REVISTA DE INICIAÇÃO
CIENTÍFICA DA ULBRA 2004
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Revista de Iniciação Científica /
Universidade Luterana do Brasil. Vol. 1, n. 1 (2002)- . - Canoas:
Ed. ULBRA, 2002.
v. ; 23 cm.
Anual.
ISSN 1806-8642
Imagem da capa: grãos de pólen
Autoria: Laboratório de Palinologia da Ulbra – Aumento 1000X.
2
Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero – ULBRA/Canoas
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
REVISTA DE INICIAÇÃO
CIENTÍFICA DA ULBRA 2004
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
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Índice
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 7
CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA
Projeto Ralnet: avanços e resultados ................................................................................................... 11
Análise palinológica e evolução ambiental da região do Banhado da Cidreira, RS, Brasil ................... 21
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
Distribuição espacial e ocupação de tocas do caranguejo fantasma Ocypode quadrata
(Fabricius, 1787) (Decapoda: Ocypodidae) na Praia do Siriú, SC ..................................................... 31
Monitoramento da toxicidade genética associada aos dejetos industriais e urbanos
em amostras de água do rio Caí através do Teste SMART ................................................................ 43
Avaliação da atividade mutagênica e antimutagênica induzidas pelo extrato vegetal da Costus spicatus ........ 51
Comparação de desenvolvimento inicial do rudimento seminal em Schinus terebinthifolius
Raddi e Schinus polygamus (Cav.) Cabr. (Anacardiaceae) ............................................................. 61
Avaliação do efeito fotoprotetivo de Polytrichum juniperinum Hedw, Colobanthus quitensis (Kunth.)
Bartl. e Deschampsia antarctica Desv. através de ensaio cometa em Helix aspersa (Müller, 1774) .......... 73
O emprego dos genes RAG na elucidação das relações filogenéticas de mamíferos ............................. 79
Avaliação de sensibilidade de três sistemas para a detecção de Mycoplasma gallisepticum
pela Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) ................................................................................... 85
Caracterização da concha, rádula e mandíbula de Simpulopsis (Eudioptus) sp. ocorrente no
estado do Rio Grande do Sul, Brasil ................................................................................................... 93
ENGENHARIAS
Estudo de aplicação de um resíduo líquido industrial à base de alumínio como
reagente coagulante .......................................................................................................................... 101
CIÊNCIAS DA SAÚDE
Análise dos níveis de desconforto a sons intensos em indivíduos com perda auditiva
neurossensorial no laboratório de audição da ULBRA para um procedimento específico .................. 111
Estudo sobre a prevalência de maus tratos físicos na cidade de Canoas (RS) ................................... 119
Efeito da administração do extrato do Croton cajucara Benth em ratos normais ............................ 125
Estudo do crescimento somático e da aptidão física relacionados à saúde em estudantes surdos
das escolas especiais da região metropolitana de Porto Alegre .......................................................... 135
CIÊNCIAS AGRÁRIAS
Desempenho da pastagem de capim tanzânia submetida a diferentes níveis de adubação
nitrogenada e pastejo contínuo com novilhas .................................................................................... 147
Avaliação de enzimas extracelulares em isolados de Trichoderma sp. .............................................. 159
CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
As teorias da finalidade da pena e o respeito às garantias fundamentais ........................................... 167
Geografia e educação ambiental nas encostas do Morro da Polícia .................................................. 177
Características da população de Santa Maria .................................................................................. 187
CIÊNCIAS HUMANAS
Hermenêutica aplicada ao estudo da escatologia bíblica: a contribuição de Santo Agostinho no
debate a respeito do milênio ............................................................................................................. 197
A necessidade da atualização para o ensino de genética ................................................................... 207
Harry Potter: magia, ciência, tecnologia articuladas na literatura para a produção de uma
infância/adolescência ciborgue? ......................................................................................................... 217
Psicopatologia na infância: relações entre sintomatologia da criança e vínculo com cuidadores ......... 227
Rindo de professores(as): um estudo do humor sobre a docência ..................................................... 239
Formas kantianas da sensibilidade em sua dupla perspectiva estética ................................................ 249
LINGÜISTICA, LETRAS E ARTES
Estudos surdos: uma abordagem lingüística1 ................................................................................... 259
ÍNDICE DE AUTORES ..................................................................................................... 271
NORMAS EDITORIAIS .................................................................................................... 275
Apresentação
A Revista de Iniciação Científica da ULBRA que apresentamos, revela o crescimento qualitativo dos trabalhos de iniciação científica selecionados no X Salão de Iniciação Científica da ULBRA
de 2004, que se constitui num espaço de convergência e irradiação do saber.
A iniciação científica é um instrumento básico de formação de recursos humanos qualificados
que possibilita introduzir os alunos de graduação em contato direto com a atividade científica e
tecnológica e engajá-los na pesquisa. Nessa perspectiva, a iniciação científica caracteriza-se como
instrumento de apoio teórico e metodológico à realização de um projeto de pesquisa. O Programa de
Iniciação Científica e Tecnológica (PROICT/ULBRA) foi proposto para efetivar esse processo consistente de capacitação de recursos humanos visando estabelecer mecanismos adequados de auxílio
para a formação de uma nova mentalidade no aluno, desenvolvendo nele a atitude científica, tornando-o um indivíduo preparado para ser o profissional diferenciado no mercado de trabalho.
O Salão de Iniciação Científica da ULBRA, mais do que a difusão de conhecimentos, é a
ampliação das relações da Universidade com a comunidade em que está inserida e aberta a outras
Instituições de Ensino Superior, constituindo-se numa oportunidade única para que o estudante
possa perceber o sentido do fazer científico dentro da Universidade.
Ciências Exatas e da Terra
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Projeto Ralnet: avanços e resultados
SIDCLEY DA SILVA SOARES1
ALEX DA ROSA MEDEIROS2
ADRIANO PETRY3
ADRIANO ZANUZ4
RESUMO
Este trabalho apresenta os principais avanços e resultados obtidos no Projeto RALNET: Desenvolvimento e Aplicação de Tecnologias de Reconhecimento Automático de Locutor para Autenticação de
Usuários em Redes de Computadores, desenvolvido junto ao laboratório de Redes e Hardware da Universidade Luterana do Brasil, com apoio do CNPq.
Palavras-chave: reconhecimento de locutor, criptografia, redes de computadores, autenticação de usuários, processamento de voz.
ABSTRACT
This work presents the main results and advances obtained with RALNET Project: Development and
Application of Automatic Speaker Recognition Technologies for User Authentication in Computer Networks,
developed in Networks and Hardware Laboratory of Universidade Luterana do Brasil, with sponsor of CNPq.
Key words: speaker recognition, cryptography, computer networks, user authentication, speech processing.
Acadêmico do Curso de Ciência da Computação/ULBRA
– Bolsista do CNPq
3
Acadêmico do Curso de Ciência da Computação/ULBRA
– Bolsista PROICT/ULBRA
4
1
2
Professor – Orientador do Curso de Ciência da Computação/ULBRA ([email protected])
Professor do Curso de Ciência da Computação/ULBRA
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
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INTRODUÇÃO
Uma das técnicas mais utilizadas para garantir a segurança de transações em redes de computadores envolve a identificação e a autenticação de usuários. A identificação e a autenticação são os processos de reconhecimento e de
verificação da identidade de usuários válidos.
Uma nova forma de identificação e autenticação de pessoas pode ser realizada através da
análise de sua voz. Desse modo, técnicas de
Reconhecimento Automático de Locutor (RAL)
podem ser utilizadas para validar a identidade
de um usuário através de uma medida biométrica
vocal. Como o sinal de voz gerado por uma pessoa nunca será igual a outro já gerado, o sistema de verificação vocal será capaz de identificar tentativas de fraude, caso a senha vocal apresentada para análise seja coincidente com outra já utilizada. A utilização de senhas vocais
aumentará a confiabilidade do sistema como um
todo, possibilitando a implementação prática de
uma autenticação robusta.
A Internet é uma rede de alcance mundial
de computadores que utiliza o protocolo TCP/
IP para suas comunicações. O uso dessa rede
fornece uma série de benefícios em termos de
aumento ao acesso à informação para diversos
tipos de instituições (educacionais, governamentais, comerciais, etc.). Porém, o acesso a redes
de computadores apresenta diversos problemas
significativos relacionados à segurança. Os problemas inerentes do protocolo TCP/IP, a complexidade da configuração de servidores, as
vulnerabilidades introduzidas no processo de
desenvolvimento de software e uma variedade
de outros fatores tem contribuído para tornar
computadores despreparados abertos à ataques
de intrusos.
12
O projeto RALNET: Desenvolvimento e Aplicação de Tecnologias para Reconhecimento Automático de Locutor em para Autenticação de
Usuários em Redes de Computadores, vem sendo desenvolvido junto ao Laboratório de Redes e
Hardware da Universidade Luterana do Brasil
(ULBRA), com apoio do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq). Dentre os objetivos propostos nesse projeto, salientam-se o estudo de tecnologias de RAL
aplicáveis em sistemas de segurança de redes de
computadores, o planejamento de um sistema
capaz de integrar as tecnologias de RAL e sistemas para transações pela Internet, e a construção e validação de um protótipo capaz de efetivamente utilizar tais tecnologias e efetuar a autenticação por voz de usuários localizados remotamente. Este trabalho apresenta os resultados já
alcançados no projeto, assim como o desenvolvimento técnico obtido.
MATERIAL E MÉTODOS
A autenticação de usuários em sistemas digitais quaisquer pode apresentar diferentes graus
de confiabilidade. Inicialmente, podemos imaginar sistemas onde o usuário é autenticado utilizando uma informação secreta de seu conhecimento (senha). Esse tipo de sistema apresenta
vulnerabilidades relacionadas ao roubo da informação secreta. Isso muitas vezes acontece
através da utilização de programas que recebem
todas informações inseridas no sistema e as enviam para seu criador. Outras vezes, as pessoas
escolhem senhas que podem ser mais facilmente descobertas, como data de nascimento, seu
próprio nome, etc. Nesses casos, tentativas sistemáticas de acesso poderão resultar na descoberta dessas senhas.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Outra forma de tentar dificultar a ação de
fraudadores é a utilização de elementos físicos para permissão do acesso a sistemas. Muitas vezes, os elementos utilizados são cartões
magnéticos que armazenam informações do
usuário. Assim, para que um intruso consiga
acesso ao sistema ele necessariamente deverá
roubar o cartão magnético da vítima. A fim
de aumentar ainda mais a confiabilidade de
sistemas que utilizam dispositivos físicos de
acesso, por vezes esse tipo de segurança é
combinado com a necessidade de conhecimento de uma senha secreta. Assim, um sistema que exige uma informação que apenas o
usuário saiba associado a um dispositivo físico
que apenas o usuário possua, garante uma
maior confiabilidade ao sistema. Esse tipo de
proteção atualmente é adotado em muitos sistemas que exigem um certo grau de segurança, como o sistema bancário. Ainda assim, esses
sistemas podem ser fraudados pelo extravio do
dispositivo de acesso e a descoberta da senha
secreta.
Em um terceiro nível de segurança, podemos imaginar um sistema que não requeira informação secreta do usuário (que pode ser
descoberta), nem mesmo a posse de um cartão magnético (que pode ser roubado), mas
forneça o acesso ao usuário apenas se ele puder provar que ele é realmente o usuário com
direito de acesso, através de uma medição
biométrica. A possibilidade de utilização de
técnicas para RAL em sistemas reais é uma
das grandes motivações dos trabalhos desenvolvidos na área. Outras técnicas também
poderiam ser utilizadas para a confirmação
automática da identidade de uma pessoa através de medidas biométricas, sem intervenção
humana. Alguns exemplos são o reconheci-
mento da íris, reconhecimento de face, análise da impressão digital, verificação das características geométricas da mão, avaliação da
forma do caminhar, análise da assinatura, etc.
Por outro lado, a autenticação biométrica através da voz possui várias vantagens intrínsecas, quando comparadas às outras técnicas
biométricas, como:
- Facilmente adquirida, sem a necessidade
de hardware específico. Apenas um microfone de custo reduzido é capaz de adquirir a voz do locutor com precisão.
- Não intrusiva, isto é, não existe a necessidade de contato físico do usuário com o
sistema de captação da voz.
- Natural e de fácil aceitação. As maioria
das pessoas se comunicam através da voz,
que é um método extremamente difundido e utilizado, excetuando-se as pessoas
com necessidades específicas.
- Não requer treinamento, ou seja, os usuários podem ser autenticados sem que necessitem aprender a lidar com o sistema.
- Pode ser facilmente utilizada em redes telefônicas, permitindo a autenticação remota, sem a necessidade de qualquer
equipamento extra, uma vez que o próprio aparelho telefônico já possui o
transdutor para a captação do sinal de voz.
Pode-se identificar muitas aplicações práticas para os sistemas de RAL. De uma forma
geral, os sistemas de autenticação de usuários através de senhas ou cartões poderiam ser
substituídos por (ou agregados a) sistemas de
RAL, estabelecendo-se uma confiabilidade
superior.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
13
SISTEMA PROPOSTO
O sistema construído funciona através de
uma arquitetura cliente-servidor. O lado servidor conta com o acesso a um banco de dados
para armazenamento e consulta de informações
de usuários e padrões vocais. Além disso, a geração dos padrões de voz e a autenticação das
informações extraídas a partir do sinal de voz
do usuário é realizada também no lado servidor. A comunicação se dá através da Internet,
utilizando técnicas de criptografia para troca
de dados. No lado cliente, a interação com o
usuário e captura do sinal de voz se dá pela
manipulação de uma placa de som comum, que
deverá estar presente no computador cliente.
Parte do processamento digital do sinal de voz
é realizado já no lado cliente, que envia apenas as informações extraídas a partir do sinal
de voz, reduzindo assim o tráfego da rede e a
carga de processamento no computador servidor. A figura 1 ilustra os principais blocos constituintes do protótipo desenvolvido, que são
detalhados a seguir.
Figura 1 - Ilustração da arquitetura utilizada na construção do protótipo de autenticação remota por voz.
A linguagem de programação Java foi adotada para a construção do protótipo por oferecer
recursos poderosos de programação para comunicação entre computadores, além de suportar diversas arquiteturas de hardware e sistemas
operacionais. O ambiente de desenvolvimento
utilizado foi o NetBeans IDE 3.5.1, com o kit de
desenvolvimento Java 2 SDK standard edition
versão 1.4.1. Apenas a biblioteca de
processamento de voz foi implementada utilizando uma linguagem de programação diferente, a
linguagem C++, através da ferramenta Visual
Studio 6.0. Essa escolha foi feita principalmente
pela maior velocidade de processamento oferecida e possibilidade de reutilização de código já
14
construído ao longo de trabalhos anteriores
(PETRY, 2002). O acesso à base de dados foi feito através de Java Database Connectivity (JDBC),
utilizando um servidor de banco de dados MySQL
(HORSTMANN & CORNELL, 2001).
TÉCNICAS PARA RAL EM
UMA ARQUITETURA
CLIENTE-SERVIDOR
As técnicas empregadas para o RAL são objeto de estudos e aperfeiçoamentos de pesquisadores há vários anos. Atualmente os algoritmos dis-
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poníveis oferecem taxas de reconhecimento elevadas, permitindo a construção de sistemas bastante confiáveis. Um sistema para RAL é composto basicamente pelas etapas de treinamento e
reconhecimento. A etapa de treinamento normalmente é realizada antes de se tentar reconhecer
qualquer amostra de voz. Essa etapa abrange a
aquisição do sinal vocal dos locutores que serão
cadastrados no sistema, extração de informações
úteis dessas amostras, geração dos padrões de voz
que serão utilizados como referência na etapa de
reconhecimento e identificação dos limiares de
similaridade associados aos padrões gerados, para
o caso de verificação de locutor. A etapa de reconhecimento ou autenticação abrange a aquisição do sinal de voz que será avaliado, extração
de informações úteis e comparação dessas informações com os padrões gerados na etapa anterior. Nesse momento, o limiar de similaridade indicará se a identidade foi ou não aceita. A figura 2
ilustra as etapas de treinamento e reconhecimento para um sistema genérico de RAL.
