1.2, § 11º, a primeira cascata de centrífugas entrou em operação em 1982 e foi anunciado, oficialmente, pelo presidente José Sarney em 1987 e, no ano seguinte, o programa paralelo da MB foi incorporado às pesquisas oficiais. Atualmente, o principal objetivo do PNM, ora desenvolvido no CTMSP, é estabelecer a competência técnica autóctone para projetar, construir, comissionar, operar e manter reatores do tipo Reator de Água Pressurizada (PWR – Pressurized Water Reactor), bem como produzir o seu combustível. O PNM é, pois, dividido em dois grandes projetos: o Projeto do Ciclo do Combustível e o Projeto do Laboratório Nucleo-Elétrica (LABGENE). A conquista da tecnologia necessária à geração núcleo-elétrica, para uso em propulsão naval, passa por complexos estágios de desenvolvimento, destacando-se o dominio completo do ciclo do combustível nuclear, já conquistado, e o desenvolvimento e construção de uma planta de geração de energia elétrica, o que ainda não está pronto. 4.2 A Análise SWOT: Oportunidades e Ameaças para a MB A Análise SWOT foi criada por Kenneth Andrews e Roland Christensen, dois professores da Escola de Economia de Harvard, e tornou-se uma forma muito difundida de fazer diagnóstico estratégico de um projeto, organização ou empresa. SWOT é a junção das iniciais, em inglês, dos quatro elementos-chave desta análise estratégica: Strengths (forças) verifica as vantagens internas; Weaknesses (fraquezas) - verifica as desvantagens internas; Opportunities (oportunidades) – aspectos positivos do ambiente externo com potencial de crescimento; e Threats (ameaças) – aspectos negativos do ambiente externo com o potencial de comprometer a vantagem competitiva. 69 O emprego da Análise SWOT como ferramenta de diagnóstico de projeto onde os ambientes internos e externos são analisados e as informações sistematizadas, fornece uma visão do ambiente global onde o projeto está inserido com simplicidade, permitindo, assim, estabelecer estratégias de ações. Com relação à interdependência dos programas nucleares e das oportunidades e ameaças para a MB, decorrentes do crescimento do PNB, são apresentados a seguir. As metas envolvendo diretamente o PNM e CTMSP - o novo PNB apresentado em agosto de 2008 prevê a conclusão e operação da planta-piloto de UF6 (conversão) até 2010 e, também, completar o projeto do reator de propulsão naval desenvolvido pela MB em 8 anos, isto é, de 2007 até 2015. Quanto à conclusão da USEXA (unidade de conversão – UF6), está prevista para o primeiro semestre de 2010, com uma capacidade nominal de 40 tUF6 /ano, não sendo esperado, até o momento, atrasos significativos. A consecução dessa unidade permitirá, praticamente, a conclusão do Projeto do Ciclo do Combustível do PNM, tendo em vista que as demais unidades do projeto estão concluídas e operando. O fornecimento de urânio beneficiado (yellowcake) para o PNM é realizado por meio de contrato entre a MB e a INB. Em relação ao Laboratório de Geração de Energia Núcleo-Elétrica (LABGENE) o cronograma atual prevê sua prontificação para 2014, tendo recomeçado em 2008. O LABGENE é o protótipo do sistema de propulsão do submarino nuclear construído em terra. O conjunto de itens mais crítico do reator nuclear consiste no gerador de vapor, no vaso do reator e na instrumentação nuclear, devido operar em condições extremas de temperatura e pressão, devendo, por isso, ter uma confiabilidade de operação necessária para atender a política de segurança nuclear. Todos os equipamentos principais do LABGENE já estão prontos ou em fase final de fabricação. Os sistemas de controle, incluindo o simulador, e a instrumentação nuclear estão ora em fase de obtenção, devido à rápida evolução tecnológica envolvida e por ser recomendável, assim, que essas obtenções sejam realizadas mais próximas da montagem do LABGENE. Esses últimos itens deverão ser prontificados até 2012. Apesar do natural surgimento de problemas técnicos decorrentes da retomada do PNM, as principais ameaças para o não-cumprimento das metas em lide são: a) Perda de mão da obra existente devido aos baixos salários aplicados para o pessoal civil; b) Não contratação de novos empregados devido aos baixos salários; e c) Falta de recursos para os projetos. Vale salientar que as duas primeiras ameaças são fatos concretos (medidas estão 70 sendo tomadas para mitigar o problema) e a terceira ainda não ocorreu (até agora os recursos têm sido indicados para o PNM como prometidos). Os recursos estão sendo provisionados como planejado, sem contingenciamento, sendo que os extra-MB vieram de várias fontes, principalmente da extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) e do MCT. O total de recursos necessários para o término dos projetos do PNM (Ciclo do Combustível Nuclear e LABGENE) foi estimado em R$ 1,04 bilhão. Desse montante, foram aportados R$ 130 milhões em 2008, e espera-se em torno de R$ 161 milhões para 2009 (APÊNDICE C). A questão de recursos humanos é central em qualquer análise sobre o PNM. Ela tem dimensão social e extrapola os limites da MB. A formação de pessoal qualificado na área nuclear em seus vários niveis é um problema nacional. Particularmente, nos programas de alta tecnologia, a evasão de cérebros e as dificuldades de formação de pessoal, associadas ao cerceamento tecnológico sofrido pelo Brasil, representam grandes óbices ao desenvolvimento do PNM. Como mencionado acima, na área de recursos humanos, as duas ameaças para o PNM são a perda do pessoal existente e a incapacidade de reposição da lotação necessária para desenvolvimento dos projetos, devido, principalmente, aos baixos salários praticados para o pessoal civil do CTMSP. Para aplacar essas ameaças, está sendo criada uma empresa de alta tecnologia, até o momento denominada Amazul, para abrigar o pessoal da área nuclear e o pessoal da área de projeto e construção de submarinos, tanto o convencional quanto o nuclear. O objetivo é que essa empresa possa praticar salários próximos ao de mercado e, assim, impedir a evasão de empregados do PNM. A intenção é que a empresa resolva o problema da captação. Quanto ao problema de formação de pessoal, este poderá ser atenuado com a ajuda do IPEN, através de cursos de mestrado profissionalizante. A retomada do crescimento na área nuclear com o novo PNB prevê a construção de usinas nucleares no Brasil, a autossuficiência na produção industrial de todo ciclo de combustível nuclear e, também, destina recursos orçamentários para consolidação do PNM no domínio do ciclo do combustível e implementação de instalações nucleares para a propulsão naval. O acordo de cooperação firmado entre o Brasil e a França, no final de 2008, prevê, dentre outros projetos contidos na Estratégia Nacional de Defesa (END), o projeto e construção de quatro submarinos convencionais e um nuclear. Cabe mencionar que nesse contrato não estão incluídos nem a assessoria técnica nem a transferência de tecnologia da parte nuclear do submarino pelos franceses. Portanto, considerando os termos atuais do referido acordo fica evidenciado a necessidade de consecução do PNM, principalmente do LABGENE, para viabilizar a construção do submarino nuclear brasileiro. 71 Foi verificado que a indústria nacional poderá participar intensamente em quase todas as áreas desses projetos. Como exemplos de área de atuação podem ser citados: construção do casco dos submarinos convencionais e do nuclear; construção de todo o circuito primário do submarino nuclear (inclusive o reator); construção de todo o circuito secundário (motor, turbina, condensador, gerador etc.); e construção da base/estaleiro. Como regra geral, a área sensível por excelência no ambiente nuclear é o enriquecimento de urânio. Ele entra no projeto do submarino através do elemento combustível. Os únicos órgãos capazes de fabricar o combustível nuclear são a INB e o CTMSP, não sendo prevista a participação de empresas privadas nessa área. Contudo, não foi identificado nenhum programa de fomento (procura de empresas) através de incentivos de financiamentos por órgãos públicos, como o BNDES, para a maior participação da indústria nacional nesses projetos, somente negociações isoladas do BNDES com algumas empresas fornecedoras do CTMSP (APÊNDICE D). A dependência técnica externa para consecução do PNM relativos a alguns materiais e equipamentos, mas não de serviços, é uma ameaça para o PNM devido a salvaguardas internacionais ou por pressões de Estados detentores de tecnologia nuclear, podendo interromper, a qualquer momento, o fornecimento de tais materiais. Infere-se com isto a seguinte questão: “Quanto tempo o PNM poderia resistir a um embargo na área nuclear”? Pode-se afirmar que a grande maioria dos itens importados pode ser desenvolvida no país, mas com um ônus de um período de prontificação certamente dilatado. A procura de determinados itens no exterior deve-se à necessidade de cumprir prazos, pois o desenvolvimento no País é executado num período muito mais longo do que a compra no exterior, e devido, também, à facilidade de licenciamento do item. Como são itens de uso comprovado no exterior, eles têm mais facilidades de serem licenciados no Brasil pelo CNEN do que itens provenientes de um desenvolvimento no país (APÊNDICE C). Devido ao PNM ter sido mantido em estado vegetativo por mais de 5 ou 6 anos pelas restrições orçamentárias e escassez de investimentos, levando a MB a um sacrifício para manter um patamar mínimo de alocação de recursos para o programa, mesmo em detrimento de seus demais setores, trouxeram como consequências a postergação de conclusão do PNM, iniciado em 1979. Na atual retomada de investimentos no PNM, a problemática de obsolescência do material já adquirido não foi identificada como significativa. Os equipamentos que já estão prontos não são obsoletos. Todos aqueles passíveis de obsolescência ainda estão para serem prontificados. Como regra geral, as fabricações de equipamentos e itens eletrônicos somente agora estão sendo contratados. 72 Pela característica dual do projeto LABGENE (uso militar na propulsão naval e uso civil na geração de energia), não foi confirmada no presente estudo a viabilidade da utilização da planta de geração termonuclear do PNM, em comparação com outras fontes de energia disponíveis, para suprimento de energia elétrica em localidades com densidade demográfica baixa ou em pequenos centros consumidores. Assim, não se pode considerar uma oportunidade de emprego do PNM diante da retomada do PNB sem um estudo mais minucioso. A potência do reator do LABGENE é de 11 MW, sendo suficiente para a iluminação de uma cidade de cerca de vinte mil habitantes. Reatores com menos de 100 MW são, como regra geral, antieconômicos. A análise da potência necessária para tornar o processo de geração de energia, através de um reator nuclear, em termos econômicos ainda precisa ser realizada, tendo em vista que determinados custos da implantação independem do tamanho do reator. Releva-se que os conhecimentos adquiridos no projeto e construção do reator do LABGENE são fundamentais para o projeto dos futuros reatores comerciais a serem fabricados no Brasil, tornando-se oportunidades de longo prazo (APÊNDICE C). Além dos já citados, os seguintes fatores podem também ser mencionados no emprego da Análise SWOT, com o intuito de obter um diagnóstico estratégico do PNM: a) pontos fortes: a vontade da Marinha de construir o submarino nuclear; a existência de pessoas com bastante conhecimento e experiência na área nuclear; o domínio de tecnologias altamente sensíveis; e o fato de o CTMSP possuir um parque tecnológico bem estruturado; b) pontos fracos: remuneração do pessoal civil bem abaixo da praticada no mercado; e muitas pessoas envolvidas no projeto perto da aposentadoria; c) oportunidades: emprego dos conhecimentos adquiridos na área de reatores para projeto civis (exemplo concreto: aplicação dos conhecimentos adquiridos no projeto de um reator multipropósito para produção de rádiofármacos e de teste de materiais); e a utilização dos conhecimentos adquiridos na área do ciclo do combustível para tornar o país autossuficiente nos processos de enriquecimento e da conversão (exemplo concreto: montar a usina de enriquecimento de Resende e ajudar a INB no projeto e construção de uma unidade de conversão de 1.200 t/ano de UF6); d) ameaças: negação de fornecimento, por parte de alguns países, de materiais estratégicos empregados no programa, obrigando ao seu desenvolvimento no país e aumentando consideravelmente o tempo necessário para a consecução dos projetos; aumento das pressões internacionais do cerceamento externo em decorrência da nova 73 Resolução 188713 do Conselho de Segurança da ONU; e a interrupção do aporte de recursos planejados para o PNM. Na verificação das oportunidades e ameaças para a Marinha do Brasil, em função do crescimento do PNB, em outras áreas fora do PNM, o estudo científico abrangeu às áreas de pesquisa e médica, tendo sido identificado especial interesse na área da medicina nuclear. Atualmente, no âmbito da MB não é desenvolvido qualquer tipo de pesquisa técnica para o PNM ou para o projeto do submarino nuclear fora do CTMSP. Na década de 80, o Instituto de Pesquisas da Marinha (IPqM) desenvolveu um sistema de controle denominado Sistema Digital de Controle Distribuído – SDCD a pedido na época da Coordenadoria de Projetos Especiais de São Paulo – COPESP, hoje CTMSP, tendo sido aplicado a uma planta térmica, que simulava a operação do reator nuclear a ser utilizado no LABGENE, o chamado Projeto LOOP-150. Com o término da reserva no campo da informática