Agora penso a cada passo
sem saber o que almejo
sem emoção, movimento escasso
nessa alma inerte vazia de desejo
Letras inúteis em suas combinações –
Ximena L.
Letras inúteis em suas combinações
Porque palavras tendem a ser inadequadas
Desconfie das autoridades
Chão coberto de juramentos, Paredes de regras
Teto de culpa, papéis em branco
Templos de redenção
Tempos de rendição
Nascer, crescer reproduzir-se e morrer
Nascer, crescer reproduzir-se e morrer
toda rExistência é inútil
Os piores medos são os antigos
Eu já sabia: "É tudo falso."
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Samba sem ritmo – Ximena L.
Quase choro com qualquer abraço
Tanta saudade em tudo o que faço
Isso não me cansa mais
Alegria mansa foi embora, era incapaz
Nas nuvens a lua vai sumindo,
me puxando leva junto me engolindo
é o fim do mundo, o fim, o fim de mim
tão profundo e decisivo quanto um sim
Querer não é poder algum
Ninguém se importa com a r-evolução
Submissão absoluta é uma forma de liberdade.
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Ah, meu vício mais antigo
Coração nublado é o meu melhor amigo
Ah, meu problema mais querido
Escuridão que embeleza tudo o que eu digo
Sinto muito nada – Ximena L.
Ah, coração partido
Já foi tanto tempo atrás
ninguém percebe a minha paz
Só agora, olhando de fora
eu reconheço o bem que o mal me faz.
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Filolóide – Ximena L.
Liberdade é maldade
A quem teme a verdade
Só não se perde o lirismo
por medo do abismo
A gente sabia que mentia enquanto estava,
mas não incomodava, então não importava.
Era divertido e calmante e colorido
até momentos antes de se tornar apodrecido.
Foi um instante, um momento
piscamos olhos sentimos vento
Aos nossos ouvidos, voltou o antigo ruído
Sabíamos: "está destruído."
O dito foi desdito
e o gostado foi desgostado
e para tal só foi preciso esse minuto maldito
Sabíamos: "está acabado."
Gentil, viril, senil
Um leque com máscaras mil
Bailes de galas mesquinhos
Traremos cicatrizes dos ninhos
A verdade é só mais uma ilusão
nada nunca nos irritou por ser torto
o essencial sempre coube na palma da mão
Mas sabíamos: "Está morto."
Como julgar por virtude
um bem que faz mal à saúde
Ou um mal que, quando escarlate
com ondas de êxtase arrebate?
E por conhecer as normas do contrato
que derreteu tão rápido o que era abstrato
velho e feio assim como o retrato
É como é, já sabíamos, é fato.
Vadio, sombrio e tardio
Nada é tudo que há de vazio
solidão é regra na multidão
O mundo é mudo, eu não.
-1Projeto Abraço Sem Medo: Leitura e Cidadania na Penitenciária Industrial de Cascavel
Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.
Metade – Ferreira Gullar
Que a força do medo que eu tenho,
não me impeça de ver o que anseio.
E que o teu silêncio
me fale cada vez mais.
Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim
é abrigo, mas a outra metade é cansaço.
Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio...
Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba.
Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que triste...
E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.
Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada
mesmo que distante.
Porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.
Porque metade de mim é partida,
mas a outra metade é saudade.
E que a minha loucura seja perdoada.
Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas,
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.
Porque metade de mim é amor,
e a outra metade...
também.
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Comigo me desavim – Mário de Sá-Carneiro
Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.
Comigo me desavim,
sou posto em todo perigo;
não posso viver comigo
nem posso fugir de mim.
Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz
que eu mereço.
Com dor, da gente fugia,
antes que esta assi crecesse;
agora já fugiria
de mim, se de mim pudesse.
Que meo espero ou que fim
do vão trabalho que sigo,
pois que trago a mim comigo,
tamanho imigo de mim?
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E que essa tensão
que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso,
mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.
O se SÁ DE MIRANDA CARNEIRO – Alexandre
O'Neill
Que o espelho reflita em meu rosto,
um doce sorriso,
que me lembro ter dado na infância.
comigo me desavim
eu não sou eu nem sou o outro
sou posto em todo perigo
sou qualquer coisa de intermédio
não posso viver comigo
pilar da ponte de tédio
não posso viver sem mim
que vai de mim paar o Outro
Porque metade de mim
é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei.
-2Projeto Abraço Sem Medo: Leitura e Cidadania na Penitenciária Industrial de Cascavel
Queixas Noturnas – Augusto dos Anjos
Quem foi que viu a minha Dor chorando?!
Saio. Minh'alma sai agoniada.
Andam monstros sombrios pela estrada
E pela estrada, entre estes monstros, ando!
Ah! Por todos os séculos vindouros
Há de travar-se essa batalha vã
Do dia de hoje contra o de amanhã,
Igual à luta dos cristãos e mouros!
Não trago sobre a túnica fingida
As insígnias medonhas do infeliz
Como os falsos mendigos de Paris
Na atra rua de Santa Margarida.
Sobre histórias de amor o interrogar-me
E vão, é inútil, é improfícuo, em suma;
Não sou capaz de amar mulher alguma
Nem há mulher talvez capaz de amar-me.
O quadro de aflições que me consomem
O próprio Pedro Américo não pinta...
