Moldando a MENSAGEM ao modo islâmico de pensar Por João Cláudio Chaguri FOCO NA PESSOA 14 www.foconapessoa.org.br MISSÃO MUNDIAL A Declaração do Assunto questão sobre como transmitimos a mensagem bíblica em meio às diferenças culturais de cosmovisão e socialização adquire relevância especial para os crentes. Nossa missão é estabelecer, pelo poder de Deus, o Seu reino no coração das pessoas. Isso resulta em parâmetros similares de confiança em Deus entres pessoas com diversificadas cosmovisões e diferentes modos de pensamento e expressão desses modelos de fé. Como John Kent, missionário em Nova-Guiné, afirmou quando plantou uma igreja em uma tribo: “Percebi que eu tinha quarenta cristãos do lado de fora e quarenta animistas do lado de dentro”. Ele teve uma jornada de luta para colocar a teologia cristã no contexto, de forma que ela pudesse tornar verdadeiramente sua – uma acurada internalização dos princípios da mensagem naquele tempo e lugar, resultando em uma demonstração prática dessa fé, em todas as situações. No cenário do Islã, a necessidade é semelhante até para a colocação animista, mas o caminho é ligeiramente diferente. O cristianismo ocidental é considerado como totalmente rejeitado, inferior, imoral, selvagem e um sistema fanático de fé. Podemos questionar esse ponto de vista sobre a sua precisão ou racionalidade, mas essa é a realidade no mundo muçulmano com a qual temos que lidar. Portanto, apenas para sermos ouvidos no mundo muçulmano, precisamos não apenas embalar a mensagem em termos amigáveis, mas também fazer com que ela transmita cuidadosamente a verdade à mente islâmica. Se o muçulmano tiver que adotar a forma ocidental de pensar para entender a mensagem, ela será rejeitada logo de início. Priorização das Crenças para o Desenvolvimento dá Fé no Contexto Dentro da herança cristã, a “verdade presente” é uma expressão familiar. Ela porta a noção de que, em certos tempos da história terrestre, houve focos e ênfases especiais sobre certas verdades extraídas do grande corpo universal da verdade, quem foram de suprema importância. Gostaria de lembrar que, para um muçulmano, em certo tempo e lugar, há uma verdade presente. Tentar forçar uma crença através da focalização de outros pontos de que entendemos serem mais importantes é falhar na missão. Há muitas crenças que defendemos, mas temos de nos ater primeiramente àquela que cativará o coração do muçulmano. Somente mais tarde ele será capaz de apreciar as outras, e então todo o corpo de doutrinas. Se falhar- mos em compreender isso, apenas erigiremos muros e criaremos alienação. Temos que compreender qual é a necessidade do coração do muçulmano, ao invés da necessidade do argumento da verdade. A necessidade do argumento da verdade de Nicodemos era discutir a divindade de Cristo e Sua messianidade. O que o seu coração necessitava era compreender e experimentar um novo coração, o que somente Deus pode fazer. A verdade presente para Nicodemos naquele momento era a conversão de coração, e não a divindade de Cristo. Seu caráter e missão viriam depois. Essa realidade não somente requer conhecimento e sensibilidade espiritual para com o muçulmano, mas também uma compreensão da verdade essencial ao crescimento espiritual nesse tempo versus o que é encorajante e aprimorador nessa verdade essencial. Fui levado a essa linha de pensamento em meu ministério após oito anos trabalhando com os muçulmanos: “Segue-se então que nossa compreensão da verdade essencial e o entendimento da necessidade interior do muçulmano nessa ocasião contribuem para o que é o foco prioritário presente”. Isso não altera o corpo maior de verdade. Porém, certos contextos, além de afetarem o que é essencial na ocasião, podem também acrescentar assuntos de fé que não são focalizados em nossa declaração de crenças. FOCO NA PESSOA 15 www.foconapessoa.org.br Em nossa priorização, há certos princípios morais e espirituais universais que precisam ter precedência. Jesus sumarizou o dever total do homem como amor a Deus e amor ao semelhante (Mat. 22: 37–40). Paulo destaca como um mandamento, o amor é o cumprimento da lei (Rom. 13. 