Figura 2 - Ilustração das etapas de treinamento e reconhecimento para um sistema genérico de RAL.
Neste trabalho, o processamento dos sinais
de voz foi feito de acordo com resultados obtidos a partir de diversos experimentos práticos,
que também são similares a vários outros trabalhos dos autores na área (PETRY, ZANUZ &
BARONE, 1999; PETRY, 2002; PETRY &
BARONE, 2002; PETRY & BARONE, 2003).
Os algoritmos foram implementados utilizando
a linguagem de programação C++, objetivando
principalmente a redução no tempo de
processamento requerido. Eles foram
disponibilizados ao programa principal (escrito
em linguagem Java) através de uma biblioteca
de vínculo dinâmico.
No sistema proposto, as amostras de voz utilizadas são gravadas a uma freqüência de
amostragem de 8000 Hz, com resolução de 16 bits
por amostra em apenas um canal (mono). A seguir, um filtro digital de pré-ênfase com resposta
em freqüência de +6 dB/oitava é aplicado ao sinal de forma a atenuar as componentes em baixa
freqüência, nivelando o espectro do sinal. Posteriormente o sinal é dividido em janelas de curta
duração, dentro das quais o sinal de voz pode ser
considerado estacionário. As janelas do tipo
hamming foram utilizadas com duração de 45 ms.
Essas janelas são sobrepostas, sendo aplicadas a
cada 10 ms do sinal de voz, de forma a suavizar a
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
15
extração das informações. As janelas de voz que
contiverem apenas silêncio são descartadas, baseado na análise da energia do sinal contido na
janela. A partir de cada janela de voz são extraídos 16 coeficiente mel-cepstrais e 16 coeficientes delta mel-cepstrais, que serão utilizados para
a caracterização do locutor. Os procedimentos de
aquisição da voz, pré-ênfase e extração de informações úteis são detalhados em diversos trabalhos, como em (DELLER, PROAKIS &
HANSEN, 1987; RABINER & JUANG, 1993).
O classificador utilizado é baseado em modelos
de mistura de gaussianas (GMM), tendo sido
empregadas 80 gaussianas adaptadas a partir de
um modelo universal (UBM) para representação
de cada padrão de voz. Maiores detalhes relativamente à implementação das técnicas empregadas na classificação podem ser obtidos em
(REYNOLDS, QUATIERI & DUNN, 2000;
PETRY & BARONE, 2003).
Ao se trabalhar com uma arquitetura cliente-servidor, é importante definir-se onde será realizado o processamento da voz adquirida no computador cliente. É possível transmitir-se todo o
sinal de voz adquirido para o computador servidor. Entretanto, essa alternativa imporia um alto
tráfego na rede, uma vez que os dados brutos de
voz ocupam muitos bytes. Por exemplo, um sistema de cadastramento de um usuário que requerer 12 repetições de uma senha vocal composta
de 5 dígitos, como sugerido em (CHIRILLO &
BLAUL, 2003) em um produto comercialmente
disponível, pode facilmente obter um minuto de
fala. Se os dados brutos forem gravados a uma
taxa de amostragem de 8000 Hz, 16 bits por amostra em apenas um canal, o espaço ocupado pelo
sinal completo chegaria próximo a 1 MB. Além
disso, o processamento de todo esse sinal (préênfase, janelamento, extração de informações e
16
geração do padrão de voz) seria realizado no computador servidor, elevando a carga de
processamento requerida. Por outro lado, se a
geração completa do padrão de voz fosse feita no
computador cliente, que então enviaria ao servidor apenas o padrão gerado, poderiam haver sérios problemas relativos à segurança, como o envio de um padrão não confiável. Isso porque o
computador cliente disporia dos algoritmos utilizados e dos padrões gerados, que poderiam ser
utilizados para testes de padrões de autenticação, visando a quebra da segurança imposta pelo
sistema. A situação seria pior se a fase de autenticação também fosse feita no computador cliente. Uma autenticação negativa poderia ser facilmente desprezada através de poucas mudanças
no código do sistema. Assim, é importante que o
computador servidor não sirva apenas como um
repositório de padrões de voz e receptor de uma
decisão sobre autenticação tomada em outro lugar, mas que o padrão de voz em si seja gerado
assim como a comparação de padrões na autenticação sejam feitos lá.
No sistema proposto, as etapas de aquisição
da voz, pré-ênfase, janelamento e extração de
informações são realizadas no computador cliente, tanto no treinamento quanto no reconhecimento. Apenas as informações úteis extraídas
são enviadas ao computador servidor, que gera
o padrão de voz na fase de treinamento ou autentica o usuário, liberando o acesso a algum
serviço restrito, na fase de reconhecimento.
BASE DE DADOS
Visando uma ágil e robusta forma para o
armazenamento e consulta das informações utilizadas no sistema proposto, foi construído um banco
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
de dados para armazenar os padrões de voz e informações do usuário, assim como um conjunto
de dados relativos à utilização do sistema, tais
como: Internet Protocol (IP) do computador cliente, data de conexão, ações tomadas pelo cliente durante o decorrer da conexão. Foram utilizadas as tecnologias de acesso à base de dados
Java Database Connectivity (JDBC) e servidor
de banco de dados MySQL (HORSTMANN &
CORNELL, 2001). Deve-se salientar que o sistema proposto não está atrelado a nenhum banco
de dados específico, visto que é disponibilizada
na aplicação servidora a opção de conexão com
os servidores de banco de dados mais utilizados
atualmente no mercado.
Informações como nome de usuário, padrões
de voz, informações sobre aquisição da voz e extração de informações úteis, e a data em que o
último padrão de voz foi atualizado são guardados
na tabela Users. A Tabela Historic armazena informações a respeito de conexões realizadas por
cada um dos usuários da aplicação. São armazenadas as informações que identificam o usuário, o
IP do computador cliente, a data de conexão e as
informações úteis extraídas a partir da voz do usuário. Esses dados podem ser usados para uma possível avaliação futura de desempenho do sistema.
COMUNICAÇÃO
A possibilidade de dispor de uma comunicação segura é de importância fundamental para
qualquer sistema de autenticação. A partir do
estabelecimento da comunicação segura, todo
o tráfego de informações entre o computador
cliente e servidor deve ser realizado utilizando
técnicas criptográficas para garantir o sigilo e a
integridade dos dados.
Neste projeto, optou-se por utilizar um
algoritmo de chave única para cifrar e decifrar
os dados, o Data Encryption Standard (DES)
(SCHNEIER, 1996; TANENBAUM, 1997;
STALLINGS, 1999). Um dos fatores que contribuiu para a escolha desse algoritmo refere-se
à disponibilidade do cifrador junto ao kit de
desenvolvimento utilizado (Java 2 SDK standard
edition versão 1.4.1). Outro fator importante diz
respeito à rapidez de execução do DES na
cifragem e decifragem, quando comparado com
algoritmos de chave assimétrica. O desafio para
a perfeita utilização de algoritmos de chave única
foca na troca segura da chave criptográfica entre os computadores cliente e servidor. Uma vez
que inicialmente a comunicação segura ainda
não existe enquanto a chave não é conhecida
pelo lado cliente e pelo lado servidor, deve-se
buscar meios para que ambos lados conheçam a
chave que será utilizada. O envio “em aberto”
de uma chave pode ser interceptado, invalidando assim toda a segurança da comunicação. Para
resolver o problema de definição de uma mesma
chave criptográfica no computador cliente e
servidor, sem ter que envia-la de forma não segura, foi implementado o protocolo mostrado na
figura 3. Nesse protocolo, foram utilizadas classes que tratam especificamente da parte de
criptografia - classes CriptoClient e CriptoServer
- e classes utilizadas no gerenciamento da aplicação e comunicação via Transmission Control
Protocol (TCP) - classes Cliente e Servidor.
Inicialmente, o computador cliente solicita
uma conexão ao computador servidor, que estabelece a conexão. A partir de então, o computador cliente gera um par de chaves assimétricas,
utilizando o algoritmo Diffie-Hellman com extensão de 1024 bits (SCHNEIER, 1996), enviando para o servidor apenas a chave pública.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
17
Da mesma forma, o computador servidor gera
um par de chaves assimétricas e envia ao cliente sua chave pública. Nesse momento, tanto o
lado cliente quanto o lado servidor possuem seu
par de chaves assimétricas, e a chave pública
do outro lado. O lado cliente gera então uma
informação (segredo) utilizando sua própria chave privada (de conhecimento exclusivo e nunca transmitida) e a chave pública do computador servidor. A seguir o cliente envia ao servidor o tamanho do segredo gerado. O mesmo se-
gredo gerado no cliente pode ser agora gerado
no lado servidor. Isso é feito utilizando a chave
pública do computador cliente, a chave privada
do servidor (de conhecimento exclusivo e nunca transmitida) e sabendo-se o tamanho do segredo que deve ser gerado. Dessa forma, ambos
lados cliente e servidor compartilham o mesmo
segredo (utilizado como chave de extensão de
56 bits para o algoritmo DES), que foi gerado
utilizando dados nunca transmitidos (chave privada).
Figura 3 - Protocolo para estabelecimento de chave criptográfica.
APLICAÇÃO CLIENTE E
SERVIDOR
As técnicas apresentadas devem ser utilizadas de acordo com a evolução da interação entre o computador cliente e servidor. Assim, foram desenvolvidas as chamadas aplicação cliente e aplicação servidora. Elas são responsáveis basicamente por implementar um protocolo
de comunicação previamente definido para que
se possa efetivamente realizar um cadastramento
18
ou autenticação por voz. Além disso, devem ser
capazes de utilizar os outros módulos disponíveis para acessar a base de dados, processar sinais de voz, comunicar-se com o outro lado de
forma segura e interagir com o usuário a fim de
adquirir amostras de sua voz.
A aplicação cliente e a aplicação servidora também são responsáveis pela interação com o usuário
através de interface gráfica. Na janela construída
para o lado cliente é possível: configurar parâmetros
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como nome do usuário que utiliza o sistema, definir se será realizado um cadastramento ou autenticação, inserir dados sobre o computador servidor
e ajustar controles de áudio.
DISCUSSÕES
Após a construção do protótipo foram conduzidos alguns testes iniciais para averiguação do perfeito funcionamento e possível correção de problemas. Os experimentos realizados foram executados inicialmente apenas entre os pesquisadores
envolvidos na construção do sistema. Um dos fatores críticos que foi identificado refere-se a parte
de aquisição do sinal de voz no computador cliente. Ficou clara a dificuldade que poderá surgir se
não houver uma prévia calibração dos recursos de
áudio no computador cliente. Coisas como ajuste
automático do volume de gravação do microfone,
desabilitação de qualquer dispositivo de reprodução durante a gravação da voz, e uma clara orientação ao usuário para o momento exato que deverá iniciar sua fala, poderão facilmente resultar na
má utilização do sistema. Várias dessas características já foram incorporadas ao protótipo desenvolvido, mas acredita-se ser possível facilitar ainda
mais a utilização do sistema em estudos futuros.
Outra questão que deve ser levada em consideração refere-se às brechas de segurança que esse
tipo de sistema pode apresentar. Pode-se imaginar
que a pré-gravação da voz de uma pessoa e sua
reprodução para o sistema de RAL possa acarretar
a aceitação incorreta de impostores. Isso é especialmente verdade com a utilização de recursos de
gravação e reprodução sofisticados. Os sistemas
para RAL pouco podem fazer contra esse tipo de
erro. Os métodos mais eficientes que se pode conceber seriam uma vigilância permanente do dis-
positivo de aquisição de voz, ou o sistema requerer
uma palavra pseudo-aleatória específica. Uma vigilância permanente, a fim de garantir que aparelhos de reprodução sonora não sejam utilizados,
normalmente não é algo desejado em um sistema.
Para o aspecto de o sistema requerer uma palavra
pseudo-aleatória, palavras diferentes da requerida
apresentariam um valor superior de distorção, impedindo uma falsa aceitação. O fato de a palavra
ser pseudo-aleatória dificulta o sucesso de uma prégravação (PETRY, 2002).
CONCLUSÕES
Este trabalho apresentou os avanços obtidos no
projeto RALNET, que resultaram em um protótipo desenvolvido para autenticação de usuários por
voz em redes de computadores. O funcionamento
geral do sistema construído foi descrito, assim como
foram detalhados seus principais blocos constituintes. Diversos desafios foram encontrados ao longo do desenvolvimento deste protótipo, relacionados a problemas específicos de construção de alguma parte ou integração e teste do sistema completo. O protótipo construído deve servir apenas
como intermediador para acesso a algum serviço
remoto, como por exemplo comércio eletrônico,
internet banking ou acesso a e-mails. Assim, deve
haver uma preocupação também sobre formas para
disponibilizar tal serviço com segurança.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) pelo apoio financeiro disponibilizado
dentro do programa CT-INFO.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
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REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
CHIRILLO, J. ; BLAUL, S. Implementing
Biometric Security. Wiley Publishing Inc., 2003.
DELLER, J. R.; PROAKIS J. G.; HANSEN,
J. H. L. Discrete-time Processing of Speech
Signals. Prentice-Hall Inc., 1987.
HORSTMANN, C. S.; CORNELL, G.
Core Java 2: Recursos Avançados. Makron
Books, 2001.
PETRY, A.; ZANUZ, A.; BARONE, D. A. C.
Utilização de Técnicas de Processamento Digital de Sinais para a Identificação Automática de Pessoas pela Voz. In: SIMPÓSIO SOBRE SEGURANÇA EM INFORMÁTICA,
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Análise palinológica e evolução
ambiental da região do Banhado
da Cidreira, RS, Brasil
RENATO BACKES MACEDO1
RODRIGO RODRIGUES CANCELLI1
SORAIA GIRARDI BAUERMANN2
PAULO CÉSAR PEREIRA DAS NEVES3
SÉRGIO AUGUSTO DE LORETO BORDIGNON4
RESUMO
Com objetivo de implementar estudos em Palinologia de Quaternário para a Planície Costeira do
Estado do Rio Grande do Sul, foram realizadas análises palinológicas qualitativas e quantitativas em
um perfil sedimentar, evidenciando as principais mudanças ocorridas na vegetação em tempos pretéritos
na região do Banhado da Cidreira, município de Osório, Estado do Rio Grande do Sul. Os dados
palinológicos foram tratados estatisticamente, resultando na produção de diagramas de porcentagem
no qual constituem as bases das interpretações paleovegetacionais e paleoambientais. Estas análises
permitiram estabelecer três zonas palinológicas distintas atestando a comaltação do ambiente e a diminuição da diversidade das espécies na região.
Palavras-chave: quaternário, palinologia, mudanças paleoambientais.
Acadêmico do Curso de Biologia/ULBRA - Bolsista PROICT/
ULBRA
1
3
Professor do Curso de Química/ULBRA
4
Professor do Curso de Biologia/ULBRA
Professor - Orientador do Curso de Biologia/ULBRA
([email protected])
2
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
21
ABSTRACT
In order to implement the Quartenary Palynology studies of Coastal Plain of Rio Grande do Sul State,
southern Brazil, qualitative and quantitative palynological analysis were realized in a sedimentary profile,
evidencing the major changes in the past time of the vegetation, Banhado da Cidreira region, Osório
county in the Rio Grande do Sul State. Palynological data were statisticaly treated, resulting in percentual
diagrams which consists the base of the palaeovegetational and palaeoenvironmental interpretations. These
analysis allowed to establishment three palinological distincts zones describing the vegetational colmatation
and verifying the reduction of the species diversity of the region.
