PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social: Interações Midiáticas
O processo de convergência nos Diários Associados: um
estudo da experiência do homem-banda
Nathália Furtado Bini Dutra de Moraes
Belo Horizonte
2011
Nathália Furtado Bini Dutra de Moraes
O processo de convergência nos Diários Associados: um
estudo da experiência do homem-banda
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em
Comunicação Social.
Orientadora: Dr. Teresinha Maria C. Cruz Pires
Belo Horizonte
2011
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
M827p
Moraes, Nathália Furtado Bini Dutra de
O processo de convergência nos diários associados: um estudo da experiência
do homem-banda. / Nathália Furtado Bini Dutra de Moraes. Belo Horizonte,
2011.
243f. : il.
Orientadora: Terezinha Maria C. Cruz Pires
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social.
1. Jornalismo Eletrônico. 2. Minas Gerais. 3. Mídia Digital. I. Pires,
Terezinha Maria C. Cruz. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. III. Título.
CDU: 070.48
Nathália Furtado Bini Dutra de Moraes
O processo de convergência nos Diários Associados: um estudo da
experiência do homem-banda
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em
Comunicação Social.
_________________________________________
Teresinha Maria C. Cruz Pires (Orientadora)
___________________________________________
Márcio de Vasconcellos Serelle – PUC Minas
________________________________________
Bruno Souza Leal – UFMG
Belo Horizonte, 23 de maio de 2011
Ao meu marido, Marcio, e nosso filho, Miguel, o
melhor projeto da minha vida.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, que sempre me incentivaram a estudar cada vez mais.
Às minhas irmãs, que ouviram muitas histórias sobre esse mestrado.
Aos amigos e família, que também emprestaram os ouvidos para as descobertas e
reclamações.
Aos professores Márcio Serelle e Bruno Leal, pelas contribuições a esta pesquisa.
À minha orientadora, Terezinha Pires, cujo auxílio foi imprescindível, corrigindo
rumos e sugerindo mudanças.
Ao meu marido, pelo apoio incondicional e palavras de incentivo nos momentos mais
difíceis.
Ao Miguel, que acompanhou, nos últimos oito meses, as aflições e angústias da mãe
ainda dentro da barriga.
A Deus, pela força, coragem e paciência.
RESUMO
Esta dissertação investigou o histórico de implantação do processo de convergência de mídias
dentro do grupo Diários Associados Minas, com foco em uma das experiências realizadas
pela empresa: a produção de um repórter multimídia. Este jornalista trabalha sozinho e produz
reportagens para TV e internet, sendo responsável, portanto, por todo o processo da notícia:
da pauta, passando pela filmagem, fotografia, edição e envio do material pela internet para ser
disponibilizado nesses veículos. A intenção da pesquisa era justamente analisar o que esta
produção carrega de ‘convergente’, a partir da definição teórica de Ramon Salaverría e
Samuel Negredo (2008) sobre convergência de mídias: um processo que afeta os setores
tecnológicos, empresariais, profissionais e editoriais dos meios de comunicação,
proporcionando uma integração de ferramentas, espaços, métodos de trabalho e linguagens
para permitir aos jornalistas elaborar conteúdos que se distribuam através de múltiplas
plataformas. Conceito este que o grupo Associados tenta colocar em prática, não apenas
repetindo informações, mas apresentando conteúdo inédito e específico para cada meio. Para
analisar a produção do repórter convergente e verificar se essa intenção era realmente
concretizada na prática, o trabalho do jornalista foi analisado à luz do conceito de narrativa
transmidiática. Embora apresentado por Henry Jenkins (2008) a partir de observações sobre a
indústria do entretenimento, a ideia pode ser articulada à concepção de convergência
idealizada pelos Associados. Nesse tipo de narrativa, os diversos suportes midiáticos são
utilizados de maneira sincronizada para que a história possa ser contada em cada plataforma
de uma forma inovadora, sem repetição de conteúdo, valorizando a experiência interativa e
tentando despertar o interesse do público-alvo. Este conceito nos permitiu, portanto, concluir
que a atuação do repórter se aproximou dessa intenção convergente da empresa.
Palavras- chave: Convergência de mídias. Narrativa Transmidiática. Jornalista multimídia.
ABSTRACT
This dissertation has investigated the description of implantation of the process of media
convergence of the Diários Associados Minas group, with focus in one of the experiences
carried through for the company: the production of a multimedia reporter. This journalist
works alone and produces news articles for TV and Internet, being responsable, therefore, for
all the process of the notice: of the guideline, passing for the filming, photograph, edition and
sending of the material for the Internet to be available in these vehicles. The intention of the
research was exactly to examine what this production loads of `convergente', from the
theoretical definition of Ramon Salaverría and Samuel Negredo (2008) on convergence of
medias: a process that affects technological, business, professional and publishing sectors of
the medias providing an integration of tools, spaces, methods of work and languages to allow
the journalists to elaborate contents which is distributed through multiple platforms. Concept
this that the group Associados tries to place in practical, not only repeating information, but
presenting new and specific content for each medium. To analyze the production of the
convergent reporter and to verify if this intention was actually implemented in the practical
the journalist's work was analyzed based on the concept of transmedia storytelling. Although
presented by Henry Jenkins (2008) from observations on the entertainment industry, the idea
can be articulated to the conception of convergence idealized for the Associados. In this type
of narrative, the various media support are used in a synchronized way so that the story can be
told in each platform of an innovative form, without content repetition to valorize the
interactive experience and trying to awake the interest of the target audience. This concept has
allowed us, therefore, to conclude that the performance of the reporter had approached to this
convergent intention of the company.
Key words: Media Convergence. Transmedia Storytelling, Multimedia Journalist.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Anúncio do JB de 14/07/10 ............................................................................29
Figura 2: Anúncio publicado no L.A Times.....................................................................67
Figura 3: Redação antigo do Correio com baias e funcionários trabalhando isolados...77
Figura 4: redação antiga do Correio................................................................................78
Figura 5: Nova redação sem as separações físicas entre os profissionais........................78
Figura 6: Nova redação....................................................................................................79
Figura 7: Detalhes da mesa de coordenação multimídia..................................................79
Figura 8: Detalhes internos da mesa de coordenação multimídia....................................80
Figura 9: Mochila com parte dos equipamentos utilizados pelo jornalista.....................149
Figura 10: Jornalista boliviano acompanha treino cruzeirense........................................155
Figura 11: Primeiro torcedor a chegar à Bolívia............................................................158
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1: Evolução das funções dos jornalistas.......................................................51
QUADRO 2: Modelo de análise das narrativas transmidiáticas...................................146
QUADRO 3: Análise geral da produção transmidiática...............................................166
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................10
2 CONVERGÊNCIA DE MÍDIAS E O JORNALISMO CONVERGENTE .......16
2.1 Tecnologia, sociedade e economia – fatores de um mesmo processo .................16
2.2 Convergência de mídias e sua (in) definição ........................................................34
2.3 Definições e dimensões da convergência jornalística ..........................................38
2.3.1 A dimensão de conteúdo da convergência e a narrativa transmidiática.........56
2.4 Cenário da convergência em empresas brasileiras...............................................71
3 “DE GRUPO DE COMUNICAÇÃO A FÁBRICA DE CONTEÚDO”: A BUSCA DE
CONVERGÊNCIA NOS DIÁRIOS ASSOCIADOS..................................................83
3.1 O caminho da convergência nos Associados..........................................................83
3.2 Especificidades e convergências entre TV, Portal e Blog nos Associados.........106
4 A COBERTURA ESPORTIVA DO REPÓRTER CONVERGENTE.............130
4.1 Jornalismo Esportivo ...........................................................................................130
4.2 Considerações Metodológicas...............................................................................143
4.3 Estudo de caso........................................................................................................145
5 CONCLUSÃO...........................................................................................................178
REFERÊNCIAS..........................................................................................................184
APÊNDICE A.............................................................................................................197
APÊNDICE B ............................................................................................................ 202
10
1 INTRODUÇÃO
Notícias disponíveis em celulares e tablets, integração de redações, novas funções para
jornalistas e fusões entre empresas de comunicação. Desde o início do século XIX, quando a
imprensa passou de veículo político para empresa com fins lucrativos, as empresas
jornalísticas buscam diferentes formas de se adaptar às novas tecnologias e oscilações do
mercado.
Algumas das movimentações citadas acima não são inéditas, mas ganharam novos
contornos sob a chancela de um nome adotado por muitas empresas jornalísticas:
convergência de mídias. Embora a palavra convergência possa definir uma ampla gama de
transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, conforme prega Jenkins
(2008), as indústrias da informação têm utilizado-a para definir e justificar muitas apostas,
investimentos e transformações nas empresas.
O motivo de tantas buscas é justificado pelo cenário atual, descrito por Salaverría e
Negredo (2008) com pessimismo: os custos de produção da notícia, tanto televisiva quanta
impressa, aumentou; houve queda nos investimentos publicitários; o público adota cada vez
mais um comportamento migratório entre os veículos e surgiram novas fontes de informação;
que acirram a disputa pela atenção do ‘consumidor’ da informação, afetando diretamente o
faturamento das empresas de comunicação.
No grupo Diários Associados – foco desta pesquisa – a convergência é uma tentativa
da empresa de adaptar um negócio que já não rende os mesmos lucros dos últimos noventa
anos, como explica o diretor executivo, Geraldo Teixeira da Costa Neto: “[...] quando um
negócio perde margem, você readequa os seus processos de fabricação para adequar à nova
realidade do mercado. Eu acho que é um dos motivos para que a convergência de mídias
tenha esse papel nos dias de hoje.”
Para se adequar a este cenário turbulento, várias transformações estão sendo operadas
nas indústrias jornalísticas sob o nome de convergência de mídias. Mudanças que podem estar
ligadas à renovação das estratégias de cobertura jornalística, à elaboração de novos formatos
jornalísticos, a uma revisão do processo de tomada de decisões editoriais e de edição, à
comunicação mais eficaz entre editorias, ao ajuste das funções de repórteres e editores, além
da promoção de novos perfis profissionais.
11
Um levantamento divulgado em 2008 pelos espanhóis Salaverría e Negredo,
resultando no livro Periodismo Integrado. Convergência de médios y reorganización de
redacciones, revelou que várias empresas jornalísticas, principalmente nos Estados Unidos,
Inglaterra, Espanha, Argentina e Brasil estão tentando criar ou adaptar modelos convergentes.
No nosso país, alguns exemplos são os grupos Infoglobo, que envolve os jornais O Globo,
Extra e Expresso, além dos sites Globo, Extra e a Agência O Globo; o grupo Rede Bahia, que
possui a TV Bahia, afiliada da Rede Globo, o portal de notícias e o impresso Correio; o grupo
A Tarde, detentor de jornal impresso, site, revista, rádio FM, agência de notícias, empresa de
serviços gráficos e de telefonia móvel e ainda podemos citar o grupo Diários Associados que
em Minas é proprietário da rádio Guarani, da TV Alterosa, dos jornais Aqui e Estado de
Minas, do portal UAI, e de outros sites ligados aos veículos.
Embora essas e outras redações pelo mundo já estejam realizando mudanças sob o
nome de convergência, o processo é desenvolvido de modos distintos, sem uma regra padrão.
A inexistência de um consenso em torno do conceito aponta para uma discrepância, tanto no
âmbito profissional quanto acadêmico, manifestada em definições que mudam com extrema
rapidez. Embora alguns autores tentem apontar as origens do termo e seus significados, ainda
não ocorreu, até o presente momento, uma consolidação muito segura sobre a definição de
convergência. Dessa forma, o conceito vem sendo desenhado em um estado mutante.
Como Jenkins (2008), apenas se refere à convergência de mídias como uma
manifestação particular de um grande processo sociocultural em escala planetária, não
apresentando uma definição mais precisa no âmbito do jornalismo, Salaverría e Negredo
(2008), caracterizaram o processo em andamento nas empresas jornalísticas do mundo;
definição que, inclusive, será a adotada nesta pesquisa:
Um processo multidimensional que, facilitado pela implementação generalizada das
tecnologias digitais de telecomunicação, afeta os setores tecnológicos, empresariais,
profissionais e editoriais dos meios de comunicação, proporcionando uma
integração de ferramentas, espaços, métodos de trabalho e linguagens anteriormente
desagregados, de forma que os jornalistas elaboram conteúdos que se distribuem
através de múltiplas plataformas, de acordo com as linguagens próprias de cada
uma.
(SALAVERRÍA; NEGREDO. 2008, p.45).
Portanto, pensar a questão da convergência de mídias é uma tarefa complexa não só
pela natureza do assunto em si, mas pelo contexto de velozes transformações no qual ela está
12
inserida. O objetivo desta pesquisa não é contemplar a questão em toda sua grandiosidade,
mas mapear algumas discussões acerca do assunto no contexto atual. Por isso, embora as
experiências convergentes dos Associados tenham sido mapeadas e analisadas nesta pesquisa,
foram necessários recortes teóricos e metodológicos para dar conta dessa complexidade.
Se a convergência é um fenômeno que apresenta diversas facetas e envolve
desenvolvimento tecnológico, reestruturação de carreiras e estratégias econômicas, e, até
agora, a maior parte das discussões se limitam à visão dos empresários sobre o processo e
algumas prescrições por parte de certos teóricos do que as empresas jornalísticas devem fazer,
esta pesquisa entende como uma dimensão importante da convergência a produção dos
jornalistas que passam a ter como obrigação a construção de notícias para diversas mídias ao
mesmo tempo. Tema ainda escasso e, portanto, pertinente e relevante como complemento à
discussão sobre convergência jornalística.
No dia-a-dia das redações, percebe-se, muitas vezes, que o jornalista não comunga
com o conceito de convergência adotado pela empresa ou nem sabe claramente quais as
diretrizes, sentindo-se, portanto, perdido com relação ao que exatamente deve produzir. E o
interesse do presente estudo situa-se nessa perspectiva: buscar apreender a experiência de um
jornalista que tem tentado achar o caminho, na base da tentativa e do erro, atuando muitas
vezes sozinho na descoberta de um modo de contar as notícias que tente se enquadrar no
conceito de convergência da empresa para a qual trabalha.
Assim, esta pesquisa analisa a produção de um jornalista do grupo Diários Associados,
o repórter multimídia pleno Marcelo Túlio Mendonça Silva conhecido, informalmente pelos
corredores da empresa como repórter convergente ou homem-banda, aquele que carrega
vários equipamentos e produz para diversos meios, funcionando como uma banda completa.
A escolha do grupo Diários Associados como objeto empírico se deve ao fato de ser um
conglomerado midiático que, embora esteja testando fórmulas e arriscando práticas como
outros grupos nacionais e estrangeiros, possui possibilidades distintas de promover uma
experiência convergente, por possuir veículos como TV, internet, impresso e rádio. Muitas
experiências em curso hoje se limitam à convergência entre impresso e internet. No entanto, o
maior motivo para essa seleção é justamente a atuação deste jornalista, que produz para
veículos como TV e internet. A pergunta que se faz neste momento é o que existe de
convergente, de acordo com as teorias apresentadas ao longo desse estudo, nesta experiência
do homem-banda.
13
De modo a dar conta de tal indagação, foi necessário um exercício de análise do
momento atual que impulsiona as empresas a se reorganizarem; o que é apresentado no
segundo capítulo. Fatores econômicos, tecnológicos e sociais são apontados como
responsáveis, uma vez que existe um processo circular entre o surgimento de novas
tecnologias, sua utilização pela sociedade e as necessidades financeiras envolvidas. O
resultado dessa mistura impulsiona as empresas a buscarem novas fórmulas de adaptação ao
mercado e a convergência de mídias surge, então, como uma fórmula para ajudar as empresas
jornalísticas a se recuperarem. No entanto, nem o mercado nem os teóricos são unânimes em
torno de um consenso sobre o que vem a ser este processo. Por isso serão apresentadas
algumas definições e discussões propostas pelos pesquisadores ao longo dos últimos anos.
Ainda neste capítulo, a convergência de mídias foi analisada a partir de quatro
dimensões (tecnológica, empresarial, conteúdo, profissional) definidas por Salaverría e
Negredo (2008) como base desse processo. O foco da análise recaiu sobre a esfera de
conteúdo, materializada na produção e difusão da notícia em vários suportes. Nos últimos
anos, as tecnologias digitais e as telecomunicações tornaram possíveis a geração de cópias de
um mesmo conteúdo original e as empresas jornalísticas têm aproveitado esse apoio
tecnológico para multiplicar os canais de distribuição. Assim, uma notícia pode ser difundida
de forma simultânea através de qualquer meio baseado em tecnologias digitais como web,
RSS, celulares etc.
Considerando que o trabalho do repórter convergente dos Associados se desdobrava
em produtos para internet e TV, foi investigado também como se dava esse processo à luz do
conceito de narrativa transmídia. Embora apresentado por Henry Jenkins (2008) a partir de
observações sobre a indústria do entretenimento, a ideia pode ser articulada à concepção de
convergência idealizada pelos Associados. Nesse tipo de narrativa, os diversos suportes
midiáticos são utilizados de maneira sincronizada para que a história possa ser contada em
cada plataforma de uma forma inovadora, sem repetição de conteúdo, valorizando a
experiência interativa e tentando despertar o interesse do público. Embora a análise seja a
partir de Jenkins (2008), esta pesquisa buscou identificar e analisar outros autores que, mesmo
não utilizando tal denominação, também estavam promovendo uma discussão sobre o
cruzamento de narrativas jornalísticas na contemporaneidade.
Para finalizar este capítulo, ainda foram apresentadas algumas iniciativas consideradas
‘convergentes’ pelas empresas que as efetivaram. Exemplos que não são meramente
14
ilustrativos, uma vez que podem servir como comparação para as ações instituídas pelos
Associados.
O terceiro capítulo investigou o caminho convergente dos Diários Associados, que
possui uma meta ousada, apresentada pelo Diretor Executivo, Geraldo Teixeira da Costa
Neto: “[...] Hoje nós somos um grupo de veículos, um grupo de comunicação, mas nós vamos
ser uma fábrica de conteúdo multiplataforma publicando em marcas de relevância.”
Todavia, a definição de convergência de mídias dentro do grupo não é um conceito
único. Durante as entrevistas em profundidade com o diretor executivo Geraldo Teixeira da
Costa Neto; com o editor de mídias convergentes, Benny Cohen; e o repórter multimídia
pleno, Marcelo Túlio Mendonça Silva ficaram claras discrepâncias quanto aos fatores que
levam à convergência assim como o que este conceito representa na prática.
Os desafios impostos pela cultura profissional dentro da empresa, as rotinas produtivas
e os custos de implantação dessas iniciativas se não paralisaram algumas experiências
convergentes foram motivos para mudanças de rumo de algumas delas. Ao longo deste
capítulo foram analisadas desde aquela considerada a primeira até o mais recente projeto:
construir uma redação integrada, que vai permitir, na visão do diretor executivo, a
concretização do projeto de fábrica de conteúdo multimídia.
Dentre essas experiências, a pesquisa focou a análise na atuação do homem-banda, que
começou a atuar em 2009. O profissional escolhido foi o editor de texto e imagem da TV
Alterosa, Marcelo Silva, que já dominava técnicas de edição e recebeu treinamento para
filmagem. Durante o primeiro ano de trabalho como repórter convergente, Silva produziu
reportagens para a TV Alterosa e para o portal UAI, além de ter mantido o blog Mochilão do
Esporte no site colaborativo do portal, o DZAÍ. Atualmente, este jornalista continua
trabalhando sozinho, mas a produção é quase na totalidade para a TV. Como já faz mais de
um ano que esta experiência está em curso, foi possível analisar os resultados obtidos e a
avaliação da empresa sobre ele.
Para investigar a produção convergente do homem-banda, foi necessário para esta
pesquisa trazer algumas considerações sobre jornalismo na web, principalmente aquele
realizado em portais e blogs, alvos do repórter convergente do grupo, além de certas
características do jornalismo televisivo, visto que este profissional tinha como intuito produzir
e distribuir, ao mesmo tempo, informações para TV e web.
15
O quarto capítulo investigou a produção deste jornalista, tentando entender o que
havia de convergente nestas matérias, a partir dos conceitos de convergência de Salaverría e
Negredo (2008) e Narrativa Transmídia, de Jenkins (2008). Para isso foram criados
operadores metodológicos que permitiram articular as reportagens analisadas a conceitos
como ineditismo e complementaridade das informações, chamadas para a cobertura dos
outros veículos e a participação do público.
A seleção do corpus levou em conta a instabilidade da produção do repórter
convergente. Uma vez que o trabalho desse profissional foi uma experiência pioneira dentro
dos Associados e, como tal, sem fórmulas prontas para o trabalho diário, a produção de
reportagens oscilava de modo significativo dentro de uma mesma semana. Para investigar
essa produção, foi realizado um recorte temporal determinado pela época em que a produção
do jornalista ainda era maior na internet, de modo a possibilitar uma comparação de como as
informações eram articuladas entre TV e web. Portanto, foi analisada toda a produção do
jornalista durante sete dias de cobertura do jogo entre Cruzeiro e Real Potosí por uma vaga na
Copa Libertadores da América – principal competição de futebol entre clubes profissionais da
América do Sul – que resultou em 16 reportagens de TV, 14 postagens no blog e três notícias
para o Superesportes, parte esportiva do portal UAI, divulgadas entre os dias 21 e 28 de
janeiro de 2010.
Como toda a cobertura foi realizada dentro da editoria de esportes, foi necessário tecer
algumas considerações sobre as especificidades do jornalismo esportivo em relação às demais
editorias de uma redação (maior flexibilidade de pautas, produção, edição) e como as rotinas
desta editoria, aliadas às interferências econômicas, culturais e tecnológicas influenciaram
esta cobertura convergente.
16
2 CONVERGÊNCIA DE MÍDIAS E O JORNALISMO CONVERGENTE
2.1 Tecnologia, sociedade e economia – fatores de um mesmo processo
Em 1995, ao publicar uma compilação de vários artigos escritos para a revista Wired,
resultando no livro A Vida Digital, Nicholas Negroponte (1995), já previa que a digitalização
estaria intimamente ligada ao futuro não só do jornalismo, mas também dos grupos de mídia
em geral. Para ele, os bytes – representações binárias que possibilitaram a compressão de
dados e a transmissão deles por um canal qualquer – tornaram o mundo digital extremamente
maleável, permitindo que ele crescesse e se modificasse de uma forma mais contínua e
orgânica do que os antigos sistemas analógicos. Flexibilidade que dá aos bytes a capacidade
de se misturarem sem qualquer esforço, podendo “ser utilizados e reutilizados em seu
conjunto ou separadamente. A mistura de áudio, vídeo e dados é chamada de multimídia, mas
não quer dizer nada além de bits misturados.” (NEGROPONTE, 1995, p.23). Sem a
necessidade desses bytes ficarem presos, Negroponte já previa que o jornalismo e o público se
beneficiariam dessa mobilidade, já que as notícias, por exemplo, poderiam ostentar vários
níveis de qualidade de apresentação e profundidade.
Para Henry Jenkins (2008), fundador e diretor do programa de estudos de mídia
comparada do Massachusetts Institute of Technology (MIT) que se dedica à pesquisa dos
fenômenos envolvidos no processo de convergência entre os novos meios de comunicação e
os tradicionais, a transformação de átomos em bytes, como descreveu Negroponte (1995),
permitiu que o mesmo conteúdo fluísse por vários canais diferentes e assumisse formas
distintas no ponto da recepção. “Graças à proliferação de canais e à portabilidade das novas
tecnologias de informática e telecomunicações, estamos entrando numa era em que haverá
mídias em todos os lugares” (JENKINS, 2008, p. 41). Como exemplo, o autor cita a música,
que pode ser ouvida no DVD player, no rádio do carro, no walkman, no iPod, numa estação
de rádio na internet ou num canal de música na TV a cabo.
Essas novas possibilidades tecnológicas de transmissão e consumo de informação são
fatores decisivos para a chamada convergência midiática, processo que vem sendo
amplamente discutido pelas grandes corporações de mídia em todo o planeta. Entretanto,
17
apenas as inovações no campo da tecnologia não são capazes de explicar o porquê de tantos
debates, apostas e experiências que se apresentam nessa área. Fatores econômicos e novas
demandas da sociedade fazem parte desse processo que ainda está sendo definido, tanto
conceitualmente quanto em ações práticas.
É claro que a tecnologia não determina a sociedade. Nem a sociedade escreve o
curso da transformação tecnológica, uma vez que muitos fatores, inclusive
criatividade e iniciativa empreendedora, intervêm no processo de descoberta
científica, inovação tecnológica e aplicações sociais, de forma que o resultado final
depende de um complexo padrão interativo. (CASTELLS, 1999, p.25).
Nesse sentido, Raymond Williams (1974) traz considerações pertinentes sobre o
assunto, a partir de uma análise sobre a história social da televisão, tanto do ponto de vista da
evolução tecnológica quanto dos usos posteriores desse equipamento. O autor discorda de
duas análises enraizadas no pensamento social moderno. Tanto da visão que vê a tecnologia
como uma força própria que cria novos jeitos de vida como daquela que a encara como uma
força própria que fornece ingredientes para novos jeitos de vida.
Na primeira visão, em que prevalece o determinismo tecnológico, as tecnologias são
vistas como se nascessem espontaneamente, numa esfera independente, e então, a partir dela,
tivessem sido criadas novas sociedades e novas condições humanas. O grupo da segunda
análise, menos determinista, embora também defenda que as tecnologias surjam por acaso,
acredita que elas sejam criadas em uma esfera mais marginal, sendo, posteriormente,
absorvidas e utilizadas pela sociedade.
Entretanto, Williams (1974) defende que, no caso específico da televisão, seja possível
ter uma interpretação diferente, que permitiria ver não só a história da TV, mas os usos dela
de uma forma menos radical. Ele acredita que este novo pensamento poderia resgatar a
intenção do processo de pesquisa e desenvolvimento, retirando o ar espontâneo que o cerca,
uma vez que as tecnologias seriam procuradas e desenvolvidas com fins determinados e
práticas já em mente. Da mesma forma, para se contrapor ao outro grupo, o autor observa que,
como as necessidades sociais são conhecidas, as finalidades e práticas da tecnologia não são
marginais, mas centrais e determinantes.
Para exemplificar, o pesquisador considera que, embora o desenvolvimento da
eletricidade tenha começado a partir de uma investigação sobre um fenômeno natural de
condução de energia, houve um período de avanços que coincidiu, não por acaso, com o
18
desenvolvimento da produção industrial: “As vantagens da energia elétrica estiveram
estreitamente relacionadas às novas necessidades industriais: para mobilidade e transferência
na localização de fontes de energia e para sua conversão com rapidez e flexibilidade.”
(WILLIAMS, 1974, p. 8, tradução nossa).1
Para Williams (1974), não só no caso da eletricidade, mas também no
desenvolvimento do telégrafo, da fotografia e do cinema, houve uma interação muito
complexa entre necessidade, invenção e aplicação. Os problemas de comunicação e controle
na expansão das operações militares e comerciais, por exemplo, foram o principal incentivo
para as melhorias nas tecnologias de comunicação. Telégrafo e telefone e, nos estágios mais
iniciais, o rádio foram produtos secundários dentro de um sistema primário de comunicação
que estava diretamente a serviço das necessidades de um sistema comercial e militar
estabelecido e em desenvolvimento.
Mesmo depois de desenvolvidos, alguns equipamentos nem possuíam um conteúdo
definido. Rádio e televisão, por exemplo, foram sistemas concebidos para a transmissão e
recepção como processos abstratos, com pouca ou nenhuma definição prévia do que iriam
transmitir. Só na segunda fase do rádio, em 1930, é que foram realizados avanços mais
significativos no conteúdo. E a televisão passou pelas mesmas fases do rádio. Situação
semelhante ao que presenciamos no grupo Diários Associados, cujo cargo de jornalista
convergente foi criado pensando-se em uma forma abstrata, em um processo chamado
convergência, mas sem uma determinação prévia sobre que tipo de conteúdo e como ele
deveria ser trabalhado por este profissional.
Depois de já utilizados para os primeiros propósitos, as aplicações futuras destes
equipamentos são incertas. Uma tecnologia qualquer, neste momento da pesquisa, entendida
como uma mera novidade técnica ou instrumental, embora desenvolvida em um determinado
tempo, a partir das demandas sociais e evoluções tecnológicas de uma época, não indica,
necessariamente, o modo como ela será institucionalizada ou empregada: “[...] sabemos
menos ainda quais conseqüências terá na vida social, econômica ou política”.
(SILVERSTONE, 2005, p.47).
1
The advantages of electric power were closely related to new industrial needs: for mobility and transfer in
the location of power sources, and for flexible and rapid controllable conversion
19
Um exemplo é o cinema, que quando criado, estava à margem das formas sociais
estabelecidas, os espetáculos teatrais. O sucesso apareceu apenas mais tarde, quando
transformado em uma nova versão da forma tradicional: o cine-teatro. O rádio, por exemplo,
surgiu como uma forma avançada do telégrafo e não como um efetivo sistema social, o que só
aconteceu no período pós-guerra, com a mudança do contexto social. Isso indica que a
transmissão da comunicação já estava organizada em um nível econômico, mas ainda
desorganizada enquanto novo sistema de comunicação social.
A dificuldade de se estabelecer esse novo sistema de comunicação estava relacionada,
segundo Williams (1974), à existência de instituições mais amplas que já operavam um
sistema de comunicação, como as famílias, igrejas, escolas e assembléias. Entretanto, em uma
sociedade em mutação, principalmente depois da Revolução Industrial, problemas de
perspectiva e orientação social se tornaram mais agudos. Novas relações entre os homens e
entre os homens e as coisas estavam sendo experimentadas e as instituições tradicionais
tinham pouco a dizer para um público curioso e ansioso para novos tipos de informações e
orientações mais profundas. Para a transmissão de ordens simples já havia sistemas de
comunicação como o telégrafo e o telefone. Para a transmissão de ideologia, estavam
presentes as instituições tradicionais específicas. Mas para a transmissão de notícias e o que
está por trás delas – orientação geral, atualização e previsões – havia a necessidade de uma
nova forma, que escolas e igrejas não conseguiriam transmitir.
A imprensa surge nesse momento, marcado ainda pela centralização do poder político
que estimulava a necessidade por mensagens sobre o centro do poder, mas que passassem por
linhas diferentes que as oficiais. Os primeiros jornais eram uma combinação de informação
política e social com mensagens específicas, como anúncios classificados e notícias
comerciais gerais. E a imprensa acabou se tornando não apenas um novo sistema de
comunicação, mas, principalmente, uma nova instituição social.
Williams (1974) conclui que embora algumas descobertas científicas e tecnológicas
fossem desenvolvidas por indivíduos isolados e sem apoio, havia uma atmosfera comum
envolvendo algumas ideias e intenções. Ao mesmo tempo, algumas necessidades reais
estavam fora do escopo existente ou previsível do conhecimento científico e tecnológico. De
qualquer forma, esses sistemas de transmissão da comunicação, sejam eles o telégrafo, a
fotografia, o cinema, o rádio ou televisão, foram, ao mesmo tempo, incentivos e respostas
dentro de uma fase de transformação geral da sociedade.
20
A explicação para este processo circular entre tecnologia, utilização e transformações
sociais é também analisado por Kauhanen e Noppari (2007):
Um produto tecnologicamente forte sempre cria novos e tardios usuários, novas
significações e novas relações sociais, mesmo estruturais. Essa nova significação
social, então, retorna para a fonte tecnológica e influencia o caminho que essa nova
tecnologia ou produto desenvolverá no futuro.
(KAUHANEN; NOPPARI,
2007, p.205).
O jornalismo é um produto histórico, resultado de influências econômicas, políticas,
tecnológicas e sociais e, por isso mesmo, apresenta alterações ao longo do tempo. E a
introdução de novos meios técnicos de comunicação (também chamados veículos, canais,
suportes e agora, plataformas) sempre desafiou esse campo, desde o surgimento da fotografia
passando pelas máquinas de escrever, ao aparecimento do computador nas redações e agora,
por exemplo, à apropriação de meios como celular para divulgação de notícias. Entretanto, a
absorção das novidades pelo jornalismo nem sempre acompanhou o ritmo de surgimento das
mesmas – o que ilustra a necessidade de um período de acomodação, defendido por Orozco
(2006) entre esses novos e velhos meios técnicos de comunicação. O autor acredita que o
surgimento de cada tecnologia conduz a um período de acomodação aos últimos lançamentos,
período este que pode ser extenso ou não. Os resultados não são imediatos porque não só o
instrumental está envolvido mas, sobretudo, o sociocultural.
Dessa forma, a tecnologia atua como condicionante, mas não determinante,
assimilando as potencialidades dos meios. No mesmo movimento, o papel da tecnologia sofre
uma refuncionalização e um redirecionamento marcados, hoje, pelas “complexidades e
possibilidades de penetração dos dispositivos e conteúdos de ordem digital na sociedade que a
incorpora, mas que também a molda.” (SILVA JÚNIOR, 2008, p. 54).
Ao longo dos anos, em um processo que não cabe detalhamento nesta pesquisa, o
campo do jornalismo e dos media se tornaram ao mesmo tempo autônomo e dependente. Em
outras palavras, instaura, ao mesmo tempo em que conforma e redefine, discursos sobre e para
a sociedade. Fausto Neto (2006) defende que os meios de comunicação se tornaram agentes e
lugares de produção de sentido. Sendo assim, a aparelhagem tecnológica por onde fluem essa
produção ganhou novos contornos, indo além da idéia de uma matriz que impõe suas formas
no texto; “de uma simples entidade técnica, estranha ao sentido, instância esta que são os
21
lugares materiais e imateriais nos quais se inscrevem os textos.” (FAUSTO NETO, 2006,
p.1).
O dispositivo tecnológico vai além, produz práticas, instaurando-se também nos seus
âmbitos, destacando-se como ponto de aplicação de crenças e saberes de uma prática social.
Estando no centro dos processos de produção jornalística e dos jornalistas, os dispositivos são
“operações e operadores que explicitam e atualizam outra forma de poder do jornalismo,
redesenhando as ações enunciativas pelas quais esse poder se vincula ou se endereça ao
leitor.” (FAUSTO NETO, 2006, p.11).
De uma perspectiva discursiva mais longínqua, na qual o acontecimento e
enunciação confundiam-se, pleiteia-se hoje, que o acontecimento é o próprio
discurso sobre a enunciação que trata de fabricá-lo, ou seja, as ações dos
dispositivos que interferem na construção da enunciação. São transformações que
afetam o lugar de fala do discurso, mas também suas várias articulações e
endereçamentos. (FAUSTO
NETO, 2006, p.3).
Silva Júnior (2008) reforça que, no atual cenário comunicativo, no qual os ambientes
baseados em processos de digitalização se aliam aos modelos organizativos em rede, não
haveria a determinação de dinâmicas sociais a reboque da perspectiva tecnológica, pois os
dispositivos tecnológicos deixaram de ser as ferramentas aplicadas às atividades de produção
para se tornarem a própria base generalizada das dinâmicas sociais contemporâneas.
Embora não se negue a influência, faz-se necessário salientar que esses dispositivos
técnicos de comunicação são um modo entre outros de se favorecer a mediação social, que
também pode ser efetivada por instituições mediadoras como família, escolas, partidos etc.
Entretanto, a mediação promovida pelas empresas jornalísticas ganhou relevância e adquiriu
uma influência ímpar na história da sociedade.
Perspectiva esta que se confirma quando analisamos a experiência convergente no
grupo Diários Associados. A noção de dispositivo associada ao jornalismo aparece
diferentemente de um conjunto que envolve suporte e um sistema de práticas de utilizações. A
ação desses dispositivos interfere no processo de noticiabilidade, sendo condicionante da
cobertura de uma realidade e até da própria existência daquele fato. Como será relatado no
capítulo quatro, o repórter convergente, muitas vezes, privilegiava determinado dispositivo
por ser de mais fácil manuseio ou por conhecer seu grau de relevância dentro da empresa,
critério este associado a fatores econômicos.
22
No processo de produção jornalística, não são apenas esses dispositivos tecnológicos
que interferem na pauta, na captação e na edição. É preciso também definir quem são e o que
querem telespectadores/leitores/internautas. Descobrir as preferências e necessidades deste
público, hoje mais ativo e participante, se transformou em um grande desafio para quaisquer
conglomerados midiáticos. No livro Conectado (2007), Spyer afirma que
Por 150 anos, as democracias [...] dependeram da indústria para produzir e fazer
circular informação e conhecimento. Mas nos últimos 15 anos, mudanças
tecnológicas aumentaram a participação da produção não-proprietária e nãocomercial, permitindo que indivíduos assumam papéis mais ativos do que era
possível no modelo industrial. (SPYER,
2009, p. 236).
Mas não foi apenas a tecnologia que permitiu essa participação. É nítida também uma
nova postura do público diante das mídias. Para Jenkins (2008), uma boa definição sobre
essas pessoas foi apresentada por Betsy Frank, vice-presidente executiva de pesquisa e
planejamento da MTV Networks, durante uma palestra no MIT em 2004. Para ela, quem
primeiro forçou uma mudança nos paradigmas dos meios de comunicação tradicionais são
aquelas pessoas nascidas na década de 1970 que nunca se conformaram com escolhas
forçadas e cresceram com uma atitude ‘o que eu quero, quando quero’ diante das mídias, em
um mundo onde foram se tornando mais comuns aparelhos como TV a cabo, videocassete e
internet. Hoje é discurso recorrente a chamada geração digital, nascida nesses tempos de
intensa convivência com dispositivos digitais, não sendo estranho escutar que crianças e
adolescentes parecem já nascer com habilidades técnicas para lidar com estes equipamentos
lançados a todo momento.
Esse novo papel do público tem provocado mudanças significativas na forma de
pensar, produzir e divulgar informações jornalísticas. A imprensa está se acostumando com a
possibilidade inédita “de qualquer um ter nas mãos uma ferramenta de comunicação capaz de
atingir milhões de pessoas e, por isso, espantosa.” (COSTA, 2009, p.259). Costa defende que
o jornalismo, por exemplo, está irremediavelmente transformado pela emergência de novas
mídias, uma vez que, queiram as mídias tradicionais ou não, os cidadãos agora tem mais
poder. “E ninguém conseguirá tirar isso do ser humano, por mais disperso e individualizante
que este tempo de liquefação de conceitos possa ser.” (COSTA, 2009, p.259).
23
Holanda e outros (2008), em um estudo publicado na revista da Associação Brasileira
de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), trouxeram reflexões interessantes sobre a
participação do público no jornalismo nacional e internacional. Para os pesquisadores, a
dimensão participativa do jornalismo “pode ser caracterizada, de maneira ampla, pela criação
e implementação de mecanismos que possibilitem envolver o público em diferentes etapas
dos processos de coleta, criação, análise e distribuição de notícias.” (HOLANDA et al, 2008,
p.57).
Nota-se, na prática, a existência de uma grande variedade de possibilidades
participativas, que se diferenciam até mesmo pelo nome como são conhecidas: jornalismo
cívico, público, de fonte aberta, comunitário e cidadão. Isto é, o conceito de jornalismo
participativo não pode ser universalmente aplicado a todas as organizações noticiosas.
O modo participativo de fazer jornalismo tem despertado o interesse de diversos
estudos, mas não cabe nesta pesquisa diferenciar e classificar tipos de participação, mas
apenas mostrar que o grau de abertura de cada empresa jornalística à participação do público
nas diferentes fases da produção noticiosa varia de acordo com interesse editoriais e
econômicos de cada uma, que podem estar relacionados à obtenção de conteúdo gratuito, à
redução de custos e a uma estratégia de imagem para se mostrar mais receptiva à opinião do
público. Na prática, enquanto para algumas empresas jornalísticas participação quer dizer
comentários de leitores ou realização de fóruns e enquetes, em outras, o material produzido
pelo público, seja textual, sonoro ou visual, pode contribuir na elaboração de conteúdos
jornalísticos. De qualquer forma, em maior ou menor grau, o jornalismo se transforma à
medida que o fenômeno colaborativo cresce.
A facilidade em produzir e disponibilizar conteúdos textuais, visuais e sonoros,
principalmente na internet, demonstra um processo mais descentralizado e independente de
produção e circulação de conteúdo. Entretanto, de forma paradoxal, boa parte desse conteúdo
só se legitima por meio de formatos estéticos ou editoriais estabelecidos em torno da prática
jornalística regular. O formato jornalístico padrão e os critérios de noticiabilidade já estão
enraizados de tal forma que o próprio público tende a imitá-lo para garantir a inserção de seu
conteúdo. São nesses momentos que se confirmam o peso institucional da empresa
jornalística responsável por reconhecer os valores que transformam fatos em notícias.
Orozco (2006) acredita que esse poder da audiência diante das indústrias midiáticas
ainda não é tão perturbador para as empresas e critica aqueles que acreditam que na sociedade
24
do conhecimento produtores e usuários possam realizar os mesmos papéis. Para o autor, essas
funções – de quem faz e quem consome – ainda refletem inércias e padrões tradicionais, além
de autoritarismo e imposições. A assimetria que já existia entre usuários dos antigos meios de
comunicação, como telespectadores e donos das indústrias de TV, muda de estilo, mas não
desaparece. O pesquisador aponta que as forças que controlam as novas tecnologias são ainda
mais centralizadas que aquelas detentoras dos velhos meios, que já eram homogeneizantes.
Na internet, Orozco exemplifica essa relação ao afirmar que os serviços on line pressupõem
novas dependências dos usuários: “Para exercerem com liberdade suas diversas
‘interatividades’ eles tem de se conectar às grandes redes e infra-estruturas, as quais não
administram nem controlam, nem tampouco criam.” (OROZCO, 2006, p.87).
Em relação à internet, Vaz (2001) também critica o senso comum teórico de que a
estrutura da internet condenaria os mediadores a um fim próximo, propiciando uma liberdade
nunca antes vista. Na verdade, a internet coloca em crise um tipo de mediador, mas abre a
possibilidade de outros. O autor defende que a rede admite e requer formas próprias de
mediação. Enquanto algumas formas centralizam, fragmentam e reduzem a multiplicidade da
rede, outras podem preservar, com maior ou menor sucesso, formas horizontais de
sociabilidade e formas inéditas de expressão e experiência individuais. “Toda tecnologia
privilegia alguns segmentos sociais em detrimento de outros e a luta pela topologia da rede
ainda está em aberto, dependendo dos softwares e das figuras de mediação que se inventar.”
(VAZ, 2001, p. 46).
É importante que esteja claro que todas essas mudanças tecnológicas e sociais são
geradas em um ambiente altamente competitivo, onde as velhas leis capitalistas seguem
vigentes, atrás do lucro e rentabilidade que regem o funcionamento das indústrias culturais.
As fusões verticais e horizontais de sociedades empresariais, as operações de concentração ou
a conquista agressiva de novos mercados não deixaram de caracterizar as empresas de
comunicação. Sob essa ótica, o processo de convergência midiática vem sendo visto pelos
empresários como um caminho para se criar múltiplas formas de vender conteúdos ao
público, encarado, na verdade, como consumidores.
Para o benefício das empresas, as estratégias baseadas na convergência de mídias
exploram as vantagens dos conglomerados que podem oferecer ao público informação da
forma que ele prefere consumir, seja na TV, no rádio, na internet ou no impresso. Para
Jenkins (2008), tais conglomerados não nasceram agora, pressionados pelas ameaças do
25
mercado. Foi em meados da década de 1980 que surgiram as formas mais recentes de
propriedade cruzada dos meios de comunicação, o que segundo o pesquisador pode ser visto
hoje como a primeira fase de um longo processo de concentração desses meios. Isso permitiu
distribuir conteúdos para vários canais, ao invés de um único suporte. “A digitalização
estabeleceu as condições para a convergência; os conglomerados corporativos criaram seu
imperativo.” (JENKINS, 2008, p.36).
Se os conglomerados começaram a surgir em meados dos anos 1980, agora as
empresas estão tentando ampliar o monopólio por meio de fusões ou buscando parcerias. O
autor ainda afirma que hoje as empresas passam por um momento de sinergia, no qual
oportunidades econômicas estão surgindo em um contexto de integração horizontal, em que
um conglomerado midiático conduz negócios em múltiplos canais de distribuição. Isso
significa que algumas empresas podem diversificar seus interesses, mas, ao contrário de deter
o controle da produção, distribuição e venda, fazem parcerias com outros grupos para atingir
determinado público.
Baseado em relatórios de publicações recentes, Costa (2009) descreve o cenário no
qual estão inseridos os grupos midiáticos na atualidade. Ele considera que a concentração não
seja um fenômeno restrito à mídia, mas neste setor os números são impactantes. Das 50
empresas globais de comunicação existentes em 1980, sobraram 27 no começo dos anos 1990.
No início deste século, restaram oito: Time Warner, Disney, Vivendi, Nes Corporation,
Bertelsman, Google, CBS e Viacom. Juntas elas são responsáveis por 42% do faturamento
somado das 70 maiores empresas de mídia em todo o mundo.
Um dos resultados apontados por Costa (2009) dessa concentração iniciada em
meados do século passado é a invasão de indústrias sem tradição nos negócios da
comunicação, que geralmente são formados por empresas familiares. Ele cita como exemplos
o grupo Dassault, do setor de armas, que agora está presente no jornal Le Fígaro e no
semanário L’Express. A espanhola Telefônica, da área de telecomunicações, é proprietária do
portal multinacional Terra e, no Brasil, se associou ao Grupo Abril na TV por assinatura,
além de ter operação de TV por satélite com acordo operacional com a Rede Globo.
Ainda em território brasileiro, a Portugal Telecom, também empresa de
telecomunicação, é sócia do portal UOL (Grupo Folha). A empresa de telecomunicações OI,
de capital 100% brasileiro, lançou emissoras de rádio em 2005 e adquiriu o controle da
26
empresa de telecomunicações Brasil Telecom, que é proprietária do Internet Group,
aglutinador dos portais iG, iBest e BrTurbo.
O entusiasmo de Jenkins (2008) em relação à convergência não o impede de enxergar
que, em relação a estes movimentos de concentração, a mídia contemporânea vem sendo
moldada por tendências contraditórias: ao mesmo tempo em que o ciberespaço não distingue
fontes de informação, estando todas disponíveis da mesma forma, há também uma
concentração inédita de poder dos velhos meios de comunicação, como também acredita
Orozco (2006). Ou seja, ao mesmo tempo em que amplia-se o ambiente discursivo, há um
estreitamento da variedade nas informações transmitidas pelos canais disponíveis. Jenkins
(2008) é categórico ao afirmar que essa concentração do poder da mídia detém a competição e
coloca as indústrias acima das demandas dos consumidores, reduzindo a diversidade,
essencial em termos de notícia, e os incentivos para as empresas negociarem com os
consumidores, impondo assim, obstáculos à participação deles.
Especificamente para as indústrias jornalísticas, independentemente do país onde
estejam, esses fatores econômicos têm contribuído para que os modelos de negócio sejam
repensados pelos empresários. As empresas estão preocupadas com a fragmentação ou erosão
em seus mercados. “Cada vez que deslocam um espectador, por exemplo, da TV para a
internet, há o risco de ele não voltar mais.” (JENKINS, 2008, p.45). Além disso, Salaverría e
Negredo (2008) ainda apontam outros fatores: aumento nos custos de produção, queda dos
investimentos publicitários, concorrência com os sites que reúnem notícias, como o Google,
desaparecimento de pontos de venda de jornais impressos e a própria queda gradativa na
circulação dos impressos ao longo dos anos.
No Brasil, 2009 foi um ano marcado pela queda de 3,46% na circulação dos jornais
nacionais, de acordo com o Instituto Verificador de Circulação (IVC), órgão especializado no
país em registrar mensalmente a circulação de jornais associados. Segundo estimativas da
Associação Nacional dos Jornais (ANJ), a circulação dos diários brasileiros foi de 8,19
milhões de exemplares diários, abaixo do ano anterior de 8,49 milhões. (OTIMISMO...,
2010).
Em 2010, o Instituto divulgou uma recuperação do índice, mas um crescimento de
apenas 2%, subindo de 4.228.214 exemplares vendidos por dia para 4.314.425 pode ser
considerado muito tímido. E é interessante perceber no ranking dos jornais mais consumidos
no Brasil que, depois de 25 anos de liderança, a Folha de S.Paulo deixou de ser o jornal mais
27
vendido no país, cedendo lugar ao popular Super Notícia, de Belo Horizonte, que atingiu
295.701 exemplares de vendas médias, contra 294.498 do diário paulista. (CIRCULAÇÃO...,
2011). Embora esses diários tenham públicos diferentes, o crescimento dos jornais populares
demonstra o interesse pelo consumo de outros formatos e tipos de notícias.
Outros motivos para a crise na indústria da informação foram sugeridos na abertura do
livro Periodismo Integrado. Convergência de médios y reorganización de redacciones, de
Ramon Salaverría e Samuel Negredo (2008), por Antoni Maria Piqué, ex-professor da
Universidade de Navarra e diretor de projetos da empresa espanhola Cases i Associats,
especializada em reformas gráficas e editoriais. Piqué afirmou que o cenário atual, marcado
pela quantidade de informação e possibilidade de interação entre as pessoas e os conteúdos é
completamente distinto daquele de quando emergiram meios como rádio e TV.
Três fatores para esta diferença são apontados por Piqué (2008). O primeiro está
relacionado ao desenvolvimento da internet, que cresce sem barreiras espaciais, temporais,
administrativas ou de custos e se adapta melhor às mudanças no modo como as pessoas
buscam se informar; segundo porque a leitura tradicional perdeu o protagonismo como meio
para se adquirir conhecimento, uma vez que podemos escrever, ler e imprimir de várias
formas; e por último, pela mudança no modelo econômico, que não está mais relacionado às
formas industriais, mas ligado a serviços e conhecimentos.
Como uma estratégia para conter os prejuízos, os jornais já estão cobrando pelo acesso
a seus conteúdos digitais. No dia 1º de dezembro de 2009, executivos da Associação Mundial
de Jornais (WAN) se reuniram na Índia e defenderam a cobrança do conteúdo on-line. Os
empresários afirmaram que o momento pelo qual as indústrias passam é crítico, o que
justificaria a realização dessas cobranças. Rupert Murdoch afirmou que o bom jornalismo é
uma commodity cara e, embora os críticos julgassem que as pessoas não pagariam pelo acesso
on-line, ele acreditava que isso fosse possível. (COBRANÇA..., 2009).
Em 2005, o New York Times iniciou um sistema de cobrança de acesso ao conteúdo
digital, cuja assinatura saía por US$ 7,95 mensais. Mas a decisão foi suspensa dois anos
depois. A cobrança foi retomada no dia 28 de março de 2011, embora assinantes da versão
impressa estejam liberados do pagamento. O novo modelo concentra a cobrança nos leitores
mais fiéis, uma vez que para ter acesso ao site e ao aplicativo para smartphone é preciso pagar
US$ 15 mensais. Mas todos os usuários terão acesso a 20 reportagens gratuitas por mês.
Acima disso, será preciso pagar. Isso permite que grande parte do volume de 30 milhões de
28
acessos mensais, formado por usuários ocasionais, continue trafegando pela página.
(GODOY, 2011).
O presidente do grupo NYT, Arthur Sulzberger, reconhece que será um desafio superar
barreiras comportamentais erguidas em mais de 14 anos de fornecimento de conteúdo on-line
gratuito, mas destacou que “esta ação é um investimento em nosso futuro, que vai nos
permitir desenvolver novas fontes de receita para sustentar a continuidade de nossa missão
jornalística e a inovação digital”. (SULZBERGER apud GODOY, 2011).
Outros modelos de cobrança já são encontrados no mundo. O Wall Street Journal já
possui mais de um milhão de assinantes pagos. O Times, de Londres, impede totalmente o
acesso de não-assinantes. Também londrino, o Financial Times foi o primeiro a cobrar, a
partir de 2007, o acesso ao conteúdo de jornais na web. O modelo adotado permite ler até dez
artigos on-line de graça todo mês. “No momento temos 210 mil assinantes para o conteúdo
digital e circulam 400 mil exemplares impressos. Crescemos nossa receita digital em 50% ao
longo do ano passado”, afirmou o diretor-gerente do site do FT, Rob Grimshaw. (‘FT’
APOIA..., 2011).
No Brasil, um dos jornais mais antigos do país, fundado em 1891, deixou de circular
na versão impressa em 1º de setembro de 2010. O anúncio de página dupla publicado na
edição do dia 14 de julho de 2010 revelou que o Jornal do Brasil passou a ter apenas uma
versão na internet, com preço de assinatura de R$9,90 por mês.
A notícia provocou uma grande repercussão no mercado. O jornal Folha de S. Paulo
destacou que “ao longo dos seus 119 anos de história, o JB foi responsável por uma série de
inovações na imprensa brasileira.” (JORNAL DO BRASIL..., 2010). O jornal O Globo
também destacou a importância da cobertura desse diário, especialmente durante a ditadura
militar. O empresário Nelson Tanure, proprietário do JB, confirmou em O Globo a decisão da
retirada do jornal das bancas: "[...] Provavelmente, seremos o primeiro jornal a estar apenas
na internet. É algo que está acontecendo no mundo todo". Tanure disse ainda na reportagem
ter consultado seus leitores no mês anterior ao anúncio da versão ‘100% digital’ sobre essa
mudança de plataforma, mas não falou sobre o resultado desta consulta ao público. (VERSÃO
IMPRESSA ..., 2010).
29
Figura 1- Anúncio do JB de 14/07/10
Fonte: Jornal do Brasil 2010
No comunicado acima, o JB, que foi o primeiro diário brasileiro a lançar uma versão
digital em 1995, explicou que a mudança faz parte de um reposicionamento da empresa, bem
mais inovador: “O Jornal do Brasil, coerente com sua tradição de pioneirismo e modernidade,
se coloca mais uma vez à frente de seu tempo. A partir de 1º de setembro de 2010, o JB passa
a ser o primeiro jornal 100% digital. Em formato e-paper e online.” (COMUNICADO...,
2010).
O anúncio aos leitores ainda apresenta como vantagens da mudança o “formato
compatível com leitores digitais”, a “versão e-paper adaptável à tela do computador” e o
“conteúdo expandido em foto, vídeo e som”. O discurso vanguardista da empresa dá o tom do
restante do anúncio, ao afirmar que “O JB migra do papel para o online e entra na
modernidade.
Ecologicamente
correto,
sem
utilização
e
desperdício
de
papel.”
(COMUNICADO..., 2010).
Entretanto, embora o empresário use a justificativa de atender às novas demandas dos
leitores, sabe-se que o jornal enfrentava dificuldades financeiras, com dívidas agravadas por
30
passivos fiscais e trabalhistas estimadas em R$ 100 milhões, além da tiragem cada vez menor.
Em julho de 2010 eram impressos 17 mil exemplares nos dias de semana e 22 mil aos
domingos. As reportagens que comentaram as mudanças no JB afirmavam que Tanure tentou
vender o jornal em razão da crise financeira, mas não obteve sucesso. Quando anunciou a
migração de plataformas, o jornal empregava 180 profissionais, sendo 60 jornalistas, cujo
futuro era incerto.
Embora não tenha anunciado o fim da versão impressa, o jornal norte-americano The
New York Times já havia divulgado mudanças na forma de encarar a edição. No dia 14 de
setembro de 2009, Arthur Sulzberger e Janet Robinson, diretor geral e presidente da empresa,
respectivamente, enviaram um memorando interno2 aos funcionários – que depois foi
distribuído à imprensa – sobre as estratégias de circulação do jornal, hoje impresso em 26
localidades da América do Norte. A informação mais reveladora para esta pesquisa não se
refere aos locais e custos para se imprimir um jornal, mas à afirmação, no fim do documento,
de que o NYTimes é uma empresa de notícias e não de jornal.
No memorando, diretor e presidente da empresa esperavam que as edições impressas
continuassem por anos, mas que o comprometimento era oferecer conteúdo da forma que o
público achasse melhor.
Nós esperamos que as edições impressas do The Times, The Globe e nossos jornais
regionais ainda estejam por aqui por muitos anos. Mas nós somos uma empresa de
notícias, não uma empresa de jornal de papel. Nós estamos comprometidos em
oferecer aos nossos consumidores nosso conteúdo onde e quando eles querem e até
mesmo de uma forma que eles nem podem ter imaginado – impresso ou on-line –
com fio ou móvel – em texto, gráficos, áudio, vídeo ou até eventos ao vivo.
(SULZBERGER; ROBINSON, 2009, tradução nossa, grifo nosso.)3
Outro grande jornal mundial, o inglês The Guardian também já admitiu abertamente
que em breve poderá abandonar a edição impressa para publicar notícias apenas na versão
online. Neil McIntosh, diretor de projetos editoriais do The Guardian, em declarações ao
2
O memorando ainda pode ser conferido no Google Documents: “On the Record . . . From Arthur & Janet. Our
Circulation Strategy.” 2009.
3
We expect the print editions of The Times, the Globe and our regional newspapers will be around for years to
come. But we are a news company, not a newspaper company. We are committed to offering our consumers
our content wherever and whenever they want it and even in ways they may not have envisioned – in print or
online – wired or mobile – in text, graphics, audio, video or even live events.
31
jornal Press Gazette, disse que a mudança não é imediata, mas reconheceu que mais cedo ou
mais tarde a sua empresa terá que decidir o que fazer com a edição impressa. (CASTILHO,
2008).
A declaração do executivo do jornal britânico é sintomática de uma mudança de
atitudes dentro da maioria dos grandes grupos de imprensa no mundo ocidental. Quase todos
eles estão abandonando a denominação newspaper (notícia no papel) para se autodefinirem
como empresas de comunicação, no sentido amplo. Isto significa que para os grandes
impérios midiáticos contemporâneos o jornal impresso não é mais o seu carro-chefe em
matéria de estratégia editorial. O jornal norte-americano The Washington Post foi ainda mais
longe ao definir a educação como a sua principal missão corporativa. (CASTILHO, 2008).
No grupo Diários Associados, o discurso dos proprietários não foge a esse pensamento
internacional. O diretor executivo do grupo em Minas Gerais, Geraldo Teixeira da Costa
Neto, revelou durante as entrevistas para esta pesquisa, a expectativa em relação ao futuro da
empresa: “Hoje nós somos um grupo de veículos, um grupo de comunicação, mas nós vamos
ser uma fábrica de conteúdo multiplataforma publicando em marcas de relevância.” Isto é,
embora o grupo concentre emissoras de TV, jornais, rádios e portais na internet, a marca
identitária a ser construída é a de fabricante de conteúdos, independentemente do suporte.
Percebe-se que, pelo menos conceitualmente, o jornal está deixando de ser jornal, está
se assumindo como uma empresa de conteúdo, não mais associada ao papel impresso.
Podemos afirmar que essa ‘crise de identidade’ ainda atinge emissoras de tevês e rádios que
também se revelam inseguras diante de tantas mudanças na forma como o mundo consome as
mídias. Uma reportagem da Folha de S. Paulo sobre o 5º Fórum Internacional de TV Digital,
realizado no Rio de Janeiro em agosto de 2008, identificou que os empresários do setor
mostraram saudosismo do tempo no qual não havia a ameaça das novas mídias ao seu modelo
de negócios. "No cenário de mídia, falando do passado, nós éramos felizes e não sabíamos.
Isso há dez, 15 anos. A única forma de ver televisão era pelo ar", disse, lembrando o avanço
da internet, Fernando Bittencourt, diretor de engenharia da TV Globo. (BITTENCOURT
apud MUNIZ, 2009).
Diante de tantos desafios, Piqué (2008) defende que o turbilhão enfrentado pelo
'negócio' imprensa não resultará na extinção, mas na reinvenção das empresas jornalísticas4,
4
Desde 1990, a multinacional na qual Piqué é o diretor de projetos foi responsável pela reformulação de mais de
100 títulos, entre jornais e revistas, na Europa e América Latina. Entre os clientes, publicações famosas
32
movimento relacionado diretamente à gestão do conteúdo, chave para o processo de
convergência na visão do empresário. Tecnologia, produtividade e relação custo-benefício são
consideradas por ele ferramentas para estruturar e viabilizar uma redação capaz de fornecer
conteúdos para qualquer meio.
Para se adequar a este cenário turbulento, várias transformações estão sendo operadas
nas indústrias jornalísticas sob o nome de convergência de mídias. Mudanças que podem estar
ligadas à renovação das estratégias de cobertura jornalística, à elaboração de novos formatos
jornalísticos, a uma revisão do processo de tomada de decisões editoriais e de edição, à
comunicação mais eficaz entre editorias, ao ajuste das funções de repórteres e editores, além
da promoção de novos perfis profissionais. (PIQUÉ, 2008).
Salaverría e Negredo (2008) defendem a convergência jornalística como a
oportunidade para transformar a organização das empresas jornalísticas do século XX em
empresas informativas do século XXI. Percebe-se que, na tentativa de se adequar o conteúdo
jornalístico para atrair e fidelizar o público, estes leitores/espectadores/internautas são tratados
como consumidores de conteúdo. Há, claramente, uma preponderância da esfera econômica
nesse discurso que, à primeira vista, pode parecer o de ofertar novas possibilidades em termos
de qualidade de conteúdo ao público.
Nesse sentido, embora seja uma análise realizada há mais de uma década, Cádima
(1997) fez uma reflexão sobre convergência a partir de um encontro ocorrido em Bruxelas em
1997, que resultou no Livro Verde Relativo à Convergência dos Setores das
Telecomunicações, dos Meios de Comunicação Social e das Tecnologias da Informação e às
suas Implicações na Regulamentação, publicado pela Comissão Européia em dezembro
daquele ano. Já naquela época, quando o assunto nem era tão comentado no Brasil, previa-se
que as empresas poderiam tirar vantagens econômicas de um processo que se convencionou
chamar de convergência.
No livro, fica claro que, entre os conglomerados, a visão é de que a convergência pode
aproveitar as oportunidades oferecidas pelos progressos tecnológicos para otimizar serviços e
conteúdos, diversificando os negócios. Trata-se, portanto, de uma nova forma de pensar a
distribuição de produtos jornalísticos, sob a propaganda de que as empresas estão “facilitando
internacionalmente como Corriere della Serra, da Itália; The Independent, de Londres e o Clarin, de Buenos
Aires. No Brasil, a empresa fez mudanças editoriais e gráficas de quase dez jornais, entre eles O Estado de São
Paulo (SP), O Tempo(BH) e o Lance(RJ).
33
o acesso aos benefícios da sociedade da informação e promovendo a diversidade cultural”.
(LIVRO VERDE apud CÁDIMA, 1997).
Também percebe-se a aproximação entre a perspectiva do consumidor/cliente e não a
do cidadão nessas relações convergentes é no livro Cultura da Convergência, um dos
lançamentos mais recentes sobre o assunto. Nele, Jenkins (2008) sempre se refere ao público
como ‘consumidor’: “A convergência representa uma transformação cultural, à medida que
consumidores são incentivados a procurar novas informações e a fazer conexões em meio a
conteúdos midiáticos dispersos.” (JENKINS, 2008, p.28).
Mas ao procurar conteúdo por vários suportes, as empresas temem que o público não
volte. Para ter este retorno fiel da audiência, que hoje se vê diante de infinitas possibilidades
de fontes de informação ou entretenimento, estão sendo pensadas diferentes estratégias de
fidelização do público. Um novo discurso do marketing e das pesquisas de marcas que vem
ganhando terreno entre as indústrias midiáticas é a ‘economia afetiva’. (JENKINS, 2008).
A ideia, apresentada por Jenkins (2008), enfatiza o envolvimento emocional dos
consumidores com a marca como uma motivação fundamental em suas decisões de consumo.
É a lógica da extensão do nome, cuja intenção central se baseia no fato de que marcas de
sucesso são construídas pela exploração de múltiplos contatos entre a marca e o consumidor.
A experiência não deve ser contida em um único suporte, mas deve se estender ao maior
número possível deles. No jornalismo, a marca de um jornal impresso se espalha a cada dia,
não apenas em suportes tradicionais, mas, principalmente, em tablets, smartphones,
aplicativos etc.
A ideia apresentada por Jenkins (2008) se refere, por enquanto, ao mundo do
entretenimento. Contudo, em um cenário caracterizado pelo excesso de informação e pela
disputa intensa pela atenção, tais estratégias parecem estar sendo, cada vez mais, aplicado às
indústrias jornalísticas. Christofoletti (2008) defende que, se a cada dia o jornalismo se
transforma em uma mercadoria, a teoria da economia afetiva de Jenkins pode, dessa forma,
ser aplicada à indústria jornalística.
O livro de Jenkins trata de consumo e de marketing, de operações conjugadas para
venda de conteúdo e de grandes planos midiáticos. Em tese, o jornalismo deveria
estar alheio a isso, oferecendo conteúdos que orientassem melhor as pessoas, que
lhes dessem mais condições de compreender a realidade, a despeito de razões
comerciais. Mas cada vez mais se percebe que o jornalismo converte-se numa
mercadoria, num produto de mídia como qualquer filme ou videogame.
(CHRISTOFOLETTI, 2008, p. 3).
34
A ponderação de Christofoletti (2008) sobre notícia como mercadoria foi alvo de um
intenso questionamento de Ciro Marcondes Filho no livro Ser Jornalista. A língua como
barbárie e a notícia como mercadoria (2009). O autor explica que na metade do século XIX,
a imprensa transformou-se de veículo político em empresa com fins lucrativos. A inovação
tecnológica, com a introdução da prensa rápida na Inglaterra em 1814, passou a exigir da
empresa jornalística a capacidade financeira de autossustentação, transformando uma
atividade praticamente livre de pensar em uma operação que precisará vender e se
autofinanciar. Marcondes Filho (2009) defende que à medida que a imprensa se transformou
nessa grande empresa capitalista, acompanhando o movimento geral da atividade econômica
em direção ao modo capitalista de organizar a produção, ela passou a trabalhar cada vez mais
seu produto seguindo as imposições da estética da mercadoria.
Nesse sentido, uma informação pura e simples não é mercadoria. Para tanto, ela
precisa ser transformada em notícia, que é exposta à venda de forma atraente. Notícia é,
assim, informação transformada em mercadoria, com todos os apelos estéticos, emocionais e
sensacionais. Para isso, tal como uma mercadoria na prateleira, a informação recebe um
tratamento para se adaptar às normas mercadológicas de “generalização, padronização,
simplificação e negação do subjetivismo.” (MARCONDES FILHO, 2009, p.78). Para o autor,
a introdução da reportagem, do artigo e de todas outras formas desenvolvidas para se tratar as
notícias pode ser encarada como aprimoramento da ‘embalagem da mercadoria’, tornando-a,
assim, mais atraente.
E nesse processo convergente, a mercadoria notícia é transformada em ‘conteúdo’,
cada vez mais modulável para permitir sua utilização em diferentes ambientes e sua
distribuição em múltiplos suportes. Todavia, a estratégia mercadológica por trás do discurso
de facilitar o acesso à informação só se torna concreta se o público assim o desejar. Não
adianta oferecer conteúdo em diferentes veículos se o leitor preferir continuar obtendo-o pelo
jornal impresso que chega à casa dele todas as manhãs. O próprio Jenkins (2008) afirma que a
convergência não se realiza dentro dos dispositivos tecnológicos, independentemente da
sofisticação dos mesmos, mas “ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em
suas interações sociais com os outros.” (JENKINS, 2008, p.28).
Essa decisão final por parte do público hoje é reconhecida dentro do grupo
Associados. Embora acredite que os grupos de comunicação ainda tenham “força pra formar
hábito das pessoas”, o diretor executivo Geraldo Teixeira da Costa Neto admitiu que o
35
momento não é de forçar um tipo de leitura, mas entender os hábitos das pessoas: “[...] eu
acho que não dá pra (sic) gente falar assim: Você vai consumir uma informação dessa
maneira. A pessoa que tá com o controle na mão é que vai definir como que ela quer. A gente
tem que estar atento à essa maneira.” Como definir preferências particulares de cada um é
quase impossível, a empresa se esforça para oferecer um pacote completo de opções de
notícias, antes que esses leitores migrem para outras fontes de informação.
2.2 Convergência de mídias e sua (in) definição
Antes de ser uma ideia associada ao jornalismo, a palavra convergência já foi utilizada
em áreas como matemática, economia e biologia. Em 2007, José Alberto García Avilés, Pere
Masip, Ramón Salaverría, Charo Sádaba, Idoia Portilla e Beth Saad levantaram diversas
referências sobre o termo convergência ao longo dos últimos anos, apresentadas em um
capítulo do livro Ciberperiodismo: métodos de investigación. Una aproximación
multidisciplinar em perspectiva comparada (PALACIOS; NOCI, 2008)5. Esses autores
participaram, entre 2006 e 2009, do projeto "Convergência digital nos meios de comunicação
na Espanha" (ESPANHA, Ministério da Educação e Ciência, 2010), financiado pelo
Ministério da Educação e Ciência da Espanha, no qual colaboraram 24 pesquisadores de 12
universidades espanholas, divididos em quatro subgrupos e coordenados por Ramon
Salaverría. O objetivo do projeto foi estudar as características, processos e consequências da
convergência nos meios de comunicação na Espanha. No estudo ainda foram produzidos um
mapa de experiências convergentes naquele país e estabelecidas normas comuns ao processo
que poderiam servir como orientação a todos os meios, aos profissionais e a formação de
futuros jornalistas.
De acordo com esse estudo, desde o final dos anos 1980, o termo vem sendo
empregado com frequência para se referir a uma variedade de conceitos relacionados à
transformação tecnológica das telecomunicações, com significados heterogêneos, que em
5
Este livro é resultado de um projeto maior, Periodismo en internet: estudio comparativo de los cibermedios
España-Brasil, financiado pelos Ministérios da Educação do Brasil (CAPES/DGU 140/07) e Espanha
(PHB2006-0004-PC). Entre 2006 e 2009 o projeto envolveu mais de 50 pesquisadores coordenados por Marcos
Palácios, da Universidade Federal da Bahia e Javier Díaz Noci, da Universidad del País Vasco.
36
algumas ocasiões se complementam e em outras se tornam evasivos. Isso se deve à variedade
de enfoques e perspectivas adotadas nos estudos sobre a convergência de mídias: empresarial
(Killebrew, 2005; Lawson-Borders, 2006), tecnológica (Forgacs 2001; Idei, 2002),
multiplataforma (Theorodopoulou, 2003) e cultural (Jenkins, 2006). Tantas possibilidades de
análise revelam a estreita relação entre tecnologias, mercados e público.
Embora alguns autores tentem apontar as origens do termo e seus significados, ainda
não ocorreu, até o presente momento, uma consolidação muito segura sobre a definição de
convergência, não existindo uma explicação única nem unicamente aceita sobre o conceito.
