A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO PARA AMBIENTES NÃOESCOLARES: UMA PERSPECTIVA EM CONSTRUÇÃO NO BRASIL
SOBRE A PEDAGOGIA SOCIAL E A CONSOLIDAÇÃO EM
PORTUGAL PARA ANIMADORES SOCIOCULTURAIS
ORZECHOWSKI, Suzete Terezinha1-Doutoranda PUCPR–UNICENTRO-Brasil
[email protected]
GAMA BARBOSA, Maria Tereza2 - Doutoranda USC/ES ASC- Portugal
[email protected]
Eixo Temático: Formação de Professores
Agência financiadora - Não contou com financiamento
Resumo
O texto apresenta as necessidades de uma formação do pedagogo para atuar além da educação
formal. Considerando-se a Pedagogia como ciência da educação em seu sentido amplo, no
Brasil ancora-se em autores como Libâneo (1999, 2003); Santoro (2008); Freire (1982); Gohn
(2010). O exemplo de formação dos animadores sócio-culturais de Portugal fundamenta-se
em Gomez (2008) e Gillet (1995). A relação entre a Pedagogia social e a animação sóciocultural ocorre com embasamento de Viché (2006), autor espanhol. A pesquisa é bibliográfica
com reflexões sobre a realidade educacional do Brasil e a formação do Pedagogo. Apresentase então a experiência das intervenções realizadas pela Associação Portuguesa para o
Desenvolvimento dos Animadores Sócio-culturais. É nesta relação internacional entre os
projetos de profissionalização de um Pedagogo, que atenda os espaços não-escolares, que se
evidenciam algumas alternativas possíveis. Assim pretende-se contribuir para o diálogo sobre
a importância da formação do Pedagogo para além da educação formal.
Palavras-chave: Educação não formal. Formação do Pedagogo. Espaços não escolares.
1
ORZECHOWSKI, Suzete Terezinha. Pedagoga, Especialista em psicologia da Educação, Mestre em Educação
pela UNICAMP/UNICENTRO, Doutoranda em Educação pela PUC/PR., Membro dos grupos de pesquisa
GETFOP na UNICENTRO e PRAPETEC/PEFOP na PUC/Pr. Professora do DEPED- UNICENTRO em
Guarapuava.
2
GAMA BARBOSA, Maria Tereza Ribeiro. Assistente Social, membro da Associação Portuguesa para o
desenvolvimento dos Animadores Sócio-culturais e doutoranda na USC, Espanha.
7604
Introdução
Há, no processo de sistematização da educação, no Brasil, aspectos que por vezes são
silenciados, por exemplo, quanto a formação do Pedagogo para espaços não-escolares. Este é
apontado nas Diretrizes Curriculares de 2006, no entanto, não encontra espaço nos cursos de
formação. O que seriam estes espaços não-escolares e, como formalizar um curso que atenda
a demanda do mundo do trabalho?
Neste espaço político, há valorização do espaço educativo, como lembra Libâneo
(1999), Santoro Franco (2008) e, Gohn (2010), em seus estudos sobre a educação não-formal.
Tanto a política quanto estes autores identificam a “Educação em sua totalidade e superam a
distinção restritiva que limitava o trabalho do pedagogo ao ambiente escolar.” (MACHADO,
2009). Considerando a demanda de mercado de trabalho e ainda as “lacunas” deixadas pela
educação formal, é imprescindível o trabalho pedagógico em espaços além da escola. Neste
contexto, se impõe uma questão: É somente da escola o trabalho pedagógico?
No sentido de fortalecer tais reflexões se apresenta o texto. No sentido do enfrentar o
silêncio prioriza-se o diálogo sobre necessidades, possibilidades e alternativas na formação do
Pedagogo. A partir da formação do Pedagogo no Brasil, se delineia o atendimento da
demanda para espaços não-escolares. Considerando a Pedagogia como ciência da educação,
se busca apontar o espaço da Pedagogia social e/ou sociocultural que promove a reflexão
sobre as possibilidades e alternativas de formação do Pedagogo. Por fim apresenta-se a
experiência de Portugal com a formação dos animadores sociais, que pode compor a
Pedagogia Social, no Brasil. Nas considerações finais se apresentam reflexões que promovem
a continuidade na análise aqui empreendida.