Key words: quaternary, palynology, palaeoenvironmental changes.
INTRODUÇÃO
As pesquisas em Palinologia de Quaternário
são possíveis uma vez que os grãos de pólen e
esporos preservam características morfológicas
típicas quando depositados em ambientes
sedimentares apropriados que lhes permitem a
fossilização. Conseqüentemente, tendem a refletir a vegetação ao redor do mesmo e através
de comparações com a botânica atual permitem
averiguar as variações ocorridas nas comunidades vegetacionais.
Os melhores sedimentos para realizar estas
pesquisas são os lamosos, visto que, em condições redutoras e acidificantes tornam-se excelentes ferramentas de trabalho permitindo a realização das análises dos palinomorfos em nível
de família, gênero ou em alguns casos espécie.
Estudos palinológicos foram anteriormente
realizados na Planície Costeira do Rio Grande
do Sul nas localidades de Terra de Areia (NE-
22
VES & LORSCHEITER 1995), Capão do Leão
(NEVES 1998), Águas Claras e Barrocadas
(BAUERMANN 2003).
O trabalho objetiva fornecer através das análises palinológicas, qualitativas e quantitativas,
evidências
das
principais
mudanças
paleoambientais e paleoclimáticas ocorridas na
região, bem como, correlacionar os resultados com
outros estudos realizados na Planície Costeira.
ÁREA ESTUDADA
Localização
A área estudada situa-se na Planície Costeira Norte do Rio Grande do Sul, na localidade
de Passinhos, (30° 02‘03“S ; 50º 23‘11“W), município de Osório, entre a Lagoa do Índio e o
Banhado da Cidreira e dista aproximadamente
112 km da capital do Estado (Figura 1).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Figura 1 - Localização da turfeira de Passinhos.
Caracterização da Vegetação
O inventário florístico da vegetação é o resultado de cinco coletas realizadas em diferentes épocas do ano de 2003 (março, julho e outubro) e 2004 (junho e setembro).
As plantas foram identificas in loco ou, posteriormente, no laboratório com auxílio de lupa e literatura especializada; as exsicatas encontram-se catalogadas e depositadas no Herbário da Universidade
Luterana do Brasil (HERULBRA). O levantamento resultou em um total de 139 espécies pertencentes a 57 diferentes famílias botânicas, destacandose dentre elas Asteraceae (29), Poaceae (10),
Cyperaceae (8) e Melastomataceae (7).
A vegetação de banhado e de mata de restinga
paludosa que, antes provavelmente abrangiam uma
vasta área, encontra-se, atualmente, extremamente reduzida e alterada. Dentre os elementos característicos da mata de restinga paludosa ocorrem ainda
no local Alchornea triplinervia (Euphorbiaceae),
Psidium clattleyanum (Myrtaceae), Ocotea pulchella
(Lauraceae), Ilex pseudobuxus (Aquifoliaceae),
Myrsine lorentziana (Myrsinaceae) e Syagrus
romanzoffiana (Arecaceae); espécies típicas de banhado Tibouchina trichopoda (Melastomataceae),
Eryngium pandanifolium (Apiaceae), Senecio
bonariensis (Asteraceae), Sacciolepis campestris
(Poaceae), Eriocaulon magnificum (Eriocaulaceae),
Mayaca fluviatilis e M. sellowiana (Mayacaceae),
Ludwigia cf. sericea (Onagraceae), Potamogeton cf.
ferrugineus (Potamogetonaceae), Xyris sp.
(Xyridaceae), Boehmeria cylindrica (Urticaceae) e
Sphagnum sp. (Sphagnaceae).
Nas partes onde houve maior drenagem e
que, atualmente, servem como área de criação
de animais domésticos sendo que provavelmente já tenham sido lavoura, encontram-se inúmeras espécies ruderais destacando-se entre
elas: Urtica circularis (Urticaceae), Solanum
americanum, (Solanaceae), Hyptis brevipes
(Lamiaceae), Sida rhombifolia (Malvaceae),
Stellaria media (Caryophyllaceae), Galinsoga
parviflora (Asteraceae).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
23
Próximo ao ambiente paludial são encontradas ainda várias espécies sob cultivo em horta e
pomar salientando-se Musa sp.(Musaceae),
Citrus spp. (Rutaceae) e Persea americana
(Lauraceae) e, como quebra-vento, Bambusa
tuldoides (Poaceae).
MATERIAL E MÉTODOS
Foram coletadas amostras de uma turfeira da
região do Banhado da Cidreira, tendo ponto de
coleta as coordenadas (30°02‘03“ S ; 50°23‘11“ W).
O material sedimentar foi coletado com aparelho “Hiller”, atingindo a profundidade de 2,30 m.
Foi utilizado 1cm3 de sedimento fresco para
cada amostra, totalizando 46 amostras extraídas
em intervalos de 5 cm cada e processadas física
e quimicamente seguindo a metodologia de
Faegri & Iversen (1989). Para a confecção das
lâminas palinológicas utilizou-se como meio de
montagem gelatina glicerinada.
As análises palinológicas foram realizadas em
microscopia óptica sob aumentos de 400 X e/ou
1000 X em microscópio Leica DMLB e os
palinomorfos fotografados em máquina digital Sony
Cyber-Shot P-92. As imagens digitalizadas foram
tratadas através do programa PHOTOSHOP 6.0.
Com os dados obtidos através de análises
qualitativas e quantitativas, foram elaborados
os diagramas palinológicos de porcentagem através dos programas “TILIA”, “TILIAGRAPHIC”
e “TILIAVIEW” GRIMM (1987).
24
Aos níveis de base e topo da turfeira foi aplicado teste t - Student para verificar as possíveis
diferenças estatísticas entre estas respectivas
amostras.
A apresentação dos resultados nos gráficos
polínicos segue a seguinte ordem: árvores, ervas
e arbusto, macrófitos aquáticos, pteridófitos,
briófitos, fungos, algas, elementos marinhos,
fitoclastos e zooclastos. Na montagem dos diagramas palinológicos foram considerados todos
os palinomorfos identificados durante as análises polínicas e distribuídos conforme seus hábitos e/ou hábitat.
RESULTADOS
Análise qualitativa
Através das análises palinológicas foram identificados 94 palinomorfos distribuídos nos seguintes grupos: fitoclastos, dois zooclastos, oito algas, quatro fungos, dois briófitos, oito
pteridófitos, duas gimnospermas e 67
angiospermas todos já citados para a Planície
Costeira do Rio Grande do Sul. (Quadro 1).
Descrição das zonas
palinológicas
As mudanças paleoflorísticas evidenciadas nos
conjuntos polínicos, através das análises dos
palinomorfos, ao longo do perfil sedimentar permitiram estabelecer três zonas palinológicas (Figura 2).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Figura 2. Diagrama palinológico de porcentagem.
Zona P - I
Profundidade: 2,30 a 1,90 m
A zona P-I foi caracterizada pelo predomínio
das formações campestres, destacando -se
palinomorfos correspondentes a Poaceae,
Cyperaceae, Asteraceae, Valeriana, Eryngium, seguidos de Gomphrena e tipo Xyris, Plantago. Foram ainda registrados palinomorfos de Apiaceae,
Caryophyllaceae, Cuphea, Lamiaceae, Oxalis,
Polygalaceae, Polygonum, tipo Amaranthus/
Chenopodiaceae, tipo Borreria, tipo Pouteria, tipo
Rubiaceae e tipo Trixis.
sença de um corpo de águas lóticas. Os fungos,
ao longo desta zona, tiveram expansão na sua
representatividade à medida que os grãos de pólen dos macrófitos aquáticos foram reduzindo.
Zona P - II
Profundidade: 1,90 a 0,65 m
Dentre os elementos arbóreos, todos com
baixa representação, pode -se salientar
Melastomataceae, Myrtaceae e Alchornea, seguidos de Anacardiaceae. Foram ainda verificados registros de Araucaria, Arecaceae, Celtis,
Euphorbiaceae, Fabaceae, Ilex, Mimosaceae,
Mimosa série Lepidotae, Podocarpus e tipo
Bromeliaceae.
A zona P-II apresentou predomínio dos elementos herbáceos sobre os demais destacandose Poaceae, Cyperaceae, Asteraceae, Valeriana,
Eryngium, seguidos de Gomphrena e tipo Xyris,
Plantago. Foram ainda registrados Apiaceae,
Caryophyllaceae, Cuphea, Lamiaceae, Oxalis,
Polygalaceae, Polygonum, tipo Amaranthus/
Chenopodiaceae, tipo Borreria, tipo Pouteria, tipo
Rubiaceae e tipo Trixis. Nesta zona ocorre o
surgimento de grãos de pólen dos elementos herbáceos relacionados a Acanthaceae, Fabaceae/
Cajanus, Scrophulariaceae, tipo Baccharis, tipo
Cruciferae, tipo Iridaceae e tipo Senecio.
Com relação aos demais conjuntos polínicos,
destacam-se os macrófitos aquáticos (em especial Myryophyllum aquaticum) o que indica a pre-
Os elementos arbóreos tiveram nesta zona
uma expansão dentre os quais sobressaem
Melastomataceae, Alchornea, Euphorbiaceae,
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
25
Myrtaceae e Myrsine. Houve, também, um aumento de diversidade com o surgimento de
Bignoniaceae, Chrysophyllum, Meliaceae,
Moraceae/Urticaceae, Papilionaceae, Sapium,
tipo Convolvulaceae e Weimannia.
Foi verificada uma redução acentuada na taxa
de porcentagem e diversidade dos macrófitos aquáticos, e o aumento expressivo de pteridófitos,
briófitos e de algas os quais no seu conjunto atestam a colmatação do paleoambiente.
Zona P - III
Profundidade: 0,65 a 0,0 m
Na zona P-III, constatou- se a mesma
fitofisionomia das zonas anteriores, ou seja,
grandes formações campestres entremeadas
por manchas de mata. A diversidade dos campos, ainda aumentou devido ao aparecimento
de elementos herbáceos como Croton e tipo
Liguliflorae.
Os elementos arbóreos continuam em ascensão, favorecidos pelas novas condições
paleoambientais, aumentando sua taxa de porcentagem e de diversidade constatada através
de novos registros fósseis como Ulmaceae.
As análises dos demais palinomorfos mostraram os macrófitos aquáticos gradativamente em
decréscimo, em contra partida, nesta zona evidencia-se o representativo aumento na taxa de
porcentagem dos fungos os quais estão associados com a expansão dos táxons arbóreos.
26
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As análises palinológicas dos dados obtidos
revelaram predomínio dos elementos herbáceos
sobre os arbóreos/arbustivos ao longo de todo o
testemunho. Portanto, a paisagem vegetacional
da região esteve sempre constituída por extensas áreas de campo com manchas de mata.
A grande ocorrência de táxons compreendendo os elementos aquáticos nos níveis de base refletem uma paisagem com volume de água maior
que os níveis intermediários e o topo da turfeira.
A sucessão vegetacional ao longo do testemunho
de sondagem mostrou o desenvolvimento de táxons
de elementos arbóreos, briófitos e pteridófitos enquanto os elementos aquáticos e palustres decrescem evidenciando a colmatação desse ambiente.
Análises estatísticas aplicadas com teste t Student entre os níveis de base e topo da turfeira,
mostraram diferenças significativas na composição florística das formações campestres, onde a
diversidade paleoflorística entre os táxons herbáceos (Asteraceae, Cyperaceae, Eryngium,
Gomphrena, Plantago e Valeriana), era maior em
tempos pretéritos do que na atualidade. As formações florestais não apresentaram diferenças
significativas entre seus elementos constituintes, embora a quantidade dos táxons arbóreos
tenham aumentado gradativamente.
O impacto da ação antrópica na região é evidenciado através da homogeneização da vegetação
atual que, embora apresente a mesma fitofisionomia
da zona P-I, possui menor diversidade florística.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Quadro 1 - Principais palinomorfos encontrados na turfeira de Passinhos. a-Poaceae; b-Asteraceae (vista
equatorial); c-Cyperaceae; d-Eryngium (vista equatorial); e-Gomphrena; f-Ilex (vista polar); g-Celtis;
h-Myrtaceae (vista polar); i-Alchornea (vista equatorial).
AGRADECIMENTOS
À acadêmica Millene Borges Coelho, do curso de Biologia, por sua colaboração nas análises
palinológicas preliminares.
e evolução paleovegetacional e
paleoambiental das turfeiras de Barrocadas
e Águas Claras, Planície Costeira do Rio
Grande do Sul, Brasil. 2003. 137f. Tese
(Doutorado em Geociências) – Instituto de
Geociências, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Ciências Biológicas
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
29
30
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Distribuição espacial e ocupação de tocas
do caranguejo fantasma Ocypode quadrata
(Fabricius, 1787) (Decapoda: Ocypodidae)
na Praia do Siriú, SC
CLAIR XAVIER BERNARDES1
ELIANE FRAGA DA SILVEIRA2
EDUARDO PÉRICO3
ANAPAULA SOMMER-VINAGRE2
RESUMO
O caranguejo Ocypode quadrata (Fabricius, 1787) habita as praias arenosas ao longo de
toda a costa brasileira e pouco se conhece sobre sua estrutura populacional. Este trabalho tem por
objetivo verificar o padrão de distribuição espacial da espécie, bem como o índice de ocupação das
tocas. Nos meses de janeiro a abril de 2005, foram realizadas oito amostragens através da
metodologia de ‘quadrats’ (2m X 2m), na Praia do Siriú, Santa Catarina, para analisar o padrão
de distribuição da tocas. As tocas encontradas foram escavadas para verificar o grau de ocupação
das mesmas. Os resultados obtidos indicam um padrão de distribuição espacial agregado, com
maior concentração próxima à linha das dunas. Das 153 tocas cavadas, 94 estavam ocupadas
(61,4%) e 59 estavam vazias (38,6%).
Palavras-chaves: Ocypode quadrata, distribuição espacial, ocupação de tocas.
Acadêmica do Curso de Biologia/ULBRA – Bolsista
PROICT/ULBRA
1
2
3
Professor – Orientador do Curso de Biologia/ULBRA
([email protected])
Professora do Curso de Biologia/ULBRA
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
31
ABSTRACT
The crab Ocypode quadrata (Fabricius, 1787) inhabits sandy beaches along the Brazilian coast and
there are few studies describing its population structure. This work aims to verify the spatial pattern
distribution of the species and burrow occupancy. From January to April/2005, 8 samples using the quadrat
methodology (2 x 2m) were realized in the Siriú beach, Santa Catarina, to analyze the distribution pattern
of the burrows. The burrows were excavated to verify the degree of occupation of the same ones. The
results indicate a aggregate pattern of spatial distribution, with higher concentration next the line to dunes.
Of the 153 dug burrows, 94 were occupied (61,4%) and 59 were empty (38,6%).
Key words: Ocypode quadrata, spatial distribution, burrow occupancy.
INTRODUÇÃO
O caranguejo-fantasma Ocypode quadrata
(Fabricius, 1787) é um crustáceo pertencente à
infraordem Brachyura, na qual estão inclusos
siris e caranguejos marinhos. A espécie ocupa
praias arenosas, do nível do supralitoral até a
área das dunas. Os indivíduos mais jovens fazem galerias perto do nível de maré alta máxima e entre a vegetação da praia. Os jovens são
principalmente de hábitos diurnos enquanto os
adultos são noturnos (MELO, 1999).