Na verdade, boa parte das investigações a respeito salienta a dificuldade de se alcançar esse
consenso. Dessa forma, um significado para a convergência vem sendo desenhado em um
estado mutante, uma vez que o processo está se desenrolando.
Conscientes desse problema terminológico, alguns autores propõem termos
alternativos (cooperação, coexistência, fusão, coordenação, promoção combinada etc.) como
formas concretas de modalidades específicas de convergência. Palácios e Noci (2009)
aproveitaram para sistematizar três escolas diferentes e, em certa medida, consecutivas, que
trabalham o conceito de convergência. Elas serão apresentadas na sequência, articuladas a
considerações de outros teóricos:
a) Convergência como uma confluência de tecnologias. A esta escola pertencem as
primeiras definições de convergência, que a identificam como a combinação de códigos
lingüísticos diferentes, resultados da digitalização (NEGROPONTE, 1979, DE SOLA POOL,
1983; FIDLER,1997; CASTELLS, 2001).
A posição de Negroponte (1995) resume bem esta corrente. Em 1995, embora não
usasse a palavra convergência, ele já previa que: “Uma mensagem pode apresentar vários
formatos derivando automaticamente dos mesmos dados.” (NEGROPONTE, 1995, p.73). O
autor chamava atenção para o fato de que a digitalização permitia um “movimento fluído de
um meio para outro, dizendo a mesma coisa de maneiras diversas, invocando um ou outro dos
sentidos humanos.” (NEGROPONTE, 1995, p.74).
Antes dele, em 1983, Pool também chamava atenção para o fato de que, com a
digitalização, algumas tecnologias de comunicação passaram a suportar maior diversidade e
um maior nível de participação que as outras.
37
Um processo chamado convergência de modos está tornando imprecisas as
fronteiras entre os meios de comunicação, mesmo entre as comunicações ponto a
ponto, tais como o correio, o telefone e o telégrafo, e as comunicações de massa,
como a imprensa, o rádio e a televisão. Um único meio físico – sejam fios, cabos ou
ondas – pode transportar serviços que no passado eram oferecidos separadamente.
De modo inverso, um serviço que no passado era oferecido por um único meio –
seja a radiodifusão, a imprensa ou a telefonia – agora pode ser oferecido de várias
formas físicas diferentes. Assim, a relação um a um que existia entre um meio de
comunicação e seu uso está se corroendo. (POOL apud JENKINS, 2008, p.35).
b) Convergência como sistema. Aqui se enquadram os estudos que têm enfatizado a natureza
sistêmica da convergência, definindo-a como um fenômeno complexo e multidimensional,
abrangendo diversas áreas – tecnológica, empresarial, profissional e de conteúdo –
interligadas entre si. (SINGER, 2004; KILLEBREW, 2003; KLINENBERG, 2005;
GORDON, 2003, JENKINS, 2006). Jenkins (2008) resume que convergência é promovida
em igual medida por vários aspectos:
pela integração das companhias de mídia, por seu desejo de explorar sinergias entre
as diferentes divisões, pelo desejo dos consumidores de ter acesso ao conteúdo que
querem, onde, quando e no formato que eles considerarem melhor e por sua
determinação em adquirir esse conteúdo ilegalmente, caso ele não seja
disponibilizado. Isso é a cultura da convergência. (JENKINS, 2008).
c) Convergência como processo. Aceitando a natureza sistêmica da convergência
jornalística, os autores que adotam esta abordagem destacam o fato de que, para o seu
adequado estudo empírico, a convergência deve ser concebida como um processo sujeito à
gradação (DAILEY et al. 2003; LAWSON-BORDERS, 2003; APPLEGREEN, 2004). ).
Poderíamos ainda incluir Salaverría e Negredo (2008) nesta corrente, uma vez que estes
estudiosos da convergência nas empresas jornalísticas são taxativos ao afirmar que a
convergência é um processo, e como tal, possui um caráter gradual e é implementado
paulatinamente.
Pelo exposto, percebe-se que de uma visão teórica estritamente tecnológica, na qual o
processo era determinado exclusivamente por avanços nos dispositivos técnicos, o conceito de
convergência foi se ampliando, incluindo fatores econômicos e aspectos sociais para tentar
defini-lo. Nesta pesquisa, acredita-se que a convergência pode ser encarada não como uma
mudança brusca no sistema comunicacional, mas uma evolução gradual de convivência de
38
técnicas e processos comunicativos tradicionais com outros inovadores. Um processo
multifacetado dependente, em maior ou menor grau, de fatores financeiros, de rotinas
produtivas jornalísticas e também das demandas sociais.
Silva Júnior (2008) também sistematizou algumas definições surgidas ao longo dos
últimos anos. Na visão dele, durante as décadas de 1980 e 1990, os estudos se dividiram em
três campos: ao mesmo tempo em que a convergência era abordada como um produto
resultante da combinação e justaposição entre mídias, linguagens e formato, era ainda vista
como um processo de integração de tarefas para ampliar as cadeias de fluxo de informação e
notícias, além de representar a fusão e integração entre empresas e corporações.
Atualmente, além dessa complexa teia entre processo, produto ou sistema, fatores
referentes a outras esferas devem ser levados em conta quando se discute o conceito de
convergência: a interação com aspectos de infra-estrutura (redes de dados, telecomunicações);
a interação com outras formas simbólicas de conteúdo (TV, impresso, rádio); as novas formas
simbólicas do fazer jornalístico (blogs, jornais na web) e os desdobramentos de aspectos
históricos (consolidação do jornal na sociedade). Ou seja, na convergência jornalística, “os
processos de produção simbólica, atrelados ao jornalismo em bases digitais, ocorrem a partir
da combinação de fatores diversificados.” (SILVA JÚNIOR, 2008, p.60).
A partir do desenvolvimento das teorias mais recentes, Silva Júnior propôs uma nova
classificação para o processo de convergência, dividida em duas correntes, que, na verdade, se
assemelham às divisões realizadas por Palácios e Noci (2009). De um lado, pesquisadores
como Fidler (1997), Bolter e Grusin (2000) e Boczowsky (2004) acreditam que formas
midiáticas anteriores passam a ter sobrevida também no campo digital, ao simplesmente
transpor formatos, conteúdos e dispositivos de acesso, envolvendo tecnologias da informação
e comunicação.
A outra corrente, compartilhada por Manovich (2001) e Salaverría (2005), é a de que
pode haver um compartilhamento do código digital por naturezas distintas de discurso (texto,
vídeo, som, foto, infográficos), permitindo que nesse convívio se cruzem narrativas e
produções simbólicas, em modos mais complexos e intercomplementares.
Além das divisões propostas tanto por Silva Júnior (2008) quanto por Palácios e Noci
(2009), Henry Jenkins (2008) considera que a convergência possa definir uma ampla gama de
transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais. E a indústria midiática é
aquela que vivencia todos esses aspectos. Apresentando uma visão econômica do processo,
39
para o autor, o modo como o mundo consome as mídias está passando por uma mudança de
paradigmas. Quase todas as antigas formas de consumo e produção midiática estão evoluindo
para um panorama da ‘cultura da convergência’, “onde as velhas e novas mídias colidem,
onde mídias corporativas e alternativas se cruzam, onde os poderes do produtor de mídia e do
consumidor interagem de maneiras imprevisíveis.” (JENKINS, 2008, p.328).
No desenrolar desse processo, para atender ao comportamento migratório da
“audiência”, o conteúdo pode fluir por vários canais, através de vários suportes midiáticos, ao
invés de ter apenas um destino. Esta fluidez também se dá em direção a diversos modos de
interdependência dos sistemas de comunicação, que podem buscar cooperação entre indústrias
midiáticas, que também estão atrás de novas estruturas de financiamento. É uma situação em
que múltiplos sistemas midiáticos coexistem e o conteúdo passa por eles fluidamente. E o
papel do público é, para o autor, tão determinante quanto o dos conglomerados midiáticos,
afinal, ele representa a audiência tão buscada pelas empresas:
A convergência, como podemos ver, é tanto um processo corporativo, de cima para
baixo, quanto um processo de consumidor, de baixo para cima. A convergência
corporativa coexiste com a convergência alternativa. Empresas midiáticas estão
aprendendo a acelerar o fluxo de conteúdo midiático pelos canais de distribuição
para aumentar as oportunidades de lucros, ampliar mercados e consolidar seus
compromissos com o público. Consumidores estão aprendendo a utilizar as
diferentes tecnologias para ter um controle mais completo sobre o fluxo da mídia e
para interagir com outros consumidores. As promessas desse novo ambiente
midiático provocam expectativas de um fluxo mais livre de idéias e conteúdos.
Inspirados por esses ideais, os consumidores estão lutando pelo direito de participar
mais plenamente de sua cultura.
(JENKINS, 2008, p.44).
Jenkins (2008) acredita que o futuro esteja sendo traçado pelas transformações
culturais, batalhas jurídicas e fusões empresariais que estão alimentando a convergência
midiática. “O modo como essas diversas transições evoluem irá determinar o equilíbrio de
poder na próxima era dos meios de comunicação.” (JENKINS, 2008, p.43).
2.3 Definições e dimensões da convergência jornalística
40
Antes de detalhar as transformações pelas quais as empresas jornalísticas estão adotando sob o
nome de convergência de mídias, faz-se necessário, primeiramente, chamar atenção para a sintonia do
discurso de certos teóricos com o mercado que aposta nessa reformulação jornalística; fruto, na maior
parte dos casos, das consultorias prestadas às empresas por esses estudiosos. Por ser a convergência
de mídias um processo novo, em pleno desenvolvimento e, por isso mesmo, cercado de
incertezas, percebe-se que muitas empresas têm buscado em recentes estudos acadêmicos um
direcionamento para as novas demandas jornalísticas e, ao mesmo tempo, a academia observa
as mudanças no mercado como objetos empíricos para suas pesquisas, propondo
classificações e elaborando conceitos, práticas e regras para a implantação da convergência.
Percebe-se, como resultado dessa parceria entre empresários e estudiosos, a presença de um
discurso comum, de que a convergência é a fórmula do momento para o ‘negócio’ jornalismo
enfrentar as turbulências e demandas do setor.
Ramon Salaverría, doutor em Jornalismo e diretor do Departamento de Projetos
Jornalísticos e do Laboratório de Comunicação Multimídia da Universidade de Navarra, na
Espanha, em parceria com o jornalista e doutor em meios digitais, Samuel Negredo,
publicaram em 2008, o livro Periodismo Integrado. Convergência de médios y
reorganización de redacciones. A edição é resultado de um levantamento realizado em oito
redações pelo mundo, entre elas as dos jornais americanos The New York Times e Financial
Times, do espanhol Clarín, do inglês The Daily Telegraph e do brasileiro O Estado de São
Paulo. Esta pesquisa empírica serviu para os autores exemplificarem procedimentos e práticas
defendidos por eles como essenciais para que um formato convergente possa ser
implementado em uma empresa que deseje reestruturar as redações, conteúdos e funções
profissionais.
Na introdução do livro os autores deixam clara a proposta: “Nas próximas páginas,
mostraremos as chaves desse processo e descreveremos como alguns grandes meios do
mundo estão se empenhando em executá-lo com êxito.” (SALAVERRÍA; NEGREDO. 2008,
p.17, tradução nossa.)6. É importante ressaltar que a publicação assume um caráter didático
sobre o processo – em alguns momentos o livro adquire até um tom prescritivo, tamanha a
descrição de ‘como fazer’ em relação aos processos convergentes –, mas os autores admitem
6
En las próximas páginas mostraremos lãs claves de esse processo y describiremos cómo algunos grandes
médios Del mundo se empenãn em llevario a cabo com êxito.
41
não saber exatamente a nova configuração e funcionamento que as empresas jornalísticas irão
assumir.
Os processos de reorganização que sacodem as redações em todo o mundo são
apenas a espuma superficial de uma corrente muito mais profunda, a da
convergência, que empurra as empresas jornalísticas a uma nova configuração e
funcionamento que ainda somos incapazes de vislumbrar.
(SALAVERRÍA;
NEGREDO.2008, p.16).7
Jenkins (2008) também admite sua insegurança sobre o processo:
Não espere que as incertezas em torno da convergência sejam resolvidas num futuro
próximo. Estamos entrando numa era de longa transição e de transformação no
modo como os meios de comunicação operam. Não haverá nenhuma caixa preta
mágica que colocará tudo em ordem novamente.
(JENKINS, 2008, p.50).
Embora admita dúvidas sobre o conceito de convergência e foque seus estudos
empíricos sobre a indústria do entretenimento, Jenkins tem sido recorrentemente convidado
para palestras e consultorias em empresas jornalísticas. Em uma das visitas ao Brasil, em 28
de maio de 2010, sua presença foi plenamente divulgada pelas Organizações Globo em seu
site:
O autor do livro "Cultura da Convergência", Henry Jenkins, um dos principais
pensadores da cultura transmídia, está no Brasil para a palestra da Rede Globo que
acontece nesta sexta-feira, 28, no Projac, e você poderá acompanhar o evento através
do blog Tá Rolando.(REDE GLOBO, 2010.)
Aproveitando a presença do pesquisador em sua sede, a Globonews, canal de
jornalismo 24 horas da empresa, aproveitou para dedicar um programa inteiro aos estudos
dele sobre o assunto. E a chamada, na internet, para o programa demonstra a influência que
Jenkins adquiriu no mercado:
7
Los processos de reorganización que sacuden las salas de redacción de todo el mundo son apenas la espuma
superficial de uma corriente muncho más profunda, La de la convergencia, que empuja a las empresas
periodísticas hacia uma nueva configuración y funcionamiento que aún somos incapazes de vislumbrar.
42
Henry Jenkins. Você pode ainda não ter ouvido falar deste nome, mas talvez já faça
parte do mundo que ele está ajudando a desvendar – o da convergência de mídias. O
americano professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts é considerado um
guru por empresas de mídia e entretenimento e aposta na transformação que a velha
arte de contar histórias vem passando com as novas tecnologias. (...). Henry Jenkins
e transmídia, no C&T de hoje.(REDE Globo, 2010).
Muitas das mudanças que as empresas jornalísticas estão adotando no Brasil e no
mundo, algumas detalhadas ainda neste capítulo, seguem as orientações produzidas
justamente por esses acadêmicos, o espanhol Ramon Salaverría (2008) e o americano Henry
Jenkins (2008).
Para Jenkins (2008), a convergência de mídias é um processo caracterizado por
transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais vivenciadas pelo campo dos
media. Entretanto, o autor não apresenta uma definição mais precisa sobre a convergência no
âmbito do jornalismo, apenas se referindo a ela como uma manifestação particular de um
grande processo sociocultural de convergência em escala planetária.
Salaverría e Negredo (2008), embora levem em consideração essa definição do
pesquisador norte-americano, acreditam que tal conceituação é pouco útil para descrever o
que acontece hoje. Para caracterizar o processo de convergência de mídias em andamento nas
empresas jornalísticas do mundo, os espanhóis apresentam a seguinte definição que, inclusive,
será a adotada neste projeto:
Um processo multidimensional que, facilitado pela implementação generalizada das
tecnologias digitais de telecomunicação, afeta os setores tecnológicos, empresariais,
profissionais e editoriais dos meios de comunicação, proporcionando uma
integração de ferramentas, espaços, métodos de trabalho e linguagens anteriormente
desagregados, de forma que os jornalistas elaboram conteúdos que se distribuem
através de múltiplas plataformas, de acordo com as linguagens próprias de cada
uma. (SALAVERRÍA; NEGREDO. 2008, p.45).
Nesse sentido, a convergência é apresentada como uma reconversão integral da
empresa jornalística de muitas mídias para multimídia. Os autores defendem que ao invés dos
grandes grupos de comunicação criarem empresas distintas para cuidar de cada meio – TV,
rádio, web, impresso – tais conglomerados deveriam pensar na construção da notícia a partir
de múltiplas plataformas, cuidando, para isso, que as redações funcionem bem integradas.
Parece uma sugestão óbvia, mas em alguns grupos, como o dos Associados, objeto empírico
selecionado para esta pesquisa, foi lançado no dia 13 de setembro de 2010, um novo site para
43
o jornal Estado de Minas, embora a empresa já tenha um portal de notícias muito mais antigo
e consolidado no mercado, o portal UAI.
No projeto “Convergência digital nos meios de comunicação na Espanha”, já citado
anteriormente, para compreender a convergência jornalística mais profundamente, os
pesquisadores, coordenados por Ramon Salaverría, se concentraram em quatro aspectos
considerados distintos, porém complementares da convergência: as tecnologias, as empresas,
os conteúdos e os profissionais. Negredo e Salaverría (2008) se apropriaram desta divisão
para trabalhá-las no livro Periodismo Integrado. Convergência de médios y reorganización de
redacciones. Para os autores, os níveis ‘conteúdo’ e ‘profissional’ são os de maior interesse
acadêmico e prático por representarem as áreas nas quais as mudanças são mais significativas,
como o desaparecimento e a criação de cargos e funções, novas exigências profissionais,
criação
de
novos
formatos
para
a
narrativa
jornalística
etc.
(SALAVERRÍA;
NEGREDO,2008).
Nesta dissertação, embora o foco do estudo se atenha mais ao aspecto do conteúdo do
processo convergente, uma vez que a natureza do objeto desta pesquisa – as marcas
convergentes nas reportagens do homem-banda – está diretamente relacionada à esta esfera,
acredita-se que, apesar dos autores minimizarem a importância das esferas empresarial e
tecnológica, elas merecem reflexão, uma vez que observa-se o interesse financeiro por trás de
todo o discurso convergente.
Apesar de a existência da convergência ‘tecnológica’ (infra-estruturas para processar,
transportar e apresentar voz, dados e vídeo sobre uma mesma rede e um terminal integrado) e
‘empresarial’ (alianças, fusões, absorções ou novas empresas) não levar necessariamente a
uma convergência nas esferas ‘profissional’ e ‘conteúdo’, elas podem ser consideradas peças
decisivas do processo. A esfera de ‘conteúdo’ será avaliada no próximo tópico. A seguir
serão detalhadas as três primeiras dimensões:
a) Dimensão tecnológica:
A dimensão tecnológica corresponde às ferramentas e sistemas de produção e difusão
de dados como imagem, texto, som e aúdio. Até o final da década de 1980, os equipamentos
usados por rádio, TV e impresso eram bem diferentes. Com a digitalização, os suportes
passaram a ser compartilhados por serem cada vez mais semelhantes e, portanto, permeáveis
44
entre si. “O redator do impresso emprega processadores de texto calcados na informática e
programas de auto-edição; o de rádio, aplicativos de edição de som; o de televisão, sistemas
de edição digital de vídeo.” (SALAVERRÍA; NEGREDO. 2008. p.46. Tradução nossa).8
Salaverría cita García Avilés (2006) para explicar que na etapa analógica, cada meio e
cada suporte se centrava em conteúdos específicos com suas correspondentes linguagens;
agora, a convergência digital proporciona intercâmbios e combinações dos conteúdos de um
meio com o dos outros. Atualmente, a última fase do processo jornalístico, a recepção, já
demonstra essa integração das ferramentas. Os equipamentos de hoje, como celulares,
smartphones, ipads etc., permitem acessar conteúdos de texto, som, imagens e gráficos de
qualquer lugar e a qualquer momento.
Essas possibilidades tecnológicas provocam alvoroço entre as empresas de
comunicação. A cada lançamento de um suporte, avalia-se a necessidade de incorporação dos
mesmos, as possibilidades de investimentos, o gasto com tal estratégia e o retorno dela etc. A
escassa literatura sobre convergência não está atualizada no que se refere a estas novidades e a
movimentação das empresas em torno delas. Por isso, tais informações só nos chegam pelos
próprios jornais.
Uma reportagem publicada em O Globo em novembro de 2010 trouxe exemplos
desses investimentos. A Associação Internacional de Marketing de Noticias (International
Newsmedia Marketing Association, INMA), instituição com cerca de 400 empresas de mídia
associadas em 80 países, promoveu o Seminário Internacional de Marketing de Jornais, no
Rio de Janeiro, nos dias 9 e 10 de novembro de 2010, com enfoque em temas como a
comunicação integrada, o relacionamento dos anunciantes com a mídia e estratégias de
sucesso na era digital. (LIGNELLI; RIBEIRO, 2010).
Earl Wilkinson, diretor executivo da INMA, acredita que os suportes digitais, ao invés
de serem encarados como ameaça para o papel, devem ser vistos, a curto prazo, como a
“única forma de expandir a audiência além dos limites do impresso.” Wilkinson acredita que
os jornais brasileiros tenham um horizonte de até 50 anos de jornalismo impresso com lucro e
viabilidade econômica, mas as empresas já devem mudar sua estrutura para um modelo
multimídia.
8
El redactor de prensa emplea procesadores de texto informáticos y programas de autoedición; el de radio,
aplicaciones de edición de sonido; el de televisión, sistemas de edición digital de vídeo.
45
Hoje a notícia acontece e você tem que mandar torpedos pelo telefone, colocar
informação na web, na internet, pelo celular e no iPad. Você imprime (o jornal) só
no fim do dia. O maior desafio é continuar inovando no impresso, onde temos 300
anos de aprendizado, mas também temos que investir no iPad, na nova arquitetura
de notícias. As empresas não farão dinheiro com isso agora, mas é preciso aprender.
(WILKINSON apud LIGNELLI; RIBEIRO, 2010).
Ainda durante o Seminário, o diretor de marketing do Telegraph Media Group – que
edita os jornais ingleses The Daily Telegraph e The Sunday Telegraph –, Graham Horner,
afirmou que o uso crescente dos tablets é, hoje, o grande desafio para as empresas de
comunicação. O grupo lançou sua versão do The Daily Telegraph para o iPad em setembro de
2010. O jornal seleciona as notícias mais importantes para o tablet, mas quer ampliar e
diversificar o conteúdo oferecido, com vídeos, suplementos dominicais e palavras cruzadas.
Por enquanto, com as edições sendo patrocinadas pela montadora Audi, o acesso ao conteúdo
é gratuito para atrair uma grande audiência e também para conhecer o usuário do tablet, mas o
executivo garantiu que o aplicativo será pago no futuro: “Estamos satisfeitos com os
resultados. Já foram feitos 70 mil downloads do aplicativo para o iPad em oito semanas, e
70% dos usuários estão acessando nosso jornal todos os dias.” O Telegraph pesquisou que os
usuários de sua versão no iPad são, em sua maioria, homens com 47 anos de idade, em média.
(RIBEIRO, 2010).
A preocupação com outros suportes é grande para o grupo inglês. Enquanto se tenta
conhecer mais sobre os usuários dos tablets, continuam as apostas no nicho de notícias para
celular. Segundo Horner, o número de pessoas no Reino Unido que acessam notícias pelo
telefone móvel cresceu 14% em 2010, e a grande maioria dos acessos (78%) foi feita a partir
de smartphones. No mercado britânico, 29% da população com mais de 15 anos têm celular
com acesso à internet.
Nos Estados Unidos, as redes de televisão norte-americanas têm lançado funções na
internet e aplicativos móveis para conquistar o público de ‘mídia dupla’. Esses consumidores
adeptos de duas telas, chamado de two-screens nos EUA, têm crescido a cada ano. São
pessoas que assistem ao mesmo tempo TV e um segundo aparelho, como um laptop, um
smartphone ou um tablet. Um estudo da Nielsen9 constatou que os consumidores passam em
9
Multinacional presente em mais de 100 países especializada em medir a performance de empresas no mercado,
identificar e capturar oportunidades de crescimento, analisar a dinâmica do ponto de venda e diagnosticar e
resolver problemas de marketing e vendas.
46
média três horas e 41 minutos por mês assistindo TV e navegando na internet
simultaneamente e, cerca de três entre cinco telespectadores estão envolvidos na audiência de
duas telas. (GILLETE, 2010).
Diante desse cenário, emissoras como o canal a cabo Bravo cobiçam essas pessoas
porque podem vender sua atenção aos anunciantes duas vezes. Durante o episódio final de um
reality show, por exemplo, o canal disponibilizou, em seu site, uma função interativa chamada
Talk Bubble para se comunicar com outros fãs da série. Os recursos do site foram usados
ainda para compartilhar mensagens no twitter e no facebook. As empresas acreditam que
esses consumidores, ao usarem esses suportes, criam um burburinho sobre determinado
programa de TV que levam outras pessoas a assistirem tal programa, ampliando a audiência
da TV.
No Brasil, estratégias para vender notícias em diversos suportes também ficaram
claras durante a convenção global Soccerex, realizada no Rio de Janeiro entre 22 e 24 de
novembro de 2010, reunindo os principais empresários e dirigentes do futebol mundial, em
parceria com o Governo do Estado do Rio e o apoio do Ministério do Esporte. No painel “O
futuro panorama da transmissão de futebol”, que discutiu como a transmissão de futebol vai
evoluir nos próximos anos, os empresários deixaram claro que, embora a TV ainda seja a
principal plataforma dos grandes eventos de futebol nacionais e internacionais, internet e
celular vão ganhar cada vez mais espaço na distribuição de conteúdo esportivo nos próximos
anos. Isso significa que ao mesmo tempo em que há uma disputa pelos direitos de transmissão
entre mídias novas e tradicionais, há também uma tendência de convergência entre elas.
(GÓES, 2010).
Para Alfredo Correia, sócio-diretor da Mowa Sports, que oferece projetos de
mobilidade para grandes empresas, “o grande negócio é conseguir fazer a união de todas as
plataformas. Uma não vai viver sem a outra e terão que se complementar”. Um exemplo
citado por ele seria o torcedor continuar vendo o jogo pela TV, mas podendo rever, pelo
celular, os melhores momentos, ângulos diferenciados, além de interagir sobre a partida.
Enquanto as empresas nacionais correm atrás das inovações digitais, uma pesquisa
revelou que o público brasileiro ainda está longe de ser uma maioria adepta aos lançamentos.
A Quarta Pesquisa de Credibilidade da Mídia, conduzida pela agência de comunicação CDN,
fundada há 23 anos, ouviu, no final de 2010, 800 pessoas, entre executivos com cargos de alta
47
gerência e direção em empresas de grande e médio porte e jovens executivos com menos de
29 anos, em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
A pesquisa revelou que a TV é o meio mais confiável com 58% da preferência. Em
seguida vem o jornal com 49% dos votos, as revistas com 41% e a internet com 35% e o rádio
com 34%. O jornal ainda é uma referência importante para os outros meios, mas “o desafio é
manter os leitores fiéis em meio a tanta informação”, afirmou a diretora-geral de análises e
tendências da CDN, Marília Stabile. De acordo com o estudo, 70% dos entrevistados confiam
mais nas notícias publicadas em jornal do que na web. Embora a credibilidade não seja total
por parte dos entrevistados, ainda assim eles acessam os portais dos jornais e revistas na web:
em SP e Rio, esses leitores digitais chegam a 53% e em Brasília o número sobre para 69% de
leitores de jornais na internet. (DRSKA, 2010).
b) Dimensão empresarial
Negredo e Salaverría (2008) apontam como um dos sinais mais aparentes dessa
convergência empresarial a integração das redações de jornais impressos, digitais e
televisivos. Entretanto, os autores consideram um erro estratégico acreditar que a
convergência se resuma a essa integração sem previamente empreender outras mudanças
estruturais. A intenção por trás dessa medida parece ser exclusivamente econômica. “Quando
isso ocorre, a integração geralmente atende unicamente a um propósito míope de redução de
custos e aumento da produtividade, por mais que se pretenda apresentar-se de outro modo.”10
(SALAVERRIA; NEGREDO, 2008, p.16, tradução nossa).
Tal atitude pode até levar as empresas a gerar produtos mais baratos, mas dificilmente
melhores e, de acordo com a história dos meios de comunicação, só sobrevivem os de maior
qualidade. Embora seja uma das práticas mais concretas no processo de convergência, essa é,
para os estudiosos, apenas a ponta de um processo muito mais profundo, que pode levar as
empresas jornalísticas a uma nova configuração e funcionamento.
A dimensão empresarial também está relacionada com a evolução administrativa das
estruturas das organizações de comunicação. No início desta pesquisa foi detalhado o
movimento de concentração dos meios de comunicação e a diversificação que esses grupos
10
Cuando eso ocurre, la integración suele atender únicamente a un propósito cortoplacista de reducción de
costes y aumento de la produtividad, por mucho que pretenda presentarse de outro modo.
48
têm empreendido nos últimos cinquenta anos como forma de alcançar a liderança, se
convertendo em conglomerados multiplataforma com interesses em todos os mercados da
comunicação. Paralelamente a essa diversificação, essas empresas tentam coordenar uma
forma de trocar conteúdos e experiências entre os diversos veículos criados.
Todavia, Piqué (2008) acredita que para o sucesso da expansão dos grupos midiáticos,
faz-se necessário transportar a credibilidade e relevância das marcas dos veículos de
comunicação já consolidados para os outros emergentes, além de aproveitar as possibilidades
oferecidas por estas novas vias para retroalimentar a credibilidade e relevância do grupo como
um todo. A marca como fator de credibilidade sustenta as estratégias de muitas empresas de
mídia tradicional que apostam não só em portais e sites de relacionamento na internet, mas
também se lançam por outras plataformas, como o telefone celular.
Quando esses meios tradicionais de comunicação apresentam novos tipos de interação
e sociabilidade, os elementos básicos dessa confiança antiga precisam ser reembalados.
Nestas novas embalagens, a confiança é sinalizada no logotipo e na marca registrada: “É isso
o que está sendo comercializado. Nós o servimos bem, então confie em nós, mesmo nos
novos ambientes de negociação”. (SILVERSTONE, 2005, p.229).
Por isso, para Bolaño (2006), a favor de qualquer empresa, seja da televisão, rádio ou
impresso, estão dois fatores considerados patrimônios dessas instituições: a qualidade da
marca e da edição. A edição é a capacidade de selecionar, valorizar, contextualizar e publicar
adequadamente os conteúdos. Já a marca vale como reputação. É um ativo valioso, com vida
longa, capaz de manter um vínculo estreito com o público e seus anunciantes, além de
influenciar outros meios – o que determinado jornal publica serve de parâmetro para os
concorrentes. A qualidade da marca está relacionada à credibilidade e relevância. (BOLAÑO,
2006).
Como parte desta estratégia de expansão na qual as marcas circulam por vários
dispositivos tecnológicos Negredo e Salaverría (2008) acreditam que as empresas estão
deixando de se identificar a um meio, para reforçar esta nova identidade multiplataforma.
Processo já explorado no primeiro tópico desta pesquisa, os autores exemplificam que nos
países anglo-saxões as indústrias jornalísticas adotaram um novo conceito de valores: as
empresas devem ser “plataform agnostic”, mostrando que a essência do jornalismo
definitivamente não está ligada ao suporte de distribuição, mas à informação. A agência de
49
notícias Associated Press, por exemplo, batizou de ‘um nome, uma marca e uma história’ sua
estratégia editorial multimídia.
No Brasil, um exemplo interessante em relação a essa expansão de produtos por vários
suportes acontece no Grupo Infoglobo11, que lançou, em 2008, a campanha “Muito além do
papel de um jornal”, explicando o novo conceito multimídia da marca, partindo da ideia de
que um veículo de comunicação é um conteúdo antes de ser um suporte.12 De acordo com as
Organizações Globo, a estratégia leva em conta “os avanços tecnológicos e seus reflexos no
comportamento do consumidor, que não utiliza mais um único meio de informação e hoje tem
acesso a notícias em tempo real, pela internet e pelo celular.(O GLOBO..., 2008)”
A própria campanha publicitária tentou refletir a marca multimídia de O Globo, uma
vez que os anúncios estrearam em várias plataformas no dia 21 de setembro de 2008: na
edição impressa, no site do jornal (oglobo.com.br) e no principal portal de notícias das
Organizações Globo (Globo.com). A divulgação também contou com um amplo material
lançado em um encarte na "Revista O Globo", que circula dentro das edições de domingo do
jornal; e um filme de 90 segundos no intervalo do Fantástico, na TV Globo.O vídeo mostra
como todas as plataformas de informação convergem sob a marca O Globo. Os anúncios na
mídia impressa sugerem que a informação pode estar em qualquer lugar, brincando com
vidros de remédios, garrafas de água mineral, ventiladores e pranchas de surfe. Em todas as
mídias, a mensagem final era:
Informação no papel, no site, no e-mail, no celular e em todos os meios de
comunicação que a tecnologia vier a criar. Notícias 24 horas por dia, a todo e
qualquer momento e acessíveis de qualquer lugar. Reportagens com a credibilidade
de sempre, mas cada vez mais com a participação do leitor e enriquecidas com
material multimídia: vídeos, áudios e fotogalerias. (O GLOBO..., 2008).
A intenção do grupo é reforçar o nome O Globo – surgido em 1925 no Rio de Janeiro
– como sinônimo de informação confiável, independentemente do meio onde foi veiculada,
como explica a diretora do jornal, Sandra Sanches.
11
12
Subgrupo das Organizações Globo responsável pelos jornais O Globo, Extra e Expresso e os sites Globo e
Extra e a Agência O Globo.
O material apresentado a seguir foi sistematizado pela autora a partir de um acompanhamento sistemático
como assinante do jornal.
50
A mídia impressa está em processo de adaptação aos novos tempos e uma marca
forte, como O Globo, deve ser percebida como chanceladora de conteúdo de
qualidade em todas as plataformas que consideramos importantes para a
distribuição de informação. Estamos na era da complementação. É fundamental
entender as necessidades desse consumidor de informação, que busca, cada vez
mais, formas diferentes de se informar e de interagir, para atendê-lo. É o nosso
compromisso. (O GLOBO..., 2008).
Como já descrito nesta pesquisa por Silverstone (2005), quando esses meios
tradicionais de comunicação apresentam novos tipos de interação e sociabilidade, os
elementos básicos dessa confiança antiga precisam ser reembalados. Nesses novos ambientes
de negociação ou ‘plataformas’, é preciso ficar claro para o público que a credibilidade é a
mesma, como defende o diretor-geral da Infoglobo, Paulo Novis:
O Globo já é hoje uma empresa focada em gestão de conteúdo. Nosso negócio é
informação multiplataforma, multimarca e multigeográfica. Com o avanço da era
digital, a necessidade de informação com credibilidade está se sofisticando e será
cada vez mais intensa. Estaremos aptos a atendê-la a qualquer hora e em qualquer
lugar. (O GLOBO..., 2008).
A campanha “Muito além de um papel jornal” reforça esse compromisso de fornecer
informação em qualquer meio, como ainda explicita Paulo Novis:
Estamos no mundo do "e", não mais no do "ou". É digital e analógico. É jornal,
internet e celular. É áudio e vídeo. É saber lidar com uma ativa participação do
consumidor, como cliente e fornecedor de conteúdo simultaneamente. É saber gerar
valor para o consumidor e para o acionista. O sucesso estará na capacidade de se
adaptar ao novo cenário. (O GLOBO..., 2008).
Em 2009, outros dois passos foram dados na sequência deste movimento lançado em
2008. Explicitando a conexão e dependência entre as esferas tecnológica e empresarial, o
jornal foi o primeiro no país a disponibilizar seu conteúdo impresso no Kindle, o leitor para
livros digitais (e-books) produzido pela Amazon. No dia onze de outubro de 2009, um anúncio
de uma página, no impresso, trouxe a seguinte mensagem: “O Globo tem uma ótima notícia.
Você quer receber pelo papel, pela internet, pelo celular ou pelo Kindle?”(O GLOBO...,
2009). De acordo com o anúncio, o jornal era o primeiro da América do Sul a lançar uma
versão para o leitor eletrônico da Amazon e disponibilizar as mesmas matérias do jornal
impresso, sempre atualizando as edições. Para a empresa, o acesso ao Globo via Kindle
confirma o posicionamento do jornal, de se manter em múltiplas plataformas, e a oferta de
51
mobilidade, interatividade e informação aos leitores. “Desta forma, a novidade reforçou a
postura inovadora do jornal, que vem se mantendo pioneiro no lançamento de publicações em
dispositivos digitais.” (INFOGLOBO, 2010).
A iniciativa de disponibilizar conteúdo no Kindle faz parte de uma estratégia já utilizada
pelas indústrias da informação principalmente nos Estados Unidos (JORNAIS..., 2009), onde
atualmente são 46 jornais e 35 revistas oferecendo versões para o aparelho, que podem ir
desde a assinatura de toda a edição até a compra isolada de reportagens. Robert Z. Samuels,
diretor de produtos móveis, internet e plataformas alternativas do jornal The New York Times,
por exemplo, afirmou que a intenção da empresa é “estar presente em qualquer plataforma em
que o leitor queira ler o jornal, especialmente nos equipamentos móveis”. (JORNAIS...,
2009).
É interessante perceber que, enquanto parte das Organizações Globo se empenha neste
movimento convergente, tentando integrar conteúdos entre jornal, site e novos equipamentos
como tablets e smartphones, o jornalismo da TV Globo participa discretamente. Os principais
telejornais em rede nacional, Bom Dia Brasil, Jornal Hoje e Jornal Nacional, possuem sites
próprios. Depois de exibidas algumas reportagens, os apresentadores acrescentam que mais
informações estão disponíveis na internet. As páginas desses telejornais estão hospedadas na
parte dedicada a notícias (G1) do principal site do grupo: globo.com. Mas não há uma
integração entre as partes impressa (jornal O Globo) e televisiva (TV Globo) das Organizações
Globo. Fato que revela que a convergência não é um caminho unânime dentro do Grupo.
c) Dimensão profissional
As lógicas produtivas do mercado nos últimos anos têm requerido uma força de
trabalho flexível, capaz de reinventar-se constantemente para seguir a demanda do público, o
ritmo do desenvolvimento tecnológico, e, principalmente, se adaptar às novas possibilidades
econômicas que as empresas enxergam diante da convergência midiática. Diante disso, os
profissionais da comunicação de hoje se caracterizam por uma polivalência cada vez maior,
que os levam a assumir tarefas que no passado eram exclusivas de outros profissionais.
Entretanto, esta acumulação de funções não é nova, vem ocorrendo desde o meio do século
passado, quando os repórteres de rua se converteram em redatores. Havia jornalistas que se
52
limitavam a levantar notícias enquanto outros eram encarregados de escrevê-las, por mais
estranho que isso possa parecer atualmente. (NEGREDO; SALAVERRÍA, 2008).
O gráfico abaixo, elaborado pelos autores, revela algumas funções que foram sendo
incorporadas pelos profissionais da imprensa ao longo dos anos. Todas essas transformações
fazem parte da nova categorização dos jornalistas, um processo marcado pelo aparecimento
de novos profissionais e a transformação de outras funções.
Quadro 1- Evolução das funções dos jornalistas
Fonte: SALAVERRÍA; NEGREDO, 2008.
Como é possível perceber, desde a década de 1960 os jornalistas vêm adquirindo
outras funções, a primeira delas, redigir o que era colhido na rua, função originariamente do
redator. Entretanto, é na década de 1990 que ocorre uma ampliação considerável no acúmulo
das funções destes profissionais, com a incorporação das tarefas de edição e arquivo das
notícias. Dez anos depois, a eles couberam também o desenvolvimento do layout da notícia,
ou seja, a preocupação estética com o produto informativo. Os pesquisadores deixam pontos
de interrogação na data em que será requerido dos jornalistas as funções de fotógrafo e editor
de fotografia, além de repórter que capte imagens e sons, isto é, que possa trabalhar como
repórter de TV e rádio. Pela tabela, tais tarefas já são enquadradas como ‘possíveis’ (em
53
cinza) ainda na década de 2000. E, realmente, essas possibilidades sugeridas pelos autores se
concretizaram, como é possível perceber a partir do trabalho do repórter convergente do
Grupo Diários Associados, que fotografa, filma, edita, além de elaborar a pauta, produzir e
escrever a matéria.
O universo profissional da comunicação está vivendo a transição de uma lógica
produtiva para outra, um momento de grandes tensões, equiparável ao Renascimento ou à
Revolução Industrial. (SCOLARI, 2008, p.204). Tudo parece mesclar-se e as identidades se
perdem. Dentro do campo jornalístico, a digitalização tem provocado o desaparecimento de
algumas profissões e o surgimento de novos perfis e cargos. Independentemente de ser um
grande grupo multimídia ou de pequenas unidades produtivas, se exige do jornalista o
domínio de diferentes meios e linguagens, uma vez que ele assume funções que antes eram
desempenhadas por outros especialistas.
Todos os profissionais de comunicação, desde o jornalista ao técnico de som, não só
estão sentindo uma profunda mudança nas rotinas de produção – e, consequentemente, no
desenvolvimento do produto – como também têm enfrentado um embaralhamento dos limites
que separam os respectivos campos de trabalho. Essas mudanças afetam tanto as instituições
encarregadas de formar esses profissionais (universidades, escolas, cursos técnicos) como as
organizações para as quais eles trabalham (instituições públicas, empresas). Isso cria zonas de
conflito que se manifestam de maneira evidente em sua relação com o mercado. O jornalista
on-line, por exemplo, pode ser um profissional capaz de transportar as informações de outras
mídias para a web, mas também alguém que simultaneamente atue em vários meios, uma
característica
solicitada
pelos
conglomerados
com
negócios
em
vários
setores
comunicacionais.
Há uma forte flexibilização do trabalho e uma tendência ao apagamento das
fronteiras entre as especialidades jornalísticas, com o repórter exercendo, por
exemplo, a função de fotógrafo. As atividades próprias do jornalista vão-se, assim,
de um modo geral, esvaziando, sendo simplificadas, enquanto outras, antes ligadas
a áreas como a informática, ganham relevância e passam a fazer parte das
ferramentas intelectuais que o jornalista é obrigado a dominar. O resultado é um
amplo processo de desqualificação e re-qualificação, em detrimento do
instrumental crítico, anteriormente vinculado à formação desses profissionais.
(BOLAÑO; BRITTOS, 2006, p.4)
54
Um ponto a ser destacado na reformulação da profissão é em relação à própria
autonomia do trabalho do jornalista. A partir do momento em que é preciso produzir para
diferentes suportes, o profissional se submete às regras de cada meio – incluídas aí não
somente àquelas referentes às rotinas jornalísticas específicas da TV, rádio, internet ou
impresso. As submissões editoriais também mudam, de acordo com os interesses econômicos
e políticos de cada veículo do conglomerado de mídia. Dentro de um mesmo grupo, um site,
uma TV, um jornal e uma rádio – embora tenham em comum a obediência a normas gerais da
empresa –, podem também apresentar missões, público e, principalmente, clientes/anunciantes
diferentes. Todos esses elementos interferem no discurso jornalístico, entendido aqui como
uma construção social.
Diante de todas essas pressões, o fato é que o trabalho dos jornalistas do século XXI
mudou e com isso, o perfil desses profissionais. Algumas qualidades e características
passaram a ser apontadas como as novas qualificações exigidas. Salaverría e Negredo (2008)
sistematizaram seis características, que serão sintetizadas abaixo. É importante chamar
atenção para o tom prescritivo da definição de tais habilidades; todavia, elas servem de
parâmetro para as empresas que estão se estruturando de acordo com os conceitos de
convergência defendidos por estes autores.
a) Sentido da narrativa multimídia: Desenvolver a percepção sobre qual é o melhor
código comunicativo para cada notícia a ser divulgada, uma vez que a flexibilidade digital
permite a comunicação em qualquer formato, ou seja, dominar a parte técnica do ofício. A
internet, por exemplo, possibilita o desenvolvimento de notícias em texto, imagem e sons e os
jornalistas precisariam estar preparados para escrever bem e criar boas histórias audiovisuais.
b) Sentido de hipertextualidade: Os jornalistas precisam ir além dos formatos
clássicos, como a pirâmide invertida, e explorar outras estruturas discursivas, se
familiarizando com o modelo de narrativa não linear. Para isso, sugere-se aproveitar o
potencial multimídia e documental que o hipertexto oferece, pensando na inclusão de notícias
relacionadas e a incorporação de elementos não só textuais, mas também audiovisuais e
infográficos.
c) Disposição para interagir com o público: A crescente participação do público
demanda uma nova disposição profissional entre os jornalistas. Não se trata apenas de abrir
55
espaço para comentários ou publicar fotografias e vídeos enviados pelos usuários. A nova
lógica da informação considera, pelo menos na teoria, os usuários como interlocutores que
devem ser escutados, levando em conta que em determinados casos, eles podem até converterse em produtores da informação.
d) Sentido da audiência: Os meios digitais permitem um conhecimento inédito sobre o
público: quais páginas são acessadas, por quanto tempo, que informações interessam mais a
alguém etc. Se os jornalistas souberem interpretar essa informação sobre a audiência, é
possível atender suas demandas e interesses da melhor forma possível.
e) Aproveitar serviços da internet como os mecanismos de busca: Aproveitar de
forma profissional o potencial documental da rede também se tornou uma habilidade
requerida, como manusear as técnicas de busca na web para encontrar informações precisas,
no menor tempo possível e em quaisquer formatos. Esse material disponível na internet pode
complementar a pesquisa realizada na rua; no entanto, na prática, percebe-se que muitas
notícias são redigidas apenas a partir deste material.
f) Conhecimento das telas e domínio dos dispositivos móveis: Familiarizar com as
possibilidades comunicativas que cada plataforma oferece. Serviços e aplicações como RSS,
podcasts, chat etc. são ferramentas que podem ser usadas com naturalidade pelos jornalistas.
Para os pesquisadores espanhóis, essas qualidades passaram a nortear o preenchimento
dos cargos em uma redação e até mesmo a definição de algumas funções. De uma forma
geral, a valorização dessas habilidades significa, para a empresa, uma otimização dos
processos produtivos. Ao dominar técnicas e rotinas de cada suporte, o profissional pode
trabalhar para vários veículos ao mesmo tempo. A incorporação do público como ‘produtor’
revela também a estratégia de muitos grupos de se mostrarem atentos aos desejos e
expectativas de seus ‘consumidores’, construindo assim, uma audiência mais fiel.
Diante da polivalência para a qual muitos profissionais estão caminhando, os autores
(2008) propõem duas classificações: 'funcional' e 'midiática'. A ‘funcional’ é caracterizada
quando um jornalista assume trabalhos instrumentais distintos de sua especialidade, como um
repórter que também tira fotos. Este tipo de profissional está presente, principalmente, nas
coberturas para grandes eventos ou lugares distantes. Os custos elevados dessas coberturas
fazem com que as empresas obriguem os jornalistas a trabalhar desta forma, produzindo para
uma maior diversidade de formatos. A diminuição do tamanho de câmeras e gravadores
56
digitais e a simplificação dos meios de transmissão impulsionaram o cumprimento dessas
novas tarefas.
Mesmo assim, as empresas deveriam levar em consideração que poucos jornalistas são
hábeis em todas as funções e que muitas vezes, “o melhor redator é um péssimo fotógrafo,
assim como o melhor locutor de rádio pode não ter idéia de como escrever.” 13(NEGREDO;
SALAVERRÍA, 2008, p.49, tradução nossa). De toda forma, tudo indica que a polivalência
funcional aumentará nos próximos anos, principalmente entre os enviados especiais
deslocados para fora das redações.
A segunda modalidade de polivalência profissional é a ‘midiática’. Ela se refere ao
jornalista especializado em algum tema que desenvolve notícias sobre um determinado
assunto para diferentes veículos dentro de um mesmo grupo de comunicação. O que não deve
ser confundido com alguém que trabalhe simultaneamente para diferentes empresas
jornalísticas, figura que corresponderia mais com a de um freelance. A caracterização aqui é a
de um jornalista especializado, por exemplo, em esportes que escreve, dentro de um mesmo
grupo jornalístico, para os jornais impresso e on line e ainda redige textos para TV e rádio.
Scolari (2008) também propõe uma divisão para a reorganização desse ofício com três
níveis de polivalência, semelhante à desenvolvida por Salaverría e Negredo (2008):
a) Tecnológica: o profissional usa instrumentos tecnológicos que lhe permite produzir e
gerir conteúdos em diferentes suportes. O jornalista, por exemplo, domina a edição
não linear de vídeo ou de base de dados, retoques fotográficos, etc.
b) Midiática: O jornalista produz conteúdo em diferentes linguagens – escrita, áudio,
vídeo, gráfico, etc. Por exemplo, um profissional depois de cobrir um evento prepara
um texto para enviar aos jornais impressos ou on line, grava uma notícia para o rádio e
edita o vídeo para transmitir para a TV. Esta polivalência exige competências
tecnológicas (o conhecimento dos instrumentos técnicos) e semióticas (conhecimento
da linguagem dos diferentes meios).
c) Temática: um mesmo profissional de uma plataforma, por exemplo, um jornalista do
impresso, gera informação para diferentes seções daquele periódico, como esportes,
política, cultura, etc. Poderíamos imaginar um jornalista que cobre uma Olimpíada,
13
El mejor redactor puede ser um pésimo fotógrafo, así como el mejor locutor de radio puede no tener idea de
escribir.
57
enviando material distinto para cada editoria. Ou seja, o conteúdo é diferente, mas a
informação é apenas em texto ou fotos, por exemplo.
Comparando os modelos de Negredo e Salaverria (2008) e Scolari (2008), percebe-se
duas aproximações. O profissional ‘funcional’ do primeiro se equipara ao ‘tecnológico’ do
segundo, uma vez que o que está em jogo é o domínio para utilizar diversos equipamentos
tecnológicos. Já a primeira classificação ‘midiática’ se equipara à ‘midiática’ de Scolari, na
qual um jornalista domina não apenas a linguagem de cada veículo, mas também a técnica
exigida por cada suporte, como é o caso do objeto de estudo desta pesquisa, o repórter
multimídia do grupo Diários Associados, que será apresentado no próximo capítulo.
Scolari (2008) afirma que esses diferentes níveis de polivalência não se excluem, pelo
contrário, podem misturar-se. Ele destaca que o jornalista polivalente encontra nos meios
digitais on line seu lugar de trabalho mais natural, uma vez que neste suporte a tendência é
que sejam encontrados os demais meios e pode-se aproveitar ao máximo a competência
jornalística do profissional.
Embora todas essas reconfigurações do trabalho – e novas denominações – sejam um
reflexo do jornalismo atual, Salaverría e Negredo (2008), mesmo defendendo diversas
mudanças nas rotinas e cargos dos jornalistas, reconhecem que o essencial continua sendo que
este profissional tenha como norte a informação a serviço do público. Os autores também
defendem a manutenção, mesmo nas redações que uniram em um só espaço diferentes
veículos, de certas funções especializadas em cada meio, uma vez que cada suporte tem seus
próprios fluxos de informação e peculiaridades editoriais. O desafio é distinguir tanto aqueles
perfis que, a princípio, podem compatibilizar sem problemas uma dedicação simultânea para
todos os veículos (repórteres, fotógrafos, infografistas) e aqueles que, dadas as peculiaridades
do seu trabalho, só podem trabalhar para um suporte em particular (arquiteto da informação,
editor de última hora).
Na prática, os pesquisadores espanhóis afirmam que o jornalista multimídia, capaz de
fazer todas as tarefas nas novas redações integradas, é quase um mito. Nos meios de médio e
grande porte, o perfil de quem trabalha em uma redação, como redatores, fotógrafos e
infografistas, segue com suas funções específicas. Para os autores, atualmente, os únicos
jornalistas com um perfil mais multimídia são os enviados especiais, geralmente, os repórteres
de guerra, que escrevem, fotografam, filmam, entrevistam, etc. Outro momento em que estes
58
profissionais podem ser encontrados na prática são nas coberturas em lugares distantes: “O
elevado custo dessas operações faz com que as empresas exijam de seus jornalistas um
retorno que justifique o investimento, em forma de uma maior diversidade de formatos”.
(SALAVERRÍA; NEGREDO. 2008, p.49. Tradução nossa).14
Este perfil polivalente está longe de se converter em regra. O modelo que está
sobressaindo nas redações é de um jornalista com perfil muito mais modesto. O desejo das
empresas de ter jornalistas polivalentes realmente não se materializa na prática. No grupo
Diários Associados, por exemplo, que possui veículos como TV, rádio, portal na internet,
jornal impresso, apenas na TV Alterosa um jornalista exerce essas múltiplas funções. E
mesmo este profissional, foco do estudo empírico desta pesquisa, só assume várias tarefas
enquanto viaja para as coberturas esportivas. No dia-a-dia da redação, ele foi incorporado à
escala normal da reportagem.
Embora hoje empresas e empregados das indústrias jornalísticas saibam que o modelo
de jornalismo está mudando, a convergência ainda suscita grandes controvérsias profissionais,
tanto por parte de quem está no comando quanto dos trabalhadores. Nota-se que o processo
convergente é, muitas vezes, resumido pelos jornalistas à ideia de um só profissional
trabalhando para vários meios, representando uma exploração da mão-de-obra ao aumentar
responsabilidades e tarefas instrumentais atribuídas a cada um, limitando a capacidade de
trabalhar a notícia.
Por outro lado, diretores e editores argumentam que a integração permite uma
coordenação mais eficaz das coberturas de cada veículo, estimulando a criação de conteúdos
multimídia. Todavia, nessa defesa, não é explícito que essa integração pode baratear os custos
produtivos.
Diante disso, fica evidente que qualquer empresa que queira implementar um processo
convergente, precisa, antes de tudo, superar esse conflito que envolve a cultura profissional
dos jornalistas. Cultura essa moldada não apenas no ambiente das redações, mas ainda nas
universidades. Muitos dos profissionais hoje no mercado tiveram uma formação na qual as
disciplinas relacionadas aos veículos eram ensinadas de modo isolado, sem imaginar que elas
poderiam se cruzar. Em muitas universidades, mesmo diante das reconfigurações do campo
14
El elevado coste de esas operaciones hace que lãs empresas reclamen de SUS periodistas um retorno que
justifique tal inversión, em forma de uma mayor diversidad de formatos informativos.
59
jornalístico, ainda são ofertadas disciplinas sobre práticas de cada veículo como se esse
conteúdo fosse eternamente estanque. Não que as universidades devam formar exatamente um
profissional no perfil desejado pelas empresas, mas é importante ao jornalista perceber que a
construção de uma notícia pode se dar a partir da integração de vários veículos, com
conteúdos complementares, principalmente diante dos novos suportes aos quais o público tem
acesso atualmente.
2.3.1 A dimensão de conteúdo da convergência e a narrativa transmidiática
A esfera de conteúdo do processo convergente, concretizada na produção e divulgação
das informações em vários meios, será apresentada separadamente das demais porque o foco
desta pesquisa é justamente analisar o conteúdo da cobertura do homem-banda diante dos
vários veículos para o qual ele produziu.
É comum deparar-se, no cotidiano, com o mesmo fato em rádios, revistas, televisão e
na web. Os veículos de informação procuram diferenciar esse material dando tratamentos
distintos, seja sob a ótica da linha editorial ou identidade visual. Além dessa diferenciação,
existe aquela inerente a cada veículo, responsável por configurar
espaços e temporalidades específicas com maior ou menor aceleração da leitura ou
de sua relativa duração; identidades singulares, com funções e contratos próprios
destinados a cada segmento do público-alvo; e efeitos de sentido
diferenciados.(CAETANO,
2008, p.263).
Isto é, os meios técnicos acabam por influenciar a comunicação, pois desenvolvem
códigos próprios – entendidos como sistemas compostos por símbolos que representam algo,
um significado, e possibilitam a comunicação entre pessoas – que não apenas se somam aos
processos de trocas adicionais, mas essencialmente os modificam. (HANKE, 2009).
Por mais que esses produtos informativos sejam diferentes em algum aspecto, esses
discursos se entrelaçam na sociedade, formando textos transmidiáticos: “A manchete ou
60
matéria de um jornal se superpõe à recepção da notícia pelo rádio; esta, por sua vez, assume a
feição da imagem em movimento no telejornal da noite”. (CAETANO, 2008, p.263). Em
virtude desses cruzamentos, as mensagens passam a ser interpretadas em relação ao conjunto
de suas similares, nas diversas mídias, sob a forma de imagens, textos orais e escritos.
Percebe-se aí que os códigos próprios de cada meio não são tão determinantes, uma vez que a
mensagem apreendida pelo público será a originada dessa mistura, provando que “a mediação
primeira não vem das mídias, mas dos signos, da linguagem e do pensamento que elas
veiculam”. (SANTAELLA, 2009, p.70).
Todavia, é importante ressaltar que mesmo antes das mensagens se misturarem devido
à coexistência de diversos meios, elas já são híbridas nos próprios meios em que são
veiculadas, fruto de um longo processo de evolução tecnológica e cultural, que foi dividido
por Sogabe (2009) em três fases distintas. A monomídia, primeira etapa, se caracteriza pela
construção de mídias específicas para o visual, o verbal e o sonoro. Os exemplos vão desde as
primeiras inscrições rupestres, os primeiros instrumentos de percussão, passando pela
imprensa e chegando a fotografia. A segunda etapa é marcada pelas mídias híbridas, na qual
se percebe a coexistência do texto com a imagem, no caso das revistas e jornais; e do visual
com o sonoro, como o cinema e, mais tarde, a televisão. Além das linguagens específicas de
cada meio, soma-se uma linguagem específica que cada um desses sistemas híbridos traz em
sua estrutura de funcionamento. A terceira etapa é configurada pela tecnologia digital,
geradora de códigos imagéticos, verbais e sonoros num sistema hipermídia. O conceito de
hipermídia nesta pesquisa está em consonância ao defendido por Salgado (1992), para quem o
termo se refere à junção de hipertexto e multimídia, se referindo, portanto, a um sistema de
armazenagem da informação digital que pode estar em vídeo, som ou texto.
Nesse sistema hipermídia, o diálogo entre esses códigos encontra uma complexidade
maior, sem a necessidade da leitura linear das mídias anteriores, mas numa tendência de
incorporação de todas elas. Essa incorporação de códigos e linguagens de uma mídia por outra
foram bem examinadas por Bolter e Grusin(1998), que defendem a ideia de que todo meio de
comunicação, quando surge em uma determinada sociedade, precisa contar com o meio
anterior para afirmar-se e desenvolver suas linguagens próprias. Forma-se um jogo ambíguo
de continuidade e ruptura, forçando o meio anterior a definir-se como singular e o novo a
afirmar a novidade que traz em si. Esse processo de remediação caracteriza a história das
linguagens midiáticas e não é diferente hoje, com a emergência das mídias digitais. Ao
61
contrário, tal processo parece se intensificar no cenário midiático atual. Em busca de uma
linguagem própria e dada a natureza multimidiática, as novas tecnologias de comunicação
parecem remediar quase todas as principais linguagens dos veículos de comunicação de
massa, como impresso, rádio e TV.
Essas hibridações entre linguagens e meios funcionam, segundo Santaella(2009),
como um multiplicador de mídias, que se intensificaram no início dos anos 1980. Para a
autora, as mensagens híbridas já estavam no telejornal, nos suplementos literários de
impressos e revistas etc. Mas os novos dispositivos tecnológicos como videocassetes e
walkmans possibilitaram o aparecimento de uma cultura do disponível e do transitório,
culminando no surgimento da TV a cabo. Santaella (2009) acredita que esses equipamentos e
a linguagem criada por eles sejam caracterizados, principalmente, pela possibilidade de
escolha e consumo individualizados, em oposição ao consumo massivo: “Foram eles que nos
arrancaram da inércia da recepção de mensagens impostas de fora e nos treinaram para a
busca da informação e do entretenimento que desejamos encontrar”. (SANTAELLA, 2009,
p.68).
Este período foi chamado pela autora de “cultura das mídias” em oposição ao período
inicial, de “cultura de massas”. Estes meios e o processo de recepção engendrado por eles
prepararam a sensibilidade dos usuários para a chegada dos meios digitais, marcados pela
busca dispersa, fragmentada e individualizada, características do período que viveríamos
agora, a “cibercultura”, marcado pela convergência das mídias, distinto, frisa Santaella
(2009), de convivência de mídias. “É a convergência de mídias que tem sido a responsável
pelo nível de exacerbação que a produção e circulação de informação atingiu nos nossos dias
e que é uma das marcas registradas da cultura digital”. (SANTAELLA, 2009, p.68).
Caetano (2008) também defende que esse diálogo intermidiático apresenta-se
potencializado na sociedade contemporânea, sobretudo, pela cultura da convergência, que não
está sendo concebida apenas pelo viés da ocorrência multimidiática num único suporte, mas
por sua convivência integrada no nosso cotidiano mediado por todos os veículos de
comunicação.
Nos últimos anos, as tecnologias digitais e as telecomunicações contribuíram para
proliferar esta forma polivalente de produção e difusão dos conteúdos. Com a digitalização,
desapareceram as dificuldades para gerar cópias de um mesmo conteúdo original e as
empresas jornalísticas têm aproveitado esse apoio tecnológico para multiplicar os canais de
62
distribuição. Assim, uma notícia pode ser difundida de forma simultânea através de qualquer
meio baseado em tecnologias digitais como web, RSS, celulares etc.
Essas possibilidades têm propiciado aos grupos jornalísticos adotar diferentes
estratégias editoriais e comerciais envolvendo os diversos meios, com o objetivo de conseguir
que a combinação resultante desses diferentes suportes melhore a produtividade que os
veículos alcançariam se atuassem de forma isolada. A estratégia multiplataforma ou “crossmedia” evita, segundo Salaverría e Negredo (2008), uma descoordenação informativa entre os
diversos meios proporcionando, ao contrário, uma complementaridade geradora de um ‘efeito
de grupo’. Em um grande evento esportivo ou cultural, por exemplo, as unidades de um
grupo, ao trabalhar de forma integrada, não ‘furariam’ umas às outras. A produção jornalística
poderia ser dividida entre os meios, a partir das características de cada um, obrigando o
usuário interessado em outras informações a acessar as demais plataformas do grupo, sem, no
entanto, se deparar com notícias repetidas.
Além de dividir este conteúdo de forma equilibrada entre os meios, as empresas
aspiram ainda ao enriquecimento multimídia dos conteúdos. Multimidialidade é entendida
aqui como a qualidade de comunicar conteúdos a partir da combinação efetiva de códigos
textuais, sonoros e gráficos. É importante ficar claro que, enquanto o termo multiplataforma
diz respeito à coordenação de meios e suportes, a multimidialidade se refere à combinação de
conteúdos e linguagens. A coordenação editorial multiplataforma facilita a produção de
conteúdos multimídia.
Para Salaverría e Negredo (2008), a convergência é a condição necessária para o
desenvolvimento dessa multimidialidade. Na medida em que os meios impressos,
radiofônicos, televisivos e de internet agruparem seus fluxos de produção possibilitando
rápidas trocas das matérias primas informativas (textos, fotos, sons, vídeos e gráficos), a
produção de conteúdo multimídia será mais viável.
Percebe-se, portanto, que a convergência para os pesquisadores espanhóis e também
aquela idealizada pelos Associados não é a difusão dos mesmos conteúdos através de meios
diferentes, como explica o editor convergente do grupo, Benny Cohen:
Ao invés de você ter um grupo de comunicação com redações isoladas que não
conversam entre si, você passa a, pelo menos na tentativa, fazer um trabalho
conjunto em que as informações são compartilhadas para a produção do melhor
conteúdo para o consumidor de informação. Então hoje a gente já consegue tomar
63
decisões sobre qual veículo a informação vai primeiro, de que maneira os conteúdos
produzidos podem ser utilizados, o que deve ou não ser compartilhado, de que
maneira isso se faz. (EDITOR
DE MÍDIAS CONVERGENTES).15
Hoje já existe uma interpretação mais avançada da convergência de conteúdos que
corresponde não só à divulgação de notícias complementares entre os meios, respeitando as
características de cada um, mas à criação de uma linguagem jornalística derivada da
combinação de textos, sons e imagens fixas e em movimento. Esta nova linguagem explorada
principalmente pela internet seria algo como uma combinação de heranças genéticas do
jornalismo impresso e audiovisual.
Todavia, Bolãno e Brittos (2006) afirmam que muitos veículos de comunicação ainda
não se deram conta da necessidade de criar melhores formas de trabalhar a notícia e o que se
percebe é muito mais o reaproveitamento de informações, que são apenas tratadas para sua
utilização na internet. A reciclagem de textos passa a ser amplamente utilizada, o que,
segundo Steinberger (2006), insere a informação jornalística em “uma cadeia de reconversões
do valor de troca especialmente larga e veloz, em seu potencial de propagação.”
(STEINBERGER apud BOLÃNO; BRITTOS, 2006, p.7). Esse fenômeno não foi inaugurado
pela internet, como demonstra a atuação de emissoras de rádio interioranas, mas é expandido
com a digitalização, pelo acesso aos materiais alheios, pela facilidade de fazer a transposição
e pela escassez de profissionais para dar conta do preenchimento de todos os espaços com
celeridade.
Dessa forma, além de ter que acelerar o ritmo de incorporação de novos meios, as
empresas de comunicação precisam ainda escolher, entre muitas possibilidades, os melhores
para serem utilizados
na produção das informações e da linguagem jornalística, além de distribuir esse
pacote de conteúdo informativo por diversas plataformas digitais, como Internet, TV
Digital, Celulares e PDA’s. Entretanto, cada uma dessas plataformas requer novos
formatos. (LIMA JÚNIOR,
15
2009, p. 209)
Entrevista realizada com Benny Cohen em março de 2011. Transcrição completa no apêndice desta
dissertação.
64
Lima Júnior (2009) sustenta ainda que o jornalismo precisa aprender a combinar, de
diversas formas e intensidades, os sentidos humanos, com a proposta de melhorar o
entendimento da informação, aproximando mais o público da realidade dos acontecimentos.
Por isso, o autor defende que
estudar a percepção humana de forma científica é fundamental para que o
jornalismo possa se apropriar das novas tecnologias da melhor forma e se valer
desse conhecimento científico para continuar a prestar relevantes serviços à
sociedade moderna.(LIMA JÚNIOR, 2009, p. 212).
Tecnologias digitais que proporcionam multimídia e realidade virtual, como games e
infografia multimídia, são apontadas por Lima Júnior (2009) como aquelas que poderão
favorecer a melhor compreensão de uma notícia. Muitas vezes usada como ilustração pelos
impressos na internet – para dar até mais ‘leveza’ à página – os infográficos aproveitam a
característica de cada mídia para criar outro produto com capacidade de impactar
sensorialmente o leitor. A história seria apresentada de uma forma atraente e multiconectada
entre si.
O infográfico multimídia é estruturado na combinação de texto, imagens estáticas
(fotografias), vídeo, áudio, gráficos, ilustrações, mapas e interatividade. Está
presente em um website, nas mídias Blue Ray, DVD, CD-ROM, celular, PDA,
enfim, onde exista um processamento computacional com possibilidade de uma
visualização em um display compatível. (LIMA JÚNIOR, 2009, p.216).
Os games seriam outra forma de fornecer conteúdo informativo com experiência
sensorial. A adaptação desse produto do entretenimento para o jornalismo já está sendo
chamada ‘newsgame’, jogos feitos com base em notícias ou em fatos em andamento. Mas o
autor lembra que a utilização dessa ferramenta para complementar notícia ou informação não
é nova e cita Burton (2005), que explica existir uma longa tradição das mídias impressas em
oferecer aos leitores quebra-cabeças e jogos em suas páginas.
Todavia, tanto o uso de games quanto de infográficos levanta uma discussão sobre a
validade destes mecanismos na disseminação de uma informação. Lima Júnior (2009) acredita
que os games, por exemplo, divididos entre a fronteira do jornalismo e entretenimento, trazem
dúvidas sobre a compreensão efetiva do fato e se a seriedade característica do jornalismo
poderia ser afetada. Para ajudar nessa resposta, o autor descreve um estudo realizado em 2003
65
pelo Poynter Institute (POYNTER INSTITUTE, 2004)16, em Tampa (EUA), que há mais de
vinte anos investiga cientificamente o campo de rotas visuais em jornais impressos diários, ou
seja, a atenção visual humana (o olhar) sobre conteúdos jornalísticos.
A pesquisa, com 46 voluntários, monitorou o olhar das pessoas ao interagirem com
sites multimídias de notícias e com matérias jornalísticas impressas. “A pesquisa indica que
os usuários que receberam informações na forma de texto pareceram ter uma recordação
melhor de informações factuais específicas.” (EYE TRACK apud LIMA JÚNIOR, 2009,
p.219). Ao mesmo tempo, “a informação sobre um processo ou procedimento, que não era
familiar para eles, foi mais corretamente lembrada quando os participantes receberam a
informação no formato de gráfico multimídia.” (LIMA JÚNIOR, 2009, p.219). Vê-se, dessa
forma, que o estudo lança perspectivas sobre a recepção dessas informações, mas são
necessárias investigações mais profundas sobre essa absorção de conteúdo.
As novas possibilidades de formatação de conteúdos jornalísticos deverão levar em
consideração a utilização de tecnologias que proporcionem o uso de mais sentidos
humanos e das várias conexões entre eles, nas suas mais diversas formas e
intensidades, com o objetivo de fornecer ao usuário novos tipos de experiência na
absorção de conteúdo jornalístico com uma característica mais imersiva, facilitando
a compreensão da informação de relevância social pelo usuário. (LIMA
JÚNIOR, 2009, p. 223).
Esse tipo de aproximação do jornalismo com o entretenimento reforça a discussão, já
levantada ao longo desta pesquisa, não apenas sobre a compreensão da notícia a partir desses
formatos, mas também em relação ao próprio papel do jornalismo na sociedade
contemporânea: de comprometimento com a divulgação de informações ou de simplesmente
cativar o público em busca de audiência. Na visão de Jenkins (2008), a indústria do
entretenimento poderia ensinar muito à indústria jornalística sobre como contar as notícias ao
público:
Cada mídia tem seu próprio jornalista e sua especialização ou os jornalistas podem
se unir e se perguntar qual a melhor forma de cobrir a história? É possível fazer
coisas na internet diferentes das que fazemos na TV? Essa produção pode se
complementar? Acho que isso acontecerá nessa direção se a indústria do noticiário
começar a entender a transmídia tão bem quanto os produtores de entretenimento.
Quando uma empresa de mídia começa a pensar (nisso), pode-se atribuir para cada
mídia uma parte diferente do trabalho de narração e ampliar a quantidade de
16
Os resultados do Eye Track III Findings, realizado em parceira entre o Poynter e a Estlow Center, em
dezembro de 2003, foram publicados em setembro de 2004.
66
informação disponível para ao consumidor em vez de apenas repetir a mesma
informação diversas vezes. (JENKINS, 2010).