O Processo educativo, espaços não-escolares e a Pedagogia no Brasil.
A formação do Pedagogo historicamente caminha entre dois processos: um garante a
docência, a prática do magistério e suas características didáticas. Outro aspecto, agora em
desuso é o que garantia uma formação para a gestão e de onde se estabeleceu algumas práticas
fragmentárias de especialistas: supervisores, administradores, inspetores, orientadores,
educadores para portadores de necessidades especiais, educadores infantis e, educadores de
jovens e adultos. Estes profissionais foram identificados como técnicos de uma “educação
compensatória”, que fragmentavam o conhecimento e suas práticas e, portanto, não atendiam
a educação formal. Assim entre o instrumental e o técnico, a formação do Pedagogo perpassa
7605
a organização do trabalho pedagógico dentro da escola e dentro da sala de aula. Neste
contexto a especificidade da formação é quase sempre pragmática, utilitarista.
Este apontamento pragmático parece atender uma demanda que surge, nesta transição
secular e se constrói socialmente exigindo o trabalho pedagógico em outros espaços:
hospitais, penitenciárias, museus, educandários, Ong’s, empresas de educação corporativa e
não-corporativa, etc. Estes espaços de mercado abrem-se e caracterizam o que Beillerot
(1985) já identificava como uma “sociedade pedagógica”.
Assim tem-se a política, a demanda no mercado de trabalho e pesquisadores,
quebrando o silêncio e, atentos em discutir idéias efetivas para uma formação que,
criticamente, analise tais interesses e necessidades. O grupo da USP é um exemplo destas
manifestações com a realização de encontros, jornadas e congressos nacionais e
internacionais. No entanto, em outras representações da formação de Professores, incluindose o Pedagogo, como ANFOPE, ANPAE e FORUNDIR, não se tem clareado as discussões
sobre uma formação do Pedagogo que atue em espaços não-escolares. Até porque em
seguimentos como da ANFOPE e do FORUNDIR, a formação do Pedagogo ainda está
atrelada exclusivamente a docência. E, mais, uma docência fundamentada na educação
infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental.
Nos países europeus, muito já se tem feito em função de uma educação compreendida
em sua amplitude, em sua grandeza de efetivação formal e não-formal. Os interesses e as
necessidades sócio-culturais imprimem em diversos espaços práticas educativas que
priorizam uma formação mais flexível. Surge a Pedagogia social e/ou sócio-cultural, em
diversos contextos: educação de jovens e adultos, educação para especiais, educadores de rua,
animadores e educadores sociais que trabalham com jovens em situação de risco e/ou terceira
idade. Nestes contextos, se constroem profissionais pelo exercício prático e também pela
formação que está acontecendo a partir “de aportes teóricos provenientes de diferentes áreas,
especialmente da Pedagogia, da Sociologia, da Psicologia e da Assistência Social.”
(MACHADO, 2008). E, aqui encontramos o texto de Gama Barbosa (2011), que mais adiante
vem discutir a formação dos animadores sociais em Portugal. É um texto que serve como
parâmetro de consulta para que a formação do Pedagogo, no Brasil, possa ser refletida.
Neste amplo processo que é a educação, importa prestar atenção no processo
educativo, que acontece também fora da escola, em uma educação assistemática e nãoformalizada. “Um processo sociopolítico, cultural e pedagógico de formação para a cidadania,
7606
entendendo o político como formação do individuo para interagir com o outro em sociedade.”
(GOHN, 2010, p.33). Um processo onde a articulação entre teoria e prática é fundamental e
embasa a “pedagogização” do trabalho educativo em outros espaços, além da escola.
Há que se encontrar respostas para outras circunstâncias emergentes que estão
exigindo novas decisões educativas: a ampliação dos espaços educativos para além
dos muros da escola é uma realidade incontestável; as novas e complexas formas em
que se estabelecem as relações de trabalho estão a demandar novos meios e espaços
de formação dos jovens; as conseqüências sociais decorrentes da internacionalização
da economia, entre outros fatores, exigem o repensar do papel da pedagogia, na
direção da construção de novas mediações sociais e política, com vistas a um projeto
de futuro digno, às novas gerações. (FRANCO, 2008, p. 20).
