Livro Guia das Aulas de Campo AULA DE CAMPO Nº 1 Magmatismo e Vulcanismo: o Complexo Vulcano – Sedimentar do Jurássico Inferior e Unidades Subjacentes. Coordenação: Giuseppe Manuppella e J. Tomás Oliveira∗ Colaboração: Aldina Diogo, Carla Pacheco e Sandra Alves∗∗ Localização Esta aula de campo decorre na região a sudoeste de Amorosa, concelho de São Bartolomeu de Messines As observações são efectuadas ao longo da estrada que liga o pequeno povoado de Torre a Gregórios. Na figura1 consta a carta geológica da região. Introdução A geologia do Algarve pode ser dividida em dois grandes conjuntos: O substrato Varisco e Bacia Sedimentar Meso-Cenozóica. O substrato Varisco, situado a norte, constituído por sequências litológicas de natureza detrítica e vulcano-sedimentar, e mais raramente carbonatada (sector de Aljezur – Carrapateira), cuja idade se escalona entre o Devónico Superior (365 M.a.) e o Estefaniano Inferior (300 m. a). Este substrato apresenta-se tectonicamente deformado, evidenciando dobras afectadas por clivagem xistenta e acidentes cavalgantes, todos com orientação preferencial para o quadrante Noroeste. Esta deformação tectónica está relacionada com os movimentos orogénicos da Cadeia Varisca, que na região atingiram o máximo de desenvolvimento durante o Carbónico Superior. ∗ Instituto Geológico e Mineiro Escola Secundária de Albufeira ∗∗ MAPA GEOLÓGICO DA REGIÃO DE TORRE-AMOROSA N boa Lis Amorosa Gralheira a Venda b c Torre Gregórios s lve Si 0 Aluvião Calcários de Vale de Lamas Aaleniano Dolomitos de Picavessa Sinemuriano Complexo Vulcano-Sedimentar Jurássico Médio Jurássico Inferior Hetangiano Formação de Dagorda Arenitos de Silves Triásico Superior Argilas de S. Bartolomeu de Messines Triásico Inferior Formação da Brejeira Carbónico Superior Falha Estrada Locais de observação Fig. 1 – Carta geológica da região de Torre, Amorosa, São Bartolomeu de Messines. Adaptada de Manuppella, coord, 1992 1km Sobre o substrato Varisco assenta em discordância, tanto ao nível de afloramentos como em termos de cartografia regional, a sucessão estratigráfica da Bacia Sedimentar do Algarve. O enchimento sedimentar desta bacia passou por várias etapas deposicionais, em grande parte relacionadas com fases tectónicas distensivas e compressivas conjugadas com variações eustáticas do nível do mar. (Manuppella, 1988; Manuppella, coord. 1992, a e b; Terrinha, 1998). A primeira destas etapas, aquela que vai ser abordada nesta aula de campo, abrange três episódios deposicionais bem marcados que se descrevem sucintamente a seguir. O primeiro episódio deposicional corresponde à Formação dos Arenitos de Silves, constituída na base por argilas vermelhas e raros conglomerados (Argilas de São Bartolomeu de Messines, só existentes na região central do Algarve), a que se Fig. 2 – Esquema de um leque aluvial associado a uma frente montanhosa. 1 - montanha, 2 - leques aluviais, 3 – planície aluvial, 4 – planície lodosa, 5 – zona de lagos ou lagunas costeiras. Adaptado de Colombo, 1989. sobrepõem arenitos, raros conglomerados, siltitos e argilas, todos com tonalidades avermelhadas. O conjunto da sucessão tem espessura da ordem dos 400 a 500 metros e a sua idade escalona-se entre o Triásico Inferior (245 M.a.), (com raros fósseis de peixes estégocéfalos nas Argilas de São Bartolomeu de Messines) e o Triásico Superior (raros fósseis de estherídeos e de vegetais nos arenitos e siltitos superiores). As bancadas areníticas evidenciam vários tipos de estratificação cruzada (de pequena e larga escala), granoselecção positiva e estruturas canalizadas, sugerindo tratar-se de sedimentação em ambiente fluvial, associado a numerosos leques aluviais que se terão instalado sobre o soco Varisco numa região semi-desértica (Palain, 1976). Embora não haja estudos de pormenor sobre a proveniência destes sedimentos, pensa-se que terão resultado da acumulação de materiais originários da erosão da Cadeia Varisca (Fig. 2). n. m. 1 2 3 4 5 6 Fig. 3 – Esquema do desenvolvimento de um depósito evaporítico do tipo sabkha. 