Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
A avaliação do estado ecológico de um rio como
base para a definição da requalificação: o caso do
Rio Corgo
Dissertação de Mestrado em Engenharia do Ambiente
Diana Coelho
Orientador: Rui Manuel Vítor Cortes
VILA REAL, 2012
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
A avaliação do estado ecológico de um rio como
base para a definição da requalificação: o caso do
Rio Corgo
Dissertação de Mestrado em Engenharia do Ambiente
Diana Coelho
Orientador: Rui Manuel Vítor Cortes
Composição do Júri:
___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
VILA REAL, 2012
B
“A água não é um produto comercial como outro qualquer, mas um património que
deve ser protegido, defendido e tratado como tal.” (EU, 2000)
C
AGRADECIMENTOS
Ao concluir a minha tese, não posso deixar de agradecer a todos os que, de
alguma forma, contribuíram para a sua realização:
Ao Professor Doutor Rui Cortes, por ter aceite a orientação deste trabalho, pela
enorme disponibilidade, apoio e amizade constantemente demonstrados, e pelos
inúmeros e preciosos ensinamentos que me transmitiu.
Às Doutoras Samantha Hughes e Simone Varandas, por toda a ajuda
incondicional, incentivo, paciência, conhecimentos partilhados, e pelas grandes doses de
boa disposição que tornaram o trabalho ainda mais gratificante.
Ao Professor Jorge Ventura, pelos conselhos dados na altura certa e que me
permitiram descobrir uma área de trabalho e conhecimento apaixonante.
À equipa do Laboratório de Ecologia Fluvial, Ana Pinto, Cátia Santos, Marisa
Lopes e Vítor Pereira, pelo ótimo ambiente de trabalho e ajuda prestada.
Ao Engenheiro Marco Magalhães, pelas imagens gentilmente cedidas.
Ao Ricardo Rocha, fantástico parceiro de trabalho, que partilhou comigo os
melhores e piores momentos deste ciclo, por toda a ajuda e paciência.
À minha família da Bila (Cátia, Cláudia, Daniel, Diogo, Fiorenzo, Igor, Marlene,
Nuno, Ricardo, Sílvio, Tânia (e Suka!)), que me enchem a casa de sorrisos e risadas,
sempre disponíveis para aturar más disposições ou pânicos de última hora, para dar
opiniões sinceras e para me aquecer o coração (a lista poderia continuar
infindavelmente).
À família Rebelo, e em especial à Angelita e ao Hélder, por me fazerem sentir
um elemento dela pertencente, pela porta sempre aberta, e pela força e amizade
demonstrada, crucial em tantos momentos.
Ao Nuno, porto de abrigo e companheiro de todo este percurso, por todo o amor,
amizade e compreensão em todas as aventuras e desventuras do caminho. Inadjetivável,
sem dúvida.
Às minhas estrelas, que me guiaram em vida e depois dela, pelo que sou e pelo
que atingi, em grande parte pelos valores que me transmitiram.
Aos meus pais, sempre lá, disponíveis e atentos. Longe ou perto, sempre no
coração.
Ao meu irmão, a quem pertencia grande parte do tempo dedicado a este trabalho,
pelo orgulho que sempre demonstrou ter em mim.
i
ÍNDICE GERAL
AGRADECIMENTOS ................................................................................................................... i
ÍNDICE GERAL ......................................................................................................................... ivi
ÍNDICE DE FIGURAS .............................................................................................................. viv
ÍNDICE DE TABELAS .............................................................................................................. vii
RESUMO ................................................................................................................................... ivii
ABSTRACT ................................................................................................................................. ix
ENQUADRAMENTO .................................................................................................................. 1
1.
INTRODUÇÃO GERAL ...................................................................................................... 3
1.1. A importância do Estado Ecológico no Rio Corgo: Consequências da DQA e Lei da
Água …………………………………………………………………………………………3
1.2.
Bioindicadores............................................................................................................... 5
1.2.1.
A utilização de macroinvertebrados na monitorização ......................................... 7
1.2.2.
A utilização de fauna piscícola na monitorização ................................................. 7
1.3.
2.
3.
Curvas de preferência da fauna piscícola .................................................................. 8
CARACTERIZAÇÃO AMBIENTAL DO RIO CORGO .................................................. 10
2.1.
Enquadramento geográfico ......................................................................................... 10
2.2.
Área de estudo ............................................................................................................. 11
2.3.
Morfometria e relevo ................................................................................................... 11
2.4.
Clima ........................................................................................................................... 12
2.5.
Caracterização ecológica ............................................................................................. 12
2.6.
Geologia e solos .......................................................................................................... 13
2.7.
Ocupação do solo ........................................................................................................ 14
MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................................ 16
3.1.
Seleção e caracterização dos locais de amostragem .................................................... 16
3.2.
Caracterização físico química da água ........................................................................ 18
3.3.
Caracterização hidromorfológica ................................................................................ 19
3.4.
Caracterização biológica ............................................................................................. 20
3.4.1.
Ictiofauna............................................................................................................. 20
3.4.2.
Macroinvertebrados bentónicos .......................................................................... 21
3.4.2.1. Índice IBMWP…………………………………………………………………23
3.4.2.2. Índice IPtIN……………………………………………………………………..24
3.5.
Tratamento de dados ................................................................................................... 25
ii
4.
5.
3.5.1.
Análise do Estado Ecológico............................................................................... 25
3.5.2.
Determinação das curvas de preferência de espécies piscícolas alvo ................. 28
3.5.3.
Análise multivariada no estudo ecológico das comunidades .............................. 29
3.5.4.
Medidas de requalificação para os troços degradados ........................................ 30
RESULTADOS ................................................................................................................... 31
4.1.
Caracterização físico-química da água ........................................................................ 31
4.2.
Caracterização hidromorfológica ................................................................................ 32
4.3.
Caracterização biológica (Índice IPtIN) ....................................................................... 33
4.4.
Caracterização do estado ecológico do rio Corgo ....................................................... 34
4.5.
Uso do habitat das espécies piscícolas alvo ................................................................ 35
4.6.
Análise da distribuição espacial das comunidades biológicas .................................... 40
4.7.
Relação entre os parâmetros populacionais e os descritores ambientais ..................... 42
4.8.
Medidas de requalificação para os troços degradados ................................................ 47
ANÁLISE DE RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................ 50
5.1.
Caracterização físico-química da água ........................................................................ 50
5.2.
Caracterização hidromorfológica ................................................................................ 51
5.3.
Caracterização biológica (Índice IPtIN) ....................................................................... 52
5.4.
Caracterização do estado ecológico do rio Corgo ....................................................... 54
5.5.
Uso do habitat das espécies piscícolas alvo ................................................................ 55
5.6.
Análise da distribuição espacial das comunidades biológicas .................................... 56
5.7.
Relação entre os parâmetros populacionais e os descritores ambientais ..................... 57
6.
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 61
7.
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 63
iii
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1: Unidades Hidrográficas de planeamento da região de Trás-Os-Montes e Alto
Douro (Rodrigues et al., 2006).
10
Figura 2: Bacia hidrográfica do Rio Corgo (Alencoão et al., 2006).
11
Figura 3: Perfil longitudinal do Rio Corgo com implantação da geologia (Alencoão et al.,
2006).
13
Figura 4: Tipo de solos da bacia do Corgo (Atlas do Ambiente (Agência Portuguesa do
Ambiente, 2012a)).
14
Figura 5: Ocupação do solo na Bacia do Corgo, no ano de 2000, através de Corine Land
Cover 2006 (Caetano et al., 2009).
15
Figura 6: Mapa da localização dos pontos RH1 até RH8 (Google Earth).
17
Figura 7: Mapa da localização dos pontos RH9 até RH12 (Google Earth).
17
Figura 8: Medição de parâmetros físico-químicos in situ.
18
Figura 9: Registo de velocidade de corrente, profundidade, tipo de substrato e cobertura,
em cada transepto.
20
Figura 10: Recolha de macroinvertebrados bentónicos.
22
Figura 11: Identificação com lupa binocular de macroinvertebrados bentónicos 23
amostrados.
Figura 12: Fotografia captada com lupa binocular Nikon SMZ 1500 com lente Nikon HR
Plan Apo WD 54 e câmara Nikon Digital Sight DS-5M de um plecóptero (Perla sp.)
23
Figura 13: Esquema do sistema de classificação no âmbito da Diretiva Quadro da Água 27
(INAG, 2009a)
Figura 14: Relação entre os diferentes elementos de qualidade, elementos biológicos, 27
hidromorfológicos e físico-químicos, que interferem na classificação do Estado Ecológico
de acordo com as definições normativas da do anexo V, item 1.2 da DQA (adaptado de
(INAG, 2009a)).
Figura 15: Curvas de preferência tipo 3 para o barbo (Luciobarbus bocagei). No gráfico A 36
está representada a curva polinomial de 2º grau relativa ao parâmetro Cobertura, e no
gráfico B está representada a curva polinomial de 2º grau relativa ao parâmetro Substrato.
Os intervalos de confiança (representados pelas linhas a tracejado) referem-se a um P de
0,95. O quadro inferior de cada gráfico apresenta a significância, em termos comparativos,
para uma regressão linear.
Figura 16: Curvas de preferência tipo 3 para o barbo (Luciobarbus bocagei). No gráfico C 37
está representada a curva polinomial de 2º grau relativa ao parâmetro Profundidade, e no
gráfico D está representada a curva polinomial de 2º grau relativa ao parâmetro
Velocidade. Os intervalos de confiança (representados pelas linhas a tracejado) referem-se
a um P de 0,95. O quadro inferior de cada gráfico apresenta a significância, em termos
iv
comparativos, para uma regressão linear.
Figura 17: Curvas de preferência tipo 3 para a boga (Pseudochondrostoma duriense). No 38
gráfico E está representada a curva polinomial de 2º grau relativa ao parâmetro Cobertura,
e no gráfico F está representada a curva polinomial de 2º grau relativa ao parâmetro
Substrato. Os intervalos de confiança (representados pelas linhas a tracejado) referem-se a
um P de 0,95. O quadro inferior de cada gráfico apresenta a significância, em termos
comparativos, para uma regressão linear.
Figura 18: Curvas de preferência tipo 3 para a boga (Pseudochondrostoma duriense). No 39
gráfico G está representada a curva polinomial de 2º grau relativa ao parâmetro
Profundidade, e no gráfico H está representada a curva polinomial de 2º grau relativa ao
parâmetro Velocidade. Os intervalos de confiança (representados pelas linhas a tracejado)
referem-se a um P de 0,95. O quadro inferior de cada gráfico apresenta a significância, em
termos comparativos, para uma regressão linear.
Figura 19: Análise de Coordenadas Principais (PCO) para a comunidade de 41
macroinvertebrados bentónicos, tendo sido utilizados os dois primeiros eixos da ordenação,
e uma transformação dos dados do tipo Log (X+1) com o coeficiente de similaridade Bray
Curtis. Em cada eixo está representada a % de absorvância da variância.
Figura 20: Análise de Coordenadas Principais (PCO) para a comunidade de ictiofauna, 42
tendo sido utilizados os dois primeiros eixos da ordenação, e uma transformação do tipo
raíz quadrada, com o coeficiente de similaridade Bray Curtis. Em cada eixo está
representada a % de absorvância da variância.
Figura 21: Análise de Redundância (dbRDA) para a comunidade de macroinvertebrados 43
bentónicos relativamente aos fatores ambientais. Foram utilizados os dois primeiros eixos
da ordenação, e uma transformação dos dados por Log (X+1), com o coeficiente de
similaridade Bray Curtis. Em cada eixo está representada a % de absorvância da variância.
Figura 22: Análise de Redundância (dbRDA) para a comunidade de ictiofauna 44
relativamente aos fatores ambientais. Foram utilizados os dois primeiros eixos da
ordenação, e uma transformação dos dados por raíz quadrada, com o coeficiente de
similaridade Bray Curtis. Em cada eixo está representada a % de absorvância da variância.
Figura 23: Análise de superfície em 3D, para a averiguar a correspondência entre a 45
abundância do barbo (Luciobarbus bocagei) com os parâmetros de velocidade e
profundidade dos habitats.
Figura 24: Análise de superfície em 3D para averiguar a correspondência entre o barbo 45
(Luciobarbus bocagei) e com os parâmetros de substrato e cobertura dos habitats.
Figura 25: Análise de superfície em 3D, para averiguar a correspondência entre a boga 46
(Pseudochondrostoma duriense) e os parâmetros de velocidade e profundidade dos
habitats.
Figura 26: Análise de superfície em 3D para averiguar a correspondência entre a boga 47
(Pseudochondrostoma duriense) e parâmetros de substrato e cobertura dos habitats
v
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1: Ocupação na Bacia do Corgo, no ano 2000, de acordo com a figura 7.
15
Tabela 2 : Código dos locais de amostragem e respetivas coordenadas.
16
Tabela 3: Modificação de Habitat Modification Score para Habitat Modification
Class, segundo (Raven et al., 2009a).
19
Tabela 4: Classes de qualidade definidas pelo IBMWP (adaptado de (Bochechas et
al., 2007)).
24
Tabela 5: Limiares máximos para os parâmetros físico-químicos gerais para o
estabelecimento do Bom Estado Ecológico em Rios. (1) - 80% das amostras se a
frequência for mensal ou superior; (2) - Média Anual; (*)- Os limites indicados
poderão ser ultrapassados caso ocorram naturalmente. Adaptado de (INAG, 2009a).
26
Tabela 6: Descrição da cobertura e código utilizado nos registos.
28
Tabela 7: Descrição do substrato e código utilizado nos registos.
29
Tabela 8: Classes de velocidade e profundidade utilizadas nos registos.
29
Tabela 9: Parâmetros físico-químicos obtidos a partir das amostras recolhidas em
Junho de 2012.
31
Tabela 10: Parâmetros físico-químicos obtidos a partir das amostras recolhidas em
Setembro de 2012.
31
Tabela 11: Classificação da qualidade físico-química segundo pela DQA para este
tipo de massas de água, nos diferentes locais e nos dois períodos de amostragem.
32
Tabela 12: Classificação da qualidade hidromorfológica, nos diferentes locais de
amostragem, tendo em consideração três índices (sendo dois derivados do RHS).
33
Tabela 13: Classificação da qualidade biológica segundo o índice IPtIN, nos
diferentes locais de amostragem, tendo em conta o tipo de massas de água.
34
Tabela 14: Estado Ecológico em cada ponto de amostragem do Rio Corgo, através da
integração das tabelas antecedentes.
35
Tabela 15: Análise de Regressões Parciais (PLS) para a espécie barbo (Luciobarbus
bocagei), de acordo com os dois primeiros eixos da ordenação. É representada em
cada componente (eixo), o valor da influência de cada parâmetro na abundância da
espécie.
44
Tabela 16: Análise de Regressões Parciais (PLS) para a espécie boga
(Pseudochondrostoma duriense), de acordo com os dois primeiros eixos da ordenação
(Componentes). É representada em cada componente o valor da influência de cada
parâmetro na abundância da espécie.
46
Tabela 17: Diagnóstico ambiental e medidas de requalificação propostas para cada
ponto de amostragem.
48
1
vi
RESUMO
Nos últimos anos tem havido uma crescente preocupação ambiental, em especial
no que toca aos ecossistemas aquáticos. A implementação da Diretiva- Quadro da Água
e a sua transposição para a Lei Nacional prevê a proteção e requalificação destes
ecossistemas, partindo da análise ao seu Estado Ecológico, através de uma perspetiva
integrada de parâmetros biológicos, hidromorfológicos e físico-químicos.