10). Não estamos nos referindo a amar a todo mundo, uma mentalidade do tipo “está tudo bem”. Há certos princípios específicos que devem ser exemplificados em nossas relações com os muçulmanos que demandam nosso esforço com o intuito de nos envolvermos, enquanto os desafiamos a uma fé mais profunda. Além do respeito, tolerância e afirmação, temos que dar prioridade ao tema da santidade. Santidade é um dom de Deus na pessoa que experimenta a realidade de um coração novo e renova seu compromisso de fé. Essa não é a ênfase degenerada do perfeccionismo. O perfeccionismo enfatiza o comportamento; a santidade focaliza a qualidade do homem interior – uma totalidade para Deus. O muçulmano deve ser desafiado à santidade, não por meio da forma e dos rituais, mas mediante um novo coração dado por Deus. Isso é feito mediante a aplicação de princípios bíblicos expressos em linguagem islâmica, isto é, em termos familiares a eles, o requer compreensão e bom uso do Alcorão. Devemos basear-nos nos conceitos islâmicos de submissão a Deus e no taqwah (retidão interior como dom divino). É importante guiar o muçulmano primeiramente a essa nova experiência de coração. Alcançamos um marco significativo quando um muçulmano nos disser: “Por favor, ore por mim para que Deus me dê esse coração novo”. Um coração obediente, aberto à Sua voz, disposto a escutar e que indague: “O que devo fazer para me salvar?”, ou então, “Como posso estar seguro sobre minha posição no dia do julgamento?” Inicialmente, isso confere prioridade aos detalhes doutrinários. Tal postura é fundamental a uma compreensão posterior de todas as crenças. Antes da aceitação de uma determinada série de crenças abstratas, e até mesmo antes da adoção de uma nova prática religiosa, tem de ocorrer a experiência de um coração novo. Os conjuntos de crenças e práticas virá em seguida como resultado desse novo coração, desse dom da santidade. As doutrinas serão não um mero ritual, mas facilitadoras dessa experiência de fé mais profunda. Outra prioridade em nosso trabalho espiritual com os muçulmanos é a sensibilidade à sua capacidade de absorção espiritual à velocidade com que podem incorporar a nova compreensão dos assun- FOCO NA PESSOA 16 www.foconapessoa.org.br tos espirituais. Fico maravilhado pela paciência de Jesus com os discípulos. Até mesmo quando Ele estava transmitindo as últimas e minuciosas instruções sobre Seu caminho para o lugar de Sua ascensão eles não compreenderam. “Quando restabelecerás o reino a Israel?”, perguntaram. Foi apenas quando pareciam abandonados aos seus próprios esforços que o maior recurso lhes foi enviado – o Espírito Santo – O qual guiou a compreensão deles nas verdades vitais acerca da divindade de Jesus e de Sua verdadeira missão. Essa paciência ao demovê-los de uma posição monoteística restrita e distanciá-los de uma ordem política para uma compreensão mais ampla é de grande valia ao trabalharmos com os muçulmanos. Um exemplo bastante instrutivo a respeito dessa priorização e gradual sequenciamento de verdades em nossa obra junto aos muçulmanos é o trato de Jesus sobre a questão de Sua divindade. Ele não faz essencialmente dela uma matéria de discussão, senão mais tarde em Seu ministério, quando da confrontação com os líderes religiosos no templo (João 10) e durante Seu julgamento. Depois de perguntar aos Seus discípulos, “Quem dizeis que Eu Sou?”, e esclarecer que a resposta de Pedro não procedia de compreensão ou ensino humano, mas diretamente da inspiração divina, ordenou “que a ninguém dissessem ser Ele o Cristo” (Mateus 16:15 e 20). Eu jamais vi esse texto ser considerado como didático nas classes de evangelismo público ou pessoal, mas acredito que ele tem uma tremenda importância para nós, que trabalhamos com os muçulmanos. Essa ordem e outras semelhantes foram dadas aos discípulos que trabalhariam primeiramente em áreas judaicas ou àqueles que se achavam em território judeu. Quando em Samaria, onde o assunto da