Fotos da Capa, de cima para baixo: Alberto Campos / AQUASIS e Fausto Pires de Campos. Diagramação: Anaéli Bastos SOBRE A ALIANÇA PARA A CONSERVAÇÃO MARINHA | A Aliança para a Conservação dos Ambientes Marinhos e Costeiros associados à Mata Atlântica é uma parceria entre as organizações ambientalistas Conservação Internacional (CI-Brasil) e Fundação SOS Mata Atlântica em prol do estudo e proteção da costa brasileira. Dentre as atividades e os esforços previstos, estão: a realização de pesquisas e levantamento de dados, cursos de formação em pesquisa aplicada à conservação marinha, estruturação de fundos de apoio à gestão e à sustentabilidade das áreas marinhas protegidas de Abrolhos e o desenvolvimento de campanhas visando a conservação do litoral brasileiro e a gestão participativa do uso dos recursos naturais. Patrocínio SOBRE OS AUTORES | Ronaldo Bastos Francini Filho é Professor da Universidade Federal da Paraíba. Fábio dos Santos Motta é Coordenador do Programa Costa Atlântica da Fundação SOS Mata Atlântica. Rodrigo Leão de Moura é Coordenador de Serviços Ecossistêmicos do Programa Marinho da Conservação Internacional. George Camargo faz parte do Programa de PósGraduação em Ecologia e Conservação - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Guilherme Fraga Dutra é Diretor do Programa Marinho da Conservação Internacional. gráfico das espécies ameaçadas por região brasileira e as referências bibliográficas utilizadas neste texto estão disponíveis para consulta em: http://www.sosma.org.br/link/KBAs_Marinhas_Brasil.zip . MATERIAL SUPLEMENTAR | A Lista de espécies ameaçadas de peixes marinhos que ocorrem no Brasil, um O aumento no conhecimento sobre a ocorrência e distribuição de espécies ameaçadas no Brasil e a classificação de todas as espécies que ocorrem no país de acordo com os critérios da IUCN certamente incrementarão os resultados da análise aqui apresentada. Além disso, uma abordagem integradora que envolva outros grupos de organismos (e.g. invertebrados e macroalgas) permitiria uma avaliação da consistência dos resultados aqui obtidos ou a redefinição das KBAs marinhas no Brasil. Ronaldo Francini Filho, Fabio Motta, Rodrigo Moura, George Camargo, Guilherme Dutra Definição de KBAs (Key Biodiversity Areas) para os Ecossistemas Marinhos da Plataforma Continental Brasileira Os resultados aqui obtidos foram influenciados pela ocorrência restrita de algumas espécies ameaçadas ao SE/S do Brasil (e.g. diversas espécies de raias e tubarões) e pela maior concentração de estudos sobre estrutura de comunidades e levantamentos faunísticos no SE/S. Portanto, eles devem ser considerados com cautela. Esse exercício inicial indica que ainda existem lacunas críticas no conhecimento sobre distribuição de peixes marinhos no Brasil, apontando assim para a necessidade de realização de novos estudos faunísticos. São particularmente carentes de estudo as ilhas oceânicas brasileiras e a costa norte do país. A abordagem de KBAs marinhas, além de contribuir para a proteção de espécies ameaçadas, pode subsidiar também a proteção de hábitats críticos e suas comunidades biológicas associadas. Cabe lembrar que em muitos casos, o decréscimo da cobertura de um determinado hábitat correlaciona-se positivamente com declínios populacionais das espécies ameaçadas nele contidas. As prioridades de conservação foram definidas em ordem decrescente como se segue: Brasil Sudeste (37 espécies ameaçadas), Rio Grande (32 espécies ameaçadas), Brasil Oriental (31 espécies ameaçadas), Brasil Nordeste (23 espécies ameaçadas), Amazônia (19 espécies ameaçadas), Fernando de Noronha e Atol das Rocas (13 espécies ameaçadas), Arquipélago de São Pedro e São Paulo (8 espécies ameaçadas) e Ilhas de Trindade e Martin Vaz (5 espécies ameaçadas). Ao todo foram registradas 58 espécies de peixes ameaçadas no Brasil (36 Chondrichthyes e 22 peixes ósseos), sendo 37 espécies pertencentes à categoria vulnerável (VU), 11 pertencentes à categoria ameaçada (EN) e sete à categoria criticamente ameaçada (CR). Três espécies (Gramma brasiliensis, Elacatinus figaro e Negaprion brevirostris) são reconhecidas como VU pelo MMA, mas não estão enquadradas em nenhuma categoria