PRINCÍPIOS PEDAGÓGICOS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Ivanilde Apoluceno de Oliveira(1)
Resumo
Neste texto refletimos sobre os princípios pedagógicos na educação de jovens e adultos, tendo
como referência no âmbito legal, documentos oficiais como a Constituição Federal de 1988,
a Lei 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e as Diretrizes Curriculares
Nacionais contidas no Parecer CEB 11/2000 e Resolução CNE/CEB 1/2000. No campo
educativo utilizamos como referência os aportes teórico-metodológicos do pensamento
educacional de Paulo Freire. Centralizamos as nossas reflexões em torno de três questões:
Quem são os/as alunos/as atendidos na Educação de Jovens e Adultos? Por quê educá-los?
Como educá-los?
Palavras-chaves: Educação de Jovens e Adultos; Princípios Pedagógicos; Legislação
Princípios Pedagógicos
Para definirmos alguns princípios pedagógicos na Educação de Jovens e Adultos é
preciso refletirmos sobre três questões fundamentais: quem são os jovens e adultos atendidos
por essa modalidade de ensino? Por quê educá-los? Como educá-los?
Quem são os/as alunos/as da Educação de Jovens e Adultos?
Em relação às pessoas atendidas na Educação de Jovens e Adultos, identificamos três
especificidades: a etária, a sociocultural e a ético-política.
ƒEtária (Não-Infância):
A educação de jovens e adultos apresenta uma especificidade etária porque tem o
olhar para jovens, adultos e idosos, que não tiveram acesso à escola, na faixa etária da
chamada escolarização (dos 07 aos 14 anos) ou foram «evadidos» ou «expulsos» da escola.
Não são crianças, mas pessoas jovens, adultas e idosas com
experiência de vida e
profissional.
1
Doutora em Educação: Currículo pela PUC-SP. Mestra em Educação pela UFPb. Professora Titular da
Universidade do Estado do Pará e Universidade da Amazônia.
2
Existe uma complexidade nesta especificidade etária que precisa ser considerada. No
âmbito das práticas pedagógicas há diferenças de interesses, de motivações e de atitudes face
ao processo educacional entre os jovens, os adultos e os idosos.
O jovem tem um olhar para o futuro. Na transição da infância para a fase adulta está
ligado às inovações tecnológicas, aos modismos dos meios de comunicação, ou seja, às
mudanças que ocorrem no mundo. O adulto está interessado na vida profissional, em ser
inserido no mercado de trabalho, olhando para a sua situação de vida presente. O idoso busca
ser cidadão, viver a sua vida em sociedade sendo respeitado como pessoa e pelo seu passado,
pela sua história de vida. Almeja viver na sociedade com dignidade.
ƒSociocultural:
A educação de jovens e adultos apresenta uma especificidade sociocultural, na medida
em que concentra suas atividades educativas predominantemente em determinados grupos de
pessoas de uma determinada classe social e cultural, ou seja, jovens, adultos e idosos de uma
classe economicamente baixa. De modo geral, são trabalhadores assalariados, do mercado
informal ou do campo, que lutam pela sobrevivência na cidade ou no interior, apresentando
em relação à escola uma desconfiança, por não terem tido acesso à escola ou já terem sido
evadidos. Jovens, adultos e idosos «marginalizados» pelo sistema econômico - social, vistos
como «analfabetos» e muitas vezes considerados «incapazes de aprender».
Segundo OLIVEIRA:
O adulto, no âmbito da educação de jovens e adultos, não é o
estudante universitário, o profissional qualificado que freqüenta
cursos de formação continuada ou de especialização (...) Ele é
geralmente o migrante que chega às grandes metrópoles
proveniente de áreas rurais empobrecidas, filho de trabalhadores
rurais não qualificados e com baixo nível de instrução escolar
(muito freqüentemente analfabetos), ele próprio com uma
passagem curta e não sistemática pela escola e trabalhando em
ocupações urbanas não qualificadas, após experiência no
trabalho rural na infância e na adolescência, que busca a escola
tardiamente para alfabetizar-se ou cursar algumas séries do
ensino supletivo (1999, p.59).