Sua divindade não era tão explosivo como em áreas judias, Ele falou abertamente de Seu messianato – “Eu o Sou” (João 4:26). A divindade de Cristo não é um tema que deve ser imposto ao muçulmano. Ele não deve se tornar um ponto de controvérsia, uma pedra de tropeço. É nossa tarefa “empilhar evidências” sobre Sua divindade, mas sem referenciá-la diferentemente. Dessa forma, o Espírito Santo trará, no devido tempo, evidências à mente do investigador e o conduzirá àquela experiência de descoberta: “Deve ser Ele... Ele é meu Deus”. O exemplo de Cristo nos ensina a respeito disso, bem como a afirmação de Paulo em I Cor. 12:3: “Ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo”. Essa experiência tem-se repetido seguidamente em nosso trabalho com os muçulmanos. Algumas semanas após uma série de estudos sobre o Hanif (Remanescente), um dos muçulmanos batizados confessou: “Fiquei chocado quando comecei a entender que você estava tentando falar-nos sobre Jesus. Agora creio verdadeiramente que Ele é Deus”. Quando um muçulmano chega a essa compreensão, ele vê Deus em Jesus, não simplesmente o Filho de Deus, por causa da súbita experiência de mudança, ou pelo menos, da implicação de que Deus teve um Filho físico. A possibilidade do reconhecimento, por parte de alguém, da plenitude do poder de Deus para salvar na frágil humanidade de Jesus, só pode provir de uma intervenção miraculosa de Deus. Fé radical não é um empreendimento, pois se assim fosse, bastaria querer e seria feito. Antes, ela é um dom, e somos deixados a reagir a respeito, orar e vigiar. (MANNING, p. 24). Exemplos de Desenvolvimento de Fé Dentro do Contexto Muçulmano À medida que prosseguimos no trabalho evangelístico dentro do contexto muçulmano, surgem perguntas práticas: Quanto de teologia regional devemos permitir? Estamos em perigo de desenvolver uma diversidade de teologias que resultarão em pluralismo teológico, uma relativização do cristianismo, perdendo a unidade da fé cristã? Enquanto penetramos em diversas culturas, especificamente o islã, como traçamos nosso curso? Pedras Fundamentais da Fé Sobre as quais Podemos Edificar a Verdade Bíblica Foi isso o que nos impulsionou a procurar pedras fundamentais dentro da cultura muçulmana, seu sistema de crenças, valores básicos e conceitos sobre os quais construir a verdade bíblica. Elas foram chamadas por alguns missiólogos de analogias remissórias, fenômenos culturais que têm sido preservados pelo propósito divino e que podem ser usados para ilustrar e tornar claras certas verdades bíblicas. Em nosso trabalho com os muçulmanos, encontramos muitos deles. O resgate do filho de Abraão por um “tremendo sacrifício” é um exemplo (Surah 37.107). Outro exemplo mais específico seria a crença existente entre alguns shiitas de que se você se desviar de sua crença precisa de um “tuba ghusl”, um banho corporal para o restabelecimento de seu estado como crente. Isso ajuda na explicação do batismo. Também há um verso no Alcorão que fala da “coloração de Deus” ou “sibghat Alá” (Surah 7.26). A Palavra sibghat significa “colorir” como “tingir tecidos”. Ela também traz consigo a ideia de “natureza inata”, como traduzido por KHATIB. Em outras palavras, essa “coloração” é a recriação de uma natureza piedosa no homem, o coração novo de Ezequiel 36:26, que esteve perdida por causa do pecado. O paralelo para baptizo é útil em nossa discussão sobre o batismo. Mas, além dessas analogias remissórias, fomos um passo além e utilizamos o que viemos a denominar de “janela remissória”. A analogia remissória ajuda na explanação de certas ideias ou conceitos do sistema de crenças bíblicas. Uma janela remissória, porém, é muito mais que isso. É uma abertura para o próprio coração da cultura. E, quando o evangelho resplandece através dela, produz um poderoso impacto no coração do muçulmano. Ela causa impacto nos principais motivadores espirituais dentro de uma cultura e sistema de crenças. O conceito “Hanif” parece prover tal janela. Ele ficou perdido para muitos muçulmanos, porque pareceu