MÚSICOS, FATOS & CURIOSIDADES • Nº 68 • MAIO 2011 “BIG BANDS”- A MARAVILHOSA ERA DO SWING 10ª PARTE Prosseguimos focando a “big band” de TOMMY DORSEY. Em novembro de 1951 TOMMY DORSEY com sua banda estiveram no Brasil, Rio de Janeiro. Para relatar essa visita recorremos à memória de Mestre Luiz Carlos Antunes, o LULA, produtor e apresentador do programa radiofônico “O Assunto É Jazz”. Esse programa que sempre primou pela qualidade “jazzística” e liderança de audiência em seu horário, foi iniciado em 06 de dezembro de 1958 e encerrado em 27 de setembro de 1995, contabilizando a incrível soma de 2.457 programas. “O Assunto É Jazz” era transmitido todas as terças-feiras, das 22.00 às 24.00 horas, pela rádio Fluminense-FM situada em Niterói, estado do Rio de Janeiro. Em dezembro de cada ano e para comemorar o aniversário do programa, este era prolongado até as 02.00 horas da madrugada seguinte (isto mesmo, 04 horas de duração!!!). Sobre esse programa, músicos de JAZZ que estiveram no Brasil, novidades sobre o JAZZ, consultar o endereço www.oassuntoejazz.com Mestre LULA relata (transcrição “parcial”, autorizada pelo Autor): Talvez uma das maiores emoções que o Jazz me proporcionou foi quando assisti a orquestra de TOMMY DORSEY, na inauguração do super-auditório da Rádio Tupi em novembro de 1951. Sempre gostei de orquestras e quando ia aos bailes de formatura, muito comuns naquela época, quase não dançava. Ficava absorto, olhando o trabalho dos músicos e, como qualquer mortal, marcando o rítmo com os pés ou estalando os dedos. Tempo bom em que dezembro marcava a temporada de caçar convites para aqueles bailes: formatura do colégio tal, orquestra de Chiquinho no Clube Central, de outro colégio, orquestra de Napoleão Tavares no Cassino Icaraí, mais outro, Tabajara de Severino Araújo no Clube de Regatas Icaraí e, ainda outro, a Marajoara de Raimundo Lourenço no Canto do Rio (nota: o Canto do Rio foi clube de Niterói, que já participou da 1ª divisão de futebol profissional do Rio de Janeiro). Quando os bailes coincidiam em datas, tínhamos que escolher em qual iríamos e ai o que decidia era a qualidade da orquestra e nisso a Tabajara levava grande vantagem. Severino Araújo tinha dois arranjos de samba simplesmente arrebatadores: o “Guarany” e o “Miserere” da opera “ Il Trovatore”. Neles havia um bom espaço para as intervenções da bateria. Lembro-me que em um dos bailes, tomei coragem e perguntei ao Maestro se iriam tocá-los: resposta afirmativa! Nessa ocasião o apelo à dança era irresistível. Portanto, minha “experiência” com orquestras era digna de um diploma. Mas, quando ví e ouví a banda de TOMMY DORSEY, anunciada pela voz bonita do locutor Carlos Frias, tocando o “I’m Getting Sentimental Over You”, enquanto as cortinas se abriam, não pude conter as REVISTA MENSAL DO JAZZ – POR PEDRO CARDOSO EDIÇÃO Nº 68 – MAIO/2011 PÁGINA 1 DE 4 lágrimas. Isso porque meus primeiros discos, comprados de segunda mão de um colega do Colégio São Bento, por minha sorte eram, em sua maioria, da banda de DORSEY. Os velhos 78 rotações que continham os clássicos “Opus One”, “Marie”, “Lonesome Road”, “Well, Git It” e muitos outros, rodavam sempre nos bailes e na casa de colegas: DORSEY tornou-se, então, meu primeiro “ídolo”. A primeira surpresa que tive com TOMMY DORSEY foi encontrá-lo dentro de um elevador do Ministério do Trabalho, onde então eu trabalhava; ele