O hábito de cavar tocas, bem como os padrões
das mesmas, foi estudado por diversos autores
(COUES, 1871; COWLES, 1908; SAWAYA, 1939
e PHILLIPS, 1940). WOLCOTT (1978) utilizou
a contagens de tocas para analisar a densidade
das mesmas por metro linear de praia, em diferentes meses do ano. FISHER & TEVESZ (1979)
estudaram o padrão de distribuição de tocas de
jovens e adultos em praias dos Estados Unidos. A
distribuição e a estrutura etária desta espécie foram estudadas no litoral sul do Rio Grande do
Sul por ALBERTO & FONTOURA (1998).
Segundo TAKAHASI (1935) o fato destes
animais se ocultarem em tocas, apresentarem alta
32
velocidade e coloração críptica são importantes
fatores de sobrevivência para esta espécie em
um ambiente instável.
A importância da temperatura foi analisada
por MILNE & MILNE (1946). Segundo os autores, O. quatrata apresenta sensibilidade ao frio,
mas têm certa resistência ao calor, dependendo
do grau de umidade de seus canais branquiais.
Sua importância ecológica dá-se principalmente por seu papel na troca de energia nos
ecossistemas costeiros (WOLCOTT, 1978). Em
praias arenosas, como no litoral do Rio Grande
do Sul, devido a suas características, a biomassa
encontra-se normalmente enterrada no substrato
arenoso. Entre seus os principais componentes
encontram-se as espécies Emerita brasiliensis
(SCHMITT, 1935), Excirolana armata (Dana,
1852), Donax hanleyanus Philippi, 1847,
Mesodesma mactroides (Deshayes, 1854) e O.
quadrata, que juntos respondem por mais de 90%
da biomassa dessas praias.
O trabalho em questão foi realizado na praia
do Siriú (S 28º 0’ 34,0’’; W 48º 37’ 46,9’’), município de Garopaba, SC. A região encontra-se no
limite sul da Serra do Tabuleiro e é caracterizada
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
por vegetação de restinga e cercada por dunas.
Diferentemente de outras praias onde há fluxo
constante de pedestres, e por vezes de veículos
automotores revolvendo a areia da praia, a praia
de Siriú permanece semi-deserta durante todo o
ano, principalmente nos meses de baixa temporada, desta forma, é comum encontrar várias tocas ao longo de sua extensão sem qualquer sinal
que evidencie se estão ocupadas ou não. Assim,
o objetivo deste trabalho além de verificar o padrão de distribuição espacial das tocas, é conhecer o índice de ocupação das mesmas.
MATERIAL E MÉTODOS
Durante os meses de janeiro a abril de 2005,
foi realizado um total de oito amostragens. Para
cada amostragem, foi traçado aleatoriamente um
transecto de 2m de largura deste a altura da maré
baixa até o limite inferior das dunas. Cada
transecto foi dividido em ‘quadrats’ de 2m x 2m e
numerado de acordo com a distância em relação
à linha d’água. Em cada ‘quadrat’ as tocas encontradas foram numeradas, mapeadas segundo
sua localização e tiveram seus diâmetros
mensurados através de paquímetro de precisão
de 0,01mm. Cada uma das tocas foi escavada com
o auxílio de uma pá de jardinagem até que se
encontrasse seu limite final. Durante a
amostragem, os caranguejos capturados nas tocas ocupadas foram colocados em recipientes plásticos individuais. Para estas tocas foram coletados
dados referentes à profundidade e temperatura
da areia na parte interna, onde o caranguejo se
encontrava, antes de serem novamente cobertas.
Fatores abióticos como a temperatura ambiente,
umidade e temperatura da água também foram
mensurados para posterior correlação. Todos os
indivíduos foram pesados, medidos na largura da
carapaça e comprimento. A identificação do sexo
foi feita através do exame do formato e da parte
interna do abdome. Após avaliação, todos os indivíduos foram liberados.
Para efeito de comparação, estipulou-se como
medida padrão a maior distância entre a duna e
o mar registrada entre as oito amostragens (34m
em jan/05), e para o cálculo de densidade, a
maior área utilizada para construção de tocas
(14m) em 27/04/05 (onde foi encontrada a 1ª
toca). A variação da maré para as diferentes
datas é apresentada na figura 2.
Para análise estatística do padrão de distribuição espacial foi utilizado o Índice de Agregação e o teste do Qui-Quadrado, conforme
KREBS (1998).
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
A Figura 1 apresenta os resultados obtidos
nas oito amostragens realizadas de janeiro a
abril de 2005 na Praia do Siriú, SC. Foi
estabelecida a comparação direta entre o
mapeamento das tocas existentes em um
transecto aleatoriamente escolhido e perpendicular ao mar (A1), e o mapeamento do mesmo transecto após a escavação de todas as tocas (A2), com a definição do grau de ocupação das mesmas. Pode ser observado que na
amostragem de 22/01/05, o maior diâmetro estava a 28m da linha do mar, e a maior densidade entre 30 e 32m para as tocas ocupadas (A2),
contrastando em parte com os achados de A1,
onde a maior densidade ocorre em 24m e 30m.
Em 16/02/05, o maior diâmetro encontrado foi
a 30m da linha do mar, e a maior densidade de
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
33
tocas ocupadas a 24m (A2), coincidindo com
o transecto A1 exceto pelo nível de ocupação
na faixa dos 26m. Em 17/02/05, dois picos referentes ao maior diâmetro foram encontrados em
A2, um a 24m e outro a 30m da linha d’água,
sendo que a maior densidade apresentada foi
a 26m com tocas de menor diâmetro em A2,
diferindo dos achados encontrados entre 28 e
30m em A1, onde haviam seis tocas, porém somente uma ocupada. Esta observação juntamente com a de 18/02/05 a 32m, onde todas as sete
tocas estavam vazias, demonstra a
vulnerabilidade do método de censo indireto
que eventualmente pode superestimar a população de O. quadrata, baseando-se na existência de tocas sem conhecer o índice de ocupação das mesmas. Na amostra de 18/02/05, o
maior diâmetro estava a 26m da linha do mar,
e a maior densidade a 30m (A2), contrastando
novamente com A1, que sugeria uma maior
densidade a 32m da linha do mar, já em 25/03/
05, confirmou-se a maior densidade e o maior
diâmetro médio na faixa de 30m entre as tocas
existentes em A1 e as tocas efetivamente ocu-
34
padas de A2, ainda que nesta amostragem 50%
das tocas estivessem vazias. Em 26/03/05, o levantamento mostrou novamente uma discrepância entre o número de tocas encontradas
em A1 e o número de tocas efetivamente ocupadas em A2, com uma variação mais acentuada de diâmetro na faixa dos 30m, em 27/04/
05, não houve diferença entre A1 e A2, e o
índice de ocupação das tocas foi de 95%, o
mesmo ocorrendo em 28/04/05 onde não houve
variação significativa entre A1 e A2, exceto
quanto ao grau de ocupação das tocas.
O número total de tocas mensuradas nas oito
amostragens foi de 153 para A1, e 94 para A2,
correspondendo a um percentual de ocupação
de 61,4%, os maiores e menores diâmetros encontrados foram (33,7;8,8), (34,1;6,3),
(33,1;8,2), (31,1;14,5), (31,8;6,8), (30,5;7,4),
(30,5;7,4), (29,3;10,0) e (33,1;10,5) para as datas de 22/01, 16/02, 17/02, 18/02, 25/03, 26/03,
27/04 e 28/04, respectivamente. Estes dados corroboram a necessidade de estudos paralelos
como este, a fim de evitar a superestimação do
tamanho populacional da espécie.
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A1
A2
Figura 1 - Densidade e diâmetro médio das tocas em cada amostragem (A1) compara-dos à densidade e
diâmetro médio das tocas efetivamente ocupadas (A2).
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A1
A2
Figura 1 (continuação) - Densidade e diâmetro médio das tocas em cada amostragem (A1) comparados à
densidade e diâmetro médio das tocas efetivamente ocupadas (A2).
36
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Figura 2 - Mapeamento das tocas de O. quadrata nas amostragens realizadas em Siriú, SC. Os números nos
‘quadrats’ correspondem a distância (em metros) em relação ao mar, e a área sombreada corresponde
a linha da maré na data da amostragem (
A figura 2 apresenta o mapeamento total das
tocas nas oito amostragens realizadas, com suas
respectivas localizações e diâmetros. Nos oito
Tocas vazias
Machos
Fêmes
Juvenis).
períodos de amostragem foi analisado um total
84 ‘quadrats’. Para cada uma das tocas escavadas e ocupadas foi identificado o sexo do indiví-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
37
duo ou se era juvenil. O padrão de distribuição
encontrado foi de agregado, testado em relação
à distribuição de Poisson por dois métodos: o
Índice de Dispersão (I) e o Teste de Qui-quadrado. O primeiro, definido como a relação entre a variância e a média observadas (I = 5,377/
1,821) e testados através do c2 pela fórmula c2 =
I (n – 1), para (n – 1) Graus de Liberdade, onde
“n” = número de ‘quadrats’ (84). O valor obtido foi de I= 2, 952 com um c2 = 245,04 (83g.l.;
P=0,000), portanto significativo. O segundo
método, comparando diretamente as freqüências observadas e esperadas segundo a distribuição de Poisson, através da fórmula: c2 = å(o-e)2
/e, indicou um valor de c 2 = 258,31 (9g.l.;
P=0,000) também significativo.
Tabela 1 - Ocupação das tocas e distribuição dos indivíduos encontrados conforme o sexo ou estágio de
desenvolvimento durante os meses de amostragem.
MÊS
JAN
FEV
ABR
Ocupação
N
%
n
%
n
%
n
%
Vazias
7
32,0
21
46,0
22
54,0
9
20,0
Machos
12
55,0
11
24,0
14
34,0
3
7,0
Fêmeas
1
5,0
4
9,0
0
0,0
4
9,0
Juvenis
2
0,0
10
22,0
5
12,0
28
64,0
Total
22
100,0
46
100,0
41
100,0
44
100,0
A tabela 1 apresenta os resultados obtidos em
relação à ocupação das tocas conforme o mês de
amostragem. Pela análise desta tabela pode ser
observado que o percentual de tocas vazias variou entre 20% (abril) e 54% (março). Nas tocas
ocupadas os machos sempre foram os mais freqüentes (55% em jan/05, 24% em fev/05, 34%
em mar/05), exceto em abril, quando o percentual
de juvenis sobe para 64%. Isto pode ser explicado
38
MAR
por um possível recrutamento ocorrido durante
os primeiros meses de verão. Este padrão foi observado por ALBERTO & FONTOURA (1998)
na praia de Pinhal, RS. A baixa freqüência de
fêmeas foi observada em todos os meses de
amostragem, o que pode ser explicado pelo hábito de permanecerem ocultas em suas tocas durante o período de incubação dos ovos (NEGREIROS-FRANÇOZO et al, 2002).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Diâmetro Médio das Tocas (mm)
Machos
Fêmeas
Juvenis
Vazias
30,0
25,0
20,0
15,0
10,0
5,0
0,0
32
30
28
26
24
22
20
Distância do Mar (m)
Figura 3 - Diâmetro médio (mm) do total de tocas de Ocypode quadrata amostradas em relação a distância
do mar (m).
A figura 3 apresenta os diâmetros de todas
as tocas amostradas durante os meses de janeiro
a abril, posicionando-as em relação à distância
do mar. Pode ser observado um padrão homogêneo de distribuição de juvenis, que ocupam toda
a faixa de areia entre o mar e as dunas. Os machos iniciam a ocupação a partir dos 24m, juntamente com as fêmeas, e se estendem por toda
a faixa até as dunas. O diâmetro médio de tocas
ocupadas por fêmeas aumentou na medida em
que se distanciaram do mar, já o diâmetro médio das tocas ocupadas por machos foi decrescente em relação ao distanciamento do mar.
Padrão decrescente semelhante pode ser observado para as tocas vazias, sugerindo uma possí-
vel ocupação anterior por parte de indivíduos
machos, o que só poderia ser confirmado mediante novos estudos.
A relação entre a densidade e tamanho médio das tocas pode ser observada na figura 4. No
mês de fevereiro ocorreu um aumento no diâmetro médio e uma baixa densidade, em contraste com as amostras do mês de abril, onde a
densidade de tocas por m2 aumenta e o diâmetro médio diminui. Tocas vazias com grandes
diâmetros são observadas próximas à linha do
mar (22m) o que pode indicar que sirvam de
abrigo temporário durante a alimentação, desova ou acasalamento.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
39
30,0
1,2
25,0
1
20,0
0,8
15,0
0,6
10,0
0,4
5,0
0,2
0,0
Densidade (m2)
Diâmetro médio das tocas
(mm)
Diâmetro médio(mm)
Densidade (m2)
0
22/1/2005 16/2/2005 17/2/2005 18/2/2005 25/3/2005 26/3/2005 27/4/2005 28/4/2005
Data da amostragem
Figura 4 - Diâmetro médio (mm) e densidade por m2 das tocas de O. quadrata.
A complexidade dos ambientes costeiros, sua
geografia, a influência direta de fatores
abióticos como substrato, fotoperíodo, temperatura, direção e intensidade dos ventos,
pluviosidade e marés transformam cada praia
num ambiente único, com características específicas. DUNCAN (1986) em seu trabalho
sobre tocas de O. quadrata realizado na costa
da Georgia, USA, relata ter encontrado tocas
verticalmente orientadas entre dunas, contrastando com as conclusões de FREY & MAYOU
(1971), Georgia, e CHAKRABATI (1981),
Índia, de que as mesmas são restritas ao
supralitoral. ZIMMER et al (2003), em trabalho realizado na praia de Itapeva, RS, descrevem como área de maior densidade no verão, a
faixa de areia que vai de 50 à 60m de distância
da linha d’água, da mesma forma, ALBERTO
& FONTOURA (1998) descrevem a maior
densidade na praia de Pinhal, RS para o mês
de fevereiro, a faixa de areia que vai de 55 à
40
60m. As duas praias são descritas como tendo
uma faixa de areia com baixa intensidade de
tocas devido ao tráfego de veículos
automotores. Já no presente trabalho, a limitação das tocas parece estar diretamente relacionada com a linha de alcance das marés, já
que são encontradas tocas a partir de 20m ou
menos de distância da linha da maré. Tendo
em vista os resultados e considerações aqui
apresentados, bem como a dificuldade de se
obter uma amostra significativa da população
através da captura dos caranguejos, verificase que o censo indireto com base na correlação existente entre a largura da carapaça e o
diâmetro da toca (WOLCOTT, 1978; FISHER
& TEVESZ, 1979; ALBERTO & FONTOURA,
1998) continua sendo uma ferramenta eficiente nos estudos de distribuição espacial e dinâmica populacional, porém, deve ser somado a
um estudo detalhado das condições abióticas
e a concentrados esforços de campo.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
CONCLUSÕES
A distribuição espacial encontrada para O.
quadrata em Siriú, SC foi do tipo agregada. O
experimento mostrou diferença entre o número
de tocas amostradas e o número de tocas efetivamente ocupadas, com um percentual de ocupação de 38% para janeiro, 54% para fevereiro,
46% para março e 80% para abril/05. Machos e
fêmeas ocuparam a faixa de praia superior a 24m
da linha do mar, enquanto juvenis foram encontrados a partir de 20m. Tocas vazias foram encontradas a partir dos 22m de distância do mar.