inacessível. Ser totalmente submisso e leal a Deus, seguir integralmente a fé de Abraão, estava além do seu alcance. Assim, o diabo lançou a destruição no mundo muçulmano através de crenças populares, espiritismo, temor do mal, busca por “barakah” ou benção provinda de objetos poderosos, lugares ou pessoas, com o objetivo de proteção contra essas forças. Mas o conceito de ser Hanif de Deus está presente no Alcorão, em sua história pré-islâmica e no tempo de Maomé. A seguinte descrição, feita por um erudito islâmico, parece amoldar-se à compreensão cristã dos verdadeiros crentes ocultos no deserto para preservar a fé bíblica: FOCO NA PESSOA 17 www.foconapessoa.org.br Eles [os cristãos árabes] levaram seu cristianismo ao distante Oriente, à Pérsia e Índia, ao Egito e Abissínia, ao norte, no Cáucaso; e em toda parte, ao redor do Mediterrâneo, seus antepassados implantaram colônias para comércio ou assentamento. Como vimos, o predomínio da igreja de Roma, apoiado pelo império bizantino, havia marginalizado esses cristãos de formação semítica. Quando foram classificados como hereges pela igreja de Roma, e perseguidos pelo império bizantino ou seus títeres, eles buscaram refúgio no deserto [...] Os imigrantes judeus e cristãos acharam amável acolhimento no ermo entre esses árabes que mantinham a tradição mesopotâmio-abraãmica. Juntos, eles consolidaram essa tradição na península arábica, que veio a ser conhecida como Hanifiyyah. Seus partidários, os hanif (s), resistiram a toda associação de outros deuses com Deus, recusando-se a participar de rituais pagãos, e mantiveram uma vida de pureza ética acima de qualquer censura. É do conhecimento comum que o hanif era um monoteísta estrito, que não prestava homenagens à religião tribal; que ele era de impecável caráter ético e mantinha distância do cinismo e da lascívia moral de outros árabes. [...] Todo mundo sabia de sua presença, uma vez que eles pertenciam a quase todas as tribos. (AL FARUQI, p. 61). Parece-nos apropriado incluir esses fieis monoteístas do deserto da Arábia, conhecidos como hanifs, em Apocalipse 12. Portanto, estamos usando essa janela, apelando à consciência espiritual do muçulmano, mas provendo-lhe os meios, a maneira e o poder para que ele seja verdadeiramente um hanif. Intimamente acoplado ao conceito do hanif, está o tema do taqwah (justiça interior). Uma vez que esse é um tema proeminente no Alcorão, começamos com uma discussão sobre a justiça proveniente do Alcorão, e então passamos para uma profunda compreensão bíblica da justiça pela fé na graça de Deus e no sacrifício de Si mesmo em Cristo Jesus, para reconciliação, perdão dos pecados, remoção da degradação e concessão da vida eterna. Aquilo em que estamos envolvidos é um processo de reformatação da teologia no contexto, em lugar de exportar um determinado conjunto de formulações e aplicá-las no muçulmano, que está incompreensível a respeito do assunto. Isto é tornar a teologia relevante sem minar a mensagem verdadeira, tornando-a familiar ao coração muçulmano. É importante que consideremos esses conceitos ao avaliarmos o que está ocorrendo com a missão cristã ao islã. Devemos também nos lembrar que estamos envolvidos num processo contínuo, no qual há constante crescimento e apuração, bem como aprendizado. Descrevendo a Expiação no Contexto Muçulmano Como resultado do pecado, todas as cosmovisões culturais se desenvolveram em torno de três dinâmicas: (1) culpa e inocência (cultura cristãs ocidentais); (2) vergonha e honra (Oriente – culturas de grupo, incluindo o islã e outras religiões orientais) e (3) medo e poder (povos animistas). É possível encontrarmos elementos de todas as três em qualquer cultura. Porém, a maioria delas exibirá uma que predomina. A guia de orientação, no Ocidente, dentro do contexto do reino espiritual, nos dá uma visão de que a culpa desempenha um papel importante. Quando sentimos medo e ansiedade, isso frequentemente se deve ao senso de culpa ou à sua aliada íntima, a incapacidade de não estar à altura do homem. Esta visão