no Brasil nessa mesma época, decidiu-se pela importação de um sistema similar do exterior. No campo da medicina nuclear, observa-se que a indústria de radiofármacos do País é organizada e produzida, quase na totalidade, no IPEN, SP, e, em menor proporção e mais recente, no Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), RJ, ambos vinculados à CNEN. O novo PNB prevê, em um dos seus projetos, metas envolvendo diretamente a aplicação na medicina nuclear, que são: a criação da Empresa Brasileira de Radiofármacos (EBR) e a definição, projeto e construção de um reator multipropósito brasileiro (RMB). Com o aumento contínuo da demanda desses produtos, faz-se necessário também o aumento da produção. Contudo, o único reator de pesquisa existente no IPEN, que produz radiofármacos, possui capacidade limitada e muito aquém da demanda, sendo necessária a importação de insumos do Canadá. O reator de pesquisa multipropósito nacional irá aumentar a produção de radioisótopos no país e preencher essa lacuna, diminuindo ou eliminando a dependência externa na compra de insumos. Existem quatro reatores de pesquisa no país. Dois reatores estão no IPEN, SP: o IEA-R1, único com capacidade de produzir radioisótopos, ainda que limitada, e com uma vida _______________ 13 O Conselho de Segurança da ONU aprovou em 24 de setembro de 2009, por unanimidade, uma resolução apelando pela não-proliferação nuclear. A resolução 1887, redigida pelos Estados Unidos, pede aos Estados membros do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), de 1970, que respeitem suas obrigações, e que os demais se somem a ele como países sem armas atômicas, para torná-lo universal 74 útil restante estimada de 10 anos; e o IPEN/MB-01, sendo genuinamente brasileiro e que foi projetado e construído em conjunto com o CTMSP. Outro reator está no IEN, RJ: o Argonauta; e um no Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), Belo Horizonte, MG: a Triga O Hospital Naval Marcílio Dias (HNMD) firmou um contrato com o IPEN de fornecimento de radiofármacos, que é renovado anualmente. Os principais radiofármacos são: gerador de tecnécio-99; Iodo-131 (150 mci); Gálio-67 e o Tálio-201, gerando um dispêndio anual em torno de R$ 350 mil. Mais de 85% de todos os exames realizados na medicina nuclear utilizam o tecnécio-99, produzido a partir do molibdênio-99, cujos insumos são importados da empresa canadense MDS Nordion, que, no momento, encontra-se com o seu reator National Research Universal (NRU) paralisado, desde maio de 2009, devido a problemas técnicos. Esse reator é responsável por mais de 50% da demanda mundial de molibdênio-99, provocando uma crise internacional na produção desse radiofármaco. Crise semelhante ocorreu em 2007, devido a problemas no mesmo NRU, impedindo a realização da maioria dos exames cintilográficos e deixando os pacientes sem assistência nessa área. Outro fato importante foi o aumento do preço do molibdênio importado no início de março de 2009 em cerca de 200%, devido à crise internacional desde o final do ano passado e, ainda assim, aumentou-se o seu fornecimento em 10% para o país em relação ao ano passado. A construção do RMB poderá tornar o país autossuficiente na produção de radiofármacos, aliás, como já ocorre na Argentina, onde se realizam mais procedimentos de medicina nuclear que no Brasil e para uma população bem menor. Torna-se ainda mais relevante o RMB ao considerar que o reator IEA-R1 do IPEN, principal do país, tem uma vida útil restante de 10 anos, devendo haver um substituto, ou então várias atividades importantes deixarão de ser realizadas no Brasil, sendo a medicina nuclear a área mais afetada. O RMB beneficiará outras áreas além da saúde, como a indústria, a agricultura e a geração de energia, bem como na realização de testes de materiais para reatores e combustíveis nucleares. Além disso, pode ser usado como ferramenta para treinamento de recursos humanos do setor. A possibilidade de instalação do novo reator multipropósito brasileiro (RMB) em Aramar poderá trazer grandes oportunidades para a MB, pois poderá ser firmado um contrato com o IPEN de fornecimento de radiofármacos em uma condição muito mais vantajosa para a MB. Além disso, o reator poderá ser utilizado em outras aplicações para a MB, como na realização de testes de materiais utilizados em reatores e testes de combustíveis nucleares, que são de interesse para o PNM (APÊNDICE E). 75 5 CONCLUSÃO O estudo realizado permitiu identificar que é incontestável a importância do processo de planejamento da expansão da geração no Sistema Elétrico Brasileiro. Prova disso foi o racionamento de energia ocorrido em 2001, causado pelo abandono do planejamento no Brasil. A complexidade do problema do planejamento da expansão reside na enorme gama de incertezas existentes no Sistema. A característica única do parque gerador nacional com a predominância da geração hidrelétrica promove, indubitavelmente, uma imensa vantagem competitiva por permitir a geração de energia elétrica com custos relativamente baixos quando comparados aos demais custos de geração em todo o mundo. Foi, sim, graças à opção pelo desenvolvimento do parque hidrelétrico que o Brasil teve êxito no processo de industrialização, quando os países dependentes da geração térmica baseada em combustíveis fósseis sofriam os impactos dos choques de petróleo na década de 70. Em contrapartida, a concentração da geração na fonte hídrica, somada ao crescimento constante da demanda por energia elétrica, realçou a forte exposição do sistema ao risco hidrológico. A mitigação desse risco passa pelo aumento da complementação térmica. As usinas termelétricas são efetivamente capazes de reduzir o risco de falta de energia em função de hidrologias desfavoráveis, à custa de uma geração às vezes mais cara, ou causando maiores impactos de emissões de gases de efeito estufa, ou mesmo sobre a saúde da população vizinha. Estão também sujeitas a outros riscos como, por exemplo, de preço e suprimento de seu combustível. Existe, portanto um trade off entre os benefícios em termos de segurança e aumento da confiabilidade do sistema e seus custos. Funcionam como um seguro para o sistema. São capazes de inserir flexibilidade operativa e por isso podem ser vistas como valiosas opções reais. Fica evidenciada, neste trabalho, a importância do planejamento da expansão do parque de geração de energia elétrica no Brasil. Mais do que isso, fica demonstrada a relevância da participação da geração termelétrica e da diversificação da matriz nacional. Fique evidenciada também que, dentre as fontes de energia utilizadas para usinas termelétricas, a energia nuclear tem inegável destaque por ser a fonte de menor emissão dos gases que provocam efeito estufa e pela grande capacidade de concentração de energia. O Brasil ganha destaque internacional por ter grandes reservas de urânio e por ter conquistado o domínio do ciclo do combustível nuclear. Esses dois fatos são conseguidos, também, somente pela Rússia e Estados Unidos. 76 Com o novo Programa Nuclear Brasileiro (PNB) em suas duas vertentes: uma, na área de geração núcleo elétrica e, outra, em ações para a autossuficiencia de produção do combustível nuclear, o que proporcionará, inegavelmente, avanços e desenvolvimentos tecnológicos para a indústria nuclear nacional. Dois fatos foram determinantes para a retomada de o Projeto Nuclear da Marinha. Primeiro, o retorno aos investimentos necessários para dar continuidade aos projetos do LABGENE e completar todas as etapas do ciclo de combustível nuclear e, com isto, obter a autossuficiencia tecnológica na produção deste combustível. O segundo fato foi a assinatura do contrato com a Franca para a consecução do projeto e construção do submarino nuclear. Ficou claro no estudo que a consecução do PNM, principalmente o projeto LABGENE, e do acordo de cooperação com a França viabilizarão o projeto e construção do submarino nuclear. A utilização de uma ferramenta de diagnóstico estratégico de projeto, isto é, a aplicação da Análise SWOT no PNM, foi possível identificar diversas oportunidades e ameaças para a MB, que vão desde o avanço tecnológico até o desenvolvimento da indústria nuclear nacional. As ameaças também identificadas norteiam as áreas de investimento, de recursos humanos e de, ainda, uma dependência tecnológica estrangeira. Todos esses fatores podem subsidiar e auxiliar o planejamento do PNM. Ficou manifesto, também, as oportunidades para a área médica da MB, decorrentes dos projetos relacionados com a medicina nuclear contidos no novo PNB. Na avaliação final da presente pesquisa científica, sugere-se que deverão ser realizados estudos mais aprofundados quanto: - à mitigação da dependência tecnológica do exterior de fornecimento de materiais e equipamentos para o PNM; - à oportunidade de utilização da planta de geração termonuclear do LABGENE, pela característica dual do projeto (militar na propulsão nuclear e civil na geração de energia elétrica); e - à destinação dos rejeitos radioativos provenientes da utilização da energia nuclear, tanto do PNB quanto do PNM. 77 REFERÊNCIAS AGÊNCIA BRASILEIRO-ARGENTINA DE CONTABILIDADE E CONTROLE DE MATERIAIS NUCLEARES – ABACC. Acordo entre a República Federativa do Brasil e a República Argentina para Uso Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear. 1991. 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Módulo de ensino. 82 APÊNDICE A - Entrevista com o Prof. Dr. José Goldemberg MARINHA DO BRASIL ESCOLA DE GUERRA NAVAL CURSO DE POLÍTICA E ESTRATÉGIA MARÍTIMAS ENTREVISTA IDENTIFICAÇÃO NOME: Dr. José Goldemberg FUNÇÃO: Professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da USP Doutor em Ciências Físicas pela USP ORGANIZAÇÃO: Universidade de São Paulo DATA: 16/07/2009 1 – A relação energia – desenvolvimento tem sido objeto de estudo por muitos, incluindo-se o estabelecimento da causa e efeito entre essa relação com os danos ao meio ambiente. Como o Senhor analisa essa relação para um país que possui desigualdades sociais e de distribuição de renda, bem como entre os países com diferentes níveis de desenvolvimento e industrialização? JG: A correlação energia-meio ambiente-desenvolvimento existe, mas não é necessariamente linear. Certas ações na área de energia afetam de maneira diferenciada setores na sociedade. Por exemplo, medidas para reduzir as emissões de CO2 (resultantes do uso de gasolina em automóveis) afetam mais as classes média e alta, onde as pessoas possuem automóveis, e não as classes mais pobres, que usam transporte coletivo. Distribuir os encargos (e benefícios) entre as diversas classes é uma tarefa complexa. 2 – Para demonstrar a relação do consumo de energia de um país e o seu desenvolvimento econômico e social, têm sido levantados e analisados vários indicadores comparativos, como: o consumo de energia per capita, intensidade energética (I=E/PIB), elasticidade de renda da demanda (Δ consumo relativa/∆ PIB relativo), índice de desenvolvimento humano (IDH), índices sociais (analfabetismo, expectativa de vida, mortalidade, fertilidade) em relação ao 83 consumo etc. Dentro do que o Senhor considera os principais índices, quais são os que refletem com mais precisão o comportamento dessa relação e quais que podem levar uma análise distorcida em relação a outros países? JG: Claramente, o IDH é o mais abrangente de todos. Ele é superior, em todos os aspectos, ao uso de GDP, que mede apenas transações financeiras. 3 – O atual governo dos EUA, de Barack Obama, declara sua mudança de posicionamento em relação ao controle de emissão de gases que provocam o efeito estufa (sendo os EUA o maior emissor mundial) do que era na administração George W. Bush, demonstrados no recente encontro dos países mais industrializados no início de julho de 2009 na Itália (grupo G-8) e da aprovação, pela Câmara dos Representantes dos EUA, da “Lei Americana de Segurança e Energia Limpa”, que estipula limites e prazos para a redução da emissão dos referidos gases e cria um mercado para compra e venda dos direitos para emissão de tais gases, que se tornar lei, atingirá a indústria de petróleo. Como o Senhor analisa essa mudança de postura? JG: Uma mudança dramática na direção correta. O Governo Bush, na prática, nem reconhecia a realidade (e a gravidade) do efeito estufa, apesar de os Estados Unidos serem o maior emissor mundial e, portanto, com a grande responsabilidade de tomar medidas concretas para evitar as suas consequências. 4 – E sobre a argumentação dos países chamados “emergentes”, incluindo o Brasil, de que os países industrializados devem pagar pelos custos da redução das emissões, devido a terem sido os grandes emissores no passado e, portanto, têm responsabilidade histórica pelo que está acontecendo, cabendo a eles resolver o problema. Como o Senhor analisa? E o Brasil, o que está fazendo e o que deveria fazer para reduzir a emissão de gases, já que é o quarto emissor mundial devido, principalmente, ao desmatamento de florestas? Qual a expectativa do Senhor para a 15ª reunião dos países signatários da Convenção do Clima, adotada no Rio-92, a ser realizada em Copenhague no final do ano? JG: O argumento dos países chamados “emergentes” é incorreto do ponto de vista técnico; não existe, hoje, grande diferença entre a contribuição histórica das emissões e as emissões anuais porque parte das emissões do passado já foi absorvida pelos oceanos. Além disso, as emissões da maioria dos países industrializados (exceto as dos Estados Unidos) deixaram de crescer desde 1990, ao passo que as emissões de China, Índia e Brasil (devido ao 84 desmatamento) têm crescido muito. A expectativa para a 15ª reunião dos países signatários da Convenção do Clima é que os Estados Unidos compareçam com uma lei que limite suas emissões, já aprovada pelo Congresso Americano, o que “esvaziaria” o argumento do Grupo dos 77. China é que não está levando o problema a sério. A pressão para que estes países assumam compromissos de redução vai aumentar muito. 