Uma formação pedagógica para atender estes aspectos, dentre outros, carece de
aprofundamento e socialização das análises. Importa enfrentar o silêncio e provocar a crítica
sobre a Institucionalização da Pedagogia para atender a educação formal, a qual deixou de
olhar o processo educacional em seu todo. Percebendo a docência como ponto de partida e
ponto de chegada. Contrapondo a formação de licenciatura à formação do bacharelado.
Tecendo sua própria armadilha e caindo no dilema constante do ser ou não ser, retomando
sempre, mais ou menos, o pragmatismo de atendimento aos interesses neo-positivistas. Ou
seja, a formação de Pedagogos que atendam a prática docente de dentro da educação formal,
escamoteando uma possibilidade educacional mais socio-cultural que se manifesta “produtora
de transformações”, (FRANCO, 2008).
Por uma Pedagogia transformada para além da educação formal
Pensar a Pedagogia para além da sala de aula, para além da docência, para além do
processo formal de educação é olhar de novo, mas de forma diferente. Olhar é enxergar, é ver,
neste momento, o processo de educação para fora e para dentro do campo que a circunscreve,
refletindo constantemente sua epistemologia. Neste sentido é imprescindível que se
aprofundem na área de conhecimento da Pedagogia; como campo de formação; e, como
prática social transformadora (FRANCO, 2008).
7607
Obviamente me refiro ao pedagogo em sentido amplo. Mas a argumentação que
venho trazendo permite-me afirmar que o trabalho pedagógico não se reduz ao
trabalho escolar e docente, embora todo trabalho docente seja um trabalho
pedagógico. Vai daí que a base comum de formação do educador deva ser expressa
num corpo de conhecimentos ligados à Pedagogia e não à docência, uma vez que a
natureza e os conteúdos da educação nos remetem primeiro a conhecimentos
pedagógicos e só depois ao ensino, como modalidade peculiar de prática educativa.
Inverte-se, pois, o conhecido mote “a docência constitui a base da identidade
profissional de todo educador”. A base da identidade profissional do educador é a
ação pedagógica, não a ação docente. Com efeito, a Pedagogia corresponde aos
objetivos e processos do educativo. Justamente em razão do vínculo necessário entre
a ação educativa intencional e a dinâmica das relações entre classes e grupos sociais,
é que ela investiga os fatores que contribuem para a formação humana em cada
contexto histórico-social, pelo que vai constituindo e recriando seu objeto próprio de
estudo e seu conteúdo – a educação. Somente com esse entendimento é possível
formular uma concepção do educador, pois é a teoria pedagógica que pode, a partir
da prática, formular diretrizes que darão uma direção à ação educativa. (LIBÂNEO,
1999, p.47-8)
È importante que se incorporem as novas realidades sociais à formação do Pedagogo
ampliando sua ação pedagógica e também docente para outros espaços. Um exemplo são os
educandários e as penitenciárias profissionalizantes. Esta é uma educação de jovens e adultos
em um novo espaço e, serve, para pensar a pedagogia na docência e/ou na gestão, em suas
múltiplas manifestações do processo educativo. Neste enfoque encontra-se uma reflexão sobre
a chamada, neste texto, de Pedagogia sociocultural, que segundo González (2006, p.16) é
Práctica pedagógica que a través de los años há generado um paradigma próprio, así
cómo uma metodologia educativa personalizada, que la inscriben en el marco de los
más comprometidos posicionamentos de tipo didáctico, en cuanto que práctica y
metodologia propia de la educación em su sentido más socializador, integrador y
solidário, el que apuntan com su pensamiento, sus actitudes y su práctica los
Pedagogos de la Cultura.
Esta Pedagogia para além do espaço escolar é na Espanha e, em outros países da
Europa, construída a partir de necessidades socioculturais. É uma prática pedagógica que
relaciona a educação formal com a educação não-formal. No posicionamento filosófico como
eixo condutor destas práticas encontra-se, entre os autores espanhóis, as idéias de Paulo
Freire. No Brasil, exclusivamente temos a concepção de Paulo Freire em defesa da
emancipação dos sujeitos que a partir de uma educação problematizadora, “passam a ter vez e
voz para discutirem seus problemas e as saídas organizadas para eles” (SCOCUGLIA, 2009,
p.236). Segundo Afonso Celso Scocuglia, Freire imprime à dialogicidade a força, a arma com
a qual os oprimidos se organizam contra os opressores. Portanto, no Brasil Freire também é
7608
reconhecido como mestre que fundamenta as reflexões sobre a Pedagogia Social,
considerando sua organicidade entre método e conteúdo, prática social e processo reflexivo.
