ARTIGO
Só um toque, e que toque
que fica atrás do balcão, passando as carteirinhas, marcando, chamando, não é inocente,
não! Ela sabe muito bem o que acontece lá,
entre as quatro paredes do consultório. No entanto, entendo eu, sarcasticamente, pergunta:
‘ – Então seu Antonio, tudo bem?’ Não sei se
respondo o que pensava ou fico em silêncio.
O silêncio foi a cara com que olhei para um
dos pacientes que me encarou. Como se não
soubesse ou estivesse prestes ao toque.
Bem, entre um certo desconforto, e uma
grande tranquilidade quanto ao resultado do
exame físico, vou pra casa. Ainda bem que a
consulta era ao anoitecer. Na rua, lá pertinho
da Santa Casa, já está escuro e pouca gente
vê você saindo. Pelo menos sem publicidade.
No dia seguinte, a segunda etapa da maratona do toque. Discretamente, vou ao laboratório para coleta do sangue para o PSA. Pela
manhã, sala de espera cheia, entrego o pedido
e a atendente, muito sem noção, penso eu,
pergunta em alto e bom som: ‘ – Fez o toque
quando? Ah! Ontem? Sem relação sexual há
mais de dois dias?’ Tudo bem ‘seu’ Antonio.
Disfarço e olho pra galera, vejo alguns risinhos disfarçados e não tenho onde enfiar a
cara.
Ano seguinte, agora não mais inocente,
vou ao mesmo consultório, novamente no final da tarde.
Sou chamado, mesmo ritual, cumprimento
simpático, boas vindas, mas desta vez, eu estava preparado. Estico a conversa o máximo
que posso. Afinal havia assuntos em pauta,
eleições, política, família.
Bem, penso, creio que uns quinze minutos
de papo e afirmativa de que tudo estava bem,
bem demais. Quando penso que vou sair ileso, com o pedido de PSA e ponto, sou convidado, novamente para a sala de exames.
Já não era ‘virgem’, sabia o que iria acontecer, mas, quando convidado a ‘relaxar’,
apenas complemento: ‘- É, meu amigo, fica
no meu lugar aqui e relaxa!’. Rimos um pouco, mas, novamente ‘vapt e vupt’.
Dessa vez, ao sair fui mais esperto que a
‘mocinha’ e já fui falando que estava tudo
bem e que precisaria marcar o retorno. E ponto.
Bom, depois da segunda vez, não por costume ou vício, mas, para honrar a profissão de
prevencionista, a cada dois, três anos lá vou
eu.
Lembro da história que sempre conto em
palestras e treinamentos, quando alguém
pergunta a respeito. Sem muitos detalhes é
senhor, de uns oitenta anos, que vai ao urologista, com problemas correlatos e o jovem
médico encontra dificuldades em convencê-lo
da necessidade do toque.
Para tanto, sai ao corredor e encontra um
médico mais velho e lhe pede ajuda. Esse, a
título de argumentação, fala que aquele profissional o havia examinado e que era muito,
muito discreto.
Quando se prepara para realizar o exame,
o velhinho dirige-se ao médico e pergunta:
‘- O senhor é discreto? Respeitoso? Não vai
falar para ninguém?’ Diante da assertiva do
médico, o vovô arremata: ‘ – Então faz de
conta que está fazendo esse exame na senhora
sua mãe!’
E a cada visita um fato interessante, o último foi encontrar um conhecido que tentou
disfarçar, se esconder, mas quando saí não
o poupei e, de forma eloquente: ‘– Vai tranquilo, vai dar, tudo certo!’ O cara não gostou
muito, mas, foi uma pequena vingança.
Agora, pensando seriamente, quantos, são
aqueles que, por preconceito, ignorância, machismo e desrespeito a si próprios, abstém-se
de submeter-se ao exame. Sempre, prevenir é
o melhor e único remédio.
E como dica, sugestão, ou só um toque: é
um toque só, que pode evitar muitos problemas.
Levar na brincadeira, tornar mais leve o
incômodo, não constranger-se por pouca coisa pode ser o ‘toque’ que salva vidas.
Apenas um toque, num novembro azul,
que começa com nosso dia, o dia de todos os
santos, dia primeiro de novembro.
Foto Arquivo Pessoal
Quarenta, quarenta e cinco, cinquenta ou
cinquenta e cinco? Não se preocupe, sua hora
chega. Ah! Não adianta falar em ultrassom,
exame de sangue (PSA), mais dia menos dia,
é seu dia do ‘toque’. Até pelo simples motivo:
os exames são complementares, não excludentes.
No entanto, conversa à parte, chega o seu
dia do toque. E eu, pobre mortal, também me
enquadrei na extensa fila.
Era um dia normal, como outro qualquer,
daí vem a informação, por telefone, que Marisa me passa: ‘Hoje, às 6:30 você tem consulta
no doutor Urologista!’ Bem, pensei, deve ser
pela ‘dorzinha’ que falei estar sentindo vez
em quando, no rim. Afinal há histórico familiar de cálculos renais.
E lá vou eu, todo ‘pimpão’, para a tal
‘consulta’. Lembro-me que o médico já havia
tratado meus pais, então, fazia reflexão, enquanto esperava, dos episódios que conhecia.
Sala de espera cheia e, interessante, nenhuma mulher, eu só fui atentar para o fato
depois da ‘consulta’.
Sempre gentil, amigável, simpático, o médico me cumprimenta e vamos conversando,
conversando. Lembramos os episódios das
cirurgias de extração de cálculos, muito bem
sucedidas da minha mãe (de quem ele sempre
cuidou). Falamos de outros assuntos e, sem
cerimônia me convida para a ‘outra sala’.
Inocentemente vou pra lá e, seguindo sua
orientação me deito na maca.
Ainda, inocentemente, solto o cinto, abaixo a calça e... ‘Cueca também!’ Ordena ele.
Vamos conversando, ele examinando, eu
procurando não ter motivos para ‘constrangimentos’ fisiológicos.
Repentinamente, de forma muito simpática: ‘ – Toninho vira de bruços!’ Novamente e,
inocentemente, atendo à determinação.
Passa um tempinho e nova ordem: ‘ – Relaxa!’ Relaxa? Penso eu, qual o motivo? Sem
que pudesse elucubrar, sinto uma sensação
desagradável, indescritível e que, a meu ver,
dura uma eternidade.
Ouço, novamente: ‘ – É, seu Antonio nunca teve nenhum problema!’
Pode se vestir, ouço, ainda meio entre indignado e assustado.
Algo melando, ‘escorregoso’, me dá a impressão de que esqueci, bem, esqueci de fazer
higienização depois, depois do número dois.
Voltamos para a sala de ‘briefing’ e o Médico, Amigo e, agora... mas que desagradável, orienta para a realização de um exame de
sangue, despede-se, manda lembranças para a
Marisa. Ah! Ela sabia, penso eu, do objetivo
da ‘consulta’ e eu inocente, caí na arapuca.
Daí vem talvez o pior. Aquela mocinha,
Antonio José Setto
Engenheiro de Segurança
Consultor em Segurança do Trabalho e Gestão em Sustentabilidade
Perito Designado da Justiça Federal
do Trabalho
Novembro 2015 - APM - Regional Piracicaba
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Só um toque, e que toque. Antonio José Setto