ƒÉtico-política:
A educação de jovens e adultos também se caracteriza por uma especificidade éticopolítica, porque está no centro da relação de poder existente entre os escolarizados e nãoescolarizados, entre os alfabetizados e os não-alfabetizados. Relação de poder construída
3
através de representações e práticas discriminatórias e excludentes. E também porque as
pessoas rotuladas de «burras», «mobral», etc., manifestam um «sofrimento ético-político»(2)
de injustiça perante os escolarizados e um sentimento de inferioridade e de incompetência,
inclusive com a perda da auto-estima frente a sua família e ao seu grupo social.
O sofrimento ético-político retrata a vivência cotidiana das
questões sociais dominantes de cada época histórica,
especialmente a dor que surge da situação social de ser tratado
como inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da
sociedade (SAWAIA, 1999, p.104).
Assim, para compreendermos a Educação de Jovens e Adultos precisamos saber as
suas especificidades em relação a quem são os jovens, adultos e idosos atendidos por essa
modalidade de educação. Devemos ter consciência de sua condição de «pessoas humanas» e
de sua condição social: «não-crianças», «excluídos» e «membros de determinados grupos e
classes sociais». Torna-se, ainda necessário, considerar-se os jovens, os adultos e os idosos
em suas situações concretas existenciais, sociais, econômicas e políticas.
Por quê educar o jovem e o adulto?
A sociedade contemporânea regida pela lógica da racionalização dos recursos
financeiros focaliza o olhar para a educação da criança e não para os adultos e os idosos. Há
uma racionalização do tempo de trajetória escolar por idade, estabelecendo-se a faixa etária
escolarizável, para a educação básica dos 07 aos 14 anos.
Esse olhar para a criança e não para o adulto está pautado em duas representações:
1) Uma visão essencialista de mundo que pressupõe a criança estar em processo de
desenvolvimento físico, racional, moral e social, enquanto o adulto já está pronto
em seu desenvolvimento bio-psico-social.
2) Uma visão pragmática de mundo, de caráter utilitarista, que considera a educação
de adultos inútil, porque eles já viveram a vida toda sem serem alfabetizados.
Desta forma o tempo considerado para a aprendizagem é a infância, que tem uma
perspectiva de futuro (ser produtor na sociedade) e na fase adulta esse tempo de preparação
2
Conceito usado por SAWAIA (1999, p.11) para «incorporar a ética, a felicidade e o humano como critérios que
se entrelaçam com o econômico e o político, na análise do processo de inclusão perversa».
4
para o futuro já passou. E, quem não teve acesso à escola ou não concluiu sua trajetória
escolar nessa faixa etária, passa a ter dificuldades em iniciar ou prosseguir os seus estudos.
A atenção do sistema educacional é para a criança considerada em processo de
desenvolvimento bio-psico-social e com perspectiva de futuro. O adulto é secundarizado pelo
sistema educacional porque é considerado como pronto em seu desenvolvimento bio-psicosocial e sem perspectivas de futuro.
Esse olhar essencialista e utilitarista da educação em relação ao adulto é questionado
por Freire que analisa a educação a partir do significado de «sujeito» expresso através de
aportes teóricos filosófico-antropológicos, epistemológicos e ético-políticos(3).
1) Aporte Filosófico-antropológico:
O ser humano é um «ser de busca». É um ser «inconcluso», inacabado e incompleto,
que por perceber “que não sabe tudo”, busca o saber, o conhecimento e o seu aprimoramento
enquanto humano. Por saber-se inacabado é que busca a perfeição.
2) Aporte Epistemológico:
O ser humano é um «corpo consciente», cuja consciência é «intencionada ao mundo;
consciência de algo» (de si e do mundo), pressupondo que a consciência se constitui através
da intenção à realidade objetiva, em uma dimensão dinâmica, na medida em está direcionada
ao mundo para captá-lo, objetivá-lo e transformá-lo. O ser humano «está no mundo e com o
mundo».