O Rio Corgo atravessa vários quilómetros de tecido habitacional e industrial em
evolução e crescimento, e está a ser objeto do programa de ordenamento que visa
encontrar medidas de proteção e requalificação de habitats, assegurando a conetividade
do rio com os troços a montante e a jusante, e minimização de efeitos antropogénicos
que podem degradar a biodiversidade existente e destruir o potencial da região em
termos de espécies de interesse conservacionista.
Neste trabalho pretendeu-se analisar o Estado Ecológico do Rio Corgo, de modo
a verificar os impedimentos aos “Bom Estado”, requerido pela Diretiva até 2015 em
todos os troços amostrados, e realizar o diagnóstico ambiental de cada ponto. Por outro
lado, e através de curvas de preferência para espécies piscícolas alvo, pretendeu-se
correlacionar a abundancia de espécies nativas com parâmetros do habitat, de modo a
serem propostas medidas de requalificação que pudessem favorecer estas espécies em
detrimento de exóticas possivelmente presentes.
Deste modo foram realizadas as metodologias previstas para a análise do Estado
Ecológico, com exceção dos índices para as comunidades biológicas de peixes,
macrófitas e diatomáceas.
Após a análise dos resultados, foi possível inferir o “Bom Estado” dos pontos a
montante e inclusos no núcleo urbano, ao contrário dos pontos a jusante, que obtiveram
a classificação de “Razoável”, essencialmente devida ao mau resultado obtido na
componente dos parâmetros físico-químicos.
Quanto às curvas de preferência realizadas, permitiram demonstrar a sua
complexidade através dos resultados diferentes de preferências de habitat entre as
espécies utilizadas, o que significa que é possível verificar a resposta de diferentes
espécies a diferentes parâmetros ambientais, e utilizar essa informação para propor
medidas de requalificação com vista à melhoria dos habitats das espécies nativas, em
vii
detrimento das exóticas. No entanto, metodologias mais adaptadas à realidade,
amostragens mais específicas e a inclusão de mais variáveis ambientais serão essenciais
para obter resultados mais conclusivos e objetivos em estudos futuros.
Palavras chave: Estado Ecológico, Curvas de Preferência, Requalificação, Fauna
Piscícola, Macroinvertebrados, Rio Corgo, Diretiva-Quadro da Água.
viii
ABSTRACT
The evaluation of the ecological status of a river as a basis for the
definition of requalifying measures: River Corgo’s case.
In the past few years there has been a growing environmental concern, especially
regarding aquatic ecosystems. The implementation of the Water Framework Directive
and its transposition for the National Law foresees the protection and requalification of
these ecosystems, beginning with the analysis to its Ecological Status, through an
integrated perspective of biological, hidromorphological and physico-chemical
parameters.
River Corgo crosses several kilometers of evolving and developing industrial
and housing centres, and it is being object of the planning program aiming to find
measures of protection and requalification of the existing habitats, ensuring the
connectivity of the river with up and downstream sections, and minimizing the
anthropic effects that can deteriorate the existing biodiversity and destroy the region’s
potential regarding species with conservationist interest.
In this study it was intended, on one hand, to analyze the Ecological Status of
River Corgo, in order to check the obstacles to the “Good Status”, required by the Water
Framework Directive until 2015 in every sampled section, and to environmentally
diagnose each point. On the other hand, and through preference curves for the
ichthyofauna target species, it was intended to correlate the abundance of the native
species with habitat parameters, in a way that allowed to propose requalification
measures that could favor these species and not the possibly present allochthonous
species.
According to this, we used the predicted methodologies for the Ecological Status
analysis, with the exception of the indexes for the biological communities of fishes,
diatoms and macrophytes.
After the results analysis, it was possible to infer the “Good Status” of the
upstream and middle sections (in the urban center), unlike downstream sections where
the quality decreased to “Reasonable”. This decrease was essentially due to the bad
classification obtained in the physico-chemical parameters component.
ix
Regarding the preference curves, they allowed to demonstrate their complexity
through different preferential habitat between the studied species, which means that it is
possible to verify the response of different species to different environmental
parameters, and use this kind of information to propose requalification measures,
aiming the improvement of native species habitats, rather than the exotic ones.
However, more reality adapted methodologies, more specific samplings and the
inclusion of more environmental variables will be essential in order to obtain more
conclusive and objective results in future studies.
Keywords: Ecological Status, Preference Curves, Requalification, Ichthyofauna,
Macroinvertebrates, River Corgo, Water Framework Directive.
x
ENQUADRAMENTO
A proteção e gestão eficiente das massas de água está diretamente relacionada
com a vida sustentável, nas suas vertentes sociais, económicas e ambientais
(Kundzewicz e Krysanova, 2010; Kagalou et al., 2012). Segundo Kundzewicz e
Krysanova (2010), além de suscetíveis a alterações climáticas como aquelas que hoje
enfrentamos, as massas de água têm constantemente sido tratadas como recetores
convenientes de detritos (de modo difuso ou pontual), diminuindo drasticamente a sua
qualidade, facto que altera negativamente não só a biodiversidade, como afeta também a
saúde humana.
Frequentemente, os rios são também afetados pela interrupção do seu curso,
(fluxo natural e continuidade), bem como pelo redireccionamento do canal e
transformação dos leitos de cheia (Bredenhand e Samways, 2009; Maceda-Veiga e De
Sostoa, 2011), para fins de uso humano, nomeadamente a construção de barragens para
geração de energia elétrica, irrigação de culturas, ou controlo de cheias. Ou seja, os rios
são os sistemas naturais utilizados mais intensivamente ao longo da História do homem,
e os continentais estão entre os ecossistemas mais alterados do planeta, tendo sido
verificados rápidos decréscimos de biodiversidade (Bochechas et al., 2007; Marzin et
al., 2012).
De facto, segundo Karr e Dudley (1981), os rios não são sistemas isolados, mas
antes ecossistemas abertos com inputs e outputs de nutrientes, energia e água, sendo que
todas as alterações efetuadas a montante da linha de água afetarão inevitavelmente os
troços a jusante.
O Projeto Seiva Corgo, em Vila Real, foi uma das ferramentas encontradas para
colocar em prática as politicas ambientais da Autarquia (determinadas na “Agenda 21”
local), e nas quais se insere uma preocupação óbvia com os recursos hidrológicos da
região, abrangidos pela “Rede Natura 2000” (definida pela Diretiva 92/43/CEE do
Conselho, de 21 de Maio de 1992).
Este projeto (www.cm-vilareal.pt/bio_diversidade/, 2012), em conjunto com o
Projeto Proteger é Conhecer (ambos candidatados ao Programa Operacional Regional
do Norte 2007/2013), cumpre 9 das 10 opções estratégicas da Estratégia Nacional de
Conservação da Natureza e da Biodiversidade (aprovada pela Resolução do Conselho
de Ministros nº 152/2011 de 11 de Outubro).
1
Os objetivos do projeto incluíram a análise da biodiversidade de Vila Real, de
acordo com a riqueza, abundância e relevância das espécies faunísticas e florísticas em
termos de conservação, bem como o estado dos seus habitats. Pretendeu ainda
investigar e dar a conhecer ao publico em geral o estado de conservação dos
ecossistemas existentes e as pressões a que estão sujeitos, de modo a criar melhorias, se
necessário, e o acompanhamento contínuo das alterações que eventualmente possam
ocorrer, tanto nas comunidades biológicas como nos seus habitats. Assim, e através de
fases de inventariação, caracterização, monitorização e mapeamento da biodiversidade,
o projeto propôs implementar um plano de monitorização, com medidas e ações a adotar
para manter ou melhorar a qualidade ambiental dos ecossistemas presentes. A
divulgação ao público, através de plataformas informáticas, ações de sensibilização e
educação ambiental e exposições, foi uma das ferramentas encontradas para chamar a
atenção para o Rio Corgo, que atravessa a cidade, mas é muitas vezes esquecido no que
toca às espécies que dele dependem e à riqueza ambiental que representa, assim como
outros ecossistemas pertencentes à Rede Natura 2000 (CMVR, 2010).
O Projeto Seiva Corgo e o Projeto Proteger é Conhecer vêm no seguimento do
Programa Polis de Vila Real, iniciado em 1995, o qual pressupôs a melhoria da
qualidade urbana da cidade com integração dos valores naturais, tendo uma componente
de execução de várias intervenções. Destas é exemplo o Parque Corgo, que foi
construído de modo a ligar a cidade ao ecossistema ribeirinho, dando visibilidade ao seu
valor paisagístico, ecológico e geológico.
Esta dissertação, a qual surge no âmbito da parceria estabelecida entre a UTAD e
o município de Vila Real, relativamente ao Projeto Seiva Corgo pretende: i) avaliar o
estado ecológico do ecossistema aquático e ribeirinho que atravessa a cidade de Vila
Real e até à sua foz, na Régua (rio Corgo); ii) identificar os principais focos de
perturbação; iii) definir a preferência de habitat das espécies piscícolas alvo
(Luciobarbus bocagei e Pseudochondrostoma duriense – barbo e boga, respetivamente)
e iv) propor medidas de reabilitação e requalificação que promovam o restabelecimento
das zonas degradadas o mais próximo possível da situação natural.
2
1.
INTRODUÇÃO GERAL
1.1.
A importância do Estado Ecológico no Rio Corgo: Consequências da
DQA e Lei da Água
A Comunidade Económica Europeia iniciou a proteção legal das massas de água
com a Diretiva 75/440/CEE de 16 de Junho de 1975, relativa à qualidade das águas
superficiais destinadas à produção de água potável nos Estados-Membros (excluindo
assim as subterrâneas, salobras e as destinadas ao reabastecimento das toalhas
subterrâneas) (CEE, 1975). De seguida, foi implementada a Diretiva 80/778/CEE de 15
de Julho de 1980, relativa à qualidade das águas destinadas ao consumo humano
(consumo direto ou através de industrias alimentares onde as águas utilizadas afetem o
produto final)(CEE, 1980).
Em 2000, surge a Diretiva Quadro da Água (DQA), pela necessidade de legislar
a qualidade ecológica das águas superficiais da Comunidade Europeia, propondo uma
série de medidas que visam um esforço conjunto de melhoramento da gestão e proteção
deste recurso (EU, 2000; Chen et al., 2007). De facto, a proteção das águas interiores,
de transição, costeiras e subterrâneas foi o objetivo fundamental desta Diretiva.
Desta forma, foi estabelecida a obrigatoriedade de evitar a deterioração das
massas de água dos Estados-Membros e atingir o seu “bom estado” até 2015 (Junier e
Mostert, 2011), o que despoletou uma série de ações de monitorização e reabilitação.
De referir que o estado ecológico de um ecossistema aquático é definido como o
desvio das condições ambientais às condições de referência, sendo que estas
caracterizam uma massa de água com poucos ou nenhuns impactos antropogénicos
(Ector e Rimet, 2005).
A DQA foi transposta em 2005 para o direito nacional, através da Lei da Água
(Lei 58/2005 de 29 de Dezembro) e pelo Decreto-Lei 77/2006 de 30 de Março, que
definem as bases de gestão e institucionalização necessárias para a implementação da
Diretiva (INAG, 2006; 2009a), cumprindo o disposto no ponto 1 do artigo 11º da
Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2000.
Com base nos termos do artigo 5º e do anexo II desta Diretiva, as redes de
monitorização das águas de superfície (estabelecidas segundo o disposto no artigo 8º),
3
deverão prever, para cada período de vigência dos planos de bacia hidrográfica,
programas de monitorização operacional, de vigilância e de investigação.
Segundo o Instituto da Água (INAG, 2009b) a monitorização de vigilância
constitui a recolha de informação suficiente para estabelecer o estado das águas
superficiais, de modo a ser possível uma avaliação dos impactos antropogénicos sobre
as massas de água e, consequentemente, o desvio causado por esses impactos às
condições naturais de tais ecossistemas. Além disso, a informação recolhida deverá
também permitir que futuros programas de monitorização sejam desenvolvidos de modo
eficiente e eficaz. Relativamente à monitorização operacional, os elementos de
qualidade observados deverão ser os indicativos das pressões a que a massa de água em
questão está sujeita, uma vez que este tipo de monitorização visa determinar o estado
das massas de água que estão em risco de não cumprir os objetivos ambientais da
Diretiva e, posteriormente, as alterações desse estado após a implementação dos
programas de medidas (INAG, 2009b). Já a monitorização de investigação, pretende
complementar a monitorização operacional e a monitorização de vigilância, nos casos
onde exista falta de informação sobre as causas que levam ao incumprimento dos
objetivos ambientais ou ainda em casos de poluição acidental, sendo que neste caso é
avaliada a sua magnitude e impacte (EU, 2000; INAG, 2009b).
É cada vez mais frequente a degradação de ecossistemas aquáticos, seja pela
regularização das linhas de água, contaminação das águas por poluentes químicos ou
orgânicos, e destruição infundada das galerias ripícolas e consequentemente dos habitats
que delas dependem.
No caso do Rio Corgo, que atravessa vários quilómetros de tecido habitacional e
industrial em evolução e crescimento, torna-se necessário visar medidas de proteção e
requalificação de habitats e minimização de efeitos antropogénicos que possam ocorrer,
podendo degradar a biodiversidade existente e destruir o potencial florístico e faunístico
da região, em termos de espécies de interesse conservacionista.
O troço urbano do Rio Corgo representa assim uma parte de um ecossistema
aquático caraterizado pela crescente diminuição de conetividade do rio com troços a
montante e a jusante da zona urbana, a colonização por espécies invasoras florísticas e
faunísticas, a erosão das margens, a diminuição da qualidade da galeria ripária e
fenómenos de eutrofização, são alguns dos indicadores da degradação do ecossistema
fluvial do Rio Corgo.
4
Tais efeitos antropogénicos poderão, de facto, ter efeitos severamente negativos
nas comunidades bióticas e na qualidade da água, e podem ser tão variados como
estruturas físicas no leito do rio, nas margens ou nos terrenos adjacentes, promovendo a
sua artificialização (açudes ou pontes por exemplo, devidos à implementação do
Programa POLIS), a existência de sistemas de saneamento público (urbano e/ou
industrial) ligados diretamente ao curso de água, estruturas de tratamento de águas
residuais com funcionamento deficiente ou problemas pontuais, ou ainda descargas
ilegais de resíduos sólidos ou águas residuais no curso de água ou nas margens do rio.
Estes desequilíbrios requerem preocupação e visibilidade social, de modo a que
sejam implementadas práticas correntes e urgentes, com vista à monitorização regular
para posterior avaliação do estado ecológico deste ecossistema fluvial, e se necessário,
métodos de correção e requalificação.
De modo a ser possível alcançar o “Bom Estado Ecológico” até 2015 e a ser
mantido no futuro, será necessário identificar estes pontos de pressões antrópicas
negativas e minimizar os seus efeitos, assim como assegurar a conetividade dos rios
com os troços de montante e jusante, inseridos na “Rede Natura 2000”.
1.2.
Bioindicadores
A medida mais efetiva e direta da integridade de uma massa de água, e do seu
lugar no ciclo da água, é o estado biológico da água (Karr e Chu, 2000).
Segundo estes autores e Barbour e Paul (2010), o estado biológico é afetado por
qualquer alteração na integridade física ou química, e deste modo, a resposta ambiental
é monitorizada através da integridade biológica, que por sua vez, é a base da integridade
ecológica. Assim, a avaliação deste parâmetro é essencial para um diagnóstico integrado
do estado da massa de água, bem como os fatores de stresse que influenciam o
ecossistema em questão.