Embora a sugestão de Jenkins para a indústria jornalística seja a de tratar as notícias
como produtos, tais como os produzidos pela indústria do entretenimento, e os leitores apenas
como audiência para, no fim das contas, obter um retorno maior do público e com isso
maiores lucros, o embrião da ideia da narrativa transmidiática é, a nosso ver, interessante,
quando se pensa em disponibilizar informações que não vão se repetir nos meios e que possa
ajudar na compreensão de algum fato. Intenção esta vista como ideal de convergência para
Salaverría e Negredo (2008) e perseguida por tantos grupos jornalísticos pelo mundo.
Essa forma de contar histórias foi definida por Jenkins (2008) como narrativa
transmidiática, na qual os diversos suportes são utilizados de maneira sincronizada para que a
história possa ser contada em cada plataforma de uma forma inovadora, sem repetição de
conteúdo, valorizando a experiência interativa: “uma história transmidiática desenrola-se
através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira
distinta e valiosa para a compreensão do todo.” (JENKINS, 2008, p.135).
Para o autor, embora alguns críticos acreditem estarmos vivendo um colapso da
narrativa, o público não perdeu o interesse em histórias, já que elas são fundamentais em
todas as culturas humanas. “Ao invés disso, estamos descobrindo novas estruturas narrativas
que criam complexidade ao expandirem a extensão das possibilidades narrativas, em vez de
seguirem um único caminho, com começo, meio e fim.” (JENKINS, 2008, p.165). Dessa
forma, a narração da história conseguiria criar um universo próprio:
Podemos dizer que principalmente as histórias em quadrinhos experimentaram
vários princípios que podemos classificar como ‘transmídia’. Quando você lê as
histórias da Marvel, você não lê só a trama do homem-Aranha, pois a história dele
se estende a outras publicações. O homem- Aranha se liga ao Homem de Ferro, etc.
Eles exploram a idéia de um mundo, o universo da Marvel. As histórias estão
interligadas. [...] você encontra os mesmos personagens várias vezes ou o mesmo
evento de pontos de vista diferentes. Posso vê-lo pelo ponto de vista do HomemAranha e, na revista do Homem de Ferro, vejo pelo ponto de vista dele. Muitos
princípios da transmídia surgem desse sistema de narração de histórias.
(JENKINS, 2010).
O pesquisador reconhece que essa forma de contar histórias não é nova e cita os
quadrinhos como uma das principais fontes de inspiração para as histórias transmidiáticas de
hoje:
67
[...] podemos aprender muito lendo histórias em quadrinhos com atenção,
entendendo os vários modos como se relacionam com o público, as formas como
exploram a noção de continuidade e daquilo que chamo de multiplicidade: ver o
mesmo personagem de formas diferentes, contar a mesma história em tempos
diferentes e dando novos significados a ela. (JENKINS, 2010)
Maurício Mota, um dos fundadores da empresa Os Alquimistas (OS ALQUIMISTAS,
2010)17, uma das poucas que atuam com produção de narrativas transmídias no Brasil, vai
mais longe na inspiração para essa forma de narrar. Mota defende que a história de Sherazade,
a heroína das “Mil e Uma noites”, ao conseguir salvar sua vida contando ao rei, a cada noite,
uma história que só se desenrolava em um emocionante capítulo no dia seguinte, está
vinculada ao conceito contemporâneo de transmídia por ter desenvolvido uma técnica de
produzir conteúdo com continuidade. “A ideia é manter o interesse do espectador em torno de
uma boa trama, com a diferença de que agora ela se desenrola em vários canais de
comunicação ao mesmo tempo”. (SHERAZADE..., 2010).
Para Jenkins (2008), embora os quadrinhos guardem o embrião deste tipo de narrativa,
a possibilidade de explorar o conteúdo por meio da internet foi decisiva na criação desse novo
modo de se desenvolver histórias em universos ficcionais. Para o norte-americano, os irmãos
Andy e Larry Wachowski estrearam o conceito de narrativa transmidiática com a franquia
Matrix18 (1999) que, segundo o pesquisador, seria o legítimo entretenimento para a era da
convergência, uma vez que a franquia conseguiu integrar múltiplos textos, criando assim, uma
narrativa tão ampla que não pode ser contida em uma única mídia.
O primeiro filme da trilogia funcionou como porta de entrada para um extenso e
complexo mundo ficcional, “repleto de diferentes camadas de significados e de muito mais
informações do que uma exibição cinematográfica de duas horas seria capaz de reter.”
(SANTOS, 2009, p.54). Como enumera Santos (2009), além das duas sequências
cinematográficas (The Matrix Reloaded e The Matrix Revolutions, ambos de 2003), foram
produzidos nove curtas-metragens de animação (Animatrix, lançados em DVD em 2003), 26
17
Os Alquimistas é uma empresa carioca especializada em transmedia storytelling, que “cria, descobre e
gerencia histórias para pessoas, marcas e instituições em qualquer plataforma para assim construir
relacionamentos perenes com públicos de interesse e gerar fãs.”
18
No filme, o hacker Thomas “Neo” Anderson (Keanu Reeves) descobre que o mundo no qual vive é, na
verdade, uma simulação gerada por computador. Quando é retirado da Matrix – programa que cria a realidade
virtual na qual as pessoas são “conectadas” – Neo aprende que a Terra fora parcialmente destruída por uma
guerra entre civilização humana e máquinas, e que a maior parte dos humanos é utilizada como fonte de energia
para o maquinário dominante.
68
histórias em quadrinhos online e três jogos eletrônicos – Enter The Matrix (2005), The Matrix
Online (2005) e The Matrix: Path of Neo (2005). Os produtos midiáticos vinculados a Matrix
exemplificam o que Jenkins chama de franquia, ou seja, a “operação coordenada para
imprimir uma marca e um mercado a um conteúdo ficcional, no contexto dos conglomerados
midiáticos.” (JENKINS, 2008, p. 336).
Santos (2009) aponta que embora a narrativa transmidiática tenha surgido no âmbito
cinematográfico, as narrativas ficcionais televisivas também já estão se movimentando,
“desenvolvendo ações próprias no sentido de produzir conteúdos adicionais sobre suas
histórias, por meio de jogos, sites, histórias em quadrinhos e episódios para a web, entre
outros.” ( SANTOS, 2009, p.62).
Survivor19, reality show da TV americana lançado em 2000 é, para Jenkins(2008) TV
para a era da internet: “um programa feito para ser discutido, dissecado, debatido, previsto e
criticado.” (JENKINS, 2008, p.52). American Idol20, um show de calouros norte-americano, é
outro exemplo citado como modelo bem-sucedido onde foi aplicado o conceito de transmídia.
Além de atrair uma grande audiência para a TV, o programa lançou um livro, a vencedora
gravou um CD e os candidatos fizeram turnê pelos EUA.
Outro exemplo de exploração máxima de um produto foi o que envolveu a divulgação
do filme Alice no País das Maravilhas21, de Tim Burton, lançado nos EUA em março de
2010. Mariana Oliveira, redatora do blog de Alex Primo, enumerou dezenas de estratégias
utilizadas pelo grupo Walt Disney Co. Um ano antes da estréia do longa-metragem, o estúdio
lançou na internet fotos do set de filmagem e o trailer. Na época do lançamento, o jornal L.A
Times, estampou em sua capa um anúncio gigantesco do filme - especula-se que o grupo
tenha pago ao periódico cerca de 700 mil dólares para trazer na capa a cara do personagem.
19
20
21
Survivor é um reality show competitivo muito popular nos Estados Unidos e produzido em vários outros
países. No programa, participantes são isolados em um local remoto onde competem por vários prêmios,
inclusive quantias em dinheiro.
American Idol é um reality show que tenta descobrir novos talentos da música. O programa é responsável por
uma das maiores audiências nos Estados Unidos e já possui versões espalhadas pelo mundo. No Brasil,
ganhou o nome de Ídolos e já foi exibido pelo SBT e TV Record.
O longa de Tim Burton é baseado no clássico Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, publicado em
1865. O livro conta a história de uma menina chamada Alice que cai numa toca de coelho que a transporta
para um lugar fantástico povoado por criaturas peculiares, revelando uma lógica do absurdo e característica
dos sonhos.
69
Figura 2: Anúncio publicado no L.A.Times
Fonte: (CHAKALAT,2010)
O grupo Disney também anunciou o filme na TV, comprando um intervalo durante o
Super Bowl22. Para o Iphone foi criado um jogo exclusivo, assim como foi lançado um outro
oficial para a Nintendo. A Disney ainda produziu bonecos, roupas, bolsas, esmaltes e até jóias
inspiradas na produção. Na internet, o site de compras Amazon disponibilizou, de graça para
download, a trilha sonora do filme; o diretor do longa concedeu uma entrevsita exclusiva no
site My Space; foram criados pela Disney o site oficial de Alice que transmitiu, ao vivo, a
sessão de premiére mundial do longa e perfis no Twitter, com mais de 15 mil seguidores, e no
Facebook, com um milhão e 300 mil fãs, canais estes que disponibilizavam informações,
traillers, jogos, aplicativos e pôsteres.
De acordo com Oliveira, as ações de divulgação da Disney desencadearam diversas
outras manifestações não-oficiais como exposições e eventos temáticos que colaboraram para
o sucesso de bilheteria do longa nas primeiras semanas de exibição, quebrando recordes ao
atingir U$ 210,3 milhões no primeiro fim-de-semana.
É claro que uma parcela considerável deste sucesso vem da história maluca de Lewis
Carroll e da fórmula Tim Burton + Johnny Depp, que já possui uma legião de fãs.
Mas o investimento em recursos transmidiáticos para divulgação gerou grande
curiosidade e expectativa no público, impactando o maior número de pessoas de
diferentes formas e, com isso, obtendo o maior lucro possível. (OLIVEIRA,
2010).
22
Super Bowl é o nome como ficou conhecido o jogo final da liga de futebol americano, considerado o maior
evento desportivo e a maior audiência televisiva dos Estados Unidos, assistido anualmente por milhões de
pessoas em todo o mundo.
70
No Brasil, um exemplo de transmídia na indústria cinematográfica é o filme
Besouro23, que estreou em 2009. Agora está em desenvolvimento uma série de animação
voltada para o público infanto-juvenil com planos de ser exibida na TV e na internet. Outro
seriado, mas com personagens reais, deve ser produzido ainda neste semestre, podendo ir ao
ar em 2011 na TV aberta. A produtora do filme também negocia com uma empresa de
videogame o lançamento de um jogo baseado no longa. (SHERAZADE...2010).
No Brasil, algumas empresas também estão se apropriando do conceito para chegar a
diferentes públicos. A Brastemp lançou um personagem que gosta de cozinhar para vender
uma nova linha de eletrodomésticos. Além do comercial na TV aberta, o personagem da
campanha publicitária ganhou na internet desdobramentos em blogs e vídeos, com perfis no
Facebook e Twitter. (SHERAZADE...2010).
Uma das empresas mais tradicionais do país, a Petrobrás, criou uma frente de estudos
em parceria com o Convergence Culture Consortium(C3), um departamento do MIT voltado
para pesquisas com mídias mais recentes patrocinado por empresas como Yahoo Inc, MTV e o
grupo Turner. Por enquanto a estatal está desenvolvendo projetos pilotos, mas a estratégia é
construir narrativas que se complementem em diferentes mídias e formar histórias que
forneçam uma visão geral da empresa, para reforçar a marca não apenas no Brasil, mas
também nos países onde a Petrobrás atua. (SHERAZADE...2010).
A empresa Os Alquimistas está oferecendo consultoria à Rede Globo para avaliar
como os projetos da emissora podem ser distribuídos pelas novas mídias. De acordo com o
diretor de comunicação da emissora, Luis Erlanger, a ideia da parceria é pensar nas
possibilidades “de adoção de projetos procurando usar o universo das novas mídias a serviço
da programação da Globo. A meta é navegar por novas mídias atraindo também aquele
público que não é o tradicional da TV”. (SHERAZADE...2010).
Como se percebe, a proposta de narrativa transmidiática serve não apenas para contar
histórias, mas também como ferramenta de marketing. Como mídias diferentes atraem nichos
de mercado diferentes, “há um forte interesse em integrar entretenimento e marketing, para
criar fortes ligações emocionais e usá-las para aumentar as vendas.” (JENKINS, 2008, p.
145).
23
O longa-metragem do diretor João Daniel Tikhomiroff conta a história sobre Besouro Mangangá,
considerado uma lenda da capoeira brasileira.
71
E para o jornalismo, a despeito de todos esses interesses financeiros, como esses
conceitos poderiam ser utilizados levando em conta o interesse maior do leitor por
informações? Buscamos a resposta em Lemke (2002) e na teoria criada por ele da Semiótica
da Hipermodalidade, que tem como base a perspectiva funcional da linguagem que a entende
como um conjunto “de sistemas, cada um oferecendo ao falante/escritor uma gama de
escolhas para a expressão de significados”. (LEMKE apud BRESSANE, 2007, p.151). Como
já descrito no início deste tópico, a mediação primeira vem da linguagem, por mais que os
diferentes meios de comunicação exijam códigos específicos.
Braga (2004) defende que ao relacionar dentro de uma estrutura diversas unidades de
informação de natureza distintas, como som, imagem e texto, gera-se uma nova realidade
comunicativa. E no ambiente digital não há construção de significados apenas por meio de um
único sistema semiótico. A navegação ocorre por meio de várias modalidades integradas de
linguagem, como a verbal, imagética, sonora. Por isso não é possível privilegiar uma ou outra
linguagem, mas perceber os significados que cada elemento produz, levando em conta a
integração desse conjunto.
Dessa forma, cada modalidade expressiva integra um conjunto diferenciado de
significados possíveis. “Cada forma semiótica é única na medida em que agrega um conjunto
de normas interpretativas e possibilidades de significado que lhes são particulares.”
(BRAGA, 2004, p.148). Ou seja, embora o significado construído por meio de uma forma
possa ser traduzido para outra, como por exemplo, a descrição de um quadro, nenhuma
imagem veicula os mesmos recortes de sentido que podem ser comunicados por um texto
verbal ou vice-versa.
Contudo, como esses diferentes tipos de significados não são independentes entre si,
ou seja, se integram na construção do sentido, nas narrativas transmidiáticas as possibilidades
de construção de sentido se ampliam na medida em que cada modalidade se integra e se
complementa de forma a auxiliar a interpretação geral ou a de segmentos particulares do
texto. “Os diferentes arranjos entre as diferentes categorias de significados veiculados pelas
diferentes modalidades não podem ser controlados e totalmente previstos pelo autor, o que
explica a multiplicidade de leituras possíveis” para estes textos circulantes. (BRAGA, 2004,
p.149).
Esse potencial comunicativo diferenciado pode construir materiais mais didáticos
sobre uma notícia, uma vez que a mesma informação pode ser complementada, reiterada e
72
mesmo sistematizada. Ou seja, esse tipo de narrativa pode gerar uma representação
diferenciada de uma mesma informação para favorecer sua compreensão. O leitor transmídia
ao percorrer as diversas plataformas estará realizando tentativas de compreensão, efetivando
gestos de interpretação ou de uso, porque, em última análise, é ele o responsável por definir a
versão final do que será compreendido.
Se por uma lado é tentador para as indústrias jornalísticas imaginarem o público atrás de
informações por todos seus canais, por outro lado, conseguir este comprometimento não é
tarefa simples. Os cruzamentos provocados por essa trama discursiva podem não render o
esperado, seja pela falta de engajamento do público ou por furos na própria estrutura da
narrativa.
A narrativa transmidiática traz novas exigências ao leitor e depende da participação
ativa deles, de um intenso esforço de preenchimento de lacunas, atos inferenciais e interstícios
deixados pelo jornalista. Ao leitor não é imposta uma ordem hierárquica a ser seguida: há
caminhos sugeridos, mas totalmente violáveis, o que torna o processo de recepção complexo e
imprevisível. Ou seja, fica evidente a impossibilidade de controle total sobre o processo de
significação ao se permitir ao leitor fazer escolhas de canais mais adequados às suas
necessidades e também aos seus estilos cognitivos.
Na indústria do entretenimento, Santos (2009) considera que Matrix foi o primeiro
produto de entretenimento que exigiu um engajamento do público nunca antes visto para a
compreensão de uma história. As peças do quebra-cabeça narrativo não foram apresentadas
todas de uma vez, ou mesmo em um único lugar, e para montar a imagem completa, os
espectadores precisaram agir como detetives em busca de pistas em diferentes plataformas
midiáticas.
Para compreender determinados aspectos do filme, os espectadores precisariam
jogar o jogo e assistir aos curtas animados. A batalha entre máquinas e humanos
ganhava profundidade narrativa quando os fãs liam as histórias online, e
personagens secundários ganhavam importância em tramas paralelas que fluíam
pelos produtos derivados da franquia.
(SANTOS, 2009, p.55).
Santos (2009) acredita que esse tipo de participação ainda é uma atividade praticada
por usuários mais jovens, “os quais cresceram jogando games eletrônicos e acessando a
73
internet nas últimas décadas do século XX e, portanto, desenvolveram habilidades cognitivas
diferentes daquelas cultivadas pelas gerações anteriores.”(SANTOS, 2009, p.59).
Constatação que poderia ajudar a explicar o fracasso de Matrix na visão de alguns
críticos que acreditam que a franquia pecou ao acreditar que todos os espectadores investiriam
tempo e energia tentando montar todas as camadas de significado disponíveis nos produtos
complementares. Para Jenkins (2008), a maior parte da audiência ainda não estava preparada
para o tipo de experiência proporcionada pela narrativa transmidiática.
Outro ponto discutível é que ao mesmo tempo em que essas narrativas dispersas
podem contribuir para aumentar as chances de compreensão global da informação, há também
o risco de essa falta de linearidade fragmentar a narrativa de maneira a deixar o leitor
desorientado e disperso. Para Caetano (2008), este é exatamente um ponto frágil desse tipo de
narrativa, uma vez que a divisão de conteúdo pode dar origem a uma visão do assunto ao
mesmo tempo “fragmentada”, uma vez que um discurso diz respeito a um ponto de vista; e
“totalizante”, “na medida em que a leitura de mundo se faz como se este fosse uma unidade
de sentido, sincretizada pelo conjunto de linguagens em cada mídia em particular e pela
superposição de textos no conjunto das diferentes mídias.” (CAETANO, 2008, p.251).
Essas ligações que o leitor precisa realizar entre os meios podem quebrar a cadeia do
fluxo semântico responsável pela coerência, levando à indisposição ou abandono da leitura.
Ao tentar estabelecer vinculações entre os textos, essas leituras conectadas podem ser
paradoxais em sua circularidade “ora a nos revelar ligações surpreendentes, ora a nos
anestesiar pela saturação dos mesmos procedimentos”. (CAETANO, 2008, p. 264). Saturação
esta que pode provocar no público a sensação de déja vu.
Por isso, Jenkins (2008) é taxativo ao afirmar que as narrativas transmidiáticas que
funcionam são aquelas nas quais cada história é desenvolvida para um meio de forma
autônoma, não tornando obrigatório, por exemplo, ver um filme para entender ou gostar de
um jogo eletrônico. Por outro lado, cada produto deve funcionar como um ponto de acesso a
todo o conjunto, ou seja, despertar o interesse do público daquele meio para conhecer o
restante da história nas outras mídias. Só assim, o leitor/espectador terá uma experiência
ampliada.
E essa doação de tempo e interesse do público só vai acontecer, na visão do
pesquisador norte-americano, se houver investimentos em histórias que se complementam,
mas não se repetem. A redundância pode acabar com o interesse do público. Para isso, é
74
preciso que a obra não seja só uma história, mas sim um universo ficcional, rico e complexo o
suficiente para sustentar o desenvolvimento de toda uma franquia. Segundo Jenkins, esse
universo “deve ser detalhado o bastante para permitir o surgimento de muitas histórias
diferentes, porém suficientemente coerentes para que cada história dê a impressão de se
ajustar às outras” (JENKINS, 2008, p. 332). Dividindo informações do universo ficcional em
diversas mídias, os produtores midiáticos oferecem aos fãs possibilidades de compreensão
adicional sobre a narrativa, uma mudança de perspectiva oportunizada pela introdução de
elementos complementares à história.
É preciso oferecer novos níveis de revelação e experiência para renovar a franquia e
sustentar a fidelidade do consumidor. [...] Se houver material suficiente para
sustentar as diferentes clientelas – e se cada obra oferecer experiências novas – é
possível contar com um mercado de intersecção que irá expandir o potencial de
toda a franquia. (JENKINS, 2008, p.135,136).
Mesmo reconhecendo a diferença entre histórias ficcionais e o jornalismo, Santos
(2009) também afirma que a experiência narrativa envolvente que é proporcionada pelo
cinema e as séries de televisão atuais pode oferecer elementos que ajudem a revitalizar os
produtos jornalísticos e torná-los mais prazerosos e interessantes para os consumidores de
informação. Ao espalhar camadas de conteúdo em múltiplas mídias, o jornalista pode pensar o
leitor/telespectador/ouvinte/usuário não apenas como consumidor, mas também como um
parceiro na construção narrativa em uma experiência informativa.
As redações hoje já caminham em direção a um jornalismo mais participativo e com
maior densidade informativa, no qual o público contribui com notícias, pautas, fotos e vídeos.
E cada vez mais os produtores oficiais desse conteúdo jornalístico procuram distribuí-lo em
mais de uma mídia, relacionando matérias impressas com informações disponíveis online e
pelo celular.
O grupo Associados está procurando ampliar sua presença em todos os canais
possíveis: além de contar com TV, rádio, jornais impressos, revistas, sites e blogs – abrigados
em um grande portal – o Estado de Minas pode ser lido a partir de aplicativos para
smartphones e tablets. Além dessa visão de expandir o nome do grupo, cada veículo possui
projetos específicos que buscam melhorar os canais de contato com o público.
A experiência do repórter convergente serviu como tentativa de aprimorar essa
distribuição de conteúdos, uma vez que a mesma pessoa dominava os processos de coleta,
75
redação e edição, o que, na teoria, poderia melhorar também a distribuição pelos canais prédeterminados, evitando a repetição e buscando a complementaridade. A articulação entre as
reportagens para TV, portal e blog do repórter convergente será investigada, no quarto
capítulo, a partir deste conceito de narrativa transmidiática.
2.4 Cenário da convergência em empresas brasileiras
Neste tópico serão apresentadas algumas iniciativas consideradas ‘convergentes’ pelas
empresas que as efetivaram. Exemplos que não são meramente ilustrativos, uma vez que
podem servir como comparação para a experiência do grupo Diários Associados, foco da
análise empírica desta pesquisa.
No Brasil, Suzana Barbosa (2008) afirma que as iniciativas visíveis de convergência
são tímidas:
Pensam em multimídia como a criação de um novo produto a partir do
aproveitamento de conteúdos produzidos por redações pré-existentes na mesma
empresa informativa e não a integração de todo o processo no mesmo espaço.
(BARBOSA, 2008, p.12)
As empresas jornalísticas do país também não foram bem avaliadas em relação ao
processo de convergência pelo grupo de pesquisadores espanhóis, já citados nesta pesquisa24.
Dentre eles, Avilés (2009) considera o cenário brasileiro decepcionante, uma vez que as
empresas jornalísticas no país têm sido conservadoras e avessas às inovações.
O caráter familiar e o poder exercido pelas famílias no funcionamento dos grupos
de comunicação reforçam uma postura monolítica, enraizada na segurança de um
produto, uma tecnologia e um mercado consolidado e de perfil monomídia.
(AVILÉS et al apud PALÁCIOS, NOCI, 2009, p.106. Tradução
nossa.)25
24
Informações detalhadas sobre a pesquisa na página 19.
25
El carácter familiar y el poder ejercido por estas en el tejido social refuerzan una postura monolítica, anclada
en la seguridad de un producto, una tecnologia y un mercado consolidados y de perfil monomedia.
76
Além dos proprietários, diretores e editores, esses pesquisadores também criticaram os
jornalistas por terem um perfil tradicionalista, que ainda carregam uma imagem da profissão
construída a partir de um jornalismo que está muito distante das mudanças ocorridas nas
redações.
O capítulo do livro Ciberperiodismo: métodos de investigación. Una aproximación
multidisciplinar em perspectiva comparada, que descreve esta pesquisa, não aprofunda sobre
o que é considerado jornalismo ‘tradicional’ para esses autores. Entretanto, sendo o
coordenador desta pesquisa Ramon Salaverría, pode-se concluir, pelo livro Periodismo
Integrado. Convergência de médios y reorganización de redacciones, que os o espanhóis
consideram retrógados aqueles jornalistas que não se familiarizaram com as novas
tecnologias, não desenvolveram novos formatos de narração das notícias – ficando presos a
procedimentos rígidos como ‘pirâmide invertida’ e o ‘lide’ – e não perceberam que as
tecnologias de informação mudaram as rotinas e fluxos de uma redação, uma vez que, com a
Internet, a hora do fechamento é a todo o momento e a produção deve ser contínua e
atualizada permanentemente.
Entre os exemplos de processo convergente, um dos mais representativos, dado à
relevância dos veículos envolvidos, é o do grupo Infoglobo, que envolve os jornais O Globo,
Extra e Expresso, além dos sites Globo, Extra e a Agência O Globo. Torna-se necessário
esclarecer que o interesse nesse grupo foi motivado pela metacobertura realizada pelo jornal O
Globo. As ações da empresa rumo à convergência foram sendo registradas pelo próprio jornal,
divulgadas em reportagens e artigos que revelam as expectativas de chefes e subordinados em
relação às mudanças, o que não deixa de ser um registro interessante sobre as percepções
internas do processo.
A partir de novembro de 2009, depois da campanha sobre o conceito multimídia do
grupo, já apresentada no tópico anterior deste capítulo, o grupo integrou as redações do jornal
impresso e digital de O Globo e essa aproximação foi sendo registrada pelo próprio jornal em
matérias, colunas e fotos, o que não deixa de ser uma propaganda institucional para mostrar
que a empresa está atenta às mudanças tecnológicas e culturais.
Na última página do caderno de Cultura da edição de dois de novembro de 2009, dia
marcado pelas mudanças físicas no prédio da empresa para unir os jornalistas, Joaquim
Ferreira dos Santos fez um artigo sobre essas transformações. Santos (2009) descreveu a
integração como uma história de amor entre o dinossauro analógico – o jornalista do impresso
77
– e a vampira digital – a profissional da internet. O relacionamento dos dois se dá na nova
‘cama’ dos fluxos comunicativos: a plataforma, onde segundo o jornalista, se concretiza o
desejo de um jornalismo multimidiático. Embora o texto recorra a um tom humorístico, ele
revela muito sobre as transformações que não apenas O Globo, mas outros jornais em todo o
mundo estão enfrentando: “O jornalismo das plataformas precisa criar tráfego, gerar
audiência.”. Santos analisa também o papel do jornalista neste cenário: “Não é mais o
jornalista, mas o provedor de conteúdo”.(SANTOS, 2009).
Fica claro, pelo artigo, que todas as mudanças na redação causam dúvidas não só aos
jornalistas, mas à própria empresa e, como já mostrado no início deste capítulo, também aos
pesquisadores do assunto. O articulista deixa explícito que não há consenso sobre o objetivo
maior dessa integração, o que mostra, mais uma vez, os conflitos conceituais e práticos entre
diretores e empregados:
Ninguém sabe exatamente aonde chegar. Antes que o leitor esteja procurando
notícias projetadas por robôs nos anéis de Saturno, eles precisam apresentar a
plataforma do novo jornalismo, ou como estiver sendo chamado logo mais o fluxo
de informação. (...) Esta é a história que se pretende romântica e com final feliz do
Dinossauro Analógico e da Vampira Digital, dois perdidos na noite cheia de becos
falsos, ratos dúbios e muito pânico em que se busca o futuro da notícia.
(SANTOS, 2009).
Dois dias depois da publicação do artigo de Santos (2009), O Globo trouxe outra
reportagem mostrando uma festa realizada pelos profissionais durante o primeiro dia de
integração da redação do jornal impresso com a da edição digital. Notícia publicada na coluna
“Por dentro do Globo”, um espaço para o jornal apresentar ‘notícias’ internas. O editor do
jornal on-line, Eduardo Diniz, disse que o fato de os jornalistas estarem no mesmo espaço
físico facilita a troca de informações: “Os editores passaram a ter acesso direto aos repórteres
de diversas editorias do jornal, tirando dúvidas e discutindo pessoalmente, olhos nos olhos, o
rumo da notícia com quem a produz.” (INTEGRAÇÃO...,2009).
Entre os frutos dessa
integração, estava a contribuição de um repórter do impresso para a internet, como descreveu
o editor de esportes Antonio Nascimento: “O repórter Gian Amato, do jornal, antecipou pelo
site que o Fluminense reduziria o valor dos ingressos para a partida com o Palmeiras no
domingo.” (INTEGRAÇÃO...,2009). É interessante chamar atenção para o fato de que apenas
editores foram ouvidos na matéria e não ouve fala dos repórteres responsáveis também por
essa integração. Estariam eles de acordo com as opiniões da empresa?
78
No dia seguinte, O Globo publicava, na mesma coluna, outra matéria, dessa vez sobre
a integração, em relação ao cotidiano das redações integradas.
No dia a dia, as mudanças a serem adotadas estão sendo discutidas e, aos poucos,
implementadas. As equipes estão começando a compartilhar arquivos e referências,
estabelecendo uma nova rotina de conversas diárias a procura de soluções para os
trabalhos nas duas mídias. Agora podemos pensar juntos sobre como informar
melhor o nosso leitor, tanto no impresso quanto na web. (INTEGRAÇÃO...,
2009).
Depois de quase três meses sem publicar informações sobre esse processo de
integração, no dia 13 de fevereiro de 2010, a mesma coluna revelou a primeira vez em que as
equipes da edição impressa e do site trabalharam juntas fora da redação. A matéria Na
Sapucaí, o bloco do Globo contou que a cobertura do carnaval de 2010 foi marcada pela
integração de 30 jornalistas, que produziam conteúdo para todas os veículos. O material era
recebido na redação por outras 20 pessoas, que então dividiam o conteúdo.
A reportagem informou ainda que os repórteres foram treinados para enviar fotos,
tweets e vídeos, que eram disponibilizados no site assim que entravam no sistema da redação.
No sambódromo, os jornalistas também usaram um espaço do jornal, equipado com
notebooks e rede sem fio, para escrever e mandar textos e material multimídia. Angelina
Nunes, editora-assistente que coordenou os trabalhos, classificou a atividade pioneira do
jornal: “É o primeiro carnaval da integração, em que serão utilizadas diversas mídias
simultaneamente. A vantagem para o leitor é que ele estará sendo informado de tudo em
tempo real.” (NA SAPUCAÍ..., 2010).
Outra cobertura que mereceu ‘propaganda’ do jornal foi a eleitoral. No dia 13 de julho
de 2010, a coluna mostrou a nova estrutura do jornal para o acompanhamento deste período
político: “A cobertura integrada do GLOBO em suas mídias sobre as eleições 2010 inclui os
estúdios de gravação de vídeos, onde editores e repórteres especializados produzem boletins
diários sobre os bastidores e analisam as promessas de campanha”. (NOVIDADES..., 2010).
Dois dias depois foi publicado um exemplo de profissionail que estava trabalhando
para várias plataformas. A repórter Maria Lima fez um vídeo com um candidato a deputado
durante um comício da candidata Dilma Rousseff, em Brasília: “Resolvi testar, com ele,
minha aptidão de videomaker. Arrisquei uma entrevista rápida e deixei o candidato
desabafar”. Foi a primeira entrevista observada de um repórter sobre o processo. Ainda de
79
acordo com a reportagem, mas sem a fala explícita de Maria Lima, o jornal ressalta que ela
está aprovando as novas funções:
Maria Lima, da sucursal de Brasília, que participou de quase todas as coberturas
eleitorais desde a redemocratização, [...] está adorando poder usar todas as mídias
no ambiente integrado da cobertura das eleições deste ano. [...] O jornal montou
estúdios no Rio, em Brasília e em São Paulo, onde estão sendo gravados,
diariamente, vídeos com análises de seus profissionais sobre o processo eleitoral.
(REPÓRTER..., 2010).
Ainda dentro do grupo Infoglobo, o jornal Extra, fundado há 11 anos, também está
colocando em prática o que a empresa acredita ser a convergência de mídias. De acordo com
uma reportagem da revista eletrônica Jornalistas e Cia (EXTRA TREINA...,2009), o jornal
carioca trabalha com “repórteres 3G”, fazendo matérias para qualquer plataforma, editando-as
no local da cobertura e enviando-as à redação em tempo real. O nome 3G vem de Terceira
Geração, celular que permite fazer fotos, vídeos, áudios e conectar-se à internet. Nos carros de
reportagem há um laptop que os torna “redações móveis”.
O projeto teve início em janeiro de 2009, na editoria de Geral, com dois repórteres: um
ficava na Baixada Fluminense e outro na zona oeste. Depois de um treinamento para os
repórteres serem capazes de produzir matérias para qualquer plataforma, hoje todas as
editorias do Extra já produzem esse tipo de conteúdo, de acordo com a reportagem. Para
desmistificar a tecnologia, o treinamento começou ensinando o uso simplificado do
equipamento. Mais tarde, foram ensinadas técnicas de filmagem para quem tem técnica de
texto e aqueles que iam sendo treinados se tornavam multiplicadores das informações para os
colegas. “Um treinamento desses prepara o repórter para o que a gente imagina ser o futuro da
profissão”, afirmou Octavio Guedes, editor-chefe do jornal.
Na redação, dois editores editam o que for preciso e selecionam o que vai para o papel
ou online. “A notícia pode ser uma só, mas a forma de apresentá-la é variada”, diz Aloy
Jupiana, editor-executivo para assuntos online, a respeito da linguagem especifica para cada
mídia. Observa-se aqui que a proposta convergente de algumas empresas está relacionada
apenas à adaptação da informação de acordo com as especificidades de cada veículo, não
sendo buscada, portanto, uma complementaridade entre o conteúdo, para que não haja
repetição das informações.
80
No Brasil, outras iniciativas, não tão divulgadas como as do grupo Infoglobo, estão
ocorrendo pelas redações. De acordo com um levantamento realizado pela autora dessa
dissertação, no Nordeste do país, a redação impressa e on line do Correio da Bahia
(atualmente Correio)26, também passou por reformas. Como é possível ver nas primeiras fotos
(JORNALISMO & …, 2008), a redação antiga, bem demarcada por ‘baias’, deu espaço a um
ambiente mais amplo, no qual os jornalistas estão mais acessíveis aos outros, sob o discurso
de facilitar a comunicação. Também é possível ver ao fundo da nova redação a mesa de
coordenação multimídia, onde ficam os chefes de cada veículo, um modelo defendido por
Negredo e Salaverría (2008) como o mais fácil para viabilizar a coordenação dos trabalhos
nas diversas plataformas.
Fig.3- Redação antiga do Correio com baias e funcionários trabalhando mais isolados
Fonte: (Jornalismo & Internet, 2008)
26
Jornal diário que circula em Salvador desde 20 de dezembro de 1978. Faz parte do grupo Rede Bahia que
ainda possui um portal de notícias e uma emissora de TV, a TV Bahia, afiliada da Rede Globo.
81
Fig.4- Redação antiga do Correio
Fonte: (Jornalismo & Internet, 2008)
Fig.5- Nova redação sem as separações físicas entre os profissionais
Fonte: (Jornalismo & Internet, 2008)
82
Fig.6 –Nova redação
Fonte: (Jornalismo & Internet, 2008)
Fig. 7- Detalhes da mesa de coordenação multimídia
Fonte: (Jornalismo & Internet, 2008)
83
Fig. 8- Detalhe interno da mesa de coordenação multimídia
Fonte: (Jornalismo & Internet, 2008)
De acordo com o levantamento realizado por esta pesquisa, o jornal teve a assessoria
da empresa Innovation, uma consultoria internacional nas áreas de impresso, TV, internet e
telefonia móvel. No site (INNOVATION, 2010) dessa empresa há a informação de que ela é
responsável pela transformação de mais de 30 redações “mono-mídia” em espaços abertos
multimídia e convergentes. Estado de Minas, Estado de São Paulo e O Globo são alguns dos
outros clientes brasileiros da empresa.
Ainda no Nordeste, o grupo A Tarde, que possui jornal impresso, site, revista, rádio
FM, agência de notícias, empresa de serviços gráficos e de telefonia móvel, está apostando
neste momento na diversificação das plataformas de divulgação de conteúdo.(A TARDE...,
2009). A empresa baiana lançou em 15 janeiro de 2009 um canal de distribuição de
informações via celular: Mobi A tarde. Do celular, as notícias podem ser acessadas no site
exclusivo para telefonia móvel (m.atarde.com.br) ou enviadas por mensagens SMS.
De acordo com a reportagem da Revista Jornalista e Cia., a coordenadora de
Jornalismo Integrado, Mariana Carneiro, afirma que a intenção é proporcionar maior
aproximação dos leitores, com mais um canal para acesso ao material produzido pela redação
do grupo. Os cerca de 180 jornalistas, divididos em mais de 15 editorias, estão integrados ao
processo de construção do conteúdo que está sendo distribuído via celular da mesma forma
como já atuam para o jornal, o portal, a rádio, a agência e a revista Muito. Embora todos
84
contribuam com o novo canal, há uma equipe exclusiva para produzir outros conteúdos e
adequar aqueles que chegam da redação.
A Folha de S. Paulo possui um programa de treinamento para recém-formados há 20
anos e já formou 470 trainees, sendo 390 na área de texto e 80 de arte. Nos programas mais
recentes, o jornal está adotando lições multimídia para os jornalistas, pelo menos para aqueles
que estão entrando na redação pela primeira vez.(PROGRAMA..., 2009) O site deste projeto
da Folha traz mais informações sobre a inclusão de ferramentas e linguagens multimídia: “As
atividades do treinamento em jornalismo foram ampliadas para incluir conteúdo multimídia:
como contar histórias em diferentes meios (áudio, texto, arte, vídeo).” Para Ana Estela de
Sousa Pinto, editora de treinamento do jornal, a mudança no perfil do curso é uma forma de se
adequar às exigências do mercado. Mercado citado aqui diz respeito às demandas do público,
mas está implícito que a empresa, para manter seus negócios, precisa de uma mão de obra
flexível e polivalente.
O próprio jornal, fundado há 90 anos, vem passando por reformas gráficas e físicas na
redação, para possibilitar a integração com o site do periódico, o Folha.com. Os bastidores
dessas transformações foram captados, durante 15 dias de gravação na redação e na gráfica do
jornal, em Tamboré, pelo documentarista Fernando Grostein Andrade. O resultado resultou no
documentário "O Jornal do Futuro", que pode ser conferido na seção de vídeos do site
(DOCUMENTÁRIO…,2010), com mais de 18 minutos de duração incluindo depoimentos de
diretores, editores, colunistas e repórteres.
O filme tenta passar a imagem de que a Folha está mudando para acompanhar as
transformações ocorridas em termos tecnológicos e no perfil do público, como resume o
slogan que inicia o documentário: “Enquanto se discutia o futuro do jornal, a Folha fez o
jornal do futuro.” Otávio Frias Filho, diretor de redação, apresenta um discurso em
consonância com essa proposta: “Eu procurei ao máximo estimular idéias originais, estimular
pessoas empenhadas em fazer mudanças que pudessem arejar o jornal, modernizar. [...] Acho
que tivemos sucesso, mas quem vai decidir isso é o leitor.”
De acordo com Sérgio Dávila, editor-executivo, durante mais de um ano, o saguão
onde ficavam as rotativas passou por reformas para abrigar a nova redação integrada: “Não há
mais a redação do on-line e a redação do papel. É uma redação só, da Folha de S. Paulo, com
essas duas plataformas.” O vídeo intercala imagens das obras da nova redação com cenas de
85
reuniões e discussões entre diretores, editores- chefes e colunistas sobre as mudanças gráficas
e editoriais.
Durante o documentário, o leitor aparece no discurso de muitos profissionais como o
responsável por estas mudanças. “A gente sabe que hoje o leitor tem menos tempo pra tudo e
a gente concorre com outras mídias, como a internet, TV, então ele tem menos tempo pra
nós”, justifica Sylvia Colombo, editora do caderno Ilustrada. Famoso pela coluna de humor
que assina, José Simão ironizou a regra de notícias mais enxutas: “O moderno seria fazer
jornal de 140 caracteres, como no Twitter.” Juka Kfouri criticou a aposta do jornal em
notícias mais curtas: “Cada vez menos você vê grandes matérias, grandes narrativas”. Críticas
que foram rebatidas por Rogério Gentile, secretário de redação: “O jornalista quer sempre
escrever muito, todo mundo acha que seu texto merecer aquele espaço.”
Segundo Dávila, a redução no tamanho dos textos não vai interferir na qualidade dos
mesmos e, para garantir profundidade nas matérias, entram em cena os textos analíticos,
responsabilidades dos colunistas que, depois de algumas contratações, somam entre 90 e 100
pessoas. No final do documentário surge outra discussão sobre o futuro do jornal, não apenas
o da Folha, mas de qualquer um no mundo. Vinícius Mota, secretário de redação afirmou que
“o jornalismo, independentemente do meio, não está ameaçado, acho que está revigorado
nesses novos tempos.” Opinião compartilhada pela editora do caderno Ilustrada, Sylvia
Colombo: “O que está em risco é um modelo, um suporte.” A integração das redações da
edição on line e impressa seria um sinal desse futuro para o jornal no papel, que segundo o
editor do caderno Ilustríssima, Paulo Werneck, será “misturado mesmo, com internet, com
literatura, com quadrinhos, com a crítica de alta qualidade e reflexão, que hoje em dia tá um
pouco encastelada na universidade.”
Para a colunista Maria Cristina Frias, as mudanças chegaram com atraso: “Não
demoramos demais pra mudar? Não importa se é no papel, nosso negócio não é papel, a gente
não vende papel, a gente vende informação”. Discurso semelhante ao defendido por grandes
jornais como The New York Times, The Guardian e O Globo, já apresentados neste projeto,
que anunciaram ser, antes de um jornal, empresas de conteúdo. A colunista Mônica Bergamo
encerra o documentário deixando bem clara essa posição, inclusive, sobre o papel do
jornalista nestas mudanças: “Eu acho que não importa se a preocupação de um repórter é
saber se o jornal vai acabar, acho que a preocupação é estar preparado para colocar suas
informações em qualquer plataforma. A boa informação é fundamental.”
86
Com base nesses relatos expostos, podemos inferir que dois conceitos perpassam o
ideal convergente das empresas: que a informação circule sem barreiras entre os diversos
suportes de um grupo jornalístico e que os profissionais sejam capazes de adaptá-la a qualquer
veículo. Isso revela uma mudança no próprio significado do fazer jornalístico:
Opera-se aí uma alteração significativa: jornalismo passa a se chamar ‘conteúdo’,
palavra que define agora o que os repórteres devem produzir para se adaptar a todos
os veículos da empresa. Altera-se assim o próprio sentido de qualidade no
jornalismo. (MORETZSOHN,
2002, p.138).
Ter conteúdos moduláveis, adaptáveis a qualquer situação, baseados na idéia de que as
empresas convergentes multiplicam caminhos e possibilidades de informação, se mostra, na
prática, como uma tentativa de controlar as opções ao se apresentar em todos os canais. Os
meios de comunicação ainda funcionam segundo um esquema com poucas fontes emissoras
que distribuem mensagens para muitos. A necessidade de continuar sendo essa fonte
principal, por meio da convergência, revela uma preocupação com as associações horizontais,
tentando impedir que outros falem e se agrupem aleatoriamente, simplesmente porque esse
caos retira deles o lugar de poder confortável. Ao se tornar ‘convergente’, as empresas
esperam ser uma espécie de nó obrigatório de passagem daquilo que pode ser comum a todos.
A tentativa dos conglomerados de dominar diferentes veículos revela que ainda existem
poucos nós de produção e distribuição, levando a canais fixos e fechados de distribuição da
informação. No fim, por mais que existam diversos suportes, a tendência é a centralização da
informação nas mãos de poucos.
Todavia, nesse processo, algumas questões se colocam: o excesso de informação pode
ser um empecilho à capacidade humana de percorrer todos os canais e procurar a informação.
Outra questão relevante é o tempo disponível para acessar e processar a informação desejada.
Por mais que as empresas se esforcem para estar onipresentes, de certa forma, a convergência
depende, na prática, do público. É ele quem decide se, após ver uma notícia na TV, vai buscar
mais informações na internet ou no impresso do dia seguinte. É ele quem decide se vai pagar
por uma versão do jornal para smartphones ou tablets. É ele quem decide se quer estar
informado 24 horas ou se uma simples conversa com os amigos podem abastecê-lo das
informações que ele julga necessárias para a vida.
87
3 “DE GRUPO DE COMUNICAÇÃO A FÁBRICA DE CONTEÚDO”: A BUSCA DE
CONVERGÊNCIA NOS DIÁRIOS ASSOCIADOS
3.1 O caminho da convergência nos Associados
O grupo Diários e Emissoras Associados fundado em 1924 pelo advogado
pernambucano Assis Chateaubriand Bandeira de Melo é, para Medina (1988), a mais
importante cadeia de empresas jornalísticas propiciada pelo surgimento do rádio, no fim da
década de 1920. Se a operação industrial do Estado Novo e as injeções econômicas estatais
favoreciam a concentração no nível administrativo das empresas jornalísticas em geral, com o
rádio essa concentração passa a significar também “intercâmbio de conteúdos, sob forma de
scripts de programas produzidos no Rio e em São Paulo e reproduzidos em todo o Brasil.”
(MEDINA, 1988, p.47). A TV, na década de 1950, acelera ainda mais essa concentração tanto
do ponto de vista administrativo quanto de conteúdo.
Visionário, Chatô foi o primeiro a trazer aparelhos de televisão para o Brasil, em 1950,
para a estréia da primeira transmissão da TV Tupi de São Paulo, também criada por ele.
Enfraquecido pela idade e por uma doença que o deixou paraplégico, o empresário faleceu em
1968 em São Paulo, deixando um dos maiores conglomerados de empresas midiáticas do
Brasil.
Nestes quase 90 anos de história, o Diários Associados passou por muitas mudanças,
com vendas de algumas empresas e aquisições de outras. Hoje o grupo (DIÁRIOS..., 2009)
possui 14 jornais impressos em diversos estados, oito emissoras de televisão, 12 emissoras de
rádio, 14 sites, duas revistas, uma fundação, teatro e produtora de vídeo. Entre os veículos de
maior destaque estão os jornais Correio Braziliense, da capital federal, Jornal do Comércio,
no Rio de Janeiro e Estado de Minas, em MG. Estiveram sob controle do grupo as TV's Tupi
do Rio e São Paulo, a TV Cultura de São Paulo, no ar até hoje sob controle da Fundação
Padre Anchieta, e a revista semanal O Cruzeiro, de grande sucesso na época.
Em Minas Gerais, os Associados (DIÁRIOS..., 2009) se intitulam como o maior grupo
de comunicação multimídia do estado, com dez veículos de comunicação e duas unidades de
negócio. São dois jornais impressos (Estado de Minas e Jornal Aqui), uma emissora de TV
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(TV Alterosa), uma rádio (Guarani FM), quatro portais na internet27 (UAI –notícias gerais,
Vrum- notícias de automóveis, Lugar Certo- notícias do setor imobiliário e Admite-senotícias de emprego e mercado de trabalho), duas revistas (Ragga e Hit), um teatro (Teatro
Alterosa) e uma produtora (Alterosa Cine Vídeo).
A intenção de buscar um projeto convergente começou a ganhar força dentro do grupo
em 2006, como forma de melhorar o fluxo de informações entre esses vários veículos da
empresa. Entretanto, em um primeiro momento, a aproximação estabelecida foi entre a
Alterosa e o UAI. O Estado de Minas se manteve mais afastado, mas, hoje, a perspectiva é
conseguir integrar todos os veículos. Esses projetos e experiências serão detalhados ao longo
deste capítulo. Todavia, faz-se necessário esclarecer que a análise desenvolvida por esta
pesquisa vai se deter à experiência do homem-banda, que pode ser localizada dentro do
primeiro estágio. Como a produção deste repórter estava voltada para a emissora e o portal,
serão detalhadas, portanto, para contextualização deste experimento, algumas informações
históricas apenas destes dois veículos.
A TV Alterosa (ALTEROSA, 2009) foi ao ar pela primeira vez em 13 de março de
1962, quando apenas dez emissoras de televisão operavam no Brasil. A emissora foi instalada
pelo corpo técnico da TV Itacolomi, sob concessão outorgada no governo do primeiroministro Tancredo Neves. Em 1980, a Alterosa inaugurou uma sede no bairro Floresta, na
capital, e transformou-se em afiliada do SBT – Sistema Brasileiro de Televisão – assumindo a
transmissão da programação nacional da emissora de Silvio Santos para as localidades da sua
área de cobertura. Até então, a Alterosa transmitia uma programação local, durante algumas
horas por dia. Hoje, a emissora é uma das mais antigas em operação contínua no país e seu
sinal é recebido em 843 municípios do estado, via satélite ou através de geradoras nos
municípios mineiros de Belo Horizonte, Varginha, Juiz de Fora e Divinópolis. A programação
apresenta uma média de quatro horas diárias de produtos próprios e atrações nas áreas de
jornalismo, humor, variedades, mercado automotivo, turismo e comportamento. Os de maior
destaque são os telejornais diários e o especializado em esporte. O Alterosa Esporte(AE) é
exibido de segunda à sexta às 12h15. Em seguida, vai ao ar o Jornal da Alterosa 1º edição
(JA1), às 12h50, e o Jornal da Alterosa 2º (JA2) edição é transmitido às 19h10.
27
Na prática, Vrum, Lugar Certo e Admite-se são sites mais voltados a anúncios, que oferecem algumas
informações jornalísticas. Estes três possuem endereço único, mas também podem ser acessados a partir do
portal maior, o UAI, que ainda concentra as páginas de todos os outros veículos do grupo.
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O programa esportivo mistura telejornalismo e entretenimento. As reportagens são,
principalmente, sobre os times de futebol de Minas, com mais enfoque nos da capital. Mas,
grande parte da audiência se deve à bancada democrática: um espaço no estúdio no qual ficam
posicionados representantes dos três clubes mineiros (América, Atlético e Cruzeiro)
comentando as reportagens e a situação dos clubes. Embora alguns integrantes dessa bancada
estejam há anos no programa, eles não são fixos – já participaram músicos, ex-jogadores etc.
A linguagem coloquial e o conteúdo popular do AE também dão o tom dos telejornais JA1 e
JA2. Entre os assuntos recorrentes tratados por eles estão matérias de prestação de serviço,
dramas particulares, além de uma intensa cobertura policial.
No universo digital, o primeiro passo dos Associados foi em 1995 quando o EM
disponibilizou a versão digital do caderno Informática na web, e aos poucos, outros conteúdos
do jornal. No ano seguinte, o grupo lançou o provedor de acesso a internet NetService,
vendido pelo jornal Estado de Minas. Mas o principal investimento do grupo foi a criação do
portal de conteúdo Uai em 1999, oferecendo versões on-line dos jornais impressos Estado de
Minas e Diário da Tarde. Hoje, segundo informações do site da empresa (UAI, 2011), o
portal possui 60 mil assinantes e chegou, em março de 2010, ao pico de 64 milhões de
acessos. O UAI é dividido em 12 categorias, que contemplam jornalismo, bem-estar e saúde,
cultura e entretenimento, educação e emprego, esportes e games e serviços (previsão do
tempo, horóscopo, trânsito, etc).
Em 2008, o grupo lançou o site colaborativo Dzaí, hospedado no UAI. De acordo com
a empresa, a página é um espaço para a troca de informações entre os frequentadores e foi
desenvolvido para ser um espaço aberto e democrático ao permitir que os usuários criem
perfis ou blogs, nos quais podem ser postados vídeos, notícias, fotos e áudios. Ao participar
do site, o usuário aceita um termo de compromisso que garante à empresa o direito de
divulgar no portal quaisquer informações postadas pelos usuários que a empresa achar
relevante. Os dados ainda podem ser utilizados por outros meios do grupo como a Alterosa, o
EM e a rádio Guarani. Todavia, ainda que o usuário possa publicar o que quiser, há políticas
do portal que proíbem a divulgação de material ofensivo ou criminoso, ainda que seja de
inteira responsabilidade do internauta responder pelo que foi divulgado.
De acordo com o site da empresa, o portal é o veículo que hoje oferece “completo
conteúdo convergente dos demais veículos dos Diários Associados”. Todavia, a própria ideia
de convergência é um projeto que o grupo admite estar em amadurecimento: “Todos
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trabalhando em conjunto e nos passos pioneiros da convergência de mídias. Todos
trabalhando por uma vida com mais conteúdo.”
A definição de convergência de mídias dentro do grupo não é um conceito único,
assim como acontece entre os teóricos que pesquisam o tema e empresários que tentam
implantá-lo. Durante as entrevistas em profundidade28 realizadas em março de 2011 com o
diretor executivo do grupo em Minas Gerais, Geraldo Teixeira da Costa Neto; com o editor de
mídias convergentes, Benny Cohen; e o repórter multimídia pleno, Marcelo Túlio Mendonça
Silva ficaram claras discrepâncias quanto aos fatores que levam à convergência assim como o
que este conceito representa na prática.
Para o diretor executivo, convergência está ligada a duas esferas: tecnologia e
economia. Geraldo da Costa Neto acredita que o lançamento de equipamentos como
smartphones, ipads e tablets facilitaram o processo, uma vez que
essas formas de produzir conteúdo para esses novos aparelhos são convergentes por
natureza [...] porque não tem limite do tamanho da página, não tem limite de
tempo... elas têm a característica multimídia, porque tem vídeo, tem texto. Então
elas já nasceram convergentes. (DIRETOR
EXECUTIVO).
O outro aspecto está relacionado à questão econômica uma vez que, na visão do
empresário, o financiamento da indústria jornalística está em xeque com a pulverização das
receitas, principalmente a de publicidade, entre diferentes veículos. A convergência é uma
tentativa do grupo de se adaptar a um negócio que já não rende os mesmos lucros dos últimos
noventa anos, como diz Costa Neto: “quando um negócio perde margem, você readequa os
seus processos de fabricação para adequar à nova realidade do mercado. Eu acho que é um
dos motivos para que a convergência de mídias tenha esse papel nos dias de hoje.”
O diretor argumenta que a indústria jornalística passa por uma revolução que já
provocou resultados desastrosos nos Estados Unidos e em alguns países europeus. O
abandono da definição de jornal impresso por periódicos como o New York Times ou o The
Guardian, como já mostrado no primeiro capítulo, simboliza, para Costa Neto, uma questão
de sobrevivência, assim como a estratégia de cobrar pelo conteúdo digital: “(...) não tem
28
As entrevistas com os profissionais dos Associados foram realizadas nos dias 4, 6 e18 de março de 2011, na
sede da TV Alterosa e do jornal Estado de Minas, em Belo Horizonte. A transcrição das mesmas consta no
apêndice B desta dissertação.
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alternativa, as contas não fecham. Circulação caindo, receita caindo, as demissões não
acabaram, a conta lá não fecha. Então eles fazem por questão de sobrevivência.” Mas as
empresas brasileiras, segundo ele, têm um cenário mais favorável visto que a “velocidade das
mudanças ‘ponto com’ não foi tão forte quanto nesses outros mercados; a classe C está em
ascensão e o Brasil tem uma concentração de meios em um mesmo grupo de comunicação,
coisa que não acontece lá.”
O discurso do diretor executivo deixa clara a intenção econômica por trás do processo
convergente, uma vez que jornalismo é um ‘negócio’ que precisa se adaptar a um ‘mercado’
que já não rende o esperado. Entretanto, o editor de mídias convergentes oferece uma visão
mais ampla, defendendo que, mesmo o processo sendo encarado pelo grupo como estratégia
de sobrevivência econômica, é possível oferecer um serviço mais completo a quem procura
informações. Sobre o significado de convergência de mídias, Benny Cohen afirma adotar os
conceitos defendidos por Ramon Salaverría no que diz respeito às esferas envolvidas no
processo (empresarial, tecnológica, conteúdo, profissional). Se para o diretor executivo a
convergência se concentra nas esferas empresarial e tecnológica, para seu subordinado, o
primeiro aspecto não passa de uma racionalização administrativa. Segundo Cohen, esse
movimento significa para o jornalismo uma otimização da coleta, distribuição e organização
das informações. Embora acredite ser a internet a plataforma por excelência onde se possa
reunir texto, áudio, vídeo e foto, a convergência pressupõe que
ao invés de você ter um grupo de comunicação com redações isoladas que não
conversam entre si, você passa a, pelo menos na tentativa, fazer um trabalho
conjunto em que as informações são compartilhadas para a produção do melhor
conteúdo para o consumidor de informação. Então hoje a gente já consegue tomar
decisões sobre qual veículo a informação vai primeiro, de que maneira os conteúdos
produzidos podem ser utilizados, o que deve ou não ser compartilhado, de que
maneira isso se faz.(EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).
Quem está na ponta do processo encara a convergência como a ampliação das tarefas no
cotidiano, como define o repórter Marcelo Túlio Mendonça Silva:
É trabalhar um conteúdo para três diferentes tipos de veículos, seja o impresso, seja
a internet, seja a TV. E, nesse caso, a gente ainda está no processo, porque você
esbarra em várias rotinas, você tem que pensar na internet, você tem que trabalhar
texto, você tem que trabalhar TV, e nisso, digamos, em sete horas de trabalho, já que
as horas extras têm que ser evitadas. Mas aí, realmente, é um processo complicado.
Então, a turma tem que estar muito entrosada, você tem que conhecer bem o
92
objetivo para fazer o assunto render nesse tempo razoável.
(REPÓRTER
MULTIMÍDIA).
O fato de o grupo Associados ser um conglomerado que reúne diferentes veículos é
encarado pelos três entrevistados como um desafio e, ao mesmo tempo, uma oportunidade.
Enquanto a maior parte das experiências tenta integrar web e impresso, ter uma emissora de
TV e de rádio possibilita a construção de um novo modelo. Todavia, a integração dessas
diversas plataformas acontece na base das experimentações, mesmo porque, como ressalta o
diretor executivo, cada uma delas tem um público específico. Enquanto o Estado de Minas e a
rádio Guarani são voltados a uma audiência classe A, a TV Alterosa, afiliada do SBT, é um
canal popular, com programas de entretenimento e telejornalismo direcionados às classes B e
C. Já o Portal Uai mistura elementos para atrair todas as classes.
Por essas razões, os entrevistados não acreditam em uma fórmula específica para ser
aplicada ao grupo. Motivo pelo qual não foi contratada, até agora, uma consultoria específica
sobre o assunto, embora Cohen e Costa Neto afirmem ler bastante sobre o assunto, além de
acompanhar as experiências de outras empresas. Inclusive, em 2008, dois editores do Estado
de Minas viajaram até a Inglaterra para conhecer de perto o processo de convergência nos
jornais The Guardian e The Independent e verificar o que poderia ser aproveitado pelos
Associados. Cohen explica a evolução gradual do processo:
Uma coisa é ficar falando bonito sobre a convergência e outra é botar a máquina pra
andar. E todo dia você descobre um ponto que está agarrando porque é um processo
todo novo. Talvez, se a gente tivesse investido milhares de dólares em uma
consultoria, a gente tivesse mais a frente. Mas eu acho que isso de alguma maneira
inviabilizaria o projeto, então, eu prefiro acreditar que andando a passos lentos a
gente vai fazer a coisa caminhar e chegar lá. (EDITOR DE MÍDIAS
CONVERGENTES).
A incerteza sobre o que levaria ao sucesso da convergência midiática e uma fórmula
para alcançá-lo gera modelos mutáveis, continua Cohen:
Até pouco tempo você não tinha um manual e, mesmo tendo, não é o caso de se
seguir porque para mim a experiência da convergência é uma coisa nova do ponto de
vista histórico, de se fazer jornalismo Cada lugar tem mais ou menos o seu modelo,
de acordo com suas características, e eu acho que a gente tem tido uma experiência
mineira, [...] estamos desenvolvendo uma metodologia própria. É claro que
observando o que os outros estão fazendo e tentando absorver o que tem de melhor,
mas também respeitando as nossas características, as nossas condições, os nossos
93
limites. As coisas são muito caras, são complicadas, não é uma coisa tão simples.
(EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).
Opinião compartilhada pelo diretor executivo, que acrescenta que a convergência, na
prática, depende dos profissionais envolvidos:
Eu acho que tudo feito até agora foram passos empíricos embasados em experiência
dos outros, na tentativa e no erro, e a gente também arriscou algumas coisas solo.
Não adianta você ter um editor do Uai, um editor do Estado de Minas, um editor da
TV Alterosa e falar: Agora um, dois, três, convergência. Não adianta, é do ser
humano. O cara não está programado para isso, ele enxerga como concorrente,
existe briga de espaço entre as lideranças das redações.
(DIRETOR
EXECUTIVO).
A cultura profissional foi um fator muito lembrado pelos três entrevistados, que
reconheceram a resistência por parte de muitos profissionais ao processo convergente. Para
Costa Neto, o medo diante das mudanças é semelhante ao ocorrido quando as redações foram
informatizadas: “Tinha gente que era contra, não vai pegar, não vai dar certo. Então toda
mudança, em qualquer atividade humana, gera desconfiança, gera o medo. Isso é inerente a
nós seres humanos.” O fato de o conceito de convergência não ser unificado dentro do grupo é
a primeira barreira apontada por Cohen, que acredita em uma visão distorcida do processo já
na concepção do empresário por causa da pressão de outras áreas, como o setor financeiro:
Na cabeça do empresário, às vezes, a primeira reação é achar que convergência é
sinergia e sendo sinergia ele vai poder diminuir um monte de gente. E na verdade
convergência nem sempre é isso, até pelo contrário, às vezes, é até contratar mais
gente. Até que não é o caso aqui, quem está responsável por isso tem uma visão legal
e é o grande incentivador do processo, o Zeca [Geraldo Teixeira da Costa Neto]. Se
não fosse ele isso certamente não estaria acontecendo. (DIRETOR
EXECUTIVO).
Para Costa Neto, outro motivo para a geração de resistências é o fato de, até pouco
tempo, as redações da TV Alterosa e do jornal Estado de Minas serem geridas de forma
totalmente separadas. Inclusive, alguns profissionais que trabalhavam na TV “faziam bico nos
jornais concorrentes do Estado de Minas [...]. Tinham profissionais do Estado de Minas que
faziam freela em concorrentes da TV Alterosa. Quebrar uma cultura dessa de cinqüenta anos
não é fácil.” Cohen exemplifica o que acontecia na prática: “a foto do fotógrafo do jornal, a
94
noticia que o cara estava produzindo lá não chegava aqui, era como se fosse praticamente uma
outra empresa, com raras e isoladas exceções. Era uma redação que funcionava para lá e nós
aqui.”
O fato de muitos funcionários se enxergarem em empresas diferentes é decisivo na
questão do ‘furo’. Costa Neto observa que um jornalista acreditar que determinada notícia
será preservada depende de uma confiança que só agora começa a ser incentivada dentro do
grupo: “você vai furar amanhã pelo jornal, mas você pode produzir na televisão hoje para sair
amanhã. Não precisa produzir depois que você lê no jornal.” Cohen acredita que o desejo de
preservar o furo dependa ainda da pauta e do comportamento de alguns editores:
O cara pensa: essa é uma matéria exclusiva, o jornal que vai fazer. A pessoa ainda
não chegou a esse grau de sofisticação de pensamento de falar: não tem problema
nenhum, o furo é do jornal, mas eu não posso deixar de falar com a televisão... essa
informação é espetacular, eu vou produzir e a televisão vai esperar. Eles ainda não
conseguem
fazer
100%
esse
raciocínio.
(EDITOR
DE
MÍDIAS
CONVERGENTES).
Essa disputa entre editores do impresso e da TV também é analisada pelo repórter:
“Enquanto os editores não começarem a interagir entre eles, isso vai continuar do jeito que
está.” Mas Silva acredita que a situação também esbarre na rotina sobrecarregada desses
profissionais, que possuem sete horas diárias para realizar suas funções. E o diálogo para o
compartilhamento de informações exige tempo:
Eu tenho que fechar meu material, eu tenho minhas sete horas de trabalho, eu vou
chegar e fazer assim e assado. [...] É difícil você parar, pensar: ‘Eu vou fazer uma
coisa diferente aqui, fulano’. Porque se você toma essa decisão, você tem que saber
que o fulano tem que parar pra pensar isso contigo também.
(REPÓRTER
MULTIMÍDIA).
Além da pressão do tempo, as escalas de trabalho dos jornalistas do grupo também
impedem uma interação maior entre os profissionais. No programa esportivo da Alterosa, o
Bola na Área, por exemplo, um apresentador divide o espaço com, pelo menos, outros quatro
jornalistas do grupo. A proposta de integrá-los é para que o telespectador tenha uma análise
mais rica do futebol, com visões distintas:
95
A gente tenta fazer isso no Bola na Área, juntar os profissionais da internet, os da
TV, os da rádio pra fazer um programa na hora do almoço. Só que aí a gente está
sujeito a escala de trabalho. Eu não posso contar com fulano, sicrano, porque ele
está de folga ou não está trabalhando, então eu tento formar os debatedores do jeito
que eu consigo. (REPÓRTER
MULTIMÍDIA).
O repórter cita um exemplo de como deveria ser o compartilhamento das informações:
Para você incrementar o site da TV você teria que fazer uma noticia que não vai,
teoricamente, estar no UAI. Você chamaria o internauta para o site da TV, para gerar
audiência no site. Mas aí como é que você consegue um fato diferente daquelas seis
notas que o UAI tem que dar? Você teria que tentar conversar: fulano, deixa uma
para mim. Mas aí vamos voltar na rotina, tenho que fazer minhas seis notas, isso
aqui é só meu e pronto.(REPÓRTER
MULTIMÍDIA).
A seleção e a hierarquização informativa de acontecimentos dependem de influências
pessoais, sócio-organizacionais, ideológicas, culturais, históricas e tecnológicas, conforme
propõe Souza (2002) para explicar porque as notícias são como são. A citação constante pelo
repórter de como o fluxo de informações é comprometido pelas rotinas produtivas nos leva
aqui a fazer uma breve reflexão sobre o assunto.
Entre as forças determinantes na concepção de uma notícia está a ação social, que
significa que as notícias são fruto do meio organizacional em que foram construídas e
fabricadas. As indústrias jornalísticas, de uma forma geral, são dependentes de rotinas,
entendidas como processos convencionalizados e mecanicistas de produção que no jornalismo
servem como “respostas práticas às necessidades das organizações noticiosas e dos
jornalistas.” (SOUZA, 2002. p.49). Isto é, são padrões comportamentais que asseguram aos
jornalistas, sob a pressão do tempo, um fluxo constante e seguro de notícias. Sendo os
jornalistas membros de uma cultura cronometrada que interfere tanto na classificação das
notícias quanto na demonstração de competência profissional, tais rotinas, como hora do
fechamento e quantidade de notícias produzidas, se mostram decisivas dentro do grupo
Associados. Silva assume, não só com o exemplo citado acima do número obrigatório de
notas produzidas por um jornalista dentro de determinado horário, mas também a partir de
outros casos citados ao longo deste capítulo, que os processos mecanizados de produção
jornalística comprometem o compartilhamento das informações entre os profissionais, algo
tão buscado pelo grupo.
96
Fato este que nos leva a concordar com Souza (2002) quando o pesquisador afirma
que essas rotinas, mesmo diferentes entre as empresas e até mutáveis dentro de uma mesma
organização, contribuem para simplificar o mundo dos acontecimentos e levar o jornalismo a
uma atividade burocrática, tornando as histórias semelhantes nos diversos órgãos de
comunicação. Ora, se com a adoção desses procedimentos as empresas estão preocupadas em
otimizar sua gestão de recursos humanos e materiais, de forma a potencializar os lucros e
diminuir os custos de exploração, racionalizando os processos de trabalho, a tentativa de
oferecer um conteúdo diferenciado, não apenas com informações redundantes, mas
complementares, passa obrigatoriamente por uma revisão desses processos rotineiros.
As estratégias para mudar essa mentalidade começaram, segundo Costa Neto, no final
de 2006, com a criação do cargo de editor de mídias convergentes do grupo, ocupado por
Benny Cohen, responsável, desde então, pelo UAI e TV Alterosa. Os jornalistas da internet,
que antes estavam sediados no prédio do Estado de Minas, se mudaram para o prédio da TV.
Cohen explica que a primeira estratégia foi envolver os chefes de reportagem da emissora,
que passaram a cobrar dos jornalistas da Alterosa o envio dos relatórios de apuração ou
quaisquer outras informações que estivessem circulando na redação da TV para os jornalistas
do UAI. Nos últimos cinco anos, outras estratégias foram adotadas, algumas abandonadas,
mas, segundo o editor dos dois veículos, desde o início persiste a idéia de compartilhar
notícias aproveitando as principais características de cada veículo. Cohen cita um exemplo de
divisão de conteúdo entre a TV, o site dela e o UAI, que abriga o alterosa.com.br. É
interessante observar que, independentemente do percurso que o leitor/telespectador seguir
para se informar sobre a notícia, todos os caminhos levam para dentro de algum veículo do
próprio grupo, uma forma de manter a audiência e tentar monopolizar a atenção do público:
A TV tem um acidente exclusivo, ninguém mais vai conseguir aquelas imagens. A
gente seleciona da matéria segundos de imagem do acidente que vai para o site da
TV e vira uma nota informativa. Mas o Uai puxa o destaque do site da TV e vai para
capa do Uai de tal modo que você começa a gerar conteúdo antes mesmo de o jornal
ter ido ao ar. Então isso tem um duplo resultado: você adianta o conteúdo no meio
porque a informação aconteceu e já está disponível, você não precisa esperar a hora
do telejornal. Por outro lado, você ajuda a alavancar audiência do telejornal, porque
você está entregando a notícia, mas não o vídeo inteiro ainda, você está suscitando o
interesse, despertado a curiosidade do internauta/telespectador, e com isso você
consegue trazê-lo para a televisão. O que aconteceu com o site da TV depois que a
gente começou a fazer isso? A gente fez o site saltar de trezentos mil pageviews por
semana, que era um número que ficou estável durante uns dois anos, para um milhão
97
de pageviews por semana, nos picos. ([...] Essa coisa da convergência a gente vai
descobrindo à medida que elas vão acontecendo, o processo vai sendo depurado e
aperfeiçoado. Até que a gente chega a um modelo que está funcionando legal.
(EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).