A consciência do mundo e a consciência de si como ser
inacabado necessariamente inscrevem o ser consciente de sua
inconclusão num permanente movimento de busca (...) É neste
sentido que, para mulheres e homens, estar no mundo
necessariamente significa estar com o mundo e com os outros
(FREIRE, 1997, p. 64).
O ser humano é «sujeito gnosiológico», porque em suas relações uns com os outros no
mundo e com o mundo conhecem e comunicam-se sobre o objeto conhecido. Nesta relação
comunicativa ensaiam a experiência de assumirem-se como seres sociais e históricos, como
seres pensantes, comunicantes, transformadores, criadores e realizadores de sonhos.
Assumirem-se como sujeitos implica na não negação ou exclusão do outro.
3
Explicitados em OLIVEIRA, 2003.
5
Para FREIRE (1997, p. 46), «a assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos
outros. É a "outredade" do "não-eu" ou do "tu", que me faz assumir a radicalidade de meu
eu».
Ao afirmar que ninguém sabe tudo e tampouco ninguém é ignorante de tudo,
colocando o conhecimento num processo dialético e de constante superação, Freire pressupõe
uma relativização no processo de conhecimento.
O ser humano é um «sujeito que se comunica e dialoga com o outro». Na visão de
Freire o diálogo e a comunicação são fatores primordiais da relação humana e a condição para
o ser humano formar-se como pessoa.
O diálogo deve ser entendido como algo que faz parte da
própria natureza histórica dos seres humanos. É parte de nosso
progresso histórico do caminho para nos tornarmos seres
humanos (FREIRE e SHÖR, 1986, p.122;123).
O diálogo é o momento em que homens e mulheres se encontram para refletir sobre
sua realidade, sobre o que sabem
e o que não sabem, como sujeitos conscientes e
comunicativos que são. Além da dimensão existencial o diálogo em Freire apresenta um
caráter ético-político, ao possibilitar ao outro, aos oprimidos a
«dizerem sua palavra»
expressando seu pensamento, suas opções e seu modo de ser.
Foi exatamente porque nos tornamos capazes de dizer o mundo,
na medida em que o transformávamos, em que o reiventávamos,
que terminamos por nos tornar ensinantes e aprendizes. Sujeitos
de uma prática que se veio tornando política, gnosiológica,
estética e ética (FREIRE, 1993b, p.19).
3) Aporte Ético-Político:
O ser humano é um «ser de relações» ( reflexivo, conseqüente, transcendente e
temporal), que estabelece uma relação dialética homem-mundo.
É um ser «concreto», que existe no mundo e com o mundo, enquanto “corpo
consciente”, cuja consciência é intencionada para fora de si, para um mundo que não é mero
objeto de contemplação, mas tem a marca de sua ação. Nesta relação com o mundo o ser
humano é concebido como «ser de práxis» (reflexão-ação) e, assim como o mundo, é também
compreendido como «histórico-cultural», «na
medida
em que, ambos inacabados,
se
encontram numa relação permanente, na qual o homem, transformando o mundo, sofre os
efeitos de sua própria transformação» (FREIRE, 1980, p.76).
6
Para Freire, mulheres e homens situados em um contexto histórico-social estabelecem
relações dialéticas com os outros seres, sendo capazes de refletir sobre a sua própria realidade
fazendo-a objeto de seus conhecimentos bem como de transformá-la.
O ser humano é, naturalmente, um ser da intervenção no mundo
à razão de que faz a História. Nela, por isso mesmo, deve deixar
suas marcas de sujeito e não pegadas de puro objeto (FREIRE,
2000, p. 119).