REFERÊNCIAS
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Monitoramento da toxicidade genética associada
aos dejetos industriais e urbanos em amostras de
água do rio Caí através do Teste SMART
JANAÍNA DIAS GODINHO1
VIVIANE SOUZA DO AMARAL2
RENATA MEDINA DA SILVA2
MARIA LUÍZA REGULY3
HELOISA HELENA RODRIGUES DE ANDRADE3,4
RESUMO
O rio Caí é utilizado como corpo hídrico recipiente de efluentes industriais e urbanos. Em função disto,
foi utilizado o teste SMART para traçar um diagnóstico da genotoxicidade associada a este rio. As coletas
foram realizadas nos meses de março, junho e setembro de 1999 em pontos sob influência industrial
(km18,6 e km13,6) e urbana (km52, km78 e km80). Os pontos km 18,6 e km 13,6 foram caracterizados
como destituídos de ação genotóxica. Por outro lado, as amostras urbanas referentes aos meses de março
(km 52, 78 e 80) e setembro (km 52) foram diagnosticadas como indutoras de toxicidade genética.
Considerando estes resultados, conclui-se que os prejuízos causados pelos dejetos urbanos podem ser tão
ou mais nocivos que os impostos pelos de origem industrial.
Palavras-chaves: SMART, Genotoxicidade, Água, D. melanogaster.
Acadêmico do Curso de Biologia/ULBRA – Bolsista PROICT/
ULBRA
1
Aluno de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular
da UFRGS
2
3
Professor do Curso de Biologia/ULBRA
Professor – Orientador do Curso de Biologia e do PPG de
Genética e Toxicologia Aplicada/ULBRA ([email protected])
4
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
43
ABSTRACT
The Caí river receives large amounts of industrial and urban discharges. In function this, we employed
the SMART to evaluate the genotoxicity from this river. The samples were collected in 2 industrial sites
(km 18.6 and km 13.6) and in 3 urban sites (km 52, km78 and 80). The monitoring included three
collections: March, June and September 1999. The sites km 18.6 and km 13.6 were characterized as
destitute of genotoxic action. On the other hand, the points under influence of municipal discharges were
genotoxic: km52, 78 and 80 samples collected in march, and km 52 collected in September. Taking into
account the results observed, the SMART assay results lead to the conclusion that urban wastes may be as
polluting as or even more polluting than industrial ones.
Key words: SMART, Genotoxicity, Water, D. melanogaster.
INTRODUÇÃO
O lançamento de efluentes industriais e urbanos nos corpos hídricos impõe um significativo risco aos ecossistemas, não apenas pelo volume de
descarga dos dejetos, mas principalmente pela sua
composição química. O rio Caí é utilizado como
principal fonte de água e corpo hídrico recipiente
de efluentes industriais e municipais. Diversas atividades urbanas e industriais vêm sendo intensamente praticadas nas suas margens. As cidades de
Montenegro e de São Sebastião do Caí concentram atividades relacionadas, basicamente, com
pequenas indústrias. Adicionalmente, nestes dois
últimos municípios, os esgotos cloacais são ligados
à rede de esgotos pluviais, sendo lançados diretamente nos cursos d’água a eles associados. Desta
forma, este é o segmento do rio que mais recebe
lançamentos de efluentes de pequenas e grandes
indústrias e onde há maior despejo de esgotos domésticos não tratados (FEPAM/GTZ, 1997).
O rio Caí vem sendo alvo de uma série de
estudos que procuram identificar a presença de
substâncias genotóxicas, especialmente no seu
curso final, em função da influência exercida pelo
Pólo Petroquímico do Sul. Utilizando o teste
44
Salmonella/microssoma, como método de triagem,
foram obtidas respostas positivas na maioria dos
sítios de coleta, evidenciando a presença de substâncias mutagênicas na área de influência do
Complexo Petroquímico (VARGAS, MOTTA &
HENRIQUES, 1988). Associadas a estas análises foram empregadas técnicas citogenéticas in
vitro para a avaliação da indução de aberrações
cromossômicas, utilizando o método de bloqueio
da citocinese (CBMN), em cultura de linfócitos
humanos. Esta metodologia foi empregada para a
análise dos mesmos pontos anteriormente analisados por VARGAS, MOTTA & HENRIQUES
(1988), tendo sido incluído o ponto Km 14,1. Os
resultados obtidos revelaram a presença de substâncias com potencial clastogênico e/ou
aneugênico em todos os sitios de amostragem
(LEMOS & ERDTMANN, 2000).
Em função destas peculiaridades, a utilização
de bioensaios capazes de detectar simultaneamente uma ampla gama de lesões, em nível gênico e
cromossômico, poderá traçar um diagnóstico mais
completo da toxicidade genética associada ao
curso inferior do rio Caí. Dentro deste contexto,
destaca-se o Teste para Detecção de Mutação e
Recombinação em Células Somáticas de
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Drosophila melanogaster (SMART), que tem se
mostrado uma ferramenta precisa para a detecção
do impacto causado por diferentes poluentes aos
ecossistemas. Desta forma, o presente trabalho foi
delineado no sentido de atingir os seguintes objetivos: (i) avaliar, através do SMART, amostras
de água superficial de diferentes pontos do rio
Caí, que estão sob influência de efluentes industriais e urbanos; (ii) estimar a sensibilidade e a
adequação deste bioensaio como uma ferramenta para o controle da qualidade ambiental.
MATERIAL E MÉTODOS
Pontos de Coleta
As amostras foram coletadas nos meses de
março, junho e setembro de 1999 em pontos do
rio sob influência de dejetos industriais - km 18,6
e km13,6 - e urbanos - km 52 (Município de
Montenegro), km 78 e km 80 (Município de São
Sebastião do Caí).
Teste Para Detecção de
Mutação e Recombinação
Somática (SMART)
Dentre os bioensaios ainda pouco utilizados
para avaliação do potencial genotóxico de amostras ambientais, encontra-se o SMART - em
células somáticas de D. melanogaster. Este teste,
além de utilizar um organismo experimental
eucarioto, com estreita similaridade genética e
bioquímica quando comparado aos mamíferos,
possibilita a detecção simultânea de mutação
gênica, aberrações cromossômicas e/ou
recombinação somática.
Esta metodologia baseia-se na indução de
pêlos mutantes nas asas das moscas, que representam a expressão fenotípica da ocorrência de
lesões em nível de DNA, que, por sua vez, levam à perda de heterozigosidade dos genes mwh
e flr3 (GRAF et al., 1984).
Cruzamentos
Nesta abordagem experimental foi empregado
o cruzamento padrão – nas amostras de origem
urbana - que origina larvas portadoras de nível basal
de atividade metabólica dependente de citocromo
P-450, e o cruzamento aprimorado – nas amostras
de origem industrial - que apresenta larvas com
alto nível constitutivo de citocromo P450
(HÄLLSTRON & BLANCK, 1985).
Tratamentos
Cada amostra de origem industrial e urbana
foi diluída em água destilada e testada em duas
concentrações (25% e 50%) assim como, na sua
forma crua (100%). Como controle negativo foi
utilizada a água destilada.
Larvas de terceiro estágio foram colocadas
em tubos contendo 1,5g de meio sintético, onde
foram acrescentados 5ml das soluções de tratamento. As larvas permaneceram nestas condições por aproximadamente 48 horas - tratamento crônico - até atingirem o estágio de pupa.
Análise microscópica
Para cada ponto de tratamento foram analisadas as asas de pelo menos 40 indivíduos - em
microscópio óptico, com aumento de 400x – vi-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
45
sando à identificação dos fenótipos dos pêlos
existentes nas superfícies dorsal e ventral das
asas dos adultos.
Análise estatística
Para a avaliação genotóxica dos cinco pontos de coleta no rio Caí, as diferentes diluições
foram comparadas com seus respectivos controles negativos. A análise estatística foi feita através do teste estatístico binominal condicional
KASTENBAUM & BOWMAN (1970).
RESULTADOS
Nas Tabelas 1 e 2 são apresentados os dados obtidos através do SMART, quando foram consideradas as respostas obtidas nos
adultos portadores do genótipo transheterozigoto, oriundos, respectivamente, do
tratamento com amostras de origem urbana e
industrial. Na tabela 1, os resultados obtidos
a partir da coleta de março caracterizaram os
km 52, 78 e 80 como genotóxicos, ambos capazes de induzir aumentos significativos no
total de manchas. Já as amostras de junho
mostraram-se todas destituídas de atividade
genotóxica, enquanto as provenientes do km
52 coletadas em setembro apresentaram respostas positivas. Entretanto, como se pode
observar na tabela 2 as duas amostras de origem industrial, nos três meses de coleta, não
mostraram efeito genotóxico, uma vez que as
freqüências das diferentes categorias de manchas não foram significantemente superiores
àquelas observadas nos respectivos controles
negativos (água destilada).
46
DISCUSSÃO
No presente estudo, o SMART foi empregado
para avaliar a genotoxicidade de amostras de
água do rio Caí, que sofrem influência industrial
e urbana, em três épocas distintas – março, junho e setembro – ao longo do ano de 1999. Os
dados obtidos no presente estudo apontam para a
ausência de genotoxicidade das amostras de água
superficial, sob influência direta de dejetos oriundos do Pólo Petroquímico do Sul, e para a ação
genotóxica de amostras de água associadas aos
três diferentes pontos no mês de março – km 52,
78 e 80 que estão sob influência de esgotos domésticos. Este comportamento não foi observado
para o mês de junho – já que não foram obtidos
aumentos significativos, para todos os tipos de
manchas, em relação ao controle negativo. No
entanto, as coletas de setembro evidenciaram a
toxicidade genética associada ao km 52 – localizado próximo à cidade de Montenegro.
Ainda mais, considerando os resultados observados, nas amostras de origem urbana, nos
meses de março e junho, sugere-se uma correlação entre o nível pluviométrico e o diagnóstico positivo. De fato, no mês de março, foram
registrados índices de pluviosidade de 12,3 mm,
enquanto que no mês de junho (112,6 mm) estes valores foram aproximadamente dez vezes
superiores. Entretanto, esta correlação não pode
explicar os resultados positivos obtidos para o
km 52, coletado em setembro – já que a
pluviosidade (110,9 mm) foi tão elevada quanto à registrada em junho. Ainda que a diluição
das águas do rio não tenha sido um fator
determinante para a genotoxicidade deste ponto, esta resposta pode estar relacionada com a
descarga diferencial de dejetos de pequenas
indústrias que não apresentam qualquer estra-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
tégia de tratamento e que juntamente com os
esgotos cloacais e pluviais, são lançados diretamente no rio Caí. Ainda que, para os dejetos
urbanos coletados em março de 1999, tenha sido
sugerida uma correlação entre genotoxicidade
positiva e índice pluviométrico este tipo de relação não foi identificada para as amostras industriais – assim como para os demais
parâmetros físico-químicos analisados.
Finalmente, fica a sugestão de que, pelo menos em nossas condições experimentais, o impacto causado por despejos de origem urbana pode
ser mais intenso do que o imposto por dejetos provenientes de indústrias de grande porte. De fato,
apesar da extensa procura de informações bibliográficas, referentes à contribuição dos despejos
urbanos para a genotoxicidade associada a águas
superficiais do curso inferior do rio Caí, não foram encontrados registros - tanto centrados na
toxicidade genética de despejos urbanos, quanto
na comparação entre amostras de origem industrial e urbana. Consideramos, também relevante,
o conjunto de dados publicados por WHITE,
RASMUSSEN & BLAISE (1996) e WHITE &
RASMUSSEN (1998), que apontam para os prejuízos causados por dejetos urbanos – que podem
ser tão ou mais nocivos que os impostos pelos de
origem industrial. Esta maior potência genotóxica
pode ser atribuída ao seu maior volume de lançamento, assim como à sua natureza mais complexa
- já que são formados pelo somatório de resíduos
domésticos e de indústrias de pequeno porte, que
na grande maioria das vezes não utilizam qualquer tipo de tratamento.
Adicionalmente, a avaliação da toxicidade
genética centrou-se no emprego do SMART em
Drosophila melanogaster, procurando contribuir
não apenas para o diagnóstico da qualidade das
águas do curso inferior do rio Caí, mas também
para a validação do seu emprego como uma ferramenta para o diagnóstico da genotoxicidade
de amostras de origem ambiental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados indicam ausência de atividade genotóxica para as amostras de origem industrial, enquanto que as urbanas apresentaram
toxicidade genética - em todos os pontos no mês
de março, e somente no km 52 (referente à cidade de Montenegro) no mês de setembro. Estes resultados, evidenciam o potencial genotóxico
das águas superficiais sob influência dos despejos domésticos, e de pequenas indústrias principalmente em função da ausência de qualquer
estratégia de tratamento dos esgotos pluviais.
O contrário ocorre com os efluentes provenientes das indústrias de grande porte, que dispõem
de complexos sistemas de tratamento e disposição de rejeitos, em função do severo controle
que recebem por parte dos órgãos ambientais.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
47
Tabela 1 - Diagnóstico estatístico das freqüências de indução de clones mutantes após tratamento das larvas
provenientes do cruzamento padrão com amostras de água do Caí sob influência de dejetos urbanos
coletadas em março, junho e setembro de 1999.
Manchas por indivíduo (no. de manchas)/diag. estatístico a
Genótipos
3
mwh / flr
mwh / flr3
mwh / flr3
mwh / flr3
mwh / flr3
3
mwh / flr
3
mwh / flr
mwh / flr3
mwh / flr3
a
48
Diluições e
Pontos de Coleta
N. de
indiv. (N)
Março
Km 52
Água Destilada
25
50
100
60
60
70
60
KM 78
Água Destilada
25
50
100
60
40
40
40
KM 80
Água Destilada
25
50
100
MSP
MSG
(1-2 cells)
(>2 cells)
(m = 2)
(m = 5)
0.35
0.72
0.70
0.75
(21)
(43) +
(49) +
(45) +
MG
(m = 5)
TM
(m = 2)
0.05 (3)
0.10 (6) i
0.03 (2) i
0.005 (3) i
0.00 (0)
0.03 (2) i
0.00 (0) i
0.00 (0) i
0.40 (24)
0.85 (51) +
0.73 (51) +
0.80 (48) +
0.35 (21)
0.68 (27) +
0.80 (32) +
0.75 (30) +
0.05 (3)
0.05 (2) i
0.20 (8) +
0.05 (2) i
0.00 (0)
0.05 (2) i
0.03 (1) i
0.10 (4) +
0.40 (24)
0.78 (31) +
1.03 (41) +
0.90 (36) +
60
40
40
40
0.35 (21)
0.73 (29) +
0.88 (35) +
0.80 (32) +
0.05 (3)
0.05 (2) i
0.20 (8) +
0.13 (5) i
0.00 (0)
0.10 (4) +
0.08 (3) i
0.03 (1) i
0.40 (24)
0.88 (35) +
1.15 (46) +
0.95 (38) +
Junho
KM 52
Água Destilada
25
50
100
50
50
50
50
0.54 (27)
0.66 (33) 0.50 (25) 0.64 (32) -
0.12 (6)
0.10 (5) i
0.14 (7) i
0.08 (4) i
0.00 (0)
0.04 (2) i
0.04 (2) i
0.06 (3) i
0.66 (33)
0.80 (40) 0.68 (34) 0.78 (39) -
KM 78
Água Destilada
25
50
100
50
40
50
50
0.54 (27)
0.80 (32) i
0.42 (21) 0.76 (38) i
0.12 (6)
0.10 (4) i
0.06 (3) 0.08 (4) i
0.00 (0)
0.03(1) i
0.00 (0) i
0.04 (2) i
0.66 (33)
0.93 (37) i
0.48 (24) 0.88 (44) i
KM 80
Água Destilada
25
50
100
60
40
40
40
0.47 (28)
0.55 (22) 0.55 (22) 0.83 (33) -
0.12 (7)
0.08 (3) i
0.13 (5) i
0.10 (4) i
0.00 (0)
0.08 (3) i
0.03 (1) i
0.00 (0) i
Setembro
KM 52
Água Destilada
25
50
100
40
40
50
40
0.48 (19)
0.90 (36) +
0.90 (45) +
0.90 (36) +
0.10 (4)
0.10 (4) i
0.10 (5) i
0.10 (4) i
0.05 (2)
0.08 (3) i
0.02 (1) i
0.03 (1) i
0.63 (25)
1.08 (43) +
1.02 (51) +
1.03 (41) +
KM 78
Água Destilada
25
50
100
40
79
78
75
0.48 (19)
0.57 (45) i
0.47 (37) 0.57 (43) i
0.10 (4)
0.10 (8) i
0.10 (8) i
0.08 (6) i
0.05 (2)
0.01 (1) i
0.03 (2) i
0.03 (2) i
0.63 (25)
0.68(54) 0.60 (47) 0.68 (51) -
KM 80
Água Destilada
25
50
100
40
60
70
60
0.48 (19)
0.53 (32) i
0.66 (46) i
0.62 (37) i
0.10 (4)
0.08 (5) i
0.10 (7) i
0.08 (5) i
0.05 (2)
0.00 (0) i
0.01 (1) i
0.00 (0) i
0.63 (25)
0.62(37) 0.77 (54) 0.70 (42) -
0.58 (35)
0.70 (28) 0.70 (28) 0.93 (37) -
Diagnóstico Estatístico de acordo com Frei % Würgler (1988): +: positivo; - negativo; i: inconclusivo; f+ fraco positivo; m:
fator multiplicador, nível de significância: á = â = 0.05.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Tabela 2 - Diagnóstico estatístico das freqüências de indução de clones mutantes após tratamento das larvas
provenientes do cruzamento aprimorado com amostras de água do Caí sob influência de dejetos
industriais coletadas em março, junho e setembro de 1999.