1, soco Varisco; 2, conglomerados; 3, Arenitos de Silves; 4, calcários; 5, dolomítos; 6, evaporítos; 7, arenitos. O segundo episódio sedimentar é constituído por alternâncias de pelitos de tonalidade avermelhada, por vezes violácea e esverdeada, e calcisiltitos finamente estratificados claros. Na parte superior ocorrem intercalações de carbonatos dolomíticos em bancadas centimétricas a decimétricas. A espessura total destes sedimentos varia de 150 a 270 metros. Associados a esta sucessão são comuns depósitos evaporíticos, que 7 podem assumir espessuras de muitas dezenas de metros, como acontece no diapiro de Loulé. As bancadas carbonatadas forneceram fósseis de gastrópodes e lamelibrânquios, que lhe conferem a idade de Liásico Inferior, andar Hetangiano (205 m. a). Este episódio é conhecido em quase todo o país, sendo vulgarmente designado por Formação de Dagorda. A sedimentação terrígena fina e a progressiva intercalação de carbonatos dolomíticos com faunas marinhas, a que se associam evaporitos sugerem subsidência progressiva da área deposicional a que se associou transgressão marinha limitada, possivelmente com sucessivas pulsações transgressivas e regressivas Estas condições, conjugadas com o clima quente e seco, conduziram ao desenvolvimento de depósitos evaporíticos do tipo “sabkha” (Fig. 3). O terceiro episódio está representado pelo Complexo Vulcano-Sedimentar Básico, constituído por escoadas basálticas, diques e soleiras de doleritos, tufos e brechas vulcânicas. As rochas magmáticas têm carácter toleítico continental, (Martins & Kerrich, 1998) e marcam o culminar de um processo distensivo que finalmente conduziu à diferenciação de um rifte (Fig.4). O vulcanismo assume carácter fissural, já que se estende por todo o bordo norte da bacia algarvia, sendo ainda conhecido noutras regiões mais a norte (Santiago de Cacém, Sesimbra). Este episódio de riftogénese marca o primeiro impulso distensivo, de todo um processo que posteriormente conduziu à abertura do Oceano Atlântico. Este rifte acabou por abortar, mas a ele está claramente associado o aumento da subsidência, que permitiu criar o espaço submarino na margem continental que conduziu à sedimentação carbonatada dolomítica generalizada do Liásico Inferior a Médio (200 a 190 m. a). n. m. 1 2 3 4 5 Fig. 4 – O rifte do Jurássico Inferior do Algarve, esquemático. 1, soco Varisco; 2, Arenitos de Silves; 3, Formação de Dagorda; 4, Complexo Vulcano-Sedimentar; 5,calcários. Paragem a Observação dos Arenitos de Silves na sua parte superior. Apresentam-se em bancadas de espessura decimétrica, com granularidade fina a média e cor castanha. No interior das bancadas pode observar-se granoselecção positiva e laminação paralela. A topo destas bancados ocorrem níveis siltosos de espessura centimétrica evidenciando laminação cruzada de pequena escala. Algumas bancadas aparecem biseladas e truncadas o que é atribuído à sua deposição no bordo de um canal fluvial (Foto 1) Estes sedimentos deverão ter-se depositado em rios que se desenvolveram na parte exterior dos leques aluviais. Foto 1 – Estruturação das bancadas do Arenitos de Silves, no afloramento visitado. Paragem b Nesta paragem observa-se em boas condições as características da Formação de Dagorda. Na barreira da estrada afloram pelitos avermelhados com passagens esverdeadas e intercalações de bancadinhas centimétricas de siltitos carbonatados mais claros (Foto 2). Alguns metros a sul, perto da curva da estrada, ocorrem bancadas de calcários dolomíticos que fazem a transição para o Complexo Vulcano-Sedimentar. Em vários locais do país aparece gesso aflorante, disperso nesta