O ser humano é um «sujeito que pergunta e problematiza a realidade». O perguntar faz
parte do processo de existir humano, sendo fundamental para a sua compreensão e formação. A
pergunta como parte do existir humano está vinculada à curiosidade, à problematização de
homens e mulheres sobre si mesmo e sobre a realidade social, à sua formação humana, ética e
política e à relação dialógica entre os seres humanos. O ser humano, portanto, problematiza a si
mesmo.
O ato de perguntar, instigado pela curiosidade eminentemente humana, faz parte da
construção de sua autonomia, como sujeito.
A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao
desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como
procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere
alerta faz parte integrante do fenômeno vital. Não haverá
criticidade sem a curiosidade que nos põe pacientemente
impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando
algo a ele que fazemos (FREIRE, 1997, p.35).
Além do existencial o
ato de perguntar caracteriza-se como político, porque o
perguntar é um ato democrático. Permite ao outro contestar, optar e dizer a sua palavra, não
aceitando o saber feito, as respostas prontas, possibilitando-lhe ser sujeito e assumir o risco de
sua intervenção.
O ser humano é um «sujeito histórico-social, ético, político e cultural». «Sujeito de
escolhas (opções) e de decisões».
Freire pressupõe que homens e mulheres possuem
capacidade de pensar, de conjeturar, de criticar, de comparar, de escolher, de decidir, de
projetar e sonhar uma nova sociedade.
Assim, o ser humano consciente de seus condicionamentos sociais, mas não
fatalisticamente submetido aos destinos estabelecidos, abre o caminho à sua intervenção no
mundo. A escolha e a decisão são atos ético-políticos do sujeito.
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Que a nossa presença no mundo, implicando escolha e decisão,
não seja uma presença neutra. A capacidade de observar, de
comparar, de avaliar para, decidindo, escolher, com o que,
intervindo na vida da cidade, exercemos nossa cidadania, se
erige então como uma competência fundamental. Se a minha
não é uma presença neutra na história, devo assumir tão
criticamente quanto possível sua politicidade. Se, na verdade,
não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas
para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo
sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que
tenha para não apenas falar de minha utopia, mas para participar
de práticas com ela coerentes (FREIRE, 2000:33).
Na visão de Freire, a consciência crítica torna-se um processo “libertador”, pois
exercitando a práxis (reflexão-ação), os seres humanos se descobrem como pessoas e, deste
modo, o mundo, os homens e as mulheres, a cultura e o trabalho assumem o seu verdadeiro
significado. O processo de desvelamento crítico da realidade realizado entre mulheres e
homens em sua relação de comunicação consiste na conscientização. Pelo exercício da práxis
homens e mulheres se descobrem pessoas situadas no mundo, como seres produtores da
cultura e sujeitos da história.
A história para Freire é um processo dialético humano, porque «não apenas temos
história, mas fazemos a história que igualmente nos faz e que nos torna portando históricos»
(FREIRE, 2000:40) e de possibilidade, na medida em que considera a mudança difícil, mas
possível.
A História é tempo de possibilidade e não de determinações. E se
é tempo de possibilidades, a primeira conseqüência que vem à
tona é a de que a História não apenas é mas também demanda
liberdade. Lutar por ela é uma forma possível de, inserindo-nos na
História possível, nos fazer igualmente possíveis (FREIRE, 1993b,
p. 35).
Neste processo histórico de formação do sujeito o sonho e a esperança de modificação
da sociedade fazem parte constitutiva. Para Freire não há perspectiva de intervenção nem de
mudança social sem um projeto, sem um sonho possível.
Sonhar não é apenas um ato político necessário, mas
também uma conotação de forma histórico social de estar
sendo
de mulheres e de homens. (...) Não há mudança
sem sonho como não há sonho sem esperança (FREIRE, 1993a,
p. 91).
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Desta forma, o «sujeito» Freireano está situado historicamente no mundo e com o
mundo e, nesta relação com o mundo e com os outros seres humanos, conhece, forma-se
como pessoa humana, problematiza e intervém na realidade social.