Manchas por indivíduo (no. de manchas)/diag. estatístico a
Genótipos
a
mwh / flr
3
mwh / flr
3
mwh / flr
3
mwh / flr
3
mwh / flr
3
mwh / flr
3
Diluições e
Pontos de
Coleta
N. de indiv.
(N)
MG
TM
(m = 5)
(m = 5)
(m = 2)
MSP
MSG
(1-2 cells)
(>2 cells)
(m = 2)
Março
Km 18,6
Água Destilada
25
50
100
40
40
40
40
0.68 (27)
0.63 (25) 0.75 (30) 0.75 (30) -
0.08 (3)
0.10 (4) i
0.08 (3) 0.08 (3) -
0.00 (0)
0.00 (0) 0.05 (2) i
0.00 (0) -
0.75 (30)
0.73 (29) 0.88 (35) 0.83 (33) -
KM 13,6
Água Destilada
25
50
100
40
40
40
40
0.68 (27)
0.93 (37) i
0.85 (34) 0.73 (29) -
0.08 (3)
0.13 (5) i
0.18 (7) i
0.13 (5) i
0.00 (0)
0.03 (1) i
0.00 (0) 0.03 (1) i
0.75 (30)
1.08 (43) 1.03 (41) 0.88 (35) -
Junho
KM 18,6
Água Destilada
25
50
100
40
40
40
40
0.98 (39)
1.00 (40) 1.05 (42) 1.05 (42) -
0.13 (5)
0.05 (2) 0.23 (9) i
0.20 (8) i
0.05 (2)
0.03 (1) 0.05 (2) 0.00 (0) -
1.15 (46)
1.08 (43) 1.33 (53) 1.25 (50) -
KM 13,6
Água Destilada
25
50
100
40
40
40
40
0.98 (39)
1.00 (40) 0.70 (28) 1.08 (43) -
0.13 (5)
0.08 (3) 0.10 (4) 0.15 (6) -
0.05 (2)
0.00 (0) 0.05 (2) 0.08 (3) i
1.15 (46)
1.08 (43) 0.85 (34) 1.30 (52) -
Setembro
KM 18,6
Água Destilada
25
50
100
40
40
40
40
0.65 (26)
0.53 (21) 0.63 (25) 0.53 (21) -
0.05 (2)
0.05 (2) 0.00 (0) 0.08 (3) i
0.03 (1)
0.03 (1) 0.00 (0) 0.00 (0) -
0.73 (29)
0.60 (24) 0.63 (25) 0.60 (24) -
KM 13,6
Água Destilada
25
50
100
40
40
40
40
0.65 (26)
0.63 (25) 0.50 (20) 0.55 (22) -
0.05 (2)
0.03 (1) 0.05 (2) i
0.08 (3) i
0.03 (1)
0.00 (0) 0.03 (1) 0.00 (0) -
0.73 (29)
0.65 (26) 0.58 (23) 0.63 (25) -
Diagnóstico Estatístico de acordo com Frei % Würgler (1988): +: positivo; - negativo; i: inconclusivo; f+ fraco positivo; m:
fator multiplicador, nível de significância: á = â = 0.05.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
49
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Avaliação da atividade mutagênica e
antimutagênica induzidas pelo extrato vegetal da
Costus spicatus
SAMUEL TAKASHI SAITO1
GIOVANNI CIGNACHI2
SUSANA GASPARRI3
JENIFER SAFFI4
RESUMO
A Costus spicatus Swartz, que popularmente é chamada de “Cana-do-Brejo”, é uma espécie nativa
da América Latina habitando em locais úmidos. É utilizada popularmente para patologias do sistema
urinário. Entretanto, o uso desta planta para fins terapêuticos ainda carece de estudos de toxicidade e de
segurança. Em função disto, o objetivo desse trabalho foi verificar as atividades mutagênica e antimutagênica
do extrato bruto hidroalcoólico, preparado das mesmas condições em que ele é consumido pela população, utilizando a levedura Saccharomyces cerevisiae como modelo experimental. Os experimentos sugerem que este extrato não apresenta atividade mutagênica e possa ter atividade antimutagênica dependente
da dose utilizada e tratamento.
Palavras-chave: cana-do-brejo, Costus spicatus, mutagênese, antimutagênese, Saccharomyces
cerevisiae.
Acadêmico do Curso de Farmácia/ULBRA – Bolsista PIBIC/
CNPq
1
2
Acadêmico do Curso de Farmácia/ULBRA – Bolsista
PROICT/ULBRA
3
Aluna do PPG Diagnóstico Genético e Molecular/ULBRA
4
Professora – Orientadora do Curso de Farmácia e do PPG
Diagnóstico
Genético
e
Molecular/ULBRA
([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
51
ABSTRACT
The Costus spicatus Swartz, commonly called “Cana-do-Brejo” in Brazil, is a native specie found in
wet coastal forests from Latin America. It is utilized in folk medicine to relieve in urinary affections.
However there are no studies that confirm the efficacy and safety of this plant for therapeutics purposes.
For this reason, the aim of this study was to verified the mutagenic and antimutagenic activities of the
hidroalcoholic extract, prepared in the same conditions utilized by the population, using the yeast
Saccharomyces cerevisiae as a model organism. This study suggests that this extract is not mutagenic for
the yeast and may be antimutagenic depending for the dose and treatment used.
Key words: cana-do-brejo, Costus spicatu, mutagenesis, antimutagenesis, S. cerevisiae.
INTRODUÇÃO
A planta Costus spicatus Swartz (sin.: C.
cylindricus Jacq. Família: Zinziberaceae/
Costaceae), popularmente chamada no Brasil de
“Cana-do-Brejo”, é uma espécie nativa encontrada em locais úmidos do Sul do México,
Yucatan, Costa Rica, norte da Colômbia e Brasil (SILVA et al., 1999) – Figura 1. Suas folhas,
hastes e rizomas são empregados na medicina
tradicional de longa data, principalmente na
região Amazônica (LORENZI & MATOS,
2002). É utilizada popularmente pela sua ação
depurativa e diurética, para alívio de infecções
urinárias e para expelir pedras renais. Esta planta tem atraído a atenção de pesquisadores, pois
se verificou nos rizomas da mesma uma nova fonte de diosgenina, um precursor de hormônios
esteroidais (SILVA et al., 1999).
Informações etnofarmacológicas registram o uso
das raízes e rizomas como diurético, tônico,
emenagogo e diaforético, enquanto o suco da haste
fresco diluído em água tem uso contra gonorréia,
sífilis, nefrite, picadas de insetos, problemas da bexiga e diabetes (ALBUQUERQUE, 1989; VAN
DEN BERG, 1993; CORRÊA et al.,1998; VIEIRA
& ALBUQUERQUE,1998; MORS et al., 2000).
Figura 1 - Costus spicatus (http://toptropicals.com)
52
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Entretanto, não existem ainda estudos que comprovem a eficácia e a segurança do uso desta planta
para fins terapêuticos. Em função disso, o objetivo
desse trabalho foi verificar as atividades mutagênica
e antimutagênica do extrato hidroalcóolico da canado-brejo, utilizando a levedura Saccharomyces
cerevisiae como modelo de estudo.
MATERIAL E MÉTODOS
Amostra vegetal
Partes aéreas secas da planta Costus spicatus
foram gentilmente cedidas pela empresa Santos-Flora (São Paulo – SP, Brasil). O laudo botânico foi também realizado e fornecido pela
referida empresa.
Preparação do extrato
Para preparação do extrato hidroalcoólico as
partes aéreas secas da planta foram colocadas
em maceração com álcool 50% em proporção de
1:5, ou seja, uma parte da planta para cada cinco partes do solvente, durante 21 dias, à temperatura ambiente, acondicionada em frasco âmbar.
Linhagens de Saccharomyces
cerevisiae
Para os estudos de mutagênese a
antimutagênese, empregou- se a linhagem
XV185-14c (MATa ade2-2 arg4-17 his1-7 lys1-1
trp5-48 hom3-10), a qual detecta mutação
reversa, mutação do tipo forward e por deslocamento do quadro de leitura (frameshift).
Meios de cultura e soluções
O crescimento das células foi feito em meio
líquido completo (YEL) contendo 1% de extrato
de levedura, 2% de bactopeptona e 2% de glicose
obtidos da marca Difco, Oxoid ou Vetec. Para determinação do número de células viáveis, ou seja,
unidades formadoras de colônias, foram feitas semeaduras em meio YEPD solidificado com 2% de
bacto-ágar, marca Vetec (AUSUBEL et al., 1989).
Para todos os tratamentos, as células foram
ressuspendidas e diluídas em solução salina
(NaCl 0,9%).
Nos testes de mutagênese e antimutagênese
foi empregado o Meio Sintético (SC) suplementado
(SC-histidina, SC-lisina e SC-homoserina), nos
quais os aminoácidos foram omitidos, conforme
descrito por AUSUBEL et al. (1989).
Condições de crescimento
Células em fase estacionária de crescimento
foram obtidas a partir de uma colônia isolada,
retirada da placa e colocada para crescer em
meio líquido YEL, por 48 horas, a 30oC, até atingir a concentração de 2-4 x108 células/mL.
Detecção da atividade
mutagênica e antimutagênica
Para os ensaios de mutagenicidade e
antimutagenicidade, utilizou-se a linhagem
XV185-14c de S. cerevisiae. Em frasco de
Erlenmeyer contendo 30 mL de YEL foi inoculada uma colônia isolada dessa linhagem e colocada para crescer em ‘shaker’ (incubadora com
agitação orbital – LABLINE), a 180 rpm e 30oC,
durante 48 horas, para atingir a fase estacioná-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
53
ria. As culturas assim mantidas atingiam uma
concentração de 2 a 4 x108 céls/mL. Posteriormente, esta suspensão foi passada para um tubo
Falcon de 50 mL e centrifugada por 5 minutos a
5000 rpm. Após esta primeira centrifugação, desprezou-se o sobrenadante e adicionou-se 20mL
de solução salina, seguido de centrifugação para
lavagem das células. Este procedimento foi repetido duas vezes. As células foram então contadas em câmera de Neubauer no microscópio
óptico e foram feitas as diluições necessárias para
se obter à concentração celular desejada para o
tratamento. Uma suspensão celular de 2x10 8
células/mL em fase estacionária foi incubada
durante 20 horas a 30oC, sob agitação a 180 rpm,
com doses crescentes (50-500µL/mL de suspensão celular) do extrato hidroalcóolico da Costus.
Determinou-se a sobrevivência através de semeadura em meio rico YEPD, após 3-5 dias de
crescimento em estufa a 30oC. Para a detecção
de mutação induzida (revertentes das marcas
LIS, HIS ou HOM) as células foram incubadas
em meio mínimo seletivo, durante 3-5 dias a
30oC. A mutação his1-7 é um alelo de sentido
incorreto ou missense, do tipo não supressivo, e,
portanto, as reversões são a conseqüência de
mutações no próprio lócus.
Entretanto, o alelo lys1-1 corresponde a uma
mutação do tipo ocre sem sentido (nonsense), a
qual pode ser revertida de forma lócus específico ou através de mutação para frente (mutação
forward) em um gene supressor. A diferença entre as reversões verdadeiras e mutações
supressoras (forward) no lócus lys1-1 está bem
descrita por SCHÜLLER & VON BORSTEL
(1974), onde o conteúdo de adenina reduzido
no meio SC-lys mostra reversão no lócus quando as colônias são vermelhas e mutações
supressoras quando as colônias ficam brancas.
Acredita-se que hom3-10 contenha mutação do
tipo deslocamento do quadro de leitura ou
frameshift, devido a sua resposta a uma série de
agentes sabidamente mutagênicos. A representação esquemática deste ensaio pode ser observado na Figura 2.
Figura 2 - Representação esquemática do teste de mutagênese e antimutagênse em S. cerevisiae.
54
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
da marca Sigma, em todos os experimentos de
mutagênese e antimutagênese.
Para os experimentos de antimutagênese, dois
tipos de tratamento foram realizados:
1. Pré-tratamento: a linhagem foi incubada
por 16 horas (a 30oC com agitação a 180
rpm), com diferentes doses do extrato
hidroalcoólico da planta, sendo posteriormente adicionado o H2O2 16mM por
mais uma hora, sendo então semeada a
sobrevivência e a mutagênese em meios
específicos (SC-lys, SC-hom e SC-his);
Análise estatística
Os resultados foram analisados estatisticamente utilizando o Teste ANOVA-Dunett, comparando-se os tratamentos dos extratos com o controle (dose zero de extrato). Foi considerado estatisticamente significativo P < 0,05 e P < 0,01.
2. Tratamento simultâneo: a mesma linhagem
foi incubada por 4 horas com diferentes doses do extrato hidroalcoólico e com H2O2
16mM concomitantemente (a 30oC com agitação), seguido por plaqueamento nos mesmos meios descritos acima.
RESULTADOS
Na Tabela 1 pode-se observar que o extrato
hidroalcoólico da Costus spicatus não é capaz de
induzir mutagenicidade na linhagem XV185-14c
de S. cerevisiae em nenhuma das doses testadas. É
importante ressaltar que na dose de 50 mL/mL suspensão celular o número de revertentes no lócus
de histidina é ainda menor que no controle (dose
zero de extrato), mostrando que o extrato deve
conter substâncias capazes de diminuir a própria
mutagênese espontânea da linhagem.
Nos dois casos, as placas foram incubadas no
escuro a 30oC, em estufa, durante 3-5 dias e após
fez-se à contagem do número de colônias
revertentes. Todos estes experimentos foram feitos em triplicata para cada dose testada.