5 – Em seu artigo “Energia – o Brasil na contramão?” publicado no jornal O Estado de S. Paulo no dia 16/fev/2009, o Senhor fez críticas ao Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2008-2017) por privilegiar um aumento da geração de energia elétrica com usinas termelétricas, que utilizam combustíveis fósseis (contribuem para o “efeito estufa”), em detrimento da energia hidrelétrica (fonte limpa e renovável), pela dificuldade de licença ambiental, indo em direção oposta o que se tenta fazer no resto do mundo. Em abril de 2009, o governo tomou uma atitude para minimizar esse fato e decidiu criar normas que dificultam a instalação de novas termelétricas movidas a carvão e a diesel, vinculando a licença ambiental ao plantio de árvores pelas usinas para compensar a emissão de gases. Quais as consequências que poderão surgir dessa decisão para o PDE2008-2017? JG: A consequência é que muitos dos projetos que venceram os leilões não se concretizarão, uma vez que os investimentos necessários vão aumentar muito. O Governo terá que fazer novos leilões para evitar a falta de energia na próxima década. 6 – O Presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Sr. Maurício Tolmasquim, em seu artigo “O Paradoxo Ambiental”, publicado na revista Carta Capital, de 2/fev/2009, afirma que “[...] os ambientalistas criticam o PDE2008-2017 pela presença de termelétricas e o consequente aumento das emissões de CO2, mas esquecem que essas usinas térmicas decorrem de sua própria ação a impedir o licenciamento das hidrelétricas. [...] O PDE praticamente não considera novas termelétricas além das já contratadas, que a expansão se fará basicamente com hidrelétricas e outras fontes de energia. Tal cenário só se concretizará com a mudança no processo de licenciamento e, mesmo, no comportamento do movimento ambientalista. [...] a ação de certas ONGs no sentido de judicializar o licenciamento das hidrelétricas traz um custo desnecessário e produz um impacto ambiental negativo em sua matriz energética.” O Senhor concorda com essas afirmações? 85 JG: Concordo. A oposição a novos empreendimentos hidrelétricos é irracional em muitos casos. É preciso comparar custos ambientais e os benefícios que a produção de eletricidade traz. 7 – É inegável a vocação hídrica do Brasil para geração de energia elétrica, trazendo uma importante vantagem competitiva em nível mundial (fonte renovável e limpa). Como é também nítida a transformação da malha energética nacional de hídrica para hidrotérmica. Os defensores de maior participação das usinas térmicas na matriz nacional alegam que a operação do Sistema Interligado Nacional (SIN), de virtual monopólio da hidroeletricidade, irá depender de quanto e onde chove no país, ou seja, da Natureza. Para a sua autorregulagem ao enfrentar um ano seco necessita, no mínimo, de cinco meses de energia hídrica armazenada. A expansão da contribuição de outras fontes renováveis – eólica, solar, biomassa – deverá ser a máxima possível. Porém, elas não reduzirão a necessidade da complementação térmica. Como o Senhor analisa este cenário e argumentações? JG: A capacidade de armazenamento dos reservatórios de usinas hidrelétricas não aumenta desde meados da década dos 80. Por essa razão, a necessidade de complementação térmica é inevitável, mesmo que se aumente a contribuição de outras fontes renováveis. 8 – Em relação à crise energética ocorrida em 2001 no país, quais foram as principais causas para esta ocorrência? JG: A causa imediata foi a falta de chuvas ocorridas nos anos anteriores, mas a causa mediata, real, foi o fato de a capacidade de armazenamento dos reservatórios não ter aumentado desde meados da década dos 80, tornando o sistema muito vulnerável ao regime de chuvas. Contribuiu também a falta de interligação dos sistemas de geração Sul-Sudeste. 9 – A situação energética atual do país, em relação à infraestrutura de energia elétrica, é muito diferente de 2001? Em caso afirmativo, quais os fatores fundamentais que marcam a diferença do momento atual e a de 2001? O Senhor vê a possibilidade da ocorrência de novos “apagões” e da necessidade de medidas de racionamento do consumo de energia, como na crise de 2001, para fazer frente a um período de seca? JG: As interligações dos sistemas melhoraram, bem como a capacidade de geração térmica com usinas a gás. Além disso, tem chovido muito e os reservatórios estão cheios. Na próxima década, contudo, o problema pode se repetir. 86 10 – Qual é o parecer do Senhor quanto à importância e validade dos planejamentos integrados dos recursos energéticos de médio prazo (PDE2008-2017) e longo prazo (PNE2030) elaborados pelo governo, através da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e vinculado ao Ministério de Minas e Energia (MME)? JG: Os planejamentos da EPE são basicamente extrapolações do passado com hipóteses pouco realistas. São basicamente exercícios acadêmicos. 11 – Como o Senhor analisa o ressurgimento da energia nuclear no mundo, após duas décadas de crescimento desprezível, com a construção atual de 45 novas usinas e 131 por construir (total de 176 usinas, distribuídas na China-45, Índia-29, Rússia-16, Japão-15, Coreia do Sul12, USA-12, Canadá-5, entre outros), bem como investimentos em novos projetos de reatores que incorporam, por exemplo, características melhores de segurança e reprocessamento do combustível nuclear? A melhoria da segurança e a mudança do clima são razões fortes para perseguir, hoje, a energia nuclear? Em caso afirmativo, como se pode evitar a proliferação nuclear? JG: Sou cético em relação ao “renascimento” da energia nuclear que o Governo Bush tentou provocar desde 2002. Apesar da segurança dos reatores nucleares e de seu desempenho ter melhorado, o seu custo aumentou muito com a crise econômica mundial. Investir 4 ou 5 bilhões de dólares num reator e enfrentar riscos regulatórios e oposição dos grupos antinucleares é ainda um freio importante a grandes inversões neste setor. Nos Estados Unidos, até hoje a construção de nenhum reator foi iniciada desde a década dos 80. Além disso, as preocupações com a proliferação nuclear aumentaram muito e a rota do reprocessamento só aumenta estas preocupações. O GNESD, “menina dos olhos” do Governo Bush, está em vias de ser desativado no Governo Obama. 12 – Ambientalistas de renome, como James Lovelock, criador da Teoria de Gaya, e Patrick Moore, um dos fundadores do Greenpeace, se declaram agora defensores da energia nuclear como o método mais eficaz de se combater o aquecimento global, por ser além de limpa e segura, “é a única forma de energia imediatamente acessível, que não causa aumento de temperatura.” Como o Senhor analisa esta postura? JG: Patrick Moore se tornou um “lobista” da indústria nuclear e perdeu toda a credibilidade. Lovelock sempre foi considerado um excêntrico e se opõe até a energia eólica porque vai 87 perturbar a paisagem da zona rural onde ele vive. Ambos, devido ao seu passado, têm sido explorados pelo “lobby” nuclear. Concordo que energia nuclear não causa aumento da temperatura, mas, em compensação, pode gerar outros problemas, como grandes acidentes e, sobretudo, a proliferação nuclear. 13 – Os defensores da energia nuclear como alternativa energética para o Brasil alegam um papel de complementaridade, não devendo haver competição entre as fontes de energia disponíveis, e que dificilmente haverá uma fonte que represente solução única de forma sustentável para um país. São favoráveis a uma diversificação da matriz energética nacional, em que a componente hidrelétrica continuará a predominar e ter precedência, porém ao lado de outras fontes renováveis de energia e de uma importante componente termelétrica, necessária para garantir o funcionamento seguro do sistema. Neste contexto, a energia nuclear tem vantagem por ser a energia mais limpa e o Brasil possuir uma das maiores reservas mundiais de urânio e dominar a tecnologia de fabricação do combustível nuclear, ao lado somente de EUA e Rússia. Como o Senhor analisa este quadro? JG: Concordo com a primeira parte desta pergunta. Energia nuclear contribui para a diversificação do sistema e tem, pois, um caráter complementar. A ideia de que o Brasil deve ser uma grande potencia nuclear só porque tem uma das maiores reservas mundiais de minério de urânio é discutível. Enriquecer urânio exige grandes investimentos e o mercado mundial já tem excesso de produção de urânio enriquecido. Não é evidente que enriquecer urânio é um investimento atraente. 14 – Em entrevista a revista Época, o Senhor concorda com a conclusão da usina nuclear de Angra III. Por quê? JG: Investimentos apreciáveis já foram feitos em Angra III e me parece razoável concluí-la como fonte complementar ao sistema hídrico. 15 - A energia nuclear é uma tecnologia viável e sustentável no Brasil? Qual é o papel e a importância da energia nuclear como alternativa energética para o Brasil? 88 JG: Não creio que tenha sido demonstrado que energia nuclear é “uma opção viável e sustentável” no Brasil, além dos seus custos serem enormes e, certamente, superiores aos custos das alternativas existentes (sobretudo hidroelétrica). Ainda assim ela poderá desempenhar um papel complementar. A conclusão de Angra III não deve ser usada como justificativa para lançar um grande programa nuclear no país onde apenas 35% do potencial hidrelétrico foi utilizado. 16 – Quais são as expectativas do Senhor em relação ao Brasil depois da descoberta do megacampo de petróleo de Tupi? Como se pode aliar o desenvolvimento econômico e o social? JG: Boas. O Brasil é praticamente autossuficiente na produção de petróleo e com o petróleo do pré-sal poderá se tornar exportador usando os recursos resultantes para o desenvolvimento econômico e social. 89 APÊNDICE B - Entrevista com o Exmo. Sr. Vice-Almirante (EN-RM1) Othon Luiz Pinheiro da Silva e com o Sr. Capitão-de-Mar-e-Guerra (EN-RM1) Leonam dos Santos Guimarães MARINHA DO BRASIL ESCOLA DE GUERRA NAVAL CURSO DE POLÍTICA E ESTRATÉGIA MARÍTIMAS ENTREVISTA IDENTIFICAÇÃO NOMES: VA (EN-RM1) Othon Luiz Pinheiro da Silva; e CMG (EN-RM1) Leonam dos Santos Guimarães FUNÇÕES: Diretor Presidente; e Chefe de Gabinete do Diretor Presidente. ORGANIZAÇÃO: Eletronuclear – Eletrobrás Termonuclear S.A. DATA: 24/06/2009 1 – A energia nuclear é uma tecnologia viável e sustentável no Brasil? Qual o papel e a importância da energia nuclear como alternativa energética para o Brasil? Resposta: Sim, por vários aspectos. Primeiro porque a opção nuclear permite a geração confiável de uma energia ambientalmente limpa, que não contribui para o efeito estufa, e não é afetada pelas variações climáticas. Além disso, a energia nuclear faz uso de um combustível de origem nacional, o que permite minimizar vulnerabilidades no abastecimento e proteção contra a volatilidade dos preços, não estando sujeito a flutuações no mercado internacional. Ocupando uma área pequena, quando comparada com outras formas de geração de energia, as usinas nucleares podem ficar próximas aos grandes centros consumidores, eliminando a necessidade de longas linhas de transmissão. O papel e a importância da energia nuclear como alternativa energética para o Brasil é de complementaridade. Não deve existir competição entre as fontes energéticas disponíveis. Dificilmente haverá uma fonte de energia que represente solução única de forma sustentável para um país. O próprio exemplo brasileiro, cujo Sistema Interligado Nacional (SIN) foi por muito tempo baseado essencialmente na fonte hídrica e que hoje passa por uma transformação 90 no sentido de tornar-se um sistema hidrotérmico, reforça esta tese. O caráter largamente majoritário da hidroeletricidade torna o Brasil um caso único, com uma importante vantagem competitiva em nível mundial. A operação do sistema, entretanto, irá depender de quanto e onde chove no país, ou seja, da Natureza. A vazão dos rios varia nas estações do ano e anos secos ocorrem em ciclos de cinco a dez anos. Um sistema hídrico que se autorregule para enfrentar um ano seco como, por exemplo, o de 2001, necessita, no mínimo, de cinco meses de energia hídrica armazenada e, de agora em diante, tenderão a apresentar uma razão entre a capacidade de armazenamento de água e a produção de energia elétrica da ordem de dois meses e tendendo a diminuir cada vez mais. Grandes reservatórios na Amazônia, região onde se encontra a maior parte do potencial hidrelétrico disponível para aproveitamento, são inviáveis do ponto de vista social e ambiental. O país está passando por um “divisor de águas”: a situação atual de virtual “monopólio” da hidroeletricidade no SIN apresenta tendência de evolução para uma situação em que a componente hidrelétrica continuará a predominar e ter precedência, porém ao lado de uma importante componente termelétrica necessária para garantir o funcionamento seguro do sistema. A expansão da contribuição de outras fontes renováveis – eólica, solar, biomassa – deverá ser a máxima possível. Porém elas não reduzirão a necessidade da complementação térmica. Todas as fontes renováveis dependem dos ciclos da Natureza e requerem complementação térmica para os períodos em que não estão plenamente disponíveis. Nesse contexto, o Brasil dispõe de uma situação privilegiada, pois possui, em seu território, diversas alternativas de geração térmicas: urânio, carvão, biomassa, gás natural e petróleo. Cada uma com suas especificidades de uso. Deve-se ressaltar que o Brasil tem uma das maiores reservas mundial de urânio e passou a dominar o conhecimento do ciclo completo de fabricação do combustível nuclear, obtendo uma posição privilegiada em termos globais. 