De facto, segundo Oliveira e Cortes (2006) , os organismos aquáticos refletem
os efeitos cumulativos de distúrbios ambientais e poluição nos rios, alterações que sem
os indicadores biológicos não seriam detetadas ou seriam subestimadas. Os mesmos
autores referem ainda, e em concordância com Karr (2006), que o sistema de avaliação
ecológica ideal compreende, de forma integrada, as três vertentes essenciais do
ecossistema fluvial: física, química e biológica. Resende et al. (2010), referem ainda
que a análise da qualidade da água baseada em parâmetros físicos e químicos permitem
5
apenas medições instantâneas, o que em sistemas lênticos permitiria apenas aplicar a
informação ao espaço temporal em que a mesma foi obtida, uma vez que a hidrologia
destes sistemas altera-se rapidamente e é difícil de estimar. Os bioindicadores resolvem
este problema através de uma análise integrada de todo o ecossistema, com variações
espaciais e temporais. Como refere Oliveira e Cortes (2006), com a metodologia
integrada de avaliação do estado ecológico, nas suas três vertentes, é possível
compreender a dinâmica do ecossistema fluvial, bem como inferir sobre as interações
entre o canal fluvial, a galeria ripária e a bacia de drenagem, assim como a dinâmica
temporal.
Os bioindicadores deverão ser organismos cuja presença indica a existência de
condições ambientais bem definidas (Wilson, 1994; Hughes et al., 2010). Segundo
Wilson (1994), o bioindicador é tanto melhor quanto maior for a precisão com que
podemos especificar a relação descrita entre o organismo e as condições ambientais em
que se encontra. De acordo com este autor, após uma variação ambiental, os organismos
procurar-se-ão adaptar-se às novas condições. Se tal for além das capacidades
intrínsecas ao organismo, este morrerá ou mudará de localização, se possível. A ação de
contaminantes e os seus efeitos adversos devido à bioacumulação, levam
frequentemente a um declínio da população sob o seu efeito (Paoletti, 1999; Burger et
al., 2005; Hodkinson e Jackson, 2005).
Segundo Pinto (2008), os bioindicadores são designados de acumulação (ou
cumulativos) quando os organismos em questão acumulam influências antrópicas, sem
no entanto mostrarem danos reconhecíveis num curto espaço de tempo. Por outro lado,
designam-se de bioindicadores sensíveis, quando o organismo responde diretamente ao
stresse ambiental causado por poluentes.
Hodkinson e Jackson (2005) referem que, de um modo geral, os bioindicadores
são úteis na análise à existência de mudanças físicas ou mudanças químicas no ambiente
(e de um modo mais particular, neste último caso, as suas várias formas), a qualidade
comparativa ou valor de conservação do habitat em questão, e as alterações ao estado
ecológico do ecossistema nas suas vertentes temporal e espacial, sempre tendo em conta
que qualquer destes fatores poderá ou não ter sido influenciado por impactes externos.
Face ao exposto e de acordo com Wilson (1994) e Marzin et al. (2012), o estado
ecológico do ecossistema pode ser avaliado de acordo com a tolerância aos fatores
ambientais externos, imputáveis a cada espécie bioindicadora.
6
1.2.1.
A utilização de macroinvertebrados na monitorização
Os macroinvertebrados bentónicos são uma comunidade biológica muito
diversa, com um papel vital no fluxo de energia e processamento de nutrientes em
massas de água (Beier e Traunspurger, 2001; Iwasaki et al., 2011). Além disso, a sua
diversidade taxonómica e de grupos tróficos funcionais, a possibilidade de uma grande
amostragem e a facilidade de identificação, em conjunto com a sua sensibilidade a
variáveis ambientais torna estes organismos bons indicadores na monitorização (Ector e
Rimet, 2005; Hodkinson e Jackson, 2005; Blanco e Bécares, 2010; Li et al., 2010;
Rosado et al., 2011), sendo considerados os mais fiáveis (Bredenhand e Samways,
2009).
Segundo Sponseller et al. (2001) e Karr e Chu (2000), os macroinvertebrados
são organismos com extrema sensibilidade a descritores ambientais e alterações nas
galerias ripícolas, no uso do solo adjacente às margens, que influenciarão a humidade,
evapotranspiração e temperatura, alterando o regime hidrológico, bem como o
input/output de sedimentos e nutrientes não previstos nas condições naturais da massa
de água, provocando alterações profundas na estrutura trófica das comunidades
bêntónicas, reduzindo a sua diversidade.
A utilização de macroinvertebrados na monitorização tem como principal
vantagem o facto de permitir uma ligação muito próxima entre a estrutura comunitária
destes seres e as variáveis ambientais que afetam o seu habitat (Rosado et al., 2011).
Estes organismos são a base de muitos trabalhos de avaliação e monitorização ambiental
de ecossistemas aquáticos (Coimbra et al., 1996; Dahl et al., 2004; Li et al., 2010).
1.2.2.
A utilização de fauna piscícola na monitorização
Os peixes são amplamente usados em estudos ambientais em ecossistemas
aquáticos, devido à sua estreita relação com os habitats, e ao facto de alterações
ocorridas no ambiente influenciarem o seu desenvolvimento (Allenbach, 2011). Além
disso, ocorrem em quase todos os tipos de ecossistemas aquáticos, em comunidades
persistentes e que recuperam rapidamente face a perturbações naturais, possuindo
taxonomia, exigências ecológicas e ciclos de vida melhor conhecidos do que outros
grupos biológicos (Bochechas et al., 2007). Segundo o mesmo autor, os peixes possuem
representatividade em habitats muito distintos e de diferente hidrogeomorfologia, sendo
7
também indicadores da qualidade da estrutura física dos rios a várias escalas espaciais, e
das condições de conectividade, tendo em conta o comportamento migratório de
algumas espécies.
Além desta relação, as comunidades piscícolas têm relações intrínsecas com
outras variáveis inerentes aos rios, como o tipo e abundância de vegetação ripícola, a
sedimentação dos leitos (que pode provocar o aumento do stress fisiológico, a asfixia de
larvas e ovos e a diminuição de locais de reprodução e alimentação), a alteração dos
regimes térmicos, e ainda a interação entre espécies (que poderão ser autóctones ou
exóticas), sendo possível reiterar comparações de elevada fiabilidade em habitats
diferentes mas com o mesmo tipo de ictiofauna (Bochechas et al., 2007).
De referir também a possibilidade de fácil identificação de patologias
anatómicas externas devido a poluentes, e outros efeitos ambientais verificáveis a todos
os níveis da cadeia alimentar (uma vez que ocupam vários níveis tróficos). A sua
longevidade permite que sejam utilizados como bioindicadores para períodos de tempo
relativamente extensos, além de obedecerem aos critérios de sensibilidade,
reprodutibilidade e variabilidade, requeridos em todos os bioindicadores (Bochechas et
al., 2007; Ayllón et al., 2012).
A importância da ictiofauna deu origem ao desenvolvimento de várias
ferramentas de avaliação do estado ecológico de rios, como índices multimétricos de
integridade biótica (Ayllón et al., 2012). Estes mesmos autores referem também que os
índices baseados em comunidades de peixes foram usados extensivamente, desde
escalas espaciais locais, até escalas espaciais mais abrangentes, como foi o caso do
European Fish Index (FAME, 2012). No entanto, e devido ao facto das comunidades
piscícolas dos rios mediterrânicos partilharem problemas e características com as
pertencentes a outros rios não europeus, torna difícil a utilização deste índice de forma
não subjetiva.
1.3.
Curvas de preferência da fauna piscícola
O conhecimento dos bioindicadores piscícolas, e das informações que estes nos
podem fornecer deverá ser antecedido pelo estudo das variáveis ambientais que os
influenciam de algum modo, bem como os habitats preferenciais das espécies alvo.
8
Assim, e em função de parâmetros hidráulicos do habitat (como por exemplo a
cobertura, o substrato, a velocidade e a profundidade), é possível definir curvas de
preferência das espécies aquáticas escolhidas.
Existem quatro tipos de curvas de preferência, segundo Martínez Capel (2011).
As curvas de tipo I caraterizam-se pelo seu empirismo, uma vez que pressupõem o
conhecimento prévio de especialistas relativamente à preferência das espécies para cada
parâmetro de habitat. Nas curvas tipo II é realizada uma amostragem de forma
estratificada e representativa de todos os tipos de habitats presentes no troço do rio
analisado, para posterior verificação da seleção preferencial de habitat, através da razão
entre o habitat disponível e o habitat utilizado. Já nas curvas tipo III, são utilizados
apenas os dados relativos ao habitat disponível, relacionando a abundância das espécies
e cada parâmetro hidráulico estudado, através do registo dos valores aquando da captura
ou observação de cada espécime. Por último, as curvas de tipo IV, ou curvas
condicionadas, são modelos obtidos por regressões lineares ou funções multivariadas,
capazes de descrever a interação das populações biológicas com vários fatores, como os
parâmetros hidráulicos.
Os resultados obtidos através das curvas de preferência poderão ser úteis para
distinguir os habitats das diferentes espécies existentes, assim como para o estudo dos
valores ótimos de cada parâmetro escolhido, para cada espécie analisada. No entanto,
requerem-se alguns cuidados de amostragem, como a sua realização nas diferentes fases
do ciclo de vida das espécies escolhidas, e de tratamento, como a padronização dos
dados em matrizes estandardizadas.
Neste trabalho, além do estudo do Estado Ecológico do Rio Corgo, em várias
das suas componentes, pretende-se conhecer os habitats preferenciais das espécies
nativas
alvo,
nomeadamente
o
barbo
(Luciobarbus
bocagei)
e
a
boga
(Pseudochondrostoma duriense), de modo a ser possível favorecê-las no processo de
gestão e possível reabilitação.
9
2.
CARACTERIZAÇÃO AMBIENTAL DO RIO CORGO
2.1.
Enquadramento geográfico
A bacia hidrográfica do Corgo é uma sub-bacia do Douro e apresenta uma área
de cerca de 469,143 Km2 (INAG, 1999; 2001; Rodrigues et al., 2006) localiza-se no
norte de Portugal, nomeadamente na região oro-atlântica (Botelho, 1999) (figuras 1, e
2).
O rio Corgo tem a sua nascente na Serra da Padrela em Vila Pouca de Aguiar, a
uma cota de 918m, e termina o seu percurso de 44 Km na Régua, à cota de 46,5m, onde
conflui com o Rio Douro (INAG, 2001) (figura 2).
Na foz, o rio tem um número de ordem máximo 3, segundo o método de Strahler
(Strahler, 1957), tendo como principal afluente o Rio Cabril (INAG, 1999; 2001).
Figura 1: Unidades Hidrográficas de planeamento da região de Trás-Os-Montes e Alto Douro (Rodrigues
et al., 2006).
10
Figura 2: Bacia hidrográfica do Rio Corgo (Alencoão et al., 2006).
2.2.
Área de estudo
A área em estudo, compreendeu um troço de 27,5 Km ao longo do Rio Corgo, o
qual teve início na cidade de Vila Real, na zona de Flores com as coordenadas
41°19’4.80"N 7°43'21.57"W, e terminou na Régua, nas coordenadas 41° 9'18.82"N
7°46'22.32"W. O Sítio Alvão/Marão, delimitado a este pelo Rio Corgo, está inserido na
Rede Natura 2000.
2.3.
Morfometria e relevo
Segundo Sampaio (1995), o coeficiente de escoamento de 370,2 da bacia de
drenagem do Rio Corgo traduz um relevo acentuado, devido à dualidade montanha/vale
(Rodrigues et al., 2006). De facto, com um declive médio de 4,11%, a sua altura
máxima é de 1315m e a sua altura média é de 600m, e portanto o leito do rio
11
desenvolve-se num vale encaixado, tendo um escoamento específico anual médio de
768 mm (INAG, 2001).
A bacia tem um forma alongada, com uma orientação NNE-SSW partindo das
linhas de cumeada da Serra da Padrela (Norte), Serra da Falperra e Serra da Prata
(Nordeste), Serra de S. Domingos (Sudoeste) e Serra do Alvão (Noroeste) (Sampaio,
1995) e segue paralelamente à falha tectónica de Verín-Régua (Botelho, 1999). Esta
falha tectónica provocou uma depressão devido à existência de um fosso tectónico e o
abatimento de diversos blocos (grabens) (Rodrigues et al., 2006; Oliveira, 2010).
2.4.
Clima
Segundo Botelho (1999), o sistema orográfico constituído pelas Serras do
Marão, Alvão, Gerês e Cabreira, forma uma barreira de 1200 a 1500 metros de altitude
que impede a influência do clima atlântico na zona interior onde a bacia do Rio Corgo
se insere. Assim, são propiciadas condições para as diferenças entre a região oriental e
litoral, nomeadamente na flora constituinte de cada uma.
Segundo Sampaio (1995), a bacia do Corgo abarca três áreas com diferentes
características climatológicas. O sector superior da bacia assume o clima de Terra Fria
de Montanha Sub-Atlântica, contrariamente ao sector inferior, com clima de Terra
Quente Sub-Atlântica, sem esquecer ainda o sector intermédio, de clima de Terra de
Transição Sub-Atlântica.
De modo geral, existem nesta região dois períodos distintos, sendo que de
Outubro a Maio são predominantes características de clima chuvoso e frio, e de Julho a
Agosto predomina o clima quente e seco. Os meses de Junho e Setembro são variáveis,
inserindo-se no clima chuvoso e quente (Alencoão et al., 2000). Segundo os mesmos
autores, o regime fluvial segue o padrão de precipitação, com a presença de dois
períodos hidrológicos distintos anuais, um de abundância nos meses de Inverno e outro
de escassez nos meses de Verão.
2.5.
Caracterização ecológica
As vertentes do vale do Corgo apresentam predominância florestal, onde se
encontram mais vincadamente o pinheiro-bravo (Pinus pinaster) e o eucalipto
(Eucalyptus globulus), apesar da existência de matos e afloramento rochosos (Rodrigues
et al., 2006). Segundo Sampaio (1995), nas orlas ribeirinhas existem também espécies
12
que se destacam, como o castanheiro (Castanea sativa), o amieiro (Alnus glutinosa), o
salgueiro (Salix atrocinerea), o choupo (Populus ssp.), o carvalho roble (Quercus
robur), a roseira (Rosa sp.) e o trevo de quatro folhas (Marsilea quadrifolia) (Ribeiro,
2000).
2.6.
Geologia e solos
A área de estudo está inserida no Maciço Hespérico, mais propriamente nos
terrenos autóctones da unidade geotectónica da Zona Ibérica Central (Oliveira, 2010).
O vale do Rio Corgo é granítico de fisionomia regular com afloramentos de
grandes penedos ou conjuntos de pequenos blocos (Botelho, 1999). Estes granitos
pertencem ao arco magmático de Monção-Vila Real-Torre de Moncorvo (Oliveira,
2010).
Na parte Sul da bacia ocorrem formações datadas do período Câmbrico e
Ordovícico, enquanto na parte Norte são mais comuns as rochas graníticas Hercínicas,
interrompidas casualmente por algumas formações Ordovícicas. Na zona norte e oeste
da bacia existe granito póstectónico em intrusões nos granitos sintectónicos (como se
poderá ver na figura 3), rico em biotite.
As rochas cristalinas estão cobertas por depósitos sedimentares do período
Cenozóico, que são maioritariamente constituídos por argila, silte e areia com algum
quartzo, quartzite, granito, xisto e corneana. Estima-se que a altura destes sedimentos na
zona de Vila Real seja de 50m, consistindo maioritariamente em terraços aluviais, onde
a argila e a areia intercalam com níveis conglomerados (Oliveira, 2010).
O leito da linha de água tem fundo rochoso, e evidencia a presença de marmitas
de gigante (Rodrigues et al., 2006).
Figura 3: Perfil longitudinal do Rio Corgo com implantação da geologia (Alencoão et al., 2006).