Assim o processo educativo que acontece fora da escola torna-se objeto reflexivo que
merece atenção, dado ao campo de atuação que pedagogos acabam por inserir-se. Nos
hospitais o pedagogo tem espaço para sua prática dentro das brinquedotecas. Estes espaços
tornam-se obrigatórios nas unidades de saúde que ofereçam internamento pediátrico, a partir
da Lei 11.104 de 21 de Março de 2005. Também os educandários que vão sendo abertos e
recebem jovens em situação de risco com a justiça, necessitam de organizar-se sobre as
medidas sócio-educativas que no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90,
são identificadas como: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à
comunidade; liberdade assistida; semi-liberdade e; internação. A internação que acontece
dentro
dos
educandários
é
gestada
por
Pedagogos.
Ainda
nas
penitenciárias
profissionalizantes são implantadas salas de educação de jovens e adultos, onde atuam
professores e pedagogos. Acrescenta-se ainda a informação de que as penitenciárias
profissionalizantes do Estado do Paraná possuem a exigência de que, para assumir sua direção
a graduação deve ser de Direito e/ou de Pedagogia.
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 4746/98 que regularia a atuação do
Pedagogo dentro da empresa. E, o Pedagogo já vem atuando nas empresas com a chamada
“educação corporativa”, que gesta os treinamentos e capacitações dentro das instituições
privadas. Nos sistemas estaduais e municipais também a atuação do Pedagogo acaba sendo
uma exigência em programas de ação social. Nas ONGs e projetos por elas desenvolvidos a
atuação pedagógica é de interesse, pois, prestam um serviço de organização do processo
educativo, elaborando projetos pedagógicos que sustentam as solicitações de recursos para
manutenção dos seus serviços. As ONGs mantêm ainda os educadores sociais. Estes
educadores realizam um trabalho intuitivo, de boas intenções e repleto de ações sócioeducativas, mas, tudo se realiza pela vontade e pelo desejo de se ter uma sociedade melhor.
Não há nenhuma formação voltada para este trabalho.
Neste contexto é inegável a necessidade de pensar uma prática pedagógica para além
dos espaços formais da educação. Trazemos aqui o exemplo de Portugal que através de uma
organização pública denominada Associação Portuguesa para o Desenvolvimento da
Animação Sócio-cultural, vêm discutindo e orientando a formação dos sujeitos que desejam
atuar com o processo educativo fora da escola.
7609
A Construção da Identidade Profissional dos Animadores Socioculturais em Portugal
O trabalho, o emprego e a formação são os três pilares da identidade profissional
(DUBAR, 1995). Neste quadro, a construção de uma identidade profissional tem as
competências que diferenciam os indivíduos capazes de realizar esse perfil funcional e, por
conseguinte, que preenchem as condições para competir no mercado de emprego. Ainda de
acordo com Dubar, a identidade com dimensão social é sempre uma articulação entre uma
transacção (equilibração) interna ao indivíduo e uma transacção (equilibração) externa entre o
indivíduo e as instituições com que está em interacção. Esta articulação entre o domínio do
pessoal e o domínio da relação do pessoal com o institucional é sempre uma articulação
dinâmica, instável. Nos tempos actuais, este cenário crítico de insegurança é ainda agravado
pela insuficiência ou pela crise das ideologias defensivas das profissões, que, cada vez mais,
são bloqueadas pelas identidades estruturadas em torno de modelos profissionais
característicos de grandes empresas. Estes modelos muito estruturados têm profundas
repercussões nos próprios modelos de formação profissional, socialmente reconhecidos.