2 – De acordo com o contrato de compra e venda de energia elétrica gerada, qual é a tarifa atual das usinas Angra I e II? E qual será a prevista para a usina de Angra III? Em comparação com outras fontes de energia elétrica, a fonte nuclear é competitiva? Resposta: A tarifa contratual das usinas Angra I e Angra II é de R$ 128,00 (cento e vinte e oito reais) por MWh. Segundo nossos estudos preliminares, estima-se que a tarifa contratual da usina Angra III será de aproximadamente de R$ 143,00 (cento e quarenta e três reais) por MWh, que possivelmente será firmado com o holding Eletrobrás. Esse valor é fruto de vários 91 estudos, amplamente debatidos pelo Governo e por especialistas do setor. Sob o aspecto de competividade econômica e a título de comparação, no último leilão de venda de energia realizado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para as usinas térmicas, a gás, o preço médio da tarifa ficou em R$ 136 por MWh. Só que, como as usinas foram contratadas a um custo fixo, que considera uma operação com 50% da capacidade, se operarem acima disso, a tarifa ultrapassará os R$ 140,00 por MWh. No leilão realizado em junho de 2007, especificamente para biomassa e pequenas centrais hidroelétricas (PCH), o preço médio ficou em R$ 138,85/MWh para a primeira e R$ 134,99/MWh para a segunda. A energia eólica tem custo previsto acima de R$ 200,00/MWh e o primeiro leilão a ser realizado pela EPE está agendado para novembro de 2009. Estes exemplos evidenciam a viabilidade econômica da opção nuclear. 3 – A empresa Eletronuclear é autossustentável financeiramente? A empresa conseguiu reverter seus sucessivos prejuízos? Em caso positivo, quais foram às mudanças? Resposta: A Eletronuclear – Eletrobrás Termonuclear S/A, foi criada em 1997 com a finalidade de operar e construir usinas termonucleares no país. Subsidiária da Eletrobrás S.A., é uma empresa de economia mista, sendo autossustentável financeiramente, com lucro líquido e superávit fiscal anual, não dependendo do orçamento fiscal da União para os seus dispêndios econômicos, distribuídos em investimentos, dispêndios de capital (amortizações) e dispêndios correntes. O desempenho pode ser explicado pelo aumento da receita devido à nova política tarifária de energia gerada pela empresa, e pela estabilização dos custos. Pesou também a renegociação das dívidas junto à controladora. 4 – Como representante do Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro, Vossa Excelência apresentou, em 18 de agosto de 2008, o novo Programa Nuclear Brasileiro, contendo vários programas e metas e um aporte de recursos de R$ 968 milhões, aplicados em 4 anos (2007 a 2010). Qual a avaliação de V. Exa sobre o andamento e o cumprimento das metas do PNB até a presente data? Resposta: No que tange a Angra III e às usinas da Central Nuclear do Nordeste, as atividades encontram-se em andamento. O cronograma originalmente previsto para Angra III sofreu um atraso de cerca de 3 meses devido ao fato de a Licença Municipal para construção somente ter 92 sido emitida em 06 de julho de 2009. 5 – Os recursos provenientes do orçamento federal planejados para o PNB foram contingenciados pelo governo federal no ano de 2009? Resposta: As metas do PNB relacionadas com a Eletronuclear não recebem recursos do Tesouro Nacional, sendo administradas por recursos próprios ou por solicitação de financiamento externo. As metas associadas a atividades da CNEN, INB e NUCLEP são financiadas por verbas orçamentárias do Orçamento Fiscal da União. Quanto ao aporte de recursos do PNB para as metas de outras entidades envolvidas não temos conhecimento. 6 – O que acha da criação de uma Agência Reguladora do Setor Nuclear, separando as atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico da regulação e fiscalização, hoje desempenhada pela CNEN (Agência Reguladora Nuclear Brasileira), como prevê o PNB? Resposta: Isto já foi uma recomendação da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em inspeções realizadas desde o ano de 2004. Estamos de acordo com essa providência, aliás, como está previsto no PNB. Em todos os países que possuem tecnologia nuclear seguem esse procedimento. A proposta de projeto com a criação da Agência Reguladora já foi encaminhada pelo CNEN para aprovação e trâmite do Ministério da Ciência e Tecnologia. 7 – Quanto ao Índice de Nacionalização das usinas nucleares: quais são o atual e o esperado para aquelas que serão construídas? Resposta: O índice atual de nacionalização da usina de Angra II é aproximadamente de 50,4%. O índice esperado para a construção da usina de Angra III é de 54,0%. Estamos trabalhando e planejando alcançar um índice de nacionalização para as futuras usinas a serem construídas no Brasil de 70%. 8 – A retomada do crescimento na área nuclear, com o novo PNB prevê a construção de usinas nucleares no Brasil, a autossuficiência na produção industrial de todo o ciclo de combustível nuclear e, também, destina recursos orçamentários para a concretização de parte 93 de o Programa Nuclear da MB (PNM), aplicados no domínio do ciclo do combustível e implementação de instalações nucleares para a propulsão naval. O acordo de cooperação firmado entre o Brasil e a França no final de 2008 prevê, dentre outros projetos contidos na Estratégia Nacional de Defesa (END), o projeto e construção de submarinos convencionais e um nuclear. Por serem consideradas tecnologias sensíveis, como está prevista a participação da indústria nacional nesses projetos e em que áreas? Existe algum programa de fomento (procura de empresas) através de incentivos fiscais e de financiamentos por órgãos públicos, como o BNDES, para uma maior e efetiva participação da indústria nacional nesses projetos? O Grupo de Trabalho Interministerial para identificação da potencialidade nacional nos suprimentos de bens e serviços para as usinas pós-Angra III já apresentaram suas avaliações? Resposta: Não tenho conhecimento. Somente casos isolados de aberturas de crédito entre o BNDES e empresas nacionais fornecedoras de materiais e equipamentos para a área nuclear. 9 – Como está o planejamento de expansão da capacidade de geração núcleo elétrica pósAngra lll para atender o Plano Nacional de Energia (PNE) 2030? Existe um cronograma de implementação? Quais são as participações atual e a futura da energia nuclear na malha energética e de geração elétrica nacional após a implementação das usinas? Resposta: A usina nuclear Angra III está prevista para ser concluída e comissionada em 2014, possuindo capacidade instalada de 1.350 MW, o que atenderá o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2008-2017. Estamos trabalhando com a seguinte premissa de implementação das usinas nucleares pós-Angra III, sendo todas elas de capacidade de geração de 1.000 MW, a fim atender ao PDE 2030: U. Nuclear 1, operação em 2019; U. Nuclear 2, operação em 2022; U. Nuclear 3, operação em 2025, U. Nuclear 4, operação em 2028; U. Nuclear 5, operação em 2031 e U. Nuclear 6, operação em 2034. As usinas serão implantadas duas a duas e as duas primeiras serão instaladas numa Central Nuclear na região Nordeste e as terceira e quarta usinas numa Central Nuclear na região Sudeste. A participação atual da energia nuclear como fonte de energia primária e não renovável na malha energética nacional é aproximadamente de 1,5% e para a matriz de geração elétrica no Brasil é de 2,8%. Com a construção de Angra III e das demais usinas temos a expectativa de aumento da participação para 5% na malha de geração de energia nacional. 94 10 – A usina nuclear Angra I foi construída com tecnologia americana (Westinghouse) e Angra II e III com tecnologia alemã (Siemens – KWU). Para as demais usinas planejadas a serem construídas pós-Angra III, quais as perspectivas de tecnologia e de manutenção? Resposta: As obras civis deverão ser contratadas junto a uma empresa no país por processo licitatório, como ocorreram com as usinas I, II, III. Quanto aos sistemas e equipamentos das usinas propriamente ditas e, principalmente os reatores, deverão ocorrer através de concorrências internacionais, não podendo prever qual será a tecnologia ou licitante vencedor, sendo as tecnologias de mais evidência mundial atualmente: a americana (Westinghouse/Toshiba), a francesa (Areva/Mitsubishi) e a russa (Rosenergoatom). 11 – No acordo de cooperação entre o Brasil e a França firmado em dezembro de 2008, além de projetos contidos na Estratégia Nacional de Defesa (END) como a aquisição de helicópteros e submarinos, estão previstos também a cooperação e transferência de tecnologia na área nuclear envolvendo a Eletronuclear e a Electricité de France (EDF). Solicito informar o objeto do acordo e a situação atual. A empresa Areva, resultante da fusão entre a alemã Siemens-KWU e a francesa Framatome, recentemente associada a Mitsubishi, através desse acordo participará da conclusão de Angra III e do fornecimento de reatores e construção das futuras usinas nucleares previstas no PNB e PNE 2030? Resposta: A AREVA participará da construção de Angra III por força de contratos comerciais e acordos governamentais firmados ainda na década de 70. Para as usinas pós-Angra III, o processo de seleção de tecnologia ainda não foi iniciado, mas será um processo competitivo. 12 - Dentro do PNB, quando atingiremos a autossuficiência em produção de combustível nuclear para atender às usinas nucleares, o PNM (protótipo em terra LABGENE e submarinos) e os reatores de pesquisa e produção de radioisótopos? Quais serão as respectivas produções? Quais as principais ameaças a vencer para atingirmos a autossuficiência? Resposta: A autossuficiência de produção de combustível nuclear para atender às necessidades das usinas nucleares Angra I, Angra II e, inclusive, Angra III será atingida em 2014, quando serão cumpridas as metas de prospecção e mineração de 1.200 t/ano em 2012, 95 as metas de conversão com a primeira usina industrial, em 2014, com 1200 t/ano, e aumento na produção de urânio enriquecido com nova fábrica em 2014. Quanto ao PNM, com o início da produção da usina de demonstração industrial USEXA em 2010, a MB terá capacitação plena para produção do combustível nuclear do protótipo e dos submarinos nucleares com 40 t/ano. Para aumentar as aplicações da energia nuclear nas áreas da medicina, indústria, agricultura e de pesquisa, está prevista a implantação de mais um reator de pesquisas até 2014 que, além dos quatro já existentes, poderá ser atingida a autossuficiência na produção de radiofármacos no país. A maior ameaça para atingirmos a autossuficiência é a descontinuidade na alocação de recursos para financiamento. 13 – Mesmo após a autossuficiência na produção do combustível nuclear em relação ao PNB, deve-se manter o contrato com a empresa canadense CAMECO para a “conversão” e com o consórcio europeu URENCO para o “enriquecimento” do urânio, a fim de manter um vínculo comercial aberto com essas empresas internacionais, mesmo em quantidades reduzidas? Por quê? Resposta: Não vemos necessidade de manter o contrato com as duas empresas para esses serviços, desde que tenhamos uma produção industrial que atenda as nossas demandas e necessidades. 14 – É favorável à negociação, para o exterior, de produtos (urânio bruto ou beneficiadoyellow cake) e serviços (como o enriquecimento do urânio, após atingirmos a autossuficiência), para angariar recursos a fim de custear o PNB e o PNM e, assim, não depender de recursos orçamentários do governo ou de financiamentos para esses programas nucleares? Por quê? Não seria uma oportunidade diante do crescimento do PNB? Resposta: A primeira preocupação deve ser com o atingimento da autossuficiência na produção do combustível nuclear, isto é, o alcance de uma produção do combustível em escala industrial para atendimento das necessidades atuais e futuras, de acordo com as usinas já existentes e com o planejamento de construção de novas usinas nucleares. Somos favoráveis à negociação com outros países do urânio beneficiado e se ele for excedente, sendo contrário a comercializar o urânio bruto, devido ao valor tecnológico agregado e, assim, tendo um maior 96 valor comercial. Começaria pelo “yellow cake”, por já ser produzido em escala industrial, e depois o urânio convertido em gás UF6 ou o urânio enriquecido, após serem produzidos industrialmente no Brasil. Hoje, estas duas últimas etapas são contratadas e produzidas no exterior, como já foi mencionado. 15 – Como está planejada a captação e formação de pessoal, para cada nível de instrução, necessária para atender aos projetos do novo PNB? A idade média avançada dos técnicos especializados, a evasão de pessoal e a falta de captação de mão de obra especializada seriam ameaças para a consecução do PNB? Resposta: Para a formação em nível operacional, a Eletronuclear possui um centro de treinamento instalado na cidade de Paraty, contando com um simulador que reproduz a sala de controle de Angra II, onde são treinados, além de operadores da Eletronuclear, também operadores de usinas estrangeiras. Atualmente, solicitamos a autorização para a contratação de 500 vagas em diversos níveis para suprir nossas necessidades atuais. À medida que os investimentos do PNB são confirmados e vão sendo implementados, a necessidade da captação e formação do pessoal para atender os projetos vai sendo concomitantemente levantada e resolvida, dentro de um planejamento previamente elaborado. Sem dúvida, caso as necessidades de pessoal não sejam atendidas na quantidade, na formação e nos prazos adequados poderão comprometer a operacionalidade dos referidos projetos. Mão de obra só é formada e captada quando se tem bons projetos. O PNB é constituído por um elenco de bons projetos. 