fora com seu empresário registrar o contrato na repartição competente Setor Indústria e Comércio. Fiquei estático, apenas olhando a figura elegante do maestro, envergando um elegante blazer azul marinho, gravata da mesma cor, calça cinza e o tradicional óculos de aro fino. Segui-o de longe até a rua Debret, onde entrou em um carro e se foi. De noite a segunda surpresa: terminada a espetacular apresentação da banda que executou alguns clássicos do repertório e algumas novidades recém gravadas para a Decca, fomos em busca do indispensável autógrafo. Ainda não saira a “Enciclopédia” de Leonard Feather (onde coleciono os autógrafos dos músicos de JAZZ com verbetes incluídos na “Enciclopédia” e que estiveram no Brasil) e eu usava um papel ou meu próprio cartão de visitas para colher as assinaturas. Levei também os “VDiscs” para serem autografados e aí, a grande surpresa: TOMMY DORSEY NUNCA VIRA UM VDISC ! ! !. Pois é, gravara tantos e por incrível que pareça nunca tinha visto um. Examinou cuidadosamente os dois exemplares e perguntou se poderia ouví-los. Com a ajuda de Russo do Pandeiro, que conhecí na ocasião, acedí prontamente ao pedido e fomos até o estúdio da velha PRG-3. Momento de glória! No estúdio, DORSEY, Russo eu e minha noiva ouvindo a música e prestando atenção aos comentários do maestro. Identificava os solistas: Charlie Shavers, Boomie Richman, “Brother” Jimmy. E nós, pobres mortais ao lado do ídolo, vibrando com suas reações e agradecendo aos céus aquela oportunidade. Terminada a audição, saímos devagar e fomos surpreendidos com a pergunta que DORSEY me fez: “Quanto eu queria pelos VDiscs ?” Engasguei, emudeci, tartamudeei e ele gentilmente compreendeu que o material não estava à venda. Russo do Pandeiro, que tinha um estúdio de gravação na Rua Santa Luzia, comprometeu-se a copiar os discos e enviá-los a DORSEY. Eles eram amigos e se conheceram durante as filmagens do filme “A Song Is Born”, onde ambos trabalharam. A promessa nunca foi cumprida e muitos anos depois, Russo do Pandeiro então meu funcionário no Ministério custou a se lembrar do fato. Mostrei-lhe então o cartão de visitas que me dera naquela época e aos poucos tudo veio à tona. Contou-me então uma série de histórias ocorridas nos estúdios, incluindo uma briga entre TOMMY DORSEY e Benny Goodman, por causa do atraso do segundo no set de filmagem. Quando foi anunciado o “duelo” entre as orquestras de TOMMY DORSEY e a Tabajara de Severino Araújo ninguém mais sossegou. A banda de Tommy Dorsey apresentou-se também em São Paulo, no Teatro Record, mas somente em junho de 1965. De vez em quando surge um personagem qualquer da mídia e emite sua opinião sobre o propalado “duelo” (na verdade nada teve de “duelo”, mas sim uma gloriosa confraternização musical). Cerra os olhos, franze a testa e dispara : “Me lembro bem, foi uma noite memorável ! “. Daí em diante ouvimos (ou lemos) uma seqüência de mentiras com que o entrevistado pensa dar lastro ao seu “conhecimento”. Acontece que o famoso “duelo”, foi realizado num sábado pela manhã, no dia 02 de dezembro de 1951, dentro do programa “Rádio Seqüência G-3” que a Tupi apresentava diariamente. REVISTA MENSAL DO JAZZ – POR PEDRO CARDOSO EDIÇÃO Nº 68 – MAIO/2011 PÁGINA 2 DE 4 Era um programa que reunia música, noticiário e humorismo, esse último item com famosos comediantes da rádio, como Abel Pera, Otávio França, Matinhos, Maria