É neste quadro de grande complexidade que o profissional de animação sociocultural é
chamado a construir a sua própria identidade. Se, por um lado, a instabilidade, que decorre
das alterações e reconfigurações das organizações sociais, promove a emergência de novos
enquadramentos que podem facilitar a identificação de novas necessidades e de novas
profissões, por outro lado, essa mesma instabilidade gera a imprevisibilidade e a consequente
falta de marcos de referência que orientem a afirmação de identidades profissionais
emergentes, ou em construção. Caride Gómez, (2008), citando Wilensky, identifica quatro
etapas no processo de delimitação histórica do objecto específico de uma profissão e no seu
reconhecimento pela sociedade. Essas etapas não correspondem, no pensamento do autor, a
fases históricas que se sucedem e substituem no tempo, mas a “sequências em que se mostra
como se produz a transição da ocupação para a profissionalização” (GÓMEZ, 2008, p.157),
isto é, a processos que se vão sobrepondo no sentido da afirmação gradual de uma profissão
socialmente reconhecida como tal. São eles:
a) O estabelecimento de diversos procedimentos de formação e selecção;
b) A constituição de uma ou várias associações profissionais para estabelecer
modelos e normas de ocupação, e para orientar as relações com outros grupos
competitivos;
7610
c) A consecução do reconhecimento público em forma de apoio legal para controlar
o acesso à profissão e ao seu exercício;
d)
A elaboração de um código ético.
Segundo Gillet (1995), no final do século XX, período que, segundo ele, corresponde
a uma fase de definições profissionais (GILLET, 1995, p. 42) no quadro do capitalismo em
todo o seu esplendor, os animadores confrontam-se com a necessidade de uma recomposição
profissional, articulada em torno de quatro pólos.
a) Um pólo não-mercantil, que corresponde á busca de relações entre os indivíduos e
de gestão da vida do quotidiano;
b) Um pólo mercantil, que corresponde a práticas comerciais, tecnológicas e de
aconselhamento;
c) Um pólo social, que corresponde à acção sobre a economia de um território e à
pedagogia;
d) Um pólo cultural que corresponde à elevação do nível de cultura e à
mundialização da cultura.
Destes quatro pólos resultaria uma recomposição profissional dialéctica em dois eixos:
do não-mercantil ao mercantil e do social ao cultural. Em torno destes dois eixos
desenvolvem-se dois Universos da animação sociocultural: O Universo “quente” da animação
e o Universo “frio” da animação (GILLET, 1995, ps.44-8). A perspectiva “quente”
corresponde à animação como uma “acção educativa e promocional face a uma sociedade
bloqueada e fragmentada”, seria uma pedagogia da descoberta, da criatividade, da invenção e
da inovação. “Seria, enfim, aquela parteira que ajuda os sistemas sociais a dar à luz o
desenvolvimento, permitindo-lhes exprimir a sua vontade e transformá-la em projecto de
acção [...]” (GILLET, 1995, p. 45). Segundo a perspectiva “fria”, “a animação põe no terreno,
de facto, técnicos da relação para tentar desembaraçar os fios da comunicação, sem trazer
remédio real à degradação do universo urbano” (GILLET, 1995, ps.46-7). Trata-se de uma
missão impossível, em que a multiplicação dos animadores seria a marca de uma sociedade
doente. Os animadores seriam “fieis servidores de uma tecno-estrutura de papões devoradores
porque sempre virada para a racionalização: a sua profissionalização é uma das marcas disso
mesmo.” (GILLET, 1995, p.47).
Estes dois discursos (o “quente” e o “frio”) e estas expectativas a respeito da animação
fazem parte dos debates teóricos e políticos que acompanham todas as práticas humanas que
7611
tenham em vista a melhoria das condições sociais. Essas práticas podem ser sempre práticas
de alienação e de submissão das diferenças ao dominante, ou práticas de mudança e de
inovação. Melhorar as condições sociais, com efeito, pode ser, para uns, uniformizar, isto é,
reduzir a marginalidade por processos de correcção e submissão, ou, para outros, reduzir a
marginalidade por processos de participação e de abertura. Como encontrar ou construir,
então, essa congruência entre o que fazem os profissionais e o que a sociedade espera deles?
Para Gómez, (2008) é, sobretudo de natureza proactiva. A animação sociocultural
deve comprometer-se com um conceito de cultura como necessidade vital. Importa, por isso,
que a ASC (Animação Sóciocultural) se desenvolva num quadro de socialização, isto é, num
quadro de humanização, em que as pessoas tenham opção, “mais do que de comunicar e
exprimir-se entre si, de se reconhecerem e recriarem na sua humanidade, agarrando as
oportunidades que possibilitem a construção de uma sociedade mais íntegra e integradora”
(GÓMEZ, 2008, p.163). Embora a ASC deva ser congruente com as necessidades sociais, há
uma necessidade social que se confunde com a própria vida humana e a sua dignidade: a da
humanização através da cultura.