16 – É viável a utilização da planta de geração termonuclear do PNM pela característica dual do projeto LABGENE (propulsão naval e geração de energia), em comparação com outras fontes de energia disponíveis, para suprimento de energia elétrica em localidades com densidade demográfica baixa ou pequenos centros consumidores? Pode ser considerada uma oportunidade de emprego do PNM diante da retomada do PNB? Resposta: Primeiramente, deve-se elaborar um estudo de custo-benefício para verificar a viabilidade econômica em comparação com outras fontes de energia existentes na localidade planejada, após o projeto LABGENE ter sido consolidado. A mobilidade para instalação da planta de geração termonuclear do porte do PNM e sem grandes investimentos de linhas 97 elétricas de transmissão e de distribuição para os centros consumidores, bem como pequenas perdas de energia decorrentes, são vantagens a serem consideradas, podendo levar, com isso, o desenvolvimento em locais mais distantes. Entretanto, devido aos recursos hídricos abundantes no Brasil, nos parece que a construção de usinas hidrelétricas de pequena capacidade de geração seja uma opção econômica mais viável para este caso, principalmente quando se refere à localidade situada na região Amazônica, considerando que seja minimizado o seu impacto ambiental. 17 – As críticas do cientista José Goldenberg sobre a utilização da energia nuclear na malha energética nacional são embasadas nos riscos envolvidos, classificados por ele como: riscos físicos (radioatividade, acidentes, resíduos, explosões nucleares), riscos econômicos (custos com segurança e reatores, interrupções freqüentes, tarifa não competitiva em relação às outras fontes) e riscos estratégicos (produção de armas nucleares, proliferação nuclear). É que a chamada “renascença nuclear” foi provocada pelos EUA devido aos subsídios às empresas produtoras de equipamentos nucleares, levando mais de 30 países a desenvolverem a energia nuclear, negligenciando opções mais atraentes do ponto de vista econômico e sem o risco de aplicações militares. V. Exa. poderia fazer uma avaliação dessas críticas? Resposta: O Professor Goldenberg, está defendendo suas convicções e seus pontos de vista, os quais eu respeito, mas com os quais eu não concordo e tenho argumentações suficientes para pensar de forma diferente. 18 – Com relação ao Plano de Emergência Externo das usinas nucleares, como o Colégio Naval e o Hospital Naval Marcílio Dias estão inseridos no contexto do referido plano? Resposta: Sim. Cada um tem as suas incumbências e capacidade específica dentro deste plano. 98 APÊNDICE C- Entrevista com o Exmo. Sr. Contra-Almirante (EN) Carlos Passos Bezerril MARINHA DO BRASIL ESCOLA DE GUERRA NAVAL CURSO DE POLÍTICA E ESTRATÉGIA MARÍTIMAS CPEM-2009 ENTREVISTA IDENTIFICAÇÃO POSTO E NOME: Contra-Almirante (EN) Carlos Passos Bezerril FUNÇÃO: Diretor do CTMSP OM: Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP) Data: 29 de junho de 2009 1 – Como metas envolvendo diretamente o PNM e CTMSP, o novo PNB apresentado em agosto de 2008 prevê a conclusão e operação da planta-piloto de UF6 (conversão) até 2010 e, também, completar o projeto do reator de propulsão naval desenvolvido pela MB em 8 anos, isto é, de 2007 até 2015. Solicito que V. Exa. informe a situação atual e a evolução das ações para o cumprimento dessas metas e prazos. Quais são as ameaças para o não-cumprimento das referidas metas? Resposta: A conclusão da USEXA (unidade de conversão – UF6) está prevista para o primeiro semestre de 2010 não sendo, até o momento, esperados atrasos significativos. Em relação ao Laboratório de Geração de Energia Núcleo-Elétrica (LABGENE) o cronograma atual prevê sua prontificação para 2014, tendo recomeçado em 2008. O LABGENE é o protótipo do sistema de propulsão do submarino nuclear construído em terra. As principais ameaças para o não-cumprimento das metas em lide são: - Perda de mão-de-obra existente devido aos baixos salários aplicados para o pessoal civil; - Não contratação de novos empregados devido aos baixos salários; e - Falta de recursos para os projetos. 99 OBS: Vale salientar que as duas primeiras ameaças são fatos concretos (medidas estão sendo tomadas para mitigar o problema) e a terceira ainda não aconteceu (até agora os recursos têm vindo como prometidos). 2 – São previstos recursos financeiros no PNB para o PNM fim execução e cumprimento das metas citadas anteriormente. Como está o provimento dos recursos planejados do PNB para o PNM e serão eles suficientes para o cumprimento das metas? Eles foram contingenciados pelo governo em 2009? Resposta: O PNM faz parte do PNB e, de certo modo, podemos dizer que os recursos destinados ao PNM são oriundos do PNB. Os recursos estão vindos como planejado, sem contingenciamento. 3 – O PNM desenvolvido no CTMSP é composto de dois grandes projetos: o Projeto do Ciclo do Combustível e o Projeto de Geração Núcleo-Elétrico (LABGENE). Qual a participação desde o início do PNM dos recursos orçamentários da MB nesses dois projetos, do Tesouro Nacional através do PNB e se existe alguma outra fonte de recursos extra-MB? Quanto já foi gasto até a presente data no PNM e quanto de recursos é estimado para a conclusão do programa? Resposta: Pelo gráfico abaixo podemos ver a composição dos recursos aportados ao projeto até dezembro 2008. Os recursos extra-MB vieram de várias fontes, principalmente da extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) e o do MCT. Os recursos necessários para o término dos projetos foram estimados em R$ 1,04 bilhão. Desse montante, foram aportados R$ 130 milhões em 2008, e esperamos em torno de R$ 161 milhões para 2009. 100 Dispêndio total do PNM até 2008 100.000.000 MB: US$ 1.001.449.770 90.000.000 Extra-MB:US$ 218.909.842 80.000.000 Total: US$ 1.220.359.612 US$ Equivalentes 70.000.000 60.000.000 50.000.000 40.000.000 30.000.000 20.000.000 10.000.000 MARINHA 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 1984 1983 1982 1981 1980 1979 0 EXTRA MARINHA 4 – A retomada do crescimento na área nuclear com o novo PNB prevê a construção de usinas nucleares no Brasil, a autossuficiência na produção industrial de todo o ciclo de combustível nuclear e, também, destina recursos orçamentários para concretização do PNM no domínio do ciclo do combustível e implementação de instalações nucleares para a propulsão naval. O acordo de cooperação firmado entre o Brasil e a França no final de 2008 prevê, dentre outros projetos contidos na Estratégia Nacional de Defesa (END), o projeto e construção de submarinos convencionais e nucleares. Por serem consideradas tecnologias sensíveis, como está prevista a participação da indústria nacional nesses projetos e em que áreas? Existe algum programa de fomento (procura de empresas) através de incentivos de financiamentos por órgãos públicos, como o BNDES, para maior participação da indústria nacional nesses projetos? Resposta: A indústria nacional poderá participar intensamente em quase todas as áreas desses projetos. Como exemplo de área de atuação podemos citar: - Construção do casco dos submarinos convencionais e do nuclear; - Construção de todo o circuito primário do submarino nuclear (inclusive o reator); - Construção de todo o circuito secundário (motor, turbina, condensador, gerador etc.); e - Construção da base/estaleiro. 101 Como regra geral, a área sensível por excelência no ambiente nuclear é o enriquecimento de urânio. Ele entra no projeto do submarino através do elemento combustível. Os únicos órgãos capazes de fabricar o combustível nuclear são a INB e o CTMSP, não sendo prevista a participação de empresas privadas nessa área. Tudo que tenho conhecimento a respeito de fomento é de uma reunião que aconteceu em Aramar, entre o BNDES e alguns fornecedores do CTMSP. Nessa reunião, o BNDES apresentou as suas várias linhas de créditos, mas nada focado na área nuclear. 5 - Existem outros contratos, convênios, ou algum tipo de acordo administrativo, além dos citados contratos com a INB para construção de ultracentrifugadoras e com a França para o submarino nuclear, entre o CTMSP e algum órgão nacional público ou privado (como USP, IPEN, IPT etc.) ou internacional (como Areva, Westinghouse etc.) para prestação de serviço ou cooperação técnica na área nuclear ou no desenvolvimento do PNM em seus dois grandes projetos (ciclo do combustível e LABGENE)? Resposta: Com relação ao exterior, não existem convênios de cooperação técnica, existindo somente contratos de fornecimentos de alguns itens. Em relação ao país, existem alguns convênios voltados para desenvolvimento de itens específicos. 6 - Quais são as dependências técnicas externas para consecução do PNM relativos aos materiais, equipamentos e serviços, mencionando sua importância, prioridade, emprego e quais são as empresas, países e valores? Elas são ameaças para o PNM e, se são, de que forma? Quais seriam os seus respectivos planos contingentes? Resposta: Não existem itens que não possam ser desenvolvidos aqui no país. A procura de determinados itens no exterior deve-se à: - Necessidade de cumprir prazos. (O desenvolvimento no País é muito mais demorado do que a compra no exterior.) - Facilidade de licenciamento do item. (Como são itens de uso comprovado, eles têm mais facilidades de serem licenciados aqui no Brasil do que itens provenientes de um desenvolvimento aqui realizado.) 102 7 – Mesmo após a autossuficiência na produção do combustível nuclear em relação ao PNB, deve-se manter o contrato com a Empresa canadense CAMECO para a “conversão” e com o consórcio europeu URENCO para o “enriquecimento” do urânio, a fim de manter um vínculo comercial com essas empresas mesmo com quantidades reduzidas? Por quê? Resposta: Trata-se de uma questão de caráter comercial e que tem que ser resolvida pela INB quando a autossuficiência chegar. É precipitado responder com muita antecedência, sendo necessário estudar o cenário mundial da época para se ter uma ideia da decisão ser tomada. 8 - Devido ao PNM ter sido mantido em “estado vegetativo” por mais de 5 ou 6 anos pelas restrições orçamentárias e escassez de investimentos, levando a MB a um sacrifício para manter um patamar mínimo de alocação de recursos para o programa, mesmo em detrimento de seus demais setores, trouxe como consequências a postergação de conclusão do PNM, iniciado em 1979, e a problemática natural da obsolescência do material já adquirido. Na atual retomada de investimentos no PNM, a problemática de obsolescência do material é significativa pelos conflitos gerados com a tecnologia atualizada ou com os fornecedores, por exemplo, tornando-se uma ameaça para o PNM? Em que áreas, materiais ou equipamentos isto foi mais bem percebido e quais as ações tomadas? Resposta: Os equipamentos que já estão prontos não são obsoletos. Todos aqueles passíveis de obsolescência ainda estão para serem prontificados. Como regra geral, a fabricação de equipamentos e itens eletrônicos está sendo somente agora contratados. 9 – É favorável à negociação para o exterior de produtos (urânio bruto ou beneficiado-yellow cake) e serviços (como o enriquecimento do urânio, após atingirmos a autossuficiência), para angariar recursos a fim de custear o PNB e o PNM e, assim, não depender de recursos orçamentários do governo para esses programas nucleares? Por quê? Não seria uma oportunidade diante do crescimento do PNB? Resposta: Já foi decidido pelo governo que não haverá exportação de yellow cake no momento atual. A exportação de urânio bruto é inviável por causa do percentual de urânio existente na rocha (no caso de Caitité, o percentual é em torno de 0,3%, ou seja, para cada tonelada de rocha temos apenas 3 kg de urânio). 103 10 - Como está planejada a captação e formação de pessoal necessária para atender aos projetos do PNM e o projeto e construção do submarino nuclear? Existe a possibilidade de desmobilização de pessoas da MB para a INB e Eletronuclear devido ao novo PNB? Estes fatos seriam ameaças para a consecução do PNM? Resposta: Na área de recursos humanos, as duas ameaças para o PNM são a perda do pessoal existente e a incapacidade de reposição da lotação necessária para desenvolvimento dos projetos. Isso se deve aos baixos salários praticados para o pessoal civil do CTMSP e para combater essas ameaças está sendo criada uma empresa de alta tecnologia para abrigar o pessoal da área nuclear e o pessoal da área de projeto de submarinos. A ideia é que essa empresa possa praticar salários que impeçam a saída de empregados para outros empregos. A empresa resolverá o problema da captação. O problema da formação de pessoal poderá ser resolvido com a ajuda do IPEN, através de cursos de mestrado profissionalizante. 