Outro ponto elogiado por Cohen e Costa Neto foi a postura incentivada no Estado de
Minas em relação ao compartilhamento de informações com a TV e o portal. Hoje a Alterosa
participa da reunião de pauta do jornal impresso, conforme relata Benny Cohen:
Hoje as reuniões de pauta são comuns então, no caso do Divirta-se
[suplemento semanal de cultura do Estado de Minas], por exemplo, a minha repórter
sai daqui e vai lá na cultura participar da reunião de pauta. O cara do Vrum [site de
veículos] sai daqui e participa da reunião do caderno de veículos. O Lugar Certo [site
imobiliário] produz matéria para o caderno de imóveis e vice e versa. Eles sabem
aquilo que deve ser adiantado para que saia logo na versão web e sabem aquilo que
vale a pena guardar. Os fotógrafos do Estado de Minas, por exemplo, que eram
pilhados pra participar da convergência, hoje as fotos chegam aqui em um instante,
tudo compartilhado, o Uai sai com galeria de foto na hora. Antes a gente aqui na TV
fazia convergência, mas era sempre depois [que o impresso já havia publicado].
(EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).
Esse novo comportamento foi incentivado, principalmente, depois do Programa de
Formação em Mídias Convergentes, oferecido no primeiro semestre de 2008 a 30 jornalistas
selecionados entre repórteres e editores do jornal Estado de Minas, da TV Alterosa e do portal
UAI. “Era necessário disseminar os conhecimentos que só algumas pessoas detinham desse
processo. A intenção na época era criar um grupo convergente que deslancharia esse trabalho
na empresa,” explicou Cohen.
A aula inaugural do curso foi tema de uma reportagem no Estado de Minas no dia 26 de
março de 2008. Nesta aula estavam presentes diretores dos Associados, editores do jornal, do
portal e da emissora do grupo, além dos alunos. Dois palestrantes foram chamados para falar
ao público. O ombudsman do Portal IG, Marcos Vítor; e o editor de Esportes do jornal
Correio Braziliense, Paulo Rossi, que esteve na Inglaterra, conhecendo de perto as mudanças
promovidas pelos jornais ingleses. Sobre as palestras desses jornalistas, o jornal publicou:
Eles falaram sobre os desafios dos grupos de comunicação diante das novas mídias
e a interatividade entre elas e como usar a informação jornalística com recursos
atuais, como o vídeo-documentário, os podcasts, celulares, palms e também a
própria internet, a TV e o jornal impresso. (ASSOCIADOS MINAS...,
26/03/2008).
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O curso teve a duração de cinco meses, dividido em módulos que contemplavam todas
as plataformas (chamadas no curso de suportes) em que o grupo atua, cada um ministrado por
especialistas diferentes: a mestre em comunicação social pela UFMG e jornalista Patrícia
Aranha foi a professora do módulo ‘webjornalismo’. O ex-editor multimídia da Agência
Brasil, André Deak; o diretor e ator teatral Rogério Falabella e a fonoaudióloga Laura Niquini
ministraram o ‘suporte vídeo’. Já o ‘suporte áudio’ foi conduzido pelo jornalista e doutor em
Letras, Mozahir Salomão. O mestre em Ciência da informação Evaldo Magalhães foi o
professor do ‘suporte impresso modificado’; o ‘novo estatuto da imagem’ teve como
professor o publicitário e doutor em comunicação, Eduardo de Jesus; e o ‘conteúdo para
mídias móveis’ foi ministrado pelo jornalista e doutor em mídia digital, Fernando Millani.
Além das aulas semanais, a cada término de um módulo eram realizados seminários
temáticos, com pesquisadores e estudiosos considerados de ‘peso’ pela empresa. O primeiro a
participar foi o professor titular da Universidade Federal da Bahia e consultor de instituições
como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e
Universidade Federal de Minas Gerais, Marcos Palácios, sobre o “Panorama mundial de
convergência e mídia”. A “Web 2.0” foi o tema do segundo seminário conduzido pelo
professor de jornalismo e diretor do Knight Center para Jornalismo nas Américas, na
Universidade do Texas (EUA), Rosental Calmon. O então presidente da Associação Brasileira
de TV Universitária (ABTU) e diretor da Fundação Padre Anchieta, que mantém a TV
Cultura em São Paulo, Gabriel Prioli, discorreu sobre “Os desafios da TV digital.” Já o diretor
do Laboratório de Comunicação Multimídia e professor da Faculdade de Comunicação da
Universidade de Navarra, Ramon Salaverría, ministrou o seminário “Linguagens novas para
novos meios.”. A semioticista e coordenadora da pós-graduação em tecnologias da
inteligência e design digital da PUC de São Paulo, Lúcia Santaella, conduziu o seminário
“Mídia móvel – cognição líquida”. O último seminário “A nova geração de infográficos”
ficou a cargo do professor da Universidade da Carolina do Norte (EUA) e ex-diretor de
infografia do portal El Mundo, Alberto Cairo. Tanto Salaverría quanto Cairo foram muito
citados pelos entrevistados como fontes de inspiração e conceitos sobre a convergência, o que
reforça a tese de que tais teóricos se tornaram uma espécie de ‘consultores’ de receitas
convergentes para o mercado.
Enquanto o Programa de Formação estava em curso, muitos alunos colocavam em
prática as ‘lições’ produzindo matérias para todas as plataformas do grupo. Um mesmo tema
99
recebia abordagens diferentes para as edições impressa, televisiva ou digital. Entretanto,
novas turmas não foram formadas. O editor convergente acredita que, embora do ponto de
vista de conteúdo o curso tenha sido satisfatório, os Associados erraram na forma de
selecionar quem participaria. Foram abertas inscrições para toda a empresa e a maioria do
inscritos eram repórteres. Daqueles que demonstraram interesse em participar, a empresa
selecionou 30 alunos a partir de critérios como experiência profissional e postura aberta a
novas experiências. Cohen acredita que a formação deveria ter sido obrigatória para os
editores do impresso e da TV uma vez que eles atuariam como multiplicadores da proposta
dentro do grupo. Mas, na prática, esses profissionais não estavam interessados, como afirma o
editor:
A gente tinha o treinamento durante a semana, com aulas, e uma vez por mês, aos
sábados, a gente tinha o seminário. E os editores convidados a participar dos
seminários aos sábados, nenhum editor do impresso participou. É uma informação
importante porque as pessoas revelaram, por suas ausências, que não estavam
interessadas ou não deram importância para o treinamento. É uma informação
simbólica, representativa. Ela denota que a coisa não estava bem naquele momento
do ponto de vista das pessoas que ocupam cargos de chefia, que são responsáveis
pela condução dos processos. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).
É interessante ressaltar aqui a relevância dada pela empresa a estes responsáveis pela
condução das rotinas: os editores. Percebe-se, pela queixa de Cohen que na prática eles atuam
não só como gatekeepers29, mas influenciam também o fluxo de informações dentro do grupo,
decidindo quais notícias podem ou não ser compartilhadas com os demais profissionais.
O grupo se ressente por ter treinado vários repórteres que não continuaram na empresa
e acredita que mesmo se os editores tivessem participado e não se adaptado, eles também
estariam fora, como explicita Cohen: “Aqueles que de alguma maneira se colocassem
contrários ao projeto [...] naturalmente participariam da renovação do grupo, que é um
processo natural que ocorre em uma convergência.”
Na visão dos funcionários, as discussões que se acentuaram entre os jornalistas depois
do curso também pesaram para que a empresa não abrisse novas turmas. Os departamentos
29
Termo lançado por David White em 1950 para descrever a atuação de alguns jornalistas como porteiros que
liberam ou não a entrada de determinadas notícias. Mais detalhes sobre a teoria do gatekeeping podem ser
encontrados em WHITE, D. M. O gatekeeper: uma análise de caso na seleção de notícias. In: TRAQUINA, N.
(Org.) Jornalismo: questões, teorias e estórias. Lisboa: Veja, 199. Ver também WOLF, M. Teorias da
Comunicação. 5.ed. Lisboa: Editorial Presença, 1999.
100
jurídico e de recursos humanos alertaram o grupo sobre os questionamentos que muitos
profissionais estavam fazendo, uma vez que os contratos de trabalho especificavam apenas
um veículo para o qual o jornalista trabalhava, enquanto que, na prática, como desdobramento
do curso, eles passaram a desenvolver conteúdo para vários veículos ao mesmo tempo.
Essa pendência legal foi resolvida com a criação do cargo de repórter multimídia
pleno, sem vinculação trabalhista a nenhum meio específico, capaz de produzir conteúdos
diferentes para diversos canais de informação, além de realizar funções de outros profissionais
como editor, produtor, cinegrafista e fotógrafo. É o mesmo modelo, segundo Costa Neto, do
grupo Infoglobo. Cohen explica que, primeiramente, foi necessário mostrar aos funcionários
que tal mudança não envolveria mais horas de trabalho:
A pessoa] acha que invés de trabalhar sete, vai trabalhar vinte e uma horas, e não é
isso. Dentro das sete horas dela, vai trabalhar para todos os veículos. Então vencido
essa etapa de mostrar para as pessoas que nada muda do ponto de vista da jornada, a
empresa passou um bom tempo, o que, aliás, era também um empecilho para a coisa
andar, estudando qual seria a melhor maneira de resolver o passivo jurídico. Até que
se chegou a um modelo de contrato multimídia que já foi assinado pelos jornalistas
do impresso e online. A TV ainda não assinou porque nos outros dois veículos não
havia impacto financeiro, foi só uma mudança do contrato de trabalho, mas na TV
ainda tem um impacto, alguns salários aqui precisariam mudar e a empresa ainda
não conseguiu absorver esse reajuste. (EDITOR DE MÍDIAS
CONVERGENTES).
Além dessas pendências trabalhistas, outro problema citado pelo diretor executivo
para uma diminuição de estratégias convergentes dentro da empresa foi a crise financeira que
atingiu diversos países em 2009. Costa Neto afirma que o grupo passou a operar com
prejuízos, uma vez que os financiamentos se tornaram mais caros e as dívidas foram sendo
postergadas. Foi neste momento que surgiu a experiência do ‘homem-banda’, jornalista capaz
de trabalhar sozinho para vários veículos, o que representou economia para a empresa.
Marcelo Silva, editor da TV Alterosa, ganhou este apelido dos colegas: por ser repórter de TV,
internet, cinegrafista e fotógrafo e carregar vários equipamentos, ele faz o papel de uma banda
completa. Até hoje, Silva é o único funcionário da emissora a possuir um contrato multimídia,
como o dos jornalistas do EM e UAI.
Essa experiência começou em 2009 com a cobertura, durante vinte dias, de uma
temporada de Cruzeiro e Atlético no Uruguai, pelo Torneio de Verão. O jornalista, que havia
participado no ano anterior do Programa de Formação em Mídias Convergentes, revela que a
101
viagem com uma equipe completa da TV Alterosa, com cinegrafista, repórter e iluminador
ficaria muito cara para a empresa naquele momento de recessão
A diretoria falou assim: eu quero mandar uma pessoa só que dê conta de fazer esse
serviço. Era janeiro, a decisão tinha que ser tomada, o chefe delegou a decisão, mas
os outros chefes não estavam presentes, estavam de férias. Aí quem vai dar conta?
Aí eu levantei a mão: eu dou. Então, resolvi encarar essa partida, o pessoal meio que
me mandou para teste, se dá conta ou se não dá. Até alguns amigos meus eram
contra essa decisão na época, porque, até certo ponto, se o doido vai conseguir fazer,
acaba que todo mundo vai fazer também. Qualquer viagem agora vai ter que ser
desse jeito, se ele conseguir fazer. Aí eu fui e consegui. Aí quando eu voltei, os
chefes já estavam de volta, ficaram empolgados com o resultado... [e resolveram]
criar mais uma equipe no programa, mas a equipe do homem só. Aí eu fui escolhido
para isso. (REPÓRTER MILTIMÍDIA).
Costa Neto confirma que não havia muitas expectativas neste primeiro trabalho do
homem-banda: “A empresa deu as diretrizes básicas e aí foi no ‘vamos ver no que vai dar’.
Não tem muito o que pedir, além do que o cara pode oferecer naquele momento. Então é um
processo de aprendizado.” Durante o primeiro ano de trabalho como repórter multimídia,
Silva produziu reportagens para a TV Alterosa e o UAI, além de ter mantido um blog no site
colaborativo do portal, o DZAÍ. Atualmente, este repórter multimídia do grupo Diários
Associados continua trabalhando sozinho, mas a produção é quase na totalidade para a TV.
Esta pesquisa se propõe a investigar, no próximo capítulo, justamente a produção deste
jornalista, tentando entender o que havia de convergente nestas matérias, a partir de conceitos
trabalhados no primeiro capítulo, e como as rotinas produtivas interferiam nesse trabalho.
Como já faz mais de um ano que esta experiência está em curso, é possível analisar os
resultados obtidos e a avaliação da empresa sobre ele.
Voltando ao histórico do processo de convergência dos Associados, a partir do
segundo semestre de 2010, com as finanças mais estáveis depois da crise, a empresa voltou a
investir e, entre as estratégias, foi lançado em setembro daquele ano, o site do jornal Estado
de Minas, o em.com.br. Uma matéria (DIÁRIOS ASSOCIADOS LANÇAM..., 2009) sobre o
assunto publicada no UAI trouxe o seguinte título: “Diários Associados lançam em.com para
reforçar convergência de mídias”:
A partir de segunda-feira, o Estado de Minas passa a ser mais forte na internet, com
o novo site em.com.br. Em mais um passo do grupo Diários Associados na
convergência de mídias, a nova página apresenta leiaute arrojado, com conteúdo
aprofundado, principalmente das notícias de Minas Gerais, e uma cobertura
102
completa
e
atualizada
dos
principais
acontecimentos.
(DIÁRIOS
ASSOCIADOS LANÇAM..., 2009)
De acordo com a reportagem, todo material noticioso é feito pelos jornalistas do
Estado de Minas e por uma equipe contratada para o em.com, somando cerca de 100
profissionais da comunicação, “se transformando na maior redação convergente do estado”
Segundo o diretor de redação do jornal impresso, Josemar Gimenez de Resende, o novo site
permite a integração real das redações: “A ideia é oferecer ao internauta notícias atualizadas
em tempo real, produzidas pelos repórteres das duas redações. Com isso, vamos oferecer uma
cobertura mais intensa, principalmente de notícias de gerais e política”. A matéria ainda traz a
opinião de Costa Neto:
O novo em.com é mais um produto que estamos oferecendo dentro do conceito de
convergência de mídias. Isso implica, inclusive, uma mudança da linha editorial do
jornal impresso, que passa a focar em matérias exclusivas e diferenciadas, deixando
para a internet o conteúdo factual, com atualização 24 horas. (DIÁRIOS
ASSOCIADOS LANÇAM..., 2009)
O em.com está hospedado no portal Uai, considerado o agregador de conteúdo do
grupo. A idéia era que os dois sites tivessem sido lançados na mesma época, mas faltou aporte
financeiro, explica o diretor executivo do grupo:
A gente apostou primeiro no UAI porque era uma maneira de nos diferenciar da
nossa concorrência. O em.com é o braço do jornal na internet, [...] a parte mais
pesada do hard news que está publicada no UAI. Não tem como o Estado de Minas
não ter uma presença na internet.(DIRETOR EXECUTIVO).
Em janeiro de 2011, o grupo anunciou (ESTADO DE MINAS..., 2011) o novo
investimento convergente: o jornal impresso lançou sua versão para iPad com conteúdos
exclusivos de vídeo, galeria de fotos e gráficos interativos. A versão para o tablet da Apple foi
divulgada como pioneira: “O Estado de Minas é o primeiro jornal de Minas Gerais, e um dos
primeiros do Brasil, a ter sua versão integral no tablet da Apple.” Este lançamento foi
acompanhado da versão para os smartphones: “A versão mobile do Estado de Minas reforça
sua intenção de levar a notícia aonde, como e quando o consumidor precisar.”
103
Em um caderno especial sobre os 83 anos do Estado de Minas, divulgado na edição do
jornal do dia 12 de março de 2011, a versão para ipad é atrelada ao conceito de convergência:
Toda essa tecnologia, agora acessível aos leitores, só é possível graças à política de
convergência implantada pelos Diários Associados, que acompanha uma tendência
mundial. A informação deve estar disponível em diversas plataformas. Portanto, um
vídeo produzido pela TV Alterosa alimenta o site do EM e também o ipad. (A
SEDUÇÃO DO IPAD. 12/03/11)
Esses últimos lançamentos e o fato dos jornalistas do em.com.br trabalharem não na
redação do impresso, mas na do portal UAI, situada no prédio da TV Alterosa, significou para
Cohen mais um passo importante no processo convergente, tanto do ponto de vista do
compartilhamento da informação como também de uma mudança na postura dos jornalistas
do impresso:
É um dos momentos mais favoráveis por esse ângulo para que a coisa comece a
acontecer no Estado de Minas. [...]. Com o em.com, as cabeças mudaram lá, hoje o
estado de espírito favoravelmente a convergência é outro. [...] Hoje o grande ponto
que tem acontecido é o de a gente andar mais rápido com a divulgação da notícia, a
gente está saindo super na frente na maioria das notícias. Porque você tem uma
redação muito forte no Estado de Minas, com uma ampla capacidade de magnetizar
a captação de informação. E o em.com está gerando benéficos para o jornalismo
digital do grupo. Isso de alguma maneira não acontecia antes.
(EDITOR DE
MÍDIAS CONVERGENTES).
Para fortalecer a presença do grupo na internet, a empresa pretende lançar, ainda em
2011, um novo site da TV Alterosa, mais moderno e com ferramentas que permitam uma
busca mais ágil pelo conteúdo e uma maior participação do público no compartilhamento de
fotos e vídeos. Benny Cohen acredita que o público já notou que a televisão possui
“tentáculos maiores” que ultrapassam a tela da TV e chegam à internet. Mas na web, o
telespectador sabe que não se limita à assistir, ele pode participar.
Claro que pra algumas pessoas isso está mais claro na cabeça, mas, pra massa, pra
grande maioria das pessoas, ela já sabe que isso não é só televisão. A TV Alterosa
não é só ligar ali no 5 ou no 18. Toda hora a gente fala: vai lá no nosso site e veja
outras informações. Hoje a classe C está começando a consumir muito a internet,
então, o próprio número de acessos do site revela que quando você entrega um
conteúdo bem produzido, o consumidor de informação agradece e usa. Essas
104
experiências
são
representativas.
(EDITOR
DE
MÍDIAS
CONVERGENTES).
Outra estratégia da emissora já em operação é o lançamento, a cada edição do
telejornal, uma enquete para que o público responda por meio de tweets. Geralmente os
assuntos selecionados são polêmicos e as respostas – cerca de oito por dia – são lidas ainda
durante a exibição do jornal do mesmo dia. Cohen destaca também a estratégia lançada há
dois anos no programa Alterosa Esporte, o qual pode ser acompanhado ao vivo pela internet,
inclusive na hora dos intervalos comerciais, quando os jornalistas e os três representantes dos
times conversam sobre assuntos variados. Durante todo o programa, o apresentador lê e-mails,
tweets e mensagens que chegam por outras redes sociais. De acordo com o editor de mídias
convergentes, são, em média, cerca de 800 colaborações por programa, o que o leva a fazer a
seguinte reflexão:
Porque o cara está vendo pela internet se ele pode ver pela televisão em uma
imagem muito melhor? Porque ele quer participar e a convergência se dá nesse
cenário. Esse é um exemplo máximo, de você estar fazendo um programa de TV,
assistindo pela internet com colaboração real time do telespectador. Eles acabam
interferindo
no
andamento
do
programa.
(EDITOR
DE MÍDIAS
CONVERGENTES).
Outra experiência bem-sucedida citada pelo editor de mídias convergentes é o
concurso Gata do Mineiro, realizado também pelo Alterosa Esporte. Cada time do estado é
representado por uma jovem, apresentadas ao público durante o programa. No entanto, para
escolher a mais bonita, a votação só é realizada pela internet.
A votação já está com quase cem mil pageviews e [...] não tem nem uma semana
ainda. O conteúdo que foi exibido antes, sobre o concurso, já gerou mais de
duzentos e cinqüenta mil pageviews. O concurso acontece fora da TV, ela só tem
servido como plataforma de vitrine, de exibição, de divulgação. Porque o concurso
efetivamente, o foco, é só na web e está funcionando super bem.
(EDITOR DE
MÍDIAS CONVERGENTES).
A presença dos telejornais na internet, seja por blogs ou sites de notícias, representa
para Leal (2009) uma intensificação à demanda cada vez maior de contato e participação do
105
telespectador. O autor vai além e acredita que hoje a internet influencie o telejornal. Assim
como já havia previsto Soulages (2002), cada vez mais, a tela da tevê se conforma de modo
semelhante a um portal da web, “individualizando o percurso do olhar do telespectador e
criando mais possibilidades de contato”. (LEAL, 2009, p. 101).
Embora os fluxos de informação estejam mais intensos não só entre a empresa e o
público, mas também entre os próprios veículos dos Associados, tanto Costa Neto quanto
Benny admitem falhas nessa interlocução. O editor de mídias convergentes exemplifica:
A gente ainda continua tomando muito balão do Estado de Minas, muito furo... Por
exemplo, nas ultimas três semanas, o Estado de Minas fez grandes matérias que
poderiam ter sido feitas de forma complementar com a TV e até com a internet, mas
não foram, o que é uma pena. Porque eu acho que ainda é um processo em
andamento.(EDITOR
DE MÍDIAS CONVERGENTES).
As dificuldades também foram relatadas pelo repórter multimídia:
A gente tentou outro dia uma matéria do Montijo que joga no Vila Nova, e por falha
de comunicação, o Estado de Minas não entrou [na apuração da reportagem]. O
Estado de Minas queria muito fazer a matéria, mas, é o famoso deixa que eu aviso...
não avisaram.(REPÓRTER
MULTIMÍDIA).
Para Costa Neto, tais ‘furos’ acontecem pelo fato de os jornalistas não estarem
integrados no mesmo ambiente, como defende Salaverría em seu modelo ideal de redação
convergente. Para o diretor executivo, o problema só será resolvido “com as pessoas no
mesmo ambiente de trabalho e com um fluxo de informação pré-estabelecido.”
Por isso, a grande aposta está na integração das redações, um projeto que vem sendo
pensado desde 2007, com a saída do portal UAI do prédio do Estado de Minas para o da TV
Alterosa. Inicialmente, a idéia era que os jornalistas do on-line trabalhassem com os da
emissora, mas, por falta de espaço, os primeiros foram instalados em outro andar. Havia um
prazo inicial de três meses para a reforma do prédio, todavia, nesse meio tempo, surgiu outro
projeto: de unir não só esses jornalistas, mas também levar para o novo espaço algumas
editorias do Estado de Minas, além das redações do jornal Aqui e da rádio Guarani. “Ela vai
ser uma newsroom com estúdio e postos de trabalho e vai unir as redações da TV, da internet,
da rádio, as editorias de Gerais e Esportes do EM e a redação do Aqui. É um projeto ousado,
não tem nada parecido na América Latina,” destacou Cohen.
106
Segundo o editor de mídias convergentes, foi contratado um projeto para a nova
redação e, em meados de 2008, começaram as obras para transformar um grande estúdio da
emissora nessa nova redação integrada. No entanto, a crise financeira de 2009 foi o motivo
alegado pela empresa para suspender todos os investimentos. Apenas no final de 2010 o
grupo retomou o projeto, uma vez que, segundo Costa Neto, parte das dívidas foram saldadas
e foi possível conseguir um financiamento para dar continuidade às obras. Há uma
expectativa otimista entre os diretores de inauguração desta nova redação no final de 2011 ou,
no mais tardar, no primeiro semestre de 2012.
A construção deste ambiente único, integrando jornalistas de vários veículos, é a
aposta do grupo para um melhor fluxo das informações e uma forma de combater as
resistências culturais, como acredita Cohen:
Tenho certeza de que quando essas editorias vierem para cá, vão vir em um clima
completamente diferente do que se isso acontecesse três anos atrás. [...] Acho que a
forma de se relacionar vai ser mais fácil. As resistências, que eventualmente podem
ainda existir, serão menores. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).
Opinião compartilhada pelo diretor executivo:
A gente acredita que a barreira de local de trabalho é uma barreira que impede o
desenvolvimento da convergência. Então, estando no mesmo ambiente, acho que até
as ideias favorecem para criação do trabalho. Cabe a gente dar estrutura jurídica para
que a coisa funcione dentro da legalidade. Eu acho que vamos ser um dos primeiros
grupos de comunicação do mundo a ter uma experiência como essa. Pode dar
errado? Claro que pode, não tem uma fórmula certa, mas a gente fez de uma maneira
inteligente, respeitando os prazos, com uma tecnologia robusta por trás, que permita
fazer essa construção multimídia da noticia. A nossa chance de acertar é muito
grande. (DIRETOR
EXECUTIVO).
Costa Neto acredita que a redação vai descobrir aos poucos como as informações
precisam circular de acordo com cada tipo de notícia. Quando uma informação chegar, a
proposta é que haja um responsável por distribuí-la entre os diversos veículos, uma vez que a
empresa defende postos separados de trabalho para os jornalistas. Por isso, explica o diretor
executivo,
vão haver pessoas que vão perpassar por essas baias e vão fazer o trabalho
multimídia. [...] Vai ter uma pessoa para separar o processo pra A, B e C. Sem um
processo muito bem detalhado para cada circunstância, não funciona. [...] A gente
107
vai criando essas rotinas ao longo do que a gente for amadurecendo sobre o processo
de convergência.(DIRETOR
EXECUTIVO).
A coordenação desta nova estrutura é justamente um ponto preocupante para a
empresa. O diretor executivo acredita que este profissional precise aliar habilidades humanas
e multimídias:
Eu acho que a principal característica desse cidadão é uma pessoa habilidosa. Porque
no primeiro momento vão se encontrar as redação da TV Alterosa, Estado de Minas.
O cara da TV Alterosa pode reclamar que está ganhando menos que os caras do
Estado de Minas para fazer a mesma coisa. Isso vai acontecer. Tem que ter um cara
habilidoso que explica que é um processo, vai acontecer com todo mundo, tem que
ter paciência, você está fazendo parte da história... Então é um cara que tem
habilidade pra contornar essas situações e um cara que tem uma sensibilidade
jornalística muito grande pra saber qual veículo ele vai ter que utilizar para
determinadas informações. Então é um profissional que é difícil de formar, de
encontrar no mercado. Então você tem que formar essa pessoa. É uma preocupação
grande. (DIRETOR
EXECUTIVO).
O repórter convergente ilustra como seria o funcionamento desta redação e o papel do
responsável por gerí-la: “[É] a figura do Dartanham: tinha os três mosqueteiros, Athos,
Porthos, Aramis: TV, internet e jornal. E teria que ter um quarto no meio da história que seria
o Dartanham, o editor de mídias convergentes pra tentar facilitar essa troca de figurinha.”
Para trabalhar nesse novo modelo de redação, não só o perfil do editor responsável
precisa ser multimídia, mas também o dos profissionais. Costa Neto criticou as universidades,
que, segundo ele, ainda não conseguem formar profissionais para este novo mercado
multimídia. Tanto para o editor convergente quanto o diretor executivo, será preciso apostar
em treinamento para os atuais funcionários. Cohen imagina como será o trabalho daqui em
diante:
Se ele é apurador, ele tem que lembrar que ele vai compartilhar essa informação, se
ele é produtor, ele sabe que pode se utilizar dos outros veículos ou trocar
informações com eles para geração de uma pauta melhor que vai nos beneficiar lá na
frente, quando a matéria vier pra casa. Se ele é editor, isso é óbvio, nem precisava
explicar porque o material vai subir para web. Se ele é editor responsável tem que
pensar, por exemplo, que aquilo que não cabe na TV, pode ser usado como calda
longa no site da TV. Então, por exemplo, você fala de vacinação contra a poli no
sábado, mas você não pode dar todos os endereços de postos de saúde, mas você
108
pode botar a relação no site. Você pode trazer informações complementares. Por
exemplo, Belo Horizonte ganha cinqüenta radares hoje. Você não pode dar o mapa
desses radares todos, mas você pode relacionar na web. Desde este nível mais
simples, digamos assim, até situações mais complexas, de, por exemplo, adiantar
matérias, o editor tem que ter a sensibilidade daquilo que vale a pena adiantar pra
web
e
depois
trabalhar
na
TV.
(EDITOR
DE
MÍDIAS
CONVERGENTES).
Todos os exemplos citados por Cohen se referem à prestação de serviço, com
informações sobre endereços de postos de saúde, localização de radares pela cidade etc. Um
acompanhamento30 realizado por esta pesquisa durante uma semana do Jornal da Alterosa 1º
edição revelou que esta estratégia ainda predomina, de chamar o telespectador para o site da
emissora oferecendo apenas esse tipo de informação. Disponibilizar imagens inéditas ou
informações que não se refiram apenas à prestação de serviço, embora seja parte do discurso
oficial do grupo, ainda não se transformou em prática recorrente.
Contratar mais profissionais que possam elaborar estratégias para a internet é um dos
objetivos da empresa. Aliás, para as novas contratações vão ser buscadas, cada vez mais,
características multimídias nos jornalistas, como enfatiza Cohen:
[...] espírito jovem, novo, (pessoas) que estejam abertas às novas tecnologias.
Pessoas que já são dessa geração digital, que já estão fazendo de tudo na web e que
já lidam com câmera de celular e outras coisas com uma naturalidade que lhes é
peculiar, que é inerente mesmo, que eles nascem fazendo isso.
(EDITOR DE
MÍDIAS CONVERGENTES).
As últimas contratações realizadas dentro dessa concepção foram bem-sucedidas,
segundo o editor, uma vez que
você não tem que fazer aquele processo de tirar o cara da máquina de datilografia,
que está lutando contra o computador e, basicamente, usa o computador como
máquina de escrever e não como uma ferramenta maravilhosa que é, com tantas
oportunidades. Para uma pessoa que já lida com isso [...] você só tem que trabalhar
outras coisas. Então o processo já chega lá na frente. Às vezes você tem problemas
que são, aliás, problemas eternos da nossa categoria profissional, de pessoas que
fazem tudo isso, mas escrevem mal, não sabem a língua portuguesa. Isso vale para
velhos e novos jornalistas. Então não é um privilégio dessa galera nova, mas eles,
30
Acompanhamento realizado entre os dias 2 e 6 de maio de 2011.
109
pelo menos, chegam dominando essas coisas todas.
(EDITOR DE MÍDIAS
CONVERGENTES).
Mesmo sendo esse o perfil almejado pelas empresas, Costa Neto acredita que nem
todos os jornalistas possuem essa característica multimídia, por isso, o jornalista especialista
em determinado assunto, para trabalhar em determinado veículo, também não está descartado:
“A especialização não vai perder sentido no nosso negócio, pelo contrário, cada vez mais
você tem que ser profundo porque as pessoas buscam informação agora com mais
profundidade; elas sabem mais do que sabiam antigamente. Então acho que vai ter uma
coexistência dessas duas forças de trabalho.” A empresa tem buscado uma união entre aqueles
com experiência jornalística e os que dominam o mundo digital. Cohen acrescenta que,
mesmo para os ‘estranhos’ a esse ambiente digital, “em maior ou menor grau, a pessoa tem
que, o tempo todo, estar pensando na convergência de alguma maneira, em algum sentido. Por
algum ângulo dá para ele pensar, seja em que função for.”
Desde o início do projeto convergente, em 2006, até agora, depois de várias
experiências, Costa Neto resume que o processo só flui quando calcado em três pilares:
comando único entre as redações, tecnologia e capacitação de pessoas.
Toda vez que você teve essas três coisas, mesmo que fosse pontual, a coisa
funcionou. Quando falta uma dessas três coisas não funciona. Ah, ‘não tem
tecnologia’, ‘não tem estrutura’, ‘o meu chefe não quer que eu faça isso’ ou a pessoa
não está capacitada pra fazer. Então quando você tem essas três coisas
pontualmente, você tem resultados pontuais que dão a confiança de que a coisa pode
funcionar.
(DIRETOR EXECUTIVO).
Confiança que está presente no discurso do editor convergente, para quem os
Associados possuem um projeto inédito: “geralmente os projetos de convergência lidam com
impresso e web, mas aqui é a primeira experiência conhecida. E olha que eu vasculho isso
diariamente, eu não conheço um projeto que esteja integrando TV com web, com impresso e
rádio.”
O intuito final é transformar informação em conteúdo e a redação em uma fábrica:
Quando a gente fizer essa redação multimídia, esse ambiente vai ser visto como uma
fábrica de conteúdo [...] altamente moderna, com processos novos e vai conseguir
110
produzir o conteúdo para várias plataformas, com várias linguagens, do popular ao
mais sofisticado. [...] Hoje nós somos um grupo de veículos, um grupo de
comunicação, mas nós vamos ser uma fábrica de conteúdo multiplataforma
publicando em marcas de relevância. (DIRETOR
EXECUTIVO).
Cabidelli e Mavignier (2009), ao estudarem parte deste movimento convergente nos
Associados, concluíram que pouco havia sido feito para estimular a convergência no cotidiano
e cada profissional enxergava o processo de uma forma distinta. Eles chamaram atenção para
o fato de alguns veículos, principalmente o jornal impresso, possuírem atitudes concorrenciais
dentro do mesmo grupo. Na prática, os pesquisadores perceberam que alguns profissionais do
jornal se sentiam receosos com as mudanças, já que elas possibilitavam o ‘vazamento’ de
informações para outros veículos, colocando o ‘furo’ em risco.
No mesmo ano, outro trabalho desenvolvido por Coelho et al (2009) analisou o
processo de convergência dentro do portal UAI e também verificou que as matérias do Estado
de Minas e Alterosa só eram disponibilizadas no Uai depois de veiculadas em seus suportes
de origem – mais uma vez, a interferência da cultura profissional do ‘furo’. Na avaliação dos
autores, o esforço na articulação entre as redações da editoria Minas do impresso, o portal e a
TV produziu apenas notas ou pequenos textos postados no UAI ou notas secas veiculadas na
Alterosa. De acordo com a pesquisa, não ficou clara a existência de um planejamento na
cobertura jornalística, tendo em vista a produção de um produto final, uma reportagem, para
um dos dois meios. A informação publicada em um veículo era apenas transposta para outro.
A análise revelou ainda que os repórteres da editoria Minas, mesmo carregando o
título de repórter multimídia, tinham poucas oportunidades de desempenhar a função porque
estavam restritos ao ambiente da redação. A apuração era realizada por telefone e, muitas
vezes, havia apenas adaptação do conteúdo de agências. Para os autores, o portal UAI estava
muito preso à transposição de materiais de outros veículos do grupo, o que vai contra o
processo de convergência, que prega a complementaridade entre os diferentes suportes.
Percebe-se, pelas entrevistas aqui apresentadas, que a empresa já percebeu a resistência por
parte de alguns profissionais e passou a adotar medidas para criar um ambiente de confiança
para a troca de informações. Em relação à transposição de conteúdos, hoje a proposta é que as
informações sejam mais bem aproveitadas, principalmente, quando a redação integrada sair
do papel. Estes dois aspectos levantados pelas pesquisas citadas acima são realmente pontos
nevrálgicos no processo convergente que a empresa tenta levar adiante.
111
Com todos esses projetos, fica claro que os Diários Associados estão apostando alto
nas inovações tecnológicas e na integração de redações com o intuito de levar a notícia para o
público no formato e a hora que ele desejar, tentando atingir assim, um equilíbrio do
‘negócio’ jornalismo. Estratégias que seguem tendências de outros grupos de comunicação do
Brasil e exterior, mas que, por enquanto, não passam de experimentações que vão apontando
caminhos, como descreve Costa Neto:
O curso de convergência e as matérias que os jornalistas produziram depois para
vários veículos foi um processo de aprendizado muito bom, que nos deu coragem de
dar um passo maior. Se aquilo não desse certo, a gente não daria um passo pra um
investimento tão grande como nós vamos fazer agora. Então a história vai contar
isso, hoje nós estamos muito no calor do que foi feito, então a empresa não pode
cobrar uma coisa que não existe ainda. Por outro lado, o cara que tem que estar
produzindo para entender isso, tem que ter essa sintonia. Mas eu não tenho dúvida
de que o que nós vamos fazer aqui vai ser inédito no mundo. Não é porque nós
somos melhores do que as outras pessoas não, mas porque a conjuntura e a
oportunidade nos leva a poder fazer uma coisa diferenciada. Conjuntura de ter um
portfólio multimídia, de ter um DNA de internet muito forte no grupo, pelo fato de
quem está gerindo a empresa ser oriundo da internet também ajuda um pouco esse
entendimento, e de ter veículos tão fortes nos seus segmentos. Então se você somar
isso tudo e usar esses exemplos que a gente teve, vão dar uma boa mistura.
(DIRETOR EXECUTIVO).
No meio desse processo está o jornalista que recebe novas funções, mas que, muitas
vezes, não entende ou compactua com os conceitos de convergência imaginados pelos
empresários e não sabe como produzir para este novo mundo. É aí que entram as experiências
individuais de profissionais que vão tentando achar o caminho, na base da tentativa e do erro,
atuando muitas vezes sozinhos na descoberta de narrativas e rotinas que tentem se enquadrar
nas expectativas convergentes das empresas.
Diante de todo o histórico de convergência do grupo e dos planos futuros, fica claro
que o processo reforça o jornalismo como ‘serviço’, não para um público, mas a
‘consumidores de informação’. A citação de Barbosa (2001) resume bem essa visão: “O
jornalismo se tornará uma profissão que fornece serviços, não a coletivos, mas, primeiro, aos
indivíduos, e não unicamente em sua capacidade como cidadãos, mas também como
consumidores, empregados e clientes” (BARDOEL; DEUZE, apud Barbosa, 2001.)
112
3.2 Especificidades e convergências entre TV, Portal e Blog nos Associados
Se neste momento os Associados vislumbram uma distribuição de informações
envolvendo todos os veículos – impresso, rádio, TV e internet –, com a construção da redação
integrada, no início do processo a base das experimentações envolvia apenas TV e internet. É
importante esclarecer que as notícias do UAI tinham como fonte, sobretudo, aquelas
publicadas no Estado de Minas. Mas essa transposição do material, com algumas adaptações
de texto, era vista como algo natural e não como uma estratégia típica de convergência
midiática.
Mesmo com essa tentativa de aproximação do impresso e do rádio ao movimento já
iniciado entre TV e web, ainda hoje o portal é encarado pela empresa como o melhor espaço
para exemplificar essa convergência de conteúdo produzido pelos vários veículos, como
explica Costa Neto:
O conceito do UAI é de um agregador dos Diários Associados. É no UAI que a
convergência vai acontecer. É onde a matéria vai encontrar com o vídeo, que vai
encontrar com a coisa jocosa, que vai encontrar com o ensaio de foto sensual, que
vai encontrar com os guias de serviço. (DIRETOR
EXECUTIVO).
Essa visão da internet como espaço próprio da convergência pode ser explicada pelo
fato desse processo ter sido encarado, por algum tempo, como uma das características do
jornalismo on-line e não um processo mais amplo, de compartilhamento de informações entre
vários dispositivos. Quem traz essa definição é Palácios et al (2002) ao estabelecer cinco
características para o webjornalismo – embora seja evidente que nem todas elas sejam
exclusivas, uma vez que também podem ser identificadas em outros suportes. Entretanto, é
fato que esses elementos são potencializados na prática do jornalismo online.
As características elencadas pelos autores são: interatividade (capacidade de fazer com
que o leitor/usuário sinta-se parte do processo, seja pela participação na construção/opinião de
uma notícia ou pela navegação no hipertexto); hipertextualidade (possibilidade de
interconectar textos através de links), personalização (opção oferecida ao usuário para
configurar os produtos jornalísticos de acordo com os seus interesses individuais desde a préseleção dos assuntos à apresentação visual dos mesmos); memória (há espaço praticamente
113
ilimitado para o material noticioso além da disponibilização imediata de informação
anteriormente
produzida
e
armazenada,
através
de
material
de
arquivo)
e
multimidialidade/convergência. Nota-se que convergência e multimídia são empregadas como
sinônimos para se referir “à convergência dos formatos das mídias tradicionais (imagem, texto
e som) na narração do fato jornalístico.” (PALÁCIOS, 2002, p.5). Conceito em harmonia com
a visão de convergência exemplificada pelo diretor executivo dos Associados.
Por essas aproximações, torna-se necessário para esta pesquisa trazer algumas
considerações sobre jornalismo na web, principalmente aquele realizado em portais e blogs,
alvos do repórter convergente do grupo, além de certas características do jornalismo
televisivo, visto que este profissional tinha como intuito produzir e distribuir, ao mesmo
tempo, informações para TV e web.
O jornalismo on-line deixou de ser apenas ‘outro meio’ de se repassar informações e
se torna cada vez mais autônomo. De lugar para onde se deslocava o material velho, significa
agora um espaço valioso para a produção do jornalismo. Marcondes Filho (2009) acredita que
a grande imprensa tem se beneficiado das facilidades da transmissão direta e instantânea e do
maior acesso do público; provando, na visão do autor, que o jornalismo on-line converge mais
que substitui e se mostra, para os meios antigos, mais como oportunidade do que como
inimigo.
Elias Machado (2000) também compartilha a visão de que há mais benefícios que
pontos negativos na relação entre web e outros veículos. A hegemonia de um meio, mais que
a negação imediata de uma cultura anterior, provoca uma adaptação do entorno social e uma
convivência com as diferentes culturas. Para ele, o jornalismo na internet representa a
adaptação de uma modalidade específica de conhecimento da realidade à tecnologia de
transmissão digital, isto é, uma adaptação do jornalismo impresso – e até do televisivo e
radiofônico – para o ambiente virtual.
De acordo com a evolução tecnológica e de linguagem, já são identificadas três
gerações do jornalismo praticado na internet. Embora a divisão não demarque rigidamente a
passagem de uma fase a outra, ela ajuda na identificação de traços e padrões recorrentes.
Mielniczuk (2003) aponta que, nos primeiros anos de 1990, o webjornalismo era
caracterizado pelo modelo transpositivo, isto é, os produtos oferecidos, em sua maioria, eram
reproduções de partes dos grandes jornais impressos, que passavam a ocupar espaço na
Internet. Este material era atualizado a cada 24 horas, de acordo com o fechamento das
114
edições do impresso, não havendo, portanto, qualquer rotina de produção específica para a
internet.
Com o aperfeiçoamento e desenvolvimento da estrutura técnica da web, pode-se
identificar uma segunda fase: a da metáfora. A referência ainda são os impressos, mas esses
passam a servir como metáforas para os produtos criados, que começam a apresentar
experiências na tentativa de explorar as características oferecidas pela rede. Nesta fase,
mesmo ainda sendo transposições do impresso para a Web, começam a surgir seções ou
editorias para abrigar notícias de fatos que acontecem no período entre as edições (chamadas
de "Plantão" ou "Últimas Notícias"); a comunicação entre jornalista e leitor ou entre os
leitores começa a se dar mais sistematicamente a partir de e-mails, enquetes e fóruns; e a
elaboração das notícias passa a explorar, ainda que de forma limitada, os recursos oferecidos
pelo hipertexto.
O cenário começa a modificar-se com o surgimento de iniciativas tanto empresariais
quanto editoriais destinadas exclusivamente à Internet. São sites jornalísticos que extrapolam
a ‘versão para a web’ de um jornal impresso e exploram o hipertexto (este se apresenta mais
que uma ferramenta, tornando-se parte integrante da narrativa); os recursos multimídias
(animações, fotos, vídeos e infográficos são elementos comuns da narrativa) e tornam-se mais
comuns chats, enquetes e fóruns de discussão. É importante ressaltar, ainda no âmbito desta
terceira geração, a emergência do chamado jornalismo participativo, que pressupõe a
“incorporação dos usuários no processo de produção e alimentação do conteúdo, seja por
meio de comentários, envio de textos, fotos, vídeos, sugestões e críticas.” (BARBOSA, 2005,
p.126).
Nota-se que o caminho percorrido desde as primeiras experiências até o estágio atual
coincide com a trajetória evolutiva da própria internet. Com mais ferramentas e recursos de
linguagem foram criados ambientes cada vez mais complexos de informação. Os portais
representam hoje estes espaços que oferecem ampla gama de conteúdo multimidiático,
diversidade de fontes e uma série de serviços, se apresentando como a porta principal de
acesso para orientar a navegação do usuário pela rede. Foram os americanos que criaram e
batizaram esses sites de “portais”. O ano de adoção desse modelo no Brasil foi 1998.
(BARBOSA, 2001).
Essas páginas centralizam informações gerais e especializadas, serviços de e-mail,
canais de chat e relacionamento, shoppings virtuais e mecanismos de busca na web. Tamanha
115
diversidade convive com um elemento comum – a informação noticiosa. “Os portais são
mesmo emissores de grande conteúdo e neles o jornalismo é uma das maiores fontes de
geração de tráfego e acesso.” (BARBOSA, 2001, p. 9). Além das edições on line dos jornais
impressos, esses portais possuem equipes de jornalistas que garantem conteúdo próprio.
Esses portais se apresentam como alternativa para o excesso de informações
disponíveis na rede, atuando como intermediários, mediadores. Realmente não é possível
acompanhar tudo o que está disponibilizado, mas, ao filtrarem e selecionarem o conteúdo, os
portais tiram a possibilidade de acompanhar um fato a partir de diferentes ângulos, deixando
ao usuário a tarefa de confrontar a informação.
Esses mega portais vão abrir caminho para o surgimento de uma outra modalidade –
os portais locais, mais verticalizados, que se concentram na oferta de conteúdo e serviços
direcionados a uma localidade específica. Sites de conteúdo local começaram a surgir,
inicialmente, no Estados Unidos, em 1998. Um ano depois a web nacional passou a abrigar
também produtos com essa característica, e, atualmente, muitos se espalham por diversas
cidades.
Entre os exemplos podemos citar o portal UAI, que parte desse princípio da
proximidade da informação com determinado público. O site do grupo informa que o UAI é
“o maior portal de notícias e conteúdo online para Minas Gerais, além de oferecer aos
mineiros e a outros internautas de qualquer parte do país acesos a e-mails e vários serviços
úteis para quem quer navegar na internet”. A experiência mineira foi exportada para outros
estados brasileiros. Os Associados fecharam parcerias com jornais regionais para oferecer o
mesmo estilo do UAI: no Rio Grande do Norte, o grupo é proprietário do DN Online, em
parceria com o impresso Diário de Natal. Na Paraíba, os jornais O Norte e Diário da
Borborema se associaram ao portal do grupo O Norte Online; e no Maranhão a página da
empresa é o Imparcial On line, fruto da parceria com o impresso O Imparcial.
Essa lógica da regionalização também orienta um dos canais mais populares do grupo
Associados: o Superesportes, que pode ser acessado tanto pelo UAI quanto pelo endereço
superesportes.com. Na página inicial, é possível escolher a região da qual se quer ter notícias
esportivas: MG, DF, RJ ou PE. Era para o Superesportes mineiro que o repórter convergente
compartilhava as informações durante seu trabalho. A este jornalista ainda cabia a tarefa de
alimentar outro canal digital dos Associados: o blog Mochilão do Esporte, hospedado no
Dzaí, site colaborativo do UAI.
116
A criação deste site como espaço para o público se mostrar por fotos, vídeos ou textos
faz parte, segundo Machado (2000), de uma nova modalidade de jornalismo, que reúne em
um único suporte a difusão de todas as formas de expressão da subjetividade. Tais páginas
apresentam inúmeras potencialidades para atrair os usuários, dando-lhes a sensação de
participar daquele grupo, principalmente, se o gerenciador do blog aproveita algumas
informações para publicá-las, como acontece na página principal do UAI, quando os blogs
viram atração da capa do portal. “Muito são blogs de internautas comuns, não são dos
‘vips’31. Hoje, por exemplo, entrou essa casa lá em Paracatu feita de garrafa pet, projeto
ecológico... coisas que pessoas comuns mandam e que vão para destaque na capa do portal,”
exemplifica Benny Cohen.
O editor de mídias convergentes explica que esse trabalho é realizado por um núcleo
no portal UAI formado por cinco jornalistas (dois responsáveis pelo site da TV e três
responsáveis por monitorar o Dzaí) que, além de destacarem a produção do público, são
responsáveis por identificar algo que possa ser utilizado em outro veículo e, imediatamente,
informar ao editor responsável daquele suporte sobre o material. O conteúdo colaborativo da
internet enviado para a TV, por exemplo, depois pode retornar à web, em um processo
convergente, como exemplifica Cohen:
O [conteúdo] colaborativo tem um papel fundamental que se dá por meio da
convergência. Por exemplo, a pessoa gravou um acidente na rua ou um flagrante de
assalto. Ela vai no Dzaí, sobe aquele conteúdo e [..] de acordo com as cláusulas do
Dzaí, o conteúdo que ela subiu pode ser usado por qualquer um dos veículos dos
Diários Associados. Então você tem um cidadão colaborando com o conteúdo que
ele captou, que passa pela web e vai morrer aqui na televisão. E aí com todos os
desdobramentos, porque depois esse conteúdo volta para web já rearrumado em uma
reportagem, pode ter suíte... Dependendo da grandeza do fato noticiado, tudo pode
acontecer. (EDITOR
DE MÍDIAS CONVERGENTES).
Todavia, percebe-se que boa parte desse conteúdo só se legitima através de formatos
estéticos ou editoriais já estabelecidos na prática jornalística regular da empresa. De qualquer
forma, o formato jornalístico padrão e os critérios de noticiabilidade já estão enraizados de tal
forma que o próprio público tende a imitá-lo para garantir a inserção de seu conteúdo.
31
Ao citar ‘vips’, Benny Cohen se refere a especialistas ou pessoas reconhecidas em suas áreas como cantores,
advogados, diretores de grandes empresas ou até mesmo clubes de futebol que mantém blogs no Dzaí.
117
A incorporação do público ao processo de produção de notícias também é defendida
firmemente por Varela (2007), que acredita que o jornalismo atual não deve ser um envio
unidirecional de mensagens de poucos para muitos, mas uma conversa com o público; o que
representa uma grande mudança cultural para o jornalismo. É essa lógica que vai definir a
atualidade dos meios: eles não são tradicionais porque são impressos, televisivos,
radiofônicos ou digitais, mas, sim, por seus valores e pelo jornalismo que praticam,
independentemente do meio em que são difundidos.
A partir dessa visão, as notícias do futuro seriam mais uma conversação do que uma
conferência, porque cada vez mais, os consumidores da informação querem ser também
produtores dela e opinar sobre o que acompanham. “Essa idéia do jornalismo como
conversação é o que sustenta os meios sociais de comunicação. O importante é falar, discutir
entre todos para que as idéias sigam adiante” (VARELA, 2007, p.74).
A participação do público no processo de produção jornalística já foi explorada no
capítulo anterior desta pesquisa e, portanto, não cabe neste momento, recuperar as críticas
apresentadas. Entretanto, ressaltamos que essa participação nas diferentes fases da produção
noticiosa varia de acordo com interesses editoriais e econômicos de cada empresa, que podem
estar relacionados à obtenção de conteúdo gratuito, à redução de custos e a uma estratégia de
imagem para se mostrar mais receptiva à opinião do público.
Varela (2007) analisa que alguns conflitos no modelo jornalístico atual explicariam o
sucesso do diálogo e de uma visão mais particular dos fatos, tão valorizada em blogs, redes
sociais e portais de notícias. A objetividade, uma habilidade que os jornalistas aprendem para
contar a realidade de uma maneira mais neutra e imparcial, estaria em crise, uma vez que é
difícil falar em objetividade diante da grande quantidade de informações circulando, além do
desafio de se chegar a uma verdade prática em um tempo oportuno. Por isso, segundo o autor,
aumenta-se o valor do ponto de vista individual e mais ainda o da comunidade. Aliada a esta
crise do valor da objetividade, o autor acredita estarmos caminhando para uma direção mais
marcada por análises e comentários, “mais próxima ou contaminada pela opinião” (VARELA,
2007, p.77), que estaria ligada ao surgimento do ato de blogar.
Orihuela (2007) classifica o blog como primeiro meio nativo da web, por ser
centralizado no usuário e nos conteúdos, e não na programação ou no design gráfico.
Justamente por isso a ferramenta atraiu tantos internautas interessados em disseminar
conteúdos atualizados e sem intermediários. Os blogs são podem ser descritos como um
118
conjunto de anotações curtas (posts) ordenado a partir de uma cronologia inversa (os textos
mais recentes aparecem primeiro), no qual cada texto possui um endereço URL permanente,
facilitando a conexão a partir de sites externos. Desde seu surgimento32, os blogs estão cada
vez mais segmentados em torno de determinadas temáticas, o que facilita a rede de conexões
que une algumas páginas a outras. Alonso (2007) considera que blogs mais influentes sejam
capazes de disseminar informações muito rapidamente, atuando como nós conectores de uma
rede muito extensa.
Se os blogs surgiram inicialmente com uma concepção de diário íntimo na internet,
um espaço no qual os usuários vão tratar de questões pessoais, pertencentes ao terreno da
intimidade, embora exposta ao público, hoje algumas empresas também já se utilizam das
oportunidades que este meio apresenta, como ter acesso a opiniões sobre ela mesma, seus
produtos e os dos concorrentes, além de apoio para as campanhas publicitárias on-line.
Tamanha foi a propagação dessa ferramenta que empresas de rádio, TV e jornal
impresso também se sentiram impulsionadas a apostar no formato de blogs como parte dos
conteúdos on-line ou como formato para determinadas coberturas. Varela (2007) aponta na
imprensa o jornal The Charlotte Observer’s como o primeiro a empregar, em 1998, o formato
de blog para fazer a cobertura do clima de desolação causado pelo furacão Bonnie, nos
Estados Unidos.
Orihuela (2007) acredita que “diante da realidade jornalística, o blog possui uma
resposta mais rápida, mais impressionista e mais pessoal do que os meios de comunicação
tradicionais.” (ORIHUELA, 2007). Isso fica explícito na opinião do repórter convergente dos
Associados, para quem o Mochilão do Esporte, blog mantido por ele, representa uma
diversificação do conteúdo e formato jornalístico do UAI: “precisava de um conteúdo
diferente, ou seja, eu poderia escapar de fazer as mesmas coisas que o Uai. [...] Quando estou
(operando) na câmera, estou focalizando a terceira pessoa, não a mim. Então no blog eu posso
falar mais de mim.”
32
Para Orihuela (2007), o primeiro blog foi a página What’s new in ’92 criada em 1992 por Tim-Berners Lee
para divulgar as novidades do projeto World Wide Web. Já Varela (2007) considera como primeiro blog o de
Dave Winer de 1996, criado para a maratona “24 horas para a democracia”, um encontro virtual realizado para
dar apoio ao livre discurso na internet. No entanto, ambos apontam para a importância do blog Robot Wisdow,
criado em 1997 pelo ativista social Jorn Barger, o responsável por cunhar o termo ‘weblog’ uma contração entre
web (página na internet) e log (diário de bordo), embora hoje o termo mais usado seja apenas blog.
119
No Brasil, todas as emissoras nacionais abertas – Rede Bandeirantes, Rede Globo,
Record, Rede TV e SBT – possuem sites na internet33, mas Rede TV e Record não oferecem
blogs. O SBT é a emissora que mais possui blogs: 18, mas todos referentes a programas,
novelas ou atrações musicais, sendo que não passam de 'chamadas' para as próximas exibições
ou resumos do que foi ao ar. Apenas o blog do SBT Brasil tem autor definido: o
correspondente nos EUA Marcelo Torres escreve sobre os bastidores das matérias que vão ao
ar no telejornal. A Band possui 14: 5 são classificados como de jornalismo (escrito por
jornalistas da emissora), 5 de esporte e 4 de entretenimento. A Globo oferece 12 sobre
assuntos diversos, como economia, política, cultura (mantido por jornalistas da emissora
como Cristiana Lobo, Zeca Camargo, Geneton Moraes Neto ou atores como Dan Stulbach) e
6 blogs relacionados a programas como Fantástico, Jornal da Globo, Globo News, e Jornal
Nacional.
Hoje mais consolidados entre os meios de comunicação, os blogs jornalísticos são alvo
de críticas por teóricos como Marcondes Filho (2009), para quem a blogosfera tem
contribuído consideravelmente para difundir um jornalismo de assertivas, que opera com
informações rápidas e que, muitas vezes, não são verificáveis. O jornalismo de blogs ainda
aumenta a possibilidade de manipulação e inserção de boatos, já que o público nem sempre
tem tempo de checar ou não possui informações para questionar. Para o autor, os blogs são
um jornalismo de autoria, “partidário e parcial, separando-se, claramente, do jornalismo dito
‘independente’ das grandes redações.” (MARCONDES FILHO, 2009, p.60).
Entre os jornalistas, uma pesquisa realizada por Schittine (2004) com um grupo desses
profissionais que escrevem blogs revelou que enquanto os blogueiros manifestam um desejo
de escrever como jornalistas, estes profissionais buscam uma escrita mais leve, menos
informativa e mais ficcional do que aquela que realizam no dia-a-dia. Schittine (2004)
acredita que a fuga de textos jornalísticos tem como principal motivação o fato de o jornalista
não se ver 'cerceado' pela instituição do meio de comunicação em que escreve. A sugestão de
pauta, o texto em si, é de autoria apenas do jornalista; ele é o único responsável pelo que está
escrevendo, sem ter um redator ou editor para modificar seu texto antes de ser publicado. Para
Schittine (2004), embora jornalistas e não-jornalistas acreditem estar fazendo o que se
propõem, os blogs, em geral, acabam sendo um “meio caminho entre ficção e informação,
33
Pesquisa realizada no dia 20/01/2011 nos sites: band.com.br; rederecord.com.br; globo.com.br; sbt.com.br;
redetv.com.br.
120
entre o jornalismo e o escrito íntimo, isso quando não misturam bastante uma coisa com a
outra.” (SCHITTINE, 2004, p.156). O blog Mochilão do Esporte do repórter convergente dos
Associados se encaixa exatamente nessa mistura de notícias e impressões pessoais sobre os
mesmos.
Nos Associados, todos os blogs, de jornalistas da empresa, personalidades ou do
público comum, estão hospedados no Dzaí. Entretanto, cada veículo destaca em seu site
aqueles que o interessam. O Estado de Minas, em sua página na web, divulga 21 blogs34, de
convidados e jornalistas da empresa. Já o portal Uai destaca outros 33 em sua página de
blogs. Ao acessar qualquer um deles, o usuário é redirecionado para a página do Dzaí que
congrega todos eles. Geraldo Teixeira da Costa explicou que alguns blogs surgem por
iniciativa do próprio funcionário, como no caso do repórter convergente, enquanto outros são
uma demanda da empresa. Identificados temas que o grupo considere estratégico (automóveis,
cultura, educação, meio ambiente etc), são selecionados, entre os jornalistas, aqueles que
serão responsáveis pela página. Ou seja, um olhar pessoal e ‘obrigatório’ sobre os fatos.
Além de manter o blog e alimentar a seção de esportes do UAI, o repórter convergente
também produzia para televisão. Portanto, cabe neste momento, uma análise mais detalhada
sobre as narrativas televisivas e o trabalho dos videorrepórteres, profissionais que trabalham
sem as tradicionais equipes de reportagem.
O telejornalismo foi, aos poucos, construindo parâmetros particulares para sua
produção, revelando hoje alguns paradigmas próprios, como “a lógica da velocidade; a
preferência do ‘ao vivo’; a popularização e o expurgo pela reflexão.” (MARCONDES
FILHO, 2000, p.60). Hoje o telejornalismo “passou a se estruturar a partir da articulação entre
imagens e sons, entre linguagens visuais e sonoras, sobre determinadas pelos meios técnicos
de produção, circulação e consumo dos produtos televisivos.” (CURVELLO; DUARTE,
2009. p.69).
Os telejornais cercam-se de estratégias discursivas e mecanismos expressivos para
garantir efeitos de credibilidade, autenticidade e sentido de verdade de que carecem. Leal
(2009) analisou as notícias exibidas no Jornal Nacional, cuja análise também pode ser
aplicada a outros telejornais. Para o autor, os telejornais apostam na repetição de fórmulas
consagradas como uma maneira de identificação e convencimento do telespectador. Ao ser
34
Pesquisa realizada no dia 16/04/2011 nos sites em.com.br; dzai.com.br; uai.com.br
121
repetido, dia a dia, notícia a notícia, os programas criam um modo de narrar que, mesmo
mudando edições e personagens, o telespectador sabe identificar. Entre esses modos de narrar
estão a personalização dos fatos, com a apresentação de personagens; a utilização de imagens
externas que se constituem como cenários típicos de determinados assuntos, como mostrar o
Palácio do Planalto ao falar sobre Poder Executivo ou gôndolas de supermercados, sobre alta
de preços ao consumidor e, no esporte, usar os gramados e traves de gols como cenário. Essa
repetição de fórmulas dá ao jornalista a sensação de que o público já conhece aquele assunto,
como explica Silva. Em suas matérias convergentes, ele partia do pressuposto que o
telespectador já possuía um conhecimento sobre o tema:
Como o telespectador do Alterosa já conhece o assunto, já vou produzindo e
editando nesse sentido. Mas quando estou em um lugar diferente, que não é Belo
Horizonte, aí eu tento apresentar. Ah, aqui pode beber cerveja, lá em Belo Horizonte
não pode beber cerveja. Aqui tem muita mulher, aqui tem até cachorro dentro do
estádio. (REPÓRTER
MULTIMÍDIA).
Leal (2009) compartilha um conceito de Mouillaud (2002) para quem mesmo todo o
esforço narrativo ao construir uma notícia não é suficiente para apreender a totalidade e
complexidade do mundo que enquadram. Ainda assim, segundo o teórico francês, as notícias
tentam dar conta, linearmente, de toda a dinâmica do acontecimento a partir de seus
fragmentos, organizados segundo o saber jornalístico. Dessa forma, o visível seria o “fato”
que chega ao leitor e, diante da impossibilidade de se apreender a totalidade do
acontecimento, os outros fragmentos permaneceriam como uma sombra, o invisível.
Para Coutinho (2009), as notícias também não são uma transmissão fiel, um espelho
do real, desvelando a cada edição, uma janela para visualizar o mundo. Ao contrário, defende
que o telejornal constrói o mundo por meio de sua janela particular, por meio de textos, sons e
imagens, respeitando desde as características intrínsecas ao meio às diretrizes relacionadas à
política editorial da emissora.
As matérias e reportagens veiculadas são um olhar mediado por diversas
tecnologias (de captação, edição, transmissão), profissionais (pauteiros, repórteres,
cinegrafistas, editores, apresentadores) e ainda por rotinas produtivas que buscam
reconstituir a realidade. (COUTINHO,
2009, p. 107).
122
A inclusão de determinadas imagens, sons ou informações em detrimento de outros
numa reportagem e esta no programa, isto é, a lógica que determina as escolhas, estão
profundamente relacionadas ao tempo. Para Coutinho (2009), a questão do tempo e seu
controle são centrais nas narrativas sobre o telejornalismo. “Os (tele)jornalistas correriam
contra o tempo durante as etapas de pauta/produção, captação e edição do material cotidiano,
e ainda teriam que lidar com as dificuldades para organizar a mensagem telejornalística no
tempo, agora de exibição” (COUTINHO, 2009, p.111).
Para economizar tempo, os jornalistas recorrem a várias operações de seleção/edição
para estabelecer o que seria ou não noticiável, além de poder dar tratamento adequado ao
material apurado para garantir que ele seja inserido na gramática particular do telejornal.
Como explica Curado (2002), as reportagens dos telejornais diários brasileiros, que têm média
de duração entre 20 e 30 minutos, possuem normalmente um tempo de 1'05’’ e 1’30’’. Com a
rigidez do tempo, é comum que um assunto não se esgote em uma reportagem; um recurso
muito utilizado então é a continuação da história em outros dias, as suítes, ou outro bloco,
com enfoques diferentes.
O momento de inserção de uma notícia, sua presença no primeiro ou último bloco35, é
capaz de denotar valores tanto da emissora quanto do programa em si. O tempo de duração do
telejornal, dos blocos e de cada uma das mensagens informativas nele inseridas, imprimem
uma determinada velocidade ao processo de narrar/mostrar o mundo, com reflexos também na
apreensão pelos espectadores. Como defendem Martín-Barbero e Rey (2001), na
contemporaneidade a percepção do tempo estaria marcada por experiências de
simultaneidade, do instantâneo e do fluxo – este resultado da fabricação de um presente
contínuo pela mídia, transformando o efêmero em chave de produção.
Esse processo fragmentador da realidade repercute, para Marcondes Filho (2009), no
caráter da veiculação noticiosa do jornalismo, produzindo “mentalidades fragmentadas,
diluídas, difusas, que vêem o contexto social, a realidade, sem nenhum nexo, sem nenhum fio
ordenador.” (MARCONDES FILHO, 2009, p.113). Esses processos fragmentados da
transmissão da notícia quebram a lógica dos fatos entre si, perdendo-se a dimensão de uma
totalidade que os explique.
35
A programação de qualquer programa de TV é quase sempre concebida em blocos, com duração que varia de
acordo como modelo. Os blocos permitem a inserção da publicidade, facilitam a transmissão em rede, além de
organizar e explorar os ganchos que podem preparar o telespectador para as atrações que são anunciadas.
(Barbeiro e Lima, 2005).
123
O imediatismo dá pouco espaço para a reflexão e fortalece decisões mecanizadas,
concretizadas em reportagens com o mesmo padrão, geralmente representadas por uma
sequência de off's, sonoras e uma passagem. É exatamente deste modelo ‘seguro’ e ‘testado’
que o homem-banda vai se apropriar, como será mostrado mais à frente. Uma automação que
inibe o pensamento crítico e
apenas tenta conformar o trabalho realizado a um modelo testado. (...). O uso de um
modelo rígido numa investigação e numa narrativa produz estereótipos e deixa de
fora tudo o que não está catalogado. A valorização dos aspectos que geram uma
imediata percepção e entendimento é o caminho mais seguro para o jornalismo
espetáculo. (CURADO,
2002, p.172).
Como o consumo do telejornal é prefixado no espaço a ele determinado dentro da
programação, o telejornal precisa cativar a audiência nesse único espaço. Sendo assim,
Marcondes Filho (2009) acredita que a produção do telejornal deve obedecer a critérios de
atratividade e interesse. A busca do sensacional e do espetacular para Bourdieu (1997)
transforma a TV em um convite à dramatização, não só por divulgar imagens, mas ao
exagerar-lhes a importância, a gravidade e o caráter dramático e trágico. Curado (2002)
também chama a atenção para um tipo de reportagem, geralmente mais longa, que se apóia
em um tripé formado por “tensão, plasticidade, atualidade”. A tensão mantém o espectador
ligado como no folhetim; a plasticidade está ligada a cenas bem iluminadas e preparadas para
captar a atenção; enquanto a atualidade fisga a atenção inicial, embora não signifique que o
fato seja realmente novo, mas apenas que seja até aquele momento inédito para o público
daquele programa.
Se até os anos 1950 a televisão estava pouco presente no campo jornalístico, ao longo
do tempo essa relação se inverteu completamente e a TV se tornou dominante econômica e
simbolicamente no campo jornalístico. E o aumento do peso simbólico da televisão é
responsável, segundo Bourdieu (1997), pela imposição ao conjunto do campo jornalístico de
certo tipo de informação que antes era relegada aos jornais ditos sensacionalistas como a
busca pelo sensacional, o espetacular, o extraordinário. “Levadas pela concorrência por fatias
de mercado, as televisões recorrem cada vez mais aos velhos truques dos jornais
sensacionalistas, dando o primeiro lugar às variedades e às notícias esportivas.”
(BOURDIEU, 1997, p. 73).
124
Tanto as notícias esportivas quanto as demais presentes em um telejornal são
construídas a partir de um jogo de identidade e identificação. (LEAL, 2009). Para Curvelo e
Duarte (2009) esse jogo resulta da combinatória tonal de um telejornal, que diz respeito à
adoção de um tom ao discurso, de um ponto de vista, a partir do qual a narrativa daquele
programa quer ser reconhecida. Mesmo sendo uma decisão estratégica da instância da
enunciação, o tom se refere aos traços indicadores do tipo e forma de interação que um
produto televisual pretende manter com seus interlocutores.
Dessa forma, cada formato televisual possui uma combinação de tons que passam a
identificar o programa, o que pode corresponder ou não à expectativa tonal de um
determinado gênero. Isto é, “todo subgênero televisual já tem como dado o tom que lhe seria
adequado, mas cada produto opcionalmente pode acessar novas combinatórias tonais que
distingam seu formato do subgênero stricto sensu a que pertence” (CURVELLO; DUARTE,
2009, p.65). Programas esportivos, por exemplo, são imaginados de uma forma, mas há
sempre espaço para o novo, que pode se transformar em signo de diferenciação, contribuindo
na fidelização do público telespectador.
O Alterosa Esporte, por exemplo, inovou ao levar para o programa convidados fixos
que representam, como torcedores, cada time da capital mineira. Atuam como comentaristas,
mas ao estarem vestidos com as camisas de seus clubes, deixam claro que os comentários são
realizados por um viés passional. Essas pessoas, conhecidas em conjunto como a “Bancada
Democrática”, refletem a adoção de um novo tom em programas jornalísticos esportivos ao
levar para o estúdio os torcedores que geralmente só opinavam quando entrevistados em
ambientes externos.
Os autores defendem que repórteres e apresentadores acabam assumindo para si a
responsabilidade da manifestação tonal, realizando a tarefa de regulação dos valores e de
manifestação do ponto de vista a partir do qual o programa quer ser lido, indicando a forma
como o telespectador deve interagir com o programa.
Como mediadores esses atores operam por delegação: enunciam a enunciação do
programa, passando a materializar tanto os valores investidos, como a combinatória
tonal que deve identificar o programa, sendo os responsáveis, em ato, por sua
proposição, gradação e manutenção. (CURVELLO;
DUARTE, 2009, p.67).
125
Embora o repórter convergente Marcelo Silva não seja o editor-chefe nem o
apresentador do Alterosa Esporte, por estar sozinho nas coberturas, ele também opera esses
papéis a medida em que controla todos os valores e características do programa na hora de se
pautar, produzir, apresentar e editar as reportagens que faz. Além disso, na internet, ele é o
único prolongador deste espaço, representando institucionalmente o programa, embora o blog
tenha características muito particulares do jornalista. Ainda assim, todos os 'tons' do
programa, interiorizados por ele, aparecem nas postagens. Mais que um transmissor de
informações, ele é o único interlocutor do programa com o público na rede. Ao assumir essa
função, Marcelo passa a ser identificado com o programa, colocando em destaque os valores
simbólicos e os traços tonais que se pretendem veicular.