do Carmo, Luiza Nazaré e outros mais. Nesse dia a turma de Niterói acordou cedo. Pegamos a barca de 08 horas esperando chegar cedo para ocupar os melhores lugares. Comigo estavam minha noiva, o guitarrista Bernard, o percussionista Ohana, Sérgio Morenão, Reinaldo e mais uns dois ou três que a memória não ajuda a lembrar. Chegamos na Avenida Venezuela e verificamos que deveríamos ter saído mais cedo. As filas se alongavam e andavam morosamente. Descobrimos então que as filas eram só para os elevadores, já que quem quisesse podia subir pelas escadas. Subimos rápido e só fomos encontrar lugar na “prateleira”, como chamavam a parte superior do auditório. Guardamos lugar para Bernard que usou os elevadores e aguardamos o início do espetáculo. E foi ai que o “carro pegou”. O tempo passando o programa se esticando e nenhuma informação. Até que Carlos Frias ocupou o microfone e informou que aguardavam apenas a chegada do baterista Eddie Grady (anos mais tarde Edson Machado me contou que Grady, de quem comprara um enorme “top cymbal”, pegara um taxi e pedira ao motorista: “Rádio Tupi“; o esperto e inescrupuloso profissional calmamente se dirigiu para a Avenida Brasil, então local das torres de transmissão da emissora). O baterista da Tabajara, Plínio Araújo, nos contou por ocasião de “Um Seis e Meia” no Teatro João Caetano que, quase que teve que tocar nas duas orquestras. O espetáculo foi organizado da seguinte maneira: um personagem fantasiado de Zé Carioca e outro de Tio Sam eram os chefes das torcidas; por trás das orquestras eram agitadas uma bandeira brasileira e outra americana. Não me lembro a ordem exata, mas a banda de DORSEY executou, entre outros, os temas “Well Git It”, “On The Sunny Side Of The Street”, “Diane”, “Everything I Have Yours”, “You And The Night And The Music” e “Lullaby Of Broadway”, destacando a vocalista Frances Irwin. Coube a Tabajara, entremear os temas de DORSEY com “Um Chorinho Na Aldeia”, “Guriatã de Coqueiro”, “Espinha de Bacalhau”, “Um Frevo (?)” e o número que surpreendeu a todos, e que logo seria um dos maiores sucessos da banda: “Rhapsody In Blue” em rítmo de samba. A platéia exultava após cada número e os “chefes de torcida” dramatizavam o espetáculo, abraçando os Maestros e solicitando mais aplausos. Eis que Carlos Frias ocupa o microfone e informa que “em nome da grande amizade que une os dois paises” as orquestras tocarão juntas “Deus Salve a América”, o que foi feito com Bob London cantando em inglês e Déo, “o ditador de sucessos”, em português. Finalmente o resultado do “duelo” seria anunciado. Surge o ator teatral Armando Nascimento, fantasiado de Presidente da República e imitando a voz de Getúlio Vargas (que era o seu forte nas revistas do Teatro Recreio) segura o braço de Severino e proclama : “Severino, para mim você é o maior”, fazendo em seguida o mesmo com TOMMY DORSEY. Voltou Carlos Frias dizendo que “todos eram os maiores” e que dalí por diante espetáculos daquela natureza se repetiriam com freqüência (o que nunca mais aconteceu!). A atriz Heloisa Helena informa que o espetáculo teve o patrocínio exclusivo do “Leite de Rosas”, que DORSEY tocaria outra vez às 22 horas e deu boa tarde a todos. REVISTA MENSAL DO JAZZ – POR PEDRO CARDOSO EDIÇÃO Nº 68 – MAIO/2011 PÁGINA 3 DE 4 Soube na hora que haveria uma “Jam Session” no dancing Avenida, reunindo músicos das duas bandas; tinha