11 – É viável a utilização da planta de geração termonuclear do PNM pela característica dual do projeto LABGENE (propulsão naval e geração de energia), em comparação com outras fontes de energia disponíveis, para suprimento de energia elétrica em localidades com densidade demográfica baixa ou pequenos centros consumidores? Pode ser considerada uma oportunidade de emprego do PNM diante da retomada do PNB? Resposta: A potência do reator do LABGENE é de 11 MW, sendo suficiente para a iluminação de uma cidade de cerca de 20.000 habitantes. Reatores com menos de 100 MW são, como regra geral, antieconômicos. A análise da potência necessária para tornar o processo de geração de energia, através de um reator nuclear, econômico, precisa ainda ser feita, tendo em vista que determinados custos da implantação independem do tamanho do reator. Releva-se que os conhecimentos adquiridos no projeto de construção do reator do LABGENE são fundamentais para os projetos dos futuros reatores comerciais a serem fabricados no Brasil. Essas são oportunidades de longo prazo. 12 – Em que pontos e em que proporções a não consecução das metas do PNB pode interferir na conclusão dos projetos do PNM? Até que ponto o PNM é interdependente ou é autônomo em relação ao PNB? 104 Resposta: O PNM é uma parte independente do PNB. 13 – Por ser um órgão público, o CTMSP tem que cumprir a Lei de Licitações (Lei nº 8.666) para obter materiais e contratar serviços no país para o desenvolvimento do PNM, seguindo todos os passos burocráticos na liturgia de obtenções. Este procedimento para aquisição de materiais e contratação de serviços tem sido uma ameaça ao cumprimento dos prazos ou técnicas envolvidas no PNM? Em caso afirmativo, como têm sido contornados ou minimizados os efeitos dessa dificuldade? Sem abandonar os princípios da moralidade e da economicidade ou da técnica, V. Exa. tem, ou sugere, um plano contingente para minimizar ou eliminar essa ameaça? Resposta: Toda burocracia ameaça a consecução das tarefas. A Lei nº 8.666 é bastante burocrática e, com certeza, causa atrasos. O modo de minimizar esses efeitos maléficos é a agilização dos processos licitatórios através da manutenção de um grupo altamente treinado, e da cooperação da Advocacia Geral da União (AGU). O ideal seria uma lei específica para os projetos considerados estratégicos. 14 - Quanto ao armazenamento de rejeitos radioativos classificados como de alta, média e baixa atividades, onde, e de que forma, esse material deverá ser estocado no CTMSP e no futuro Complexo Naval do S(N)? Isto é um problema para a MB? O novo PNB, que inclui esse assunto em seu programa, pode ser uma oportunidade de solução para a MB? Resposta: Os rejeitos devem ser armazenados no próprio sítio que os gerou. Os rejeito de média e baixa atividades não constituem maiores problemas, pois o tempo que devem ser guardados é menor que o tempo de vida da instalação. Os rejeitos de alta são mais complicados e devem permanecer na unidade que o gerou até seu discomissionamento. Após isso, o rejeito deverá ser levado para um depósito permanente, onde ele deverá ficar por centenas de anos. No Brasil, esse depósito permanente ainda não existe, mas está sendo projetado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) com a ajuda da Eletronuclear. 15 - O emprego da Análise SWOT é uma ferramenta de diagnóstico de projeto, em que são analisados os ambiente internos e externos, sistematizadas as informações e que fornece uma visão do ambiente global no qual o projeto está inserido com simplicidade, permitindo, assim, 105 estabelecer estratégias de ações. Para o caso do PNM, solicito a V. Exa. que nos informe quais são os pontos fortes (correspondem aos recursos e capacidades que geram vantagens) e pontos fracos (ou vulneráveis) dentro do ambiente interno da MB, e quais são as oportunidades (refere-se ao crescimento e fortalecimento) e as ameaças (refere-se à sobrevivência) oriundas do ambiente externo, diante da retomada do crescimento do PNB. Resposta: Os pontes fortes são: 1) A vontade da Marinha de construir o submarino nuclear; 2) A existência de pessoas com bastante conhecimento e experiência na área nuclear; 3) O domínio de tecnologias altamente sensíveis; e 4) O fato de o CTMSP possuir um parque tecnológico bem estruturado Os pontos fracos são: 1) Remuneração do pessoal civil bem abaixo da praticada no mercado; e 2) Muitas pessoas perto da aposentadoria. As oportunidades são: 1) Emprego dos conhecimentos adquiridos na área de reatores para projetos civis. Exemplo concreto: Aplicação dos conhecimentos adquiridos no projeto de um reator multipropósito para produção de rádiofármacos e de teste de materiais. 2) Utilização dos conhecimentos adquiridos na área do ciclo do combustível para tornar o país autossuficiente nos processos de enriquecimento e da conversão. Exemplo concreto: Montar a usina de enriquecimento de Resende e ajudar a INB no projeto e construção de uma unidade de conversão de 1.200 ton./ano de UF6. As ameaças são: 1) Negação de fornecimento, por parte de alguns países, de materiais estratégicos, obrigando o seu desenvolvimento no país e aumentando consideravelmente o tempo necessário para a consecução dos projetos; e 2) Interrupção do aporte de recursos. 106 APÊNDICE D - Entrevista com o Sr. Capitão-de-Mar-e-Guerra (EN) André Luis Ferreira Marques MARINHA DO BRASIL ESCOLA DE GUERRA NAVAL CURSO DE POLÍTICA E ESTRATÉGIA MARÍTIMAS CPEM-2009 ENTREVISTA IDENTIFICAÇÃO: POSTO E NOME: CMG (EN) André Luis Ferreira Marques FUNÇÃO: Coordenador do Ciclo do Combustível Nuclear (CTMSP-12) OM: Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP) Data: 02/06/09 1 – Com relação ao contrato firmado entre o CTMSP e a INB para fornecimento de ultracentrifugadoras de enriquecimento de urânio com o fim atender as necessidades e metas do PNB, qual o cronograma contratual de fornecimento e como está o seu atendimento, os valores envolvidos e se o CTMSP está tendo condições para atender os prazos contratuais envolvidos ou se está existindo alguma dificuldade? Resposta: Os detalhes sobre este acordo contratual são sigilosos. Mas, baseando-se no que já foi divulgado na imprensa, o horizonte deste acordo é até 2015, nas condições acertadas para atender às usinas Angra I e II, parcialmente. Atualmente, em Resende/RJ, já existe uma cascata em operação plena e a segunda cascata de enriquecimento está em fase de comissionamento. As demais cascatas estão em fase de montagem eletromecânica e fabricação. Para as condições atuais, a capacidade industrial do CTMSP, tanto na sua parte de pesquisa e desenvolvimento, assim como na fabricação em si, vem sendo atualizada e incrementada. Vale comentar que o planejamento para a implantação de uma nova capacidade industrial no CTMSP está em curso, tendo em vista as novas metas de o Programa Nuclear Brasileiro (PNB). 107 2 – Como metas envolvendo diretamente o PNM e CTMSP, o novo PNB, apresentado em agosto de 2008, prevê a conclusão e operação da planta-piloto de UF6 (conversão) até 2010 e, também, completar o projeto do reator de propulsão desenvolvido pela MB em 8 anos, isto é, de 2007 até 2015. Solicito a V. Sa. informar a situação atual e a evolução das ações para o cumprimento dessas metas. Os recursos previstos no PNB para essas metas formam providos para o PNM? Quais são as ameaças para o não cumprimento das referidas metas? Resposta: É importante destacar que a planta-piloto de conversão (USEXA) já vinha sendo construída e montada dentro do PNM, muito antes mesmo deste renascimento do PNB. Dentro de uma sinergia positiva, o MCT identificou a importância dessa unidade e vem colaborando com a MB desde 2005 para prontificar a USEXA, por meio de convênio da FINEP com a Fundação PATRIA. A montagem eletromecânica da USEXA deverá ser terminada em maio de 2010. Vale acrescentar que há recursos do TN via PRM, alocados em ação específica do PPA (11TC). A respeito do LABGENE, o qual sofreu interrupções de investimento durante 5 anos, este está sendo retomado em ritmo mais rápido, com a construção civil de prédios, fabricação de equipamentos, preparação de recursos humanos para a sua operação, devendo ser terminada a sua montagem eletromecânica em 2014. O seu comissionamento está previsto para um horizonte de até 2 anos após esta data. Os recursos para o LABGENE são providos pelo TN, por meio de ação específica do PPA (1.428). 3 – A meta de conclusão da planta-piloto de produção de UF6 (conversão) no CTMSP visa, segundo o PNB, à sua implementação e operação a fim de obter informações importantes para o projeto futuro de planta de conversão em escala industrial a ser construída pela INB e, assim, ampliar a produção para atender a demanda crescente de combustível nuclear prevista na retomada do PNB. Existe alguma ameaça em tomar como referência a planta de conversão a ser concluída em Aramar, com produção aproximada de 40 t de UF6, para projetar e construir uma planta de conversão com produção em escala industrial pela INB, sendo que a primeira planta terá capacidade de 1.200 t de UF6, atingindo o Brasil, assim, a autossuficiência em 2014? Em sua opinião, haverá a necessidade de assessoria externa ao Brasil para o projeto e construção desta planta? 108 Resposta: Não há ameaça identificada para o quadro apresentado na pergunta. O que se reconhece é que alguns itens poderão ser importados, uma vez que ainda não dispomos de fornecedor nacional. Todavia, para os itens mais críticos, estão em curso processos de nacionalização, envolvendo recursos do MCT e da MB. Tecnicamente, a vertente escolhida para se ter uma unidade de 1.200 t/ano de UF6 está correta, porque é o caminho natural, que passa por se fazer, primeiramente, uma unidade de demonstração industrial (USEXA) para depois se partir para uma unidade muito maior. Os processos físico-químicos e os detalhes de engenharia aplicáveis na conversão de urânio já são conhecidos por meio de literatura ostensiva e pesquisas feitas no IPEN durante os anos 80 e 90. 4 – Com a retomada de crescimento do PNB, principalmente na construção de usinas nucleares no Brasil e no ciclo de combustível, e com o acordo de cooperação firmado entre o Brasil e a França para construção de submarinos convencionais e nuclear, como o parque industrial nacional poderá participar desses projetos? Quais as principais áreas que poderão ser engajadas? Quais as oportunidades vislumbradas nesta área para o PNM? Existe algum programa de fomento (procura de empresas) através de incentivos de financiamentos por órgãos públicos, como o BNDES, para maior participação da indústria nacional nesses projetos? Resposta: A capacidade industrial brasileira precisa ser atualizada para as metas do PNB, uma vez que houve uma desmobilização do que se conseguiu instalar nos anos 70 e 80. As participações focam a construção de equipamentos, montagens eletromecânicas, construção civil de unidades prediais, entre outros. É importante dizer que é necessária a retomada na formação e atualização de recursos humanos, em todos os quadrantes (governo e unidades privadas), para se cumprir as metas. Esse processo passa pelas universidades (USP, UFRJ, UFMG, UFPE, UFRGS) e pelos institutos de pesquisa (IPEN, CDTN, IEN, IRD, IPT, entre outros). As oportunidades do PNM são o incremento dos fornecedores nacionais, assim como nos recursos humanos que podem ser mobilizados para os trabalhos necessários para o LABGENE. Tudo isto contribui para se diminuir os custos aplicáveis no PNM. Igualmente importante, a INB poderá fornecer uma gama maior de insumos para o PNM (i.e. urânio enriquecido), o que pode diminuir o volume de trabalho para se fazer, no CEA, para o LABGENE representando um ganho de escala nos cronogramas em andamento. 109 Em 2008-2009, o BNDES começou uma ação de mapeamento de fornecedores para o setor nuclear, em conjunto com ações de planejamento do MDIC, MME, MCT, MD, para se poder atender às metas do PNB. Até o momento, não temos ainda um relatório consolidado desta ação. 5 – Com relação ao Projeto do Ciclo do Combustível do PNM, solicito informar a situação atual e futura das unidades que compõe este projeto: USEXA, LEI e USIDE, LABMAT e LADICON (como: as capacidades de produção, datas de prontificação, recursos financeiros envolvidos etc.). Resposta: Os detalhes comentados são classificados como sigilosos. Contudo, a USEXA (capacidade nominal de 40 tUF6/ano) demandará um investimento de R$ 40 milhões para a sua prontificação, sendo que metade deste montante já foi liberado. O LEI e a USIDE já operam há muitos anos e seguem seus programas de produção, o que envolve a manutenção normal para esse tipo de instalação. O LABMAT e o LADICON também já operam há muitos anos, mas precisam de atualizações de alguns equipamentos, considerando-se os novos desenvolvimentos ora em planejamento para futuros núcleos do LABGENE. 6 – Quais são as maiores dificuldades ou ameaças para prontificação do reator nuclear e seus itens componentes, como os geradores de vapor, varetas de combustível, vaso de pressão, pressurizador etc.? E dos outros equipamentos do LABGENE, como turbina, gerador elétrico, condensador etc.? Qual a situação atual dos componentes principais deste projeto e qual a previsão de prontificação? Resposta: Para qualquer reator nuclear, os equipamentos que operam em condições extremas de temperatura e pressão, para se ter uma determinada confiabilidade necessária para a política de segurança nuclear, consideramos: os geradores de vapor (porque operam com sistemas bifásicos), o vaso do reator (suporta o combustível nuclear), a instrumentação nuclear e o sistema de controle. Esse é o conjunto mais crítico, por assim dizer. Os demais equipamentos e sistemas apresentam condições não tão críticas de projeto, fabricação e montagem. Todos os equipamentos principais do LABGENE já estão prontos, ou em fase final de fabricação. O sistema de controle (com simulador) e a instrumentação nuclear estão 110 em fase de obtenção, uma vez que a tecnologia envolvida evolui muito rápido, sendo assim recomendável que se aborde mais próximo da montagem do LABGENE, o que é o nosso caso. Esses últimos exemplos devem ficar prontos até 2012. 