gira em torno da transgressão da Lei ou do não alcance de um padrão, quer humano ou divino. Neste caso, usamos tal visão como base de explicação da natureza pecaminosa, de que somos inerentemente pecadores e culpados. Em suma, no Ocidente somos orientados pela culpa e desempenho. As declarações teológicas no cristianismo, em sua grande maioria, refletem isso: “definição de pecado” e “pecado e culpa”. FOCO NA PESSOA 18 www.foconapessoa.org.br Por causa da ampla proeminência do povo islâmico (que inclui muitos elementos animistas), o islã compartilha de duas dinâmicas: vergonha e medo. Esses constituem dois motivadores espirituais poderosos. Vergonha: O principal motivador de saber que estará sozinho, envergonhado e nu diante de Deus no Dia do Juízo. Medo: Das forças do mal que compelem o indivíduo a buscar a baraka (benção) de vários modos, para obter o poder de proteger-se das forças malignas e abrandar o temor. Desses dois, o mais penetrante e poderosamente dinâmico é a vergonha. Em contraste com a culpa e a orientação pró-desempenho do Ocidente (que é muito individualista), o islã é condicionado em relação à vergonha e ao existir, isto é, estar sob a condição de corrupção ou vergonha em relação ao grupo religioso. Posteriormente, contraponho os dois: a culpa é um sentimento e condição ocorrente quando alguém transgrediu ou não observou uma lei divina ou humana. Vergonha, em comparação, é um sentimento, condição, que se origina da falha de um estado do ser, seja perante Deus, seja diante dos semelhantes. A vergonha, semelhantemente à culpa, pode resultar num sentimento ou condição subjetivos, mas também numa condição objetiva de violação, alienação e morte. Parece possível então empregar o conceito de vergonha como usamos tradicionalmente o conceito de culpa. É interessante notar que o conceito de vergonha é muito mais prevalecente nas Escrituras do que o de culpa. A tradução inglesa de vergonha aparece noventa e nove vezes no Velho e no Novo Testamento, enquanto culpa aparece duas e culpado vinte e seis. Muitos desses versos contendo a palavra vergonha a usam em referência ao resultado do pecado ou de atos de injustiça. Há vários vocábulos hebraicos para vergonha, alguns traduzidos como repreensão, desgraça ou desonra. Um deles é bosheth, que é descrito como vergonha, sentimento e condição, bem como sua causa (Dicionário da Bíblia, Strong). Ezequiel 16:51-52 provê um exemplo do uso de vergonha como consequência do pecado: Demais de Samaria não cometeu metade de teus pecados; e multiplicaste as tuas abominações mais do que elas, e justificaste as tuas irmãs, com todas as abominações que fizeste. Tu, também, pois que deste sentença favorável a tuas irmãs, leva a tua vergonha; por causa de teus pecados, que fizeste mais abomináveis do que elas, mais justas são elas do que tu; confunde-te logo também, e sofre a tua vergonha, porque justificaste a tuas irmãs. Usar Termos Simples e Descritivos Ao traduzirmos nossa compreensão da expiação efetuada pela vida e morte de Jesus, e Seu ministério como o nosso Senhor, usamos o paradigma vergonha e honra em lugar do tradicional culpa e inocência. Em nossa discussão dessa doutrina, evitamos também o uso de expressões vagas ou complexas que requerem considerável explicação, deixando de lado a tentativa de traduzi-las para o pensamento islâmico, como por exemplo expressões que incluem: propiciação, expiação ou expiatório, em seu uso comum de reconciliação, santificação e justificação. É preferível usar termos de fácil compreensão como: reconciliar, reunir, estar em ordem com Deus, cobrir o pecado ou a vergonha, receber de Deus um coração novo. FOCO NA PESSOA 19 www.foconapessoa.org.br A doutrina da natureza do homem é fundamental para a consideração do tema da salvação. A posição muçulmana está em contraste com a postura bíblica sobre esse ponto. KATEREGGA sintetiza muito bem a posição muçulmana: O islã não se identifica com a convicção cristã de que o homem precisa ser resgatado. A crença cristã na morte sacrificial e redentora