Geneviève Poujol, em 1989, situava a ASC num quadro mais vasto da animação, em
que o animador seria aquele que desenvolve a sua acção no e sobre o tempo livre dos outros.
Embora explicitando muitas reservas mentais, Poujol propôs uma tipologia da animação em
três categorias, consoante a perspectiva e o método utilizado: o animador cultural, o animador
social e o animador sociocultural. (POUJOL, 1989, p. 78). Não há na sua tipologia nada que a
afaste de uma perspectiva mais global de humanização, a não ser precisamente o facto
desnecessário de afastar o animador sociocultural do animador social e do animador cultural.
Com efeito, a ideia que atravessa todas as categorias de animador é a ideia de uma
necessidade fundamental, seja de acesso à informação, seja de participação num projecto
social, seja de apropriação de meios para o desenvolvimento cultural. Assim, pelo contrário,
esta “tipologia” da animação deve ser vista como correspondendo a três eixos fundamentais
da ASC. Do mesmo modo, parece fazer sentido agrupar na denominação de ASC alguns dos
perfis profissionais que Mario Viché refere nos âmbitos da educação familiar, educação
escolar e educação comunitária (VICHÉ, 2006): educadores de rua, animadores de tempo
livre, animadores socioeducativos, animadores culturais, animadores socioculturais.
7612
Do Reconhecimento
Um dos aspectos mais importante para o reconhecimento da ASC pelas comunidades é
a sua capacidade para dar resposta a novas necessidades e exigências sociais, muitas delas
emergentes numa sociedade qualificada como pós-moderna, pós-industrial, da informação, do
conhecimento, em rede, do ócio, etc.. Referindo-se ao reconhecimento académico da
Educação Social, Caride Gómez defende que “estas novas necessidades obrigam a repensar a
natureza e o alcance da educação como uma prática que pode estar presente em qualquer
tempo e espaço da vida das pessoas (GÓMEZ, 2008, p. 122). Ora, é esta precisamente a
perspectiva que devemos assumir para a ASC.
A Animação Sociocultural pode ser considerada como fazendo parte de um quadro
muito vasto de intervenção social que pode ser designada como de Educação. Situa-se num
dos seus ramos que podemos designar de “educação em contextos não formais”. Se for
possível o consenso a respeito desta primeira divisão, o que resta será distinguir, neste quadro
muito amplo, a intervenção dos Serviços Sociais, da intervenção Sociocultural ou
Sociocomunitária. Com efeito, aquilo a que tem vindo a chamar-se, em Portugal, “educação
social”, “animação comunitária”, “animação cultural”, etc., deve integrar-se num quadro
profissional que signifique “intervenção sociocultural ou sociocomunitária”. É este o domínio
que deve ser o identificador da Animação Sociocultural, ainda que, para facilitar o consenso,
seja necessário adoptar outra designação para ele. Neste ponto, sigo a proposta de Jordi
Romani (2008) que, no essencial pode apresentar-se do seguinte modo:
Serviços Sociais: Planificação e desenvolvimento de programas de prevenção e
intervenção em problemáticas sociais (maus tratos, drogas, delinquência,
marginalidade social); Planificação e desenvolvimento de programas de intervenção
em prisões e centros de acolhimento; Direcção, coordenação e assessoria de serviços
e acções de reeducação e de inserção social de pessoas com dificuldades de
adaptação social, infância e adolescência em situação de abandono e de risco;
Avaliação de processos de acolhimento e adopção; Participação em programas de
educação familiar e comunitária, de educação para a saúde, de cooperação social;
Participação em centros e serviços de orientação e informação de recursos sociais e
de intervenção em acções de mediação sociocultural, familiar e escolar, relacionada
com a imigração e a multiculturalidade.