Castro (2009) defende a existência de certa gramática do apresentador ou repórter de
telejornal, que se repetiria independentemente de quem ocupa as posições. Embora as
características apresentadas a seguir sejam listadas por manuais de telejornalismo, na prática,
são elas as balizadoras da identificação de um repórter de TV. Além das características
inerentes a um jornalista, o repórter de TV, para ser visto e ouvido, não pode deixar que sua
imagem interfira na atenção que deve ser dada à informação, desviando o público para sua
aparência. A desatenção no uso da voz e a negligência ao visual produzem ruídos na
comunicação. Para Curado (2002), na TV o repórter precisa de boa voz e aparência que
permita desenvolver uma empatia com a audiência. A maneira como se relaciona com a
câmera e o microfone também ajuda a traduzir o que vagamente se convenciona chamar em
TV de ‘presença de vídeo’, que não deixa de ser uma avaliação subjetiva da imagem do
jornalista.
Ainda segundo a autora, a interpretação do repórter deve transmitir segurança,
autoconfiança e determinação, o que contribui para a credibilidade do profissional. A fala
apressada dificulta a compreensão do que está sendo dito enquanto a fala lenta provoca
monotonia. A boa emissão também depende da dicção, da maneira como as palavras são
pronunciadas. Somado a esses pontos, a postura física interfere na mensagem. Gestos,
movimentos corporais, a maneira como se equilibra de pé ou como se senta revelam
sensações de desconforto, nervosismo ou tranqüilidade: “Tronco curvado e ombros caídos são
associados à derrota, enquanto a postura rígida e militarizada dá a impressão de prepotência.
O queixo para cima denota arrogância. (...) A naturalidade é fundamental.” (CURADO, 2002,
p. 66).
126
As emissoras creditam aos repórteres e apresentadores o tom de seriedade que
conferem ao programa, “o que é avesso a expressões de personalidade e subjetividade.”
(CURVELLO, DUARTE, p.71, 2009). Entretanto, os telejornais esportivos adquiriram outro
tom, muitas vezes, bem distante deste característico dos telejornais tradicionais. Aos
apresentadores e repórteres é liberado o uso de roupas mais descontraídas (geralmente jeans,
tênis e camisas pólo) e até nos cabelos são permitidos cortes mais extravagantes. Além do
aspecto estético, o comportamento do repórter é mais solto, podendo participar das
reportagens, não só apresentando opiniões pessoais ao longo do texto, como participando
ativamente das atividades mostradas, deixando de lado, muitas vezes, um comportamento
contido e a linguagem mais formal.
Quando o repórter convergente Marcelo Silva apareceu pela primeira vez no vídeo,
pode ter causado certa estranheza junto ao público. Não apenas por ser uma ‘cara nova’, mas
justamente pelo modo de narrar e se apresentar durante as passagens, que demonstravam um
não enquadramento à essa gramática televisiva. Os gestos forçados e bruscos, a postura rígida
diante do vídeo e a locução embolada podem ter sido questionadas pelo público, acostumado
a um certo padrão dos repórteres na TV. Mesmo que este padrão seja, no esporte, um pouco
diferente daquele reconhecido nos telejornais tradicionais.
Benny Cohen reconhece que Marcelo não é o tipo mais comum de se ver na TV, por
apresentar estrabismo e estar sempre com os olhos semicerrados: “acho que o estrabismo dele
não é o maior problema, o problema é que o olho dele está sempre quase fechado. A gente
quase praticamente não enxerga os olhos dele [...] mas ele já aprendeu a procurar ângulos que
favoreçam a abertura dos olhos, o que não deixa de ser ruído.”. O repórter também revela que
ao longo do trabalho precisou rever algumas posturas: “A questão da locução melhorou, eu
consigo já variar o timbre de voz, acho que ainda pode melhorar ainda mais. E a questão do
visual, fiquei mais mauricinho. Aí eu tive que encaixar no formato padrão.”
Entretanto, a empresa acredita que estes aspectos estéticos deixaram de ser ruídos
quando o material apresentado no vídeo passou a preencher os requisitos de uma boa
reportagem. O editor convergente afirma que o repórter adquiriu uma postura de
convencimento:
Ele passa credibilidade, a gente presta atenção no que ele está falando. Como editor,
sabe construir a matéria na TV, então são muito bem amarradas, o que ajuda demais
a prender a atenção do telespectador. Se a gente pegar as últimas matérias dele,
127
vamos ver que são matérias como de qualquer outro repórter.
(EDITOR DE
MÍDIAS CONVERGENTES).
Nas externas que realiza, o repórter é o líder da equipe de externa, realizando
entrevistas, podendo mudar o foco da reportagem de acordo com o que encontrar no ambiente
externo e direcionando o trabalho do cinegrafista e iluminador. Em qualquer emissora de TV,
como explica Curado (2002), as relações profissionais são profundamente interdependentes,
com o trabalho de cada um se complementando ao do outro, por isso, uma reportagem de TV
é sempre resultado do trabalho de uma equipe: “O mais talentoso dos repórteres, editores,
pauteiros, cinegrafistas não põe sozinho uma boa reportagem no ar.”(CURADO, 2002, p. 23).
Curado (2002) aposta na soma da sensibilidade do grupo e não na ação solitária: “A soma de
vários olhares, de vários ângulos, é que leva ao resultado de qualidade.” (CURADO, 2002,
p.23).
É justamente por acreditar nesta soma de esforços que Curado (2002) é crítica quanto
ao videorrepórter, também chamado por ela de one-man-show, ou seja, aquele profissional
com aparente capacidade de produzir, filmar e editar a reportagem. Tarefa que se contrapõe à
equipe tradicional que reúne produtor, repórter, cinegrafista, iluminador e editor. No Brasil,
este modelo surgiu em 1987, na TV Gazeta de São Paulo, sendo ainda utilizado na TV Cultura
da capital paulista. Nos Estados Unidos, são comuns em TV’s locais e de pequenos recursos,
como a New York One. (BARBEIRO; LIMA, 2005).
O repórter convergente acredita que a falta da equipe possibilite duas visões sobre o
processo. Por um lado “você sabe como é que lidar com motorista, iluminador, cinegrafista,
entrevistado... tem os humores, a pressão... Por ser sozinho, isso aí está resolvido, não tenho
esse problema.“ Mas a ausência de outros olhares o torna mais “ligado porque sei que está
rolando tantas coisas, tem equipes completas...”. Esse compromisso do repórter tranqüiliza a
chefia em relação ao produto final, como pondera Cohen:
Ele é um cara muito inteligente, muito perceptível [...] que não leva balão, não toma
furo na rua, está sempre alerta, esperto. Muitas vezes ele vê coisas que uma equipe
inteira no lugar dele não veria. Isso acontece muito pelas características próprias
dele e também porque ele já esta dominando o processo de uma maneira tal que isso
não é um ruído pra ele. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).
128
Além da falta de outros olhares, Curado (2002) afirma ser o videorrepórter um
modelo arriscado por comprometer a qualidade da reportagem, principalmente, quando os
eventos estão se desenrolando diante do jornalista. A autora acredita que se o repórter está
concentrado na filmagem, ele exacerba o sentido da visão em detrimento da audição, podendo
deixar de lado alguma informação dita próxima a ele. Ainda que alguns profissionais
manifestem talento e disposição para realizar várias funções em uma mesma atividade, é
“fundamental que alguém só seja escalado quando demonstrar qualificação técnica e nível
adquirido no treinamento específico.” (CURADO, 2002, p.25).
O que não aconteceu com o repórter convergente dos Associados. Silva foi para a rua
sem dominar por completo a parte técnica. Ele passou por um treinamento na empresa para
aprender a lidar com os novos equipamentos: câmera e iluminação fixa e portátil. Entretanto,
foi um processo informal, no qual um cinegrafista da emissora conversou e mostrou as
máquinas durante alguns dias. Essas “dicas” se mostraram insuficientes na rua. O repórter
confirma que perdeu muitas imagens durante o trabalho, seja por falta de foco da câmera ou
iluminação inadequada, mas garante que com a experiência, o trabalho vem evoluindo. Para
driblar alguma deficiência técnica, lições de quando era editor também são utilizadas, explica
Silva:
se eu, por causa de luz, estiver gravando uma sonora, mas correr o risco de perder,
que poderia ter sido o caso do Roger, que eu fiquei com essa sensação, eu tratei de
fazer a imagem dele com a melhor luz que eu tinha, porque qualquer coisa eu
reaproveitava o áudio e cobria, coisa que eu aprendi na edição. (REPÓRTER
MULTIMÍDIA).
Hoje, Benny Cohen acredita que o funcionário tenha chegado a um patamar muito
bom, não só em relação ao manuseio dos equipamentos, mas também ao envio do material
pela web: “Ele também chegou a um nível de qualidade das gerações pela internet que a gente
acha que a matéria dele foi gravada aqui em BH. Então ele está dominando a técnica por
completo, então hoje ele é um cara valiosíssimo para nós.”
Barbeiro e Lima (2005) defendem que o jornalista ganha autonomia ao trabalhar
sozinho.Para eles, este tipo de matéria é mais ágil e, muitas vezes, leva vantagem na captação
e difusão da notícia, uma vez que dispensa o deslocamento de mais profissionais, carros de
reportagem e equipamentos mais sofisticados. Os autores(2005) apostam que este tipo de
129
reportagem não dispensa a tradicional, pelo contrário, enriquece a televisão com diferentes
formatos. Há coberturas e situações que se adaptam às duas formas. Já para Curado este
modelo funcionaria apenas “no caso de filmagem de uma exposição de obras de arte.”
(CURADO, 2002, p.23).
O diretor executivo dos Associados acredita que o videorrepórter é um modelo que se
encaixa na cobertura de extremos: a notícia factual ou a mais produzida. Costa Neto aposta
que as notícias ‘mornas’, que segundo ele misturam esses dois aspectos, não se enquadram
neste padrão:
Notícia do tipo aumento do dólar? Acho que não tem jeito, porque está no meio
termo: tem que ter uma análise, mas feita rapidamente, porque amanhã o cenário já é
diferente. As análises terão que ser feitas por especialistas. [...]Então acho que essa
pessoa (videorrepórter) tem esse perfil dos extremos, aquela matéria lenta, que você
pode ter o geladão, e o quentão. [...] Eu acredito que vai ser muito voltado em cima
do factual, não vai dar tempo dele aprofundar. Mas aquela notícia de break news, de
entrar na frente, de rasgar a matéria, essa é a cara do multimídia. Então o cara vai ter
que colocar dois parágrafos na internet, entrar ao vivo no rádio, esperar o break da
televisão para ele entrar, e fazer a nota para o site, não necessariamente nessa ordem.
(DIRETOR EXECUTIVO).
Silva acredita ser a ‘geral’ a editoria na qual um videorrepórter poderia ser mais bem
aproveitado. Matérias policiais e de acidentes, por exemplo, exigem velocidade no
deslocamento e o número reduzido de uma equipe de tevê provoca menos alvoroço e
desconforto para os entrevistados: “Um repórter multimídia, sozinho com uma câmera, na
geral, acho que daria pra fazer muito mais coisa do que quem fica preso no esporte.”
Para Lima e Barbeiro (2005), as polêmicas em torno da videorreportagem são
causadas pelo fato deste modelo quebrar o academicismo na captação de imagens e áudio,
desestabilizando um modelo concebido há 50 anos. Nas videorreportagens há um privilégio
da informação em detrimento da qualidade plástica. Panorâmicas tremidas são inevitáveis e os
rostos podem aparecer desfocados até que o repórter ajuste o foco corretamente. Geralmente,
o jornalista precisa coordenar a entrevista com o microfone em uma mão enquanto a câmera
no ombro procura a melhor imagem do entrevistado. Entretanto, mesmo com a qualidade
estética duvidosa, Lima e Barbeiro (2005) confiam que ao irem ao ar, essas imagens derrubam
o paradigma de que “só reportagens tradicionais, perfeitamente enquadradas, pasteurizadas,
130
com passagens decoradas e off’s trabalhados são capazes de captar a atenção dos
telespectadores.” (BARBEIRO; LIMA, 2005, p .76).
Hoje, a possibilidade de se ver nos meios de comunicação imagens que não respondem
a um padrão estético firmado há décadas está cada vez mais comum no ar. Liberdade benéfica
para o repórter convergente dos Associados, como confirma Benny Cohen:
No começo ele tinha muitos problemas de enquadramento, às vezes o ângulo
escolhido não era o ideal, nem o movimento de câmera... Mas [...] é que hoje a
televisão está tão livre nesse aspecto... Você tem tanto uso de imagem de
cinegrafista amador, imagem de celular, que certas leis, digamos assim, da técnica
de televisão, não valem mais. Ou valem para alguns momentos, mas não valem para
outros. Embora ele tivesse alguns problemas desse tipo, a gente nunca recebeu um
email ou uma reclamação dizendo que esse cara não sabe gravar ou que imagem
estava
péssima,
nunca
teve
isso.
(EDITOR
DE
MÍDIAS
CONVERGENTES).
Quanto ao formato deste tipo de reportagem, a câmera, digital e leve, se torna uma
extensão do próprio corpo, permitindo que o repórter se envolva na história, transformando-o
em testemunha dos acontecimentos enquanto ele contextualiza as imagens gravadas,
narrando-as. “A cumplicidade se completa quando a lente da câmera, ou o olho do repórter,
se converte no olho do telespectador.” (BARBEIRO; LIMA, 2005, p.76). Portanto, o off da
matéria desaparece e dá lugar a uma narração dos fatos que estão sendo filmados, quase
sempre em um tom coloquial e intimista. O jornalista conversa procurando estabelecer uma
cumplicidade com o telespectador, que acompanha junto com o repórter o desenrolar do
acontecimento, mesmo sem que ninguém apareça na frente da câmera para contar uma parte
daquela história, como nas reportagens tradicionais: “A passagem, geralmente, é uma forma
de reafirmar o local onde a história transcorre. Na videorreportagem a história transcorre toda,
ou quase toda, no cenário em que aconteceu.” (BARBEIRO; LIMA, 2005, p.76).
As imagens estão sempre em movimento, aparecendo no vídeo mais dinâmicas, e os
planos sequências são mais longos, eliminando ou reduzindo ao máximo o trabalho de edição.
Aliás, este tipo de reportagem pressupõe um número menor de cortes de edição. É uma troca
de sequências que procura não interromper o andamento dos fatos como a edição tradicional,
na qual cada imagem que vai ao ar em uma reportagem não dura, geralmente, mais que dois
ou três segundos.
131
A videorreportagem permite que o telespectador perceba o formato de ação na qual se
destaca a personalidade do repórter. É um trabalho mais autoral. Enquanto na reportagem
tradicional o jornalista redige o texto e grava posteriormente, na videorreportagem o repórter
narra em cima dos fatos que estão sendo filmados, o que, para os autores, permite uma
transmissão maior de emoção. “É preciso treinamento e agilidade para fazer ao mesmo tempo
boas imagens, boas perguntas, bom enquadramento, bom texto.” (BARBEIRO; LIMA, 2005,
p.77).
Como nenhum movimento próximo ao repórter pode ser captado, encontramos uma
condição que proporciona uma visão fixa do mundo, uma imagem construída sem sujeito.
Monteiro (2003) acredita que há uma perda sem o olhar do cinegrafista por trás da lente, uma
vez que ele imprime naquelas imagens sensação, respiração. “O sujeito que olha o mundo
através da lente da máquina faz revelações que vão além daquilo que está na tela.”
(MONTEIRO, 2003, p.3).
Tal situação é comparada pela autora como a mesma enfrentada no início da televisão
brasileira, na década de 1950, quando as câmeras eram tão pesadas que mal se mexiam dentro
dos estúdios, forçando atores e jornalistas a se adequarem ao enquadramento dela. Hoje,
mesmo com tanta evolução tecnológica, estamos de volta à imobilidade.
Para o espectador acostumado com o movimento da câmera acompanhando o repórter,
agora a visão é limitada. E embora vivenciemos na contemporaneidade uma exacerbação da
visibilidade, o videorrepórter traz uma contradição: nem tudo que é dito pode ser visto pelo
telespectador, já que a câmera não acompanha o repórter. Tempo da visão sintética, da
automação da percepção no qual o telespectador vê o acontecimento tal qual a lente da
câmera. “O que predomina, portanto na atualidade é o abandono do sujeito como intérprete do
mundo em detrimento do objeto.” (MONTEIRO, 2003, p.7).
Essa idéia de uma visão sintética é muito trabalhada por Virilio (2002), para quem
vivemos em um momento marcado pela “automação da percepção, a inovação de uma visão
artificial, a delegação a uma máquina da análise da realidade objetiva.” (VIRILIO, 2002, p.
86). Constatações percebidas pelo autor principalmente diante das milhares de câmeras
espalhadas pelas ruas, shoppings, lojas e prédios que criam uma nova industrialização da
visão, a instalação de um verdadeiro mercado da percepção sintética, que traz a tona questões
éticas – não somente as do controle e da vigilância – e filosóficas, relacionadas ao
desdobramento do ponto de vista, “daquela divisão da percepção do ambiente entre o
132
animado, o sujeito vivo, e o inanimado, o objeto, a máquina de visão.” (VIRILIO, 2002, p.
86). O fato de a câmera estar submetida a um computador e não mais a um telespectador
qualquer torna a máquina responsável pela capacidade de análise do meio ambiente, pela
interpretação automática do sentido dos acontecimentos nos domínios da produção industrial,
da gestão de estoques e da robótica militar.
Todavia, mesmo diante dessa visão limitada e sintética, Monteiro (2003) defende que
essas matérias continuem a atrair o público por causa da única figura ‘viva’: o jornalista, que
segundo ela, ganhou uma existência própria dentro do acontecimento. E aí podemos afirmar
que ele tem não só um papel de mais destaque, com maior participação ao vivenciar e relatar
simultaneamente os fatos, mas também uma maior autonomia em relação ao que está sendo
produzido.
O repórter multimídia do grupo Associados cumpre a mesma função de um
videorrepórter ao fazer o papel de todos em uma equipe. Entretanto, o produto apresentado é
diferente daquele característico da videorreportagem, uma vez que ele produz matérias no
formato tradicional, como se fossem feitas com equipes inteiras. Não há narração sobre as
imagens e a edição utiliza takes rápidos e curtos. O jornalista também não conta com o apoio
da pauta, que é desenvolvida por ele, nem da chefia de reportagem para ajudar no
direcionamento das reportagens. Entretanto, os desafios e problemas técnicos são os mesmos
que o de um vídeorrepórter.
De acordo com a empresa, a intenção inicial era que Silva não aparecesse no vídeo,
tendo liberdade para criar modelos diferentes e até usar câmeras escondidas, em caso de
matérias investigativas. Proposta confirmada por Silva: “Meu trabalho, teoricamente, não era
para ser assim, era para ser mais aquela coisa câmera nervosa, com aquela narração [comum
às videorreportagens].”
Entretanto, dois fatores foram determinantes para que o videorrepórter não produzisse
no formato imaginado. O primeiro deles foi o próprio medo do jornalista de arriscar o
dinheiro da empresa e o outro a necessidade de mostrar sua competência, mesmo estando
sozinho, como assume Silva:
Eu viajo para o exterior, estou gastando, vou arriscar, vou brincar lá e vai que não
ficou bom? Então eu preferi jogar aonde eu sei e onde eu consigo resolver do que
arriscar um formato. Eu tinha carta branca pra usar, mas eu é que não quis, não quis
para não perder conteúdo, para não falar que não funciona.(...) A gente está numa
133
era digital, nosso principal concorrente tem doze câmeras no estádio, a melhor
qualidade de imagem possível. Não posso chegar e inventar um ‘Bruxa de Blair’
novo aí. Porque eu não me perdoava pelo fato de errar e depois, ah coitado, também
está trabalhando sozinho. Não, eu quero mostrar que sozinho eu sou tão bom como
que se eu estivesse com duas pessoas. Porque isso aí é comigo, eu quero provar para
mim
mesmo
que
eu
dou
conta
de
fazer
o
serviço.
(REPÓRTER
MULTIMÍDIA).
É importante refletir aqui sobre esta preocupação do repórter com os gastos da
empresa. Como já definido por Souza (2002), critérios financeiros são uma força
determinante dentro do campo da ação sócio-organizacional para a definição das notícias. As
despesas e os retornos com audiência são balizadores das diretrizes que determinam o
conteúdo. Ou seja, se o repórter está viajando, gerando custos, ele precisa apresentar um
material condizente a essas despesas. Além disso, está em jogo, implicitamente neste
depoimento de Silva, outro aspecto relacionado à questão financeira, mas, no caso, referente a
ele mesmo. Souza (2002) defende que os mecanismos de contratação, de progressão da
carreira e de demissão também são poderes exercidos pela organização em relação aos
jornalistas, influenciando o trabalho realizado por eles. Ao afirmar o desejo de provar que
atuando sozinho ele era tão bom como se estivesse com uma equipe, Silva deixa transparecer
a necessidade de aprovação de seu trabalho diante dos chefes. Avaliação esta que pode
resultar tanto em um crescimento quanto à estagnação profissional. Kunczik (2002) chama
atenção para o controle social entre as equipes jornalísticas. Existem ‘tesouras mentais’, ou
seja, autocensura resultante da reação aos poderes constantes e latentes de intervenção da
empresa. Na prática, os profissionais precisam combinar sua própria avaliação com o que
pensam que agradará seus editores.
Tais forças se somaram a ação pessoal do repórter na seleção e edição das
informações, outro aspecto levantado por Souza (2002) como determinante da notícia. Ao
reconhecer que preferiu “jogar aonde eu sei e onde eu consigo resolver do que arriscar um
formato” percebemos que Silva apostou em um modelo conhecido de reportagens. O
resultado no ar desse receio de não apresentar um material qualificado são as passagens sem
movimento, praticamente todas em plano americano ou plano mais fechado. Se quisesse fazer
movimentos, era preciso ajustar o foco da câmera à medida que fossem aparecendo variações
na luminosidade, mas, estando sozinho, não seria possível.
134
Sob todas essas pressões, os jornalistas se valem de rotinas cognitivas familiares para
organizar e produzir sentido, além da tendência de procurar e selecionar informações que
confirmem suas convicções. E durante situações de grande circulação de informações, estes
profissionais acabam recorrendo a formas estereotipadas de pensamento, o que para Souza
(2002), ajuda a explicar a padronização noticiosa e a selecionar sempre como tendo valor
noticioso o mesmo tipo de acontecimento. Se imaginarmos a quantidade de assuntos,
personagens, fatos e profissionais da imprensa atuando em uma competição esportiva, e,
estando Silva sozinho diante deste cenário, pressionado por inúmeras forças, é possível
entender seu medo e suas escolhas durante a cobertura.
O fato de o repórter não apresentar o formato imaginado inicialmente pela empresa em
suas matérias é justificado ainda por outras razões. Benny Cohen admite que Silva passou a
integrar a escala fixa de repórteres do Alterosa Esporte por uma demanda de mais
profissionais no telejornal, o que diminui o tempo do videorrepórter para criar e imaginar
reportagens.
A ideia era que ele ficasse sempre fora da cobertura de rotina, não era um cara para
ficar indo diariamente nos CTs.. Mas o esporte anda meio acomodado nessa parte e
usa o Marcelo pra essas coisas. Porque aí fica uma escala bacana: quatro repórteres,
dois em um final de semana, dois no outro, ficou tudo ajeitadinho. Ao invés de
acompanhá-lo ali, passo a passo, a gente acabou deixando a coisa correr e ele entrou
para rotina, o que não deveria ter acontecido.
(EDITOR DE MÍDIAS
CONVERGENTES).
Estar na escala significa, para o repórter, um maior número de tarefas diárias, as quais
precisam ser realizadas observando a quantidade de conteúdo para o programa, a concorrência
e a falta de liberdade da cobertura esportiva em razão da pressão das assessorias de imprensa
dos clubes; fatores que, segundo ele, não combinam com experimentações:
Quando você entra na escala você está sujeito a tudo: o final de semana é seu, então
você tem que fazer o jogo, você tem que fazer a câmera de baixo, você tem que
fechar o VT, você tem que fazer o VT do J2... E aí, ainda mais com essa questão na
minha cabeça, de que eu tenho que mostrar que dou conta, eu tenho que fazer...
Então eu acabei fazendo aquela estrutura normal: off, passagem e sonora, off,
passagem e sonora... Porque você está sozinho, então não pode chegar e inventar
alguma coisa diferente. (REPÓRTER
MULTIMÍDIA).
135
O editor convergente faz mea culpa e revela, inclusive, um desejo de mudar a editoria
do repórter:
É uma coisa que eu e a chefe de redação temos que cobrar mais do editor chefe do
programa que tenta levar o Marcelo para esse campo. Mas eu acho que agora ele
está em um caminho meio sem volta. Tem hora que até eu penso em tirá-lo do
Alterosa
Esporte e trazê-lo para a geral.
(EDITOR DE MÍDIAS
CONVERGENTES).
Para Marcelo, o fato de estar no esporte ou na geral não faz diferença, mas sim, a
pressão da rotina, a escala de trabalho: “O problema hoje é que estou muito em função da
escala. A partir do momento que eu tiver autonomia para ficar realmente fora da escala e
produzir, aí acho que vou poder arriscar.”
É interessante notar no discurso dos três entrevistados como as rotinas de produção, a
cultura profissional, os interesses editoriais e econômicos e os lançamentos tecnológicos
interferem nessa distribuição de conteúdo entre os veículos, pilar do processo convergente do
grupo. A articulação entre tais elementos é o objeto de análise do newsmaking, ou a teoria que
estuda a produção da notícia, discutida neste capítulo a partir das análises de Souza (2002).
Embora tais forças sejam determinantes na produção do trabalho do repórter
convergente, o próximo capítulo vai focar a análise no produto final deste jornalista: as
reportagens da TV e internet a partir do conceito de narrativa transmídia, elaborado por Henry
Jenkins (2008), apresentado no primeiro capítulo desta dissertação. Para isso serão eleitos
operadores metodológicos que permita analisar a produção e a distribuição do material
noticioso. Ao final, a intenção é demonstrar se as reportagens de Marcelo Silva conseguiram
materializar a convergência tão buscada pelos Diários Associados no plano narrativo.
136
4 A COBERTURA ESPORTIVA DO REPÓRTER CONVERGENTE
4.1 Jornalismo Esportivo
O esporte, em todo o mundo, independentemente da modalidade, é capaz de mexer
com diferentes classes sociais, raças, religiões e credos. Para explicar esse fascínio, Freitas
Filho (1985) recorre ao sociólogo francês Georges Magnane, que define o esporte como
“meio lícito de reagir à fascinação da violência.” (MAGNANE apud FREITAS FILHO, 1985,
p.53). Tal conceito é ampliado por Freitas Filho, para quem toda competição é, em última
análise, um embate onde os resquícios de violência estão presentes em altas doses. “Há os
vencedores e vencidos, e é baseado nesta dicotomia que trabalham os veículos.” (FREITAS
FILHO, 1985, p.53).
Outra explicação para a sedução do esporte é a possibilidade da “atitude ativa,
representada pelo alto grau de identificação entre os protagonistas do acontecimento esportivo
e suas testemunhas.” (FREITAS FILHO, 1985, p.54). Atitude esta que permite ao torcedor
experimentar emoções e sentimentos que são ainda mais exacerbados pela imprensa cotidiana.
A partir dos discursos produzidos por ela, o torcedor se envolve não só na hora do jogo – ele
se manifesta permanentemente, dando opiniões e participando de debates em casa, no trabalho
e nos momentos de lazer.
Borelli (2002) ressalta que o esporte sem linguagem torna-se apenas um movimento
biomecânico e fisiológico, não sendo levado em conta seu aspecto simbólico, cultural e social.
O esporte só ganha existência social porque passa por procedimentos técnicos,
teóricos e por uma grande conversação empreendida no cotidiano, seja pela
construção da agenda midiática ou pelas falas dos atores sociais – da opinião
pública. Sem o empreendimento da linguagem sobre o esporte, ele passa a ser
apenas uma atividade regrada, praticada pelos seus atores, ficando limitada à
experiência daqueles que o vivenciam. (BORELLI,
2002, p.2,3).
Este cruzamento entre esporte e mídia é encarado por Souza (2005) como
complementar. O esporte, relacionado a aspectos lúdicos da sociedade, é, por si só, uma forma
137
de lazer e entretenimento que encontra na mídia uma forma de figurar como espetáculo que
garante retorno em venda e em audiência.
O jornalismo, como atividade empresarial, serve-se da fascinação do esporte para
transformá-lo em lucro e prestígio [que também se converte em lucro,
posteriormente]. Em troca, beneficia as próprias entidades esportivas – os clubes e
associações – fazendo-as operar com um negócio altamente rentoso.
(FREITAS
FILHO, 1985, p. 52).
Dentro do grupo Associados, o esporte representa uma das áreas de maior retorno. Na
TV Alterosa, o repórter convergente Marcelo Silva revela que os programas esportivos são o
“principal produto da casa em termos de faturamento.” Ciente deste filão, a empresa inclusive
criou mais um programa. Além do Alterosa Esporte, já consolidado durante a semana nos
horários do almoço, o Bola na Área substituiu, aos sábados, o Jornal da Alterosa 1º edição.
Para compensar a falta do jornal, o apresentador do Bola anuncia durante o programa flashs
de matérias que os repórteres fizeram durante a manhã, como acidentes, assaltos, enfim,
qualquer notícia que poderia ter ido ao telejornal.
Esse negócio lucrativo levou as empresas de comunicação, principalmente as TV’s, a
se tornaram grandes incentivadoras e até investidoras do esporte em todo o mundo. Lemos
(2002) aponta três motivos para este envolvimento cada vez maior entre futebol e jornalismo.
Muitos clubes tornaram-se unidades de negócio controladas por empresas de comunicação: a
mesma empresa que tem como produto a transmissão de jogos e outros programas sobre eles
assume também o controle do clube ou da competição.
Outro motivo é que se as empresas jornalísticas não podem comprar clubes, elas
adquirem os direitos dos clubes ou federações de transmissão dos jogos, e, por último, as
próprias empresas passaram a promover eventos esportivos. Isso pode ser explicado pelo fato
de o jornalismo depender da sucessão dos acontecimentos para noticiar, por isso a
necessidade de um calendário de competições, mas essas são realizadas seguindo a lógica dos
meios de comunicação, uma vez que a exibição ao vivo de um jogo não pode atrapalhar a
grade de programação das emissoras.
Caso não seja a promotora do jogo/campeonato ou não tenha os direitos de
transmissão, as empresas jornalísticas dependem de grande aporte financeiro para diferenciar
sua cobertura e, consequentemente, tentar atrair mais audiência. Embora isso seja comum em
138
todas as editorias de um jornal, a situação fica explícita durante grandes eventos esportivos,
como Olimpíadas ou Copa do Mundo.
Analisando a cobertura do Mundial da Coréia e do Japão, Coelho (2003) avaliou que o
material desenvolvido pela imprensa depende, principalmente, de investimento econômico.
Equipes compactas que cobriram a Copa do Mundo e se desdobraram para dar conta de tantas
matérias acabaram apresentando uma menor quantidade de notícias e sempre mais
superficiais. “Quanto mais econômicas, menos qualidade as redações apresentam. E mais
difícil fica manter o padrão de qualidade.” (COELHO, 2003, p.30).
Isso fica claro quando se compara a cobertura realizada pela TV Alterosa com a das
grandes emissoras, como Rede Globo e Record durante a última Copa do Mundo, na África
do Sul. Da emissora mineira foram o jornalista Leopoldo Siqueira, apresentador do Alterosa
Esporte e um cinegrafista/editor, Alan Passos, e o repórter convergente Marcelo Silva, que
atuava sozinho nas tarefas de produção, reportagem e edição. Essas duas equipes se dividiam
pelo país africano para dar conta de cobrir, pelo menos, os jogos do Brasil. O conteúdo
exibido não foi menor, apenas em quantidade. A qualidade das imagens também deixou a
desejar, além da profundidade da cobertura.
Tal situação é recorrente não apenas em eventos mundiais. Para os jogos de times
mineiros realizados fora de Belo Horizonte, o repórter convergente continua sendo enviado.
Aí é apenas uma câmera contra uma estrutura gigantesca das outras emissoras: “Hoje a gente
está numa era digital, nosso principal concorrente tem doze câmeras no estádio, a melhor
qualidade de imagem possível.” E Silva precisa, com apenas um equipamento “fazer o treino
do time, fazer outra imagem para fazer o material render (procurar imagens diferentes para
explorar durante os programas) e não ficar naquela cobertura comum.”
Além da capacidade de financiar grandes coberturas, outro fator determinante no
jornalismo esportivo, ainda relacionado à questão econômica, é a pressão dos patrocinadores
dos clubes. Silva comenta que diferenciar a cobertura entre as emissoras se torna cada vez
mais difícil devido às regras estabelecidas para todos de filmagens e entrevistas:
Hoje o atleta, o clube por si só, depende muito do patrocinador. E o patrocinador só
aparece no momento que o clube está com a camisa, a do jogo ou a do treino, e aí ele
vai estar na frente do banner. Ou seja, as imagens são permitidas a partir do
momento que há o treino, ou seja, todos os trinta e seis jogadores estão com a
camisa de treino, que esta lá o patrocinador e vão falar com o banner atrás. Dentro
139
dos clubes [nas reportagens sobre treinos do dia-a-dia] o fato do patrocínio não
aparecer gera um problema.(REPÓRTER MULTIMÍDIA).
Os responsáveis pelo cumprimento dessas regras e a estipulação de outras são as
assessorias de imprensa, hoje, presentes em todos os grandes times nacionais. Esse serviço é
um retrato do intenso interesse da mídia pelo futebol. De acordo com o repórter convergente,
elas foram responsáveis por mudar o perfil da cobertura esportiva. Silva afirma que as
assessorias dificultam o acesso ao atleta e cerceiam o trabalho dos jornalistas:
Você pode estar no mesmo hotel que os caras, mas lá dentro você não pode fazer
imagem, lá dentro é um momento deles. [...] Aí quando quero fazer uma matéria
fora [do hotel ou clube], aí já é difícil, já impõem algumas barreiras... não vou dizer
que seja impossível, mas é muito difícil. A assessoria muitas vezes não colabora, aí
tem que ser o contato de você com o próprio atleta. (REPÓRTER
MULTIMÍDIA).
Este exemplo nos permite comprovar a teoria de Souza (2002) para quem as fontes de
informação, neste caso as assessorias, são uma força determinante de definição das notícias.
As fontes podem reter, travar ou acelerar a difusão de informação e moldá-la a seus interesses,
para que a cobertura se faça num ângulo favorável, desprezando assim, as informações
negativas. Uma relação delicada uma vez que, se por um lado, as assessorias ainda dependem
dos principais veículos para divulgar informações sobre o clube para o grande público, os
jornalistas estão sujeitos a seus informantes porque, se esse contato for abalado ou terminar, o
fluxo de informações poderá interromper-se, o que prejudicaria a cobertura e,
consequentemente, abalaria a audiência daquela empresa jornalística.
Se por um lado os clubes adotaram estruturas jornalísticas para atender a imprensa, os
jornalistas que cobrem esporte também procuraram se especializar. Esse maior conhecimento
exigido dos jornalistas é, segundo Borelli (2002), reflexo ainda de fatores como a própria
divisão do trabalho jornalístico, a diversificação do campo esportivo e a pressão da sociedade,
que passou a se interessar mais pelo assunto requisitando uma especialização maior das
mídias. Lemos sustenta, a partir de Eco (1984), que a transmissão dos eventos esportivos
pelos meios de comunicação formou um público leigo e criou a demanda por comentaristas
para traduzir os aspectos técnicos do jogo. Essa oposição sancionaria a profissionalização do
esporte, separando produtores e consumidores.
140
Coelho (2003) acredita que uma boa cobertura esportiva dependa justamente dessa
especialização. Construir uma boa história, priorizar informação, ter noção do lide é a síntese
da profissão, o que “não exclui que quanto mais bem formado for o jornalista, mais fácil será
adquirir técnica”. (COELHO, 2003, p.41). O conhecimento adquirido sobre a área é a forma
de construir matérias mais detalhadas e concretizar um contato mais amistoso com as fontes,
que reclamam, cada vez mais, – principalmente antigos atletas e técnicos – do pouco
conhecimento dos repórteres para discutir o esporte. O tipo de tratamento dado à notícia vai
depender justamente deste conhecimento: “É a experiência que vai ensinar ao jornalista
avaliar a importância da informação e definir qual tratamento dar a ela. E qual tratamento
deve receber. E ao mesmo tempo vai fazê-lo não subestimar a notícia aparentemente
irrelevante.” (COELHO, 2003, p. 45).
Esta especialização reforçou o fato de o jornalismo esportivo ser considerado uma
atividade específica dentro do campo jornalístico. Borelli (2002) busca em Amaral (1969) a
explicação para a autonomia da editoria de esportes em relação às demais. A justificativa
estaria na natureza e na finalidade desta cobertura, que objetivam o “entretenimento”. Por
isso, a cobertura esportiva demanda um tratamento diferenciado que se manifesta em uma
relativa liberdade de linguagem e formatação de reportagens, incorporando fatores
característicos do esporte, como descrição da ficha técnica dos jogos e uso de expressões
características do campo competitivo, marcada por “uma linguagem agonizante, de combate,
mais despojada, em função do campo ser, sobretudo, entretenimento.” (BORELLI, 2002,
p.10).
Nas redações, os acontecimentos esportivos são enquadrados, portanto, na categoria de
notícias brandas ou leves, que geram uma grande quantidade de histórias de interesse humano.
Histórias essas construídas a partir do modelo espetáculo, como definido por Gomes (2004).
Embora o estudo dele se concentre na cobertura política, percebe-se que o jornalismo
esportivo também adota a mesma prática que
combina técnicas de apuração jornalísticas com técnicas de escrita dos criadores de
ficção. Ele coleta fatos e conta histórias. Quando descreve eventos, eles são apenas
cenários e circunstâncias para as histórias que se desenvolvem. (...) Se há fatos e
pessoas que resistem às narrativas prévias, estes ou são descartados como notícias
ou são introduzidos à força na fôrma e ajustados de um modo ou de outro para que o
jornalismo não perca as facilidades e vantagens que o emprego de esquemas e
clichês lhe assegura junto às audiências. (GOMES,
2004, p.347).
141
Esse enquadramento ao modelo espetáculo se materializa nos ‘valores notícia’
utilizados pelo jornalismo esportivo. Tais valores são as qualidades atribuídas ao
acontecimento para que ele seja publicável, como acontece com qualquer notícia. Wolf
(1987) definiu bem o que são esses critérios: “conjunto de elementos através dos quais o
órgão informativo controla e gere a quantidade e o tipo de acontecimentos, de entre os quais
há que selecionar as notícias.” (WOLF, 1987, p.173).
Essa noticiabilidade encontra explicação na conjunção de fatores como ação pessoal,
social, ideológica, cultural, tecnológica, histórica. (SOUZA, 2002). Devido justamente a essa
multiplicidade de forças, os critérios de noticiabilidade não são rígidos nem universais.
Flexíveis, comparáveis e mutantes com o tempo, eles se completam e estão presentes em todo
o processo de produção: da pauta à edição.
Tais critérios se cristalizam dentro do campo jornalístico, onde são apreendidos e
difundidos. Quanto mais valores-notícia apresentar um fato, maior será sua noticiabilidade.
Também no noticiário esportivo há maiores chances de se tornar notícia o que é factual, o que
desperta o interesse do público, o que atinge o maior número de pessoas, o que é inusitado ou
curioso, aquilo que é novidade e que apresente bons personagens. Para o caso de a notícia ser
veiculada na televisão, o acontecimento precisa ainda ser capaz de gerar boas imagens, ter
unicidade, ser parte de uma grande narrativa, causar impacto emocional e apresentar um
potencial espetacular para fazer frente aos demais produtos televisivos. (SOUZA, 2005).
Além desses critérios, outros são mais específicos ao jornalismo esportivo,
materializados nas coberturas marcadas pelo culto ao herói, pela construção de ícones
esportivos a partir do uso de personagens nas matérias, pelas reportagens sobre a vida dos
esportistas de grande destaque e uma cobertura que ainda tem como características
“julgamentos, avaliações, análises de competições, de fatos inusitados, de relações que são
estabelecidas no dia-dia esportivo, etc.” (BORELLI, 2002, p. 3).
Sousa (2005) investigou 21 reportagens dos programas Globo Esporte e Jornal
Nacional para avaliar os critérios de noticiabilidade observados apenas nas matérias
esportivas e aqueles que poderiam ser atrelados às notícias em geral. A conclusão da pesquisa
mostrou que os critérios específicos da notícia esportiva não são muito diferentes daqueles
mais universais aplicados à matéria-prima jornalística. Entretanto, a noticiabilidade é
constituída a partir da complementação entre o que Souza (2005) identificou como valores
142
jornalísticos, de um lado, e como estratégias de mobilização da indústria do entretenimento,
do outro. Segundo a autora, existe uma forma de tratar a matéria-prima como algo que ao
mesmo tempo pode servir de fonte de informação e diversão.
A cobertura esportiva na televisão, embora não deixe de ser jornalismo, é um produto
que foge ao conceito de jornalismo tradicional, uma vez que incorpora marcas identitárias
muito fortes do entretenimento. A notícia esportiva, neste contexto, pode ganhar o
acompanhamento de vinhetas, efeitos especiais e música. Além disso, a figura do repórter está
longe de ser aquela pretensa imagem de mero observador e relator dos fatos: “[...] no esporte,
ao contrário, o repórter pode se posicionar de forma a participar do acontecimento, seja
externando sua opinião, seja protagonizando alguma situação na narrativa.” (SOUZA, 2005,
p.16). O repórter convergente dos Associados confirma que só não se vale de recursos como
vinhetas e músicas devido às barreiras tecnológicas. Como as reportagens dele são enviadas
pela internet, o acréscimo destes ‘extras’ torna o arquivo mais pesado, dificultando o envio
pela web.
Como as matérias analisadas para o estudo de caso desta dissertação são esportivas,
cabe aqui resumir os critérios analisados por Souza (2005) referentes ao jornalismo como um
todo e ao jornalismo esportivo, que serão articulados a informações sobre a cobertura
esportiva dos Associados, além de exemplos citados pelo repórter convergente Silva. Entre os
critérios analisados por Souza (2005) como recorrentes a qualquer notícia jornalística estão:
Novidade, factualidade e importância dos envolvidos – Estes três critérios são característicos
à moderna atividade jornalística com raízes em meados do século XIX. O noticiário esportivo
também se afirma como jornalismo quando as notícias são selecionadas em função destes
princípios. Durante a pesquisa, Souza (2005) verificou que, aplicados ao esporte, tais critérios
dizem respeito a três distintas “classes” de notícias: aquelas relacionadas às mudanças no
elenco dos times (novas contratações); as que se referem aos resultados de jogos e à
classificação das equipes; e aquelas que tratam dos times que lideram a competição, dos
grandes clubes ou de celebridades do mundo dos esportes. A cobertura do homem-banda teve
início justamente porque o Cruzeiro, um dos principais times mineiros, ia jogar em outro país
e a cobertura dos jogos do clube são fundamentais para o jornalismo esportivo da emissora.
143
Público atingido - Para o jornalismo em geral, quanto maior for o número de pessoas
atingidas por um acontecimento, maior a possibilidade de tornar-se notícia. Com o esporte
este critério também explica a predominância de algumas reportagens, como aquelas sobre os
chamados ‘times grandes’. Já as pequenas agremiações precisam gerar fatos curiosos para
terem acesso ao espaço midiático.
Curiosidades/ Fatos inusitados - Por convenção, aquilo que foge da rotina do dia-a-dia é
notícia. Mas a busca por este inusitado acabou por transformar o diferente em rotina, já que
ele é constante em todos os noticiários, “principalmente no noticiário esportivo onde esta
rotina curiosa é o que guia a seleção das notícias relacionadas com agentes que não atendem a
outros critérios de seleção.” (SOUZA, 2005, p.10). Silva fornece um bom exemplo deste
critério, ao comentar o surgimento de uma coruja em pleno estádio:
O Cruzeiro ia jogar a Libertadores na Colômbia. Quando eu chego lá, o fato
principal era um jogador que chutou uma coruja que vivia no estádio. A coruja
pousou no campo, o jogador foi lá, meteu o bico e matou a coruja. Aí a Colômbia
estava em polvorosa. E o Cruzeiro estava chegando justamente nessa data, e o Fábio,
goleiro ídolo do Cruzeiro, é um cara que gosta muito de animais. Aí eu fui lá
conversar com ele, explicar a situação, e ele contou que já adotou uma coruja.
(REPÓRTER MULTIMÍDIA).
Interesse humano, impacto passional e narrativa de superação - Estes três critérios presentes
em qualquer produto telejornalístico podem ser exemplificados no esporte a partir de algumas
coberturas recorrentes no noticiário esportivo. O interesse presumido na carreira e na vida
pessoal dos atletas serve de critério para a noticiabilidade de alguns fatos. Uma típica história
de interesse humano na editoria de esportes é a vida dos jogadores de futebol. A autora
recorre a Gabler (1999) que afirma estarem os eventos esportivos subordinados às histórias de
vida dos atletas e que são essas histórias que acabam por conectar o público a um evento na
atualidade, já que o público não se satisfaz mais com o esporte, e sim, com estórias sobre
esportes.
Silva comenta que precisou mudar o planejamento da cobertura de um jogo entre
Cruzeiro e Desportes Tolima pela Libertadores da América, na Colômbia, pelo fato da mãe de
um jogador ter sido assaltada. A previsão inicial da reportagem era:
144
vou fazer o VT em cima do jogo e depois na correria deles pra sair do estádio pegar
o avião, correr, etc., etc. Aí fechei o VT, gravei minhas passagens, fiz a imagem dos
jogadores entrando no ônibus, entrei no táxi, corri lá fazendo a escolta policial, todo
aquele aparato, os caras entrando, a ideia de pegar eles entrando no avião, etc., etc.
Quando eu cheguei lá, eu vi que tinha um grupinho de jornalistas esperando. Eu
falei: uai, tem coisa aí. Aí um amigo falou: a mãe do Roger foi baleada no Rio de
Janeiro, uma tentativa de assalto, o companheiro dela morreu.. Eu não queria perder
essa informação. Aí encaixei no VT e no final das contas até deu para separar o
Roger em um terceiro VT. (REPÓRTER MULTIMÍDIA).
Ou seja, o drama particular do jogador se transformou em uma única matéria, confirmando o
interesse da imprensa por estórias que envolvam a vida pessoal dos atletas.
Ainda assim, ao acontecimento não basta oferecer uma história de interesse humano,
uma vez que hoje se busca por elas deliberadamente. Por mobilizar um número maior de
sentidos, a televisão está sempre à procura daquilo que desperta emoções nas pessoas, sejam
elas quais forem. No caso do telejornalismo, esta procura se manifesta no caráter
melodramático emprestado às reportagens. Souza (2005) cita Bucci (1996) para quem o
telejornalismo brasileiro se organiza como um melodrama informativo. E o atual modelo
editorial que rege o telejornalismo esportivo parece incorporar de maneira unívoca esta
organização.
Barbeiro e Lima (2005) acreditam que, embora seja costume dizer que não há boa
cobertura esportiva sem emoção, é ela que faz com que o telejornalismo esportivo se situe em
uma linha tênue entre “a pieguice e a razão. [...] O exagero é um passo para a desinformação.”
(BARBEIRO; LIMA, 2005, p. 108). Por isso, os autores defendem que a intervenção do
repórter deve ser discreta, sem manipular os telespectadores com o uso indiscriminado de
adjetivos e advérbios.
Humor, espetáculo e entretenimento- Características cada vez mais presentes no noticiário em
geral, principalmente quando se percebe que o fator audiência está em jogo, estes critérios de
noticiabilidade também se aplicam à cobertura esportiva. Como notícia branda, que dá conta
de um aspecto lúdico presente na sociedade, é inerente a ela a potencialidade de apresentar
humor e espetáculo e de ser selecionada por causa da diversão que pode oferecer. Selecionar
uma notícia pelo humor, espetáculo ou entretenimento é selecioná-la por critérios que de tão
interligados soam como um só. De alguma forma, o telejornal esportivo se constitui como um
momento de diversão em meio à informação, justamente por causa das características da
145
notícia com que trabalha. No programa Alterosa Esporte, os integrantes da bancada, composta
por torcedores dos times mineiros, brincam o tempo todo com os ‘adversários’ e o
apresentador. O tom coloquial e as piadas viraram marca do programa. E a participação do
público, por e-mails e tweets lidos ao vivo, também é marcada por este tom. Cohen comenta
um e-mail enviado após a TV ter mostrado o desfile de mulheres que concorrem ao título
“Gata do Mineiro”, uma competição realizada pela emissora para eleger a mais bonita
representante de um time:
Hoje mesmo, depois que a menina do Ipatinga tinha acabado de desfilar, o cara
mandou uma mensagem falando: eu adoro o Dadá, acho a bancada sensacional, mas
vamos combinar? Essa menina do Ipatinga é maravilhosa. Quer dizer, umas
brincadeiras que são a cara do programa e que tem a ver. O cara interagiu com o
programa, com um conteúdo que acabou de ser exibido e isso é lindo no ar. Muda a
dinâmica
do
programa,
é
muito
legal.
(EDITOR
DE
MÍDIAS
CONVERGENTES).
Valorização do personagem - Reportagens inteiras passam a ser narradas a partir da
perspectiva do personagem que, supostamente, é um componente de humanização da notícia,
uma das prerrogativas de um jornalismo que busca se afastar da frieza dos acontecimentos em
si, da narrativa do fato pelo fato. A personalização foi descrita por Lemos (2002) como a
“síntese dos fatos em figuras exemplares, que tanto simplificam a complexidade do real como
permitem a identificação do leitor”. (LEMOS, 2002, p.3). Fatos, motivações e consequências
podem ser resumidos, de modo simples, nas qualidades e ações atribuídas a um personagem
exemplar.
Souza (2005) busca em Marfuz (2003) a reflexão sobre o papel do personagem na
composição jornalística na atualidade, lembrando que este é um componente que remete à
dramatização da notícia, característica do jornalismo contemporâneo:
A presença do drama na construção do acontecimento jornalístico é uma das marcas
emblemáticas do discurso informativo contemporâneo. O telejornalismo brasileiro
não foge à regra ao tratar a notícia, em muitos casos, como se fosse uma história
extraída de uma peça de teatro, utilizando-se para isto de estratégias dramáticas bem
sucedidas, entre as quais se destaca, por sua importância e recorrência, a
composição da personagem. (MARFUS, apud SOUZA, 2005, p.9)
146
O noticiário esportivo se pauta cada vez mais pelos personagens que protagonizam as
histórias noticiáveis, sejam eles celebridades ou anônimos. De acordo com Lemos (2002), no
futebol, a exposição dos jogadores pela imprensa começou no início do século XX, quando
também o cinema criava as primeiras estrelas. Nas décadas de 1920 e 1930, Mário Filho
introduziu à limitada cobertura de resultados de jogos, comentários e histórias de jogadores. O
jornalista entrevistava os craques e explorava as biografias nos intervalos dos campeonatos
para garantir assunto às páginas de esportes dos jornais. “O jornal constrói um personagem da
mídia ao transformar em notícia todos os seus passos”. (LEMOS, 2002, p.12).
Os ídolos do futebol encarnam, ao longo do século passado e até hoje, aspirações
coletivas como a ascensão social, em especial os negros. “O mundo do futebol é idealizado
como uma meritocracia em que os mais talentosos vencem, a despeito da origem social ou da
cor.” (LEMOS, 2002, p. 13). Para Freitas Filho (1985), os ídolos do futebol surgem e
desaparecem rapidamente, uma vez que o que o mantém “no estrelato é a imagem que se
criou para ele e não o que ele na verdade é.” (FREITAS FILHO, 1985, p.56). Lemos (2002)
acredita que a rápida substituição desses ídolos acompanhe o ritmo da sociedade de consumo.
Para esses autores, há interesses dos dois lados no que se refere à criação, manutenção e
substituição desses personagens do mundo dos esportes. Freitas Filho (1985) ainda afirma que
é por meio dos ídolos que o jornalismo esportivo consegue mostrar
todo um conjunto de valores padronizados que tem por finalidade ‘narcotizar’ as
massas. (...) Os meios de comunicação os colocam frente a frente, todos os dias,
vendendo seu modus vivendi a quem quiser assimilá-lo. Vender, inclusive, encerra
o objetivo último de todo esse complexo. (FREITAS
FILHO, 1985, p.58).
O autor admite, no entanto, que a imprensa não fabrica sozinha os ídolos – existe um
contexto, por trás do ídolo, propício a um perpétuo jogo de interesses. Lemos (2002) também
aponta a participação dos jogadores nesse processo, que segundo ela, por um “movimento
narcísico” e ao se “reconhecerem apenas por meio da mídia,” esses jogadores adotam
comportamentos favoráveis à sua transformação em personagens. Mas, uma vez assim
definidos, eles perdem o controle sobre os próprios personagens em que se transformam.
Geração de boas imagens - Embora para televisão a existência de boas imagens seja um
critério fundamental para a reportagem, Souza (2005) acredita que na cobertura esportiva o
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apelo das imagens tenha uma importância redimensionada no noticiário e, não raro, elas são a
notícia em si: o registro do gol, da falta, da bela jogada. A preocupação em apresentar
imagens de qualidade pontua toda a entrevista do repórter convergente dos Associados. Silva
reconhece que a concorrência possui dezenas de câmeras, de alta qualidade, responsáveis por
flagrar lances decisivos, o que a ele se torna difícil, uma vez que atua sozinho e com apenas
um equipamento. O repórter admite que em jogos especiais, como os clássicos entre Cruzeiro
e Atlético, a participação dele é vetada, uma vez que “as equipes com iluminador,
cinegrafista, repórter, motorista, ou seja, a melhor estrutura tem que fazer Cruzeiro e Atlético.
Ou seja, é uma matéria especial, então vai a melhor estrutura.”. A ele cabe acompanhar esses
times apenas quando estão fora de Belo Horizonte, uma vez que as viagens, com equipes
completas representam um custo elevado para a empresa.
Os critérios apresentados a seguir estão ligados exclusivamente, segundo a pesquisa de
Souza (2005), ao jornalismo esportivo:
Rivalidade, provocação e conflito- O esporte enquanto competição pressupõe a existência de
rivalidade, seja em que nível for: entre times, atletas, torcedores. Logo, a noticiabilidade
também se pauta pelo conflito que se instala nas situações noticiáveis. Silva explica que, ao
dividir o conteúdo de um treino comum, normalmente seguido por uma coletiva, entre a
Alterosa e o portal UAI, este critério de noticiabilidade é decisivo. O exemplo citado por ele o
levou a enviar pela internet, logo após a entrevista, um trecho da fala do treinador para o UAI:
“Na coletiva do técnico que xingou o outro, tava bravo lá, aí eu mando. Xingou, é o assunto,
aí mando lá o vídeo, uma sonorinha.” Silva comenta ainda que os clubes tentam evitar os
atritos, mas esse tipo de assunto ganhou valor na cobertura jornalística:
Hoje os atletas são instruídos a não provocar o adversário, isso fica muito mais na
boca dos dirigentes do que do próprio atleta para evitar provocações. Mas o que gera
assunto é a provocação, na hora de fazer o gol provoca o outro, aí você repercute
isso. Porque só o dia a dia é muito chato. (REPÓRTER
MULTIMÍDIA).
Resultado inesperado- O placar de um jogo aparece como um critério de peso, especialmente
quando é inesperado ou improvável.
148
Realização de competições - os critérios de seleção válidos para determinado esporte acabam
sendo adaptados e servindo de baliza para que as demais modalidades também sejam
noticiadas. O que justifica para o telespectador a veiculação de uma reportagem sobre um
esporte amador, em primeiro lugar, é a realização de uma competição ou algum evento
relativo a uma disputa, como um treino, por exemplo.
Em uma análise para além desses critérios de noticiabilidade, percebe-se que, em
qualquer veículo, o esporte se tornou mais que a ocorrência do fato em si, pois a cobertura
ganhou ainda, na definição de Borelli (2002), uma pré-agenda e uma pós-agenda, como a
preparação do jogo e as ressonâncias do mesmo. Se no início as matérias esportivas se
resumiam às coberturas factuais, uma vez que se acreditava que informações sobre treinos e
concentrações não aumentariam a audiência, hoje a cobertura jornalística é dividida em
factual (que se ocupa do fato em si, no momento da realização) e sequencial (que reporta não
só o antes e o depois do fato, mas também o dia-a-dia específico deste mundo). (FREITAS
FILHO, 1985).
Silva comenta que hoje a cobertura precisa ir além do factual e acredita que, daqui a
alguns anos, esse tipo de reportagem vai ficar em segundo plano, por causa da audiência
alcançada:
O dia a dia, o treino em si, isso não gera muita coisa(audiência). Mas a polêmica, a
briga, a brincadeira, a resposta a uma crítica, isso já gera assunto.Vai sempre além
do factual. Tem que ser a cobertura mais em cima do que gera atrito, o que gera
polêmica, o que gera repercussão, é o pênalti roubado, é o fulano... tem que ser o
diferente. Cobrir o treino em si, eu acho que com o tempo, isso vai acabar, a
cobertura do treino por si. Só vai voltar na hora daquele momento de decisão, mas
enquanto o campeonato tiver no inicial, acho que vai acabar...
(REPÓRTER
MULTIMÍDIA).
E se a cobertura não se prende ao fato em si estimula o que alguns autores,
capitaneados por Eco (1984), intitulam de ‘falação do esporte’, materializada por uma intensa
conversação, nas mais diversas mídias, com programas de mesas-redondas e debates entre
técnicos, especialistas, jogadores e ex-atletas, por exemplo. Os programas esportivos da TV
Alterosa duram, em média, 30 minutos por dia. Para preencher o espaço são veiculadas
opiniões dos torcedores, dos comentaristas que ainda são debatidas no estúdio pelos membros
da bancada e pelo apresentador. No programa Bola na Área, além do apresentador, outros
149
quarto jornalistas do grupo também possuem espaço e tempo livre para comentar e comentar
sobre os comentários etc. Na internet, o Superesportes, área dedicada ao esporte dentro do
UAI, ainda traz espaço para comentários, enquetes e 14 jornalistas do portal possuem blogs
para falar sobre o assunto, além de três mantidos por colaboradores.
Todos esses discursos gerados não pelo fato em si - um jogo, um campeonato - mas
pelos desdobramentos criados pela cobertura jornalística levaram Eco (1984) a afirmar que o
esporte como prática já não existe mais. A noção de praticar o esporte se confunde com a de
falar o esporte. O que temos é apenas “a falação sobre a falação do esporte.” (ECO, 1984,
p.224). Dessa forma, a partir do jogo, há o esporte ao quadrado, transmitido pela mídia, e o
esporte ao cubo, o discurso da mídia sobre o esporte. A imprensa é que recria, engendra e
produz os discursos sobre o esporte, construindo uma grande “falação esportiva”.
E embora o discurso seja contínuo, não há mensagem, a falação apenas obedece à
função fática da linguagem de manter contato. Eco cita a obra mais famosa do filósofo alemão
Heidegger, Ser e Tempo (1927) para explicar esse esvaziamento da mensagem na cobertura
esportiva: “A falação é a possibilidade de compreender tudo sem qualquer apropriação
preliminar da coisa, a falação [...] não só desobriga da tarefa de uma autêntica compreensão,
mas foge a uma compreensibilidade indiferente através da qual nada mais de incerto existe.”
(HEIDEGGER apud ECO, 1984, p.225).
No texto “Mundial e suas pompas” (Eco, 1985), Eco dá mais explicações sobre esse
vazio das mensagens esportivas exemplificando o caso do futebol. Para o autor, quem escreve
sobre futebol precisa ter um mínimo de competência, mas, de uma forma geral, ela é restrita e
bem concentrada. Afinal, o discurso futebolístico “permite assumir posições, expressar
opiniões propor soluções sem que ninguém seja detido ou fique, por isso [...] à suspeita.”
(ECO, 1984, p.231). Eco também critica quem tem disponibilidade cotidiana à discussão
vazia, uma vez que a falação esportiva é a “magnificação do desperdício e por isso o ponto
máximo do consumo.” (ECO, 1984, p.226).
E consumo, traduzido em audiência, é o ponto chave da cobertura esportiva hoje.
Exibir reportagens sobre os grandes clubes mineiros foi o que impulsionou o grupo
Associados a apostar na experiência do homem-banda, uma vez que as outras emissoras
estariam
transmitindo
ou
fazendo
matérias
completas
sobre
as
competições.
Independentemente do motivo que levou o grupo a apostar neste modelo, para esta pesquisa,
interessa investigar como essa produção esportiva para internet e TV se articula com o ideal
150
de convergência de mídias idealizado pelo grupo, o que será discutido no último tópico deste
capítulo.
4.2 Considerações Metodológicas
O método escolhido para essa investigação foi o estudo de caso feito por meio de
pesquisa qualitativa. Esta escolha apoiou-se no pressuposto de que entre o objeto de pesquisa
e o pesquisador está colocada a subjetividade deste último, em todas as etapas de trabalho. A
abordagem qualitativa, por meio da interpretação crítica do objeto empírico, materializou-se
nesta pesquisa na coleta de dados e análises das reportagens e nas entrevistas em
profundidade.
Pensar a questão da convergência de mídias é uma tarefa complexa não só pela
natureza do assunto em si, mas pelo contexto de velozes transformações no qual ela está
inserida. É, portanto, um desafio discutir a dinamicidade de um processo que se faz
exatamente nessa complexidade de interações. A seleção do corpus levará em conta este
aspecto fundamental: a instabilidade da produção do repórter convergente. Uma vez que o
trabalho desse profissional é uma experiência pioneira dentro dos Associados e, como tal, sem
fórmulas prontas para o trabalho diário, a produção de reportagens oscila de modo
significativo dentro de uma mesma semana. Para investigar essa produção, foi realizado um
recorte temporal determinado pela época em que a produção do jornalista ainda era maior na
internet, de modo a possibilitar uma comparação de como as informações eram articuladas
entre TV e web.
Portanto, será analisada toda a produção do jornalista durante a cobertura do jogo entre
Cruzeiro e Real Potosí por uma vaga na Libertadores da América, principal competição de
futebol entre clubes profissionais Da América do Sul, organizada pela CONMEBOL–
Confederação Sul-Americana de Futebol. Embora o jogo tenha sido realizado em 27 janeiro
de 2010, a produção jornalística começou sete dias antes, resultando em 16 reportagens de TV
(divididas entre o Jornal da Alterosa 2º edição e os programas Alterosa Esporte e Bola na
Área), 14 postagens no Mochilão do Esporte, blog hospedado no portal UAI e três notícias
para o Superesportes, parte esportiva do portal. Todo este material foi gravado e salvo para
151
análise. A pesquisa também teve acesso aos scripts do programa Alterosa Esporte, principal
produto esportivo da emissora. A análise destes roteiros, que contém a fala do apresentador
para ser lida no programa, ajuda a revelar se houve comentários sobre o trabalho do repórter
convergente.
Para consecução da pesquisa, ainda recorremos à técnica da entrevista em
profundidade, que permite identificar maneiras diferentes de perceber e descrever um
fenômeno. (Duarte, 2005). As entrevistas em profundidade se mostraram uma forma eficiente
não para dar tratamento estatístico às informações, mas, pelo contrário, entender como a
convergência de mídias é percebida pelo conjunto de entrevistados. Tais entrevistas foram
realizadas com profissionais ligados diretamente ao processo de convergência de mídias: o
Diretor Executivo do grupo – um dos cargos mais altos da empresa – Geraldo Teixeira da
Costa Neto, que já ocupou o cargo de Diretor Executivo da TV Alterosa e do portal UAI e é
um dos maiores incentivadores do processo de convergência; o Editor de Mídias
Convergentes da TV Alterosa/Portal Uai, Benny Cohen e o repórter multimídia do grupo,
Marcelo Silva. As entrevistas foram realizadas nas sedes da TV Alterosa e do jornal Estado de
Minas, em Belo Horizonte, nos dias 4, 6 e 18 de março de 2011.
A intenção desta pesquisa é verificar como os conceitos de convergência
desenvolvidos por Salaverría e Negredo (2008) e Henry Jenkins (2008), que servem de
parâmetro para a implantação desse processo dentro dos Associados, norteiam a produção do
repórter convergente. A base para esta análise foi a teoria da narrativa transmídia, apresentada
por Jenkins (2008). Nesse tipo de narrativa, os diversos suportes midiáticos são utilizados de
maneira sincronizada para que a história possa ser contada em cada plataforma de uma forma
inovadora, sem repetição de conteúdo, valorizando a experiência interativa e tentando
despertar o interesse do público-alvo.
A experiência do repórter convergente serviu como tentativa de aprimorar essa
distribuição de conteúdos, uma vez que o mesmo profissional dominava os processos de
coleta, redação e edição, o que, na teoria, poderia melhorar também a distribuição pelos
canais pré-determinados, evitando a repetição e buscando a complementaridade.
A
articulação entre as reportagens para TV, portal e blog do repórter convergente será
investigada e a intenção é demonstrar se as reportagens de Marcelo Silva conseguiram
materializar a convergência tão buscada pelos Diários Associados.
152
Para Jenkins (2008), as narrativas transmidiáticas que funcionam são aquelas nas quais
cada história é desenvolvida para um meio de forma autônoma, não tornando obrigatório, por
exemplo, ver uma reportagem para entender um post. Por outro lado, cada produto deve
funcionar como um ponto de acesso a todo o conjunto, ou seja, despertar o interesse do
público daquele meio para conhecer o restante da história nas outras mídias. Só assim, o
leitor/espectador terá uma experiência ampliada.
Isso significa que cada versão da narrativa convergente pode ser vista de modo
isolado, mas, se assim for feito, perde-se algo que a natureza dessa narrativa exige: a
complementaridade. Dessa forma, será investigado qual o conteúdo era divulgado na TV e na
web a partir de três categorias de análise que serão aplicadas a cada dia da cobertura, levando
em consideração a repetição ou ineditismo das informações não só entre a TV e a internet,
mas entre os programas exibidos pela Alterosa e os canais digitais do portal; a chamada para
outros veículos e a participação do público, uma vez que, segundo a teoria, a narrativa
transmidiática valoriza a interação, pois, na prática, ela depende da participação ativa do
público. Dessa forma, foi elaborado um quadro comparativo com esses dados – todos constam
no anexo desta pesquisa –, o que permitiu também quantificar em qual meio a produção era
maior e se havia ou não privilégio para a divulgação da informação em algum veículo. O
quadro foi preenchido a partir deste modelo:
QUADRO 2- MODELO DE ANÁLISE DAS NARRATIVAS TRANSMIDIÁTICAS
Conteúdo
Conteúdo
DATA
TV
WEB
AE
JA 2
BA
Mochilão
Superesportes
Título
post/VT/matéria
Repetição/Ineditismo
do conteúdo entre
veículos
Chamadas para
outros veículos
Interação do repórter
com o público
(WEB)
Fonte: Elaborado pela autora
153
4.3 O repórter e suas rotinas
Antes da análise da cobertura do repórter convergente, faz-se necessário esclarecer por
que o jornalista Marcelo Silva foi escolhido para esta tarefa e como funciona sua rotina no
dia-a-dia da redação e durante as viagens, diferença decisiva em seu trabalho. Marcelo Túlio
Mendonça Silva foi contratado pela TV Alterosa em 1993 como operador de caracteres. O
jornalista se dividia entre a redação do UAI e a Alterosa até optar por trabalhar apenas na
emissora. Depois de formado, foi promovido a editor de reportagem de esporte e, desde 2009,
atua como repórter multimídia pleno, cargo que o habilita a produzir para internet e TV,
embora a fonte pagadora seja a emissora. Silva afirma possuir um salário distinto dos demais
profissionais da Alterosa.
É importante ressaltar que ele e seu chefe, o editor de mídias convergentes Benny
Cohen, são os únicos profissionais da emissora a possuir um contrato de trabalho
diferenciado, uma vez que apenas os jornalistas do Estado de Minas e portal UAI possuem um
modelo de contrato multimídia. Segundo Cohen, a explicação é que o modelo ainda não foi
implementado na Alterosa porque seria necessário reajustar alguns salários e a empresa não
pode absorver esses reajustes no momento.
A decisão de transformá-lo neste homem-banda está relacionada ao perfil que o grupo
busca cada vez mais para seus profissionais. Costa Neto afirma que Silva possui “um texto
adaptado aos veículos: tem as ferramentas jornalísticas de internet, que é o texto, e tem as
ferramentas de edição de vídeo que era a função dele na TV. Então ele é o exemplo do perfil
que a gente tem que perseguir.” O diretor executivo dos Associados ainda revela que para
cobrir a Copa do Mundo da África do Sul existia um plano na empresa de enviar outro
profissional, mais experiente em jogos internacionais, mas “esse outro não ia dar conta de
fazer. Então [Silva] foi muito em função do perfil dele, do que as chefias estavam querendo
mandar. É uma pessoa que faz aquilo que a gente vai perseguir, vai ser certamente um
duplicador do processo interno de convergência.”
Esse perfil é mais detalhado por Cohen, para quem Silva combina a experiência de um
editor – profissional que, na Alterosa, além de operar as máquinas ainda edita textos – com o
espírito de alguém característico da geração digital, aberto a novas experiências e interessado
nas novidades tecnológicas:
154
Então a gente tinha um sujeito que é um trator, que não tem tempo ruim com ele, um
cara sempre disposto e a fim de fazer, sempre muito empenhado e bom profissional,
um cara muito aplicado, muito responsável. A gente tem que até mandar ele embora
daqui, vai embora para casa, sai daqui, de tanto que ele é envolvido. [...] Ele é o cara
perfeito pra isso porque sendo editor, sabia como captar na rua, domina os processos...
praticamente veio pronto. Ele precisou de um treinamento de gravação, de como usar o
equipamento, mas edição, subir em FTP, gerar e tudo mais, já estava pronto. E por
esses e tantos outros motivos o processo começou por ele. (EDITOR DE MÍDIAS
CONVERGENTES).