A partir dessa compreensão de sujeito, Freire considera que:
ƒA educação faz parte do existir humano.
A educação passa a ter sentido para o ser humano, porque o seu existir é um «estar
sendo», constituído por projetos de vida. «A educação tem sentido porque, para serem,
mulheres e homens precisam de estar sendo. Se mulheres e homens simplesmente fossem não
haveria porque falar em educação» (FREIRE, 2000, p. 40).
A educação passa a ter sentido ao ser humano porque o seu existir se caracteriza como
possibilidade histórica de mudanças.«Somos ou nos tornamos educáveis porque, ao lado da
constatação de experiências negadoras da liberdade, verificamos também ser possível a luta
pela liberdade e pela autonomia contra a opressão e o arbítrio» (FREIRE, 2000, p. 121).
ƒA educação é um processo de humanização de homens e mulheres, na medida em
que rejeita toda forma de manipulação humana e dimensiona os homens e as
mulheres como o sujeitos da educação.
ƒA educação é problematizadora da realidade social, ao estimular o diálogo, a
curiosidade e o ato de perguntar.
ƒA educação é uma ação de comunicação entre os sujeitos, ao possibilitar a
articulação entre os saberes: erudito/científico e os experienciais, do senso comum
e a convivência ética com a diferença.
ƒA educação é uma ação pedagógica de co-participação e co-responsabilidade,
cabendo ao educador e ao educando buscarem, pesquisarem o conhecimento, para
que a aula seja, de fato, um espaço democrático.
ƒA educação é crítica, um instrumento de desalienação e de libertação dos
oprimidos que, ao refletirem sobre a sua condição de excluído, se engajam numa
luta para libertarem-se de sua opressão. Educação centrada em experiências de
liberdade e estimuladoras da decisão e da responsabilidade dos seres humanos.
ƒA educação deve ser compromissada com a transformação social, com o sonho
político de uma sociedade democrática. Educação cuja tarefa é a de denunciar a
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opressão, a alienação e os discursos ideológicos dominantes e anunciar um novo
discurso e novas práticas libertadoras e includentes.
ƒA educação é um direito do ser humano. O exercício da cidadania implica a
intervenção de homens e mulheres na vida social, como seres de observação,
avaliação, escolha, decisão e de práxis.
CAMPELLO ressalta que:
A inutilidade da Educação de adultos, tese tantas vezes
apregoada significa, no concreto, dizer a muitos jovens que não
sonhem em aprender, que não sonhem em melhorar de vida...,
que na medida em que não aprenderam enquanto eram crianças,
não têm mais nem chance, nem capacidade para verem
concretizado esse sonho. Ou esse direito? (1990, p.35).
Esse direito à educação está fundamentado em duas dimensões:
ƒético-existencial, como um direito de existência do ser humano no mundo com
dignidade e em uma dimensão
ƒsócio-política, como um direito ao exercício da cidadania.
O direito à educação nessas duas dimensões está focalizada na escolarização que se
apresenta como indicativo de uma relação social de poder, na medida em que o acesso ao
saber escolarizado torna-se referencial de diferença social entre os alfabetizados
(escolarizados) e os analfabetos (não-escolarizados).
O termo «analfabeto» é utilizado como «ausência de instrução», entretanto, como
afirma LEWIN:
(...) mesmo que se possa conceituar o analfabetismo como uma
questão de escassez educacional, insuficiência ou inexistência
de escolaridade, é esta, dentre várias formas possíveis de definir
o analfabetismo. Porém, é mais do que isso. É sobretudo, um
fenômeno de exclusão social e de marginalização econômica; de
compulsório afastamento político e de subtração do gozo dos
benefícios sociais e dos direitos civis; de impedimento ao acesso
às várias formas de expressão da cultura erudita e,
paralelamente, de desvalorização do popular e do seu patrimônio
cultural (1990, p.25).