7613
Intervenção Sociocultural ou Sociocomunitária: Planificação e desenvolvimento
das actividades socioeducativas de centros e instituições diversas: centros culturais,
centros cívicos, museus, meios de comunicação social, bibliotecas, fundações,
parques temáticos, centros e residências para a terceira idade e associações;
Informação de gestão de recursos culturais: museus, parques temáticos, ludotecas...);
Planificação de jogos didácticos e planificação de actividades socioeducativas;
Desenvolvimento comunitário e participação cívica; Promoção educativa; Formação
de voluntariado e assessoria a ONGs; Educação de adultos e oficinas de trabalho
formativo. (ROMANI, 2008, ps. 147-8).
A Classificação Nacional das Profissões (CNP), de 2010, do Instituto do Emprego e
Formação Profissional, de Portugal, não contempla a designação de Animador Sociocultural.
No entanto, no Grande Grupo 5 – Pessoal dos Serviços e Vendedores, são tipificadas duas
profissões que dizem respeito a esta intervenção sociocultural ou sociocomunitária, de que
fala Jordi Romani: na categoria 20, o Animador Cultural, e na categoria 35, o Educador
Social, também denominado “Monitor de Tempos Livres” (IEFP, 2010). Seguindo a proposta
de Jordi Romani, fica difícil não enquadrar os perfis destas duas profissões no âmbito da
intervenção sociocultural ou sociocomunitária. Ora, sendo que “a consecução do
reconhecimento público em forma de apoio legal para controlar o acesso à profissão e ao seu
exercício” (GÓMEZ, 2008, p.157), é um dos processos de afirmação das profissões
socialmente reconhecidas, torna-se, então, necessário dar um passo pragmático que consiste,
precisamente, em enquadrar estas duas profissões no âmbito da intervenção sociocultural.
Com efeito, fica claro o pouco sentido que faz que permaneçam tão artificialmente separadas
uma da outra.
Fundamentos para uma Proposta
O reconhecimento social da profissão de Animador Sociocultural, em Portugal, é,
neste momento, mais visível do que o reconhecimento institucional constante, por exemplo,
na Classificação Nacional das Profissões do Instituto do Emprego e Formação Profissional.
Esse reconhecimento social é patente nas informações prestadas por organizações várias –
Fórum Estudante e Cidade das Profissões3, por exemplo – que assumem a missão de
esclarecer os jovens candidatos ao Ensino Superior sobre a oferta formativa disponível e as
respectivas saídas profissionais: referem-se explicitamente à profissão de Animador
Sociocultural e a seu respeito dizem, por exemplo, que o “mercado de trabalho (para o
3
Ver em http://cdp.portodigital.pt/
7614
Animador Sociocultural) é pequeno e (que) muitos animadores trabalham em regime de freelancer, elaborando os seus próprios projectos de animação [...] (e que) este ainda é um
mercado com muito potencial a desbravar.” (PROFISSÕES, 2010).
A “matriz portuguesa” tem, portanto, raízes históricas e corresponde a uma
consolidação da profissão do Animador Sociocultural, realizada a partir das comunidades e
das estruturas e organizações sociais de proximidade aos cidadãos para as instituições
centralizadas e mais distante dos cidadãos. A experiência espanhola, no campo do
intercâmbio de perspectivas sobre a organização da formação no Sector da Educação,
promovido pela Revista Educación XXI (volume 11, de 2008), deve inspirar um trabalho
idêntico, por parte das instituições formadoras de Animadores Socioculturais. Por outro lado,
se for possível estabelecer um consenso para encontrar mais semelhanças do que diferenças
entre o conceito espanhol de Educação Social e o conceito português de Animação
Sociocultural, ao nível dos perfis profissionais, então estaríamos em condições para também
encontrar uma base de trabalho conjunto entre as Instituições espanholas e as Instituições
portuguesas que, sem dúvida, poderia ser frutuoso e muito enriquecedor. O “Libro Blanco
Titulo de Grado en Pedagogia y en Educación Social” define os âmbitos e perfis distintivos da
Educação Social do seguinte modo (VILLA, 2005):
Âmbitos e Perfis da Qualificação em Educação Social
ÂMBITOS
PERFIS
•
•
Educador de família
Agente socioeducativo de desenvolvimento
comunitário
• Educador de família
Educação e Mediação para a Integração
• Planificador e avaliador de processos de integração
Social
social
• Educador em tempo livre e ócio
Educação do Ócio, Animação e Gestão
• Animador sociocultural
Sociocultural
• Gestor de programas e recursos socioculturais
• Educador em instituições de atenção e inserção
Intervenção Socioeducativa na Infância e
social
na Juventude
• Mediador em processos de acolhimento e adopção
Quadro1 de âmbitos e perfis em educação social
Educação Familiar e Desenvolvimento
Comunitário
Fonte: VILLA, A. (2005). Libro Blanco Titulo de Grado en Pedagogia y en Educación Social. Madrid: ANECA.