13
Relativamente ao tipo de solos da Bacia do Corgo, como podemos verificar na
figura 4, o tipo mais predominante é o de Cambissolo, que normalmente representa solo
formado a partir de material sujeito a transporte reduzido. Os Fluvissolos ocorrem
principalmente no vale agrícola de Telões, enquanto os Litossolos ocorrem na zona
central-sul da Bacia, sendo formados ou modificados durante atividades antropogénicas
de longa duração, e estando associados a formações graníticas ou xistosas, como é o
caso da Formação da Desejosa, já na foz do rio.
Figura 4: Tipo de solos da bacia do Corgo (Atlas do Ambiente (Agência Portuguesa do Ambiente,
2012a)).
2.7.
Ocupação do solo
Existem vários tipos de cultura ao longo do vale do Rio Corgo, sendo que se
destacam maioritariamente os maiores aglomerados populacionais nas margens, bem
como a produção agrícola, e a cultura silvo-pastoril que serve de suporte à produção
bovina (Botelho, 1999).
Através da figura 5 e tabela 1, podemos verificar que no ano 2000, os terrenos
incultos e os terrenos agrícolas ocupavam de forma muito similar a maior parte da bacia
do Rio Corgo. De notar também a ocupação do solo com vinha na parte sul da bacia, e o
núcleo urbano bem evidenciado na zona central da mesma.
14
Figura 5: Ocupação do solo na Bacia do Corgo, no ano de 2000, através de Corine Land Cover 2006
(Caetano et al., 2009).
Tabela 1: Ocupação na Bacia do Corgo, no ano 2000, de acordo com a figura 7.
Classes de
ocupação
Nº Parcelas
Soma das áreas (m2)
Soma das áreas (ha)
Ocupação
(%)
Agrícola
134
116653533,53
11665,4
24,8
Águas interiores
1
337378,08
33,7
0,1
Folhosas
10
6478535,47
647,9
1,4
Improdutivos
16
41333564,47
4133,4
8,8
Incultos
108
123411837,71
12341,2
26,3
Mistos
42
47819606,77
4782,0
10,2
Olival
3
1708868,65
170,9
0,4
Pastagem
9
4066854,22
406,7
0,9
Pomar
1
523616,62
52,4
0,1
Resinosas
48
47277033,40
4727,7
10,1
Urbano
17
9715124,40
971,5
2,1
Vinha
21
70219605,81
7022,0
15,0
TOTAL
410
469545559,14
46954,6
100,0
15
3.
MATERIAL E MÉTODOS
3.1.
Seleção dos locais de amostragem
Os locais de amostragem foram selecionados de modo a serem representativos
do troço do rio onde se inserem, para serem abarcados todos os microhabitats existentes,
em proporção igual à realidade do ecossistema. Foram escolhidos, no entanto, um maior
número de locais de amostragem na zona onde incide prioritariamente o Projeto Seiva
Corgo (Parque Corgo), de modo a serem obtidos dados com maior relevância para o
estudo desses efeitos. Foram também requeridos pontos a montante e a jusante do meio
urbano envolvente deste Parque, de modo a ser possível analisar esta zona no contexto
da evolução longitudinal ao longo do rio.
Assim, e de acordo com as figuras seguintes, temos os locais RH1 e RH2 na
zona de Flores, RH3 até RH8 no Parque Corgo (tabela 2 e figura 6), RH9 em Relvas,
RH10 em Ermida, RH11 em Alvações do Corgo e RH12 na Régua (tabela 2 e figura 7).
Tabela 2: Código dos locais de amostragem e respetivas coordenadas.
Código do
Local
Nome do Local
Coordenadas
RH1
Flores
41°19'4.80"N
7°43'21.57"W
RH2
Açude das Flores
41°18'53.60"N
7°43'35.54"W
RH3
Timpeira (Parque Corgo)
41°18'41.71"N
7°43'41.55"W
RH4
Moinhos (Parque Corgo)
41°18'31.06"N
7°43'41.36"W
RH5
Piscinas 1 (Parque Corgo)
41°18'17.78"N
7°43'51.39"W
RH6
Piscinas 2 (Parque Corgo)
41°18'21.03"N
7°44'5.64"W
RH7
Teatro (Parque Corgo)
41°18'8.56"N
7°44'5.99"W
RH8
Ponte Romana (Parque Corgo)
41°17'53.87"N
7°44'14.65"W
RH9
Relvas
41°16'27.26"N
7°45'3.66"W
RH10
Ermida
41°13'52.63"N
7°44'51.12"W
RH11
Alvações do Corgo
41°11'28.23"N
7°45'35.41"W
RH12
Régua
41° 9'33.09"N
7°46'13.34"W
16
Figura 6: Mapa da localização dos pontos RH1 até RH8 (Google Earth).
Figura 7: Mapa da localização dos pontos RH9 até RH12 (Google Earth).
17
3.2.
Caracterização físico química da água
No caso dos parâmetros físico químicos, foram medidos in situ, através da
utilização de sondas (figura 8), o pH, oxigénio dissolvido e temperatura, com o
equipamento HACH HQ40d multi, e a condutividade, com o equipamento YSI
Ecosense EC 300. Foram também recolhidas amostras de água para posterior análise em
laboratório de CBO5 (realizada através do método Oxitop), sólidos suspensos totais
(mg/L) (através de gravimetria), dureza total (mg/L) (através de cálculo combinado de
Ca e Mg), fluoretos (mg/L) (através de electrometria), cloretos (mg/L) (através de
titulimetria), nitratos e nitritos (mg/L) (através de espectrofotometria de absorção
molecular), fosfatos (mg/L) (através de espectrofotometria UV-visível), sulfatos (mg/L)
(através de gravimetria), magnésio (mg/L), cálcio (mg/L), sódio (mg/L) e potássio
(mg/L) (através de espectrofotometria atómica de emissão).
Todas estas análises foram realizadas apenas para os pontos RH1, RH4, RH8,
RH9, RH10, RH11 e RH12. Os restantes não foram efetuados devido à proximidade
com RH1, RH4 e RH8, não havendo fontes de perturbação que justificassem a sua
análise.
Figura 8: Medição de parâmetros físico-químicos in situ.
18
3.3.
Caracterização hidromorfológica
O RHS (River Habitat Survey) é uma metodologia, desenvolvida e testada pela
Environmental Agency (Reino Unido), que permite avaliar hidromorfologicamente a
qualidade e estado de conservação dos habitats fluviais, sendo esta classificação
efetuada segundo dois índices: o HMS (Habitat Modification Score), que qualifica a
artificialização a que o canal foi sujeito, estimando o grau de impacte das estruturas nos
habitats, e o HQA (Habitat Quality Assessment), que estima, genericamente, a
diversidade e riqueza de todo o sistema fluvial, e no qual as pontuações dos seus 9 subíndices são baseadas na relevância de determinadas características dos habitats para as
comunidades biológicas (INAG, 2009a). Os dois índices foram calculados através do
software RAPID 2.1 (CEH, 2012).
Relativamente ao RHS, e de acordo com a metodologia utilizada por Raven et
al. (2009b) e INAG (2009a), foi realizado um “varrimento” ao longo de 500 metros do
comprimento do rio (“sweep-up”), nos quais foram observadas características e
modificações do canal, e também em 10 transeptos em cada ponto/ troço (“spotchecks”) igualmente espaçados ao longo dos referidos 500 m. Foi também realizada a
observação e registo de outras características como a forma do vale ou espécies
exóticas, por exemplo.
Relativamente ao índice HMS, as pontuações foram modificadas para classes
(Habitat Modification Class – HMC), de acordo com Raven et al. (2009a), como
demonstrado na tabela 3:
Tabela 3: Modificação de Habitat Modification Score para Habitat Modification Class, segundo (Raven et
al., 2009a) .
HMC
Descrição HMS
Pontuação HMS
1
Pristina/semi-natural
0-16
2
Predominantemente não modificado
17-199
3
Claramente modificado
200-499
4
5
Modificação significativa
Modificação severa
500-1399
1400+
Para analisar o estado relativo de perturbação do meio físico, foi utilizado o
QBR (Qualitat del Bosc de Ribera), que avalia a qualidade dos ecótonos ripários,
quantificando as alterações de natureza antropogénica incidentes sobre os troços da
linha de água e sobre os habitats (Munné et al., 2003). De acordo com a metodologia
19
referida pelos autores, foi realizado ao longo de 50 metros, representativos do ponto de
amostragem, sendo registada a existência de vegetação ripária, o tipo de comunidades
ripícolas existentes, o tipo de margens e modificações nelas existentes, no próprio leito
do rio, ou nos terrenos adjacentes ao curso de água.
O QBR é classificado com pontuação de ≤25 (que representa degradação
extrema, má qualidade) a ≥95 (que representa habitat ripário em condições naturais). No
entanto, são posteriormente estabelecidas 5 classes, de 1 a 5, em que a classificação de 1
é considerada Excelente e a classificação de 5 é considerada Má.
Para a caracterização do habitat disponível, foram realizados, em transeptos do
canal (2 em cada ponto), observações e registos de velocidades de corrente,
profundidade, tipo de substrato e cobertura, a cada metro da largura total do rio no
transepto em questão (figura 9).
Figura 9: Registo de velocidade de corrente, profundidade, tipo de substrato e cobertura, em cada
transepto.
3.4.
Caracterização biológica
3.4.1.
Ictiofauna
A amostragem e análise de fauna piscícola baseou-se no protocolo para a
avaliação biológica da qualidade da água em sistemas fluviais segundo a DiretivaQuadro da Água (INAG, 2008a).
20
Relativamente à recolha de dados sobre a fauna piscícola, foi realizada na época
de Abril a Julho, depois da época de migrações e desova, e de modo a não ser realizada
em época de redução estival dos caudais nem após o seu forte aumento devido à
pluviosidade.
Para o efeito, foi utilizado equipamento de pesca elétrica que desencadeia uma
corrente contínua (método que gera um campo elétrico, e que devido a uma reação
denominada de galvanotaxia, desencadeia movimentos natatórios involuntários do peixe
em direção ao ânodo, onde é recolhido (Cortes, 1995)), nomeadamente Electracatch
International SAREL modelo WFC7-HV com gerador de corrente contínua de operação
em margem, em troços representativos do curso de água, e pontualmente nos habitats
em proporção representativa. Esta foi medida previamente, bem como a condutividade
da água, de modo a adequar a voltagem e amperagem utilizadas.
A representatividade dos troços foi um fator muito importante, na medida em
que requereu a amostragem de jusante para montante, ocupando toda a largura do troço
e cobrindo igual proporção dos microhabitats existentes, considerando vários troços do
rio em estudo. Assim, foi seguido o método de igual esforço, de modo a serem passíveis
de serem utilizadas as curvas de uso tipo 3 (Martínez Capel, 2011).
Após a colheita dos peixes, procedeu-se à identificação e medição dos
exemplares, bem como à identificação e registo do tipo de habitat (substrato, cobertura,
velocidade e profundidade) onde os mesmos foram capturados, para posterior análise do
uso do habitat disponível.
3.4.2.
Macroinvertebrados bentónicos
O protocolo de amostragem e análise de macroinvertebrados bentónicos,
utilizado neste trabalho, foi o proposto no manual para a avaliação biológica da
qualidade da água em sistemas fluviais segundo a Diretiva-Quadro da Água (INAG,
2008b).
Desta forma, as recolhas de macroinvertebrados bentónicos foram realizadas
durante a Primavera e Verão, tendo em atenção que não deveriam ser efetuadas sob a
influência de enxurradas. Foram realizados 6 arrastos de 1 m com uma rede de mão de
arrasto de armação metálica com 25 cm de largura e malha de 0,5 mm, em troços
representativos do tipo de curso de água em questão, sendo a amostragem iniciada numa
21
unidade de erosão, e até uma distância de 25m para montante e para jusante, incluindo
todos os tipos de habitats presentes (figura 10).
Figura 10: Recolha de macroinvertebrados bentónicos.
Na fase seguinte, procedeu-se à lavagem, triagem in vivo e posterior preservação
em frascos com álcool a 70% devidamente identificados. De seguida, procedeu-se à
identificação (até à Família, com exceção dos indivíduos pertencentes às Classes
Oligochaeta e Aracnidae (Hydracarina) dos organismos recolhidos, com o auxílio de
uma lupa binocular Nikon SMZ800 e chaves dicotómicas adequadas. Além de
identificados, os indivíduos foram também contabilizados para posterior cálculo de
índices (figuras 11 e 12).
22
Figura 11: Identificação com lupa binocular de macroinvertebrados bentónicos amostrados.
Figura 12: Fotografia captada com lupa binocular Nikon SMZ 1500 com lente Nikon HR Plan Apo WD
54 e câmara Nikon Digital Sight DS-5M de um plecóptero (Perla sp.)
3.4.2.1. Índice IBMWP
O índice IBMWP (Iberian Biological Monitoring Working Party) (transposto
para a realidade ibérica por (Alba-Tercedor e Sánchez-Ortega, 1988)) consiste num
conjunto de famílias de macroinvertebrados que, em caso de presença no local de
23
amostragem, são pontuados de 1 a 10 dependendo da sua tolerância à poluição, sendo
que quanto maior a intolerância da família à poluição, maior é a sua pontuação
(Armitage et al., 1983). O somatório das pontuações define a classe de qualidade para o
local em questão, segundo a tabela que se segue:
Tabela 4: Classes de qualidade definidas pelo IBMWP (adaptado de (Bochechas et al., 2007)).
IBMWP
Classe
Qualidade da água
<15
V
Água fortemente contaminada
16-35
IV
Água contaminada
36-60
III
Água moderadamente contaminada
61-100
II
Água ligeiramente contaminada
> 100
I
Água limpa ou não contaminada
Depois de totalizadas as pontuações, o resultado final é dividido pelo número de
famílias existentes para encontrar o valor de IASPT (Iberian Average Score per Taxon)
(Bredenhand e Samways, 2009; Hassall et al., 2010).Um valor alto de IASPT
caracteriza locais com elevada abundância de taxa intolerantes à poluição (Armitage et
al., 1983; Bochechas et al., 2007). Este valor será utilizado no cálculo do índice IPtIN.
3.4.2.2. Índice IPtIN
O Índice Português de Invertebrados do Norte (IPtIN) foi utilizado segundo o
manual “Critérios para a classificação do Estado das massas de água superficiais – rios e
albufeiras”, para o caso de Rios do Norte de Média/Grande Dimensão (INAG, 2009a).
Este índice traduz o desvio da massa de água analisada, relativamente a uma do mesmo
tipo em condições de referência. Assim, foi utilizada a seguinte fórmula de cálculo:
IPtIN = Nº Taxa x 0,25 + EPT x 0,15 + Evenness x 0,1 + (IASPT – 2) x 0,3 + Log
(Sel. ETD+1) x 0,2
Onde:
• EPT - Nº de famílias pertencentes às ordens Ephemeroptera, Plecoptera, e
Trichoptera;
• Evenness - Ou índice de Pielou ou Equitabilidade, calculado pela fórmula:
E = H/ln S (sendo H – diversidade de Shannon-Wiener, S – o número de taxa presentes
e ln – logaritmo neperiano)
24
O índice Shannon-Wiener calcula-se pela expressão H = -∑ pi ln pi
No qual: pi = ni/N i.e., o nº de indivíduos de cada táxon i (ni) dividido pelo nº total de
indivíduos (N) presentes na amostra
• IASPT - corresponde ao IBMWP dividido pelo nº de famílias incluídas no seu
cálculo;
• Log (Sel. ETD+1) - Log10 de 1 + soma das abundâncias de indivíduos pertencentes às
famílias Heptageniidae, Ephemeridae, Brachycentridae, Goeridae,Odontoceridae,
Limnephilidae, Polycentropodidae, Athericidae, Dixidae, Dolichopodidae, Empididae,
Stratiomyidae;
• Log (Sel. EPTCD) - Log10 de 1 + soma das abundâncias de indivíduos pertencentes às
famílias Chloroperlidae, Nemouridae, Leuctridae, Leptophlebiidae, Ephemerellidae,
Philopotamidae, Limnephilidae, Psychomyiidae, Sericostomatidae, Elmidae,
Dryopidae, Athericidae.