Os que não tem acesso à escola, os que não permanecem nela completando os diversos
níveis escolar passam a ser tipificados socialmente como «analfabetos» e, em conseqüência,
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excluídos, marginalizados na sociedade e negados no seu direito ético à formar-se como ser
humano e no seu direito político de participar efetivamente da vida social.
É a sociedade letrada que cria o analfabeto como tipo social e,
simultaneamente, o estigmatiza socialmente gerando uma
relação conflitual e contraditória entre o «eu» e o «outro» - o
analfabeto e o alfabetizado – dotado cada qual de sinal inverso
de identificação cultural e de reconhecimento social (LEWIN,
1990, p.27).
A educação de jovens e adultos, portanto, está no cerne do debate sobre a exclusão
social e da questão da democratização do ensino, do acesso e permanência de todos os
indivíduos à escola pública. Do reconhecimento dos excluídos, por fatores de idade e de
classe, ao direito à educação, ao direito de «ler e de escrever; de questionar e de analisar; de
ter acesso a recursos e de desenvolver e praticar habilidades e competências individuais e
coletivas».(4)
As Diretrizes Curriculares Nacionais contidas no Parecer CEB 11/2000 e Resolução
CNE/CEB 1/2000 definem como princípios na educação de jovens e adultos no Brasil.
1) A educação como direito público subjetivo, compreendido como aquele pelo qual o
titular de um direito (de qualquer faixa etária que não tenha tido acesso à escolaridade
obrigatória) pode exigir imediatamente o cumprimento de um dever e de uma obrigação.
Direito que pode ser acionado por qualquer cidadão, associações, entidades de classe e o
Ministério Público (Parecer CEB 11/2000 e Art. 5º da LDB/96).
2) Educação como direito de todos,
através da
universalização do ensino
fundamental e médio. A Constituição Federal de 1988 expressa ser dever do Estado a
garantia do ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiverem
acesso na idade própria (art. 208) e a Lei 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional estabelece a obrigatoriedade e gratuidade do ensino fundamental e a progressiva
extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio (Art. 4º).
O acesso ao saber escolar é viabilizado pela oferta de cursos regulares presenciais e a
distância
e exames supletivos feita por instituições de ensino públicas ou privadas
credenciadas. Exige-se dos jovens e adultos serem maiores de 15 anos para conclusão do
ensino fundamental e maiores de 18 anos para conclusão do ensino médio. O direito à
4
Declaração de Hamburgo sobre Educação de Adultos (1997, p. 03).
11
realização de exame supletivo é extensivo às comunidades indígenas. (Art. 37 e 38 LDB796).
3) Educação permanente, que considere as necessidades e incentive as potencialidades
dos educandos; promova a autonomia dos jovens e adultos, para que sejam sujeitos da
aprendizagem; educação vinculada ao mundo do trabalho e às práticas sociais; projeto
pedagógico com flexibilidade curricular e conteúdos curriculares pautados em 3 princípios:
contextualização, reconhecimento de identidades pessoais e das diversidades coletivas
(Parecer CEB 11/2000).
Em função destes princípios novas funções são estabelecidas para a Educação de
Jovens e Adultos:
ƒReparadora - ao reconhecer a igualdade humana de direitos e o acesso aos
direitos civis, pela restauração de um direito negado;
ƒEqualizadora - ao objetivar propor igualdade de oportunidades de acesso e
permanência na escola e,
ƒQualificadora - ao viabilizar a atualização permanente de conhecimentos e
aprendizagens contínuas (Parecer CEB 11/2000)
O princípio norteador da educação de jovens e adultos passa a ser a eqüidade
compreendida como:
forma pela qual se distribuem os bens sociais de modo a garantir
uma redistribuição e alocação em vista de mais igualdade,
consideradas as situações específicas (...) Neste sentido, os
desfavorecidos frente ao acesso e permanência na escola devem
receber proporcionalmente maiores oportunidades que os outros
(PARECER CEB 11/2000. In: SOARES, 2002, p. 39).