de ameaça pela IUCN. Por outro lado, 37 espécies enquadradas em alguma categoria de ameaça pela IUCN não são reconhecidas pelo MMA, incluindo três espécies CR (Epinephelus itajara, Hyporthodus nigritus e Mustelus fasciatus), sete espécies EN e 27 espécies VU. Além disso, algumas espécies reconhecidas como CR em escala mundial (e.g. Pristis pectinata) são reconhecidas em categorias mais amenas de acordo com a lista nacional, apesar de não existirem evidências de melhores condições dos estoques destas espécies no Brasil. RESULTADO E DISCUSSÃO | INTRODUÇÃO | Os ambientes marinhos e costeiros concentram grande parte da biodiversidade do planeta. Além disso, eles são cruciais para a estabilidade da biosfera e sobrevivência da espécie humana. Atualmente, milhares de pessoas que vivem em regiões costeiras em todo o mundo dependem diretamente dos recursos marinhos, seja como fonte de alimento ou oportunidade para a geração de renda através de atividades econômicas diversas. Apesar de sua importância biológica e sócioeconômica, os ambientes marinhos encontramse em estágio avançado de degradação devido principalmente a sobrepesca, poluição, destruição de hábitats e mudanças climáticas globais. Apesar do registro da extinção de centenas de espécies de plantas e animais no meio terrestre, as espécies marinhas foram consideradas até pouco tempo atrás praticamente invulneráveis às atividades humanas. No entanto, o recente colapso de importantes estoques pesqueiros, os primeiros registros de extinção de animais marinhos e o reconhecimento de que diversas espécies encontram-se em estado crítico de ameaça, levaram a uma ampla mobilização para criação de ferramentas eficientes para conservação e gestão dos recursos naturais marinhos. Cabe ressaltar que o Brasil não é exceção dentro deste cenário global. As espécies são a unidade fundamental da biodiversidade, funcionando também como unidade operacional principal em iniciativas de conservação e manejo. No entanto, está claro que as espécies apresentam níveis diferenciados de ameaça de extinção (geralmente correlacionados a atributos como tamanho corporal, longevidade e ciclo de vida) e que não existem recursos sistemáticos, levando assim a lacunas críticas para a conservação das espécies. Processos coletivos de discussão sobre o posicionamento de áreas marinhas protegidas levam geralmente a seleção de áreas com fauna carismática por parte dos operadores de turismo ou a exclusão de áreas com recursos pesqueiros significativos por parte dos pescadores. Atualmente existem diversas ferramentas quantitativas para a seleção sistemática de áreas para conservação. Basicamente, essas metodologias procuram maximizar o número de espécies conservadas para uma área total disponível ou determinar a área mínima de conservação considerando o número total de espécies que se deseja conservar. O método para a identificação das Áreas Chaves para Biodiversidade (do inglês "Key Biodiversity Areas" KBAs) foi desenvolvido e aplicado inicialmente para aves terrestres ("Important Bird Areas"), tendo sido posteriormente utilizado para outros grupos terrestres (e.g. anfíbios) e, mais recentemente, para organismos marinhos. O atraso na utilização de KBAs no meio marinho se deve principalmente a indisponibilidade de informações sobre os níveis de ameaça de extinção das espécies. A abordagem de KBAs tem como objetivo principal evitar o desaparecimento de espécies, com prioridade para as espécies que apresentam maior nível de ameaça. Portanto, a distribuição espacial de espécies ameaçadas (i.e. localidades que contenham uma população estabelecida) e os diferentes níveis de ameaça de extinção (de acordo com os critérios da União Internacional para Conservação da Natureza), são informações essenciais para a aplicação da ferramenta. financeiros, logísticos e humanos suficientes para conservação A definição de áreas prioritárias para conservação (i.e. ordenação de todas as espécies do planeta. A criação de áreas dos sítios) leva em consideração dois conceitos básicos: 1) integralmente protegidas contra atividades humanas é vulnerabilidade (número de espécies ameaçadas presente em considerada atualmente uma das