unidade. No Algarve, os grandes depósitos de sal gema de Loulé, que actualmente estão instalados numa estrutura diapírica, formaram-se também a ela associados. Foto 2 – Aspecto geral das argilas e margas da Formação de Dagorda. Paragem c Esta paragem visa a observação e discussão do Complexo Vulcano-Sedimentar, em quatro pontos distintos assinalados (Fig. 1). c1 – Neste ponto, na curva da estrada, afloram rochas básicas bastante alteradas , com espessura aparente da ordem do 5 metros, que assentam sobre calcários dolomíticos pouco espessos. Apesar da alteração meteórica, é ainda visível a textura relativamente grosseira, podendo as rochas corresponder a uma soleira. Sobre estas rochas situam-se brechas constituídas por blocos variados, predominantemente carbonatos, dispersos numa massa argilosa. Foto 3 – Estruturação do Complexo Vulcano-Sedimentar, no local c2. Foto 4 Textura esferolítica nos basaltos do Complexo Vulcano-Sedimentar, no local c3. c2 – Este local e os seguintes situam-se na barreira do lado sul da estrada. Observam-se vários episódios vulcânicos de pequena dimensão, constituídos por alternâncias decimétricas de rochas básicas e níveis argilosos avermelhados (tufitos, cineritos?), com espessura total de 2 metros (Foto 3). Seguem-se tufos e 3 2 4 2 3 4 2 2 3 2 1 0 6m Fig. 5 – Coluna litológica do Complexo Vulcano-Sedimentar observado. 1, calcários dolomíticos; 2, rochas básicas: basaltos e/ou doleritos; 3, brecha; 4, tufos e cineritos. cineritos com 4 metros de espessura, encimados por brechas constituídas por clastos de calcário dispersos em argilas. c3 – Nova escoada lávica, agora mais espessa (4 metros) onde são visíveis vesículas em forma de esferólitos, tendo no seu interior sílica fina, podendo também ocorrer cristais de augite (Foto 4). Estas vesículas correspondem a fenómenos de desgaseificação da lava. Seguem-se tufitos e cineritos com 1,5 metros de espessura. c4 – nova escoada lávica, cerca de 4 metros de espessura, também em vesículas. Sobre estas rochas básicas ocorrem brechas, com espessura superior a 4 metros, sendo os clastos dominantes de carbonato e também algum quartzo. A reconstituição da sequência vulcânica está sintetizada na figura 5. Verificamse alternâncias de derrames lávicos basálticos, acompanhados de intrusões com composição mais próxima dos doleritos, e episódios explosivos que incorporam material carbonatado arrancado às paredes das fracturas por onde irromperam os magmas básicos. Este vulcanismo parece corresponder à ascensão de plumas mantélicas, que provocaram a fracturação da crusta (Martins & Kerrich, 1998). No topo do cabeço onde se encontra o vértice geodésico Gralheira podem vislumbrar-se rochas mais claras correspondentes aos calcários da Formação de Picavessa, que se sobrepõem ao Complexo Vulcano-Sedimentar. Bibliografia seleccionada F.Colombo, 1989 – Abanicos aluviales. In “Alfredo Arche, ed. 1989 - Sedimentologia, vol. I. Consejo Superior de Investigaciones Científicas.Madrid.” Giuseppe Manuppella, coord. 1992, a. - Carta Geológica da Região do Algarve e Notícia Explicativa. Serviços. Geológicos de Portugal. Lisboa Giuseppe Manuppella, 1992, b. – Triássico, Jurássico Inferior e Médio. In “J.T.Oliveira, coord. 1992 - Carta Geológica de Portugal na escala 1. 200000. Notícia Explicativa da Folha 8” Línea Martins & Robert Kerrich, 1998 – Magmatismo toleítico continental do Algarve (Sul de Portugal): um exemplo de contaminação crustal “ in sittu”. Comunicações do Instituto Geológico e Mineiro, 85: 99-116 C. Palain, 1976 – Une série détritique terrigène: Le Grés de Silves. Trias et Lias inferieur du Portugal. Memória dos Serviços Geológicos de Portugal, nº 25: Lisboa Terrinha, P. A. G. (1998) ⎯ Structural Geology and Tectonic Evolution of the Algarve Basin, South Portugal. PhD Thesis, Imperial College, London. 430 p.