Nessa justificativa fica claro que a dedicação quase integral do jornalista e sua
responsabilidade diante das tarefas são características valorizadas pela empresa, uma vez que,
atuando sozinho nas coberturas convergentes, o profissional precisa enfrentar um trabalho
muito mais intenso. Cohen revela que outros dois repórteres, um também do esporte e outro
da ‘geral’, estão interessados em atuar como Silva:
Um é o Péricles, que já fez metade do treinamento, está faltando só uma parte. O
Péricles já usa o equipamento (câmera e iluminação), mas ainda não aprendeu a
parte da edição. E agora o Cleiton que faz a parte que o Péricles não faz, que é gerar,
editar e subir com a matéria (mandar pela internet para o UAI por meio do programa
FTP). Mas o Cleiton ainda não usa o equipamento. Então eu estou com dois
repórteres já encaminhados para se tornarem repórteres multimídia também.
(EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).
Quanto à rotina de Silva, a intenção inicial do grupo era que ele ficasse livre para
produzir, realizar e editar as reportagens, mas a demanda de trabalho na emissora fez com que
ele fosse incorporado à escala diária da reportagem. Presença que se tornou essencial, admite
Cohen: “A ideia era que ele ficasse sempre fora da cobertura de rotina. (Se Silva saísse da
escala) causaria um prejuízo muito grande para a cobertura porque quando ele não está aqui
pode comprometer o dia a dia, o CT (centro de treinamento) do Atlético, do Cruzeiro,
vôlei...”.
Além dessa cobertura, Silva é responsável pela produção do programa Bola na Área e
começa a semana decidindo quais os jornalistas esportivos poderão participar. O conteúdo é
definido ao longo da semana, de acordo com jogos, treinos e competições do fim de semana.
Paralelamente a este trabalho, “[...] vou cobrindo buracos. Fulano vai fazer uma matéria
155
especial, então você vai fazer o clube. Vai ter um vôlei hoje, então você vai lá fazer e no resto
do dia faz a produção do Bola. Então eu vou me virando nisso.”
A situação se inverte quando Silva viaja para cobrir os jogos de Cruzeiro e Atlético,
principais clubes da capital, focos da editoria de esportes da Alterosa. Nessas coberturas, as
despesas com alimentação, transporte e hospedagem são pagas pela emissora. Gastos extras
referentes ao trabalho são reembolsados posteriormente. É durante esse trabalho que Silva
atua como homem-banda, como explica Cohen:
O trabalho dele muda: vira o Marcelo convergente. Porque ai ele é um cara só, vai
ao campo, grava o jogo, termina o jogo, abre o computador, pré-edita,sobe no FTP,
entrega para o Uai em primeira mão, manda o material para a TV, quer dizer, aí ele
é o cara convergente.(EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).
Essas viagens começaram no início de 2009, quando os dois times da capital mineira
disputaram o Torneio Verão 2009, entre os dias 17 e 21 de janeiro, no Uruguai. A competição
reuniu também os clubes uruguaios Peñarol e Nacional. Silva descreve com prazer essa rotina
convergente: “Aí que eu me dou bem, que eu nado de braçada. Aí são duas, três matérias do
clube que eu estou cobrindo. Aí a pauta é toda minha.”
A seguir serão analisadas as 16 reportagens, os 14 posts e os três vídeos produzidos
por Silva durante a cobertura na Bolívia, que no cotidiano do jornalismo adota o nome
Marcelo Jordy.
1º dia:
O início da cobertura de Silva foi na internet no dia 20 de janeiro. O repórter produziu
um texto curto para o Mochilão do Esporte com o título “Frio e chuva na Bolívia”. O
jornalista explicou que o blog acompanharia, durante sete dias, os preparativos do Cruzeiro
para o jogo contra o Real Potosí, partida que definiria uma vaga no campeonato internacional
Libertadores da América. Nesta postagem é possível identificar os traços que iriam
caracterizar o blog como um diário de bordo pessoal, uma vez que o jornalista não se limitou
a passar informações sobre o futebol, mas também questões particulares da viagem. No
primeiro post, por exemplo, Silva fez questão de contar que iria levar duas malas por causa do
frio que estava fazendo naquele país, mas que a intenção era carregar apenas uma bagagem e
a mochila com os equipamentos. Mochila esta que inclusive mereceu uma foto e é a
inspiração para o nome do blog.
156
Figura 9 - Mochila com parte dos equipamentos utilizada pelo jornalista
Fonte: Blog Mochilão do Esporte
Ainda neste texto, Silva chamou atenção para a integração de conteúdo que o público
poderia acompanhar: “Confira diariamente mais detalhes dessa jornada aqui no portal UAI e
na TV Alterosa.” Entretanto, percebe-se uma falha nessa articulação entre os veículos a partir
deste primeiro texto. Se a emissora é vista como suporte principal para atrair o público para a
web, conforme já informado pelo editor convergente Benny Cohen e mesmo pelo repórter
Silva, o lançamento do blog poderia ter sido noticiado durante os programas esportivos da
Alterosa. Pelo contrário, a primeira postagem foi realizada às 23h05 de uma quarta-feira,
horário incompatível com o do programa, exibido às 12h20. Então, no dia seguinte, seria
estratégico que a emissora anunciasse a existência do Mochilão, mesmo ainda não sendo
exibida nenhuma matéria do repórter na TV. No entanto, não foi feita nenhuma menção ao
blog. Na sexta, quando foi ao ar a primeira participação de Silva no AE, o apresentador disse:
“Direto da Bolívia, o repórter multimídia Marcelo Jordy com informações do cruzeiro na prélibertadores”. Novamente o blog não foi citado.
Os primeiros comentários no blog foram escritos no dia 23, sábado (três dias após o
primeiro texto de Silva), depois que o programa Bola na Área, ao exibir duas matérias do
repórter, anunciou o blog. Mas o Mochilão já contava com três postagens, que poderiam ter
sido mais comentadas se o público soubesse de sua existência. A primeira participação foi às
11h38 do dia 23. Como este é o horário em que o programa está no ar, essa coincidência nos
sugere que, o anúncio do blog tenha motivado o telespectador a conhecê-lo. Tanto que a
participação do internauta diz respeito à cobertura: “Tá (sic) bacana este acompanhamento.
157
Pelo menos assim ficamos mais por dentro do que está acontecendo como nosso Cruzeirão.
Boa sorte a todos!!!!” No entanto, não houve resposta do repórter à mensagem.
2º dia
A viagem do repórter para a Bolívia foi no dia 21, quinta-feira, e durou quase um dia
inteiro, por causa de atrasos e problemas nos aeroportos. A saga desta trajetória rendeu, no dia
22, duas postagens no blog e duas reportagens, uma para o Alterosa Esporte e outra para o
Jornal da Alterosa 2º edição.
Os posts inauguraram a participação do dia. Ás 7h36 Silva contou que estava no
mesmo vôo dos jogadores e revelou detalhes mais íntimos da equipe do Cruzeiro, como o fato
de alguns atletas terem conseguido dormir, enquanto outros ouviam música. Silva dividiu com
os leitores o fato de que os jornalistas que faziam o mesmo percurso quase tiveram suas
bagagens extraviadas. Duas fotos mostraram o saguão do aeroporto e os jogadores no
corredor de acesso ao avião. O comentário foi de apenas um torcedor: “Jordy, eu e meu filho
Matheus estamos ligados no blog. Continue mandando notícias. Boa sorte e muita força.
Vamos pra (sic) ganhar!!!!”. O comentário, embora postado na data 22, foi escrito pelo
torcedor no dia 23, o que está relacionado ao atraso na divulgação do Mochilão pela empresa,
como já foi explicado anteriormente.
No outro post, às 17h11, o assunto foi a chegada a Sucre, depois de uma conexão em
Santa Cruz de La Sierra. Silva descreveu o tempo – “Tá (sic) fazendo um calorão com céu de
brigadeiro por aqui” – e a expectativa entre os atletas: “Daqui a pouco os jogadores deixam o
hotel no centro da cidade para um treino no campo do Universitário de Sucre. O clima na
delegação é de muito otimismo.” Mais duas fotos ilustraram o texto: os jogadores andando
com suas malas pelo aeroporto e do jornalista Álvaro Damião, da rádio Itatiaia, que também
acompanhava a viagem. Oito comentários estavam na página deste dia, mas a única
mensagem realmente com postagem em 22 de janeiro é de Vírgínia Barros, elogiando o layout
do blog. É necessário esclarecer que este recado é da esposa do jornalista, que não se
identificou como tal. Por saber da existência do blog, ela fez um comentário antes de qualquer
pessoa, uma vez que o Mochilão só foi divulgado ao público no dia 23, durante o programa
Bola na Área. Nenhuma das mensagens do público foi comentada pelo jornalista, nem a da
própria esposa.
158
A matéria para o Alterosa Esporte, com um minuto e cinco segundos de duração,
contou sobre o vôo longo entre BH e Santa Cruz de La Sierra e o atraso no desembarque das
bagagens, mostrando que o atacante Tiago não foi para o hotel com os demais jogadores para
aguardar sua mala. O VT ainda trouxe imagens das bagagens dos demais atletas sendo
colocadas em um ônibus e cenas do hotel cinco estrelas onde a delegação mineira se
hospedou. Na passagem, Silva comentou que dali os jogadores iriam treinar na cidade de
Sucre para se acostumarem com a altitude. A reportagem terminou com imagens e uma
entrevista do lateral Fernandinho, poupado do treino para fazer fisioterapia. É importante
esclarecer que estas imagens do jogador foram captadas pela TV Cruzeiro, que sempre
acompanha o time e depois cede imagens para as emissoras. Elas foram usadas porque o
horário da fisioterapia coincidiu com a ida dos outros atletas para Sucre. Sozinho, Silva optou
por acompanhar os demais jogadores e utilizar essas imagens da TV Cruzeiro. Ainda nesta
edição do Alterosa Esporte, o jornalista teve outra participação, mas por telefone, atualizando
os dados da manhã de sexta, uma vez que a matéria só trazia imagens e informações da
quinta. A inserção da voz do repórter por telefone, conhecida como audiotape, durou 47
segundos e revelou detalhes do treino não mostrado na reportagem.
Para o Jornal da Alterosa 2º edição, o repórter abriu a matéria aparecendo no vídeo
em frente ao campo onde o time treinava, informando apenas que os exercícios haviam
começado para o Cruzeiro, mas sem mostrar estas imagens. Em seguida, ele contou que o dia
começou cedo para os mineiros. A partir daí, entraram imagens já exibidas no Alterosa
Esporte, da movimentação no saguão do hotel quando os jogadores estavam indo para o
treino. Provavelmente, o fato de não haver imagens deles treinando está relacionado ao
tempo. Se esperasse para filmar essas cenas para só depois editar e enviar o material pela
internet, o jornalista corria o risco de a matéria não chegar a tempo de ser veiculada no jornal.
O formato dessa matéria foi um flash, um tipo de reportagem no qual o repórter
aparece em pé, no vídeo, dando todas as informações. Este flash pode conter entrevistas ao
final e ser coberto com imagens. A maioria das reportagens sobre esporte para o Jornal da
Alterosa à noite sempre foi em formato de ‘flash’. Os motivos para adoção deste formato
estão relacionados ao tempo e às rotinas deste tipo de cobertura: geralmente, todas as tardes,
os times da capital mineira realizam treinos que terminam por volta das cinco horas. Como
alguns centros de treinamento das equipes são distantes da sede da emissora, este formato
pode ir ao ar sem edição – liberando o trabalho dos editores de imagem para cuidar de outras
159
reportagens – ou requer uma edição mais simples e rápida, uma vez que o telejornal é exibido
às sete da noite. E como a duração desse telejornal não passa de 15 minutos, o flash consegue,
em um tempo curto, passar as informações consideradas mais importantes. Grande parte das
reportagens enviadas por Marcelo Silva da Bolívia para este jornal é neste padrão.
Neste dia, enquanto o blog mesclou notícias de bastidores – como comentários sobre o
clima quente: “Se continuar assim, os agasalhos nem vão sair da mochila”, a empolgação de
outros jornalistas “Veja a cara de satisfação do companheiro Álvaro Damião, da Itatiaia” – e
informações sobre o clube “Daqui a pouco os jogadores deixam o hotel no centro da cidade
para um treino”, as matérias para TV não deram espaço para esses detalhes, se limitando a
mostrar aspectos ligados ao clube e aos jogadores. Houve uma divisão do material produzido
neste dia entre os veículos, com informações se complementando, embora entre as
reportagens exibidas na Alterosa aparecessem imagens e conteúdo repetidos.
3º dia
No sábado, dia 23, a produção do jornalista se dividiu entre dois programas de TV e o
blog. Duas matérias foram ao ar no programa Bola na Área. Antes de anunciá-las, o
apresentador apenas citou que as informações eram do repórter Marcelo Jordy, não fazendo
nenhuma menção à cobertura convergente ou ao próprio cargo do jornalista: repórter
multimídia. A primeira reportagem mostrou o treino que o repórter havia comentado no dia
anterior, mas sem mostrar as imagens. Silva abordou a preocupação do técnico com a altitude
que pode tanto interferir na atuação dos jogadores quanto na direção da bola em campo.
Foram realizadas entrevistas com o técnico e um jogador. Na segunda reportagem, o destaque
foi a atuação de um atleta que faria aniversário no dia do jogo. O VT foi focado no lateral
Diego Renan, que completaria 20 anos um dia após o jogo e gostaria de receber, como
presente, a vitória do time. Percebe-se que ambas reportagens foram realizadas apenas com
dados do dia anterior: imagens e entrevistas do treino da sexta. Mais uma vez, se o jornalista
esperasse os fatos da manhã de sábado para então enviá-los à TV, certamente não haveria
tempo.
Para compensar a falta de notícias do dia, a reportagem para o Jornal da Alterosa 2º
edição explicou que o sábado amanheceu com chuva na Bolívia, o que levou os jogadores
para a academia. Já à tarde, eles treinaram pela primeira vez no estádio. As imagens
160
mostraram o treinamento da manhã de sábado, os jogadores em campo e a presença de dois
médicos e um fisiologista para acompanhar os atletas na adaptação ao novo ambiente. O
formato da matéria foi semelhante ao do dia anterior: um flash de 55 segundos.
Essas informações da manhã de sábado foram atualizadas logo no início da tarde na
internet. Para a web, o jornalista optou por mostrar mais os bastidores e curiosidades que não
foram ao ar nos telejornais. Como os jogadores não treinaram pela manhã e ficaram na
academia do hotel, Silva explicou que resolveu “dar uma voltinha” perto de onde estava
hospedado para conhecer a cidade, que, segundo ele, tem ruas estreitas e muitos vendedores
ambulantes. O jornalista visitou um mercado de alimentos e contou que “Nós mineiros, que
apreciamos um bom queijinho, temos de ter um estômago e uma boca maior para degustar a
versão boliviana”. Como em um diário pessoal, ele deixou suas impressões: “Quem gosta de
carne, fique sabendo que ela é vendida "fresquinha". O vendedor abre o bicho para cortar as
partes bem na frente do comprador. Urgh!!!”. O texto foi ilustrado com cinco fotos do
mercado. Neste mesmo dia, um leitor escreveu no blog: “Bacana amigo, esta matando
curiosidades... e dá-lhe zeroooooooooo!!”
Na outra postagem, de dois parágrafos, Silva explicou em uma linha que o time
treinou no estádio de Potosí e ilustrou com uma foto dos atletas em campo. O repórter se
deteve mais à presença de um advogado (que foi mostrado em uma foto) carioca que, embora
filho de bolivianos, torce para o cruzeiro e que havia ido ao campo para dar dicas ao técnico
do time brasileiro. Marcelo terminou com um comentário bem pessoal, o que acabou
deixando em dúvida sua preferência no futebol: “Espero que as dicas do espião azul e branco
funcionem.” Com este comentário, um leitor se dirigiu diretamente a ele acreditando que o
jornalista também faça parte da torcida cruzeirense: “Então Marcelo, é o Cruzeirão e sua
torcida internacional...”.
É importante ressaltar que na página deste dia 23 aparecem comentários escritos nos
dias 24 e 26. Ou seja, os internautas descobriram o blog mais tarde e deixaram mensagens em
dias anteriores, comprovando que o acompanhamento é individual. Cada um possui um
percurso de leitura, determinando sua ordem e quais momentos vão demonstrar sua opinião.
Entretanto, há um ponto em comum entre algumas mensagens: a reclamação sobre a
divulgação do blog: “Ótimo trabalho! Pena que não está sendo divulgado como deveria.”
Outro recado, escrito no dia 26, mas postado na página do dia 23, revelou o interesse do
público, porém o desconhecimento dos torcedores sobre o trabalho do repórter:
161
Nunca tinha entrado nesse Mochilão, pela primeira vez qe (sic) entrei gostei muito.
Vcs (sic) estão de parabéns. Além de cobrir o dia-a-dia da viajem (sic) e da próxima
partida do cruzeiro em Terras estrangeiras ainda nos farnece (sic) informações da
cultura local, muito interessante! Se Depender da vontade da Nação Azul Estrelada
vai ter muito mochilão até o final da Libertadores!!! (TORCEDOR).
Independentemente do dia no qual a mensagem foi escrita, não houve resposta do
jornalista a elas. Fato este que vai se repetir ao longo de toda a cobertura. Mais adiante, como
poderá ser observado, a interação vai se dar entre os próprios torcedores.
4º dia
Como 24 de janeiro era um domingo e, portanto, sem programas na TV Alterosa, Silva
produziu apenas para o blog. No primeiro post, ele descreveu a conversa que teve com o
técnico da equipe boliviana por telefone. Segundo o jornalista, o treinador só definiria a
escalação 30 minutos antes do jogo. Outra informação divulgada foi a de que o técnico do
Cruzeiro fechou o treino para a imprensa, já que jornalistas bolivianos haviam aparecido
também. E disse que conversou com repórteres daquele país e descobriu que o estádio onde o
Cruzeiro iria jogar, em Potosí, não estava em boas condições. Terminou dizendo “Tô indo até
lá amanhã para conferir.” O post é ilustrado com três fotos: do treino, do técnico cruzeirense e
de um jornalista boliviano.
Figura 10 – Jornalista boliviano acompanha treino cruzeirense
Fonte: Blog Mochilão do Esporte
162
Na outra postagem, com mais cinco fotos de Sucre, o jornalista voltou a revelar
curiosidades sobre a cidade. Ele fez questão de compará-la a uma cidade mineira: “Sucre é
uma cidade que lembra Ouro Preto por causa das montanhas e da arquitetura.” e deu detalhes
do dia-a-dia, contando que a maioria das pessoas que ele via nas ruas era muito humilde. Silva
afirmou ainda que a moeda boliviana era muito barata: “um dólar vale sete pesos bolivianos.”
Para exemplificar, revelou, por exemplo, quanto custava uma garrafa de Coca-Cola: R$ 0,53.
Informações que renderam comentários como: “Sucre parece ser uma linda cidade E ficara
(sic) mais bonita com as 5 estrelas Vamos Cruzeiro detonar o Potosi”;“Vizinho nosso cultura
diferente..muito bom detalhes..e melhor e o cruzeiroo na area....zeirooooo”; “Parabens pela
matéria,muito bacana,esperamos que vc. (sic) volte p o Brasil com a vitoria do Maior de
Minas”.
O jornalista também contou que em Sucre não havia Mc Donald’s e informou quanto
custava uma camisa do time espanhol de futebol do Barcelona, que segundo ele, por ser tão
barata, R$40, deixava dúvidas sobre a autenticidade: “Se é oficial ou não, é outro papo. Mas
fiquei desconfiado.”, o que gerou o comentário: “Amigo Jordy, me traz uma camisa destas de
presente . . . rsrsrs.Parabéns pelo trabalho. Sorte para você e mais ainda para o Cruzeirão.”
5º dia:
Nesta segunda-feira, a produção se concentrou na TV. A primeira reportagem do AE
apresentou uma dúvida do técnico Adílson Batista: um dos laterais, Jonathan, apresentava
dores no tornozelo. A matéria explorava a situação do jogador e apontava possíveis
substitutos, entre eles, o lateral Fernandinho. Na introdução da segunda matéria, Silva
mostrou que a altitude não era mais problema para os jogadores, que, no entanto, precisavam
ter mais velocidade em campo. Dois atletas comentaram o assunto em entrevistas. A matéria
ainda levantou uma polêmica sobre a negociação do atacante Kléber com o Palmeiras e a
expectativa dele sobre uma possível convocação para a Copa. Percebe-se que, embora a
notícia principal fosse o fato do time estar pronto para a partida, Silva acabou dedicando mais
tempo à especulação em torno do futuro profissional do atleta.
À noite, foi ao ar no Jornal da Alterosa 2º edição uma reportagem de 46 segundos
contando que a fase de adaptação à altitude havia acabado e a dúvida do técnico sobre a
escalação de Jonathan, com problemas no tornozelo. Assunto também explorado para a
163
reportagem exibida mais cedo no AE. A diferença ficou por conta de uma entrevista com
outro aspirante ao lugar de Jonathan, Pedro Ken. Para a matéria se tornar mais “factual”, o
jornalista explicou, em um encerramento (quando o repórter aparece no vídeo dando a última
informação da reportagem), que o dia seguinte era o último de treinos em Sucre antes da
partida, o que representava também a oportunidade para o técnico definir a escalação.
O curioso deste dia de produção está na repercussão na internet. Embora Silva não
tenha postado nenhuma informação no blog nessa segunda-feira, o fato de o Alterosa Esporte,
programa de maior audiência da TV Alterosa, ter exibido a primeira reportagem e o
apresentador anunciado, depois de mostrada a matéria, “Acesse o Superesportes e acompanhe
o blog Mochilão do Esporte”, exibindo o endereço eletrônico, resultou em dezenas de
comentários. E como não havia texto no blog sobre o dia 25, os internautas passaram a
comentar as postagens mais antigas.
E é neste momento que fica mais claro o retorno do público ao trabalho do jornalista.
Alguns torcedores começaram a escrever nos posts do dia 22: “Boa Jordy, traga mais
informações da Bolívia e tente arrancar os supostos reforços da cúpula. Boa sorte pra nós.”
Tal comentário, postado no dia 22, se refere, no entanto, à reportagem exibida na TV no dia
25, sobre os substitutos dos jogadores lesionados. A participação seguinte já se refere ao
trabalho do jornalista de forma geral: “Cara, adorei o blog! Como não conheço a cidade, foi
muito legal ficar conhecendo um pouco mais da cultura dos "hermanos"... Espero que vc (sic)
coloque logo mais novidades sobre nosso Cruzeiro e mais informações sobre a cultura local.
Grande abraço!”. Percebe-se por esta mensagem que o leitor conferiu os outros textos do
blog, como o que descreveu a cidade de Sucre. Ainda neste dia aparece, pela primeira vez, a
provocação entre as torcidas, rivalidade típica do futebol e que não fora abordada pelo
jornalista em qualquer material produzido por ele: “VÃO LEVAR OUTRA CHIBATADA
DE 5,” referente ao placar de uma partida entre Cruzeiro e Potosí em 2008, quando o time
mineiro venceu por 5 a 1.
Outros oito torcedores comentaram o texto do dia anterior, 24, no qual o jornalista
apresentou a cidade – “É uma pena ver um país tão bonito, continuar tão pobre. No mais, que
a Máquina Azul de fazer gols detone o "Real" Potosí. 3X0 pra nós!!! Zêrooo” – e curiosidades
locais, como o preço de um refrigerante e o de uma camisa de futebol: “A camisa do
Barcelona é falsificada.”; “Gostei do post. Quando voltar, traz uma Coca Cola para mim!!!
Parabéns pelo trabalho.”
164
É interessante que apareceram também comentários sobre a viagem do jornalista à
Bolívia, alguns irônicos e outros com um tom mais de humor: “Uau! Graças ao Cruzeiro o
jornalista está conhecendo a incrível e excitante Bolívia! O que será que vem a seguir, o belo
Paraguai? Façam-me o favor né (sic)...”; “Ô Jordy, agredeça (sic) ao Cruzeiro essa sua
viagem internacional.... Só ele mesmo para te proporcionar algo assim..”; “Éh...se não fosse o
cruzeiro.. jornalista esportivo mineiro não conheceria o mundo! parabéns pelo blog Marcelo!
um abraço!”
Este texto sobre a cidade de Sucre foi o mais comentado até então, com 12 mensagens,
o que torna clara a força da TV para divulgar conteúdo de outros meios e, portanto, incentivar
o deslocamento do público. Se tal estratégia tivesse sido utilizada desde o início, o retorno dos
leitores na internet poderia ter sido muito maior, embora o jornalista não desse retorno às
mensagens do público.
6º dia:
O dia 26 foi marcado por uma maior produção do repórter tanto para TV quanto para
web. Para o Alterosa Esporte, a reportagem exibida, de dois minutos e cinco segundos,
começou mostrando a péssima estrutura do estádio de Potosí e o treino dos bolivianos,
realizado em um campo anexo para proteger o gramado principal. A matéria ainda revelou
quem eram os principais jogadores do time adversário e o fato de o técnico daquele país
estudar as estratégias cruzeirenses há muito tempo. Foram apresentadas entrevistas com o
treinador e dois atletas bolivianos.
Para o telejornal da noite o repórter produziu um flash de 39’’ com as informações do
treino do dia da equipe cruzeirense. A matéria começou com a situação do lateral Jonathan,
mas não explicou que ele estava com problemas físicos: “O lateral Jonathan trabalhou
normalmente e deve reforçar o time para amanhã.”, o que pressupõe que o telespectador saiba
que tal atleta apresentou um problema físico, divulgado apenas em uma matéria do dia
anterior. Após cinco dias de preparação, nenhum jogador teve problemas sérios com altitude,
embora a orientação do técnico, de acordo com a entrevista de um jogador, fosse para evitar a
correria desnecessária e usar estratégia. No encerramento, o repórter apresentou informações
sobre a programação do clube para o dia seguinte: “Amanhã, às quatro da tarde, atletas e
comissão técnica seguem de carro para Potosí no primeiro jogo da seletiva da Libertadores.”
165
Para a internet, o jornalista produziu dois textos. O primeiro explorou a presença do
primeiro torcedor mineiro em solo estrangeiro, que saiu de Bom Despacho, cidade no centrooeste de Minas, acompanhado de um amigo que torce para o rival Atlético. Uma foto deste
cruzeirense serviu de ilustração. A viagem dele gerou comentário de outro leitor:
Olá galera cruzeirense!Sou de SP e infelizmente não pude ir acompanhar a caravana
azul em Potosi, mas semana que vem estarei em BH pra (sic) ver o jogo da volta e já
tenho viagem marcada pra Argentina pra assistir o jogo com o Velez. Se tem mais
alguém que vai pra argentina por favor me de algumas dicas pois vou sozinho e
nunca acompanhei o time fora do brasil...Abraços! (TORCEDOR).
Figura 11: Primeiro torcedor a chegar à Bolívia
Fonte: Blog Mochilão do Esporte
Este torcedor de Bom Despacho continuou rendendo comentários no blog mesmo no
dia seguinte à postagem do repórter, o que pode ser explicado pelo fato de ter ido ao ar, no dia
27, uma matéria no Alterosa Espore citando rapidamente a presença dele: “Valeu nação (sic)
celeste...Bom Despacho - MG é só Cruzeiro.”;
“Acho legal o torcedor atleticano que
acompanhou o Rodrigo até Potosí para ver o Cruzeiro... afinal de contas, só assim mesmo pra
ver de perto um jogo da libertadores!!! Abraço azul....”.
A outra postagem do dia 26 foi menor, com uma foto do técnico boliviano e três
parágrafos, mas gerou muitos comentários. O texto começou com um relato pessoal do
jornalista explicando que o dia havia sido pesado: “Acordei às 5h30. Peguei um táxi para
166
Potosí às 6h30. Cheguei lá por volta de 9h30. A estrada é terrível, falarei sobre isso em
breve.” A matéria sobre esta saga foi ao ar no AE no dia seguinte. O jornalista também
descreveu, resumidamente, a estrutura do estádio em Potosí e Silva chamou atenção para a
convergência – em seis dias de trabalho, esta foi a segunda vez que o jornalista convergente
mencionou que estava produzindo para outros meios desde o início da cobertura – ao anunciar
que uma reportagem sobre esse assunto seria exibida no Alterosa Esporte daquele dia: “Fiz
uma reportagem sobre isso, que vai ao ar no Alterosa Esporte desta terça-feira.” Silva ainda
escreveu sobre o técnico: “As palavras do técnico me chamaram atenção. O cara acompanha o
Cruzeiro desde o fim do último Campeonato Brasileiro.”
Se a postura do técnico boliviano atraiu a curiosidade do jornalista, também ela foi a
responsável por muitos comentários: “Se ele sabe tudo do Cruzeiro, deve saber que eles são
um tipo de atlético nascido nas alturas, logo, merecem levar de 5 na Bolívia, no Brasil ou no
Monte Everest!.”; “Isso aí é para tentar enganar o Adilsom..ele deve ter olhado na internet....é
ir pra (sic) cima e repetir os 6 a 0 do Uberlândia”; “Será que ele sabe que o CRUZEIRO tem a
maior torcida de Minas (mais do dobro) e a maior do Brasil fora os times do eixo? Será que
ele sabe que o CRUZEIRO nunca foi rebaixado? Será que ele sabe quem domina o futebol em
Minas Gerais?”
Outros leitores elogiaram a cobertura dos bastidores: “Parabéns pelo trabalho! Estas
informações extra futebol também são válidas e bem interessantes... Estes diários de viagem
são bem interessantes... Abraços.”; “Mto (sic) legal seu blog!Com a china azul pode saber um
pouco mais sobre os bastidores da partida do cruzeiro!”
Pela primeira vez, percebe-se, nos comentários, uma interação entre os próprios
leitores: “Concordo com o Arley Júnior. O Real Potosí é um time do nível do time monotítulo
de Vespasiano e vai levar de cinco também. É FATO!” Este mesmo leitor escreve mais
adiante dois comentários provocando a torcida atleticana: “Será que ele sabe que em
Vespasiano temos um time monotítulo cuja torcida arco-iris vai torcer desesperadamente pelo
time dele?”; “Será que ele sabe que esta torcida arco-iris que vai torcer para o time dele é
composta só de machos como Reinaldo, Tutti Maravilha, Christian Pior, André Nemésio,
Marcelo BBB e Milton Neves?”(reconhecidos torcedores atleticanos). Outro leitor ainda
complementa:
167
Que se cuide o Real Potosi, pois o cruzeiro está fino em todos os quisitos (sic),
espero comemorar pelo menos uns 5 a 0 nesta partida de ida do cruzeiro, e depois só
cozinhar o galo no mineirão e ir rumo a mais uma taça da libertadores, coisa que o
Gaylo (sic)não tem...rsrs... (TORCEDOR).
A revanche atleticana não demora a aparecer:
Parabéns pelo trabalho que realiza na bolivia!! para nós torcedores apaixonados
pelo cruzeiro, qualquer informação é emoção. Valeu. Aos Pateticanos (sic) de
plantão que já não sabem fazer outra coisa a não ser bisbilhotar e invejar a felicidade
alheia, só me resta ter pena. Logo eu que não tenho pena de nada, pois acho que
Deus dá o que cada um merece!! (TORCEDOR, grifo nosso).
Esta declaração confirma que, para os torcedores fiéis, qualquer notícia referente ao
time interessa. Isto é, não apenas o jogo, mas o que o envolve, seja a cidade onde a partida
será realizada ou a estrada até o estádio. A ‘falação do esporte’, discutida no início deste
capítulo, comprova o que Eco (1984) defende: a noção de praticar o esporte se confunde com
a de falar sobre o esporte.
Entre os comentários que aparecem nesta postagem dois chamam atenção por não
tratarem dos assuntos citados acima. Um leitor tenta um diálogo com o jornalista: “Marcelo
está muito bom o blog. Eu gostaria de saber qual a expectativa da torcida do Potosí. Eles
acreditam mesmo que vão ganhar do Cruzeiro? Queria saber também se o bigode do técnico é
alguma promessa neste sentido.kkk”. O fato do Mochilão do Esporte não explicar que o
acompanhamento é do Cruzeiro por causa do jogo da Libertadores – tal informação aparece
apenas no primeiro post, do dia 20 – leva um leitor a afirmar que o blog é de um time só:
“Credo, esse blog é de cruzeirense............. cruzes em cruz! (sic)”.
7º dia:
O dia 27 é o mais importante para a cobertura, já que é o dia da partida entre Cruzeiro
e Real Potosí. Um dos pontos de destaque é a estréia do repórter no portal UAI. A produção
começou pelo Mochilão do Esporte, para o qual Silva produziu três textos. O primeiro
mostrou o último treino do Cruzeiro, marcado por um “rachão” entre atletas e equipe técnica,
com uma foto do roupeiro jogando e um vídeo de 41 segundos – o primeiro do blog – no qual
aparecem os cruzeirenses jogando farinha em um dos colegas, por causa do aniversário dele;
imagens que não foram ao ar na reportagem sobre esse assunto exibida mais tarde pela TV. O
168
post terminou com Silva chamando atenção do público para a narrativa convergente: “Veja
tudo isso no Alterosa Esporte de hoje com direito a polêmica declaração do roupeiro.” Ou
seja, destacou na internet uma entrevista que só seria apresentada na TV.
É interessante observar que apenas um leitor comentou sobre o Cruzeiro antes do jogo –
“Geraldinho tem que ser o centroavante do Cruzeiro!!!!Vem aí o G9,o novo artilheiro do
Cruzeiro!!!”. Os outros escreveram sobre a própria cobertura do jornalista: “Belas reportagem
(sic), estou acompanhando tudo. um abraço.”
Queria parabenizar pela iniciativa do Blog, que graças ao cruzeiro, ainda terá muitas
outras curiosidades sobre os países sulamericanos para mostrar. Gostaria de
parabenizar também todos os cruzeirenses que conseguiram ir até a bolívia para
assistir ao jogo. Ainda não tenho condições, mas assim que puder me juntarei a
vocês. Força Cruzeiro.
(TORCEDOR).
Um torcedor que também fez a viagem para a Bolívia quis compartilhar a saga:
Acabo de chegar em Santa Cruz da la Sierra. Agora sao 01:30h hora local. Saí sozinho
do interior de Minas, exclusivamente para ver o jogo. Durante o voo de Sao Paulo
(escala em Campo Grande) pra ca (sic), somente eu como passageiro estava com a
camisa do Cruzeiro. Estou seguindo agora pela manha para Sucre no vôo n. 132 da
Aerosur. Em seguida pego um táxi ou um ônibus de carreira e chego em Potosi. Tenho
certeza que estaremos em grande número logo mais no estádio do Potosí, para vencer
com grande estilo a equipe local. Pode parecer loucura vir sozinho, mas vivi aqui
durante 4 anos e conheco cada pedaco desse país. Só um time vencedor e com muitas
glórias pode nos proporcionar essas emocoes. Aí China Azul, estamos na Libertadores
de novo! Vamos agitar hoje a noite! Abraco a todos e ao Jordy pelas belas reportagens.
(TORCEDOR).
O segundo post, com três fotos da cidade, é uma descrição sobre a viagem entre Sucre
e Potosí, assunto que Silva, no dia anterior, já havia se comprometido a relatar. Como a
viagem fora realizada um dia antes, para atualizar o texto, o jornalista começou escrevendo
“É hoje. Logo mais, Cruzeiro e Potosí começam a decidir quem entra de vez na Libertadores
2010 [...]. O elenco celeste se preparou bem aqui em Sucre mas a missão será complicada. A
começar pela viagem de 160 km pela rodovia BO-05.” A partir daí ele contou os problemas
na estrada, curiosidades pelo caminho, como a fachada de um castelo e a existência de uma
famosa cervejaria, patrocinadora do clube boliviano. O post terminou com a chamada para o
programa da TV: “Hoje no Alterosa Esporte, vou mostrar um pouco do local do jogo desta
quarta. Assistam a partir de 12h20 na TV Alterosa.”
169
É curioso observar que os dois únicos comentários desta quarta-feira no blog não
estavam relacionados ao futebol, mas à cervejaria
Caro Marcelo. Será q. (sic) a cerveja citada é realmente de qualidade? Não é só a
água q. faz uma cerveja ser de qualidade. (sic) Isso é um mito. Os ingredientes como
o malte, o lúpulo e o tipo de fermentação influenciam muito mais no sabor final de
uma cerveja. Nunca ouvi falar de uma cerveja boa na Bolívia, talvez só aí deve haver
tal fama! Um abraço!!! (TORCEDOR).
e à própria cobertura: “Muito legal o blog, já está salvo nos favoritos e todo dia passo para dar
uma olhada. Saudações.”
O último texto do dia no blog, postado no fim da tarde, trouxe a mesma reportagem
exibida mais cedo no Alterosa Esporte sobre a viagem de Sucre a Potosí. O vídeo estava
acompanhado de uma frase: “Potosí não tem só o real. A cidade é sede da casa da moeda
boliviana e de uma das melhores cervejas do mundo. Confira no vídeo.” E, mais uma vez, o
comentário deste post foi sobre a cobertura e a rivalidade entre Cruzeiro e Atlético, time este
que nem havia sido citado pelo jornalista: “Será que o cara do mochilão do esporte tb (sic)
vai acompanhar a epopéia do atletico indo até (onde mesmo?) enfrentar o juventus? Acho que
eh bom levar provisões p/ vários dias. Arriscar p/ que?!!!!”
Três reportagens foram exibidas nesta quarta feira na TV, uma miscelânea de assuntos já
postados no blog. Na primeira, de dois minutos e três segundos, o enfoque era sobre o sonho
de qualquer time chegar a final da Libertadores. O jornalista levantou uma polêmica de que o
time boliviano estaria sendo subestimado. Tal afirmação foi baseada em uma entrevista de um
jogador brasileiro que atua no time boliviano que acredita que o Cruzeiro estava com mais
receio da altitude do que do time deles. O jornalista apareceu em uma passagem afirmando
que o Cruzeiro não entrou nessa provocação e que a palavra de ordem do time brasileiro era
respeito. A reportagem seguiu contando que o técnico cruzeirense estava tranquilo e, por isso,
abriu as atividades para a imprensa local e brasileira. Sobre o treino mesmo, o repórter
revelou pouco, se limitando a uma frase: “Jonatan trabalhou normalmente e deve jogar
amanhã.”, pressupondo que o telespectador saiba que tal atleta teve um problema físico já
mostrado em uma reportagem dias antes. A matéria foi encerrada com o torcedor mineiro, o
primeiro a chegar, e seu companheiro de viagem, um atleticano, fato já mostrado no blog no
dia anterior. A reportagem começou e terminou enfocando sentimentos de rivalidade: no
170
início do VT, em um tom mais sério (entre Cruzeiro e Potosi), e no final, a rixa (entre os
amigos viajantes) é mostrada em tom de brincadeira.
A segunda reportagem, de um minuto e dezenove segundos, focou mais no último
treino, assunto também já explorado no blog. Para diferenciar do texto da internet, o jornalista
começou a matéria com uma comparação: brincou com as palavras em relevo na fachada da
prefeitura da cidade de Sucre – “A união faz a força” – e as comparou ao objetivo do time
cruzeirense de jogar unido. A reportagem terminou com a participação do preparador físico e
do roupeiro, que bateram bola no recreativo antes do jogo.
Já a terceira reportagem convidou o telespectador a viajar com Silva. Com dois minutos
e doze segundos, o repórter mostrou o percurso de 160 km entre Sucre e Potosi. Informou a
existência de pedágio, embora a estrutura da pista fosse precária. De dentro de um táxi, o
jornalista filmou a chuva e a neblina, que pioram a viagem. Ele apareceu no vídeo com uma
fala que soa como desabafo, já que a travessia parecia arriscada: “É uma aventura.” Este é o
único momento nesta cobertura que se assemelha às videorreportagens tradicionais, nas quais
o jornalista segura a câmera e se filma, comentando algo, em tom bem pessoal. Por estar em
um carro em movimento, a imagem é tremida, entretanto, rápida.
Com a melhora do tempo, Silva apresentou a fachada de um castelo pelo caminho e as
montanhas com neve. Na passagem, confirmou: “Enfim chegamos a Potosi.” aproveitando
para falar algumas características geográficas, como a altitude, e curiosidades, como a
existência da Potosina, considerada uma das melhores cervejarias do mundo, que é a
patrocinadora da equipe. O repórter mostrou ainda torcedores bolivianos e a Casa da Moeda
boliviana, sediada ali pelo fato da cidade possuir grandes reservas de prata. A matéria
terminou com um resumo dos assuntos apresentados: “Contra o frio, a altitude. É o Brasil
querendo colocar água no chopp boliviano.” A única informação que não apareceu na TV
mas foi registrada pelo repórter no blog foi o valor pago pelo táxi até o estádio do jogo.
Mesmo depois das três reportagens, não houve qualquer comentário do apresentador sobre a
cobertura convergente, de que outras informações estariam no blog, embora o repórter tenha
se preocupado em convidar o público a conferir as matérias da TV.
A partida entre os times foi realizada à noite e logo depois do jogo o jornalista
produziu três vídeos para o Superesportes, seção de esporte do UAI, inaugurando a primeira e
única participação do repórter no portal ao longo da cobertura. Um vídeo mostrou entrevistas
do técnico e de um jogador sobre a partida; o outro deu voz ao diretor do Cruzeiro sobre a
171
expulsão de um jogador; e o terceiro revelou a opinião do técnico também sobre essa
expulsão. Material curto, quase sem edição, para que pudesse ser enviado pela internet parta a
redação do UAI com agilidade, para garantir uma imagem de eficiência do site na cobertura
do jogo.
8º dia
No último dia de produção do jornalista na Bolívia houve um reaproveitamento de
parte do material divulgado pelo UAI na noite anterior e a apresentação de informações
inéditas no blog. No Alterosa Esporte, as entrevistas do técnico e diretor do clube sobre a
expulsão de um atleta – exatamente o mesmo material exibido no Superesportes – foram
apresentadas em um bloco. Em outra parte do programa, mais uma entrevista do técnico, mas
agora sobre o próximo adversário, assunto que não foi abordado no trecho divulgado da
entrevista dele no UAI.
A terceira produção de Silva mostrou os bastidores da ida do time celeste para o estádio,
desde a transferência de material técnico e uniforme até a chegada dos jogadores para a
partida. Outro assunto muito explorado foi a torcida dentro e fora do campo. A matéria
terminou com o repórter no vídeo informando o resultado do jogo e duas entrevistas com
jogadores, já exibidas no UAI. É preciso esclarecer que como a Alterosa não possui os
direitos da transmissão dos jogos, o jornalista ficou impossibilitado de fazer imagens da
partida. Por isso, Silva se concentrou no antes e depois, produzindo um material mais focado
no comportamento que nos detalhes da partida em si.
Os dois últimos posts do Mochilão do Esporte apresentaram material inédito. O
primeiro contou que o jogo terminou empatado e mostrou, com três fotos, o embarque dos
jogadores para o Brasil, contando que a viagem estava atrasada, até para ele: “Eu também
estou por aqui, tomando chá de aeroporto (e não de Coca) nessa espera, atualizando o blog na
medida do possível”. E finalizou agradecendo: “O Mochilão do Esporte agradece a todos que
visitaram esta página nos sete dias de cobertura da preparação celeste para a partida em
Potosí.”.
Dos três comentários, um elogiou o blog: “Mtooo (sic) bacana a iniciativa. Iria ser
interessante acompanhar o mochilao do esporte em todos os jogos fora de Bh do Cruzeiro
nessa libertadores 2010. PARABENS”; outro criticou a postura de Silva na televisão:
172
“JORDY DO CEU (sic)...AMARRA A MAO NA HORA DE FALAR NA TV...NINGUEM
GUENTA O SOB E DESCE DESSA MAO SUA”; e apenas um comentou o jogo seguinte
entre Cruzeiro e Potosí, desta vez, em Belo Horizonte: “O CRUZEIRO VAI DAR UMA
GOLEADA TÃO GRANDE NESTE TIME HORROROSO DO POTOSI NO MINEIRÃO,
QUE ELES VÃO ERRAR ATÉ O CAMINHO DE VOLTA.”
O último post, com mais uma foto dos jogadores no aeroporto, contou sobre a maratona
de embarques e conexões que atletas e jornalistas estavam enfrentando por causa dos atrasos
na companhia aérea boliviana. E revelou que todos os passageiros teriam que pernoitar na
cidade. “Aí, mais um hotel, outro vôo na sexta pela manhã, jogo no sábado, decisão na
quarta... e a gente trabalhando junto para informar. Se mochilão é aventura, da próxima pego
o trem da morte. Quem sabe, ele não atrasa.”
E como observado na maioria dos comentários sobre os textos do jornalista, as opiniões
nesta postagem não se referiam tanto ao time. Apenas um leitor fez uma consideração sobre a
atuação cruzeirense:
É com muita ingratidão que deixo meu comentário oque esta acontecendo com o
cruzeiro... sera q (sic) a profecia do Cajuru esta caindo....Disse uma vez que os
Perrelas iriam acabar com o Cruzeiro e encher os bolsos que nos cruzeirenses iriamos
ver isso acontecer em breve..e um Absurdo um time igual o nosso que considerado o
mais RICO DE MG.... (TORCEDOR).
Os bastidores mostrados no blog, como curiosidades sobre as cidades, continuaram
rendendo comentários:
Fiquei curioso em conhecer essa cerveja cahama (sic)da potosina...Depois que vim
parar aqui nos EUA, passei apreciar cervejas de outros paises,,,Aqui tem muita
cervejas de excelente qualidade, vou procurar essa tal de Potosina por aqui, ela
deve ser boa mesmo, uma agua de boa qualidade da mais sabor na cerveja.Fiquei
curioso, vou na capitura dessa danada!!!Um bom retorno. (TORCEDOR).
A própria cobertura jornalística, no entanto, motivou o maior número de comentários:
“Valeu Marcelo Jordy... tomara que o Cruzeiro va (sic) longe nessa caminhada rumo ao titulo
das Libertas e que vc tenha muitas e muitas historias pra contar pra nos.. (sic)”; “Sorte sua de
esta (sic) cobrindo um time Chamado Cruzeiro, por que se vc fosse cobrir o atretiquim, no
maximo vc iria, para o interior de Minas( se bem que nosso interior, tem muitas "coisas"
173
interessantes, neh nao?)Continue mostrando as curiosidades dos locais, post mais fotos...
Valeu (sic)!!!!”; “Nas proximas coberturas, faca mais entrevistas com os jogadores...”; “Valeu
Marcelo!!! continue viajando com o melhor Clube Brasileiro do seculo XX pois assim, vc
pode chegar a Dubai!!!Avante Cruzeiro (sic)”.
A tabela seguinte sintetiza a produção total do repórter durante a cobertura para todos
os veículos:
QUADRO 3 – ANÁLISE GERAL DA PRODUÇÃO TRANSMIDIÁTICA
Data
20/01/2010
TV
_
Superesportes
_
Blog Mochilão
1- Frio/chuva
1 chamada (p/ UAI e
TV)
Ineditismo
/repetição
22/01/2010
Ineditismo
/repetição
23/01/2010
Ineditismo
/repetição
24/01/2010
1- Cruzeiro em Potosí (AE)
2 – Cruzeiro já treina na
Bolívia ( JA2)
2 assuntos inéditos
1 repetido (AE repete blog)
3- Cruzeiro na altitude
(BA)
4- Um presente para o
lateral (BA)
5- 1º treino no estádio (JA2)
3 inéditos (2 no BA e 1 JA2)
1 repetido (JA2 repete blog)
_
_
_
_
Ineditismo
/repetição
1 assunto inédito
2- Para/descansa um
pouquinho
3- Quase no topo
2 inéditos
4- Enquanto o time não
treina
5- Perigo do outro lado
da montanha
2 inéditos
1 repetido (do JA2)
6- No, usted no
7- Quanto vale um
boliviano
2 inéditos
25/01/2010
Ineditismo
/repetição
6- Cruzeiro: laterais ( AE)
7- Cruzeiro treino secreto
(AE) (1 chamada
p/internet)
8- Jonathan é dúvida (JA2)
_
174
3 inéditos (2 no BA e 1JA2)
1 repetido (JÁ 2 repete AE)
26/01/2010
9- Cruzeiro na Bolívia (AE)
10- Cruzeiro pronto para
altitude (JA2)
_
Ineditismo
/repetição
27/01/2010
Ineditismo
/repetição
28/01/2010
Ineditismo
/repetição
2 inéditos (AE e JA2)
1 repetido (AE repete blog)
11- Cruzeiro/bola na altitude
(AE)
12- Último treino (AE)
13- Cruzeiro/estrada para
Potosí (AE)
3 inéditos(AE)
3 repetidos (AE repete do
blog)
14 – Repercussão jogo (AE)
15- Adílson e Maluf
comentam expulsão (AE)
16- Adílson de olho no
Ipatinga ( AE)
2 inéditos (AE)
1 repetido (AE do
Superesportes)
RESULTA 15 assuntos inéditos
DOS
8 repetidos
AE repetiu 5 do blog
1 do UAI
JA 2 repetiu 1 AE
1 blog
1 chamada (AE p/
Superesportes)
1-Paraná e
Adilson falam
resultado
2- Maluf fala
da expulsão
3-Adilson fala
da expulsão
3 inéditos
_
8- Primeiro guerreiro
9- O Bigodudo diz que
sabe tudo (1 chamada p/
AE)
2 inéditos
1 repetido (do AE)
10- Geraldinho matador
(1 chamada p/ AE)
11- No meio do caminho
tinha uma pedra (1
chamada p/ AE)
12- Curiosidades/Potosí
1 inédito
3 repetidos (do AE)
13- Cruzeiro volta
14- Aerosur
2 inéditos
3 assuntos
inéditos
12 assuntos inéditos
5 repetidos 4 do AE
1 do JA2
5 chamadas (4 p/AE
1 p/UAI)
Ao longo de oito dias (sete de viagem e um em Belo Horizonte com o primeiro texto
do blog), Marcelo Silva produziu 16 reportagens para TV, sendo duas para o programa Bola
175
na Área, quatro para o Jornal da Alterosa 2º edição e dez para o Alterosa Esporte, que é o
principal programa esportivo da emissora cuja audiência chega a ser maior que a dos próprios
telejornais. Por isso, esse reforço no material para o AE era também uma estratégia comercial,
uma vez que programas de outras emissoras, entre eles o Globo Esporte da Rede Globo,
principal concorrente no horário, enviou equipes completas para a cobertura, além de
transmitir a partida ao vivo.
Para o blog Mochilão do Esporte, hospedado no UAI, foram escritos 14 textos,
exibidas 30 fotos e um vídeo. 55 comentários foram deixados no blog.
E para o
Superesportes, seção esportiva do UAI, foram três vídeos. Embora os canais para exibir essa
produção na internet tenham endereços (URL) distintos, eles estão dentro do portal. Para a
empresa, isso significa que o UAI fornecia tanto informações leves e de bastidores quanto
aquelas ‘urgentes’, como resultado e entrevistas sobre o jogo.
Independentemente do suporte, o conteúdo do que foi noticiado por Silva seguiu os
padrões do jornalismo esportivo atual: do jogo em si, pouco foi falado – no caso desta
cobertura, nem foi filmado, uma vez que a Alterosa não detinha os direitos de imagem – mas
o antes e o depois receberam intensa cobertura. Como já discutido no início deste capítulo,
todos esses discursos gerados não pelo fato em si – a disputa entre Cruzeiro e Real Potosí –
mas pelos desdobramentos criados pela cobertura jornalística apenas reforçam a teoria de Eco
(1984), para quem a noção de praticar o esporte se confunde com a de falar o esporte.
Além disso, os critérios de noticiabilidade utilizados por Silva foram os mesmos já
amplamente discutidos neste capítulo, materializados em reportagens que valorizavam
determinados jogadores, incitavam a rivalidade entre os times que disputariam a partida;
anunciavam constantes alterações na escalação de acordo com as condições de cada atleta;
mostravam a altitude da Bolívia como elemento de curiosidade. Ou seja, uma produção para o
público que já se acostumou a encarar as notícias esportivas como entretenimento.
Silva partia do pressuposto de que estes espectadores eram fiéis ao programa e às
notícias do time. Pode-se deduzir isso à medida que o jornalista escreveu no blog ou divulgou
na TV, por exemplo, que um determinado jogador estava confirmado no jogo. Entretanto, o
motivo da presença deste atleta era a recuperação de um problema físico, que só havia sido
citado na matéria do dia anterior. Ou seja, o repórter pressupôs que o torcedor estivesse
acompanhando as informações divulgadas por ele. Mas, na prática, tais notícias poderiam ser
acompanhadas a partir de outras fontes/veículos também.
176
A divisão entre o que o repórter considera conhecido ou não pelo público parte de
critérios bem pessoais do jornalista:
Como o telespectador do Alterosa já conhece o assunto, já vou produzindo e
editando nesse sentido. Mas quando estou em um lugar diferente, que não é Belo
Horizonte, aí eu tento apresentar. Ah (sic), aqui pode beber cerveja, lá em Belo
Horizonte não pode beber cerveja. Aqui tem muita mulher, aqui tem até cachorro
dentro do estádio. (REPÓRTER
MULTIMÍDIA).
É interessante observar que ao destacar ‘mulher’ e ‘cerveja’ como fatos noticiáveis,
Silva escreve para um público masculino. O fato de aparecer um cachorro no estádio também
nos sugere a valorização dos critérios de humor, espetáculo e entretenimento, apontados no
início deste capítulo como critérios de noticiabilidade cada vez mais presentes no noticiário
em geral, principalmente quando se percebe que o fator audiência está em jogo. A cobertura
esportiva, classificada pelas redações como notícias branda, potencializa ainda mais esses
critérios, por causa da diversão que podem oferecer.
Ao focarmos mais sobre o material produzido para cada veículo, pode-se afirmar que a
produção do videorrepórter para a TV era semelhante ao que uma equipe convencional – com
repórter, cinegrafista e iluminador – realizaria. São imagens tradicionais de treinos (atletas se
exercitando, atividades com bola, técnico orientando jogadores), do estádio (arquibancadas,
gramados) e até dos bastidores (conversas e brincadeiras entre os atletas). Todas elas com
nível semelhante de qualidade: poucas eram tremidas e nenhuma desfocada. Também era
parecida a edição rápida, garantida com takes curtos (dois a três segundos de exibição de cada
imagem). As imagens comuns às videorreportagens, mais tremidas, com áudios vacilantes e
sem a presença do repórter, não tiveram espaço na cobertura.
A única diferença entre equipes tradicionais e o homem-banda estava relacionada às
passagens. Com um tripé para a câmera, Silva ajustava o foco antes da gravação. Ao ligar o
equipamento, ele se posicionava em frente a ele. Os enquadramentos das passagens eram
todos iguais, em plano americano (da cabeça até a parte debaixo do peito do repórter). Sem
cinegrafista, não havia como fazer passagens em movimento, o que difere muito do que
assistimos hoje: é cada vez mais comum acompanharmos movimentos de câmera durante as
passagens esportivas e movimentos até do próprio repórter, que anda ou participa do evento
que descreve.
177
Quanto à divisão de cada assunto para os programas da TV, a experiência como editor
de programas esportivos auxiliava Silva nesta separação. Para o Jornal da Alterosa 2º edição,
“como é um jornal que tem um pequeno espaço para o esporte, ele pede matérias mais curtas,
bem enxutas.” Reportagens estas que se resumiam às informações mais factuais daquele dia,
como o último treino, a próxima atividade, a situação de determinado jogador.
Para o AE, “por ter sido editor dele por mais de oito anos, eu já tinha noção como é
que funciona a estrutura do programa. Então eu já sabia o quê que era uma matéria especial,
(...) o quê que era um VT de treino.” Sob essa ótica, Silva equilibrava matérias maiores, sobre
a cidade em que estava ou a situação do estádio, por exemplo, com reportagens mais curtas,
como aquelas sobre os treinos. Para o programa Bola na Área eram adotados os mesmos
critérios utilizados na separação do conteúdo para o AE.
Em relação à produção para o portal UAI, os três vídeos não apresentaram nenhum
trabalho mais elaborado de edição, como colocação de vinhetas ou músicas. As entrevistas
mostradas quase na íntegra tiveram cortes apenas no fim da fala dos entrevistados,
simplicidade que permitiu enviar o material estivesse disponível o mais rápido possível para o
site. As entrevistas foram exibidas separadamente, para dar mais volume de notícias ao
Superesportes e justificar a produção fora do país.
O editor de mídias convergentes, Benny Cohen, acredita que esta produção para o
Superesportes já esteja esclarecida tanto para os jornalistas do site quanto para Silva:
O conteúdo que ele sobe é o factual. Acabou o jogo, terminou em 2X1? Ele tira os
gols e, rapidamente, coloca no FTP. A moçada já sabe que se ele está viajando, já
fica esperando o conteúdo. Assim que eles conseguem baixar vai pro ar. Então é
uma coisa que já está mais ou menos clara.
(EDITOR DE MÍDIAS
CONVERGENTES).
Esta definição sobre como seria a produção já não era esperada para o Mochilão do
Esporte, uma vez que sua estréia foi nesta cobertura na Bolívia. Como o blog dependia muito
mais do autor do que critérios editoriais ou padrões técnicos estabelecidos, o resultado desta
produção apareceria apenas durante o próprio trabalho do repórter. Embora os blogs, de uma
forma geral, permitem uma liberdade de formas e estratégias multimídias na apresentação do
conteúdo, Silva se concentrou em textos e fotos. Nos oito dias de trabalho, foram postados
apenas dois vídeos: um mostrando uma brincadeira entre os jogadores por ocasião do
178
aniversário de um deles e outro era a reprodução de uma matéria exibida no AE sobre a
viagem entre Sucre e Potosí.
Como a maioria dos blogs, o Mochilão também apresentou uma forte identidade de
diário íntimo na internet; neste caso, um espaço que ia além de notícias esportivas – o
jornalista opinava sobre elas e apresentava curiosidades que o atraíram, detalhes que lhe
despertaram atenção no cotidiano daquela cobertura: “Nós mineiros, que apreciamos um bom
queijinho, temos de ter um estômago e uma boca maior para degustar a versão boliviana.” A
linguagem era mais descontraída e não se percebia uma preocupação com regras e normas da
língua portuguesa: o uso de gírias e onomatopéias era constante.
Tais elementos comprovam a pesquisa de Schittine (2004) apresentada no terceiro
capítulo, para quem os jornalistas buscam, nos blogs, uma escrita mais leve, menos
informativa e mais ficcional do que aquela que realizam no dia-a-dia. Para a autora, essa fuga
de textos jornalísticos tem como principal motivação o fato de o repórter não se ver 'cerceado'
pela instituição do meio de comunicação em que escreve. A sugestão de pauta, o texto em si,
é de autoria apenas do jornalista; ele é o único responsável pelo que está escrevendo, sem ter
um redator ou editor para modificar seu texto antes de ser publicado. E o Mochilão realmente
se apresentou como um “meio caminho entre ficção e informação, entre o jornalismo e o
escrito íntimo, isso quando (os blogs) não misturam bastante uma coisa com a outra”
(SCHITTINE, 2004, p. 156).
Cada postagem do blog exemplificou essa mistura entre intimidade e informações
jornalísticas esportivas. Relatos pessoais sobre o lugar, a comida e as pessoas foram escritos
nos mesmos dias dos textos relacionados aos treinos ou à condição física dos atletas. O
Mochilão serviu ainda como espaço para atualizar dados que não poderiam ser exibidos na
TV devido ao tempo necessário para editar e enviar o material pela internet. Assim, últimas
informações sobre um treino ou a fala de um jogador apareciam, muitas vezes, primeiro no
blog.
A forma como Silva conduziu o texto se apresentou muito mais como um
compartilhamento de experiências, como a postagem do dia 26 que começou com um relato
do dia: “Acordei às 5h30. Peguei um táxi para Potosí às 6h30. Cheguei lá por volta de 9h30.
A estrada é terrível, falarei sobre isso em breve”. Fato que levou muitos leitores a fazerem o
mesmo, contando as experiências para chegar à Bolívia.
179
Aliás, durante a cobertura, foram registrados 55 comentários no blog (61 estão
registrados, mas esta pesquisa vai levar em consideração apenas 55, uma vez que três pessoas
– pelos comentários, torcedores – participam mais de uma vez no dia escrevendo sobre os
mesmos assuntos: a provocação entre as torcidas). É interessante observar que a quantidade
de mensagens sobre a cobertura jornalística em si e sobre o Cruzeiro quase empatou. Esta
pesquisa dividiu a resposta do público em cinco categorias: recados apenas sobre a cobertura
jornalística (Ex: “Belas reportagens, estou acompanhando tudo.); recados sobre a cobertura,
mas com menção também ao time (Ex.: “Ótimo trabalho! Pena que não esta sendo divulgado
como deveria. Boa sorte para o nosso time e que esta seja a arrancada para o tri!”); recados
estritamente sobre o assunto discutido no texto do jornalista (Ex.: “Isso aí é para tentar
enganar o Adilsom..ele deve ter olhado na internet....é ir pra cima e repetir os 6 a 0 do
Uberlândia”); recados com caráter de rivalidade entre times (Ex.: “O cruzeiro está fino em
todos os quisitos(sic), espero comemorar pelo menos uns 5 a 0 nesta partida de ida do
cruzeiro, e depois só cozinhar o galo no Mineirão e ir rumo a mais uma taça da libertadores,
coisa que o Galo não tem...rsrs...); e outros (incluem aí experiências pessoais de viagem à
Bolívia, assuntos ligados a demais times brasileiros etc. Ex.: “Gostaria de parabenizar também
todos os cruzeirenses que conseguiram ir até a Bolívia para assistir ao jogo. Ainda não tenho
condições, mas assim que puder me juntarei a vocês.”). O resultado foi: Cobertura
jornalística: seis comentários; Cobertura jornalística com menção também ao Cruzeiro: 19
comentários; Referência apenas ao assunto tratado no texto: 20 comentários; Rivalidade entre
times: quatro; Outros:seis.
De uma forma geral, quase a maioria dos leitores estava interessada na cobertura em si
– os modos de fazer, o trabalho do repórter. Justificativa para tal fato poderia ser encontrada
na análise de Eco (1984) sobre a evolução da Paleo para a Neo TV. Enquanto a primeira
estava preocupada em refletir o mundo, voltada mais para informar e educar, adotando uma
relação hierárquica, pedagógica e informativa, a Neo TV está voltada para o contato com o
telespectador, valorizando menos a informação de fora e mais o mundo criado na interação
com o espectador.
Embora a análise de Eco seja sobre a TV, tal proposta também pode ser aplicada ao
blog, já que nele o jornalista se coloca como representante dos espectadores e cria um espaço
doméstico que se estende para a internet, ao expor os bastidores da cobertura, promovendo
uma proximidade para desmistificar aquele espaço, tornando-o familiar.
180
Desde a primeira produção do jornalista no dia 20, a posição que fica clara entre ele e
o leitor é justamente a de um diálogo direto, uma vez que Silva construiu uma cumplicidade
com quem o lê, ao dar detalhes das malas que leva, da espera no aeroporto, dos seus gostos
gastronômicos etc. Todavia, embora a forma como se apresente no blog incite o diálogo,
como os seguintes comentários atestam – “Marcelo (...) eu gostaria de saber qual a
expectativa da torcida do Potosí. Eles acreditam mesmo que vão ganhar do Cruzeiro?”, “Caro
Marcelo. Será q. a cerveja citada é realmente de qualidade?” – em nenhum momento o
jornalista interagiu com os leitores, que acabaram estabelecendo um diálogo entre eles
mesmos, entretanto mais relacionado à rivalidade entre Atlético e Cruzeiro do que a própria
partida do time celeste contra o Real Potosí.
Varela (2007) acredita que o jornalismo atual não deve ser um envio unidirecional de
mensagens de poucos para muitos, mas uma conversa com o público; porque cada vez mais,
os consumidores da informação querem ser também produtores dela e opinar sobre o que
acompanham. “Essa idéia do jornalismo como conversação é o que sustenta os meios sociais
de comunicação. O importante é falar, discutir entre todos para que as idéias sigam adiante.”
(VARELA, 2007, p.74).
Se o blog implica um compartilhamento de experiências e a linguagem do Mochilão
chamava para a conversa, o jornalista perdeu a oportunidade de alcançar uma interação maior,
já que não respondeu a nenhum dos questionamentos dos leitores. Segundo a teoria de Jenkins
(2008), a narrativa transmidiática valoriza a interação, pois, na prática, ela depende da
participação ativa do público. É ele o responsável por ir atrás do restante da história. A falta
de interatividade do jornalista pode ter servido como desestímulo a uma maior participação do
público.
A justificativa de Silva era o tempo – para responder aos leitores ele precisaria parar
de realizar outra tarefa; além disso, a utilização do equipamento deveria se prender mais à
edição e ao envio de reportagens. No entanto, durante a entrevista em profundidade, o repórter
deixou transparecer que o motivo para a falta de respostas ia além desses mencionados e está
relacionado ao próprio estilo pessoal dele:
Quando eu tinha o blog de cinema, e cinema vai muita opinião pessoal, eu achava
isso meio chato [responder aos leitores]. Aí, no Mochilão, eu deixava mais solto.
Falem o que quiser, pensem o que quiser, a informação tá (sic) aí, a foto tá ai. [Você
percebeu que leitores interagiam entre eles?] Sim, claro sim. Digladiavam, pra falar
181
a verdade. Então deixa, tô fora, já fiz minha parte, já falei isso. [Mas você acha que
o blog não pede justamente essa interação?] Sim, mas, na verdade eu tô focado em
fazer a cobertura do clube, eu não vou me desgastar em uma discussão, não vou
gastar energia pensando nisso, já que preciso de tanta.
(REPÓRTER
MULTIMÍDIA).
A resposta ao público representava para o jornalista um certo desgaste, justificado por ele pelo
teor das discussões de futebol, quase sempre passionais e calorosas.
Após a análise do conteúdo produzido pelo homem-banda, é possível tecer algumas
considerações a respeito da intenção convergente desta experiência, apoiada na teoria da
narrativa transmidiática. A estréia dessa produção foi pelo blog, cujo texto anunciou que seria
uma cobertura em vários veículos: “Confira diariamente mais detalhes dessa jornada aqui no
portal UAI e na TV Alterosa.” Entretanto, nem o próprio jornalista divulgou ao longo da
semana tal propósito. A chamada para a cobertura em outros veículos só apareceu novamente
no 6º e 7º dias: “A estrutura do clube é muito simples. Fiz uma reportagem sobre isso, que vai
ao ar no ALTEROSA ESPORTE desta terça-feira.”; “Veja tudo isso no Alterosa Esporte de
hoje com direito a polêmica declaração do roupeiro.”; “Hoje no Alterosa Esporte, vou mostrar
um pouco do local do jogo desta quarta. Assistam a partir de 12h20 na TV Alterosa.”
Por outro lado, os outros veículos envolvidos também não divulgaram o trabalho na
internet. O AE fez apenas uma chamada no dia 25 (“Acesse o Superesportes e acompanhe o
blog Mochilão do Esporte”), enquanto o Bola na Área e o Jornal da Alterosa 2º edição nem
citaram a cobertura conjunta. Ou seja, sem a propaganda dessa cobertura transmidiática, como
esperar que o público procurasse as informações em outras plataformas? Duas mensagens no
blog revelaram o interesse dos leitores – e o desconhecimento da cobertura ampla: “Ótimo
trabalho! Pena que não está sendo divulgado como deveria.”; “Nunca tinha entrado nesse
Mochilão, pela primeira vez qe (sic) entrei gostei muito. Vcs (sic) estão de parabéns. (...)”.
Quando houve divulgação sobre esta cobertura nas demais plataformas, era
considerável o aumento no número de comentários. Um exemplo interessante é o dia 25.
Embora o jornalista nem tivesse escrito um texto nessa data, o Alterosa Esporte fez uma
chamada para a produção na internet, o que resultou em 11 mensagens distribuídas em outros
dias. Silva reconhece a importância da divulgação pela TV da cobertura multimídia:
Eu acho que o publico de internet, apesar de ser muito grande, ele não capitaliza em
um lugar só. A TV serve exatamente pra catalisar: fulano (sic), vê lá que tem um
182
negócio bacana. Aí o pessoal por curiosidade vai lá e aí repercute... Então eu
preciso de um grande meio pra apontar para a pessoa que tem coisa legal na
internet. (REPÓRTER MULTIMÍDIA,grifo nosso).
Em relação à criação dessa narrativa transmidiática, que seria a materialização da
convergência buscada pelos Associados, na qual diversos suportes são utilizados para que a
história possa ser contada em cada plataforma de uma forma inovadora, sem repetição de
conteúdo, podemos perceber que houve um esforço do repórter para concretizar essa ideia. Ao
longo da cobertura, Silva exibiu na TV 15 assuntos inéditos, no blog 12 assuntos que ainda
não haviam sido abordados em outros veículos e três assuntos novos também para o
Superesportes (Tabela 3). A repetição de material foi maior na TV do que na internet (oito
contra cinco), o que pode ser explicado pela quantidade de programas televisivos: três, ao
contrário da internet na qual o blog era o principal canal de distribuição de informação.
Havia uma preocupação do repórter em abordar diferentes aspectos de um mesmo fato
entre os veículos. Como exemplo desse cruzamento de dados, podemos citar a cobertura do
dia 26. Enquanto a matéria para o AE tratava da estrutura do estádio de Potosi, quem eram os
principais jogadores do time adversário e o fato de o técnico daquele país estudar as
estratégias cruzeirenses há muito tempo, para o telejornal da noite o repórter divulgou as
informações do treino do dia da equipe cruzeirense e apresentou informações sobre a
programação do clube para o dia seguinte. Para a internet foram dois textos. O primeiro
explorou a presença do primeiro torcedor mineiro em solo estrangeiro, que saiu de Bom
Despacho, e o outro descreveu rapidamente a viagem entre Sucre e Potosí e a postura do
técnico. Podemos perceber que a TV apresentou dois fatos inéditos (estrutura estádio/treino
dia) assim como a internet (torcedor/viagem). A repetição de assunto ficou por conta da
postura do técnico, que rendeu comentários tanto na TV quanto no blog.
Essa divisão de conteúdo entre as plataformas ia além do conhecimento do jornalista
sobre as exigências e padrões de conteúdo de cada canal de distribuição. Esta pesquisa dividiu
em quatro as interferências reveladas nesse processo, sendo elas: Interferências das rotinas da
web/TV; das rotinas esportivas; das condições tecnológicas; das condições econômicas.
As rotinas de cada veículo dizem respeito aos procedimentos cristalizados nas
redações e internalizados pelos jornalistas de como deve ser a transformação de um fato em
notícia, desde sua captação até a divulgação. Cada veículo possui rotinas próprias
183
relacionadas ao tempo, ao número de profissionais envolvidos, às características de cada
veículo e às orientações editoriais.