A educação de jovens e adultos, portanto, é considerada um direito, o de acesso a
educação escolar pela universalização do ensino fundamental e médio, sendo compreendido o
acesso à leitura e à escrita um bem social.
As Diretrizes Curriculares Nacionais apresentam alguns avanços do ponto de vista
pedagógico, existindo uma preocupação com a especificidade etária e sociocultural dos jovens
e adultos atendidos no sistema educacional.
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Destacam a necessidade de formulação de projetos pedagógicos próprios e específicos
para a Educação de Jovens e Adultos, que leve em consideração na sua organização:
•
o perfil e a situação de vida do aluno(Parecer CEB 11/2000);
ƒas necessidades e disponibilidades dos jovens e adultos, buscando garantir aos
alunos trabalhadores condições de acesso e de permanência na escola. (Art. 4º,
Inciso VII - LDB/96);
ƒa experiência extra-escolar, validando-se os saberes dos jovens e adultos
aprendidos fora da escola e admitindo formas de aproveitamento de estudos e de
progressão nos estudos mediante verificação da aprendizagem. (Parecer CEB
11/2000 e Art. 3º - LDB/96);
ƒOrganização curricular através da transversalidade, sendo destacado o trabalho
como tema transversal (Parecer CEB 11/2000).
Enfatizam, ainda, a relação entre o ensino médio e a educação profissional de nível
técnico, que pode ser efetivada de modo concomitante ou seqüencial (Parecer CEB 11/2000) e
a valorização da formação e da prática educativa de jovens e adultos no sistema educacional.
Formação qualificada e contínua para o docente, ofertada por Instituições de Ensino Superior
e associada à pesquisa.
Entretanto, apesar de estarem presentes
nas Diretrizes Curriculares Nacionais a
ampliação do conceito de ensino, com o significado de instrução, para educação e os
princípios do direito subjetivo e a educação permanente, o ensino fundamental obrigatório,
iniciado aos 7 anos pelo processo de alfabetização, tem sua terminalidade na faixa etária dos
14 anos. O prosseguimento do estudo da população com mais de 15 anos é efetivada em
cursos específicos e exames supletivos, sendo considerada a Educação de Jovens e Adultos
uma modalidade da educação básica, com isso, desenvolve uma ação educativa inserida, mas
secundarizada ou marginalizada no sistema regular de ensino.
A própria LDB/96 (§2 do Art.5º) determina que o Poder público deve assegurar em
primeiro lugar o acesso ao ensino obrigatório, antes dos demais níveis e modalidades de
ensino, que pode ser interpretada como prioridade na destinação dos recursos da União para
esse ensino em detrimento da Educação de Jovens e Adultos.
13
O Parecer CEB 11/2000 supera a visão de compensação de um déficit do sistema
educativo, mas a nova função reparadora, a que busca restaurar um direito negado, mantém a
idéia de correção, de reparação de uma situação educacional excludente.
Essas Diretrizes apontam a preocupação com a formação específica e de qualidade do
educador de jovens e adultos, visando superar a prática leiga e voluntária. e o
desenvolvimento de ações pedagógicas que valorizem os saberes e as experiências de vida e
profissional dos educandos e o seu contexto sociocultural. Ações pedagógicas que se
aproximam do pensamento educacional de Paulo Freire, mas que ainda estão distanciadas de
sua concepção de jovens e adultos numa perspectiva popular: democrática, dialógica e
participativa. Por isso passa a ser importante explicitarmos a questão de como trabalhar
pedagogicamente com os jovens e adultos na educação Freireana.
Como educar os Jovens e Adultos?
Tendo como referência os aportes teórico-metodológicos do pensamento educacional
de Paulo Freire consideramos que a prática da educação de jovens e adultos precisa ser
desenvolvida:
ƒDe forma dialógica. O educador deve estimular aos educandos a participarem
efetivamente da sala de aula, expressando de forma oral e escrita os seus
conhecimentos, dizendo a sua palavra e interagindo dialogicamente com o
professor no processo ensino-aprendizagem.