de Cristo não se ajusta à visão islâmica de que o homem sempre foi fundamentalmente bom, e que Deus ama e perdoa aos que obedecem ao Seu querer. [...] O islã é um caminho de paz. A visão muçulmana que está em total contraste com a experiência cristã, é a de que o homem experimenta paz através da total submissão a Deus. Jesus Cristo, como muitos profetas antes dEle, e Maomé, o grande profeta, eram ambos exemplos da clemência de Deus para com a humanidade. Obviamente, o emprego do medicamento só pode fazer sentido se a doença for diagnosticada com precisão. Se o pecado for, em realidade, só um engano a ser perdoado por um Deus misericordioso, sem consequência inerente, falar da necessidade de um sacrifício para redimir o homem é como prescrever cirurgia para que está com um resfriado comum. Porém, se o pecado for um câncer mortal, então é imperiosa uma cirurgia. O muçulmano geralmente concordaria com a sentença do cristianismo que o antídoto para a culpa é o perdão (Mat. 6:12), que resulta numa consciência clara e paz mental, mas ficaria confundido com a necessidade do pagamento de um preço, uma morte substitutiva e a satisfação de justiça. Para ele, essas parecem adições desnecessárias. Como lidarmos com essa objeção? Embora KATEREGGA tenha esclarecido a visão oficial do islã, é interessante observar que o Alcorão, na realidade, descreve a natureza do homem ou o resultado do pecado no homem em termos muito semelhantes aos do ponto de vista bíblico sobre a natureza pecaminosa. Há algumas pessoas que dizem: Cremos em Deus e no Juízo Final, mas elas não creem realmente. Prazerosamente enganariam a Deus e aqueles que creem, mas enganam tão somente a si mesmas, e não estão apercebidas disso! Em seu coração existe uma moléstia; e Deus fez aumentar sua enfermidade. Dolorosa é a penalidade em que incorrem, porque eles são falsos para si mesmos. (Surah 2.8-10). FOCO NA PESSOA 20 www.foconapessoa.org.br Utilizamos o texto acima para elevar o entendimento muçulmano sobre o pecado a um nível mais sério. O pecado é uma doença grave que requer tratamento intenso. Deus concedeu auxílio através de fitra, (a natureza que Deus colocou no homem para que O adore), ilm (conhecimento) e orientação. Porém, Iblis jurou trazer sob seu controle todos, menos alguns. Só há uma maneira pela qual podemos evitar cair sob seu domínio, que é permitir que Deus crie em nós um novo coração (a essa altura usamos as referências bíblicas de Ezequiel 11:19-20; 36:26 e 27 e Jeremias 31:33-34). Comparando Culpa e Vergonha. O Exemplo de Abraão. Há uma consequência adicional do pecado no entendimento muçulmano em relação à vergonha ou à desonra. Do mesmo modo que acontece na explanação ocidental do ensino bíblico, o pecado, ações ou pensamentos rebeldes, resultam numa condição de culpa que produz a morte. É igualmente forte na cultura de honra e vergonha do islã a noção de que pecado resulta numa condição de vergonha (objetiva e subjetiva), que só pode ser remediada pela morte ou remoção do objeto de vergonha. Na cultura de honra e vergonha, a vergonha grave ou desonra na família requer morte do causador da vergonha. A família não pode sobreviver (manter sua posição de honra) na comunidade, a menos que a honra seja restabelecida pela exclusão do culpado. O fato de as culturas de honra e vergonha serem grupos culturais provê um contexto para essa realidade. A história de Abraão sacrificando seu filho, quando considerada no contexto de honra e vergonha, assume significado novo. Era comum um pai matar o próprio filho, se o filho houvesse trazido grande vergonha sobre a família. Porém, nesse caso, o filho não tinha envergonhado a família de Abraão, mas ele se submeteu ao pai. Se Abraão tivesse efetivado o sacrifício de Isaque, teria trazido vergonha sobre si por trucidar um filho honrado. Mas “porque ambos tinham se submetido à vontade de Deus” (Surah 37.103), um modo de escape foi provido. A honra de ambos foi preservada pela provisão divina de um cordeiro, para ser morto em lugar do filho (Surah 37.107). Este