7 - Solicito informar a definição, situação atual, metas e objetivos, dados financeiros dos PROJETOS de seguintes denominações: Chalana, Zarcão, Ciclone, Remo e Costado. Qual foi o gasto total de todos os projetos até a presente data? Resposta: Nestes projetos, como um todo, já foram investidos cerca de US$ 1,2 bilhão. As informações mais detalhadas podem ser obtidas nas apresentações feitas pelo Diretor do CTMSP. 8 - Existem outros contratos, convênios, ou algum tipo de acordo administrativo, além dos citados contratos com a INB, para construção de ultracentrifugadoras e, com a França, para o submarino nuclear, entre o CTMSP e algum órgão nacional público ou privado (como USP, IPEN, IPT etc.) ou internacional (como Areva, Westinghouse etc.) para prestação de serviço ou cooperação técnica na área nuclear ou no desenvolvimento do PNM em seus dois grandes projetos (ciclo de combustível e LABGENE)? Resposta: Os acordos que existem versam sobre o apoio do MCT para com o PNM (i.e. desenvolvimento de ultracentrífugas, desenvolvimento de válvulas para UF6, atualização de laboratórios, para mencionar alguns), seja por meio de convênios entre a FINEP e a Fundação PATRIA, seja por destaque de crédito do MCT para o CTMSP. Não há acordos internacionais envolvendo diretamente o CTMSP. Os acordos com a França não envolvem a parte nuclear, por opção dos próprios franceses. 9 - Quais são as dependências técnicas externas para a consecução do PNM relativos aos materiais, equipamentos e serviços, mencionando sua importância, prioridade, emprego, e quais são as empresas, países e valores? Elas são ameaças para o PNM e de que forma? Quais seriam os seus respectivos planos contingentes? Resposta: Há fornecedores externos para o PNM, sem dúvida. Não identificamos em nenhum deles, até o momento, algum grau formal de ameaça. Não obstante, sempre que possível, 111 considerando uma avaliação de custos e prazos, são implantados programas de nacionalização de itens, processos ou técnicas para os diversos itens do PNM. Ademais, nos contatos externos, sempre consideramos os processos de controle de tecnologia e material, em função dos tratados e controles internacionais que o Brasil faz parte (i.e. NSG, MTCR, IAEA). Vale mencionar que a atividade de exportar um material é unilateral ao seu produtor. Assim sendo, por quaisquer motivos, a qualquer momento, podemos ter a negativa de exportação, o que é mais um fator que motiva os processos de nacionalização que já fazemos. Caso necessário, podemos apresentar alguns casos explícitos de negativas de exportação. 10 – Quais são os índices de nacionalização atual e o esperado para os dois projetos do PNM e o índice geral do programa? Resposta: Em números arredondados, a nacionalização atual no PNM situa-se próximo a 70%. Nos próximos anos, a meta a ser atingida é em torno de 95%. 11 – Dentro do PNM, quando atingiremos a autossuficiência na produção de combustível nuclear, e qual será a produção? Quais as principais ameaças para atingirmos esta autossuficiência? Resposta: Esse tipo de informação é sigiloso. Para o LABGENE, já se tem a autossuficiência para o horizonte de quinze anos, nas condições iniciais do PNM. As eventuais ameaças são aquelas elencadas na pergunta logo acima. 12 – V. Sa. é favorável à negociação para o exterior de produtos (urânio bruto ou beneficiadoyellow cake) e serviços (como o enriquecimento do urânio, após atingirmos a autossuficiência), para angariar recursos a fim de custear o PNB e o PNM e, assim, não depender de recursos orçamentários do Tesouro Nacional para esses programas nucleares? Por quê? Não seria uma oportunidade diante do crescimento do PNB? Resposta: A exportação de produtos deve ser feita, tanto quanto possível, com o maior grau de valor agregado. Por exemplo, na medida em que se exporta serviço de enriquecimento, isto denota um maior grau de evolução e maior o preço a ser cobrado (geração de melhores 112 empregos no Brasil também). A exploração de minério bruto agrega em nossa economia um valor menor do que a venda de produtos industrializados (i.e. aviões, reatores). Para essa exportação, existe um conjunto de normas e leis que estabelecem as condições de contorno para isso. Em uma delas, fala-se no monopólio das reservas e a manutenção dos estoques estratégicos de material nuclear (urânio e tório). Isso é constantemente revisto e atualizado, em frente dos planejamentos nacionais. Esse assunto, destacado na pergunta, está em avaliação na esfera superior da Administração Federal, porque também envolve a avaliação de possíveis parceiros para onde se poderia exportar material nuclear, à luz dos tratados e controles que o Brasil faz parte. Até o momento, não se admite a exportação de minério bruto de urânio. 13 – Como está planejada a captação e formação de pessoal necessária para atender aos projetos do PNM e ao projeto e construção do submarino nuclear? Existe a possibilidade de desmobilização de pessoas da MB para a INB e Eletronuclear devido ao novo PNB? Estes fatos seriam ameaças para a consecução do PNM? Resposta: A mobilização e desmobilização de recursos humanos é uma atividade constante, por diversos motivos (aposentadorias, níveis salariais). Com a retomada do PNM em ritmo mais acentuado, programam-se novos concursos para pessoal militar (RM2, ingresso no CETN) e civil (RJU, EMGEPRON), com as capacitações necessárias (engenharia mecânica, engenharia química e outras). O CTMSP interage constantemente com diversos órgãos sobre esse assunto, uma vez que os recursos humanos capacitados são a parte mais importante em programas desse porte. A retomada do PNB pode representar, naturalmente, uma condição de contorno mais demandante de recursos humanos, sendo que as condições de salário (em relação ao mercado) e de trabalho (salários indiretos, com planos de saúde e auxílio de educação) normalmente são um diferencial para e alterar o equilíbrio previsto, no PNM, para o recrutamento necessário e desmobilização prevista dos recursos humanos. 14 – Em que pontos e em que proporções a não consecução das metas do PNB pode interferir na conclusão dos projetos do PNM? Até que ponto o PNM é interdependente ou é autônomo em relação ao PNB? 113 Resposta: Na sua moldura atual, o PNM é independente do PNB, havendo um enlace único no fornecimento de yellow cake pela INB. Este item em específico é enquadrado dentro das reservas estratégicas, o que é controlado pela CNEN. Vale dizer, também, que o PNM possui uma evolução constante, mesmo com descontinuidade dos investimentos ao longo dos anos, o que não se pode dizer, no mesmo grau relativo, em relação ao PNB, em que se nota um grau muito grande de desmobilização. Em nossa avaliação, quando se fala em nacionalização ou uso de talentos e meios brasileiros, o grau de avanço do PNM é muito maior do que o PNB, o qual considerou, desde o seu início, um aporte de auxílio externo muito grande, por definição. 15 – Além de desenvolver o PNM, o CTMSP está promovendo, estimulando ou coordenando algum projeto ou pesquisa no âmbito de entidades governamentais ou privadas na área nuclear? Resposta: Além do contrato de parceria com a INB, o CTMSP contribui para o estabelecimento de um reator de múltiplo propósito (RMB), assunto que está sendo coordenado pela CNEN/IPEN, para se poder produzir radiofármacos, radioisótopos e testar materiais no Brasil. Este assunto é uma demanda grande atualmente, porque os reatores internacionais não conseguem atender as necessidades. O exemplo mais recente é a produção do radioisótopo tecnécio, usado no diagnóstico de várias doenças do coração, que deixou de ser produzido pelo Canadá. No Brasil, que importa esse material, há vários exames suspensos, o que atrapalha muito o atendimento a milhares de pessoas. O RMB suprirá essa condição difícil para nós. 16 - As críticas do cientista José Goldenberg sobre a utilização da energia nuclear na malha energética nacional são baseadas nos riscos envolvidos, classificados por ele como riscos físicos (radioatividade, acidentes, resíduos, explosões nucleares), riscos econômicos (custos com segurança e reatores, interrupções frequentes, tarifa não competitiva em relação às outras fontes) e riscos estratégicos (produção de armas nucleares, proliferação nuclear). É que a chamada “renascença nuclear” foi provocada pelos EUA devido aos subsídios às empresas produtoras de equipamentos nucleares, levando mais de 30 países a desenvolverem a energia 114 nuclear, negligenciando opções mais atraentes do ponto de vista econômico e sem o risco de aplicações militares. V.Sa. poderia fazer uma avaliação dessas críticas? Resposta: Reatores nucleares são utilizados nos EUA, França, Reino Unido, Canadá, Coreia do Sul, entre outros países, inclusive o Brasil, há vários anos, sem qualquer tipo de acidente. Analisando-se os acidentes com vítimas no setor energético, percebe-se que o setor nuclear não possui estatística significativa sobre isso, mesmo com os números extrapolados do acidente de Chernobyl. Os piores casos, muitas ordens de grandeza maior, são as instalações de produção de carvão e as hidrelétricas, as quais apresentam riscos maiores para o meio ambiente. A análise econômica deve ser feita sempre em investimentos, mas, no caso das possibilidades energéticas, entre outros, não se deve desenvolver o “preconceito energético”, quer dizer, não se deve limitar o raciocínio para essa ou aquela vertente energética. O tirocínio superior considera o uso inteligente de todas as formas (com análises ambientais, econômicas, sociais) para se conseguir alcançar um nível de vida melhor e contínuo. A visão de algumas pessoas, inclusive do próprio setor técnico, infelizmente denota algum grau de miopia e preconceito em seu bojo. Essa postura distorcida contrasta, inclusive, com o nível acadêmico que alguns conseguiram obter. 17 – A questão da aceitação pública da energia nuclear teve, durante muito tempo, uma insistente associação da tecnologia com bombas, acidentes, doenças e até regimes autoritários, como Coreia do Norte e o Irã, e criavam uma imagem distorcida como vilã, fazendo com que muitas pessoas exagerassem riscos e receios. Esta imagem parece estar mudando lentamente, com uma maior transparência e diminuindo a desinformação sobre a tecnologia. O perigo potencial na operação dos reatores nucleares é representado pela alta radioatividade dos produtos da fissão do urânio e sua liberação para o meio ambiente. Como são avaliados os riscos envolvidos de um acidente nuclear e os sistemas de segurança, passivos e ativos, na operação das instalações nucleares para a propulsão naval em comparação com os das usinas nucleares utilizadas para geração de energia? Esta tecnologia está de acordo com a que está sendo praticada na propulsão naval de outras Marinhas mais avançadas? Resposta: O PNM obedece ao que se estabelece na Constituição sobre o uso pacífico da energia nuclear. Igualmente importante, o PNM segue todas as recomendações de licenciamento da CNEN e do IBAMA, desde o seu início. Em síntese, o PNM adota e pratica 115 um rol extenso de normas técnicas que são calcadas na boa experiência e prática da boa engenharia. Por exemplo, a própria construção do LABGENE, antes de se partir para um navio em si com propulsão nuclear, é uma forma responsável de se testar e aprimorar diversos sistemas a serem embarcados, considerando, principalmente, a segurança da tripulação e do meio ambiente. O PNM possui diversas licenças ambientais e nucleares, conferidas pela CNEN e IBAMA, conforme preconiza a legislação nacional. No LABGENE, usamos preceitos que advêm de submarinos (segurança naval) e usinas nucleares (segurança nuclear), ao mesmo tempo em que incorpora os sistemas intrinsecamente seguros (sistemas passivos). 18 – O emprego da Análise SWOT é uma ferramenta de diagnóstico de projeto no qual são analisados os ambientes internos e externos, sistematizadas as informações e que fornece uma visão do ambiente global em que o projeto está inserido com simplicidade, permitindo assim estabelecer estratégias de ações. Para o caso do PNM, gostaríamos que nos informasse quais são os pontos fortes (correspondem aos recursos e capacidades que geram vantagens) e pontos fracos (ou vulneráveis) dentro do ambiente interno da MB e quais são as oportunidades (refere-se ao crescimento e fortalecimento) e ameaças (refere-se à sobrevivência) oriundas do ambiente externo, diante da retomada do crescimento do PNB. Resposta: Este assunto é melhor ser tratado pessoalmente, para otimizar os espaços e tempos de resposta. 19 - A título de contribuição para este trabalho científico, V. Sa. teria mais alguma informação ou ponto de vista dentro dos assuntos tratados ou do tema e enfoque dado a esta monografia? Resposta: Esse assunto é melhor ser tratado pessoalmente, para otimizar os espaços e tempos de resposta. 