Como previsto em (INAG, 2009a), os resultados são apresentados em RQE
(Rácios de Qualidade Ecológica), sendo este a razão entre o valor do índice obtido e a
mediana dos valores do índice estabelecido para os locais de referência do mesmo tipo.
O valor de RQE é então convertido numa classificação qualitativa, que situa (no caso de
Rios do Norte de Média/Grande Dimensão) o estado “excelente” nos valores de EQR
acima de 0,88; estado “bom” acima de 0,66; estado “razoável” acima de 0,44; estado
“medíocre” acima de 0,22; e estado “mau” abaixo de 0,22 (INAG, 2009a). Estes limites
dizem respeito à tipologia Rios do Norte de Média-Grande Dimensão, onde se insere o
Rio Corgo.
3.5.
Tratamento de dados
3.5.1.
Análise do Estado Ecológico
Para a avaliação do Estado Ecológico dos locais de amostragem, procedeu-se ao
cálculo de índices apropriados para cada grupo de estudo. No caso dos
macroinvertebrados bentónicos foi utilizado o Índice Português de Invertebrados do
Norte (IPtIN). Para a classificação da qualidade ecológica do rio, apenas este será
vinculativo, uma vez que os índices desenvolvidos para a fauna piscícola não tinham na
altura da amostragem sido sujeitos ainda a intercalibração (INAG, 2009a), embora a
informação desta população seja integrada num sistema multimétrico que complementa
a informação das comunidades bentónicas.
25
Estes dados foram ainda cruzados com os relativos aos parâmetros físicoquímicos da água, caracterização hidromorfológica e caracterização do meio físico
marginal.
No caso dos parâmetros físico-químicos, foram utilizados os limiares máximos
para o “Bom Estado Ecológico” apresentados na tabela 4, respeitantes ao tipo de rios
onde se insere o Rio Corgo.
Tabela 5: Limiares máximos para os parâmetros físico-químicos gerais para o estabelecimento do Bom
Estado Ecológico em Rios. (1) - 80% das amostras se a frequência for mensal ou superior; (2) - Média
Anual; (*)- Os limites indicados poderão ser ultrapassados caso ocorram naturalmente. Adaptado de
(INAG, 2009a).
Limite para o Bom Estado
Parâmetros
Agrupamento Norte
Tipos: M, N1 ≤ 100km2, N1 ≥ 100km2, N2, N3, N4
Oxigénio Dissolvido (1)
≥ 5 mg O2/L
Taxa de Saturação em Oxigénio (1)
Entre 60% e 120%
Carência Bioquímica de Oxigénio (CBO5) (1)
≤ 6 mg O2/L
pH(1)
Entre 6 e 9 *
Azoto Amoniacal (1)
≤ 1 mg NH4/L
Nitratos (2)
≤ 25 mg NO3/L
Fósforo Total (2)
≤ 0,10 mg P/L
Para a classificação do Estado Ecológico final, tendo em conta que não foram
determinados os poluentes específicos e a totalidade dos elementos de qualidade
biológica requeridos, foram utilizados os diagramas presentes no manual do Instituto da
Água (figuras 13 e 14), que se regem pelo princípio “one out, all out” proposto na
Diretiva-Quadro da Água. Este princípio determina a classificação do Estado Ecológico
como sendo correspondente à subclassificação com menor pontuação.
26
Figura 13: Esquema do sistema de classificação no âmbito da Diretiva Quadro da Água (INAG, 2009a).
Os valores estimados para
os elementos biológicos
de
qualidade
correspondem
às
condições de referência?
As condições físicoquímicas correspondem
ao estado excelente?
Sim
Sim
As
condições
hidromorfológicas
correspondem
ao
estado excelente?
Sim
Classificado como
ESTADO EXCELENTE
Não
Não
Os valores estimados para os
elementos
biológicos
de
qualidade desviam-se apenas
ligeiramente dos valores das
condições de referência?
Sim
As
condições
físico-químicas
asseguram o funcionamento dos
ecossistemas e estão de acordo
com as normas ultimadas para os
poluentes específicos?
Não
Classificado como
BOM ESTADO
Não
Sim
Classificar na base do
desvio
biológico
das
condições de referência
Sim
O desvio é moderado?
Classificado como
ESTADO RAZOÁVEL
Maior
Sim
O desvio é elevado?
Classificado como
ESTADO MEDÍOCRE
Maior
Classificado como ESTADO MAU
Figura 14: Relação entre os diferentes elementos de qualidade, que interferem na classificação do Estado
Ecológico de acordo com as definições normativas da do anexo V, item 1.2 da DQA (adaptado de INAG
(2009a)).
27
3.5.2.
Determinação das curvas de preferência de espécies piscícolas
alvo
Para a determinação do uso preferencial do habitat pelas espécies piscícolas
alvo, foi utilizado o software STATISTICA v.10 (Statsoft, 2012). Para tal, os dados
foram convertidos em matrizes de frequências (valores posteriormente estandardizados),
utilizados para calcular as curvas de uso, escolhendo a de melhor adaptação à realidade,
de acordo com funções logarítmicas, ou polinomiais quadráticas, cúbicas, de ordem
quarta ou de quinta ordem.
As curvas de preferência utilizadas foram as de categoria 3 segundo Martínez
Capel (2011), nas quais a amostragem seguiu o método de igual esforço, ou seja,
cobrindo igual proporção dos microhabitats existentes, e considerando vários troços do
rio em estudo. Paralelamente, foram obtidos os parâmetros hidromorfológicos
(velocidade, profundidade, substrato e cobertura) no local de captura de cada espécime.
Segundo o autor, reduz-se deste modo o erro produzido pela disponibilidade do habitat
sobre a seleção do mesmo pelas espécies, sendo o mais recomendado em rios ibéricos.
Para a realização das curvas de preferência tipo 3, os parâmetros ambientais
foram registados e agrupados por códigos (no caso dos parâmetros cobertura e
substrato) ou por classes (no caso dos parâmetros velocidade e profundidade), de acordo
com as tabelas seguintes:
Tabela 6: Descrição da cobertura e código utilizado nos registos.
Código
Descrição da cobertura
1
Sem cobertura
2
Objetos com diâmetro <15 cm
3
Objetos com diâmetro> 15 cm e <30 cm
4
Objetos com diâmetro> 30cm
5
Vegetação ripícola saliente (< 1,5m - pendente sobre a superfície da água)
6
Raízes, troncos submersos, margens escavadas
7
Objetos com diâmetro <15cm e vegetação ripícola saliente
8
Objetos com diâmetro <15cm e raízes ou margens escavadas
9
Objetos com diâmetro> 15 cm e < 30cm e vegetação ripícola saliente
10
Objetos com diâmetro> 30cm e vegetação ripícola saliente
11
Vegetação aquática submersa
28
Tabela 7: Descrição do substrato e código
utilizado nos registos.
Código
Descrição do substrato
1
Materiais finos (argila e silte)> 0,062 mm
2
Areia (0,062 - 2,0 mm)
3
Seixo pequeno (0,2 - 4,0 cm)
4
Seixo grosseiro (4,0 - 7,5 cm)
5
Calhau pequeno (7,5 - 15,0 cm)
6
Calhau médio (15,0 - 22,5 cm)
7
Calhau grande (22,5 - 60,0 cm)
8
Blocos (=> 60 cm)
9
Leito rochoso
3.5.3.
Tabela 8: Classes de velocidade e profundidade
utilizadas nos registos.
Profundidade
Classes (cm)
0-10
11-20
21-30
31-40
41-50
51-60
61-70
71-80
81-90
91-100
101-110
111-120
Velocidade
Classes (m/s)
0-0,2
0,2-0,4
0,4-0,6
0,6-0,8
0,8-1,0
1,0-1,2
Análise multivariada no estudo ecológico das comunidades
A análise multivariada permite uma observação integrada das relações entre a
abundância das espécies presentes e os múltiplos fatores que as influenciam. Os
métodos de análise multivariada podem ser divididos em métodos de ordenação e
métodos de classificação (Sampaio, 1995; Silva, 2010). No primeiro caso, os
objetos/espécies são posicionados ao longo dum reduzido nº de eixos, representando
estes a conversão dum espaço multidimensional num reduzido nº de dimensões
facilmente interpretáveis. Assim, por ex. os eixos representam gradientes ambientais, ao
longo dos quais é possível caracterizar ecologicamente as espécies; paralelamente, a
distância entre objetos ou locais reflete uma proximidade relativa em termos ecológicos.
No caso da classificação, é pretendido que se formem agrupamentos naturais nas
amostras, refletindo a similaridade de amostras que estão dentro do mesmo grupo
(Sampaio, 1995). Neste trabalho utilizámos o método da ordenação.
Para a análise multivariada foi utilizado o software PRIMER & PERMANOVA
(Anderson et al., 2008) para a obtenção da Ordenação em Coordenadas Principais
(PCO), a qual se baseia na obtenção prévia duma matriz de similaridade, usando-se o
coeficiente de similaridade de Bray-Curtis após a logaritmização dos dados. O mesmo
software permitiu ainda a obtenção da Análise de Redundância (dbRDA), uma técnica
de análise canónica que permite cruzar e ajustar dois tipos de matrizes, ambientais com
biológicas, permitindo também reduzir a variação um reduzido nº de eixos. A package
STATISTICA v.10 (Statsoft, 2012) foi usada por sua vez para a obtenção das
Regressões Parciais (PLS), um processo de regressões múltiplas, mas muito mais
29
flexível, por ser independente do tipo de distribuição dos dados e que permitiu ver os
fatores físicos que mais influenciam as populações de peixes selecionadas.
3.5.4.
Medidas de requalificação para os troços degradados
Após a análise de toda a caracterização do troço urbano do rio, os dados obtidos
foram introduzidos no software STREAMES (Riera et al., 2002), com o objetivo de
identificar as pressões antropogénicas mais significativas e propor medidas de
requalificação para as zonas com habitats mais degradados ou em perigo de degradação.
O programa STREAMES é um sistema ambiental de apoio à decisão, ou seja,
uma aplicação que facilita os processos de tomada de decisões na gestão de rios,
designadamente dos processos de requalificação, através da integração de dados obtidos
de forma técnica e informação empírica. Assim, este programa pode ser utilizado para
inferir acerca do estado de qualidade de um troço de uma linha de água, relativamente a
características funcionais do mesmo, diagnosticar possíveis problemas que afetem um
determinado troço do sistema lótico, bem como a sua magnitude, sugerir potenciais
causas destes problemas, e ainda propor medidas de gestão e reabilitação para cada
problema encontrado.
30
4.
RESULTADOS
4.1.
Caracterização físico-química da água
As amostras recolhidas em Junho e Setembro de 2012 revelaram valores
similares relativos aos parâmetros físicos e químicos analisados segundo os
requerimentos da Diretiva-Quadro da Água.
Como podemos verificar nas tabelas 9 e 10, os valores, na sua maioria,
encontram-se dentro dos limites para o Bom Estado, referidos anteriormente.
Tabela 9: Parâmetros físico-químicos obtidos a partir das amostras recolhidas em Junho de 2012.
Local de
amostragem
RH1
O2 Dissolvido (mg/l)
8.29
1ª Amostragem
% O2
BOD PH NH4
Saturação
90.7
2
6.69 0.12
Fósforo Total (Exp.
P)
<0.05 (L.Q)
<10 (L.Q.)
Nitratos
RH4
8.75
93.6
3
6.46 0.04
<0.05 (L.Q)
<10 (L.Q.)
RH8
8.66
93
0
6.06 0.03
<0.05 (L.Q)
<10 (L.Q.)
RH9
8.53
93.5
0
7.13 0.06
<0.05 (L.Q)
28
RH10
9.02
99
1
7.3
0.55
<0.05 (L.Q)
<10 (L.Q.)
RH11
9.14
103.4
1
7.84 0.08
<0.05 (L.Q)
<10 (L.Q.)
RH12
8.95
98.2
1
7.43 0.11
<0.05 (L.Q)
<10 (L.Q.)
Tabela 10: Parâmetros físico-químicos obtidos a partir das amostras recolhidas em Setembro de 2012.
2ª Amostragem
% O2
BOD PH NH4 Fósforo Total (Exp. P)
Saturação
88.2
3
6.41 0.1
0.06
Local de
amostragem
RH1
O2 Dissolvido
(mg/l)
8.03
RH4
8.28
90.8
3
6.43 0.09
0.07
<10 (L.Q.)
RH8
8.05
94
4
6.49 0.13
0.05
<10 (L.Q.)
RH9
9.6
102.9
4
7.58 0.12
0.18
<10 (L.Q.)
RH10
9.83
110.7
5
7.21 0.12
0.17
19
RH11
9.59
104.5
2
7.28 0.21
0.27
23
RH12
9.24
100.4
4
7.21 0.16
0.14
19
Nitratos
<10 (L.Q.)
Na tabela 9, relativa à primeira amostragem, apenas um valor de nitratos,
nomeadamente no ponto RH9, se encontra acima dos limites máximos. Já na tabela 10,
relativa à segunda amostragem, são visíveis problemas nos valores de fósforo, nos quais
quatro dos locais de amostragem analisados (RH9, RH10, RH11 e RH12) exibem
valores acima dos limites requeridos para o Bom Estado.
Assim, e de acordo com estes resultados, foi possível estabelecer a qualidade
físico química, para os diferentes locais (admitindo-se que os locais entre dois pontos
31
com boa qualidade físico-química, apresentam também boa qualidade) e datas de
amostragem (tabela 11).
Tabela 11: Classificação da qualidade físico-química efetuada segundo a DQA para este tipo de massas
de água, nos diferentes locais e nos dois períodos de amostragem.
Local
Qualidade físico-química
1ª Amostragem
2ª Amostragem
RH1
Bom
Bom
RH2
Bom
Bom
RH3
Bom
Bom
RH4
Bom
Bom
RH5
Bom
Bom
RH6
Bom
Bom
RH7
Bom
Bom
RH8
Bom
Bom
RH9
Mau
Mau
RH10
Bom
Mau
RH11
Bom
Mau
RH12
Bom
Mau
4.2.
Caracterização hidromorfológica
Os resultados dos índices HQA, HMS e QBR estão apresentados na tabela 12.
Segundo a Diretiva-Quadro da Água, para o HQA, o limite inferior para a classe
Excelente (cor azul) é a pontuação 46, para os Rios do Norte de Média-Grande
Dimensão, grupo onde se insere o Rio Corgo. Abaixo dessa pontuação a classificação é
de Bom ou inferior (cor verde). Com 0 (zero) registos nulos ou não visíveis, o nível de
confiança é elevado (INAG, 2009a).
32
Tabela 12: Classificação da qualidade hidromorfológica, nos diferentes locais de amostragem, tendo em
consideração três índices (sendo dois derivados do RHS).
Local
HQA (RHS)
HMC (RHS)
QBR
RH1
52
5
3
RH2
65
5
3
RH3
52
4
1
RH4
50
4
2
RH5
61
5
3
RH6
47
5
1
RH7
41
5
1
RH8
45
5
1
RH9
65
2
2
RH10
58
4
2
RH11
57
4
3
RH12
51
4
1
4.3.
Caracterização biológica (Índice IPtIN)
Relativamente ao índice IPtIN, os resultados obtidos (tabela 13) nos diferentes
pontos e datas de amostragem são bastante diferentes, sendo que apenas os pontos RH6,
RH10 e RH11 mantiveram a sua classificação nas duas recolhas efetuadas. Para a
segunda amostragem, relativamente à primeira, o ponto RH1, RH3 e RH9 melhoraram a
sua classificação de qualidade. O maior decréscimo de qualidade foi verificado no ponto
RH8.