cordeiro aponta para o que Deus faria pelo homem. Ele simbolizava o meio de escape da nossa condição vergonhosa, merecedora de morte. Por essa razão, é crucial para essa discussão a descrição do que Deus faria pela vergonha do homem. Conclusão Este artigo abordou vários assuntos importantes relativos à comunicação da mensagem bíblica dentro do contexto muçulmano, como: a necessidade de amoldar princípios doutrinários à compreensão muçulmana; a necessidade de priorizar o que é importante para aquela pessoa, naquele momento e lugar, de acordo com sua carência espiritual; piedade pessoal e espiritualidade em foco; a necessidade de respeitar a capacidade de absorção do muçulmano e a abordagem indireta acerca da compreensão sobre a divindade de Cristo, mediante a cumulação de evidências, permitindo que o Espírito Santo imprima essa verdade no coração. Também debatemos sobre a utilização de elementos da verdade dentro do contexto do islã, como pedras fundamentais sobre as quais erigir a verdade, enquanto rearranjamos as crenças bíblicas no contexto, fazendo assim abrir janelas remissórias no coração do muçulmano. O uso do paradigma vergonha e honra para descrever a expiação, em termos que transmitam a verdade do evangelho mais precisamente do que a estrutura ocidental de culpa e inocência é outro meio que se tem mostrado eficaz. Além disso, temos a utilização do contexto vergonha para comunicar mais efetivamente a gravidade do pecado e de nossa condição desvalida, com a sua consequente morte. Bibliografia ABADALATI, Hammudah. O Islã em Foco. Editora Islâmica, São Paulo, SP, 2004. ABDIYAH, Akbar. Sharing Your Faith With a Muslim. Published Bethany, Minnesota, USA, 1980. AL FARUQUI, Isma’il R. The Cultural Atlas of Islam. Macmillan Pub. Co: 1986. ABDULLAH YUSUF ALI. The Meaning of the Honored Qu’ran, comentários sobre a Shurah 2. 138. BECHARA, Assad. Doutrinas Bíblicas no Alcorão. Editora Paradigma, Engenheiro Coelho, SP, 2005. _____. Semelhanças Entre o Alcorão Karim e o Novo Testamento. Editora Paradigma, Engenheiro Coelho, SP, 2007. CATHERWOOD, Christopher. Christians Muslims and Islamic Race. Grand Rapids, Michagan, USA, 2003. CHALLITA, Mansour (tradutor). O Alcorão. Rio de Janeiro: Associação Cultural Internacional Gibran. CHAPAMAN, Colin. Cross and Crescent, Responding The Challenge of Islam. InterVasity Press, Leiceter, England, 1995. CHAWKAT, Moucarry. The Prophet and the Messiah, an Arab Christian’s Perspective on Islam and Christianity. InterVarsity Press, Downers Grove, Illinois, USA, 2001. EL HAYEK, Samir. Compreenda o Islã e os Mulçumanos. Editora Islâmica, São Paulo, SP, 2004. GNILKA, Joachim. Bíblia e Alcorão: o que os une – o que os separa. Tradução: Irineu J. Rabuske. São Paulo: Edições Loyola, 2006. HESSELGRAVE, David. 1980. Planting churches cross-culturally: a guide to home and foreign missions. Grand Rapids, MI: Eerdmans. _____. A Comunicação Transcultural do Evangelho (Vol. 1), Tradução Márcio Loureiro Redondo. Editora Vida Nova, São Paulo, SP, 1994. KATEREGGA, Bradu. A Muslim and a Christian in Dialogue. Herald Press: Scottdale, PA, 1997. KHATIB, M.M. The Bounteous Koran. Macmillan, Londres: 1984. KUNG. Hans. Religiões do mundo em busca dos pontos comuns. Tradução Carlos Almeida Pereira. Campinas, SP: Verus Editora, 2004. JOMIER, Jacques. Islamismo: história e doutrina. Tradução de Luiz João Baraúna. 2ª. edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2001. MACHADO, Cláudio A. Alcançando os Mulçumanos Através do Alcorão. Editora Kairós, São Paulo. MANNING, Brennan. The Signature of Jesus, Mutonomah. Portland, OR: 1992, p. 24 MARSH, Charles R. Levando Cristo ao Mundo Mulçumano. Editora Sepal, São Paulo, SP, 1993. WOLFAGANG, Lepke. An Evaluation of a Contextual Witnessing Project within a Resistant People Group. Dissertação para a graduação de PhD., Andrews University, 2001. JOÃO CLAUDIO CHAGURI João Cláudio Chaguri é doutorando em Teologia pelo Reformed Theologic Seminary Instituto Presbiteriano Mackenzie. FOCO NA PESSOA 21 www.foconapessoa.org.br