116 APÊNDICE E- Entrevista com o Sr. Capitão-de-Fragata (MD) Sérgio Fernandes MARINHA DO BRASIL ESCOLA DE GUERRA NAVAL CURSO DE POLÍTICA E ESTRATÉGIA MARÍTIMAS ENTREVISTA IDENTIFICAÇÃO NOME: Capitão-de-Fragata (MD) Sérgio Fernandes FUNÇÃO: Chefe do Departamento de Radiologia (HNMD-13) e do Serviço de Medicina Nuclear (HNMD-131) ORGANIZAÇÃO: Hospital Naval Marcílio Dias (HNMD) DATA: 24/07/2009 1 – A retomada do crescimento na área nuclear no Brasil com o novo Programa Nuclear Brasileiro (PNB), que foi apresentado pelo governo em agosto de 2008, prevê, em um dos seus projetos, metas envolvendo diretamente a aplicação na medicina nuclear, que são: a criação da Empresa Brasileira de Radiofármacos (EBR) e a definição, projeto e construção de um reator multipropósito nacional. Quais são os benefícios relacionados com o cumprimento dessas duas metas para o país? Resposta: A indústria de radiofármacos no Brasil adotou o modelo de administração pública federal, que hoje é organizado e produzido, quase na totalidade, no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), SP, e, em menor proporção e mais recente, no Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), RJ, ambos vinculados à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), autarquia federal vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Com relação à criação da EBR, que será uma empresa estatal e sucessora das atividades hoje desenvolvidas pelo IPEN e IEN, as expectativas são grandes para ter uma maior flexibilidade administrativa e uma melhor organização a fim de obter uma produção em escala industrial, haja vista que a comercialização de radiofármacos e radioisótopos é superavitária, mas não é suficiente para cobrir todas as despesas do CNEN. Com o aumento contínuo da demanda 117 desses produtos, faz-se necessário também o aumento da produção. Contudo, o único reator de pesquisa existente no IPEN, que produz radiofármacos, possui capacidade limitada e muito aquém da demanda, sendo necessária a importação de insumos do Canadá. O reator de pesquisa multipropósito nacional irá aumentar a produção de radioisótopos no país e preencher essa lacuna, diminuindo ou eliminando a dependência externa na compra de insumos. 2 – Quantos reatores de pesquisa existem no Brasil e onde estão localizados? Resposta: Existem quatro reatores de pesquisa no país. Dois reatores estão no IPEN, SP: o IEA-R1, único com capacidade de produzir radioisótopos, ainda que limitada, e com uma vida útil restante estimada de 10 anos; e o IPEN/MB-01, sendo genuinamente brasileiro e que foi projetado e construído em conjunto com a MB, através do CTMSP. Outro reator está no IEN, RJ: o Argonauta; e um no Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), Belo Horizonte, MG: a Triga. 3 – Como o Hospital Naval Marcílio Dias (HNMD) adquire os radiofármacos utilizados na medicina nuclear para seus exames, diagnósticos e terapias e quais são os principais radiofármacos? Qual o custo mensal e anual? Resposta: O HNMD firmou um contrato com o IPEN de fornecimento de radiofármacos que é renovado anualmente. Os principais radiofármacos são: - geradores de tecnécio-99 (produzido a partir do molibdênio-99, elemento obtido de irradiações no reator nuclear, cujo insumo não é produzido no Brasil); utilizado em exames de cintilografia (mapeamento) renal, cerebral, hepato-biliar (fígado), pulmonar, óssea e de placenta; indicados para casos de câncer, doenças ósseas metabólicas e vasculares, diagnóstico de infarto agudo do miocárdio e em estudos circulatórios; custo por gerador de R$ 4.186,39; - Iodo-131 (150 mci), diagnóstico e terapia de tumores na tiróide, R$ 820,11; - Gálio-67 (por dose) R$ 753,20; e - Tálio-201 (por dose) R$ 400,00. A despesa mensal com esses radioisótopos varia em torno de R$ 25 mil a 30 mil, depende do número de diagnósticos realizados; e uma despesa anual aproximada de R$ 118 300 mil a 350 mil. 4 – O Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) previsto no PNB, segundo publicado na mídia da área nuclear, será projetado e construído pela CNEN num prazo de 5 a 6 anos. Em 2009 e 2010 serão feitas a prospecção do local de instalação e o projeto de concepção, e a partir de 2011 começa a fase de execução, com o licenciamento ambiental e nuclear e o projeto detalhado. Com a construção desse reator será atingida a autossuficiência na fabricação de radiofármacos no país? Qual a dimensão da dependência externa no fornecimento de insumos devido à falta desse reator? Esta dependência é uma ameaça ao serviço de medicina nuclear do HNMD? Resposta: Mais de 85% de todos os exames realizados na medicina nuclear utilizam o tecnécio-99, produzido a partir do molibdênio-99, cujos insumos são importados da empresa canadense MDS Nordion, que, no momento, encontra-se com o seu reator National Research Universal (NRU) paralisado, desde maio de 2009, devido a problemas técnicos. Esse reator é responsável por mais de 50% da demanda mundial de molibdênio-99, provocando uma crise internacional na produção desse radiofármaco. Crise semelhante ocorreu em 2007, devido a problemas no mesmo NRU, impedindo a realização da maioria dos exames cintilográficos e deixando os pacientes sem assistência nessa área. Outro fato importante foi o aumento do preço do molibdênio importado no início de março de 2009 em cerca de 200%, devido à crise internacional desde o final do ano passado e, ainda assim, aumentou-se o seu fornecimento em 10% para o país em relação ao ano passado. A construção do RMB poderá tornar o país autossuficiente na produção de radiofármacos, aliás, como já ocorre na Argentina, onde se realizam mais procedimentos de medicina nuclear que no Brasil e para uma população bem menor e, assim, diminuir ou eliminar a dependência externa dos insumos. Torna-se ainda mais relevante o RMB ao considerar que o reator IEAR1 do IPEN, principal do país, tem uma vida útil restante de 10 anos, devendo haver um substituto, ou então várias atividades importantes deixarão de ser realizadas no Brasil, sendo a medicina nuclear a área mais afetada. Lembro, ainda, que o RMB beneficiará outras áreas além da saúde, como a indústria, agricultura, meio ambiente e a geração de energia, bem como na realização de testes de materiais para reatores e combustíveis nucleares. Além disso, pode ser usado como ferramenta para treinamento de recursos humanos do setor. 119 5 – Como estão sendo resolvidos os atuais problemas devido à interrupção de insumos para o molibdênio-99 pela empresa canadense e, consequentemente, de tecnécio-99, deixando os pacientes sem exames em pouco tempo e comprometendo os tratamentos dessas pessoas? Resposta: Até onde estou acompanhando, sei que a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) já estuda medidas para reduzir o impacto da suspensão de fornecimento do molibdênio-99. Como já havia dito, é a matéria-prima para a produção do tecnécio-99 e principal radiofármaco usado na área de medicina nuclear no Brasil. A CNEN planeja comprar molibdênio-99 da Argentina e negocia com a empresa canadense MDS Nordion o fornecimento de tálio-201, que pode substituir o tecnécio-99 em alguns casos. O tecnécio-99 é um radiofármaco empregado no diagnóstico de tumores, funções renais, problemas pulmonares, cardiológicos e hepáticos. O IPEN, unidade da CNEN em São Paulo, fornece, semanalmente, a cerca de 300 clínicas e hospitais do País os chamados geradores de tecnécio, equipamentos que usam o molibdênio-99 para geração do tecnécio-99. 6 – Em minha recente visita ao Centro Experimental de Aramar (CEA) do CTMSP, muito se falou que o IPEN e o CNEN estavam propensos a emitir parecer favorável para a instalação do novo reator multipropósito brasileiro (RMB) no CEA, por ser parceiro técnico do CTMSP, pela existência de uma boa infraestrutura e por já possuir a licença ambiental para instalações nucleares. Quais as oportunidades para a MB que podem ser inferidas se o novo reator (meta do PNB) for construído e instalado no CEA? Resposta: Sim, a instalação do novo reator multipropósito brasileiro (RMB) em Aramar poderá trazer grandes oportunidades para a MB, pois poderá ser firmado um contrato com o IPEN de fornecimento de radiofármacos em uma condição muito mais vantajosa para a MB. Além disso, o reator poderá ser utilizado em outras aplicações para a MB, como na realização de testes de materiais utilizados em reatores e testes de combustíveis nucleares, que são de interesse para o Programa Nuclear da Marinha (PNM). 7 – De que forma são obtidos os investimentos no Serviço de Medicina Nuclear do HNMD para a aquisição de equipamentos e materiais, treinamento e capacitação de pessoal e de melhoria ou ampliação das instalações? 120 Resposta: Normalmente, quando necessitamos de um investimento para aquisição de equipamentos e/ou materiais especiais para o Serviço de Medicina Nuclear do hospital, elaboramos os respectivos projetos básicos e solicitamos recursos necessários ao CNEN, através do SIPRON (Sistema de Proteção do Programa Nuclear Brasileiro), e normalmente somos atendidos. Para o treinamento e capacitação de pessoal realizada através de cursos, congressos, seminários etc., os investimentos são oriundos da própria MB, bem como os investimentos necessários para reparo, modernização ou ampliação das instalações e infraestrutura do setor. 8 – Em relação ao Plano de Emergência Externa para o caso de um acidente nuclear, que foi elaborado para atender aos requisitos de licenciamento das usinas nucleares em Angra dos Reis, RJ, qual é o envolvimento do HNMD nesse plano? Existe algum contrato? Resposta: No caso de um acidente nuclear, costa no Plano de Emergência Externo do Estado do Rio de Janeiro (PEE/RJ) ações específicas a serem implementadas nas Zonas de Planejamento de Emergência (ZPE), que são áreas vizinhas à Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA), delimitadas por círculos com raios de 3, 5, 10 e 15 quilômetros, centrados no Edifício do Reator de Angra 1. As ações do plano são coordenadas pela Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro, sob a supervisão geral do Órgão Central do Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro (SIPRON) e a supervisão técnica da CNEN; e envolvem, também, a participação de outras organizações, como: Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ), Defesa Civil de Angra dos Reis, Defesa Civil de Paraty, dentre outros órgãos. São realizados nos anos pares os Exercícios de Emergência – Parcial, quando são testadas, entre outras ações, a eficácia da cadeia de comunicações e a eficiência da ativação dos Centros de Emergência, e nos anos ímpares os Exercícios de Emergência – Geral, quando são colocadas em prática e testadas todas as ações previstas no plano. São nesses exercícios de caráter geral que o HNMD participa e o próximo está previsto para o mês de outubro de 2009. Nesses exercícios é realizada também a evacuação de voluntários residentes nas proximidades da CNAAA. A população será orientada pela Defesa Civil e o PEE estabelece a remoção da população terrestre que não possui meios próprios pelos ônibus da Eletronuclear e das empresas concessionárias de transporte da região. Os abrigos serão escolas municipais e estaduais predefinidas no plano. Os ilhéus serão removidos pelo 1º Distrito Naval e serão 121 abrigados no Colégio Naval de Angra dos Reis. Atualmente, não existe contrato entre o HNMD e qualquer uma das entidades da área nuclear brasileira, tendo sido firmado um contrato de participação há algum tempo, no primeiro PEE/RJ elaborado. 9 – As instalações do Departamento de Radiologia e do Serviço de Medicina Nuclear do HNMD são inspecionadas pela CNEN? Resposta: Sim, as instalações são inspecionadas anualmente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em termos de licença sanitária e, de dois em dois anos, pela CNEN, em termos de licença nuclear. 10 – Com relação aos rejeitos radioativos, de que maneira e para onde é executada a sua destinação e o seu armazenamento? Resposta: Não fazemos os descartes dos resíduos radioativos. Todo esse material radioativo é armazenado em recipientes próprios e levados a um compartimento destinado para isto, com acesso restrito. Por ocasião de suas inspeções, a CNEN avalia e certifica as condições de armazenamento desse material. 11 – Existe algum contrato de cooperação técnica entre o Serviço de Medicina Nuclear do HNMD e alguma entidade nuclear brasileira ou no exterior? Resposta: Não. Temos um excelente relacionamento pessoal e técnico com as entidades nucleares brasileiras, principalmente com a CNEN e o Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD) do Rio de Janeiro. A integração técnica muitas vezes é realizada por meio de simpósios, congressos, ou eventos similares, tanto no Brasil quanto no exterior. Contudo, poderíamos ter uma integração maior com as agências internacionais para uma permanente atualização técnica através de acordos de cooperação. 12 – Quanto às instalações da base naval e do estaleiro para o submarino nuclear a serem construídos, o Serviço de Medicina Nuclear está envolvido ou participando de alguma atividade? 122 Resposta: Sim, estamos participando do projeto das instalações médicas e das especificações de seus equipamentos que serão aplicadas nas instalações nucleares da futura Base Naval e do futuro estaleiro de construção do submarino nuclear. Deveremos pleitear o projeto de um CMRI (Centro Médico de Radiologia) em vez de somente uma enfermaria, pois assim teremos muito melhores condições e recursos médicos de atendimento no caso de algum problema nuclear envolvendo pessoas. O projeto deverá ser aprovado pelo CNEN para licença nuclear e pela ANVISA para a licença sanitária. Deveremos pleitear todos os recursos envolvidos nesse projeto e aquisição dos equipamentos do SIPRON e CNEN, com grande certeza de conseguirmos, tornando-se uma grande oportunidade de investimento para a Marinha. 123 ANEXO A TABELA 7 Mundo: Unidades do ciclo do combustível nuclear em 2009 Fonte: IAEA (2009, p. 63).