33
Tabela 13: Classificação da qualidade biológica segundo o índice IPtIN, nos diferentes locais de
amostragem, tendo em conta o tipo de massas de água.
Local
IPtIN (Invertebrados)
1ª Amostragem
2ª Amostragem
RH1
Bom
Excelente
RH2
Bom
Razoável
RH3
Bom
Excelente
RH4
Bom
Razoável
RH5
Bom
Razoável
RH6
Razoável
Razoável
RH7
Excelente
Bom
RH8
Excelente
Razoável
RH9
Medíocre
Bom
RH10
Bom
Bom
RH11
Razoável
Razoável
RH12
Razoável
Medíocre
4.4.
Caracterização do estado ecológico do rio Corgo
Após a conjugação dos resultados anteriormente descritos e da aplicação do
princípio “one out, all out”, como descrito e requerido pela Diretiva-Quadro da Água,
foi possível então determinar o Estado Ecológico final (tendo em conta que não foram
determinados os poluentes específicos e a totalidade dos elementos de qualidade
biológica requeridos), em cada um dos pontos de amostragem do Rio Corgo. Estes
resultados estão apresentados na tabela 14.
34
Tabela 14: Estado Ecológico em cada ponto de amostragem do Rio Corgo, através da integração das
tabelas antecedentes.
Local
RH1
RH2
RH3
RH4
RH5
RH6
RH7
RH8
RH9
RH10
RH11
RH12
Estado Ecológico
Bom
Bom
Bom
Bom
Bom
Bom
Bom
Bom
Razoável
Razoável
Razoável
Razoável
Como podemos verificar, em todos os pontos de amostragem da zona mais a
montante e da zona inclusa no centro urbano, foi constatado o Estado Ecológico “Bom”,
enquanto nos pontos de amostragem localizados a jusante da cidade, o Estado Ecológico
encontrado foi “Razoável” devendo-se fundamentalmente à diminuição da qualidade
química e físico-química da água.
4.5.
Uso do habitat das espécies piscícolas alvo
Os resultados obtidos, por espécie-alvo e parâmetro, estão apresentados nas
figuras seguintes, que representam os dados em curvas polinomiais quadráticas.
35
A
B
Figura 15: Curvas de preferência tipo 3 para o barbo (Luciobarbus bocagei). No gráfico A está
representada a curva polinomial de 2º grau relativa ao parâmetro Cobertura, e no gráfico B está
representada a curva polinomial de 2º grau relativa ao parâmetro Substrato. Os intervalos de confiança
(representados pelas linhas a tracejado) referem-se a um P de 0,95. O quadro inferior de cada gráfico
apresenta a significância, em termos comparativos, para uma regressão linear.
Como podemos verificar na figura 15A, o barbo dá preferência a habitats onde
existam coberturas do tipo 4, ou seja, objetos com diâmetro superior a 30 cm, embora a
cobertura do tipo 5 (Vegetação ripícola saliente (< 1,5m - pendente sobre a superfície da
água)) também tenha um valor notório de preferência.
No caso do substrato, na figura 15B, destaca-se o tipo 9, leito rochoso, e também
o tipo 6, calhau médio (15,0 - 22,5 cm). Podemos inferir que o barbo demonstra assim
preferência por granulometrias superiores de substrato, em detrimento de zonas com
maior sedimentação.
36
C
D
Figura 16: Curvas de preferência tipo 3 para o barbo (Luciobarbus bocagei). No gráfico C está
representada a curva polinomial de 2º grau relativa ao parâmetro Profundidade, e no gráfico D está
representada a curva polinomial de 2º grau relativa ao parâmetro Velocidade. Os intervalos de confiança
(representados pelas linhas a tracejado) referem-se a um P de 0,95. O quadro inferior de cada gráfico
apresenta a significância, em termos comparativos, para uma regressão linear.
No que toca à profundidade, como podemos verificar na figura 16A, o barbo
demonstra duas preferências mais acentuadas, entre os 21 e os 30 cm, e entre os 41 e 50
cm, decrescendo a sua abundância com profundidades superiores 60 cm. No parâmetro
velocidade, demonstrado na figura 16B, é notória a preferência por velocidades mais
baixas, nomeadamente entre os 0 e os 0,2 m/s, valor a partir do qual a espécie decresce
em abundância.
37
E
F
Figura 17: Curvas de preferência tipo 3 para a boga (Pseudochondrostoma duriense). No gráfico E está
representada a curva polinomial de 2º grau relativa ao parâmetro Cobertura, e no gráfico F está
representada a curva polinomial de 2º grau relativa ao parâmetro Substrato. Os intervalos de confiança
(representados pelas linhas a tracejado) referem-se a um P de 0,95. O quadro inferior de cada gráfico
apresenta a significância, em termos comparativos, para uma regressão linear.
No caso da boga, existe uma preferência notória por coberturas do tipo 4, visível
na figura 17A (objetos com diâmetro superior a 30 cm), como no caso do barbo, embora
nos restantes tipos de cobertura a abundância relacionada seja bastante similar. Já
no
parâmetro substrato, figura 17B, é apresentada uma preferência maioritária pelo tipo 9
38
(leito rochoso), mas também pelo tipo 2 (areia:0,062 - 2,0 mm), ou seja, por
granulometrias bastante díspares.
G
H
Figura 18: Curvas de preferência tipo 3 para a boga (Pseudochondrostoma duriense). No gráfico G está
representada a curva polinomial de 2º grau relativa ao parâmetro Profundidade, e no gráfico H está
representada a curva polinomial de 2º grau relativa ao parâmetro Velocidade. Os intervalos de confiança
(representados pelas linhas a tracejado) referem-se a um P de 0,95. O quadro inferior de cada gráfico
apresenta a significância, em termos comparativos, para uma regressão linear.
Relativamente à profundidade, na figura 18A, a boga demonstra preferência por
habitats com 41 a 50 cm, embora a abundância relacionada com profundidades entre os
11 e os 60 cm seja bastante similar, e distinta dos valores relativos às restantes classes
de profundidade.
39
No caso da velocidade, como é visível na figura 18B, é notória a preferência por
baixas velocidades, nomeadamente entre os 0 e os 0,1 m/s, decrescendo
progressivamente à medida que aumenta a classe de velocidade analisada.
4.6.
As
Análise da distribuição espacial das comunidades biológicas
análises
de
Coordenadas
Principais
(PCO)
realizadas
para
os
macroinvertebrados (figura 19), demonstram que salvo o caso das famílias Atyidae,
Physidae, e Platycnemididae, não é notória uma separação relevante entre as famílias,
de acordo com os locais de amostragem.
Já as análises realizadas para a ictiofauna, representadas pela figura 20, apontam
para uma aparente preferência de espécies exóticas nos trechos mais a jusante, como o
RH11 e RH12. Exemplos deste facto são as espécies perca (Lepomis globosus) e
lúcioperca (Sander lucioperca), na ictiofauna.
Porém, a espécie piscícola góbio (Gobio gobio), contraria este aspeto, revelando
maior tendência para os pontos mais a montante, como o RH1 e RH2.
De um modo geral, para a ictiofauna, salvo o caso da truta, como nativa, e da
lúcioperca e perca, como exóticas, as espécies nativas e exóticas não evidenciam uma
separação nos pontos de amostragem do rio, utilizando portanto, o mesmo tipo de
habitats.
De referir ainda, que no caso dos macroinvertebrados os dois primeiros eixos da
ordenação explicam 49,7% da distribuição espacial das famílias, enquanto no caso das
espécies de ictiofauna, esta percentagem é de 68,2%, querendo isto dizer que esta
comunidade é melhor explicada por esta técnica.
40
Figura 19: Análise de Coordenadas Principais (PCO) para a comunidade de macroinvertebrados
bentónicos, tendo sido utilizados os dois primeiros eixos da ordenação, e uma transformação dos dados do
tipo Log (X+1) com o coeficiente de similaridade Bray Curtis. Em cada eixo está representada a % de
absorvância da variância.
Como podemos verificar, existe um agrupamento entre os pontos mais a jusante,
nomeadamente RH11 e RH12. Relacionadas com estes pontos estão as famílias
Baetidae, Atyidae, Platycnemididae e Physidae. A primeira tem uma distribuição muito
ampla, mas as restantes três famílias de crustáceos, odonatas e gastrópodes,
respetivamente, são típicos de troços de jusante, com menores velocidades de corrente.
41
Figura 20: Análise de Coordenadas Principais (PCO) para a comunidade de ictiofauna, tendo sido
utilizados os dois primeiros eixos da ordenação, e uma transformação do tipo raíz quadrada, com o
coeficiente de similaridade Bray Curtis. Em cada eixo está representada a % de absorvância da variância.
No caso da ictiofauna, fica demonstrada uma preferência da truta por locais mais
a montante, com maiores velocidades de corrente, ao invés do caso da lúcioperca e da
perca, que evidenciam preferência por troços mais a jusante como o RH11 e RH12, com
menores velocidades de corrente.
4.7.
Relação entre os parâmetros populacionais e os descritores
ambientais
Na análise da relação entre os parâmetros biológicos e ambientais, podemos
notar de imediato, através das figuras 21 e 22, que, no caso dos macroinvertebrados, a
influência dos descritores ambientais nos dois primeiros eixos de ordenação é de 50,7%,
ao passo que no caso da ictiofauna esta influência é superior traduzindo-se em 68,4%, o
que indica que as mesmas variáveis ambientais têm um maior grau de predição destas
populações quando comparadas com as bentónicas.
Além disso, e segundo a figura 21, podemos inferir que o fator que mais afeta a
composição populacional de macroinvertebrados é o BFEA_Score, ou seja, a subpontuação de HQA relativa às características das margens, como o estado de erosão ou
estabilização dos taludes, a presença de bermas naturais, e a presença ou ausência de
vegetação.
42
No caso da ictiofauna, como podemos verificar através da figura 22, os fatores
mais importantes a considerar são as pontuações totais de HQA e QBR, ou seja a
qualidade do habitat e a qualidade das galerias ribeirinhas.
Podemos também inferir que os parâmetros relativos à qualidade da água não
demonstraram
importância
relevante
na
composição
populacional
quer
dos
macroinvertebrados, quer da ictiofauna.
Figura 21: Análise de Redundância (dbRDA) para a comunidade de macroinvertebrados bentónicos
relativamente aos fatores ambientais. Foram utilizados os dois primeiros eixos da ordenação, e uma
transformação dos dados por Log (X+1), com o coeficiente de similaridade Bray Curtis. Em cada eixo
está representada a % de absorvância da variância.
43
Figura 22: Análise de Redundância (dbRDA) para a comunidade de ictiofauna relativamente aos fatores
ambientais. Foram utilizados os dois primeiros eixos da ordenação, e uma transformação dos dados por
raíz quadrada, com o coeficiente de similaridade Bray Curtis. Em cada eixo está representada a % de
absorvância da variância.
No que toca às análises de Regressões Parciais (PLS), foram obtidas diferenças
significativas para as duas espécies-alvo. De facto, no caso do barbo, como podemos
verificar na tabela 15, a componente com maior influência na sua abundância é a
velocidade. Já no caso da boga, visível na tabela 16, a sua abundância está relacionada
com a velocidade, profundidade e cobertura de forma similar, em detrimento do
parâmetro substrato. Estes resultados são também comprovados através da análise
gráfica de superfícies em 3D realizada, e exposta nas figuras 23 a 26.
Tabela 15: Análise de Regressões Parciais (PLS) para a espécie barbo (Luciobarbus bocagei), de acordo
com os dois primeiros eixos da ordenação. É representada em cada componente (eixo), o valor da
influência de cada parâmetro na abundância da espécie.
Profundidade
Velocidade
Substrato
Cobertura
Comp 1
-0,333725
0,660064
0,401059
-0,544656
Comp 2
0,399895
0,359678
-0,804712
-0,277474
44
Figura 23: Análise de superfície em 3D, para a averiguar a correspondência entre a abundância do barbo
com os parâmetros de velocidade e profundidade dos habitats. A profundidade está representada em cm, a
velocidade em m/s e a abundância em número de espécimes.
Figura 24: Análise de superfície em 3D para averiguar a correspondência entre o barbo e com os
parâmetros de substrato e cobertura dos habitats. A abundância está representada em número de
espécimes.
45
Tabela 16: Análise de Regressões Parciais (PLS) para a espécie boga (Pseudochondrostoma duriense), de
acordo com os dois primeiros eixos da ordenação (Componentes). É representada em cada componente o
valor da influência de cada parâmetro na abundância da espécie.
Profundidade
Velocidade
Substrato
Cobertura
Comp 1
-0,582251
-0,603824
-0,593977
-0,165314
Comp 2
-0,386740
0,053260
0,928202
-0,344968
Figura 25: Análise de superfície em 3D, para averiguar a correspondência entre a boga e os parâmetros de
velocidade e profundidade dos habitats. A profundidade está representada em cm, a velocidade em m/s e
a abundância em número de espécimes.
46
Figura 26: Análise de superfície em 3D para averiguar a correspondência entre a boga e parâmetros de
substrato e cobertura dos habitats. A abundância está representada em número de espécimes.
4.8.
Medidas de requalificação para os troços degradados
Após a análise dos dados, procedeu-se ao diagnóstico do Rio Corgo, com o
objetivo de propor medidas de requalificação e reabilitação deste ecossistema.
Numa primeira fase, é proposta uma limpeza geral das margens e linha de água,
de modo a serem retirados detritos acumulados ao longo de toda a linha de água, mas
em maior quantidade no troço urbano da mesma. Estes detritos são constituídos não só
por sacos de lixo deliberadamente deixados nas margens ou mesmo no leito do rio, mas
também por estruturas metálicas e de betão deixadas após a construção de algumas
edificações, como por exemplo a urbanização sita na margem direita do rio, no ponto
RH3.
De notar que, para uma melhor qualidade da água, a situação ideal seria também
controlar os efluentes de coletores urbanos que desaguam no rio, ao longo de toda a sua
extensão e maioritariamente no troço urbano.
Numa segunda fase, são propostas algumas medidas, em concordância com o
programa STREAMES, e numa perspetiva de custo/benefício, transpostas na tabela 17.
47
Tabela 17: Diagnóstico ambiental e medidas de requalificação propostas para cada ponto de amostragem.
Ponto de Amostragem
Diagnóstico
Medida proposta
RH1
Eutrofização na zona anterior ao açude.
Eliminação do açude (ideal) ou construção de
passagens para peixes.
RH2
Eutrofização na zona anterior ao açude.
Eliminação do açude (ideal) ou construção de
passagens para peixes.
RH3
Erosão da margem esquerda.
Correção da inclinação do talude (1:1),
utilização de técnicas de engenharia natural para
consolidar a margem e posterior revegetação
com espécies autóctones (freixo, amieiros).
RH4
Eutrofização na zona anterior ao açude.
Eliminação do açude (ideal) ou construção de
passagens para peixes.
RH5
Eutrofização junto à margem esquerda, falha
na continuidade do fluxo do rio.
Eliminação de placa de cimento situada no leito
do rio, debaixo da ponte e reposição do
substrato natural do leito.
RH6
Eutrofização, e consequentemente degradação
da qualidade da água. Vegetação inexistente
na margem esquerda.
Eliminação do açude (ideal) ou construção de
passagens para peixes. Construção de talude
inclinado (2:1) com enrocamento e revegetação
com salgueiros após a prévia utilização de
técnicas de engenharia natural para consolidar a
margem
RH7
___________________
___________________
RH8
Eutrofização evidenciada existência de águas
paradas e turvas, e acumulação de detritos na
margem direita.
Limpeza da vegetação na zona de acumulação
de detritos.