compromissos a cumprir e não pude ir. Eis a formação das orquestras participantes do “duelo”: ORQUESTRA TABAJARA Severino Araújo (clarinete), Marques, Santos, Raimundo Napoleão e Geraldo Medeiros (trumpetes), Manoel Araújo, Astor e Zé Leocádio (trombones), Jaime Araújo, Jofran, Zé Bodega, Lourival e Genaldo (saxofones), Cláudio Luna Freire (piano), “Cavalo Marinho” (baixo), Del Loro (guitarra), Plínio Araújo(bateria) e Gilberto D’Ávila (pandeiro). ORQUESTRA DE TOMMY DORSEY Buddy Childers, Charlie Shavers, Bobby Nichols e George Cherb (trumpetes), Tommy Dorsey (líder), Nick Di Maio e Ernie Hyster (trombones), Sam Donahue, Paul Mason, Danny Trimboli, Ted Lee e Harvey Estrin (saxofones), Fred de Land (piano), Phil Leshin (baixo) e Eddie Grady (bateria), com vocais de Bob London, Francis Irwin e as “Brown Lee Sisters” Eis ai o relato de Mestre LULA, que “viveu” essa estada da banda de TOMMY DORSEY entre nós. Durante a década de 1990 e em programa da TV Cultura, “Canal Jazz”, Mestre LULA foi entrevistado e convidado a comentar a apresentação da banda de TOMMY DORSEY no “Fórum” de Los Angeles; nessa ocasião a banda era dirigida por Buddy Morrow. Em seu comentário Mestre LULA lembrou que a banda tocava o repertório de TOMMY com os mesmos arranjos, músicos muito bons, mas na realidade tratava-se de uma cópia “xerox”, já que a o clima, o ambiente cultural e as emoções da era das “big bands”, não tinham como ser “interpretadas” por músicos de hoje. Em maio de 1953 TOMMY remontou sua banda, onde se destacavam Charlie Shavers / trumpete, Richmond / sax.tenor, Paul Smith / piano, Louie Bellson / bateria e os vocais de Ann Polk, Gordon Polk (irmão de Ann) e Denny Dennis. O grupo gravou e lançou sucessos como “Chicago”, “The Song Is You”, “Again”, “Baby, Baby, All The Time”, “Pussy Willow” e muitos outros. TOMMY trouxe para a banda o irmão Jimmy, passando a apresentar-se como “Dorsey Brothers Orchestra”, ou “Tommy Dorsey Orchestra, Featuring Jimmy Dorsey” (a “Columbia” lançou por seu selo “Harmony” o album “The Best Of Big Bands - Tommy Dorsey Orchestra, Featuring Jimmy Dorsey”). A banda remontada iniciou temporada no “Statler Hilton Hotel” de New York e, em meados de 1954, os irmãos lançaram-se em programa semanal de televisão “coast-to-coast” (“Stage Now”). A curiosidade desse programa (que foi ao ar no período 1954/1955) foi a apresentação de Elvis Presley durante 06 semanas seguidas: foram as primeiras aparições de Elvis em rede nacional. Em 1956 e 15 dias após completar seus 51 anos, TOMMY DORSEY mostrava-se insatisfeito, desiludido com o término do período das grandes orquestras, dos novos estilos e alterações musicais, com seu divórcio iminente (era casado com Pat Dane, uma bela morena, atriz). Foi dormir sedado com pílulas após refeição pesada: engasgou-se com resíduos alimentícios mal digeridos e, acidentalmente, faleceu (26 de novembro de 1956). Seu irmão Jimmy regeu a banda por breve período, já que veio a falecer pouco tempo após em 12 de junho de 1957. A “instituição” “Tommy Dorsey Orchestra” prosseguiu gravando e apresentando-se, sob o comando de Warren Covington, chegando a lançar um último sucesso de vendas: “Tea For Two Cha Cha” em novembro de 1958. Segue na “Revista Mensal do Jazz” nº 69, junho/2011, “BIG BANDS” - A MARAVILHOSA ERA DO SWING -11ª Parte”. REVISTA MENSAL DO JAZZ – POR PEDRO CARDOSO EDIÇÃO Nº 68 – MAIO/2011 PÁGINA 4 DE 4