estratégias mais viáveis e cada sítio) e 2) insubstituibilidade (proporção elevada da eficientes para conservação da biodiversidade. Neste sentido, a população global de uma espécie ameaçada em um determinado principal questão que se apresenta é a seguinte: "quais são as sítio). Além disso, um terceiro critério, complementaridade, áreas prioritárias para conservação?". pode ser aplicado com o objetivo de considerar pesos diferenciados para espécies ameaçadas em diferentes Na maioria dos casos, as redes de áreas marinhas protegidas são categorias (i.e. "vulnerável", "ameaçado" ou "criticamente criadas de forma oportunista e sem a aplicação de critérios ameaçado"). DEFINIÇÃO DE KBAS MARINHAS NO BRASIL O aumento das atividades econômicas potencialmente impactantes (e.g. pesca industrial e extração de petróleo), a atual política para expansão no consumo de pescado, o aquecimento do mar e a degradação da qualidade da água em áreas costeiras tornam urgentes esforços para conservação da biodiversidade marinha no Brasil. Apesar dos avanços da última década, até o momento menos de 1% da costa brasileira encontra-se sobre regime de proteção. Esse trabalho representa a primeira tentativa de aplicação de uma ferramenta para seleção sistemática de áreas marinhas protegidas no Brasil. Fotos (da esquerda para a direita, de cima para baixo): Bodianus insulares espécie na categoria VU (Vulnerável), por Ronaldo Francini Filho; Epinephelus itajara, o Mero, espécie criticamente ameaçada (categoria CR), por Léo Francini; Elacatinus figaro, por Gerald Allen e Stegastes sanctipauli, por Ronaldo Francini Filho - duas espécies também classificadas na categoria VU. METODOLOGIA | Na metodologia das KBAs as unidades espaciais (i.e. sítios ou regiões) devem ser definidas a priori. No presente trabalho, foram obtidas informações de ocorrência de espécies ameaçadas para 69 sítios distribuídos ao longo da costa brasileira. Estes sítios estão inseridos nas oito Ecorregiões Marinhas ao longo da costa brasileira (Amazônia, Fernando de Noronha e Atol das Rocas, Arquipélago de São Pedro e São Paulo, Brasil Nordeste, Brasil Oriental, Ilhas de Trindade e Matin Vaz, Brazil Sudeste e Rio Grande) propostas por Spalding et al (2007), com base nos critérios seguintes: 1) Afinidades biogeográficas e níveis de endemismo (definidos com base em diversos grupos de organismos) e 2) Características ambientais (e.g. recifes rochosos do SE/S versus recifes biogênicos do NE/N do Brasil). As espécies ameaçadas foram listadas através de consulta ao sítio da IUCN na internet (IUCN 2008; http://www.iucnredlist.org). A distribuição geográfica das espécies ameaçadas ao longo da costa brasileira foi obtida através de dados da literatura (e.g. Menezes et al. 2003, Moura 2003, Floeter et al. 2008), incluindo artigos recentes sobre ampliação da distribuição geográfica (e.g. LuizJr et al. 2008). Além disso, foram compiladas informações presentes em banco de dados de coleções ictiológicas (Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, Museu Nacional do Rio de Janeiro e Museu de Ciências e Tecnologia da PUC-RS; disponível em http://www.mnrj.ufrj.br/pronex). No caso de lotes sem posição geográfica (apenas nome da localidade), foram obtidas posições geográficas aproximadas utilizando-se os programas Google Earth e BlueCharts America (datum WGS 84). Além das espécies já reconhecidas oficialmente como ameaçadas pela IUCN, foram consideradas espécies candidatas identificadas através de: 1) Revisão de dados da literatura, 2) Revisão do banco de dados da IUCN, 3) Ocorrência de uma determinada espécie em listas regionais (i.e. Estaduais) e 4) Discussão com especialistas durante reuniões técnicas promovidas pela IUCN e ICMBio no Brasil. O nível de ameaça de cada espécie foi definido utilizando-se os critérios regionais de avaliação da IUCN, com ênfase particular nos critérios relacionados a distribuição geográfica restrita e declínios populacionais nas últimas três gerações. Os sítios foram ordenados considerando-se o número total de espécies ameaçadas (i.e. aplicando-se o critério de vulnerabilidade). Não foi feita uma análise formal de insubstituibilidade e complementaridade.