RH9
Eutrofização evidenciada por águas paradas e
turvas, bem como valores elevados de NH4 e
NO3.
Análises e controlos mais frequentes dos
efluentes da ETAR.
RH10
Valores elevados de NH4, possivelmente
devidos à eutrofização.
Revegetação da margem esquerda. Avaliação
do funcionamento da ETAR
RH11
Valores elevados de NH4, possivelmente
devidos à eutrofização.
Revegetação da margem direita. Controle dos
efluentes da Adega Cooperativa de Sta. Marta
de Penaguião e avaliação do funcionamento da
ETAR desta povoação.
RH12
Valores elevados de NH4, possivelmente
devidos à eutrofização.
Revegetação da margem esquerda. Controle dos
efluentes da Adega Cooperativa de Sta. Marta
de Penaguião e avaliação do funcionamento da
ETAR desta povoação.
48
Numa fase posterior, propõe-se que sejam implementados programas de
educação ambiental de modo a envolver a população no trabalho realizado e promover a
sua proteção e valorização (ações entretanto já iniciadas no âmbito do Projeto Seiva
Corgo).
De igual modo, programas de educação ambiental incluindo planos de gestão de
nutrientes (para minimizar os efeitos de fertilizantes e pesticidas) direcionados para
agricultores seriam especialmente importantes nos pontos afetados por agricultura
intensiva.
De notar que os planos de ordenamento do território constituem também um
fator importante, uma vez que o ideal seria que as edificações permanecessem, tanto
quanto possível, longe das margens e leito de cheia, prevenindo assim futuras pressões
antropogénicas no leito e vegetação ripária.
49
5.
ANÁLISE DE RESULTADOS E DISCUSSÃO
5.1.
Caracterização físico-química da água
A qualidade físico-química da água, nos vários pontos de amostragem e segundo
os parâmetros requeridos pela Diretiva-Quadro da Água, ficou demonstrada como sendo
de “Bom Estado” na maioria dos pontos, excetuando alguns valores a partir do ponto
RH9. Na primeira amostragem, o parâmetro fora dos valores limite, (os nitratos)
ocorreu apenas no ponto RH9, enquanto na 2ª amostragem, os fosfatos exibiram valores
mais elevados que o desejável desde o ponto RH9 até ao ponto RH12, impondo a
classificação de “Mau Estado” físico-químico nestas duas situações.
Os valores elevados de fosfato a partir do ponto RH9 na 2ª amostragem poderão
ser explicados pela existência de uma ETAR em Relvas (Estação de Tratamento de
Água Residuais de Parada de Cunhos) (RH9), com funcionamento duvidoso, e esgotos
domésticos que por falta de saneamento básico são lançados diretamente no rio. São
também responsáveis por esta situação os efluentes de origem agrícola (como os
agrotóxicos (adubos e fertilizantes), e inseticidas usados nas lavouras), subjacentes ao
uso do solo (como em situações similares reportadas por Fernandes (2009) e Ayllón et
al. (2012)) dos pontos de amostragem a jusante, que devido a altas temperaturas e
diminuição de caudal, verificados durante o Verão, condensaram maiores valores de
fósforo por menor efeito de diluição existente no rio.
Do mesmo modo, o valor elevado de nitratos no ponto RH9 na 1ª amostragem,
sugere uma fonte de contaminação associada à ETAR situada na zona. No entanto, e
segundo Cortes et al. (2002) poderá ser falacioso relacionar os efeitos do uso do solo
junto às margens do rio com os níveis de nitratos e fosfatos na água, ao invés de
correlacionar estes níveis com o uso do solo integrado da bacia. De notar ainda que,
como refere Suren (2005), o uso do solo está intimamente relacionado com o transporte
de sedimentos para o rio, que por sua vez, influencia a abundância de taxa existente no
ecossistema.
Os valores de oxigénio dissolvido foram mais elevados a jusante do que nos
pontos a montante, contrariamente ao reportado no Rio Sabor por Silva (2010). De
facto, seria de esperar maiores valores de oxigénio dissolvido em zonas com correntes
mais fortes, o que acontece tipicamente em zonas de montante. No entanto, foram
obtidas maiores velocidades médias nas zonas a jusante. Esta situação pode dever-se à
50
existência de vários açudes que limitam a velocidade e o caudal nos pontos de
amostragem incluídos no centro urbano, ou seja, mais a montante.
O valor de pH, de modo geral, aumentou de montante para jusante. Tal facto
poderá ser devido à composição das rochas do leito ao longo do rio, uma vez que o pH
mais baixo é coincidente com formações graníticas, que no caso do Rio Corgo, se vão
tornando menos frequentes de montante para jusante. Como referido no capítulo
“Geologia e solos”, a jusante da cidade de Vila Real, a existência de granitos
sintectónicos e póstectónicos no perfil longitudinal do Rio Corgo dá lugar a formações
constituídas por rochas metamórficas (formações da Ervedosa, do Rio Pinhão, da
Desejosa e do Pinhão) nomeadamente xistos.
Assim, e de acordo com os resultados obtidos, é necessário que haja um controlo
mais frequente dos efluentes das ETAR’s existentes, assim como de poluição difusa
associada com a atividade agrícola e eventualmente efeitos erosivos, designadamente os
que resultam da perda de solo após os fogos florestais, para que o estado físico-químico
seja melhorado e em consequência, o próprio Estado Ecológico, em todos os pontos de
amostragem que ainda não atingiram a classificação de “Bom”.
5.2.
Caracterização hidromorfológica
O ponto de amostragem melhor cotado a nível de qualidade hidromorfológica foi
o RH9, com classificação de “excelente” a nível de HQA e de “bom” a nível de HMC e
QBR.
São notórios os graves problemas de modificações e perturbações de nível
antropogénico nos habitats do canal, em praticamente toda a extensão do rio. Açudes,
pontes e outras estruturas oriundas dos aglomerados populacionais e explorações
agrícolas adjacentes ao rio, fazem com que a qualidade hidromorfológica deste esteja
gravemente deteriorada. Como refere Ayllón et al. (2012), estas estruturas alteram o
fluxo da água e de sedimentos, assim com a temperatura da água, provocando ainda a
rutura da conetividade fluvial.
A apontar também alguns problemas a nível da qualidade ripária, nomeadamente
nos pontos de amostragem RH1, RH2, RH4 e RH11, onde a pontuação do índice QBR
não passou da classe “Razoável”. Mais uma vez, motivos de ordem antropogénica
poderão estar na base destes distúrbios na vegetação ribeirinha, tornando-se necessário
51
implementar medidas de gestão e conservação, de modo a proteger as galerias ripárias, e
consequentemente todo o ecossistema fluvial.
De facto, a vegetação ripária tem uma grande importância, não só no input de
energia e matéria orgânica na linha de água, como também no equilíbrio da temperatura
da água, e consequentemente na qualidade geral da água e dos habitats disponíveis no
rio, que poderão originar o declínio na população de macroinvertebrados e dos peixes
que deles se alimentam (Ayllón et al., 2012). É necessário que se delimitem,
inventariem e requalifiquem estas zonas de transição e a vegetação a elas associadas, de
modo a que seja assegurada a heterogeneidade, conetividade, biodiversidade, fluxo de
nutrientes e sedimentos que lhes estão subjacentes, essenciais à sua vertente de interface
entre os ecossistemas aquáticos e terrestres ligados ao sistema fluvial.
É também crucial que se mantenham e conservem espécies autóctones (no caso
do rio Corgo o freixo, o amieiro, o choupo e o salgueiro, por exemplo), em detrimento
de espécies invasoras, como a Acacia dealbata, por exemplo, que deterioram todo o
corredor ripário, privando-o da sua diversidade natural, que proporciona habitat a tantos
organismos aquáticos e terrestres. Estas espécies colonizam os habitats de espécies
nativas, adaptando-se rapidamente às condições ambientais, e propagando-se de tal
forma que impedem o crescimento e desenvolvimento das espécies nativas, através da
privação de espaço e nutrientes. Assim, toda a galeria ripária decresce em qualidade,
perdendo a sua biodiversidade, e prejudicando a heterogeneidade de habitat requerida
pelas espécies florísticas e faunísticas nativas do ecossistema fluvial.
Deve também ter-se em conta a estabilização dos taludes marginais, que devido
à erosão fluvial a que estão sujeitos poderão não ter condições de propagação e
desenvolvimento de vegetação ripária.
Assim, é necessário que se mantenham as condições hidromorfológicas do rio
(leito de cheia, morfologia do canal e regimes hidrológicos) ou que se restaurem em
caso de degradação até à situação de referência.
5.3.
Caracterização biológica (Índice IPtIN)
Na análise dos resultados obtidos pela aplicação do índice IPtIN, foi possível
constatar uma grande variabilidade espacial e temporal. Estas diferenças poderão ser
devidas a caraterísticas puramente climatológicas, uma vez que as amostragens foram
realizadas na Primavera e no fim do Verão, ou ainda a erros de amostragem.
52
De notar que nos troços sujeitos à contaminação orgânica e química, verificou-se
uma diminuição dos valores do índice IPtIN.
Foi registada uma grande abundância de espécimes da família Atyidae nas zonas
mais a jusante do rio, onde existiam alguns problemas a nível da galeria ripária, que
poderão ter contribuído para o declínio de populações nativas. MacNeil e Briffa (2009)
referem que os índices IBMWP/ASPT são de certo modo subjetivos, uma vez que não
discernem as pontuações das espécies nativas e invasoras. De facto, há que ter em
consideração que as espécies invasoras são, de modo geral, mais tolerantes à poluição e
a distúrbios ambientais, e portanto, conseguem adaptar-se melhor e mais rapidamente
em zonas nas quais já ocorreu um declínio da população de macroinvertebrados
bentónicos nativa. Assim, e uma vez que estes índices não tomam em conta este facto,
estão comprometidas a eficácia dos mesmos e a objetividade dos resultados, pelo que
será necessário adaptar metodologias e métodos estatísticos de cálculo da riqueza e
abundância de taxa presente.
Existem ainda outras críticas relativas a estes índices, relacionadas com o facto
de a pontuação dada a cada família, e que reflete a sua intolerância à poluição, ser muito
relativa uma vez que existirão diferentes tolerâncias de cada família a diferentes
poluentes; por outro lado, foi também comprovado que muitas famílias de
macroinvertebrados respondem a alterações climáticas, podendo levar em erro quanto à
classificação do estado ecológico de uma massa de água no qual seja utilizado este
índice (Hassall et al., 2010).
Sponseller et al. (2001) referem que a abundância de macroinvertebrados
bentónicos, bem como a sua diversidade nos locais de amostragem estão intimamente
relacionadas com o uso do solo nas bacias de drenagem. De facto, o uso do solo
influencia a galeria ripária, bem como a estrutura do substrato. Estes dois parâmetros
são cruciais na heterogeneidade dos habitats existentes, e requeridos para todas as fases
dos ciclos de vida destes organismos. Estes autores revelam ainda que a ligação das
comunidades bentónicas com o uso do solo é mais evidente quando analisada a área
mais próxima (200 metros) do corredor fluvial, ou seja, quando utilizadas escalas
espaciais corretas, poderão ser encontradas ligações que de outro modo poderiam não
ser conhecidas.
Assim, é necessário um conhecimento prévio mais aprofundado sobre as
complexas ligações entre as comunidades biológicas e as variáveis abióticas que as
53
influenciam, de modo a poder ser realizada uma correta análise do estado populacional e
estrutural da comunidade estudada (Soininen e Könönen, 2004).
5.4.
Caracterização do estado ecológico do rio Corgo
Depois da análise das variáveis e parâmetros que foram realizados, requeridos
pela Diretiva-Quadro da Água, através dos índices de qualidade intercalibrados, foi
possível verificar que de modo geral, na zona mais a montante do rio, e durante o
percurso que atravessa o núcleo urbano, a qualidade ecológica do rio Corgo foi
classificada como “Boa”. No entanto, existe um decréscimo da qualidade para
“Razoável” na zona mais a jusante, a partir do ponto RH9, na zona de Relvas. Estes
resultados foram confirmados pelo Plano de Região Hidrográfica do Douro (Agência
Portuguesa do Ambiente, 2012b).
Após uma análise detalhada a todas as componentes que contribuíram para esta
classificação, podemos inferir que os principais fatores que despoletam esta descida na
qualidade do rio são os elevados valores de fosfatos e nitratos encontrados, bem como
uma avaliação biológica mediana baixa, comparativamente a pontos de amostragem
mais a montante. A existência de uma ETAR em Relvas, e outra em Santa Marta de
Penaguião, é obviamente determinante na classificação do estado ecológico dos pontos
de jusante, mas acreditamos também existir um efeito cumulativo de montante para
jusante, criado pelo aglomerado populacional que o rio atravessa, bem como a atividade
antropogénica e deterioração subjacente, às quais está sujeito. Além disso, foi verificada
a existência de coletores de saneamento ao longo do rio, que vazam para o seu leito
durante todo o ano, e tampas de saneamento à superfície, junto das margens, que em
época de chuvas, transbordam, escoando para o canal.
A existência de bacias hidrográficas com troços de boa integridade ecológica
que coexistem com troços em que é evidente a pressão antropogénica e a degradação
geral do ecossistema subjacente é geral a nível do território de Portugal Continental,
segundo o estudo de Fonseca (2011).
Assim sendo, de acordo com estes resultados, a bacia do rio Corgo não está de
momento de acordo com os objetivos da Diretiva-Quadro da Água, sendo necessário
que até 2015 o rio seja sujeito a medidas de gestão e requalificação, de modo a
conservar com boa qualidade os troços de RH1 até RH8, e elevar a qualidade dos
pontos RH9 até RH12.
54
5.5.
Uso do habitat das espécies piscícolas alvo
Segundo Angermeier e Karr (1983), a distribuição relativa nos habitats
disponíveis é influenciada por três fatores determinantes: a tolerância às condições
físico-químicas, a disponibilidade de alimento e a intensidade predatória. Além disso, a
integração de vários parâmetros como o sexo, idade, estado reprodutivo, condições
ambientais e área geográfica, contribui também para a seleção do habitat, dependendo
da espécie.
Foi verificado um padrão que relaciona peixes de maior tamanho a habitats de
maior profundidade, como verificado no trabalho de Maki-Petays (1999). Segundo o
mesmo autor, o facto de existir preferência de habitat de acordo com o tamanho do
indivíduo, tem origem em fatores como o risco de predação, oportunidades de
alimentação e interações sociais. Segundo Karr e Dudley (1981), as condições do
habitat e a sua estrutura, providenciam aos peixes mais pequenos um local de refúgio e
alimento, dependendo do substrato, e aos peixes maiores um local de esconderijo
predatório, dependendo da cobertura existente. De referir também que o crescimento
dos indivíduos, as alterações nos comportamentos de alimentação, as mudanças na
atividade devido à migração, a reprodução ou a dormência de inverno, se refletem nas
mudanças de preferências de habitat (Bovee et al., 1998).
Bovee et al. (1998) referem ainda que a definição dos habitats usados está
intimamente relacionada com o número de transeptos realizados e a sua localização ao
longo do rio, nos diferentes pontos de amostragem. Por este motivo, foram realizadas
curvas de uso do tipo 3, uma vez que se revelou insuficiente o número de transeptos
realizados para caracterizar corretamente o habitat disponível, e fazer a sua comparação
com o habitat usado.
Por todos estes motivos, as curvas de uso realizadas revelaram-se suficientes
para uma caracterização geral dos habitats preferenciais das espécies alvo, sendo porém
necessário realizar novos métodos de inventariação dos microhabitats, e com uma maior
frequência (mensal, por exemplo, durante o período de crescimento de cada espécie). A
ter também em consideração a amostragem realizada, que apenas permitiu a realização
das curvas para duas espécies (ao contrário de todas as espécies nativas presentes, que
seria o objetivo inicial), devido ao tamanho da amostra, que se pretendeu significativo.