O diálogo
Freireano apresenta um caráter: existencial, (faz parte da própria
compreensão do homem como ser comunicativo e de conhecimento) metodológico ( faz parte
do processo pedagógico) e político (é um processo democrático e participativo, pois implica
em reconhecer nos outros o direito de dizer a sua palavra).
ƒOs conteúdos escolares trabalhados a partir da realidade social dos jovens e
adultos, por meio de temas e palavras geradoras, de forma integralizada e
globalizada.
A relação do educador com a realidade contextual do educando não se coloca apenas
para o melhor exercício da atividade docente, mas sobretudo, para o educador aprender,
adquirir conhecimentos por meio dessa relação. Essa relação mútua de aprendizagem por
parte dos educadores e educandos constitui um dos pontos básicos para a efetivação de uma
prática educativa democrática.
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ƒCriar situações variadas de aprendizagem, de modo que o estudo seja ao mesmo
tempo trabalho - lazer, esforço - prazer e que favoreça ao educando ser o sujeito do
conhecimento.
Devem ser priorizadas atividades que fazem o educando pensar, descobrir, recriar,
possibilitando-lhe avançar no conhecimento do mundo e na instrumentalização da leitura e
escrita;
ƒDesenvolver técnicas diversificadas, trazendo para sala de aula, o cotidiano, o
belo, o colorido, os problemas e as contradições sociais.
Utilizar nas atividades da sala de aula as variadas formas de linguagem (verbal,
escrita, colagem, desenho, dramatização, música, etc) e de instrumentais da escrita (livros,
jornais, revistas, cartazes, embalagens, etc)
Prática educativa que considere:
ƒA permanente reflexão sobre a prática;
ƒO processo formativo de construção do saber-fazer pedagógico dos educadores no
cotidiano social;
ƒA valorização da pessoa do educador e do educandos (vistos como sujeitos do
conhecimento);
ƒA interação intersubjetiva com o outro, as pessoas e suas diversidades culturais,
sociais e pessoais;
ƒAs representações, as ideologias e os imaginários envolvidos na prática docente;
ƒA realização de atividades investigativas e de intervenção social.
Prática que pressupõe uma pedagogia dialógica com uma nova cultura a da
solidariedade, capaz de redimensionar os papéis tradicionalmente estabelecidos e a superação
de práticas individualistas para um trabalho coletivo e solidário, envolvendo a comunidade.
Prática que possibilite na vivência coletiva com o outro, o aprendizado do sentimento
de respeito à pessoa humana e à cultura do outro.
15
Considerações Finais
O direito à universalização do ensino escolar apresenta-se caracterizado pelo acesso ao
saber escolar visando inserir jovens e adultos no sistema educacional para continuarem seus
estudos. Essa visão de democratização escolar precisa ser ampliada, não ficando restrita ao
acesso à escola, como um direito básico, mas também que esses jovens e adultos das classes
populares sejam efetivamente participantes do processo de construção do saber e da escola.
Isso significa desenvolver-se novos projetos e práticas pedagógicas nas quais esses jovens e
adultos sejam sujeitos críticos da educação.
Os avanços nos princípios legais estabelecidos pela política educacional devem estar
coadunados com as práticas de gestão e pedagógicas nas escolas. Não se pode deixar de se
considerar que a educação de jovens e adultos se situa no debate ético-político da exclusão
social e na luta pela educação pública e gratuita para todos, com um ensino de qualidade e
democrático, envolvendo a participação das classes populares, o que implica na interação no
ensino escolar entre os saberes (o erudito e popular) e a escola e a comunidade.
A educação de jovens e adultos exige uma prática pedagógica fundamentada em
princípios éticos-políticos de valorização da pessoa humana, de suas experiências de vida e
cultural. Prática educativa dialógica e solidária que possibilite a formação e o
desenvolvimento dos educandos como seres humanos e cidadãos.
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