Como controle positivo foi utilizado o composto nitroquinoleína-1-óxido, (4-NQO 5mM),
Tabela 1 - Indução de mutação pontual (his1-7 e lys1-1) e mutação por deslocamento do quadro de leitura ou
frameshift (hom3-10) na linhagem haplóide XV 185-14c de S. cerevisiae, após o tratamento com o
extrato hidroalcoólico da Costus spicatus em fase estacionária de crescimento.
Dose do Extrato
(μL/mL de suspensão
celular)
Sobrevivência
(%)
4-NQO (CP)
13 (19)
0
100% (459)
Revertentes His1/108
a
sobreviventes
3066,67 (874)
c
d
Revertentes Lys1/108
b
sobreviventes
350,88 (100)
c
6,20 ± 1,55 (29)
d
Revertentes Hom3/108
a
sobreviventes
10,53 (3)
c
2,20 ± 0,63 (12)
d
c
2,20 ± 0,28 (13)
50
120% (552)
4,00 ± 1,55 (27)**
3,10 ± 0,63 (19)
2,60 ± 0,28 (12)
100
117% (540)
4,40 ± 1,27 (30)
2,10 ± 0,07 (15)
1,80 ± 0,28 (11)
250
104% (477)
4,20 ± 1,41 (37)
2,40 ± 0,14 (16)
2,20 ± 0,00 (12)
500
102% (468)
3,30 ± 2,05 (36)
2,50 ± 0,21 (17)
2,80 ± 0,42 (16)
Revertentes de lócus-específico; b Revertentes de lócus-não específico;
c
Número entre parênteses é o total de colônias contadas em três placas para cada dose;
d
Significância e desvio-padrão de três experimentos independentes;
** Dados significativos em relação ao grupo controle negativo (salina) P<0.01 no teste ANOVA (‘Dunnett’s Multiple Comparison Test’).
4-NQO= 4-nitroquinoléina-1-óxido (controle positivo).
a
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
55
Na Tabela 2 estão apresentados os resultados da antimutagênese, com o pré-tratamento,
ou seja, onde a linhagem foi pré-incubada por
16 horas com o extrato e posteriormente trata-
da com o H2O2. Neste caso, não foi observada
diferença estatisticamente significativa de proteção do extrato frente às mutações induzidas
pelo H2O2.
Tabela 2 - Indução de mutação pontual (his1-7 e lys1-1) e mutação por deslocamento do quadro de leitura ou
frameshift (hom3-10) na linhagem haplóide XV 185-14c de S. cerevisiae, após incubação prévia
com o extrato da Costus spicatus (pré-tratamento) e posterior tratamento por uma hora com H2O2
16mM em fase estacionária de crescimento.
Dose do Extrato
(μL/mL de suspensão celular)
+ H2O2 (P)
Sobrevivência (%)
Revertentes His1/108
sobreviventesa
Revertentes Lys1/108
sobreviventesb
Revertentes Hom3/108
sobreviventesa
0P
100% (555)c
7,00 ± 2,82d (27)c
3,80 ± 0,00d (16)c
3,40 ± 0,14d (10)c
50P
83% (465)
11,0 ± 2,82 (47)
3,80 ± 0,00 (12)
3,20 ± 0,14 (14)
100P
109% (606)
11,3 ± 3,04 (49)
2,40 ± 0,98 (15)
2,70 ± 0,49 (16)
250P
59% (330)
14,4 ± 5,23 (54)
3,30 ± 0,35 (18)
2,50 ± 0,63 (13)
500P
81% (453)
15,6 ± 6,08 (56)
3,50 ± 0,21 (16)
3,10 ± 0,21 (14)
Revertentes de lócus-específico; b Revertentes de lócus-não específico;
b
Revertentes de Lócus não-específico.
c
Números entre parênteses é o total de colônias contadas em três placas para cada dose;
d
Significância e desvio-padrão de três experimentos independentes.
a
A Tabela 3 contém os resultados da
antimutagênese com o tratamento simultâneo
de extrato e H2O2 durante 4 horas. Neste tipo
de ensaio, pôde-se perceber uma redução signi-
ficativa da mutagenicidade induzida pelo H2O2
no lócus da histidina para as doses de 100, 250 e
500 mL/mL suspensão celular de extrato, indicando, portanto, atividade antimutagênica.
Tabela 3 - Indução de mutação pontual (his1-7 e lys1-1) e mutação por deslocamento do quadro de leitura ou frameshift
(hom3-10) na linhagem haplóide XV 185-14c de S. cerevisiae, após o tratamento simultâneo durante 4 horas
com o extrato hidroalcoólico de Costus spicatus e H2O2 16mM, em fase estacionária de crescimento.
Dose do Extrato
(μL/mL de suspensão celular)
+ H2O2 (P)
0P
8
8
8
Sobrevivência (%)
Revertentes His1/10
a
sobreviventes
Revertentes Lys1/10
b
sobreviventes
Revertentes Hom3/10
a
sobreviventes
100% (290)c
18,75± 4,73d (45)c
2,73± 1,00d (6)c
5,57± 2,77d (13)c
50P
87% (260)
19,55± 10,97 (37)
2,88± 2,43 (5)
6,30± 0,52 (16)
100P
125% (326)
12,05± 1,54* (39)
1,62± 0,57 (5)
7,42± 3,09 (22)
250P
173% (419)
9,80± 2,71* (45)
1,45± 0,80 (6)
4,15± 3,91 (13)
500P
115% (308)
13,49± 1,51* (37)
2,59± 1,21 (7)
6,03± 3,20 (15)
Revertentes de Lócus-específico.
Revertentes de Lócus não-específico (mutação forward).
Números entre parênteses é total de colônias contadas em três placas para cada dose.
d
Significância e desvio-padrão de três experimentos independentes.
* Dados significativos em relação ao grupo controle negativo (solvente) P < 0.05 no teste ANOVA (‘Dunnett’s Multiple Comparison Test’).
a
b
c
56
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
DISCUSSÃO
A família Zingiberaceae é largamente distribuída entre os trópicos, particularmente no sudeste da Ásia. Embora existam muitos relatos
de que os constituintes das plantas dessa família encontradas na Malásia não apresentam atividades biológicas, seja através de extratos brutos ou compostos isolados, sabe-se que muitas
espécies das Zinziberaceae apresentam atividade antioxidante e antimicrobiana (IWU &
ANYANWU, 1982; SIRAT, 1994).
A planta Costus spicatus tem atraído a atenção de pesquisadores desde a descoberta de
diosgenina, um precursor de hormônios
esteroidais, em seus rizomas (SILVA et al., 1999).
Por meio de estudos fitoquímicos e da combinação de espectroscopia e métodos químicos
realizados com as partes aéreas da Costus spp.,
foi descrita a identificação e elucidação estrutural de dois novos diglicosídeos flavônicos com
atividade antiinflamatória - a tamarixetina 3O-neohesperidósideo e o canferídeo 3-Oneohesperidosídeo - principalmente nas folhas
da cana-do-brejo. Além destes, foram identificados outros compostos bastante conhecidos tais
como quercetina 3-O-neohesperidosídeo e seis
outros flavonóides (SILVA et al., 2000).
Embora o gênero Costus seja amplamente utilizado na medicina popular, ainda são poucos os
estudos farmacológicos a respeito dos extratos
dessas plantas. O extrato metanólico de Costus
afer Ker mostrou-se citotóxico em ensaios com
microcrustáceos, apresentou atividade anestésica
local em porco da índia, atividade estrogênica e
progestogênica em ratas e atividade antihiperglicemiante em ratos diabéticos induzidos
por estreptozotocina (ANAGA et al., 2004).
Algumas das substâncias presentes nos alimentos e vegetais podem ter efeitos mutagênicos
e/ou carcinogênicos, isto é, podem induzir mutações do DNA e/ou podem favorecer o desenvolvimento de tumores enquanto outras podem
atenuar ou anular estes efeitos (ANTUNES &
ARAÚJO, 2000).
Após a observação inicial de efeitos
antimutagênicos de certos vegetais, vários compostos têm sido isolados de plantas e testados quanto à ação protetora sobre lesões induzidas no DNA
(KADA et al., 1978). O termo “antimutagênico”
foi usado originalmente por NOVICK & SZILARD
em 1952 para descrever os agentes que reduzem a
freqüência de mutação espontânea ou induzida,
independente do mecanismo envolvido (VON
BORSTEL et al., 1996).
Os mecanismos de ação dos agentes
antimutagênicos foram classificados em dois processos maiores, denominados desmutagênese e
bio-antimutagênese. Na desmutagênese, os agentes protetores, ou antimutagênicos, atuam diretamente sobre os compostos que induzem mutações no DNA, inativando-os química ou
enzimaticamente, inibindo ativação metabólica
de pró-mutagênicos ou seqüestrando moléculas
reativas. Na bio-antimutagênese, os
antimutagênicos atuam sobre o processo que leva
a indução de mutações, ou reparo das lesões causadas no DNA (KADA et al., 1978). Posteriormente, uma outra classificação mais detalhada
foi sugerida, considerando o modo de ação dos
antimutagênicos e/ou anticarcinogênicos, bem
como o ambiente de ação, extra ou intracelular
(DE FLORA & RAMEL, 1988).
O potencial antimutagênico de uma substância pode ser avaliado em sistemas biológicos diversos, os mesmos empregados para o estudo e identi-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
57
ficação dos agentes mutagênicos (ANDERSON
et al., 1995; WATERS et al., 1996). Em qualquer
desses sistemas-teste, o tratamento com os agentes mutagênicos, que induzem as mutações, e com
o antimutagênico, que poderá inibir o aparecimento de lesões no DNA, pode ocorrer simultaneamente ou em momentos diferentes, por meio de
pré-ou
pós-tratamento.
Os
agentes
antimutagênicos usados em pré-tratamento ou tratamento simultâneo podem atuar como agentes
desmutagênicos. A efetividade do agente
antimutagênico no pós-tratamento sugere que ele
esteja atuando pelo mecanismo de bioantimutagênese e estaria relacionado ao processo
de reparo das mutações, como acontece com a
vanilina (SASAKI et al., 1987) e com o ácido
tânico (SASAKI et al., 1988). Muitos compostos
antimutagênicos encontrados nos alimentos são
agentes antioxidantes e atuam seqüestrando os radicais livres de oxigênio, quando administrados
como pré-tratamento ou nos tratamentos simultâneos com o agente que induz as mutações no DNA.
Para os ensaios de mutagênese, o extrato
hidroalcoólico da Costus spicatus não induziu
atividade mutagênica na linhagem XV185-14c
de S. cerevisiae nas doses testadas. Para os testes de antimutagenicidade, o extrato não protegeu significantemente das lesões induzidas
por H2O2 quando pré-tratadas, mas quando tratadas simultaneamente, os testes sugeriram
uma pequena atividade antimutagênica nas
doses de 100, 250 e 500 mL/ mL suspensão celular, apenas no lócus da histidina. Conforme
citado acima, este efeito poderia ser devido a
uma atividade desmutagênica da planta, onde
os agentes protetores atuariam diretamente
sobre à ação do H2O2, inibindo a formação dos
58
compostos que induzem mutações no DNA ou
seqüestrando as moléculas reativas, como o
radical hidroxil.
O fato deste extrato vegetal não apresentar
atividade mutagênica e sim, antimutagênica em
S. cerevisiae torna-o bastante promissor para estudos futuros com outros modelos animais, bem
como para a identificação dos compostos biologicamente ativos presentes na planta.
CONCLUSÕES
Nas doses testadas, o extrato hidroalcóolico
da Costus spicatus não induziu atividade
mutagênica em levedura S. cerevisiae.
O extrato hidroalcoólico não apresentou atividade antimutagênica para lesões induzidas por
H2O2, quando a linhagem foi pré-tratada com o
extrato; entretanto, no tratamento simultâneo
da linhagem com o extrato vegetal da Costus e
com o H2O2, a atividade antimutagênica mostrou-se lócus-específico.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Prof. Dr. João A. P.
Henriques e sua equipe, do Laboratório de
Genotoxicidade (GENOTOX) da UFRGS, por
nos dispor os equipamentos necessários para realização deste trabalho, bem como pelas valiosas sugestões. À Pró-Reitoria de Pesquisa da
Universidade Luterana do Brasil, pelas bolsas
de Iniciação Científica concedidas e pelo financiamento deste projeto.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Comparação de desenvolvimento inicial do
rudimento seminal em Schinus terebinthifolius
Raddi e Schinus polygamus (Cav.) Cabr.
(Anacardiaceae)
DANIELE MUNARETO RODRIGUES1
JOÃO MARCELO SANTOS DE OLIVEIRA2
JORGE ERNESTO DE ARAUJO MARIATH3
RESUMO
O gênero Schinus é dividido em dois subgêneros, Duvaua e Euschinus, onde o tipo de folha e
inflorescência justificam tal organização infragenérica. Devido à sobreposição desses caracteres, os autores observaram padrões ontogenéticos diferentes entre duas espécies de subgêneros distintos. S.
terebinthifolius apresenta folha composta e S. polygamus folha simples. A ontogenia do rudimento
seminal em S. terebinthifolius mostra o crescimento deste órgão em direção à base da cavidade locular,
e o surgimento do tegumento interno é simétrico dorsoventralmente. Em S. polygamus o rudimento seminal cresce contra a parede da cavidade locular, e o surgimento do tegumento interno é assimétrico
dorsoventralmente. Com base na ontogenia dos rudimentos seminais, sugere-se a confirmação dos
subgêneros para o gênero Schinus.
Palavras-chave: Anacardiaceae, embriologia, ontogenia, rudimento seminal, Schinus.
1
Acadêmica do Curso de Biologia/ULBRA – Bolsista CNPq
2
Doutorando do PPG Botânica/UFRGS
Professor – Orientador do Curso de Biologia/UFRGS
([email protected])
3
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
61
ABSTRACT
The Schinus sort is divided in two subgenera, Duvaua and Euschinus, where the type of leaf and
inflorescência justify such infrageneric organization. Due to overlapping of these characters, the authors
had observed different ontogenéticos standards between two species of distinct subgenera. S. terebinthifolius
presents composed leaf and S. polygamus simple leaf. The ontogenia of the ovule in S. terebinthifolius
shows the growth of this agency in direction to the base of the socket to locule, and the sprouting of the
internal integument is symmetrical dorsiventrally. In S. polygamus the ovule grows against the wall of the
socket to locule, and the sprouting of the internal integument is anti-symmetrical dorsiventrally. On the
basis of the ontogenia of the ovule, suggests it confirmation of the subgenera for the Schinus.
Key words: Anacardiaceae, embryology, ontogeny, ovule, Schinus.
INTRODUÇÃO
A definição dos tecidos de um rudimento seminal ocorre no início do seu processo
morfogenético em relação a todo o processo de
desenvolvimento, ou seja, desde as primeiras divisões no tecido placentário até a fecundação.
Nesse contexto, o estudo dos eventos
ontogenéticos é fundamental para a compreensão de quais são os tipos de tecidos e seu modo
de origem, onde tais resultados podem ser utilizados em estudos taxonômicos, sistemáticos e
evolutivos (PALSER 1975, BOUMAN 1984,
JOHRI et al. 1992). Entre os diferentes modos
de interpretar a biologia, a ontogenia permite
acesso indireto, porém, robusto para a compreensão das diferentes relações dos diferentes grupos
e níveis taxonômicos, pois permite que sejam estabelecidos graus de similaridade entre os diferentes grupos em estudo, ou seja, homologias
(FINK 1982, PINNA 1991, AMORIN 2002).