Silva trabalhava com rotinas específicas de internet e televisão. No portal UAI
convencionou-se que textos e vídeos não podem ser grandes por motivos que vão desde a
dificuldade para acessar o material (carregamento da página), até o fato de que textos
jornalísticos muito extensos dispersariam o leitor, interessado em informações inéditas e
curtas. Fórmulas interiorizadas por Silva: “[texto para web] tinha quer ser notas curtas, coisa
rápida, mais em cima de uma foto legenda, do que a situação em si. [...] Mas, às vezes, podia
render matéria também. Um exemplo foi a viagem à Sucre. Aí valia colocar um vídeo no
blog.”
O dia e o horário de exibição dos programas da TV era determinante para definir se o
material que ele enviaria à redação seria mais factual ou não. Essa atualidade estava
diretamente relacionada à produção desse conteúdo: se ele já havia sido captado e editado
anteriormente ou se havia acabado de acontecer. As informações sobre um treino realizado no
fim da tarde só seriam exibidas na TV no dia seguinte, o que não o impedia de comentar o
assunto no blog, como resume Silva: “como a matéria vai ao ar só no dia seguinte que eu
produzi, então posso colocar alguma coisa rendendo na internet até a matéria entrar.” A data
de exibição também influencia: “De sábado pra domingo não tem Alterosa Esporte. Então o
que você faz com o conteúdo que você produziu sábado? Então pode usar na internet.”
Outro aspecto decisivo nessa divisão entre internet e TV é a quantidade de conteúdo a
ser divulgado em cada veículo. No último dia, a produção para o Superesportes foi de três
entrevistas após o jogo. Este material foi dividido por assuntos como “expulsão de jogador” e
“resultado da partida’, para garantir mais ‘volume’ de notícias.
Todavia, acreditamos que a produção do jornalista poderia ter sido maior para esse
site. Isso porque várias notícias divulgadas no blog eram ‘factuais’, e a instantaneidade e
agilidade das informações é uma marca buscada pelo Superesportes. Acredita-se que o fato de
o jornalista não enviar este material para o site esteja relacionado à divisão de tarefas entre os
repórteres do Super e Silva. Como o próprio homem-banda revelou no capítulo anterior desta
pesquisa, ainda há uma dificuldade de articular a ideia que os profissionais possuem sobre a
convergência no grupo com a produção para cada meio. Pensar nesta divisão para que não
haja repetição demandaria tempo e interesse desses outros profissionais. Na visão de Silva,
184
embora esse diálogo entre jornalistas e o compartilhamento de informações seja cada vez mais
estimulado pela empresa, na prática, tais iniciativas ainda são tímidas.
Apesar dessas dificuldades, para a empresa, Silva apresentou um bom resultado em
relação à divisão do conteúdo de acordo com as rotinas de cada meio, como atesta Cohen:
Ele sabe muito bem dividir entre aquilo que é para a web, que importa agora, aquilo
que ele pode guardar pro (sic) Alterosa Esporte do dia seguinte ou o que ele vai
gerar para o Jornal da Alterosa segunda edição. Mas, eventualmente, quando tem
necessidade de alguma consulta, ele conversa com o Leopoldo, que é o editor do
programa, ou com alguém do Uai, por exemplo. [...] Mas assim, ele é muito
tranqüilo, ele controla bem os processos, é rara a vez que ele precisa entrar em
contato com a gente pra tirar alguma dúvida.
(EDITOR DE MÍDIAS
CONVERGENTES).
Todavia, na prática, Silva admite que essa divisão era tomada rapidamente e sem um
critério muito bem definido:
Você tem que tomar cuidado pra não esbarrar, você tem que fazer conteúdo
diferenciado. Mas aí tem um assunto legal aqui, não usa lá? Ah não, vou usar um
pouquinho na matéria da TV. Mas isso é uma divisão muito cruel. [Na hora como
você faz essa divisão?] Eu penso rápido no que tenho. Minhas cartas são essas? O
quê vou usar no blog? Ah, então vou usar um pouquinho desse fulano aqui, aí
aproveito e chamo a matéria da TV. Ah, isso pra TV ficou muito legal, vale chamar
também na internet... então vou usar um pouquinho só. Existem muitas formas de
fazer isso, a decisão sempre foi minha. (REPÓRTER
MULTIMÍDIA).
As rotinas da cobertura esportiva também foram determinantes na produção do
repórter convergente. Como a transmissão das partidas é alvo de milionárias disputas entre as
emissoras, aquela que adquire os direitos tem livre acesso ao que acontece dentro dos
estádios, enquanto as demais se limitam à cobertura do entorno. Cohen explica que antes de
cada viagem de Silva para uma cobertura convergente, eles conversam sobre o que o repórter
poderá cobrir. Entretanto, como as regras de acesso aos estádios já são conhecidas por ambos,
como a gente não tem o jogo, como é o caso da Libertadores, não há o que discutir
sobre o conteúdo do espetáculo em si, não tem gols, não tem lance. É só o
periférico. Então são entrevistas, aquilo que dá pra mandar, que vai enriquecer o
conteúdo que o portal, por exemplo, estiver divulgando. Isso é aquilo que ele sobe
rapidamente pro pessoal pegar no FTP. [...] Esse jogo eu entro no campo, faço
cabine? Então são gols, compacto. Depois ele envia o restante do material, que vai
185
servir tanto ao portal quanto aos telejornais. Aí é o pré jogo, o pós jogo, o jogo, aí é
o pacote completo. (EDITOR
DE MÍDIAS CONVERGENTES).
Ou seja, a entrada no estádio é decisiva para a definição do conteúdo,
independentemente do veículo para o qual o material será enviado. Os horários das partidas,
geralmente à noite durante a semana e à tarde nos fins de semana, também são determinantes.
A cobertura dos jogos noturnos geralmente se estende pela madrugada, horário em que há
uma escala reduzida nas redações, assim como nos fins de semana. Se houver necessidade de
mais profissionais para receber o material enviado por Silva pela internet ou para apurar
algum dado levantado por ele durante o jogo, a solução para o problema é mais complicada.
Esses horários dificultam até mesmo a conclusão de um impasse editorial ou tecnológico,
caso haja necessidade de profissionais da área técnica ou da definição de algum chefe.
Aliás, a interferência tecnológica foi outro fator determinante na cobertura
transmidiática buscada por Silva. Por depender da internet para editar e enviar o material
produzido, o repórter explicou que, muitas vezes, o critério utilizado para definir o conteúdo
exibido na TV ou no blog dependia da conexão com a rede:
A ferramenta para você postar o blog é muito pesada. Se ela (conexão) tiver devagar
quase parando então eu privilegio a TV. Você edita o material e depois deixa o
computador lá mandando o arquivo. Então ela, muitas vezes, derrubava a matéria
que eu tava mandando pra FTP. Às vezes a matéria nem chegava. História não
faltava. Mas não tinha jeito. Desde que começou o torneio do Uruguai. Foi assim na
copa, foi assim em outros lugares. Na copa então, eu tentei fazer o Mochilão, mas
não teve jeito. Porque a África não tem linha de internet. Ainda mais com
fotógrafos, outras emissoras, Deus e o mundo lá, não tinha, é difícil demais.
(REPÓRTER MULTIMÍDIA).
E, por fim, mas não menos importante, como último ponto decisivo nessa divisão de
conteúdo a partir da intenção de se buscar informações complementares, mas não repetidas
entre os meios, está o fator econômico. O Mochilão do Esporte foi um projeto imaginado pelo
repórter para as coberturas convergentes realizadas fora de Belo Horizonte. Ou seja, para
Silva, o blog só se justificaria nestes casos, no qual a produção de material é extensa e a
ferramenta se torna um espaço para escoar parte desta produção. No entanto, depois da estréia
na Bolívia, o blog só funcionou em mais três viagens: “Se você vai fazer mochilão, você teria
que fazer várias viagens, mas aí é coisa de orçamento. Eu não estava viajando mais
186
justamente por questões de orçamento.” Isto é, verba – ou a falta dela – para cobrir as
despesas dessas viagens determinava as coberturas esportivas da empresa, mesmo sendo um
modelo econômico, com um único profissional.
Outro aspecto referente a este campo está relacionado justamente ao veículo que
cobria as despesas do homem-banda. Se não houvesse tempo ou condições tecnológicas para
enviar o material para os diversos meios, a prioridade era para aquele responsável pela
manutenção financeira da experiência convergente: “Quem tava pagando as contas era a TV,
então a prioridade é o conteúdo pra TV. É meio dura a palavra, mas a prioridade é para o
produto principal, a TV. É o produto que tem mais audiência, é o que gera mais.”
Percebe-se que o discurso da empresa de oferecer conteúdos complementares para
ampliar a experiência informativa do público está ancorado na expectativa de um maior
retorno financeiro, materializado no número de acessos do site ou da audiência da TV.
Todavia, se prender apenas a esta interpretação vinculada à dimensão econômica da
convergência de mídias não nos conduz a uma outra análise, mais interessante, de que
realmente é possível, observando o trabalho convergente do homem-banda, construir uma
forma diferenciada de apresentação das notícias entre os veículos de um mesmo grupo.
187
5 CONCLUSÃO
A indefinição conceitual e prática para convergência de mídias tanto no âmbito
acadêmico quanto empresarial não tem impedido que as indústrias da informação adotem tal
denominação para se referirem a seus projetos e ações de melhoria do ‘negócio’ imprensa.
Independentemente das fórmulas e estratégias adotadas pelas redações em todo o mundo, é
fato que as experiências buscam uma integração de ferramentas, espaços, métodos de trabalho
e linguagens para permitir que os jornalistas elaborem conteúdos que se distribuam através de
múltiplas plataformas.
Em Minas Gerais, o grupo Diários Associados acredita estar conseguindo uma
otimização do fluxo de informações entre as redações, como o editor convergente, Benny
Cohen, fez questão de deixar claro: “[...] hoje a gente já consegue tomar decisões sobre qual
veículo a informação vai primeiro, de que maneira os conteúdos produzidos podem ser
utilizados, o que deve ou não ser compartilhado, de que maneira isso se faz.”
Para a empresa, esse resultado é reflexo de ações que começaram em 2006, como a
criação dos cargos de editor de mídias convergentes e repórter multimídia, a realização do
Programa de Formação em Mídias Convergentes, do lançamento do site do jornal Estado de
Minas e suas respectivas versões para smartphones e tablets, além do incentivo à postura
convergente dentro das redações, com profissionais da internet e da TV participando das
reuniões de pauta do impresso.
Tais estratégias permitiram, segundo o grupo, alcançar bons níveis convergentes.
Todavia, um desafio que se colocou nesta pesquisa foi justamente mensurar essa
‘convergência’. Se o próprio conceito ainda é abstrato tanto para a academia quanto para o
mercado, como definir se essas ações eram realmente convergentes e em qual grau de
convergência estariam enquadradas? Percebeu-se que, mais importante que responder estas
questões, os Associados estavam interessados em mostrar a adoção de experiências
convergentes, revelando que a palavra 'convergência' se tornou um valor, um signo
contemporâneo para qualquer empresa que se diz adaptada às novas “tendências” do mercado
e público.
Outra questão levantada nesta pesquisa foi se, na prática, as informações divulgadas
em várias plataformas eram complementares entre si ou apenas adaptáveis às características
188
de cada meio. Após a realização das entrevistas em profundidade e do levantamento sobre
este histórico ‘convergente’ do grupo, identificamos que a empresa tinha a intenção de
produzir e distribuir notícias nos mais diversos suportes não apenas repetindo informações,
mas apresentando conteúdo inédito e específico para cada meio. A partir dessa constatação,
fomos em busca de operadores metodológicos que pudessem fornecer subsídios para analisar
essa produção e verificar se essa intenção era realmente concretizada na prática.
A teoria da narrativa transmidiática, apresentada por Jenkins (2008) para a indústria do
entretenimento, como cinema, games e histórias em quadrinhos, embora possa parecer
distante, a primeira vista, do mundo do jornalismo, traz em si uma ideia que se articula com as
intenções dos Associados. Nesse tipo de narrativa, os diversos suportes midiáticos são
utilizados de maneira sincronizada para que a história possa ser contada em cada plataforma
de uma forma inovadora, sem repetição de conteúdo, valorizando a experiência interativa e
tentando despertar o interesse do público.
Este conceito nos permitiu, portanto, avaliar uma das estratégias convergentes do
grupo: a atuação do repórter multimídia Marcelo Silva. A opção por investigar o trabalho
deste jornalista está muito relacionada a um interesse pessoal, uma vez que, como jornalista,
me interessava analisar os rumos e exigências que se apresentam a cada dia a nós
profissionais. E a experiência do repórter convergente pareceu-nos oportuna, uma vez que a
mesma pessoa dominava os processos de coleta, redação e edição, o que, na teoria, poderia
melhorar também a distribuição pelos canais pré-determinados, evitando a repetição e
buscando a complementaridade entre as informações.
Um questionamento que se coloca para o futuro é justamente que tipo de informação é
essa distribuída em várias plataformas. Ao adotarem a palavra 'conteúdo' como sinônimo de
'informação', as empresas operam uma mudança no sentido do conceito de informação
jornalística. Será que prestação de serviço, como divulgação de endereços nos sites, ou
opiniões pessoais, expostas no blog, podem ser consideradas informações jornalísticas?
Indagações que se mostram pertinentes para uma avaliação futura.
Entretanto, antes de apresentarmos as considerações finais sobre a experiência do
homem-banda, podemos afirmar que, de uma forma geral, este jornalismo transmidiático
dentro dos Associados ainda está mais no terreno da intenção que da ação. Entre os fatores
impeditivos para a concretização dessa intenção transmidiática estão àqueles relacionados à
teoria do newsmaking: rotinas, cultura profissional e interferências econômicas são obstáculos
189
admitidos por quem trabalha no grupo, independentemente do cargo. Assim, definir quais
histórias merecem um tratamento convergente e como elas serão operacionalizadas depende
de diálogo e sintonia entre editores e repórteres, harmonia que só agora está sendo incentivada
dentro da empresa.
O reflexo dessa disparidade de ações em cada redação mostrou, por exemplo, que as
histórias divulgadas pelo Estado de Minas nem sempre aparecem sob outro enfoque na TV ou
sequer são citadas. É claro que em cada veículo existem regras editoriais e público-alvo,
entretanto, alguns conteúdos que interessam a todos poderiam circular entre as redações com
mais facilidade, como notícias sobre saúde e economia. Além disso, as estratégias
convergentes são tímidas dentro das próprias redações. Os sites da TV Alterosa e do Estado de
Minas, por exemplo, durante o período de observação desta pesquisa, trouxeram poucas
opções de material inédito, mostrando-se uma repetição daquilo que havia sido exibido na
emissora ou divulgado pelo impresso. Na TV, as chamadas para internet se referem, na
maioria das vezes, à prestação de serviço, com informações sobre endereços de postos de
saúde, localização de radares pela cidade etc. Disponibilizar imagens inéditas ou informações
que não se refiram apenas a esses dados, embora seja parte do discurso oficial do grupo, ainda
não se transformou em prática recorrente.
Por outro lado, a cobertura realizada pelo repórter convergente na Bolívia, alvo da
análise desta pesquisa, apresentou resultados interessantes sob a ótica da narrativa
transmidiática. Ao longo de oito dias, Silva produziu 16 reportagens para TV , 14 textos, 30
fotos e um vídeo para o blog Mochilão do Esporte, e três vídeos para o Superesportes, seção
esportiva do portal. E percebemos um esforço do repórter para que a distribuição desse
conteúdo pelos vários canais não se repetisse. Ao longo da cobertura, Silva exibiu na TV 15
assuntos que ainda não haviam sido abordados em outros veículos; 12 no blog e três no
Superesportes. A repetição de conteúdo foi maior entre os próprios programas da TV do que
entre a emissora e a internet, o que pode ser explicado pela quantidade de programas
televisivos: três, ao contrário da internet na qual o blog era o principal canal de distribuição de
informação.
Percebemos que essa divisão de conteúdo entre as plataformas ia além do
conhecimento do jornalista sobre as exigências e padrões de conteúdo de cada canal de
distribuição. Quatro intervenções foram levantadas nesse processo: Interferências das rotinas
da web/TV; das rotinas esportivas; das condições tecnológicas; das condições econômicas.
190
Se por um lado a cobertura esportiva depende de horários das partidas e permissão
para a filmagem do jogo de acordo com os direitos de transmissão, por outro, o futebol,
principalmente, permite uma grande multiplicação de conteúdo, o que atrai os torcedores,
como revelou o comentário de um deles no blog: “Parabéns pelo trabalho que realiza na
Bolívia!! Para nós torcedores apaixonados pelo cruzeiro, qualquer informação é emoção.
Valeu!”. Esta declaração confirma que, para os torcedores fiéis, qualquer notícia referente ao
time interessa. Isto é, não apenas o jogo, mas o que o envolve, seja a cidade onde a partida
será realizada ou a estrada até o estádio. A ‘falação do esporte’, discutida no quarto capítulo,
comprova o que Eco (1984) defende: a noção de praticar o esporte se confunde com a de falar
sobre o esporte.
A interferência tecnológica foi outro fator determinante na cobertura transmidiática
buscada por Silva. Por depender da internet para editar e enviar o material produzido, muitas
vezes, o critério utilizado para definir o conteúdo exibido na TV ou no blog dependia da
conexão com a rede. Além disso, as rotinas de cada veículo relacionadas ao fechamento, ao
número de profissionais envolvidos, às orientações editoriais e às características específicas
daquele suporte interferiam na produção e envio das reportagens do homem-banda.
E, por fim, a interferência econômica foi visível na definição desse conteúdo
transmidiático. Se não houvesse tempo ou condições tecnológicas para enviar o material para
os diversos meios, a prioridade era mandar o material para aquele veículo responsável por
cobrir as despesas da experiência convergente: “Quem tava pagando as contas era a TV, então
a prioridade é o conteúdo pra TV. É meio dura a palavra, mas a prioridade é para o produto
principal, a TV. É o produto que tem mais audiência, é o que gera mais,” explicou o repórter
convergente.
Independentemente das interferências, para o grupo Associados, o resultado alcançado
pelo homem-banda foi satisfatório. Todavia, percebemos que alguns pontos poderiam ter sido
mais trabalhados pela empresa ou pelo próprio repórter, como o envolvimento de outros
profissionais que permaneceram nas redações no Brasil, a divulgação nos próprios veículos
dessa cobertura em diferentes plataformas e uma maior atenção dispensada ao público: no
blog, por exemplo, o jornalista escrevia os textos de forma a chamar para o diálogo; no
entanto, ele não respondeu a nenhum dos 61 comentários postados pelos torcedores. Segundo
a teoria de Jenkins (2008), a narrativa transmidiática valoriza a interação, pois, na prática, ela
depende da participação ativa do público. É ele o responsável por ir atrás do restante da
191
história. A falta de interatividade do jornalista pode ter servido como desestímulo a uma
maior participação desses torcedores.
De certa forma, isso parece um contrasenso. Se o discurso da empresa de oferecer
conteúdos complementares para ampliar a experiência informativa do público está ancorado
justamente na expectativa de um maior retorno financeiro, materializado no número de
acessos do site ou da audiência da TV, negar essa interação pode comprometer esse resultado.
Por isso, para as novas ações planejadas pelos Associados, esse fator poderia ser
repensado, assim como alguns outros pontos como rotinas e cultura profissional. A empresa
deixou claro que, se a convergência começou com a aproximação entre TV e internet, a meta
agora é envolver todo o grupo. Para isso, deve ser inaugurada, no máximo no primeiro
semestre de 2012, a nova redação convergente – nos moldes do modelo ideal defendido por
Salaverría (2008) – que vai unir as redações da TV, da internet, da rádio, as editorias de
Gerais e Esportes do EM , além da redação do jornal Aqui. A intenção é que, trabalhando no
mesmo ambiente, os jornalistas consigam articular melhor as informações e se encerrem as
resistências culturais entre os profissionais. A meta ousada já foi estabelecida pelo diretorexecutivo do grupo, Geraldo Teixeira da Costa Neto:
Quando a gente fizer essa redação multimídia, esse ambiente vai ser visto como uma
fábrica de conteúdo [...] altamente moderna, com processos novos e vai conseguir
produzir o conteúdo para várias plataformas, com várias linguagens. [...] Hoje nós
somos um grupo de veículos, um grupo de comunicação, mas nós vamos ser uma
fábrica de conteúdo multiplataforma publicando em marcas de relevância.
(DIRETOR EXECUTIVO).
Ter conteúdos moduláveis, adaptáveis a qualquer situação, se mostra, na prática, como
uma tentativa de controlar as opções ao se apresentar em todos os canais. Os meios de
comunicação ainda funcionam segundo um esquema com poucas fontes emissoras que
distribuem mensagens para muitos. A necessidade de continuar sendo essa fonte principal, por
meio da convergência, revela uma preocupação com as associações horizontais, tentando
impedir que outros falem e se agrupem aleatoriamente, simplesmente porque esse caos retira
deles o lugar de poder confortável. Ao se tornar ‘convergente’, as empresas esperam ser uma
espécie de nó obrigatório de passagem daquilo que pode ser comum a todos. A tentativa dos
conglomerados de dominar diferentes veículos revela que ainda existem poucos nós de
produção e distribuição, levando a canais fixos e fechados de distribuição da notícia. No fim,
192
por mais que existam diversos suportes, a tendência é a centralização da informação nas mãos
de poucos. Ou seja, ao mesmo tempo em que amplia-se o ambiente discursivo, há um
estreitamento da variedade nas informações transmitidas pelos canais de uma mesma
empresa.
Embora essa questão de concentração de poder político e econômico seja um aspecto
relevante a ser considerado nesse debate, ocorre-nos, considerando o cenário atual de
presença das empresas jornalísticas de modo cada vez mais difuso, que pelo menos, esse
domínio seja utilizado em prol de uma experiência mais rica na produção da notícia. E essas
experiências convergentes só poderão ser confirmadas e ajustadas com o tempo contando com
a participação do público, uma vez que, o discurso de facilitar o acesso à informação só se
torna concreto se o público assim o desejar. O próprio Jenkins (2008) afirma que a
convergência não se realiza dentro dos dispositivos tecnológicos, mas “ocorre dentro dos
cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com os outros.”
Em 1962, em A Obra Aberta, Umberto Eco já destacava a participação do leitor na
determinação do(s) sentido(s) da obra e iniciava as discussões sobre os limites da intervenção
do autor. E se um autor tem a liberdade de criar várias obras, o interpretante tem a liberdade
de escolher uma das sequências apresentadas, criando assim, outra obra. Diante da cobertura
do jornalista do grupo Associados, podemos sugerir que ao produzir materiais para diversos
canais, Marcelo proporciona uma liberdade para que o receptor defina a sequência de como
quer acompanhá-los.
Esse potencial comunicativo diferenciado pode construir materiais mais didáticos
sobre uma notícia, uma vez que a mesma informação pode ser complementada, reiterada e
mesmo sistematizada. Ou seja, esse tipo de narrativa pode gerar uma representação
diferenciada de uma mesma informação para favorecer sua compreensão. O leitor transmídia
ao percorrer as diversas plataformas estaria realizando tentativas de compreensão, efetivando
gestos de interpretação ou de uso, porque, em última análise, é ele o responsável por definir a
versão final do que será compreendido.
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206
APÊNDICE A
Tabelas de análises das narrativas transmidiáticas
20/01/2010
Título post/VT/matéria
Repetição/Ineditismo
do conteúdo entre
veículos
Chamadas para outros
veículos
Interação com o
público (WEB)
22/01/2010
Título
post/VT/matéria
Repetição/Ineditismo
do conteúdo
entre veículos
Chamadas para
outros veículos
Interação com o
público (Web)
Conteúdo
TV
JA 2
_
Conteúdo
WEB
AE
BA
Mochilão
Superesportes
_
_
“Frio e chuva na
_
Bolívia”
_
_
_
Inédito para blog
_
(Apresentação e
objetivo do blog)
_
_
_
Chamada para
_
UAI e TV
1 comentário/
_
Sem resposta ao
comentário
Avaliação transmidiática do 1º dia de cobertura
AE
Conteúdo
TV
JA 2
BA
“Cruzeiro em
Potosí”
“Cruzeiro já
treina na
Bolívia”
_
Inédito
(problemas dos
jogadores na
viagem, chegada
ao hotel, lateral
Fernandinho)
Inédito
(treino)
+
informações
citadas no blog
e no AE
(chegada à
Bolívia,
movimentação no hotel)
_
Sem chamada
Sem chamada
_
Conteúdo
WEB
Mochilão
Super
esportes
1º: “Para um
_
pouquinho,
descansa um
pouquinho”
+
2º: “Quase no
topo”
1º:
_
Inédito
(atividades dos
atletas durante
trajeto,
problemas dos
jornalistas
durante a
viagem)
2º:
Inédito
(
chegada a Sucre)
Sem chamada
1º: 1 comentário
2º: 8
comentários/
Sem resposta
_
_
207
Avaliação transmidiática do 2º dia de cobertura
23/01/2010
Título
post/VT/matéria
AE
_
Repetição/Ineditismo
do conteúdo entre
veículos
Chamadas para outros
veículos
Interação com o
público (WEB)
24/01/2010
Título post/VT/matéria
Repetição/Ineditismo
do conteúdo entre
veículos
_
_
Conteúdo
TV
JA 2
“1º treino no
estádio”
informações
do blog
(treino de
sábado)
+
Inédito
(presença
dos médicos
e
fisiologistas
durante
treino)
BA
1º: “Cruzeiro
na altitude”
2º: “Um
presente para
o lateral”
1º:
Inédito
(
treino de
sexta)
2º: Inédito
(aniversário
jogador)
Sem
chamada
Sem
chamada
Conteúdo
WEB
Mochilão
Super
esportes
1º: “Enquanto o
_
time não treina”
2º: “Perigo do
outro lado da
montanha”
1º: Inédito
(informações
sobre Sucre)
_
2º: Informações
do JA2 (alguns
dados sobre
treino de
sábado)
+
Inédito
(torcedor
espião)
Sem chamada
_
1º: 5
comentários
2º: 1
comentário/
Sem resposta
Avaliação transmidiática do 3º dia de cobertura
AE
_
_
Conteúdo
TV
JA 2
_
_
BA
_
_
_
Conteúdo
WEB
Mochilão
Superesportes
1º: “No, usted no”
_
2º: “Quanto vale
um boliviano”
1º: Inédito
(Conversa com
técnico e
jornalistas
bolivianos)
_
208
Chamadas para outros
veículos
Interação com o
público (WEB)
_
_
2º: Inédito
(
curiosidades sobre
Sucre)
Sem chamada
_
_
1º: 1 comentário
2º: 12
comentários/
Sem resposta
Avaliação transmidiática do 4º dia de cobertura
Conteúdo
TV
25/01/2010
Título
post/VT/matéria
Repetição/Ineditis
mo
do conteúdo entre
veículos
_
Conteúdo
WEB
Mochilão
Super
esportes
_
_
AE
JA 2
BA
1º:
“Cruzeiro:laterais”
“Jonathan é
dúvida contra
Potosi”
_
Imagens e
informações
do AE
(altitude
controlada,
problemas de
Jonathan)
+
Inédito
(entrevista
Pedro Ken,
último dia de
treinos)
_
_
_
_
_
_
_
_
_
2º: “Cruzeiro: treino
secreto”
1º: Inédito
(problemas do
jogador Jonathan)
2º: Inédito (altitude
controlada e
especulação sobre
kléber)
Chamadas para
outros veículos
Interação com o
público (WEB)
Chamada para
Superesportes e blog
_
Avaliação transmidiática do 5º dia de cobertura
26/01/2010
Título
post/VT/matéria
_
AE
Conteúdo
TV
JA 2
“Cruzeiro na
Bolívia”
“Cruzeiro
pronto
para
encarar
BA
Conteúdo
WEB
Mochilão
Super
esportes
1º: “O
_
primeiro
guerreiro”
209
altitude”
Repetição/Ineditis
mo
do conteúdo entre
veículos
Chamadas para
outros veículos
Informações
blog
(estrutura
estádio,
conhecimento do técnico
– com mais
detalhes)
Inédito
(treino do
dia,
viagem
cruzeiro
para
Potosí)
Sem
chamada
Sem
chamada
2º: “O
bigodudo diz
que sabe
tudo”
1º: Inédito
(torcedor
mineiro)
2º:
Informações
do AE
(estrutura
estádio,
conhecimento do
técnico)
+
Inédito
(breves
dados sobre
perigo até
Potosí)
Chamada
para AE
Interação do
repórter com o
público (web)
_
_
1º: 3
comentários
2º: 13
comentários
Sem resposta
Avaliação transmidiática do 6º dia de cobertura
27/01/2010
Título
post/VT/matéria
Conteúdo
TV
AE
JA 2
1º“Cruzeiro
bola na
altitude”
2º
“Último
treino”
Repetição/Ineditism
o
3º “Cruzeiro
estrada para
potosí”
1º: Inédito
(cobrança de
BA
Conteúdo
WEB
Mochilão
Super esporte
1º“Paraná e
1º“Geraldinho
matador”
Adilson falam
sobre jogo”
2º“No meio do
caminho tinha
2º“Maluf fala
uma pedra”
sobre
expulsão”
3º“Curiosidade
s de Potosí”
3º“Adílson
analisa
expulsão”
1º Inédito
1º, 2º e 3º:
(Vídeo da
Inédito
210
do conteúdo entre
veículos
respeito pelo
time Bolívia)
+
informações
blog
(primeiro
torcedor)
brincadeira
entre
jogadores)
+
Informações
AE
(último treino)
2º:
Informações
AE (alguns
detalhes de
postosí)
2º: Inédito
(brincadeira
com fachada)
+
Informações
blog
(último
treino)
Chamadas para
outros veículos
Interação do
repórter com o
público (WEB)
3º: Repetição
da reportagem
exibida no AE
sobre a viagem
3º Inédito
(descrição
detalhada
viagem)
+
informaçõesd
o blog
(alguns
aspectos
sobre a
viagem)
Sem
chamadas
2 chamadas
para AE
1º: 5
comentários
2º: 2
comentários
3º: 2
comentários/S
em resposta
Avaliação transmidiática do 7º dia de cobertura
Conteúdo
TV
28/01/2010
Título
post/VT/matéria
(entrevistas
após o jogo)
AE
1º“Adílson e Maluf
comentam expulsão”
2º“Adílson de olho no
Ipatinga”
JA 2
BA
Conteúdo
WEB
Mochilão
Super
esportes
_
1º“Cruzeiro
volta (quase)
na Boa”
2º “Aerosur...
211
3º“Repercussão jogo”
Repetição/Inediti
smo
do conteúdo
entre veículos
1º: Informações UAI (
mesmas entrevistas)
2º: Inédito (Adilson
fala sobre Ipatinga)
3º: Inédito (antes e
depois jogo
Chamadas para
outros veículos
Interação com o
público (WEB)
presa de
última hora”
1º: Inédito
(embarque
jogadores,
atraso
viagem)
2º: Inédito
(atrasos Cia.
Aérea
boliviana)
Sem
chamada
1º : 3
comentários2
º: 4
comentários/
Sem resposta
Sem chamada
_
_
_
Avaliação transmidiática do 8º dia de cobertura
APÊNDICE B
Entrevistas realizadas com os profissionais dos Diários Associados nos dias 4, 6 e18 de março
de 2011, na sede da TV Alterosa e do jornal Estado de Minas, em Belo Horizonte.
Entrevista Marcelo Túlio Mendonça Silva
Nathália: Por favor, fale seu nome completo, tempo de trabalho na TV e os cargos que já ocupou.
Marcelo Marcelo Túlio Mendonça Silva, conhecido como Jordi, trabalho aqui desde setembro de
1993. Vou completar 18 anos de TV. Comecei como operador de caracteres, vulgo GC, depois passei
para editor de reportagem, depois que formei, e a partir de 2009, eu entrei nessa empreitada de virar
repórter multimídia.
(N) Para você, o que é convergência de mídias?
(M) Bem, na verdade, pra mim é você trabalhar um conteúdo para três diferentes tipos de veículos,
seja o impresso, seja a internet, seja a TV. E, nesse caso, a gente ainda está no processo, porque você
esbarra em várias rotinas, você tem que pensar na internet, você tem que trabalhar texto, você tem que
trabalhar TV, e nisso, digamos, em sete horas de trabalho, já que, as horas extras tem que ser evitadas.
Mas aí, realmente, é um processo complicado. Então, a turma tem que estar muito entrosada, você tem
que conhecer bem o objetivo, para fazer o assunto render nesse tempo razoável.
(N) E você acha que o público hoje está disposto a procurar essas informações em três lugares
diferentes?
212
(M) Olha, o público realmente, estando disponível, o público vai atrás, ele interessa. O caso é esse
imediatismo da notícia, é o twitter, é a notícia da internet, é o vídeo, é o jornal das oito horas da noite,
é o jornal do meio-dia, então, sempre você tem que atualizar a notícia pra fazer ela render. O fato vai
acontecer quatro horas da tarde e o twitteiro dá primeiro, a internet vai cobrir depois, o jornal das oito
vai em cima, aí o jornal impresso fecha 21:00hs, aí o leitor vai ter acesso no outro dia e meio-dia você
tem o jornal, então o negócio tem que render. Então, pensando bem, a convergência de mídias, na
verdade, você não tem que trabalhar um fato para três veículos diferentes, você tem que trabalhar um
fato e atualizá-lo para três mídias diferentes que são separadas, digamos, por unidades de tempo.
(N) Você acha que o público está mais participativo nessa história também?
(M) Olha, o público tem opinado pelos canais aí, a gente está vendo muito a participação por causa do
Twitter, etc., telefone, pessoal liga, manda email. Tenho acompanhado alguns blogs, mas, eu não to
vendo uma certa repercussão em blog que ultimamente anda valendo a pena, eu gosto de ler, etc., mas
não gosto de saber opinião de todos. Mas sinceramente, o público, ele tá afim de trabalhar, de
descobrir informação disponível, a internet você vê o bum aí, por exemplo de ipad, quem pode já está
podendo comprar seu ipad, acompanhando a notícia, etc., dá uma clicada. É, tá a fim de buscar
informação. Eu que sou viciado, tarado nesse ponto, então, quando eu não tô olhando a internet, to
escutando rádio, to vendo TV, to pensando no conteúdo e por aí vai.
(N) Seu salário como repórter multimídia é diferente do salário de um jornalista que não é? O salário é
diferenciado?
(M) Sim, o salário é diferenciado.
(N) E você recebe por todos os meios, por um meio específico ou por horas trabalhadas?
(M) Não, eu recebo por um, minha fonte pagadora é apenas a TV. No caso eu tenho que gerar
conteúdo pra TV e pra internet, poucas vezes eu tenho que participar de um jornal.
(N) Recebe pelas sete horas?
(M) Não, bem, eu recebia antes um adicional, mas aí mudaram alguns critérios no que diz respeito a
esse adicional, gratificação, etc., etc. Hoje eu devo fazer tantas horas extras por mês pra, já
autorizadas, pra compensar essa variação.
(N) Trabalhando sozinho, você tem que tomar muita decisão sem esperar a chefia?
(M) – Eu estou voltando de uma viagem à Colômbia que eu passei exatamente por esse problema. Até
tenho que dar um puxão de orelha na turma ali. Teve um fato lá que eu cheguei, consegui a
informação, mas não perdi a informação por sorte. Eu não estava sabendo e na verdade eu pensei em
fazer o VT de um jeito e quando cheguei o fato era outro. Então, pra explicar a situação: a gente tava
na Colômbia acompanhando o jogo do Cruzeiro e Desportes Tolima pela Libertadores, fui pra lá
sozinho, fiz a cobertura, tive problemas com a bagagem, etc., mas isso não vem ao caso. Aí você tem
que pensar um tipo de cobertura já sabendo que sua estrutura é de uma pessoa só e você tem que
dividir o conteúdo, o fato, a viagem, fazer gerar três materiais diferentes para o jornal. Era o último
dia, o do jogo, e eu tinha o fato, a partida em si e, na minha cabeça, eu teria que fazer mais uma
matéria. Então, eu vou fazer o jogo e depois vou fazer a viagem de volta, que é muito pesada. Na
Colômbia, o jogo foi na cidade de Ibagué e de lá você tem que tomar um avião pra Bogotá, de Bogotá
você tem que pegar outro pra São Paulo e de São Paulo outro pra BH. Ou seja, o Cruzeiro ia ficar
cerca de 12 horas ou mais viajando. Então eu pensei: vou fazer o VT em cima do jogo e depois na
correria deles pra sair do estádio pegar o avião, correr, etc., etc. Aí quê que eu fiz, fechei o VT, gravei
213
minhas passagens, fiz a imagem dos jogadores entrando no ônibus, entrei no táxi, corri lá fazendo a
escolta policial, todo aquele aparato, o caras entrando, a idéia de pegar eles entrando no avião, etc.,
etc. Quando eu cheguei lá, eu vi que tinha um grupinho de jornalistas esperando, etc. Eu falei: uai tem
coisa aí. Aí um amigo falou: Olha, a mãe do Roger foi baleada no Rio de Janeiro, uma tentativa de
assalto, o companheiro dela morreu etc. Aí a minha retaguarda não tinha me dado essa informação, ou
seja, se eu não tivesse decidido fazer isso, acompanhar... eu podia muito bem deixar o ônibus sair etc.
e acabou. Mas eu não queria perder essa informação. Aí cheguei, peguei na sorte, encaixei no VT e no
final das contas até deu para separar o Roger em um terceiro VT. Então, é uma decisão que você não
tem respaldo, nesse caso, não tive respaldo de produção, não tive respaldo de editora, tomei a decisão
por mim mesmo e nisso acabei não perdendo um fato que durante o jogo, quem tava fazendo a
transmissão para Belo Horizonte e quem estava no Brasil já sabia disso e eu não tive o retorno lá.
(N) Você acha que essas decisões são mais comuns por você estar sozinho ou com equipes completas
isso também é comum?
(M) Olha, o fato de estar sozinho me deixa três vezes mais ligado do que eu já sou, exatamente pelo
medo de você levar uma bola nas costas. Bem, o pessoal já me conhece, sabe que eu tenho autonomia
pra decidir, e às vezes, eles até me deixam, meio que em vôo solo. Mas aí você fica mais ligado na
coisa, pô eu tenho que gerar um material que a concorrência tá fazendo, se eles estão fazendo isso eu
tenho que ir pra outro lado, talvez. Então, eu tenho que fazer o treino do time adversário, tenho que
fazer outra imagem pra fazer o material render e não ficar aquela cobertura comum. Além disso, por
exemplo, voltando a esse caso de Tolima, tem o material da TV Cruzeiro, que é o cinegrafista do
próprio clube que cede pra outros canais que não vão cobrir. Aí se eu fizer um material igual eles, pra
que eu tô indo?
(N) Porque que você acha que foi escolhido pra ser esse repórter especial dentro da TV?
(M) Vamos voltar a 2009. Naquele ano a gente tava vivendo uma crise econômica e o Cruzeiro e o
Atlético, que são os dois principais atrativos do nosso programa de esporte, iriam fazer uma temporada
de vinte dias jogando no Uruguai, no torneio de verão. Era uma viagem que custaria muito, porque
você mandar uma equipe completa, digamos, nem três pessoas, mas duas, seria uma cobertura cara
que você ia precisar de alguém pra editar, etc. Na época, a empresa fez um curso, em 2008, de
convergência de mídias e a diretoria falou assim: não, eu quero mandar uma pessoa só que dê conta de
fazer esse serviço. Era janeiro, a decisão tinha que ser tomada, o chefe delegou a decisão, mas os
outros chefes não estavam presentes, estavam de férias. Aí quem vai dar conta, quem que vai dar? Aí
eu levantei a mão: eu dou. Eu já tinha acompanhado outras experiências do Luis Nachibin, na TV
Globo, no Esporte Espetacular, hoje senão me engano, ele trabalha na Futura. Ele contando as
experiências, como é que ele fazia isso, etc. Não é o caso de geração (de imagens por internet), porque
sobre isso eu fui saber do Marcelo Torres, ex TV Globo Minas, que hoje está no SBT Brasil, que
trabalha com o famoso FTP, que a princípio assustava, não tinha conexão de internet, você não dorme,
etc.. Mas aí, por ser editor e já saber como é que você tem que trabalhar imagem, você já tem uma
certa noção de enquadramento, já sabe o quê vale ou não de material... Eu coloquei meio que na minha
cabeça: se eu já mandar esse material editado, o tamanho do arquivo vai ser menor, então vai ser mais
fácil você lidar com FTP. Então, resolvi encarar essa partida, o pessoal meio que me mandou pra teste,
meio que ah vamos ver, se dá conta ou se não dá. Até alguns amigos meus eram contra essa decisão na
época, porque, até certo ponto, se o doido vai conseguir fazer, acaba que todo mundo vai fazer
também. Qualquer viagem agora vai ter que ser desse jeito, se ele conseguir fazer. Aí eu fui e
consegui. Aí quando eu voltei, os chefes já estavam de volta, ficaram empolgados com o resultado...
214
tinha que implementar e vamos criar mais uma equipe no programa? A equipe do homem só. Aí
sobrou, aí eu fui escolhido pra isso.
(N) E a partir daí você teve algum treinamento pela empresa?
(M) Fora o que eu já sabia fazer, eu tive apenas um treinamento pra saber lidar com a câmera de vídeo,
luz, etc., adequar.
(N) E quem que te ensinou isso?
(M) Um cinegrafista da casa, o Henrique Stênio..
(N) – Mas foi mais informal, apenas com dicas, ou havia uma regularidade nesse treinamento?
(M) Chega aqui que eu te dou umas dicas.
(N) Quando você foi contratado como repórter multimídia, foi firmado o que seria produzido por você,
a periodicidade certa...Essas funções foram bem delimitadas?
(M) Olha, a principio isso foi delimitado, mas queriam que, como eu não era um rosto conhecido pra
TV, eu fizesse mais matérias investigativas, fizesse aquela câmera escondida, não fizesse tanto a
passagem, não colocasse a minha cara. Fizesse mais aquela função do vídeorepórter, do repórter
cinematográfico mesmo, pra fazer o material render. Só que a demanda de trabalho aqui na Alterosa é
muito apertada, então você tem que fazer o material do jogo, etc. e eu acabei entrando na escala. E
quando você entra na escala, você está sujeito a tudo: o final de semana é seu, então você tem que
fazer o jogo, você tem que fazer a câmera de baixo, você tem que fechar o VT, o Marcação Cerrada,
você tem que fazer o VT do J2, etc., etc. E aí, ainda mais com essa questão na minha cabeça, de que eu
tenho que mostrar que dou conta, eu tenho que fazer... Então eu acabei fazendo aquela estrutura
normal: off, passagem e sonora, off, passagem e sonora. Meu trabalho, teoricamente, não era pra ser
assim, era pra ser mais aquela coisa câmera nervosa, aquela narração... Só que eu tinha medo de
arriscar, eu tinha não, eu tenho medo. Pô, eu viajo pro exterior, tô gastando, vou arriscar, vou brincar
lá e vai que não ficou bom? Como é que eu faço? Eu tô perdendo conteúdo... então não tem como.
Então eu preferi jogar aonde eu sei e onde eu consigo resolver do que arriscar um formato. Então
faltou um pouquinho dessa direção. Eu tinha carta branca pra usar, mas eu é que não quis, não quis pra
não perder conteúdo, pra não falar que não funciona... vão parar com essa brincadeira. Porque eu tava
empolgado com a história. Então eu queria vingar.
(N) E hoje você tem possibilidade de ousar? Você acha que consegue isso?
(M) Eu acho que sim. Mas, por causa da demanda, da concorrência, da necessidade da gente ter
conteúdo e até com base nas assessorias que não permitem muita coisa... Porque você está sozinho,
então não pode chegar e inventar alguma coisa diferente. Vai que seu foco cria algum tipo de rejeição,
entendeu? Não é um grupo, é com você. Então, gera um mal estar, gera um ranço, e meio que você
tem que jogar com as cartas, tem que tratar bem as pessoas, não pode criar nenhum tipo de
indisposição com você e o seu foco da matéria. No inicio é meio assustador, você ta lá, gravando
sozinho, se filmando, o pessoal fala: olha o louco lá, grava sozinho na rua, etc. Sem falar na questão
técnica também porque a câmera, por ela ser prática, por ser fácil de conduzir por uma pessoa, ela não
tem uma iluminação adequada. Até a câmera profissional não tem, tanto que ela precisa de um
iluminador. E eu não tenho esse iluminador, então eu teria que usar o equipamento. Ma não posso
usar, porque senão eu perco a imagem e, hoje, a gente ta numa era digital, nosso principal concorrente
tem doze câmeras no estádio, a melhor qualidade de imagem possível. Não posso chegar e inventar um
Bruxa de Blair novo aí.
215
(N) Em relação ao formato existia certa expectativa. Mas em relação a quantidade de matérias para
internet, para o blog, pra TV... Isso também foi definido?
(M) Eu tinha que ajudar o Uai, eu tinha que ajudar o site da TV, tinha que incrementar, mas a
necessidade do programa falou mais alto. Foi falando: tem que entrar na escala, tem que fazer VT
assim, tem que fazer, tem que melhorar o programa, tem que incrementar... o fulano tá fazendo isso,
tem que ir lá, etc. A gente antes tinha dois repórteres. Quando eu entrei, além da minha equipe de um
homem só, o esporte ganhou mais uma equipe. Então, três e eu, ou seja, quatro. Só que parece que o
conteúdo se multiplicou vezes dezesseis. E outra, eu tentei, tento me adequar à cobertura do Uai, mas
o pessoal já tem certa estrutura. Durante o dia eles têm que dar seis notas por dia. Cinco a seis notas.
Então, você meio que briga com a sua própria empresa pra fazer um conteúdo diferente deles, porque
senão você repete. Entendeu? Então, até certo ponto eu meio que tentei entrar, mas, “ah não, a gente já
ta dando isso... e isso aqui? Ah, a gente já ta dando também...” Então, se o Alterosa Esporte não tá
dando, então deixa fazer isso pra cá.
(N) Você acha que, pelo fato de estar sozinho, o material produzido deixa a desejar em relação à
qualidade técnica?
(M) Olha, poucas vezes isso tem acontecido, porque eu tenho rebolado. Com a experiência, você já vai
checando... opa, vou ter problema de áudio aqui, não vou alcançar ali, não vou ter luz aqui, vamos
chegar pra cá, como é que eu compenso isso... Por exemplo, se eu, por causa de luz, estiver gravando
uma sonora, mas correr o risco de perder, que poderia ter sido o caso do Roger, que eu fiquei com essa
sensação, eu tratei de fazer a imagem dele com a melhor luz que eu tinha, porque qualquer coisa eu
reaproveitava o áudio e cobria, coisa que eu aprendi na edição. Então, eu tento. Outro dia fui fazer
uma coletiva do Ministro dos Esportes aqui em Belo Horizonte. Já sabendo que ia ser cheio de repórter
que eu não conheço, aquele atropelo de coletiva de política, eu ia sozinho? Eu catei uma estagiária
aqui da casa e lá foi ela. Vamos nós dois que qualquer coisa, você leva meu microfone, gruda no cara,
que eu garanto a imagem. Então são certas manhas que você vai aprendendo.
(N) Mas no inicio você chegou a perder imagem, algum material?
(M) Ah, no início sim, mas por falta de prática em como lidar com a coisa. Vou te falar de uma
repórter que faz uma coisa parecida no SBT Brasil. Até hoje ela não aprendeu ajustar o foco da
câmera. O foco dessa câmera, para ser prática, ele ajusta sozinho, vai aonde tem mais luz. Se você
deixa ele no automático, se você tá aqui com pouca luz e seu fundo tem luz, ele vai pra lá. Ou seja,
então você tem que aprender no manual a regulá-lo pra você trabalhar. E essa menina, constantemente,
regula, deixa no automático, na hora que ela vai gravar, ela tá desfocada, o foco tá lá no fundo. E esse
jornal de rede tem deixado passar as matérias dela assim. E olha que já são três anos e ela ta fazendo a
mesma coisa.
(N) Em uma equipe existe o cinegrafista e o iluminador que dão palpites, interferem também na
construção da reportagem. Você sente falta desses outros olhares pra discutir, dialogar? Ou você vai
aprendendo a se virar sozinho?
(M) Essa conversa tá sendo boa, tá até sendo um analista, um psiquiatra. Existem dois lados de ver.
Você sabe como é que lidar com motorista, iluminador, cinegrafista, entrevistado... tem os humores, a
pressão... Por ser sozinho, isso aí ta resolvido, não tenho esse problema. Por outro lado, eu fico mais
ligado porque sei que ta rolando tantas coisas, tem equipes completas... Existe um círculo vicioso em
quem cobre esporte: muitos dos repórteres são filhos da pauta. Ou seja, ele chega lá, com textinho
pronto de redação, o editor meio que já ajudou a fechar, já separou as imagens... Então vou chegar
216
aqui, fazer umas imagens, uma passagem, uma sonora engraçadinha e acabou. Então, você já sabe
como fulano tá fazendo o VT. Então eu tenho uma pauta de stand by, mas eu tô ligado no trem.
(N) Você precisa desenvolver vários olhares?
(M) Eu meio que dou uma espiada na concorrência e dou uma olhada no treino pra saber o quê é
diferente. Se o treino não tiver nada, eu volto pra pauta, então eu garanto a minha imagenzinha lá que
eu preciso pra pauta. Se pintou alguma coisa diferente, eu saio na frente deles, fiz a imagem e tô
dentro. Por ser editor, eu ainda valorizo muito a imagem. Não tô nessa de brincadeira, do textinho
engraçado...
(N) Nos momentos de decisão editorial, de foco de matéria, você tem um background pra te ajudar na
prática?
(M) Questões que fogem da sua alçada, por exemplo, eu tive problemas na viagem agora, perdi um
vôo... eu ligo pro chefe de jornalismo ( Benny Cohen) e ele tenta me ajudar. No que diz respeito a
conteúdo, muita das vezes, sou eu que tenho tomado a decisão sozinho mesmo. Isso já é um processo
que funciona assim no programa há mais de dez anos, você toma a decisão, você executa, e, no dia
seguinte, a edição vê o quê ela faz. Se ela repercute, se aceita... mas na hora é faz, faz que depois a
gente vê. O famoso faz que depois a gente vê.
(N) O fato de você ter essa autonomia hoje é por causa do trabalho que você já demonstrava na época
de editor?
(M) Sim, por causa da experiência. O pessoal meio que acredita que eu não vou perder nada e eu me
cobro pra isso. Só que tem coisas que fogem da nossa alçada. Então eu faço, digo que aconteceu isso,
avaliem se usa ou não... Muitas vezes também o horário não facilita, os jogos acontecem domingo, ou
nas folgas, termina jogo de madrugada... Então o horário também não ajuda.
(N) Quando você foi pra Potosi lá na Bolívia, tinha algum repórter do Estado de Minas lá?
(M) Não.
(N) Mas aí você não foi obrigado a mandar material pro Estado de Minas?
(M) Eu mandei algumas fotos, tava a disposição pra mandar texto, mas eles preferiam não fazer uma
cobertura diferente, fazer umas matérias mais produzidinhas, com textos de redação e sonoras de
rádio.
(N) Você conta no dia-a-dia com a ajuda de outros repórteres do grupo associados? Você estando no
mesmo lugar que eles existe alguma troca?
(M) Sim, alguma troca de figurinha sim.
(N) Mas nada oficial, uma determinação para trabalhar em conjunto com repórter tal?
(M) Não.
(N) Você acha que na prática existe uma resistência? Essa cultura do furo ainda impera entre o Uai, o
Estado de Minas e a TV?
(M) Por mais que a gente tente ser companheiro, tente passar matérias, existe aquela questão meio que
cada um no seu quadrado. Não de ser bruto a ponto que não passo, vou querer furar, não a esse ponto.
Mas, mais em cima da rotina, eu tenho que fechar meu material, eu tenho minhas sete horas de
trabalho, eu vou chegar e fazer assim e assado... Então, em cima disso, o pessoal às vezes não quer, é
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difícil você parar, pensar: “Eu vou fazer uma coisa diferente aqui, fulano”. Porque se você toma essa
decisão, você tem que saber que o fulano tem que parar pra pensar isso contigo também.
(N) Você acha que isso deveria ser incentivado mais pelos chefes?
(M) Eu acho.
(N) Essa questão da resistência cultural pode impedir a convergência?
(M) Eu vou te dar um exemplo de um cara que eu estou vendo no globo.com, que era repórter de TV,
migrou pra internet, tá tentando fazer um trabalho desse, mas tá esbarrando exatamente nisso, nessa
diversidade de conteúdo e não consegue o espaço dele. É o José Ilan, repórter que começou na extinta
TV Manchete, foi pra TV Globo, grande jornalista e tentou fazer um conteúdo variado, teve na África,
tentou. No caso dele, tem a Sport TV, tem o Globo Esporte, tem o Jornal Nacional, tem isso, tem
aquilo outro, tem o Esporte Espetacular, tem o Globo.com... e aí, o que ele vai poder fazer variado?
Então hoje ele continua produzindo as coisas dele, faz as brincadeiras, mas tá muito restrito a um blog,
a um comentário. Tá virando mais comentarista de blog do que ousando. Você ter que ousar seis dias
por semana é difícil. Voltando ao s Associados, o treino é um só, são 24 horas. Então pra você
incrementar o site da TV, você teria que fazer uma noticia que não vai, teoricamente, estar no UAI.
Você chamaria o internauta pro site da TV, para gerar audiência no site. Mas aí como é que você
consegue um fato diferente daquelas seis notas que o UAI tem que dar? Você teria que tentar
conversar: fulano, deixa uma pra mim. Mas aí vamos voltar na rotina, tenho que fazer minhas seis
notas, isso aqui é só meu e pronto. E tem a concorrência também, então não adianta. Aí eu vou te dar
aquele exemplo, você tem achar o negócio e pronto. Eu, por exemplo, vi o cochicho do Zezé Perrella
no ouvido do Kleber. Só eu vi aquela hora, só eu. Mas não é todo dia que vai acontecer um cochicho,
uma cena que só eu vi e vai pro site da TV etc.
(N) Quando você estava em Potosi era diferente?
(M) Na verdade lá era porque não tinha ninguém do Uai, era eu. Então a cobertura deles, nesse caso,
dependia de mim. Aí eu mandava a entrevista, a foto, o que tava acontecendo...
(N) Você acha que sua participação é melhor quando você está em um lugar que os outros não têm
acesso?
(M) Isso, quando a geografia me ajuda. Quando eu tô isolado em um canto e eu não tenho colegas do
grupo. Aí sim eu consigo colaborar. Porque jogando em casa é cada um no seu quadrado.
(N) A convergência é um projeto da empresa, mas, na prática, a ponta do processo não está
conseguindo conversar. É preciso uma maior interferência da empresa no processo?
(M) Enquanto os editores não começarem a interagir entre eles, isso vai continuar do jeito que tá. Eu
acho que já evoluiu muito, pode evoluir mais, mas há outros fatores também que divergem: relação de
trabalho, rotina, horário, escala... A gente tenta fazer isso no programa Bola na área, juntar os
profissionais da internet, os da TV, os da rádio pra fazer um programa na hora do almoço. Só que aí a
gente tá sujeito a escala de trabalho. Eu não posso contar com fulano, sicrano, porque ele tá de folga
ou não tá trabalhando, então eu tento formar os debatedores do jeito que eu consigo. A gente tentou
outro dia uma matéria do Montijo que joga no Vila Nova, e por falha de comunicação, o Estado de
Minas não entrou. O Estado de Minas queria muito fazer a matéria, mas, o famoso deixa que eu aviso,
não avisaram.
218
(N) Você acha que a criação de um cargo de editor convergente, que conversasse com todas as
editorias, funcionaria?
(M) Eu acho que seria função de um editor convergente. No curso que a gente fez, a gente colocou a
figura do Dartanham: tinha os três mosqueteiros, Athos, Porthos, Aramis, TV, internet e jornal, e teria
que ter um quarto no meio da história que seria o Dartanham, o editor de mídias convergentes pra
tentar facilitar essa troca de figurinha.
(N) Como é sua rotina de trabalho diariamente e como ela se modifica em época de viagem?
(M)Diariamente eu cuido da produção do programa Bola na área, que seria um produto que mescla
profissionais das três mídias, vamos falar quatro, que nesse caso entra a rádio Itatiaia também. Entã
minha semana já começa tentando arrumar o programa, quem que vai participar, quem que não vai...
O conteúdo dele eu vou fechando mais tarde, já que é um programa aos sábados e não adianta fechar
segunda-feira... então vou fechando mais durante a semana. E hoje, como eu sou meio que vítima da
escala, eu vou me adequando as necessidades do Alterosa Esporte. A princípio não era pra ser assim,
mas acabou sendo. Então, enquanto vou produzindo as minhas outras coisas, fazendo um trabalho
mais burocrático, eu vou cobrindo buracos. Ah, fulano vai fazer uma matéria especial com sicrano,
então você vai fazer o clube. Ah, vai ter um vôlei hoje à noite, então você vai lá fazer o vôlei e no
resto do dia você faz a produção do Bola. Então eu vou me virando nisso. A situação se inverte
completamente quando eu viajo. Aí que eu me dou bem, que eu nado de braçada. Porque ai só tô eu lá,
eu tenho que fazer. Aí é duas matérias por dia, fazer aquele climão, o que gira entorno do treino, etc...o
conteúdo principal. Eu tenho viajado pra acompanhar Cruzeiro e Atlético, os dois vilões do programa.
Então tem que ter duas, três matérias do clube que eu tô cobrindo. Aí a pauta é toda minha. Aí, de vez
em quando, vem uma informação: aconteceu isso em Belo Horizonte, repercute aí. Ou então eu
descubro uma coisa lá e falo pra correr atrás aqui. Foi o caso da coruja. O Cruzeiro ia jogar a
Libertadores na Colômbia. Quando eu chego lá, o fato principal era um jogador que chutou uma coruja
que vivia no estádio. A coruja pousou no campo, o jogador foi lá, meteu o bico e matou a coruja. Aí a
Colômbia tava em polvorosa. E o Cruzeiro tava chegando justamente nessa data, e o Fábio, goleiro
ídolo do Cruzeiro, é um cara que gosta muito de animais. Aí eu fui lá conversar com ele, explicar a
situação, e ele contou que já adotou uma coruja.
(N) Você sente falta de ter mais autonomia para se pautar estando aqui na redação?
(M) Não. Realmente eu não tenho. Mas o caso é o seguinte: as equipe com iluminador, cinegrafista,
repórter, motorista, ou seja, a melhor estrutura, tem que fazer Cruzeiro e Atlético. Ou seja, é uma
matéria especial, então vai a melhor estrutura. A estrutura do homem só, do homem banda hoje
funciona para cobrir um buraco. Ah, tinha que pensar matéria produzida, ficar uma semana fazendo...
mas falta tempo pra produzir, tô na escala, tô preso a escala, não estou livre da escala. E que matéria
produzida vai ser essa com tanta noticia que a gente tem que dar 24 horas? É o jornal, são as seis notas
da internet, são os três VTs do esporte.
(N) O fato de ser uma editoria de esportes muda alguma coisa nessa rotina de você como homem
banda? Seria diferente se você trabalhasse para outrs editoria?
(M) Eu já pensei muito nisso porque muitas vezes eu acabei fazendo o jornalismo, a ‘geral’, sem
querer. Um dia que fui fazer o jogo, Confins tava fechado, e como só eu tava lá, então lá fui eu. Tava
indo fazer um treino na Toca, peguei uma perseguição policial, acidente. Hoje a concorrência tem
muita câmera espalhada pela cidade. E, teoricamente, pra você ter muita câmera do jeito tradicional do
jornalismo, você tem que ter uma câmera, um repórter, um cinegrafista, um motorista. No mínimo três
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pessoas, o que gera um custo. Um repórter multimídia, sozinho com uma câmera, na geral, acho que
daria pra fazer muito mais coisa do que quem fica preso no esporte. No meu caso, é uma situação de
cobrir o time que está fora, longe de Belo Horizonte, e não tem ninguém pra cobrir. Como é que faz,
fica três dias sem noticia?
(N) Um repórter multimídia então seria melhor aproveitado se fosse na geral?
(M) Eu acho que existe muito campo pro repórter multimídia na geral. Só que, no caso da Alterosa,
como o esporte é um dos principais, ou talvez o principal produto da casa em termos de faturamento,
você precisa dar cobertura do time quando ele foge de Minas Gerais. E hoje, infelizmente, o SBT em
outras praças não tem estrutura. Tive lá em São Luis outro dia e fiquei assustado com a estrutura do
SBT lá. Outras praças nem tem mais. Como é que você faz quando souber que o Cruzeiro foi lá?
Quem que vai gerar o material? Quem que vai me passar o material?
(N) Você acha que a editoria de esporte permite brincar mais, ter um texto mais flexível? A própria
postura, o comportamento do repórter também é diferente daquele de outras editorias?
(M) Sim, sim. Perfeitamente.
(N) Já fez alguma coisa que você acha que é bem característico do esporte? O fato dele entrar mais na
matéria, se envolver com a atividade, participar de algum momento...
(M) Sim, mas ultimamente isso tá sendo mais difícil por causa da pressão das assessorias. Você pode
estar no mesmo hotel que os caras, mas lá dentro você não pode fazer imagem, lá dentro é um
momento deles.
(N) Você acha que essas assessorias mudaram um pouco o perfil dessa cobertura esportiva?
(M) Mudaram muito o perfil. Hoje o atleta, o clube por si só, depende muito do patrocinador. E o
patrocinador só aparece no momento que o clube está com a camisa, a do jogo ou a do treino, e aí ele
vai estar na frente do banner. Ou seja, as imagens são permitidas a partir do momento que há o treino,
ou seja, todos os trinta e seis jogadores estão com a camisa de treino, que esta lá o patrocinador e vão
falar com o banner atrás. Isso é sem problema. Aí quando quero fazer uma matéria fora, aí já é difícil,
já impõem algumas barreiras... não vou dizer que seja impossível, mas é muito difícil. A assessoria
muitas vezes não colabora, aí tem que ser o contato de você com o próprio atleta. Mas dentro do clube
o fato do patrocínio não aparecer gera um problema. Então eles dificultam.
(N) Como você acha que essas noticias de esportes são vistas pelos telespectadores? É mais de
entretenimento, um momento de leveza dentro do jornal?
(M) Eu acho que sim. A gente tem visto muito a questão da concorrência dos clubes. Então, o dia a
dia, o treino em si, isso não gera muita coisa. Mas a polêmica, a briga, a brincadeira, a resposta a uma
crítica, isso já gera assunto.
(N) Então a cobertura sempre vai além do factual?
(M) Vai sempre além do factual. Tem que ser a cobertura mais em cima do que gera atrito, o que gera
polêmica, o que gera repercussão, é o pênalti roubado, é o fulano... tem que ser o diferente. Cobrir o
treino em si, eu acho que com o tempo, isso vai acabar, a cobertura do treino por si. Só vai voltar na
hora daquele momento de decisão, mas enquanto o campeonato tiver no inicial, acho que vai acabar...
(N) Então você acha que até o critério de noticiabilidade dessa cobertura esportiva mudou? Se antes,
às vezes era o treino era tão importante, hoje é mais essa falação do esporte?
220
(M) É falação. E olha que hoje os atletas são instruídos a não provocar o adversário, isso fica muito
mais na boca dos dirigentes do que do próprio atleta pra evitar provocações. Mas o que gera assunto é
a provocação, na hora de fazer o gol provoca o outro, aí você repercute isso.
(N) Você acha que a própria mídia vai alimentando essa falação?
(M) Exatamente. Porque só o dia a dia é muito chato.
(N) Você tem tempo, quando faz suas matérias sozinho, de colocar vinheta, efeito especial, música,
como é comum hoje em dia?
(M) Não. Porque como estou sozinho, toda a minha criatividade já esta focada pra um lado. Eu tenho
evitado um pouco isso. De vez em quando eu brinco, mas quando estou fora, estou editando, eu evito
fazer isso já que o diferencial é exatamente quanto menor o arquivo, melhor o trabalho.
(N) Essa parte técnica impede...
(M) Impede.
(N) Você já teve algum blog antes ou foi a sua primeira experiência?
(M) Já tive um blog de cinema fazendo parceria com o Robson Leite e o Leo Medina aqui na redação.
(N) Como surgiu o blog mochilão do esporte?
(M) Surgiu naquela cobertura lá de Potosi, mais porque precisava de um conteúdo diferente, ou seja,
eu poderia escapar de fazer as mesmas coisas que o Uai. Então podia fazer aquela cobertura do treino e
fazer o assunto render mais focado mais no site da TV.
(N) Mais surgiu a partir de você ou foi uma demanda da empresa?
(M) Surgiu a partir de mim. Só que ai eu esbarrei no problema primeiro da conexão de internet, que
infelizmente, cada lugar é um lugar diferente. Ou seja, se ela tiver devagar quase parando então eu
privilegio a TV. E também por causa das viagens. Se você vai fazer mochilão, você teria que fazer
várias viagens, mas aí é coisa de orçamento.
(N) O blog parou três viagens depois. Por quê?
(M) Exatamente por questões de orçamento. Eu não estava viajando.
(N) Você acha que ele só valeria a pena se fosse nessas viagens?
(M) Sim. Desde que começou o torneio do Uruguai, foi assim na copa, foi assim em outros lugares. Na
copa então, eu tentei fazer o Mochilão, mas não teve jeito. Porque a África não tem linha de internet.
Ainda mais com fotógrafos, outras emissoras, Deus e o mundo lá, não tinha, é difícil demais.
(N) Quando você viaja, quem que cobre suas despesas de alimentação, transporte, hospedagem,
deslocamento de um lugar para o outro?
(M) TV
(N) Ela repassa o dinheiro antes ou você traz as notas?
(M) Faço o acerto. TV me dá uma grana, às vezes sou reembolsado, mas é tudo por conta da TV.
(N) O dinheiro é suficiente?
(M) Normalmente tem dado, não tem dificuldade. Se tiver alguma despesa extra eu pago e depois me
reembolsam. Não tem tido tanto problema com isso não.
221
(N) Quando você viaja, como você define a informação que vai pra TV, pro blog e pro portal Uai?
(M) Para o blog, tinha quer ser notas curtas, coisa rápida, mais em cima de uma foto legenda, do que a
situação em si. Então isso é um facilitador. Mas, às vezes, podia render matéria também. Um exemplo
foi a viagem à Sucre. O Cruzeiro tava em Sucre e pegava uma viagem de uma hora e meia subindo a
Serra para Potosí. Aí valia colocar um vídeo no blog. Só que você tem que tomar cuidado pra não
esbarrar, você tem que fazer conteúdo diferenciado. Mas aí tem um assunto legal aqui, não usa lá? Ah
não, vou usar um pouquinho na matéria da TV. Mas isso é uma divisão muito cruel.
(N) Na hora como você faz essa divisão?
(M) Eu penso rápido no que tenho. Minhas cartas são essas? O quê vou usar no blog? Ah, então vou
usar um pouquinho desse fulano aqui, aí aproveito e chamo a matéria da TV.
(N) Dê mais detalhes dessa divisão.
(M) Primeiro eu penso: como a matéria vai ao ar só no dia seguinte que eu produzi, então posso
colocar alguma coisa rendendo na internet até a matéria entrar. Algumas situações são diferentes, por
exemplo, a questão do domingo. De sábado pra domingo não tem Alterosa Esporte. Então o que você
faz com o conteúdo que você produziu sábado? Então pode usar na internet. Ah, mas isso pra TV ficou
muito legal, vale chamar também na internet... então vou usar um pouquinho só. Existem muitas
formas de fazer isso, mas a decisão sempre foi minha.
(N) A chamada que a TV faz para o blog era essencial?
(M) Sim, sim. Sem dúvida nenhuma. Eu acho que o publico de internet, apesar de ser muito grande,
ele não capitaliza em um lugar só. A TV serve exatamente pra catalisar: fulano,vê lá que tem um
negócio bacana. Aí o pessoal por curiosidade vai lá e aí repercute, cai no twitter... Então eu preciso de
um grande meio pra apontar para a pessoa que tem coisa legal na internet.
(N) Você falou sobre a qualidade de internet. Isso pesou demais na viagem? Isso era determinante em
relação ao que você ia mandar?
(M) Sim. Porque quem tava pagando as contas era a TV, então a prioridade é o conteúdo pra TV.
Também por questão de espaço físico, o equipamento é um só, você não tem dois computadores. E se
você tivesse dois computadores ia ser pior, porque aí a internet ia ser braba. Então, você edita o
material e depois deixa o computador lá mandando o arquivo. A ferramenta para você postar o blog é
muito pesada. Então ela, muitas vezes, derrubava a matéria que eu tava mandando pra FTP. Então é
um complicador.
(N) Sua postura era diferente na TV e no blog? No blog você se posicionava mais?
(M) Sim, porque, na verdade, falta o fato da câmera virar, comprovar que eu estou passando aquela
situação. Quando eu to na câmera, eu tô naquele olhar, tô focalizando a terceira pessoa, não tô
focalizando a mim. Então no blog eu posso falar mais de mim. E é até mais fácil eu passar uma câmera
fotográfica pra alguém me fotografar o que passar uma filmadora pra alguém me filmar.
(N) No blog você descreveu muitas situações cotidianas e não apenas aquelas relacionadas ao
futebol...
(M) Sim, claro. O blog é legal, mas você não sabe o que vai encontrar na questão da internet. Na
África do Sul é impossível, não tinha como. Às vezes a matéria nem chegava.
(N) E história não faltava...
222
(M) Não. E história não faltava. Mas não tinha jeito, não tinha.
(N) Quando você comentava assuntos de comportamento, muitas vezes, rendiam mais discussões que
o próprio treino. Você acha que as pessoas têm essa curiosidade sobre os bastidores de uma
cobertura?
(M) Claro. Isso aí sem dúvida nenhuma. Mas, infelizmente...
(N) A audiência pesava na escolha do que mandar pra cada meio?
(M) A prioridade é de quem esta pagando as contas. É meio dura a palavra, mas a prioridade é para o
produto principal, a TV. É o produto que tem mais audiência, é o que gera mais.
(N) Você geralmente mandava pro Alterosa Esporte e pro Bola matérias maiores e pro JA2 flashes.
Porque essa diferença?
(M) Porque o próprio editor do JA2 pedia. Como é um jornal que tem um pequeno espaço para o
esporte, ele pede matérias mais curtas, bem enxutas para o programa. Então isso aí já é demanda
editorial.
(N) Quando você fazia para o AE e pro Bola, você sabia em qual bloco seria inserido esse VT? Isso
fazia ou não diferença para o material que você ia produzir?