Para pintá-lo, era preciso a tinta
Feita de todos os tormentos do homem!
O amor tem favos e tem caldos quentes
E ao mesmo tempo que faz bem, faz mal;
O coração do Poeta é um hospital
Onde morreram todos os doentes.
Como um ladrão sentado numa ponte
Espera alguém, armado de arcabuz.
Na ânsia incoercível de roubar a luz.
Estou à espera de que o Sol desponte!
Hoje é amargo tudo quanto eu gosto;
A bênção matutina que recebo...
E é tudo: o pão que como, a água que bebo,
O velho tamarindo a que me encosto!
Bati nas pedras dum tormento rude
E a minha mágoa de hoje é tão intensa
Que eu penso que a Alegria é uma doença
E a Tristeza é minha única saúde.
Vou enterrar agora a harpa boêmia
Na atra e assombrosa solidão feroz
Onde não cheguem o eco duma voz
E o grito desvairado da blasfêmia!
As minhas roupas, quero até rompê-las!
Quero, arrancado das prisões carnais.
Viver na luz dos astros imortais,
Abraçado com todas as estrelas!
Que dentro de minh'alma americana
Não mais palpite o coração — esta arca,
Este relógio trágico que marca
Todos os atos da tragédia humana!
A Noite vai crescendo apavorante
E dentro do meu peito, no combate.
A Eternidade esmagadora bate
Numa dilatação exorbitante!
Seja esta minha queixa derradeira
Cantada sobre o túmulo de Orfeu;
Seja este, enfim, o último canto meu
Por esta grande noite brasileira!
E eu luto contra a universal grandeza
Na mais terrível desesperação...
É a luta, é o prédio enorme, é a rebelião
Da criatura contra a natureza!
Melancolia! Estende-me a tua asa!
És a árvore em que devo reclinar-me...
Se algum dia o Prazer vier procurar-me
Diz a este monstro que eu fugi de casa!
Parai essas lutas, uma vida é pouca
Inda mesmo que os músculos se esforcem,
Os pobres braços do imortal se torcem
E o sangue jorra, em coalhos, pela boca.
E muitas vezes a agonia é tanta
Que, rolando dos últimos degraus,
O Hércules treme e vai tombar no caos
De onde seu corpo nunca mais levanta!
E natural que esse Hércules se estorça,
E tombe para sempre nessas lutas,
Estrangulado pelas rodas brutas
Do mecanismo que tiver mais força.
-3Projeto Abraço Sem Medo: Leitura e Cidadania na Penitenciária Industrial de Cascavel
Queixas Noturnas 3 [adaptado] – Ximena L.
Vivo escondendo o quadro de aflições que me
consome
Como um ladrão sentado numa ponte,
fico à espera que os primeiros raios de sol
despontem,
Para mais uma vez em vão
Tentar roubar sua beleza
E expressar sua magnitude
Mas sua luz só me traz mais tristeza
Porque ao contemplá-los, tenho certeza
Que minha mágoa de hoje é tão intensa
Que penso que a alegria é uma doença
E a tristeza é minha única saúde.
Da verdade construída por mentira
Com o luar no céu disposto
A mostrar o poder de sua ira.
Vou enterrar agora minha fraqueza
No choro silencioso dos mortos
Por tudo aquilo que não puderam fazer
E assim, no fim do dia agonizante,
Fazer o esforço incessante
De sair da estranha quimera
Que até então conseguiu me entorpecer
Que de hoje em diante
Aquele que for imortal deva
Esquecer toda a piedade mundana
E saiba distinguir a dor
Dos pobres atos da tragédia humana!
A Noite vai crescendo apavorante
E dentro do meu peito, no combate,
A Eternidade esmagadora bate
Numa dilatação agoniante!
Luto contra a grandeza universal
No mais incessante desespero
É a luta, é a revolução, é o enterro,
Das criaturas nascidas do mal!
Uma vida é pouco demais
Mesmo que os músculos se esforcem,
Os pobres braços do mortal se torcem
E o sangue cai, para não voltar nunca mais.
Melancolia! Recolha-nos sob tua asa!
Não se recuse a me abrigar...
Se algum dia o sol vier me procurar
Diga a este monstro que fugi de casa!
E muitas vezes a agonia é tanta
Que mesmo de joelhos, tentando subir os
degraus,
Se sente tremer e tombar no caos
De onde seu corpo nunca mais levanta!
E natural que o mortal se contorça,
E tombe para sempre nessas lutas,
Estrangulado pelas rodas brutas
Do mecanismo que tiver mais força.
Por todos os séculos que ainda virão
Muitas batalhas travarão
aqueles que suportarem o terror
do dia de hoje contra o de amanhã,
Das grandes guerras flamejando bandeiras de
amor!
Histórias de amor sempre conta o mortal
São inúteis e sutis seus modos de
entretenimento
Já que não é capaz de amar, ou de sentimento
igual,
Usa suas dores e rancores para divertimento;
O amor faz correr nas veias sangue quente
E ao mesmo tempo em que faz bem, faz mal;
Porque o coração do poeta é um hospital
Onde se abriga o louco e morre o doente.
Hoje é dia de provar o amargo gosto
-4Projeto Abraço Sem Medo: Leitura e Cidadania na Penitenciária Industrial de Cascavel
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