Por outro lado, não foi realizada a distinção de faixas etárias das espécies, que também
tem influências na escolha do habitat ao longo do ciclo de vida. Em estudos futuros,
55
poderá ser útil também a inclusão de mais parâmetros de habitat, para maiores
correlações com as espécies-alvo.
Assim, foi possível verificar apenas algumas diferenças de preferência entre os
habitats do barbo e da boga, respondendo claramente de forma diferente às variações do
meio, o que permite demonstrar a complexidade das curvas de preferência, e a sua
grande utilidade em estudos deste género.
5.6.
Análise da distribuição espacial das comunidades biológicas
Foi verificada uma grande similaridade nos habitats preferenciais das espécies
autóctones e das espécies nativas. De facto, não ficou demonstrada uma separação
evidente entre estes dois grupos, o que se revela preocupante na medida em que se torna
de difícil realização a restauração do ecossistema direcionada à reabilitação de habitats
(na sua combinação única de substrato, cobertura, profundidade e velocidade (Bovee et
al., 1998)) de espécies autóctones (em detrimento das espécies exóticas), muitas delas
endemismos ibéricos, como é o caso do barbo e da boga, no grupo da ictiofauna.
Como refere Boavida et al. (2011), os planos de reabilitação e requalificação
muitas vezes falham devido à falta de conhecimento sobre os habitats das espécies alvo,
durante os seus ciclos de vida, e porque não se toma em consideração que as medidas
planificadas não beneficiam todas as espécies presentes no ecossistema fluvial. Neste
caso, é difícil planear medidas que beneficiem apenas as espécies nativas, apesar de
termos já algum conhecimento do seu habitat preferencial.
Apenas foi evidenciada uma preferência por parte das espécies exóticas por
pontos localizados nas zonas mais a jusante do rio, à exceção do góbio, que foi
identificado com maior abundância e frequência nos pontos RH1 e RH2, a montante do
rio. A mesma tendência foi demonstrada no caso dos macroinvertebrados bentónicos,
onde à exceção das famílias Atyidae, Physidae, e Platycnemididae, não foi notória uma
separação relevante entre as famílias, de acordo com os locais de amostragem.
Ao contrário do que aconteceu no estudo de Bredenhand e Samways (2009), a
família Baetidae demonstrou preferência espacial por locais a jusante. No estudo dos
autores, esta família demonstrou preferência por locais de amostragem situados mais a
montante, embora estivessem também presentes em locais mais a jusante, o que
demonstra a ampla distribuição desta família de Ephemeroptera, como referido por
Coimbra et al. (1996).
56
Segundo Karr e Dudley (1981), os macroinvertebrados bentónicos, em especial
os moluscos e os insetos, são influenciados maioritariamente pela diversidade e
disponibilidade de substrato, uma vez que o tamanho das partículas influencia a
dimensão dos espaços intersticiais onde estes organismos se alimentam e se movem ou
se fixam. Esta poderá ser uma das razões da distribuição espacial de algumas famílias
identificadas.
Já os peixes, segundo o mesmo autor, respondem maioritariamente a outro tipo
de critérios de habitat, como a velocidade, a profundidade, e a cobertura. Mesmo assim,
apenas a lúcioperca e a truta evidenciaram diferenças na distribuição espacial,
relativamente às outras espécies identificadas. Os invertebrados respondem também
àquele tipo de parâmetros de habitat, mas em menor escala, como referido por Cortes et
al. (2009), provavelmente devido à metodologia de amostragem utilizada para esta
comunidade biológica.
Verificou-se também uma maior diversidade de famílias de macroinvertebrados
bentónicos localizadas nos pontos mais a montante do que nos pontos mais a jusante.
Segundo Cortes et al. (2009), esta situação poderá ser explicada através da maior
variabilidade de habitat e complexidade geomórfica, existente nos pontos a montante.
De facto, apesar de os pontos a jusante exibirem maiores valores de oxigénio dissolvido,
favorável aos macroinvertebrados, a menor heterogeneidade do habitat, bem como
possíveis dificuldades na amostragem poderão ter influenciado o resultado relativo a
algumas famílias, como por exemplo as pertencentes às ordens Ephemeroptera e
Plecoptera. O valor de EPT é consistente com estas conclusões, uma vez que diminuiu
nos pontos a jusante, relativamente aos pontos a montante. A existência dos açudes,
poderá, segundo o mesmo autor, funcionar como uma barreira que concentra os
organismos, impedindo-os de avançar para jusante, uma vez que coloca caraterísticas de
um sistema lêntico, num sistema originalmente lótico.
5.7.
Relação entre os parâmetros populacionais e os descritores ambientais
Os fatores bióticos e abióticos alteram-se de forma muito dinâmica ao longo do
rio (Bredenhand e Samways, 2009). E uma vez que para se analisar o estado ecológico
de uma massa de água segundo a Diretiva-Quadro da Água, é necessário caraterizar as
variáveis
biológicas,
físico-químicas
e
hidromorfológicas,
pressupõe-se
um
conhecimento adequado do tipo de interações existentes entre os fatores bióticos e
57
abióticos. Porém, quando se fazem estudos utilizando metodologias aplicadas a várias
comunidades biológicas, é necessário ter em conta que cada comunidade, ou mesmo
diferentes grupos dentro das comunidades, poderão responder de forma diferente a cada
parâmetro ambiental, seja do habitat ou outro, responsável por pressões antropogénicas
(Ward, 1989; Cortes et al., 2009; Trautwein et al., 2011). A escassez deste tipo de
conhecimento é responsável pela falha em atingir os objetivos de muitos projetos de
restauração, (como a aproximação máxima às condições de referência), que se focam
nas comunidades biológicas em detrimento dos processos funcionais existentes (Ward
et al., 2001).
Assim, é necessário que sejam adaptadas as metodologias e escalas de estudo
dos descritores ambientais a cada comunidade estudada (Hughes et al., 2010; Rosado et
al., 2011), o que irá em sentido contrário ao determinado pela Diretiva-Quadro da Água,
que invoca um método de avaliação geral das caraterísticas hidromorfológicas para
todas as massas de água com a mesma tipologia pré-estipulada. Este facto é criticado
por Vighi et al. (2005), que defende que o conceito de estado ecológico pretendido pela
Diretiva tem de pressupor a escolha adequada de indicadores e metodológicas para cada
ecoregião (geográfica e ecologicamente homogénea, segundo Trautwein et al. (2011)),
com todas as suas caraterísticas únicas, que irão influenciar a massa de água em estudo.
Segundo Maki-Petays (1999), os refúgios com menor velocidade, bem como
com cobertura de macrófitas flutuantes, são provavelmente os fatores primordiais de
seleção de habitat de inverno nas trutas, sendo que no verão, preferem habitats em áreas
do rio com maior velocidade. De facto, verificámos que a truta está intimamente
relacionada com maiores velocidades, bem como com a qualidade da galeria ripária. No
entanto seria interessante obtermos dados sazonais relativamente a esta questão. Foi
também verificada uma correlação, embora menos significativa, da truta com o uso do
solo, referenciada de modo similar no estudo de Trautwein et al. (2011), que indica que
as espécies mais intolerantes exibem uma íntima relação com usos do solo relativos a
agricultura e solo urbano. No entanto, este autor diferenciou as espécies de acordo com
grupos tróficos, obtendo assim resultados mais conclusivos no que diz respeito às
ligações entre estes grupos e os descritores ambientais relativos ao uso do solo nos
locais de amostragem. O uso do solo torna-se especialmente importante uma vez que,
segundo Hughes et al. (2010), os maiores efeitos antropogénicos em rios mediterrânicos
fazem-se sentir neste parâmetro, assim como na qualidade e gestão da água e dos canais.
58
Karr e Dudley (1981) referem que a qualidade da água se revela um fator
minoritário quando comparadas espécies que habitam em diferentes tipos de habitat,
facto que está de acordo com os nossos resultados uma vez que não foi revelada uma
relação bem evidenciada de nenhuma espécie com este descritor ambiental.
Num estudo efetuado por Mérigoux e Dolédec (2004), é referido que os
macroinvertebrados apresentam uma relação com parâmetros hidráulicos relativos à
zona próxima do leito do canal, fator que não foi evidenciado no nosso estudo.
Segundo Cortes et al. (2009), estudos anteriores em rios mediterrânicos
comprovam que a biodiversidade de espécies está ligada mais fortemente a parâmetros
ambientais de larga escala, enquanto a abundância de cada espécie está ligada mais
fortemente a descritores ambientais locais. Ainda segundo o mesmo autor, uma forma
de ultrapassar esta dificuldade nos macroinvertebrados bentónicos poderá ser a
identificação taxonómica a um nível mais específico, de modo a encontrar ligações com
os descritores ambientais que poderão ficar encobertas pela generalidade da
identificação apenas até à família dos espécimes amostrados. De notar que Hodkinson e
Jackson (2005) afirmam que as interações entre parâmetros bióticos e abióticos são
diferentes se compararmos as existentes entre as espécies de macroinvertebrados e os
descritores ambientais com as existentes entre a comunidade inteira (com interações
entre os seus taxa) e os mesmos descritores. Assim, será subjetivo escolher
determinados subconjuntos de taxa para avaliar o estado do ecossistema e qualidade do
habitat, em nome de toda uma comunidade existente, como acontece por exemplo, com
o subconjunto EPT, que inclui as ordens Ephemeroptera, Plecoptera e Trichoptera.
Cortes et al. (2011) referem ainda que também será importante identificar as
fontes de origem do input de energia, uma vez que este parâmetro irá influenciar os
grupos tróficos existentes, enquanto a quantidade de input de energia irá estar
relacionada com a abundância desses grupos. De acordo com Graça et al. (2004),
também a frequência de amostragem apresenta necessidades de ajustamento no que toca
ao estudo de rios mediterrânicos.
No que diz respeito à ictiofauna, existe uma grande influência do uso do solo,
nomeadamente para agricultura e para solo urbano, sobre esta comunidade. No entanto,
é muitas vezes camuflada pelos múltiplos fatores externos estudados e correlacionados,
sendo necessários métodos estatísticos inovadores que permitam um maior
conhecimento e obtenção de ilações mais conclusivas sobre esta ligação da comunidade
biótica ao uso do solo (Trautwein et al., 2011). Poderão ainda ser subjetivas as análises
59
ao habitat e aos seus parâmetros gerais (velocidade, profundidade, substrato e
cobertura), uma vez que não são correlacionadas com a variação temporal que ocorre
naturalmente no canal, influenciando os períodos de cheia e a deposição ou transporte
de sedimentos e nutrientes (e consequentemente os parâmetros acima referidos).
Além disso, Cortes et al. (2011) refere que as pressões antropogénicas fazem
sentir os seus efeitos a várias escalas do ecossistema, pelo que é necessário corresponder
metodologias adequadas à obtenção deste tipo de conhecimento. Assim, poderão ser
viabilizadas práticas de gestão e monitorização que assegurem corretas medidas de
identificação das pressões a que o ecossistema está sujeito, bem como formas de
correção e requalificação dos pontos negativos, como meio para obter melhorias
significativas e comprovadas nos habitats das espécies nativas existentes. Como é
sugerido por Hughes et al. (2010), há ainda que ter em atenção o facto de serem
considerados descritores ambientais que por si só já representam um complexo
resultado de influência de outros descritores ambientais, como por exemplo o pH que é
influenciado pela composição geológica, processos biológicos, alterações nos usos do
solo e intervenção humana direta. Além disso, os efeitos dos vários fatores de pressões
antropogénicas poderão interagir entre si, e de forma diferente dependendo da
fisiografia do ecossistema que influenciam (Marzin et al., 2012).
É defendida por Ward et al. (2001) uma abordagem de requalificação dos
processos ecológicos a uma mais larga escala, restaurando por exemplo a conetividade
hidrológica do canal. Posteriormente, depois de conhecidos os processos funcionais do
ecossistema nas suas vertentes temporal, longitudinal, vertical e lateral (Ward, 1989) e
das suas comunidades biológicas, afetadas ou não de impactes antropogénicos, é
proposta então a reconstituição das condições de referência e integridade funcional da
massa de água em questão.
Assim sendo, podemos concluir que a metodologia utilizada não é suficiente
para a proposta de medidas de requalificação objetivas que favoreçam os habitats das
espécies piscícolas nativas, auxiliando o seu crescimento, desenvolvimento e
abundância populacional. É antes necessário, ajustar conhecimentos de modo a perceber
todas as interações existentes entre grupos bióticos e abióticos de variáveis, de modo a
poder discernir a aparente similaridade de habitat utilizado por espécies piscícolas
nativas e exóticas.
60
6.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo foi possível verificar que existem algumas falhas no conhecimento
intrínseco do ecossistema em questão, que impedem a realização não subjetiva de
propostas de restauração e requalificação, não só das condições de referência, mas
também dos habitats mais indicados e pretendidos por espécies nativas. As complexas
interações que ocorrem ao longo do rio estão ainda camufladas por metodologias que
esquecem alguns fatores que poderão influenciar as comunidades biológicas, as
condições hidromorfológicas e os valores dos parâmetros físico-químicos presentes no
Rio Corgo.
A separação das comunidades biológicas em grupos tróficos, para melhor
entendimento das interações existentes dentro de cada comunidade, a adaptação das
escalas às quais são realizadas as diversas metodologias, a inventariação dos pontos de
pressão antropogénica que, de modo direto ou indireto possam influenciar todo o
ecossistema, o aprofundamento do estudo das variáveis ambientais e dos parâmetros
que influenciam cada uma, para melhor correlação com as comunidades bióticas, todas
estas ações são imprescindíveis para que seja possível delinear um projeto de
requalificação eficaz.
Será também necessário compreender os efeitos que as pressões antropogénicas
existentes têm entre si, de vertente cumulativa ou oposta, no ecossistema que afetam, e
que dependerão da fisiografia deste.
Assim, as medidas propostas são de implementação prioritária, e deverão ser
acompanhadas da identificação dos pontos de pressão ambiental, nomeadamente
antropogénica, que afetam o Rio Corgo, em toda a sua extensão e área da bacia. Deste
modo, medidas mais concertadas com as ligações bióticas e abióticas, sobre as quais se
pretende aprofundar o conhecimento através da adaptação de metodologias e tentativa
de discernimento de variáveis utilizadas, serão mais eficazes e duradouras,
proporcionando, de facto, a melhoria dos habitats para as comunidades biológicas,
nomeadamente as espécies piscícolas nativas, em detrimento de espécies invasoras que
colonizaram o Rio Corgo devido à sua degradação geral. Para tal, a utilização de curvas
de preferência prevê-se de grande utilidade, mas realizadas com maiores cuidados de
amostragem, abarcando mais espécies e em maior número, bem como diferentes faixas
etárias de cada espécie.
61
De notar, no entanto, que este estudo foi realizado apenas com a amostragem de
uma comunidade biológica com índice aprovado no exercício de intercalibração, os
macroinvertebrados bentónicos, o que, no que diz respeito à análise do estado
ecológico, não é conclusivo, de acordo com a metodologia da Diretiva-Quadro da Água.
Assim, propõe-se também um novo estudo, mais específico, e incluindo todas as
comunidades (macroinvertebrados bentónicos e diatomáceas) e variáveis requeridas
(como os poluentes específicos, por exemplo, também ausentes neste estudo, para
análise do estado químico).
Em conclusão, acreditamos que todas estas medidas e estudos, realizados
concertadamente, contribuirão para uma maior naturalização do Rio Corgo, aumentando
a sua capacidade de autodepuração, minimizando os efeitos antropogénicos e
contribuindo para a biodiversidade característica desta região.
62
7.
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A avaliação do estado ecológico de um rio como base para a