(M) Por ter sido editor do programa mais de oito anos, eu já tinha noção como é que funciona a
estrutura do programa. Então eu já sabia o quê que era uma matéria especial, o quê que era isso, o quê
que era um VT de treino. Então eu já tinha idéia de como é que funcionavam essas coisas.
(N) A TV exige uma certa ‘presença de vídeo’, um fator muito subjetivo. Você ficava preocupado com
essa questão de se encaixar nesse perfil tradicional de repórter?
(M) Isso ainda me preocupa, porque minhas passagens não têm movimento, minhas passagens são
praticamente todas plano americano ou plano mais fechado. Por questões técnicas, o foco da câmera
varia de acordo com a luz. Então se eu trabalho com foco manual, eu tenho que ajustá-lo primeiro. Se
eu movimentar, já era o foco. Então é paradinho, paradinho, paradinho. E sem falar da questão física
também.
(N) Você se preocupava com essa questão de dicção, de postura?
(M) Sim, porque eu não me perdoava pelo fato de errar e depois, ah coitado, também ta trabalhando
sozinho. Não, eu quero mostrar que sozinho eu sou tão bom como que se eu estivesse com duas
pessoas. Porque isso aí é comigo, eu quero provar pra mim mesmo que eu dou conta de fazer o
serviço.
(N) Você acha que suas primeiras matérias que foram ao ar causaram um certo estranhamento em
relação ao público?
M) No inicio muita gente nem percebeu que eu estava sozinho, e depois é lógico, você vai melhorando
a locução, o visual, o enquadramento, luz, mas evoluiu bastante.
(N) Você sente mudanças na fala, no vestuário e na postura desde quando começou?
(M) A questão da locução melhorou, eu consigo já variar o timbre de voz, acho que ainda pode
melhorar ainda mais. E a questão do visual, fiquei mais mauricinho. Aí eu tive que encaixar no
formato padrão.
223
(N) Quando você faz matéria pra TV, você parte do pressuposto de que as pessoas ali já conhecem o
assunto?
(M) Como o telespectador do Alterosa já conhece o assunto, já vou editando, produzindo e editando
nesse sentido. Mas quando estou em um lugar diferente, que não é Belo Horizonte, aí eu tento
apresentar. Ah, aqui pode beber cerveja, lá em Belo Horizonte não pode beber cerveja. Aqui tem
muita mulher, aqui tem até cachorro dentro do estádio.
(N) Quando você acha que poderá arriscar mais nas matérias para TV?
(M) O problema hoje é que estou muito em função da escala. A partir do momento que eu tiver
autonomia pra ficar realmente fora da escala e produzir, aí acho que vou poder arriscar. É um pouco
mais uma questão minha também. Por ser editor, eu já sei como é que tem que ser a imagem, como é
que tem que ser a luz, se vai ficar bom, não vai ficar.
(N) Como ficou a definição sobre o que iria para o blog e o que iria para o UAI?
(M) Na verdade, eu fui me oferecendo, porque não foi meio pedido. Por mais que o pessoal seja
bacana no UAI, eles ficam meio que pô, a gente quer fazer uma matéria assim, mas o Jordy vai fazer
também, vai meio que furar, então eles não passam pautas. A não ser, por exemplo, na coletiva do
técnico que xingou o outro, tava bravo lá, aí eu mando. Xingou, é o assunto, aí mando lá o vídeo, uma
sonorinha.
(N) Você acha que por você ser da TV provocava alguma diferença nos acessos ao blog?
(M) Não, não senti nada nesse caso não. Ficou muito a questão da Tv chamar a internet, mas não
associava ao autor não.
(N) Quando você escrevia no blog, pensava em um modelo ideal de leitor?
(M) No caso, os principais são os torcedores daquele clube que eu tô cobrindo. Então você não pode
falar texto ofensivo, se eu tô falando do Cruzeiro não posso fazer um texto atleticanado. O Cuca foi
jogar no bingo lá, achei que era conversa de taxista, na verdade ele foi mesmo. Chegou todo mundo
cansado, ele saiu do hotel e foi jogar no bingo. Aí se você coloca já viu, né?
(N) Porque que não deu pra responder aos leitores do blog?
(M) Quando eu tinha o blog de cinema, e cinema vai muita opinião pessoal, eu achava isso meio chato.
Aí, no Mochilão, eu deixava mais solto. Falem o que quiser, pensem o que quiser, a informação ta aí, a
foto ta ai.
(N) Você percebeu que leitores interagiam entre eles?
(M) Sim, claro sim. Digladiavam, pra falar a verdade. Então deixa, tô fora, já fiz minha parte, já falei
isso.
(N) Mas você acha que o blog não pede justamente essa interação?
(M) Sim, mas, na verdade eu tô focado em fazer a cobertura do clube, eu não vou me desgastar em
uma discussão, não vou gastar energia pensando nisso, já que preciso de tanta.
(N) Quais os pontos positivos e negativos dessa experiência de repórter multimídia para você, como
jornalista?
(M) Primeiro pessoal: desde que comecei, eu só ficava na redação, eu nunca tinha contato com a rua,
não tinha contato com as pessoas, não tinha contato com quem tava fazendo. E agora você dá a cara
pra bater e mostra sua cara também. Então o pessoal te respeita, sabe que você faz um trabalho legal...
224
E pelo fato que, eu gosto demais disso que eu faço, independentemente de salário, de condições de
trabalho, é o que eu gosto de fazer. Então, cansa, é pesado, é duro, é sofrido, mas poxa, é bacana.
(N) Você acha que esse é o futuro nas redações daqui pra frente? Ter, pelo menos, um ou outro
repórter assim?
(M) Olha, sinceramente, acho que no interior isso vai ser. Por questão financeira, de estrutura, isso vai
começar no interior. Em breve, isso vai começar. Eu fiz uma imagem lá na Colômbia de um cara
parecido com que eu tava fazendo, só não vi o conteúdo que ele produz. Ele conseguiu até amarrar um
suporte de câmera no cinto.
(N) Mas então você acha que por trás desse movimento de convergência essa questão econômica é que
mais pesa?
(M) No final das contas essa, vai caminhar um pouquinho pra isso também.
(N) Caminhar ou nasce por causa disso? Por causa dessa economia?
(M) Não, eu acho que é conseqüência. Se você começa com um jornal e compra uma TV, na verdade,
você ta querendo faturar mais. Depois, se o pessoal tá mexendo com internet e isso dá dinheiro, então
vamos investir. Aí depois é que vem a diminuição de custos. Primeiro você vai criando coisas para
faturar e depois em um momento de crise você resolve cortar. Primeiro, a idéia é fazer crescer, pra
crescer você tem que ter estrutura, etc., etc. Aí, lá na frente, na hora que não tô conseguindo crescer
mais, na hora do apertão , vem o corte. Mas primeiro acho que a função é crescer, o primeiro passo é
crescer.
Entrevista com Geraldo Teixeira da Costa Neto
Nathália Nome todo e o cargo na empresa
Geraldo Teixeira da Costa Neto. Tempo de empresa vinte, quase vinte e dois anos. O cargo é diretor
executivo do grupo em Minas Gerais.
N Para você, o que significa esse processo de convergência de mídias, principalmente no âmbito do
jornalismo?
G Eu acho que o processo de convergência pode ser dividido em duas frentes: a primeira frente é
puxada pra tecnologia. Tecnologia sempre teve muito perto do nosso negócio, mais ainda nos últimos
anos. E essa tecnologia faz com que os veículos sejam diferentes dos convencionais. A gente nunca
imaginou que fosse ler jornal ou ver um vídeo em um aparelho de telefone celular, ou em um aparelho
que não existia seis meses atrás, que já é o maior sucesso como o ipad ou os tablets. E essa forma de
produzir conteúdo para esses novos aparelhos elas são convergentes por natureza, elas tem
profundidade, porque não tem limite do tamanho da página, não tem limite de tempo, elas têm a
característica multimídia, porque tem vídeo, tem texto. Então elas já nasceram convergentes. A outra
vertente que eu enxergo na convergência é uma readequação à nova realidade do nosso mercado, da
nossa indústria. O nosso negócio sempre foi, nos últimos noventa anos, um negócio com muita
margem de lucro, um negócio com muita rentabilidade que permitiu fazer um crescimento muito
expressivo. Mas agora essas margens não existem mais. O financiamento da nossa indústria ta em
xeque, ou seja, será que os anunciantes do offline migrarão pra online na mesma velocidade? Na
mesma intensidade? E se sim, eles irão pulverizados, já que existem outras alternativas? O que
aconteceu até agora mostra que sim. Há uma pulverização da mídia e os jornais perderam margem, as
TVs perderam margem. E quando um negócio perde margem você readequa os seus processos de
225
fabricação pra adequar a nova realidade do mercado. Eu acho que também é um dos motivos para que
a convergência de mídias tenha esse papel nos dias de hoje.
N Você citou o aspecto tecnológico e o empresarial que são esferas da convergência definidas por
Salaverría. O autor ainda menciona a esfera profissional, da readequação das rotinas de trabalho.
Como você, dentro do grupo, essas novas rotinas, novos cargos, novos perfis profissionais?
G Acho que o primeiro ponto é a gente ter o cuidado de formar esse profissional, que na faculdade tá
distante. Já era um pouco distante. Eu formei em jornalismo em 99, teoricamente pouco tempo atrás.
Mas, naquela época, era máquina de escrever na católica, que não era barata. E o computador já tava
mais que estabelecido nas redações. Então sempre acho que a universidade está um passo atrás. Então
a gente tem que ter esse cuidado de formar as pessoas pra realidade do mercado. E tem que ter boa
vontade e perfil do profissional. Agora, nem todo mundo vai ser multimídia, nem todo mundo vai ser
convergente. Aí é o meu modo de ver, mas pode ser que não seja a realidade que os estudiosos estão
dizendo. Acho que vai ter um perfil monomídia, o cara especializado naquilo. A especialização não
vai perder sentido no nosso negócio, pelo contrário, cada vez mais você tem que ser profundo porque
as pessoas buscam informação agora com mais profundidade; elas sabem mais do que sabiam
antigamente. Mas você vai ter, no mesmo ambiente, o cara que faz mais de uma coisa. O cara que sabe
editar um vídeo, faz a matéria para o jornal, escreve uma matéria pro ipad, pro telefone celular. Então
acho que vai ter uma coexistência dessas duas forças de trabalho.
N Ao mesmo tempo que você pode contratar um profissional desse tipo, você pode também contratar
alguém que só lida com o impresso?
G Ah não tenha dúvida.
N Como a empresa resolve as questões trabalhistas de um profissional multimídia?
G Vai ser complicado. O sindicato, assim como a universidade, está um passo atrás do que acontece
no mundo. É claro que o sindicato tem um papel fundamental de garantir os direitos trabalhistas, mas a
nossa indústria passa por uma revolução onde, nos Estados Unidos, acabou. O negócio de jornal
acabou. Eu fui lá agora no carnaval. É de chorar os jornais, o tamanho que eles estão. Eu acredito que
vai ser uma coisa complicada, mas não tem como voltar atrás. Então vai ter que ser na base do diálogo,
de tentar mostrar os números. Porque o Brasil, eu tive uma reunião ontem na ANJ, coincidentemente
sobre este assunto, sobre mídias digitais, e a gente tava conversando: o Brasil tem a sorte de poder
fazer diferente do que os países de primeiro mundo não tiveram a oportunidade. O tsunami ‘ponto
com’ foi tão forte na Inglaterra, Estados Unidos, Canadá que os grupos de mídia não tiveram tempo de
se readequar. O Brasil tem. Primeiro, a velocidade das mudanças ‘ponto com’ não foi tão forte quanto
foi nos Estados Unidos, nesses outros mercados que eu te falei. Segundo: a classe C ta em ascensão,
consumindo iogurte, consumindo papel, trocando televisão. O terceiro é porque, ao contrário dos
outros mercados, o Brasil tem uma concentração de meios em um mesmo grupo de comunicação,
coisa que não acontece lá. Então, como é que você vai fazer convergência com um cara que tem um
jornal, que não tem alternativa? Só jornal e internet. E aí é mais difícil pra quem tem televisão e rádio.
Então é uma vantagem muito grande pra gente tentar fazer diferente, fazer de uma maneira que fique
bom para a empresa, fazer de uma maneira que fique boa para os funcionários.
N Como é que fica na carteira de trabalho a situação de uma pessoa contratada com esse perfil?
G Eu não sei te responder ao certo, mas acho que o contrato de trabalho é um contrato multimídia. É
um contrato com os Diários associados. É a mesma coisa que a Globo faz com a Infoglobo. Você
226
trabalha, por exemplo, pra Globo, mas você não é contratado pela Globo, você é contratado pela
Infoglobo. Mas a Globo tem uma dificuldade muito maior do que a gente porque trabalha com o
conceito de afiliado. Os afiliados têm jornal e a Rede Globo não quer passar o poder negocial da
televisão para os jornais. Então a Globo vai evitar ao máximo que haja convergência dos veículos. Ela
tem uma grande oportunidade nas mãos, mas ao mesmo tempo, tem um grande problema nas mãos.
Então essa dificuldade a gente não tem.
N E a integração das redações? O Infoglobo integrou o impresso O Globo com o online.
G Voltou atrás. A Globo é o seguinte. O G1 tá na responsabilidade do Schreider, que é da TV Globo,
que estava antes com a Globo.com, mas não está mais. O Globo online tá na redação separada do
Globo. O Globo online fica no prédio do Extra, que atravessa a rua, fica na esquina, não tá junto. O
que nós vamos fazer aqui no nosso grupo é colocar as editorias do local, leia-se esporte, cidades,
bairros, o ‘gerais’, mais entretenimento e cultura no mesmo ambiente, que vai ser o estúdio D do
prédio da TV Alterosa. Separados em baias de veículos convencionais, pra manter a configuração, mas
vão haver pessoas que vão perpassar por essas baias e vão fazer o trabalho multimídia. Ou seja, a
gente acredita que a barreira de local de trabalho é uma barreira que impede o desenvolvimento da
convergência. Então, estando no mesmo ambiente, acho que até as idéias favorecem pra criação do
trabalho. Cabe a gente dar estrutura jurídica pra que a coisa funcione dentro da legalidade.
N Isso tem um prazo?
G em. As obras já começaram, nós estamos com um financiamento pra essa obra e nesse ano ainda a
gente inaugura. Os computadores já foram comprados, já tem um processo bem adiantado. Acho que
esse ano a gente inaugura. Eu acho que vamos ser um dos primeiros grupos de comunicação do mundo
a ter uma experiência como essa. Pode dar errado? Claro que pode, não tem uma fórmula certa, mas a
gente fez de uma maneira inteligente, respeitando os prazos, com uma tecnologia robusta por trás, que
permita fazer essa construção multimídia da noticia. A nossa chance de acertara é muito grande.
N No site institucional dos Diários está escrito que o grupo está dando os primeiros passos quando o
assunto é convergência. Que passos relevantes você citaria que foram dados até agora?
G Eu acho que tudo feito até agora foram passos empíricos embasados em experiência dos outros, na
tentativa e no erro, e a gente também arriscou algumas coisas solo. Então o fato do Benny ser editor do
Uai e da TV Alterosa foi um fato concreto da convergência. Não adianta você ter um editor do Uai,
um editor do Estado de Minas, um editor da TV Alterosa e falar: Agora um, dois, três, convergência.
Não adianta, é do ser humano. O cara não tá programado pra isso, ele enxerga como concorrente,
existe briga de espaço entre as lideranças das redações. Foi o que aconteceu com outros grupos,
inclusive este que a gente acabou de citar. Então, o comando é importante, então foi uma experiência.
Eu acredito que pelos experimentos que a gente fez, pra dar certo um processo de convergência, há de
se ter um comando único, que perpassa por essas redações. Essa é a coisa principal. A segunda coisa,
tecnologia e a terceira, capacitação das pessoas. Toda vez que você teve essas três coisas, mesmo que
fosse pontual, a coisa funcionou. Quando falta uma dessas três coisas não funciona. Ah, ‘não tem
tecnologia’, ‘não tem estrutura’, ‘o meu chefe não quer que eu faça isso’ ou a pessoa não tá capacitada
pra fazer. Então quando você tem essas três coisas pontualmente, você tem resultados pontuais que
dão a confiança de que a coisa pode funcionar.
N Você ainda encontra perfis de jornalistas resistentes a essa idéia da convergência?
227
G Resistência tem. Igual a resistência quando veio o computador. Eu lembro que eu fiz parte disso, de
temer a redação, apesar de ser relativamente jovem, de temer aquele modelo de redação dos Estados
Unidos, do computador. Tinha gente que era contra, não vai pegar, não vai dar certo. Então toda
mudança, em qualquer atividade humana, gera desconfiança, gera o medo. Isso é inerente a nós seres
humanos. E vai acontecer, a gente sabe. Mas a gente fará questão de trazer um pessoal jovem, já com
facebook, Orkut, inerente na sua formação. Eu acho que é uma questão de tempo pra gente conseguir
alguns resultados.
E para os que estão aqui é treinamento?
G Treinamento, treinamento. Outra dificuldade? O tempo de produção. Se você somar o tempo de
produção de uma pessoa produzindo jornal, de uma pessoa produzindo pra televisão, de uma pessoa
produzindo pra internet e somar esse tempo, ele é evidentemente menor do que uma pessoa
produzindo para os três, porque aí você tá falando de especialistas. Então a pauta tem que ser
inteligente para que esse cara consiga produzir. Por isso eu acredito que o multimídia vai ser muito
voltado em cima do factual, não vai dar tempo dele aprofundar. As análises terão que ser feitas por
especialistas. Mas aquela notícia de break news, de entrar na frente, de rasgar a matéria, essa é a cara
do multimídia. Então o cara vai ter que colocar dois parágrafos na internet, entrar ao vivo no rádio,
esperar o break da televisão pra ele entrar e fazer a nota pro site, não nessa necessariamente nessa
ordem.
N Como você vê esse compartilhamento de informação dentro do grupo? As notícias que chegam em
um veículo conseguem fluir para o outro?
G Não fluem justamente porque o principal fato é a distância geográfica, que só será resolvida com as
pessoas no mesmo ambiente de trabalho e com um fluxo de informação pré-estabelecida. A
informação vai chegar assim e vai ter uma pessoa que para separar o processo pra A, B e C. Sem um
processo muito bem detalhado para cada circunstância, não funciona. Então: “contratação de jogador
de futebol” tem que acontecer isso, isso, isso e isso. A “morte de um político” tem que acontecer isso,
isso e isso. A gente vai criando essas rotinas ao longo do que a gente for amadurecendo sobre o
processo de convergência.
N Quando uma informação exclusiva chega, como ela é trabalhada?
G Pois é, tem isso também. É natural que cada um queira segurar a notícia. Foi quebrada uma grande
barreira no nosso grupo: hoje a TV Alterosa participa da reunião de pauta do Estado de Minas. Antes
não acontecia. Veja bem, eram duas gestões separadas antes, então você tinha profissionais que
trabalhavam na TV Alterosa que faziam bico nos jornais concorrentes do Estado de Minas, faziam
freela. Tinham profissionais do Estado de Minas que faziam freela em concorrentes da TV Alterosa.
Apesar de um mesmo ambiente empresarial, eram empresas com gestões diferentes. Quebrar uma
cultura dessa de cinqüenta anos não é fácil. Então, primeiro, a gestão unificada. Os passos a serem
dados são muito grandes. Você ter a confiança de que o furo vai ser preservado é uma coisa
complicada, quer dizer, você vai furar amanhã pelo jornal, mas você pode produzir na televisão hoje
pra sair amanhã. Não precisa produzir depois que você lê no jornal. Então essas coisas a gente tem
evoluído bastante. Mas não tenha dúvida que isso é um fator, é um ponto de atenção.
N O grupo chegou a ter assessoria formal de algum consultor, de alguma empresa?
G A gente teve um treinamento, trouxe muitas pessoas pra dar palestra pra gente. A gente lê muito, eu
viajo muito, vejo as experiências, mas não tem receita pronta, cada um defende uma coisa. Eu sou
228
SBT, jornal local, minha rádio é a A, meu site é assado. Então a receita que deu certo nos outros locais
tem que tentar adaptar pro nosso local. Não da pra um cara chegar aqui e falar assim: um, dois e a
receita é essa que vocês vão seguir. Não tem como fazer isso, impossível. Eu tenho um jornal popular,
então assim, é uma construção, é um processo, é um processo evolutivo. Tem horas que ele evolui
mais, tem horas que ele evolui menos. Mas ele tá acontecendo.
N O que você percebe da demanda do público? Ele tem essa capacidade convergente, de correr atrás
de informações em diferentes meios?
G A gente não pode fazer as nossas estratégias pensando no que a gente vê hoje. Tem que fazer
estratégia pensando no que vai ser o futuro. Esse é o grande exercício empresarial que todo gestor tem.
E hoje tem aquela pessoa tradicional, que só lê offline; tem a pessoa só online, que já largou o Estado
de Minas impresso e tá lendo o Estado de Minas no ipad. E tem o cara que convive com os dois, então
eu enxergo esses três perfis. Eu acho que lá na frente, o cara que é só offline vai morrer, acho que vai
ter os outros dois. O só online e o off com on. Então pra essa estratégia, pra esse público que a gente
tem, tem que pensar as nossas estratégias.
N Para o público que mistura o off com on, como a empresa faz com que ele retorne ao meio, que ele
não o deixe? É um desafio?
G Eu investi muito do meu tempo nesse ciclo. E eu não sei te responder. Eu acho que os grupos de
comunicação têm força pra formar hábito das pessoas ainda, acho que a gente pode. Mas eu acho que
até que ponto vale a pena você forçar uma coisa que o cara não tá afim? Ele vai fazer, mas não é muito
bem aquilo que ele tá querendo. Aí eu tirei um pouco o pé. Eu, particularmente, to em uma fase de
tentar entender melhor os hábitos das pessoas. O que o cara quer? E saber o que a pessoa quer é uma
coisa trabalhosa, muito cara, investe-se em pesquisa, mas o resultado de hoje pode não ser o resultado
de amanhã. Isso eu acho que é uma coisa muito dinâmica. A gente vai costurando, mas eu acho que
não dá pra gente falar assim: Você vai consumir uma informação dessa maneira. A pessoa que tá com
o controle na mão é que vai definir como que ela quer. A gente tem que estar atento à essa maneira.
Acabou o jogo de futebol, o cara quer análise, o cara quer gol, o cara não quer esperar o dia seguinte
pra ler a matéria, pra ver. Então o quê ele quer naquela hora? Ele quer rever os gols, ele quer ver
entrevista. Aconteceu um crime, ele quer ser informado pra ver se é sua família que tá envolvida,
depois, aí sim, amanhã eu vejo. Então esse tipo de coisa que tem que ser prestada atenção.
N E você percebe que o público quer participar desse processo?
G Alguns sim, outros não. Uns são ativos os outros são passivos.
N O site colaborativo Dzaí é uma forma de participação dentro das ferramentas do Grupo?
G O Dzaí é uma forma de você participar. Mas tem gente que é extremamente passiva.
N O Estado de Minas lançou o em.com. Mas já existe o portal Uai.Qual foi o objetivo?
G O conceito do Uai é de um agregador dos diários associados. É no Uai que a convergência vai
acontecer. É onde a matéria vai encontrar com o vídeo, que vai encontrar com a coisa jocosa, que vai
encontrar com o ensaio de foto sensual, que vai encontrar com os guias de serviço. É um portal
agregador. Porque nós tivemos essa estratégia? O ideal é que tivesse lançado os dois na mesma época,
mas por falta de capacidade de investimento nós não conseguimos. O em .com é o braço do jornal na
internet. Ele é a parte mais pesada do hard news que está publicada no Uai. Não tem como o Estado de
Minas não ter uma presença na internet. A gente apostou primeiro no Uai porque era uma maneira de
nos diferenciar da nossa concorrência. Somente nós podemos fazer um produto, um projeto como este.
229
Tá estabelecido? Tá, mas podemos rever nossa estratégia. Vamos lançar agora o site da TV Alterosa,
completamente diferente do que era antes, muito mais rico. Ele perpassa muitas coisas do Uai, mas a
TV tem que ter sua voz na internet também.
N O portal Uai abriga blogs de vários jornalistas. Como isso funciona dentro da casa? Quem mostra
interesse ou algumas áreas são obrigatórias?
G Os dois. Quem tem vocação, interesse, a gente abre espaço. Para os temas que a gente acha que tem
que ter, nós identificamos pessoas na casa pra fazê-lo. Então é um mix dos dois.
N E qual será o perfil do chefe convergente quando a redação integrada sair do papel?
G Eu penso muito nisso. Eu acho que a principal característica desse cidadão é uma pessoa habilidosa.
Porque no primeiro momento vão se encontrar as redação da TV Alterosa, Estado de Minas. O cara da
TV Alterosa pode reclamar que tá ganhando menos que os caras do Estado de Minas pra fazer a
mesma coisa. Isso vai acontecer. Tem que ter um cara habilidoso que explica que é um processo, vai
acontecer com todo mundo, tem que ter paciência, você ta fazendo parte da história... Então é um cara
que tem habilidade pra contornar essas situações e um cara que tem uma sensibilidade jornalística
muito grande pra saber qual veículo ele vai ter que utilizar para determinadas informações. Então é um
profissional que é difícil de formar, de encontrar no mercado. Então você tem que formar essa pessoa.
É uma preocupação grande.
N Como a empresa avalia o trabalho do Marcelo Jordy?
G Eu sinto muito a vontade de falar dele porque rabalhei na mesma sala que ele durante três anos. Ele
começou na internet no Uai e saia do Uai pra TV Alterosa. Não sei como ele tinha energia pra fazer
isso. Mas ele fez durante muito tempo até que optou por ficar na TV Alterosa. Então ele é uma pessoa
que tem um perfil, um texto adaptado aos veículos. Tem as ferramentas jornalísticas de internet, que é
o texto, e tem as ferramentas de edição de vídeo que era a função dele na TV Alterosa. Então ele é o
exemplo do cara, do perfil que a gente tem que perseguir. Ele foi em uma copa do mundo agora. Aqui
em off, até não era a pessoa que iria, era pra ir um outro, mas aí esse outro não ia dar conta de fazer.
Então ele foi muito em função do perfil dele, do que as chefias estavam querendo pra mandar. Então é
uma pessoa que faz aquilo que a gente vai perseguir, vai ser certamente um duplicador do processo
interno de convergência.
N Que tipo de cobertura você acha que se adapta a esse formato de uma pessoa só?
G Os extremos. Aquela notícia rápida, a notícia factual, break news e uma notícia mais fria, uma
expedição a Antártica, por exemplo. Aquela que você vai ter tempo de produzir. Notícia do tipo
aumento do dólar? Acho que não tem jeito, porque tá no meio termo: tem que ter uma análise, mas
feita rapidamente, porque amanhã o cenário já é diferente. Então acho que essa pessoa tem esse perfil
dos extremos, aquela matéria lenta que você pode ter o geladão e o quentão. O morno... acho que o
morno tá na cara dos especialistas.
N Havia alguma definição da empresa sobre o que ele faria pra TV e pra web?
G A empresa deu as diretrizes básicas e aí foi no ‘vamos ver no que vai dar’. Não tem muito o que
pedir, além do que o cara pode oferecer naquele momento. Então é um processo de aprendizado. O
curso de convergência e as matérias que os jornalistas produziram depois para vários veículos foi um
processo de aprendizado muito bom, que nos deu coragem. Não foi só aprendizado, nos deu coragem
de dar um passo maior. Se aquilo não desse certo, a gente não daria um passo pra um investimento tão
grande como nós vamos fazer agora. Então a história vai contar isso, hoje nós estamos muito no calor
230
do que foi feito, então a empresa não pode cobrar uma coisa que não existe ainda. Por outro lado, o
cara que tem que estar produzindo pra entender isso, tem que ter essa sintonia. Eu sou relativamente
modesto nas minhas palavras e sou comedido nas minhas afirmações. Mas eu não tenho dúvida de que
o que nós vamos fazer aqui vai ser inédito no mundo. Acho que nós vamos ser case de alguma coisa
daqui pra frente. Não é porque nós somos melhores do que as outras pessoas não, mas porque a
conjuntura e a oportunidade nos leva a poder fazer uma coisa diferenciada. Conjuntura de ter um
portfólio multimídia, de não estar atrelado à uma globo que não deixaria fazer, de ter um DNA de
internet muito forte no grupo, pelo fato de quem tá gerindo a empresa ser oriundo da internet também
ajuda um pouco esse entendimento, e de ter veículos tão fortes nos seus segmentos. Então se você
somar isso tudo e usar esses exemplos que a gente teve, vão dar uma boa mistura.
N Hoje grandes grupos como New York Times, Washington post, estão abandonando a denominação
jornal impresso, pra se definir como uma coisa maior. Hoje como o grupo associados se define?
G Vamos separar. O mercado americano faz por sobrevivência. Hoje o Times anunciou que vai cobrar
a partir do vigésimo artigo que você vai ler, não sei como que eles deram esse corte. Eles têm lá trinta
milhões de usuários online. Querem pegar vinte por cento desses trinta milhões pra cobrar. Porque que
eles tão fazendo? Porque não tem alternativa, as contas não fecham. Circulação caindo, receita caindo,
as demissões não acabaram, a conta lá não fecha. Então eles fazem por questão de sobrevivência. Aqui
no Brasil nós temos essa oportunidade de fazer pela conjuntura que eu te expliquei há pouco. Eu acho
que quando a gente fizer essa redação multimídia, esse ambiente vai ser visto como uma fábrica de
conteúdo, eu não tenho dúvida disso. Uma fábrica de conteúdo altamente moderna, com processos
novos e vai conseguir produzir o conteúdo pra várias plataformas, com várias linguagens, do popular
ao mais sofisticado. Eu não tenho dúvida de que teremos um ambiente de produção de conteúdo. Hoje
nós somos um grupo de veículos, um grupo de comunicação, mas nós vamos ser uma fábrica de
conteúdo multiplataforma publicando em marcas de relevância. E isso é importante. Você vai ter um
grupo de profissionais produzindo conteúdo multimídia em marcas relevantes, acho que esse detalhe
faz a diferença. Se não for em marca relevante, não se sustenta, a conta não fecha. Então acho que essa
vai ser a visão, fábrica de conteúdo.
Entrevista com Benny Cohen
Nathália: Nome completo, cargo e quanto tempo na empresa.
Benny: Benny Cohen. Comecei como repórter de rua, depois virei repórter do TJ Brasil, fiquei durante
todo o período do TJ no SBT, aí virei editor responsável do Jornal da Alterosa. Em 2003 eu virei
editor geral e no fim de 2006 surgiu o projeto da convergência e aí apareceu esse cargo de editor de
mídias convergentes, que é o cargo que eu estou ocupando atualmente. Vou completar vinte e seis
anos na empresa, desde 22 de maio de 90.
N O que significa convergência de mídias e como ela se aplica no jornalismo?
B O conceito que eu sigo mais é do Salaverría, que diz que ela se estabelece em várias instâncias da
empresa. No nível empresarial, seria até mais no nível administrativo, mas aí é muito mais sinergia do
que convergência, é mais uma racionalização administrativa, digamos assim, do que convergência. No
jornalismo é otimizar sua produção de conteúdo nas plataformas em que você consegue unir esses
conteúdos. Essa plataforma por excelência é a internet, aonde você consegue reunir texto, áudio,
vídeo, foto, imagem, tudo ali. Mas há também a convergência do ponto de vista do fluxo da
231
informação, da coleta, da distribuição e da organização das informações. Então, ao invés de você ter
um grupo de comunicação com redações isoladas que não conversam entre si, você passa a, pelo
menos uma tentativa, fazer um trabalho conjunto em que as informações são compartilhadas para a
produção do melhor conteúdo para o consumidor de informação. Então hoje a gente já consegue tomar
decisões sobre qual veículo a informação vai primeiro, de que maneira os conteúdos produzidos
podem ser utilizados, o que deve ou não ser compartilhado, de que maneira isso se faz. São processos
que vão acontecendo na medida que a rotina vai andando. Na verdade, até pouco tempo você não tinha
um manual e, mesmo tendo, não é o caso de se seguir porque a mim a experiência da convergência é
uma coisa nova do ponto de vista histórico, de se fazer jornalismo e jornalismo online, principalmente.
São coisas que estão sendo desenvolvidas em cada lugar. Cada lugar tem mais ou menos o seu
modelo, de acordo com suas características, e eu acho que a gente tem tido uma experiência mineira,
digamos assim, estamos desenvolvendo uma metodologia própria. É claro que observando o que os
outros estão fazendo e tentando absorver o que tem de melhor, mas também respeitando as nossas
características, as nossas condições, os nossos limites. As coisas são muito caras, são complicadas, não
é uma coisa tão simples. E tem uma coisa que é importante aí. Na cabeça do empresário, às vezes, a
primeira reação é achar que convergência é sinergia e sendo sinergia ele vai poder diminuir um monte
de gente. E na verdade convergência nem sempre é isso, até pelo contrário, às vezes, é até contratar
mais gente. Sinergia e convergência não são sinônimos, mas geralmente é a tendência do dono. Até
que não é o caso aqui, quem ta responsável por isso tem uma visão legal e é o grande incentivador do
processo, o Zeca. Se não fosse ele isso certamente não estaria acontecendo, então até acho que não é o
caso dele. Mas acontece muito essa confusão por pressões de outras áreas e a questão da rentabilidade
da empresa. É difícil você explicar convergência pra todo mundo, então há uma tendência, às vezes de
as pessoas acharem que com a convergência vai ficar tudo melhor, mais fácil, nós vamos ganhar mais
dinheiro. E às vezes não é exatamente assim. Então é um processo complicado, mas a gente tem
conseguido evoluir bastante coisa e tem muita coisa que a gente até reduziu a velocidade do processo,
ainda não começou a fazer, enfim.
N Como está o projeto de integração de redações aqui?
B A redação do Uai veio pra cá no início de 2007. Infelizmente pela ausência de um espaço onde
coubessem todos os jornalistas da TV e do Uai, eles tiveram que ficar em um andar acima do andar da
redação da TV, mas havia um projeto de que em três meses se faria uma redação onde todos
trabalhariam juntos. Só que no meio desse processo, surgiu um projeto ainda mais ousado que era de
unir não só a TV com o portal, mas de também trazer algumas editorias do Estado de Minas, a redação
do jornal Aqui e a rádio Guarani. E isso acabou fazendo com que o primeiro projeto fosse abandonado
e se partisse para esse projeto maior que começou a ser executado no meio de 2008. Mas ai veio
àquela crise econômica que afetou o mundo inteiro e a nós inclusive. Então era um projeto de
construção de uma redação em um estúdio gigante que a gente tem aqui no prédio. As obras tinham
começado e, ainda no início, tiveram que ser interrompidas porque a empresa suspendeu todos os
investimentos, inclusive esse. No fim do ano passado é que as coisas começaram a retomar um
andamento e a empresa conseguiu um grande financiamento pra tocar a obra. A parte estrutural está
sendo feita fora daqui, que é uma parte de aço e está sendo feita em siderúrgica. Depois que isso entrar
vem a parte de infraestrutura. Há uma expectativa de que até o final do ano a redação possa entrar em
funcionamento. Pra mim é a previsão mais otimista, mas eu não apostaria tanto assim em 201, acho
que é para o primeiro semestre de 2012, do primeiro semestre não passa. Se você for lá em cima, você
vai ver que os tapumes já mudaram, vire e mexe a gente ouve máquina trabalhando, ainda é um ritmo
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lento, mas tá funcionando. E o que vai ter nessa redação? Ela vai ser uma Newsroom com estúdio e
postos de trabalho, redação e vai exatamente unir as redações da TV, da internet, da rádio Guarani, as
editorias de gerais e esportes do Estado de Minas e a redação do Jornal Aqui. É um projeto ousado,
não tem nada parecido na América Latina. Você tem projetos de convergência muito grandes por aí,
como o do Clarín, na na Argentina, mas nenhum que envolva TV. E esse é o grande diferencial que eu
acho que o projeto dos Diários Associados tem, porque geralmente os projetos de convergência lidam
com impresso e web, mas aqui é a primeira experiência conhecida, e olha que eu vasculho isso
diariamente, to sempre olhando, eu não conheço um projeto que esteja integrando TV com web, com
impresso e rádio. Nesse caso da redação, eu ainda não conheço. Então realmente é um projeto ousado
e nós estamos doidos pra começar efetivamente.
N O fato de ser um conglomerado que tenha todos esses veículos facilita ou atrapalha um pouco esse
processo?
B As duas coisas, facilita e atrapalha. Por exemplo, facilitou no caso da web com a TV, mas aí quando
você vai envolver o impresso, por exemplo, e o impresso é exatamente quem vive essa grande crise de
identidade, aí o processo ficou mais lento, a coisa ficou mais difícil, não foi tão fácil seguir em frente..
Agora, por exemplo, o Estado de Minas entrou com o em.com.br. As cabeças mudaram lá, hoje o
estado de espírito favoravelmente a convergência é outro. Mas isso é natural, faz parte. A gente fica
ansioso, mas na verdade tudo tem a sua hora mesmo, na hora que tiver que acontecer, vai acontecer. E
agora, por exemplo, é um dos momentos mais favoráveis por esse ângulo pra que a coisa comece a
acontecer no Estado de Minas. Tenho certeza de que quando essas editorias vierem pra cá, elas vão vir
em um clima completamente diferente do que se isso acontecesse três anos atrás. Então talvez a crise
tenha adiado nosso projeto para o bem. Acho que a forma de se relacionar vai ser mais fácil. As
resistências, que eventualmente podem ainda existir, serão menores. Eu acredito que a gente vai
inaugurar essa redação em uma situação bem mais confortável.
N A empresa teve assessoria de algum grupo? Como vocês se informam sobre esses movimentos que
vão acontecendo no mundo todo?
B Não teve nenhuma consultoria específica. Eu fiz um curso em São Paulo de jornalismo digital. Já se
falava muito em convergência e a gente tava começando a fazer alguma coisa aqui. Quando eu fui lá, a
gente tinha sido premiado com uma matéria da Daniela Vargas sobre um projeto dos correios pra
deficientes visuais. Ela fez naquele formato robocope, no caso, reporcope, que é o repórter fazendo
todas as versões. Ela tinha feito uma versão pra impresso, pra web e pra TV. E a gente acabou
premiado no sindicato dos jornalistas por aquele trabalho foi uma coisa legal. Então quando eu fui
fazer o curso a gente já tava fazendo alguma coisa aqui. Ou seja, não houve uma consultoria especifica
pra deslanchar o processo. É muito de uma experiência própria que nós mesmos estamos
desenvolvendo. Agora, a gente tem lido muito, o Zeca é um cara que nos ajuda demais, ele sempre tem
dicas importantes. Foi muito importante também ele colocar o Alexandre Magno, que é o nosso
gerente de projetos convergentes, e o Luizinho, que é o gerente de negócios convergentes, em sintonia
comigo para que a gente pudesse ter sempre essa visão conjunta, de como desenvolver as coisas. E aí
nos estamos tocando o barco. A participação das chefias da TV também foi fundamental. As pessoas
entenderam, na primeira hora, a importância do projeto e passaram a se empenhar no desenvolvimento
das ações necessárias para que a coisa começasse a funcionar em redações que passaram a ser uma só,
mas estavam trabalhando fisicamente em dois lugares. Um exemplo é o compartilhamento de
relatórios de apuração ou qualquer outra informação que circula, envio de material de lá pra cá e daqui
pra lá, enfim, a operacionalização dessa coisa. Uma coisa é ficar falando bonito sobre a convergência e
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outra é botar a máquina pra andar. E todo dia você descobre um ponto que está agarrando porque é um
processo todo novo. Talvez, se a gente tivesse investido milhares de dólares em uma consultoria, a
gente tivesse mais a frente. Mas eu acho que isso de alguma maneira inviabilizaria o projeto, então, eu
prefiro acreditar que andando a passos lentos a gente vai fazer a coisa caminhar e chegar lá.
N Como surgiu o curso de mídias convergentes e como você avalia o resultado?
B Esse é um passo muito importante porque era necessário disseminar os conhecimentos que só
algumas pessoas detinham desse processo. A intenção na época era criar um grupo convergente que
deslancharia esse trabalho na empresa. Hoje eu faço uma mea culpa. Nós que participamos da
organização falhamos gravemente em uma coisa: ao invés de escolher um grupo que era formado
preponderantemente por repórteres, a gente deveria ter, compulsoriamente, um treinamento com os
editores. Ou seja, não era perguntar se as pessoas queriam ou não participar. Nós fizemos uma coisa
muito democrática: abrimos inscrições voluntárias e em cima das pessoas que manifestaram desejo é
que a gente fez a seleção. Isso foi bacana, mas por outro ângulo foi um erro porque a gente deveria ter
dividido as vagas, que eram 32. A forma compulsória seria pra fazer com que o editores do impresso
e da TV participassem do treinamento. Por quê? Porque eles seriam os multiplicadores da proposta da
convergência, ou seja, eles fariam o curso, absorveriam os conceitos, entenderiam o funcionamento do
processo e seriam os multiplicadores. Aqueles que de alguma maneira se colocassem contrários ao
projeto, não aceitassem, não entendessem, naturalmente participariam da renovação do grupo, que é
um processo natural que ocorre em uma convergência. Fazendo da maneira que nós fizemos, primeiro
vários dos jornalistas que nós treinamos já deixaram a empresa, então investimos em pessoas que já
não estão mais aqui, preparamos mão de obra para o concorrente. A gente tinha o treinamento durante
a semana, com aulas, e uma vez por mês, aos sábados, a gente tinha o seminário. E os editores
convidados a participar dos seminários aos sábados, nenhum editor do impresso participou. É uma
informação importante porque as pessoas revelaram, por suas ausências, que não estavam interessadas
ou não deram importância para o treinamento. É uma informação simbólica, representativa. Ela denota
que a coisa não estava bem naquele momento do ponto de vista das pessoas que ocupam cargos de
chefia, que são responsáveis pela condução dos processos. Aconteceu que perdemos vários desses
profissionais e deixamos de treinar aqueles que deveriam ter sido treinados. Então eu acho que isso foi
muito grave. Agora o treinamento foi maravilhoso, as pessoas que participaram dele e vários ainda
estão conosco, estão utilizando os conhecimentos que absorveram lá em beneficio do trabalho. Mas foi
um erro não fazer com os editores. Tendo feito com eles, e todos esses editores continuam na empresa,
hoje eles estariam convencidos do processo, por bem ou por mal. Mas, agora, estão aí colaborando,
participando, o em.com.br está no ar e indo muito bem, eles estão participando do processo. Como eu
disse, tudo tem seu tempo e naquela época teria sido importante pra abrir as mentes, mas nós erramos,
infelizmente.
N Se hoje vocês estão treinando a velha guarda, durante as contratações, a empresa busca um perfil
diferente para jornalista?
B Totalmente. Eu falava muito assim: gente, quero galera de piercing e tatuagem, era uma figura de
linguagem que eu usava para dizer que eu quero que nas novas contratações, a gente sempre busque
pessoas com espírito jovem, novo, que estejam abertas às novas tecnologias. Pessoas que já são dessa
geração digital, que já estão chegando e fazendo de tudo na web e que já lidam com câmera de celular
e outras coisas com uma naturalidade que lhes é peculiar, que é inerente mesmo, que eles nascem
fazendo isso. Esse exemplo que todo mundo gosta de dar: meu menino com seis anos já faz tudo e é
isso mesmo que está acontecendo. O meu menino pega o meu celular e descobre coisa que eu nunca
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vi, tem dois anos que eu estou com o meu aparelho e em dois minutos ele faz coisas que eu olho e
pergunto onde ele achou isso. E ele mesmo não sabe explicar porque vai vasculhando. Então, há um
bom tempo que a gente tem tentado contratar esse perfil. E as experiências, por incrível que pareça,
são muito bem sucedidas, é impressionante. Porque faz parte dessa pessoa, é da realidade dela, você
não tem que fazer aquele processo de tirar o cara da máaquina de datilografia, que tá lutando contra o
computador e, basicamente, usa o computador como máquina de escrever e não como uma ferramenta
maravilhosa que é, com tantas oportunidades. Pra uma pessoa que já lida com isso, que tem essa
informação, já está pronta lá, você só tem que trabalhar outras coisas. Então o processo já chega lá na
frente. As ultimas contratações, inclusive algumas temporárias para projetos extras que a gente fez,
foram muito felizes nesse campo. A gente descobre que isso não é o problema para essas pessoas. Às
vezes você tem problemas que são, aliás, problemas eternos da nossa categoria profissional, de
pessoas que fazem tudo isso, mas escrevem mal, não sabem a língua portuguesa. Isso vale para velhos
e novos jornalistas. Então não é um privilégio dessa galera nova, mas eles, pelo menos, chegam
dominando essas coisas todas. Então aqui a gente tem feito demais isso, tentado fazer um mix entre
pessoas que tem experiência e pessoas que não tem tanta essa experiência, mas já trazem essa carga
digital pronta, ajudando a amenizar até esse ambiente na redação, a renovar o ar, a deixar o trabalho
mais perto desse mundo digital que a gente quer.
N Você acha que existem alguns cargos e funções que não são compatíveis com essa polivalência
toda?
B Eu não consigo imaginar. Acho que, em maior ou menor grau, a pessoa tem, o tempo todo, estar
pensando na convergência de alguma maneira, em algum sentido. Por algum ângulo dá para ele
pensar, seja em que função for. Se ele é apurador, ele tem que lembrar que ele vai compartilhar essa
informação, se ele é produtor, ele sabe que pode se utilizar dos outros veículos ou trocar informações
com eles para geração de uma pauta melhor que vai nos beneficiar lá na frente, quando a matéria vier
pra casa. Se ele é editor, isso é óbvio, nem precisava explicar porque o material vai subir pra web. Se
ele é editor responsável tem que pensar, por exemplo, que aquilo que não cabe na TV, pode ser usado
como calda longa no site da TV. Então, por exemplo, você fala de vacinação contra a poli no sábado,
mas você não pode dar todos os endereços de postos de saúde, mas você pode botar a relação no site.
Você pode trazer informações complementares. Por exemplo, Belo Horizonte ganha cinqüenta radares
hoje. Você não pode dar o mapa desses radares todos, mas você pode relacionar na web. Enfim desde
este nível mais simples, digamos assim, até situações mais complexas, de, por exemplo, adiantar
matérias, o editor tem que ter a sensibilidade daquilo que vale a pena adiantar pra web e depois
trabalhar na TV.
N Como foi acertado juridicamente e em relação ao salário, o profissional que trabalha pra vários
veículos?
B A pessoa acha que sendo ela funcionária, vamos supor do jornal, da web ou da TV, depois da
convergência, ela vai trabalhar pra jornal, web, TV e rádio. Ela acha que invés de trabalhar sete, vai
trabalhar vinte e uma horas, e não é isso. Dentro das sete horas dela, vai trabalhar para todos os
veículos. Então vencido essa etapa de mostrar para as pessoas que nada muda do ponto de vista da
jornada, a empresa passou um bom tempo, o que, aliás, era também um empecilho para a coisa andar,
estudando qual seria a melhor maneira de resolver o passivo jurídico. Até que se chegou a um modelo
de contrato multimídia que já foi assinado pelos jornalistas do impresso e online. A TV ainda não
assinou porque nos outros dois veículos não havia impacto financeiro, foi só uma mudança do contrato
de trabalho, mas na TV ainda tem um impacto, alguns salários aqui precisariam mudar e a empresa
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ainda não conseguiu absorver esse reajuste. Então a turma da TV, a exceção do Jordy e eu, não temos
contrato multimídia ainda. No caso do Jody ele já tem um contrato que é multimídia.
N E porque que o Jordy foi escolhido pra ser esse profissional?
B O Jordy já vinha se revelando. Ele é um trator e um pouco dessa geração digital, embora não seja
um cara tão novo quanto esses outros, mas ainda é um cara mais novo do que a grossa maioria da
redação. Não bastando ser novo, é um cara também aberto para essas coisas. É um cara que começou
no Uai, um sujeito já muito aberto pra essa coisa e muito interessado, muito preparado, muito a fim de
fazer essas coisas. Então a gente tinha um sujeito que é um trator, que não tem tempo ruim com ele,
um cara sempre disposto e a fim de fazer, sempre muito empenhado e bom profissional, um cara muito
aplicado, muito responsável. A gente tem que até mandar ele embora daqui, vai embora pra casa, sai
daqui, de tanto que ele é envolvido. E um cara que sabe fazer essas coisas. Então é um sujeito que aqui
na TV começou como operador de caracteres, passou por produção, virou editor e depois manifestou
esse desejo de começar a fazer alguma coisa na reportagem. Ele é o cara perfeito pra isso porque sendo
editor, sabia como captar na rua, domina os processos... praticamente veio pronto. Ele precisou de um
treinamento de gravação, de como usar o equipamento, mas edição, subir em FTP, gerar e tudo mais,
já estava pronto. E por esses e tantos outros motivos o processo começou por ele.
N Mas ele foi incorporado à escala do esporte e estando aqui, não consegue fazer esse trabalho tão
convergente quando ele viaja. Porque essa alteração?
B Aí nos estamos falando de coisas que não tem exatamente a ver com a convergência. Como ele
virou uma abelha, um vídeorepórter, a idéia era que ele ficasse sempre fora da cobertura de rotina, não
era um cara pra ficar indo diariamente nos CTs. Mas o esporte anda meio acomodado nessa parte e usa
o Jordy pra essas coisas. Porque aí fica uma escala bacana: quatro repórteres, dois em um final de
semana, dois no outro, ficou tudo ajeitadinho. Mas a idéia não era essa, era que ele ficasse fora dessa
escala e que ele nem aparecesse no vídeo à bem da verdade. Como ele é vídeorepórter, ele estaria
pronto pra usar a câmera profissional mesmo ou as câmeras escondidas e outras coisas pra produzir
material sempre diferente, sempre matérias investigativas, coisas novas, uma pessoa que nem deveria
ter aparecido no vídeo, esse era o projeto inicial. Não tem a ver com a convergência especificamente.
Mas aconteceu isso porque ele entrou na rotina e é uma coisa que eu e a chefe de redação temos que
cobrar mais do editor chefe do programa que tenta levar o Jordy pra esse campo. Mas eu acho que
agora ele tá em um caminho meio sem volta. Tem hora que até eu penso em tirá-lo do Alterosa
Esporte e trazê-lo pra geral. Mas aí eu causaria um prejuízo muito grande para a cobertura esportiva
porque quando ele não está aqui pode comprometer o dia a dia, o CT do Atlético, CT do Cruzeiro,
vôlei... Agora, chegou no dia de jogo, o trabalho dele já muda: vira o Marcelo Jordy convergente.
Porque ai ele é um cara só, vai ao campo, grava o jogo, termina o jogo, abre o computador, pré-edita,
seca o material, sobe no FTP, entrega pro Uai em primeira mão, manda o material pra TV, quer dizer,
aí ele é o cara convergente.
N Se era para ele ser vídeorepórter, porque todas as matérias tem off, passagem, sonora?
B No começo ele ainda fez alguma coisinha assim, mas foi tão rápido, logo a coisa descambou.
N Porque você acha que ele caiu nesse padrão do telejornal?
B Como eu te falei essa coisa da escala, ele acabou absorvido pelo modelo e perdeu-se essa
perspectiva. Talvez a gente tenha bobeado, deixado o processo frouxo. Ao invés de acompanhá-lo ali,
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passo a passo, a gente acabou deixando a coisa correr e ele entrou pra rotina, o que não deveria ter
acontecido.
N Agora ele só faz reportagens padrões de TV, como se fosse com uma equipe completa.
B Perdão, agora eu tô me lembrando. No período em que ele tava começando, pintou uma viagem para
a Argentina, era jogo do Cruzeiro na Libertadores. Aí viajou e já botou a cara no vídeo entendeu, ai o
processo deu uma mudada de rumo.
N você acha que o material que ele produz sozinho, deixa a desejar em algum aspecto por não vários
olhares, como o do cinegrafista, iluminador...
B Acho que tem pro bem e pro mal, entendeu? Ele é um cara muito inteligente, muito perceptível e
tudo mais. Então é um cara que não leva balão, não toma furo na rua, tá sempre alerta, esperto. Muitas
vezes ele vê coisas que, às vezes, uma equipe inteira no lugar dele não veria. Isso acontece muito,
pelas características próprias dele e também porque ele já esta dominando o processo de uma maneira
tal que isso não é um ruído pra ele. Quando a gente ta aprendendo a dirigir ou a andar de bicicleta,
você passa marcha, vira o volante, você pensa de forma estanque cada coisa, ao invés de fazer tudo
automaticamente. Talvez no começo ele ainda tivesse um pouquinho travado porque ainda não era
íntimo de todos os processos, mas hoje ele faz isso com a mão pra trás, ele tá muito à vontade pra ter
esse olhar livre e perceber o que está ao redor dele. Tanto é que, quando ele viaja é que brilha mais,
como algumas viagens da Libertadores que ele já fez. Como a gente não pode entrar no jogo, o
trabalho dele é basicamente de periferia, é o que tá fora do campo de jogo e ele manda matérias
sensacionais, desde matéria de comportamento mostrando onde o clube mineiro foi jogar, o que tem
diferente naquela cidade... o olhar de jornalista ali ainda sabendo captar o material que, se não é o jogo
em si, é dos vestiários, o pré jogo, o pós jogo, enfim, aquilo que é do futebol mesmo. Ele é um cara
que domina isso muito bem, então ele vai sozinho e não fica devendo nada. E ele é um cara muito
rápido, consegue fazer essas coisas sem pecar: “o cara não mandou isso, esqueceu...”, não, não tem
isso.
N TV exige certa postura e técnica em relação a imagem. Você acha que as reportagens dele causaram
algum estranhemento?
B No começo ele tinha muitos problemas de enquadramento, às vezes o ângulo escolhido não era o
ideal, nem o movimento de câmera... Mas aí é um chute meu, uma interpretação que eu faço, não teve
nenhuma comprovação disso. É que hoje a televisão está tão livre nesse aspecto... você tem tanto uso
de imagem de cinegrafista amador, imagem de celular, que certas leis, digamos assim, da técnica de
televisão, não valem mais. Ou valem pra alguns momentos, mas não valem pra outros. Embora ele
tivesse alguns problemas desse tipo, a gente nunca recebeu um email ou uma reclamação dizendo que
esse cara não sabe gravar ou que imagem estava péssima, nunca teve isso. E em segundo lugar, a
questão da aparência dele... realmente o Jordy não é o protótipo do repórter de TV. Ele é um cara
estrábico, embora seja um cara considerado bonitinho pelas moças, mas não é exatamente o padrão.
Mas aí é minha leitura de novo: eu acho que ele tem uma postura diante do vídeo que ele foi
conquistando aos poucos, que é de convencimento. Ele passa credibilidade, a gente presta atenção no
que ele tá falando. Ele, como editor, sabe construir a matéria na TV, então as matérias dele são muito
bem amarradas, o que ajuda demais a prender a atenção do telespectador. Acho que ele venceu essa
barreira. Não que fosse nenhum impedimento, até acho que o estrabismo dele não é o maior problema,
o problema é que o olho dele está sempre mais fechado, quase fechado. A gente quase praticamente
não enxerga os olhos dele, ele trabalha muito com os olhos semicerrados. Mas ele já aprendeu a
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procurar ângulos que favoreçam a abertura dos olhos, o que não deixa de ser ruído. Se a gente pegar as
ultimas matérias dele, vamos ver que são matérias como de qualquer outro repórter. Ele também
chegou a um nível de qualidade das gerações pela internet que a gente acha que a matéria dele foi
gravada aqui em Belo Horizonte. Então ele está dominando a técnica por completo, então hoje ele é
um cara valiosíssimo pra nós.
N Nos momentos de indecisão, a quem que ele deve recorrer? Editorialmente, na hora da divisão de
conteúdo, ele tem autonomia pra decidir?
B Ele tem autonomia. Se, por exemplo, o Cruzeiro for jogar em Buenos Aires, ele vai. A gente não
esta com o repórter do Uai lá nem outro repórter da TV. Ele sabe muito bem dividir entre aquilo que é
para a web, que importa agora, aquilo que ele pode guardar pro Alterosa Esporte do dia seguinte ou o
que ele vai gerar para o Jornal da Alterosa segunda edição. Quando ele viaja à tarde ele pode gerar
material. Então ele tem clareza sobre o que vai enviar para o Uai, o que ele vai trazer para a TV, não
tem esse risco. Mas, eventualmente, quando tem necessidade de alguma consulta, ele conversa com o
Leopoldo, que é o editor do programa, ou com alguém do Uai, por exemplo, se ele tiver em um
plantão de domingo à noite e tem que enviar alguma coisa. Enfim, se ele tem algum problema, ele
conversa diretamente na redação do Super Esportes ou comigo. Mas assim, ele é muito tranqüilo, ele
controla bem os processos, é rara a vez que ele precisa entrar em contato com a gente pra tirar alguma
dúvida. Só pra comentar, ainda tem mais, geralmente ele vem com coisa que a gente nem tá
esperando, o que é bacana. Porque essa coisa da convergência e dessa mobilidade, por ser um cara
sozinho com uma câmera, às vezes ele consegue coisas que uma equipe inteira não conseguiria,
porque o deslocamento é mais difícil, a mobilidade é menor... e com uma pessoa sozinha você
consegue muito mais.
N Então essa hora a convergência ganha com um jornalista sozinho?
B Aí você tem duplo ganho, aí sim o empresário fica feliz. Você tem ganho de escala porque é um
cara só viajando, que faz tudo e ainda faz pra mais de um veículo, ao invés de ir com duas ou três
pessoas. Agora, a verdade tem que ser dita: não é qualquer pessoa, não é qualquer jornalista que
consegue isso. Aquele modelo do reporcope, que por uma certa análise, não foi legal de aparecer no
início porque deu uma contaminada na cabeça das pessoas, que ficaram com essa imagem achando
que convergência era isso: “eu faço TV, agora vou fazer jornal”, e não é exatamente assim. Mas isso
agora tá começando a mudar. Mas no caso dele funciona muito assim. Eu agora tô com dois outros
jornalistas muito interessados em se desenvolver do mesmo modelo que ele. Um é o Péricles, que já
fez metade do treinamento, tá faltando só uma parte. E agora o Cleiton que faz a parte que o Péricles
não faz, que é gerar, editar e subir com a matéria. Mas o Cleiton ainda não usa o equipamento. O
Péricles já usa o equipamento, mas ainda não aprendeu a parte da edição. Então eu tô com dois
repórteres já encaminhados pra se tornarem repórteres multimídia também.
N Quando o Jordy foi contratado, foi definido o que ele deveria fazer pra cada meio?
B Como a gente não tem o jogo, como é o caso da Libertadores, não há o que discutir sobre o
conteúdo do espetáculo em si, não tem gols, não tem lance. Quando é jogo, ele sabe que vai gerar os
gols rapidamente, mais rápido que puder. Depois ele pode gerar algum outro conteúdo, mas
geralmente, não é muito simples fazer isso. Depois ele envia o restante do material, que vai servir
tanto ao portal quanto aos telejornais. Cada viagem a gente dá uma discutida sobre a característica da
viagem, mas basicamente, o pacote já está definido. A gente sabe: esse jogo eu entro no campo, faço
cabine? Então são gols, compacto. Eu não entro na cabine é só o periférico? Então são entrevistas,
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aquilo que dá pra mandar, que vai enriquecer o conteúdo que o portal, por exemplo, estiver
divulgando. Isso é aquilo que ele sobe rapidamente pro pessoal pegar no FTP. O restante do material é
mais ou menos comum para os telejornais. Aí é o pré jogo, o pós jogo, o jogo, aí é o pacote completo.
No dia a dia, há uma certa disputa entre o que o próprio pessoal do Uai vai fazer e o que o Jordy faz?
B Não, mas não tromba. Porque geralmente o que ele faz é exclusivo. Vamos supor que ele está
acompanhando o Cruzeiro na Libertadores, aí a Globo, a rádio Itatiaia, a CBN também estão. Aí rola
uma coletiva do Cuca. A gente até poderia pegar isso da TV Cruzeiro que coloca isso no site, mas
obviamente que o jordy está construindo o VT. Então se é uma coisa que tem um conteúdo
excepcional, que é, por exemplo, uma notícia que acabou de acontecer, que é importante para a web,
ele corre e sobe, mas é muito raro acontecer. Não consigo lembrar uma ocasião de viagem que tenha
acontecido um fato que mudasse o rumo do jogo ou da história e que ele precisasse rapidamente subir.
E o conteúdo que ele sobe é o factual, aquele que ele precisa. Acabou o jogo, terminou em 2X1? Ele
tira os gols e, rapidamente, coloca no FTP. A moçada já sabe que se ele tá viajando, já fica esperando
o conteúdo. Assim que eles conseguem baixar vai pro ar. Então é uma coisa que já está mais ou menos
clara, a gente já sabe de acordo com a característica do jogo.
N Mas isso quando ele viaja e quando ele não viaja, quando está na escala do programa, em BH?
B Aí não porque nós temos outros profissionais fazendo isso, por exemplo, os meninos do Super
Esportes do UAI, que vão com suas respectivas câmeras e geram ou trazem material. Então, por
exemplo, as coletivas do dia a dia nos CTs, alguma imagem dos treinos e, a turma do Super Esportes
produz esse conteúdo próprio. Então não é uma atribuição que ele tenha no dia a dia. Aí ele tá livre pra
fazer pro Alterosa Esportes mesmo.
N Você acha que ainda falta muito pra uma situação de complementaridade ou entre alguns veículos
do grupo isso já é mais fácil de se atingir?
B Hoje o grande ponto que tem acontecido é o de a gente andar mais rápido com a divulgação da
notícia. Acho esse o grande trunfo. Hoje tem portal Uai em.com... a gente tá saindo super na frente na
maioria das notícias. Porque você tem uma redação muito forte no Estado de Minas, com uma ampla
capacidade de magnetizar a captação de informação e com o em.com, está gerando benéficos para o
jornalismo digital do grupo. Isso de alguma maneira não acontecia antes: a foto do fotógrafo do jornal,
a noticia que o cara tava produzindo lá não chegava aqui, era como se fosse praticamente uma outra
empresa, com raras e isoladas exceções. Era uma redação que funcionava pra lá e nós aqui. Agora isso
mudou da água pro vinho. Hoje as reuniões de pauta são comuns, então no caso do divirta-se, por
exemplo, a minha repórter sai daqui e vai lá na cultura participar da reunião de pauta. O cara do vrum
sai daqui e participa da reunião do caderno de veículos. O lugar certo produz matéria para o caderno
de imóveis e vice e versa. Eles sabem aquilo que deve ser adiantado para que saia logo na versão web
e sabem aquilo que vale a pena guardar. Mas a gente ainda continua tomando muito balão do Estado
de Minas, muito furo... por exemplo, nas ultimas três semanas, o Estado de Minas fez grandes
matérias, excelentes matérias, que poderiam ter sido feitas de forma complementar com a TV e até
com a internet, mas não foram, o que é uma pena.
N Porque você acha que não foram?
B Porque eu acho que ainda é um processo em andamento. Às vezes, talvez passe pela cabeça do cara:
se eu chamar a TV que tem as características dela, vai demorar mais tempo... não sei se aconteceu
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assim, é um chute de novo. Eu imagino isso. O cara pensa: essa é uma matéria exclusiva, o jornal que
vai fazer. A pessoa ainda não chegou a esse grau de sofisticação de pensamento de falar: não tem
problema nenhum, o furo é do jornal, mas eu não posso deixar de falar com a televisão... essa
informação é espetacular, eu vou produzir e a televisão vai esperar. Eles ainda não conseguem fazer
100% esse raciocínio.
N Eles quem? O repórter ou o editor chefe?
B Não, um ou outro editor. Eu acho que às vezes o mesmo editor pode ter comportamentos diferentes,
de acordo com a pauta, e há comportamentos diferentes entre editores. Cada caso é um caso. Mas acho
que já mudou da água para o vinho, hoje é outro processo. Os fotógrafos do Estado de Minas, por
exemplo, que eram pilhados pra participar da convergência, hoje as fotos chegam aqui em um instante,
tudo compartilhado, o Uai sai com galeria de foto na hora. Antes a gente aqui na TV fazia
convergência, mas era sempre pra depois. Hoje a gente está adiantando uma série de conteúdos para o
site da TV que viram destaque na capa do Uai. Então vamos supor, a TV tem um acidente exclusivo,
ninguém mais vai conseguir aquelas imagens e só a gente captou, ninguém vai conseguir a imagem
outra vez. Então o que a gente faz? A gente seleciona da matéria, que pode ter dois minutos e meio,
vinte, trinta segundos de imagem do acidente que vai para o site e vira uma nota informativa.
N Para o site da TV ou do Uai?
B Para o site da TV. Mas o Uai puxa o destaque do site da TV e vai para home do Uai, vai para capa
do Uai de tal modo que você começa a gerar conteúdo antes mesmo de o jornal ter ido ao ar. Então
isso tem um duplo resultado: você adianta o conteúdo no meio porque a informação aconteceu e já
está disponível, você não precisa esperar a hora do telejornal. Por outro lado, você ajuda a alavancar
audiência do telejornal, porque você está entregando a notícia, mas não o vídeo inteiro ainda, você está
suscitando o interesse, despertado a curiosidade do internauta/telespectador, e com isso você consegue
trazê-lo para a televisão. O que aconteceu com o site da TV depois que a gente começou a fazer isso?
A gente fez o site saltar de trezentos mil Page views por semana, que era um numero que ficou estável
durante uns dois anos, para um milhão de Page views por semana, nos picos. Hoje o site saiu de
novecentos, um milhão, um milhão e cem mil Page views pra três milhões e quinhentos mil, quatro
milhões. A gente mudou o patamar, mudou o status da coisa. E isso porque o site novo da TV não
entrou no ar ainda. A hora que o site novo entrar no ar esse processo vai melhorar ainda mais. Estamos
trabalhando em uma ferramenta antiga que vai mudar em breve para uma mais moderna, com mais
opções. Essa coisa da convergência a gente vai descobrindo as coisas e à medida que elas vão
acontecendo, o processo vai sendo depurado e aperfeiçoado. Até que a gente chega em um modelo,
que tá funcionando legal...
N E o público? Você acha que hoje ele percebe esse movimento da convergência?
B Ah tem muito... por exemplo, o colaborativo tem um papel fundamental que se dá por meio da
convergência. Por exemplo, a pessoa gravou um acidente na rua ou um flagrante de assalto. Ela vai no
Dzaí, sobe aquele conteúdo e oferece pra nós. De acordo com as cláusulas do Dzaí, o conteúdo que ela
subiu pode ser usado por qualquer um dos veículos Diários Associados. O nosso núcleo convergente
está sempre monitorando os conteúdos. Quando ele vê aquilo, liga pro editor responsável e o editor
pega aquele material e usa. Então você tem um cidadão colaborando com o conteúdo que ele captou,
que passa pela web e vai morrer aqui na televisão. E aí com todos os desdobramentos, porque depois
esse conteúdo volta pra web já rearrumado em uma reportagem, pode ter suíte... Dependendo da
grandeza do fato noticiado, tudo pode acontecer. Então eu acho que o público tem essa percepção de
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que a televisão tem tentáculos maiores hoje, ela não é só a tela da TV, tem o site também que tem um
lugar que eu vejo, mas que também posso participar. Claro que pra algumas pessoas isso está mais
claro na cabeça, mas, pra massa, pra grande maioria das pessoas, ele já sabe que isso não é só
televisão. A TV Alterosa não é só ligar ali no 5 ou no 18. Toda hora a gente fala: vai lá no nosso site e
veja outras informações. Hoje a classe C está começando a consumir muito a internet, então, o próprio
número de acessos do site revela que quando você entrega um conteúdo bem produzido, o consumidor
de informação agradece e usa. Essas experiências são representativas.
N Que núcleo convergente no Uai é esse?
B A gente tem cinco pessoas trabalhando nele, duas voltadas mais para o conteúdo do site da TV e três
voltadas monitorando o Dzaí. Então são pessoas que ficam o tempo todo vendo o quê que tá caindo
no Dzaí e aquilo que pode se transformar em notícia. São as pessoas que ficam moderando, filtrando
os conteúdos o tempo todo. Eles ficam de olho nos blogs, aí os destaques vem pra essa parte do UAI.
Muito são blogs de internautas comuns, não são dos Vips. Hoje, por exemplo, entrou essa casa lá em
Paracatu feita de garrafa pet, projeto ecológico... coisas que pessoas comuns mandam e que vão pra
destaque na capa do portal. Vídeos também vem pra cá... Então eles cuidam de todo o monitoramento
de conteúdo colaborativo.
N Você acha que quando se faz uma boa propaganda do material que existe em outros meios esse
público corre atrás?
B Por exemplo, agora nós estamos fazendo o concurso gata do mineiro do Alterosa Esporte. Cada
clube tem uma gata e a votação é só na internet, as meninas são apresentadas na TV, mas o voto é lá
no site. E a votação já está com quase cem mil pageviews e começou na quinta passada, não tem nem
uma semana ainda. O conteúdo que foi exibido antes, sobre o concurso, já gerou mais de duzentos e
cinqüenta mil pageviews. O concurso acontece fora da TV, ela só tem servido como plataforma de
vitrine, de exibição, de divulgação. Porque o concurso efetivamente, o foco, é só na web e está
funcionando super bem. O vídeochat do Alterosa Esporte eu acho uma das experiências mais
espetaculares. O programa já tem dois anos que é ao vivo na web, com participação do telespectador, e
cai em média umas oitocentas colaborações por programa, oitocentos palpites, oitocentos emails de
telespectadores participando do programa que dura só meia hora. É muita coisa, muita gente vendo. Ai
você fala: porque o cara tá vendo pela internet se ele pode ver pela televisão em uma imagem muito
melhor? Porque ele quer participar e a convergência se dá nesse cenário. Esse é um exemplo máximo,
de você estar fazendo um programa de TV, assistindo pela internet com colaboração real time do
telespectador. Eles acabam interferindo no andamento do programa. Hoje mesmo, depois que a
menina do Ipatinga tinha acabado de desfilar, o cara mandou uma mensagem falando: eu adoro o
Dadá, acho a bancada sensacional, mas vamos combinar? Essa menina do Ipatinga é maravilhosa.
Quer dizer, umas brincadeiras que são a cara do programa e que tem a ver. O cara interagiu com o
programa, com um conteúdo que acabou de ser exibido e isso é lindo no ar. Muda a dinâmica do
programa, é muito legal.
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O processo de convergência nos Diários Associados