Os âmbitos e perfis, definidos nesse livro branco como da Educação Social (no
conceito espanhol) correspondem bem aos da Animação Sociocultural em Portugal. Temos
de ser claros: o termo de “animação sociocultural” pode ser atribuído a intervenções, a
práticas sociais, a métodos, a processos, a programas e projectos, a tarefas ou funções sociais
e a factores que produzem certos resultados, que não têm de corresponder a um tipo
7615
específico de profissionais bem determinado (TRILLA, 1998, ps.19-20).
Proposta
Mantendo, como deve ser mantida, a designação de Animação Sociocultural, por
razões históricas, mas, sobretudo por razões de afirmação de uma intenção explícita de
dinamização sociocultural, devem ser estabelecidos os pontos de contacto com designações
em outros países da União Europeia, a começar obviamente por Espanha. Designações
distintas podem e devem aproximar significados em termos práticos para se referirem a
profissões específicas. Assim, devemos aproximar-nos do termo “Animation Socioculturelle”
ou “Animation Culturelle” em língua francesa, do termo “Socio-Cultural Community
Development” ou “Community Education (Learning & Development)” em língua inglesa, e
de “Educación Social”, em língua espanhola.
A perspectiva sobre a Qualificação, apresentada no Quadro Europeu de Qualificações
para a Aprendizagem ao Longo da Vida (QEQ) (CE, 2009, p. 13) abre espaço para que as
Escolas Superiores adoptem designações gerais para as qualificações que atribuem,
permitindo que os diplomados, através de processos de formação ao longo da vida, se
adeqúem a exigências de múltiplas profissões, adaptando-se, por essa via, a uma
flexibilização crescente do mercado de emprego. No caso da Animação Sociocultural, esta
perspectiva permitiria que as entidades formadoras se mantivessem no patamar em que o
conceito de Animação Sociocultural se aplicaria a intervenções, a práticas sociais, a métodos,
a processos, a programas e projectos, a tarefas ou funções sociais e a factores que produzem
certos resultados, sem correspondência com um tipo específico de profissionais bem
determinados. De facto, o termo profissão corresponde, simultaneamente, a uma “função de
um sistema económico, que determina a actividade num campo profissional que se define em
perfis configurados por competências” [...] e a um “conjunto social organizado que facilita a
identificação e defesa dos interesses dos profissionais [...]” (URETA, 2008, p.155). Não
podemos, por isso, afastar os debates teóricos e epistemológicos em torno da definição de
uma formação, como a de Animação Sociocultural, do contexto onde se deseja que os
diplomados venham a exercer as suas competências.
Faz, portanto, todo o sentido que as Associações Profissionais e as Entidades de
Formação, mais do que se limitarem a reconhecer o passado e a sua legitimidade, se lancem
na construção de uma identidade profissional da Animação Sociocultural, devidamente
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articulada entre a academia e o contexto de trabalho, mesmo que isso possa implicar mais
uma perspectiva de futuro do que uma valorização do passado.
Considerações finais
Estamos todos envolvidos na formação dos educadores sociais, a partir do pressuposto
que a educação acontece em todos os espaços e com todos os homens. Pensar a formação do
Pedagogo considerando o processo educativo com possibilidades mais amplas de atuação é
uma contribuição para a análise crítica. Se nós não refletimos sobre estas possibilidades
outros o farão. E, pode não atender os critérios de emancipação, transformação, autonomia e
práxis que se deseja dentro das concepções progressistas da educação. Portanto, já se pensa
tarde, mas é possível propor e implementar cursos que venham atender a formação do
pedagogo Social e/ou sociocultural. Ao afirmar esta necessidade, neste texto, procura-se
contribuir na análise. Agora socializar as idéias é imprescindível, assim amadurecem as
reflexões e se fortalecem as implementações. Ações estas que se deve perseguir.
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