Na família Anacardiaceae foram produzidos
estudos importantes onde considerações
taxonômicas, sistemáticas e tendências evolutivas
foram discutidas, além da apresentação de propostas para reformulação da organização das tri-
62
bos até então aceitas (WANNAN & QUINN
1990, 1991). Os estudos apresentados por
WANNAN & QUINN (l.c.), levaram em consideração a estrutura anatômica de frutos maduros e morfologia de flores em antese de um grande número de gêneros, incluindo o gênero
Schinus, objeto do presente estudo, onde vários
autores (VON TEICHMAN & ROBBERTSE
1986, VON TEICHMAN 1989, entre outros)
destacaram a importância do correto estabelecimento de homologias entre os táxons para que os
objetivos, nos seus respectivos trabalhos, fossem
atingidos. Porém, estudos ontogenéticos na família são raros para qualquer órgão (vegetativo,
principalmente, ou reprodutivo), se destacando
o breve estudo apresentado por ROBBERTSE et
al. (1986), para o rudimento seminal de Mangifera
indica e outro apresentado por GRUNDWAG
(1976) para o carpelo e rudimento seminal em
espécies de Pistacia, e estudos sobre o desenvolvimento do androceu e anteras em Anacardium
occidentale (OLIVEIRA & MARIATH 2001,
OLIVEIRA et al. 2001) e em Spondias mombin
(OLIVEIRA 2001).
Assim, considerando a importância da evidência ontogenética para a compreensão de fe-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
nômenos biológicos, os autores do presente estudo têm por meta analisar e descrever o processo ontogenético de formação dos rudimentos
seminais de espécies do gênero Schinus, que ocorrem no Estado do Rio Grande do Sul - Brasil, e
avaliar sua importância taxonômica ao nível
infragenérico.
MATERIAL E MÉTODOS
Botões florais de Schinus terebinthifolius Raddi
e S. polygamus (Cav.) Cabr. foram coletados em
diferentes regiões do Estado do Rio Grande do
Sul. O material recém coletado foi imediatamente
armazenado em câmara fria e, posteriormente,
dissecado e medido com auxílio de microscópio
estereoscópio Wild M7A. O material foi fixado
em uma solução de glutaraldeído 1% e
formaldeído 4%, em tampão fosfato de sódio 0,1M,
com pH 7,4 (MCDOWELL & TRUMP 1976). O
material fixado foi desidratado em série etílica
até etanol absoluto e, a seguir, transferido para
soluções de etanol absoluto e clorofórmio, nas proporções de 3:1, 1:1, 1:3, 1:1 e 3:1, com a finalidade de extrair ceras epicuticulares que dificultam
a adesão do material à resina acrílica utilizada
como meio de inclusão (GERRITS & SMID
1983). As secções foram realizadas na espessura
de 2 a 4mm e coradas em azul de toluidina O na
concentração de 0,05%, em tampão benzoato, pH
4, 4, (FEDER & O’BRIEN 1968).
A figura 1 apresenta uma linha tracejada
através do primórdio carpelar (a qual também
deve ser considerada para a figura 2). A linha
tracejada serve de referência para o leitor e indica o plano de corte longitudinal mediano ao
longo do eixo que separa o carpelo, e o rudimento seminal, bilateralmente. Cortes, também
longitudinais, perpendiculares à linha tracejada
também foram realizados.
O material botânico coletado para Microscopia
Eletrônica de Varredura (MEV) foi desidratado em
acetona e, posteriormente, transferido para
dimetoximetano (GERSTERBERGER & LEINS,
1978), por 12 horas. O material desidratado foi submetido à secagem através do método de ponto crítico, com auxílio de um aparelho Balzers CPD 030.
O material foi aderido a suportes de alumínio, com
auxílio de fita metálica adesiva, e, posteriormente,
recoberto com ouro, na espessura de 15 nm, com
auxílio de um aparelho metalizador tipo “sputtering”
Balzers SCD 050. As eletromicrografias foram realizadas em Microscópio Eletrônico de Varredura
(MEV) Jeol JMS 5800, sob 20 kV.
RESULTADOS
O gineceu em Schinus terebinthifolius e S.
polygamus surge tricarpelar (Figuras 1 e 2), porém, dois carpelos sempre interrompem seu desenvolvimento muito cedo e nem formam cavidade locular. Além disso, os carpelos abortivos
surgem, aparentemente, posteriormente à iniciação do carpelo funcional. No carpelo funcional, em ambas as espécies estudadas, o rudimento
seminal surge através de divisões periclinais das
duas camadas subjacentes em relação a
protoderme da cavidade locular, em posição ventral nesta cavidade (Figuras 3 e 4). Nessa fase
do desenvolvimento o botão floral de S.
terebinthifolius possui entre 0,58 e 0,65 mm de
comprimento e o seu carpelo 190 a 210µm de
comprimento, aproximadamente. Em S.
polygamus o botão floral possui entre 0,45 e 0,53
mm de comprimento, e o seu carpelo 170 a
190µm de comprimento, aproximadamente.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
63
Em S. terebinthifolius a invasão da cavidade
locular pelo primórdio do rudimento seminal
difere do observado em S. polygamus. Na primeira
espécie, células da região dorsal do primórdio,
próximas da sua região de inserção no carpelo,
crescem por vacuolação mais do que suas equivalentes de posição ventral, aparentemente,
gerando a curvatura apresentada pelo primórdio
do rudimento antes da formação da célula
arquesporial (Figura 5). Logo a seguir, ocorre a
divisão periclinal de uma célula subdérmica no
ápice do primórdio (Figura 6), resultando na
formação de uma célula arquesporial e uma célula parietal (Figura 6). A célula parietal, juntamente com as demais células adjacentes, no
ápice do primórdio, por divisões periclinais consecutivas, origina o tecido crassinucelar. A seguir é observada a ampliação da cavidade locular
e formação do tegumento interno, o qual surge
a partir de divisões periclinais de células
epidérmicas em torno do ápice do primórdio, com
uma largura de duas, raro três, células. Nessa
fase, portanto, é definida a região nucelar, sendo possível identificar, também claramente o
funículo e o tecido provascular se diferenciando em seu interior (Figura 7). Nessa fase do
desenvolvimento o botão floral de S.
terebinthifolius possui entre 0,78 e 0,93 mm de
comprimento e o seu carpelo entre 400 e 450µm
de comprimento, aproximadamente.
Durante a invasão da cavidade locular pelo
primórdio carpelar, em S. polygamus, não é observada vacuolação de células dorsais próximas à
região de inserção deste primórdio e o mesmo não
se curva inicialmente em direção à base da cavidade locular. Assim, o primórdio acaba crescendo em direção a parede locular oposta, onde parte de sua porção apical e dorsal fica comprimida
junto à parede carpelar (Figura 8). Posteriormen-
64
te, é observada a formação da célula arquesporial
e da célula parietal, seguido de divisões periclinais
em células epidérmicas, para a formação do
tegumento interno, a semelhança do que ocorre
em S. terebinthifolius. Porém, parte da porção dorsal
do tegumento interno, mesmo ocorrendo às divisões periclinais, não invade o espaço locular, aparentemente, devido à falta de espaço (Figura 9).
Na porção ventral o tegumento interno se eleva
do primórdio, tornando-se evidente; além disso,
a cavidade locular não apresenta uma ampliação
expressiva, similar àquela observada em S.
terebinthifolius (Figura 9). Nessa fase do desenvolvimento o botão floral de S. polygamus possui
entre 0,62 e 0,78 mm de comprimento e o seu
carpelo entre 280 a 340 µm de comprimento, aproximadamente.
Em ambas as espécies estudadas, a diferenciação da célula arquesporial e crescimento do tecido crassinucelar são similares. O crescimento
do tegumento interno é mediado por divisões
periclinais e oblíquas de células derivadas da
protoderme do primórdio do rudimento seminal;
o crescimento proliferativo do tecido crassinucelar
ocorre através de divisões periclinais, predominantemente (Figuras 10 e 11).
Ainda durante essa fase de crescimento inicial, ocorre ampliação da cavidade locular em
S. polygamus, associado ao aumento de curvatura de seu primórdio, em direção a uma estrutura anátropa. Aparentemente, essa combinação
de fatores permite que a porção dorsal do
tegumento interno, a seguir, se projete do
primórdio do rudimento seminal (Figura 12),
ocupando espaço na cavidade locular. Durante
esse período de desenvolvimento, se observa o
início da formação do obturador funicular, onde,
então, células da protoderme e duas a três camadas celulares subjacentes iniciam divisões
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
periclinais. Esse processo se instala na porção
ventral do primórdio do rudimento seminal, entre a região de placentação e o tegumento interno (Figura 12). O mesmo processo ocorre em
S. terebinthifolius.
O tegumento externo em ambas as espécies
de Schinus, estudadas, se desenvolve da mesma
forma. O processo inicia com divisões periclinais
nas células epidérmicas apenas da região dorsal,
do primórdio, com uma distância de duas a três
células em relação ao tegumento interno (Figuras 13 e 14). Nessa fase do desenvolvimento o
botão floral de S. polygamus possui entre 0,78 e
0,85 mm de comprimento e o seu carpelo entre
430 a 500µm de comprimento, aproximadamente. O botão floral de S. terebinthifolius possui entre 0,9 e 1,0 mm de comprimento e o seu carpelo
entre 620 e 680µm de comprimento, aproximadamente. Algumas fases mais adiantadas do
desenvolvimento foram analisadas para a obtenção de um quadro geral do desenvolvimento dos
tecidos que tiveram sua ontogenênese estudada. Assim, o desenvolvimento posterior revela
rudimentos seminais anátropos em S.
terebinthifolius e hemianátropos em S. polygamus,
onde o nucelo, obturador funicular, tegumento
interno e externo são evidentes, além disso, fica
evidente o não desenvolvimento do tegumento
externo na região ventral do rudimento seminal
(Figuras 15 e 16).
DISCUSSÃO
A ontogenia do primórdio dos rudimentos
seminais é muito similar entre S. terebinthifolius
e S. polygamus, embora, nessas espécies, algumas diferenças tenham sido observadas. A origem do processo de formação do primórdio do
rudimento seminal revela a ação da protoderme
carpelar e as duas camadas subjacentes, onde a
protoderme se divide anticlinalmente e as duas
camadas
subjacentes
se
dividem
periclinalmente. O processo ontogenético posterior revela a invasão do lóculo, formação da
célula arquesporial e célula parietal, formação
do tegumento interno, formação do obturador
funicular e, posteriormente, a formação do
tegumento externo. Inicialmente serão discutidas estas similaridades. Posteriormente, serão
discutidas, então, as diferenças observadas no
presente trabalho entre o processo ontogenético
para as duas espécies do gênero Schinus.
Com relação às divisões iniciais para a formação do primórdio do rudimento seminal, não
existem informações sobre o evento na família
Anacardiaceae, embora, existam descrições da
morfologia do primórdio já incluso na cavidade
locular, como por exemplo, em S. molle
(COPELAND 1959), onde o primórdio é comparado a um domo vegetativo, em função de sua
morfologia. Processo similar, na família
Anacardiaceae, foi descrito por OLIVEIRA
(2001) para a iniciação de primórdios de estames
em Spondias mombin, onde, ocorrem divisões
periclinais das duas camadas subdérmicas e apenas divisões anticlinais da camada protodérmica
do meristema floral. UMEDA et al. (1994) descreveram para Magnolia grandiflora a participação da epiderme e das duas camadas subjacentes
na construção do primórdio do rudimento seminal, semelhante ao que foi descrito no presente
estudo. Embora, comparações com espécies consideradas primitivas incitem especulações
evolutivas, em função da não existência de outras informações na família, não podemos inferir
sobre a ancestralidade do caráter ou sua convergência neste grupo vegetal.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
65
A origem dos tegumentos descrita no presente estudo revelou a ação da camada
protodérmica, através de divisões periclinais, principalmente, e oblíquas. Em ambas as espécies estudadas o tegumento interno surge logo após a
formação das células arquesporial e parietal primária, além disso, a formação do tegumento interno define a região nucelar. De maneira geral,
nas angiospermas, o tegumento interno tem origem dérmica, se desenvolve em torno do ápice
do primórdio e possui duas a três células de altura (BOUMAN 1984). Assim, o tegumento interno se desenvolve em torno do nucelo, como também foi observado no presente estudo. Em
Toxicodendron diversiloba, COPELAND & DOYEL
(1940) descreveram que a formação dos
tegumentos ocorre após a formação do saco embrionário, embora as representações esquemáticas
apresentadas mostrem que a formação dos
tegumentos ocorreu em fases mais iniciais. Um
período de formação de tegumentos, similar ao
que observamos, foi descrito para S. molle
(COPELAND 1959). Em Mangifera indica
ROBBERTSE et al. (1986) descreveram que os
tegumentos possuem origem dérmica, a semelhança, então, de S. terebinthifolius e S. polygamus; na
primeira espécie, além disso, os tegumentos surgem simultaneamente e após a diferenciação da
célula arquesporial. ROBBERTSE et al. (1986)
descreveram que o tegumento externo em
Mangifera indica mantém seu desenvolvimento
através de um processo definido por BOUMAN
& CALIS (1977), para Eranthis hyemalis, como
“integumentary shifting”. Cabe salientar que os
autores (ROBBERTSE et al. 1986) não apresentaram detalhamento ontogenético suficiente para
tal conclusão.
Assim, pelo que foi exposto, o estudo comparado de duas espécies de Schinus, através da
66
ontogenia dos rudimentos seminais é inédito para
a família Anacardiaceae. Algumas informações
sobre a estrutura geral dos rudimentos seminais
adultos são bem conhecidas e, de maneira geral, é sabido que tais estruturas na família são,
usualmente, anátropos, bitégmicos e
crassinucelares (JOHRI et al. 1992). De maneira
ampla, cabe a generalização de que na família
Anacardiaceae os estudos morfológicos florais
realizados limitaram suas observações aos
carpelos, entre outros órgãos florais, e os estudos embriológicos ao primórdio dos rudimentos
seminais já iniciados e aos eventos de
esporogênese e gametogênese. Nas poucas publicações em que alguma descrição ontogenética
é estabelecida o primórdio do rudimento seminal é descrito como um domo de células, e pouco detalhamento é fornecido sobre os
tegumentos, além de informações imprecisas e
que necessitam de confirmação.
Embora existam similaridades entre S.
terebinthifolius e S. polygamus com relação ao
modo de iniciação do primórdio do rudimento
seminal, também existem diferenças constantes e interessantes entre as duas espécies. Tais
diferenças, como descrito no presente estudo
estão relacionadas com o modo de entrada do
rudimento seminal na cavidade locular, a expressão morfológica inicial do tegumento interno e o desenvolvimento relativo da cavidade locular e do próprio rudimento seminal. Tais
diferenças acreditam os autores do presente
estudo, possui valor taxonômico, em função
exclusivamente da não sobreposição de eventos do processo entre as espécies e, também,
por se tratar do processo ontogenético. Em relação ao desenvolvimento do tegumento interno IMAICHI et al. (1995) demonstraram que
em espécies de Goniothalamus e Stelechocharpus
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
burahol ocorre o retardo do desenvolvimento
do tegumento interno na região dorsal do
primórdio do rudimento seminal, porém a análise, além de ser apenas morfológica a análise
do trabalho não se levou em consideração a
relação do primórdio com a parede carpelar.
A discussão taxonômica que os autores pretendem estabelecer, com base nas diferenças
ontogenéticas entre as espécies do presente estudo, diz respeito a duas possibilidades de abordar o assunto em termos taxonômicos. A primeira
abordagem diz respeito à utilização direta das
diferenças ontogenéticas para a caracterização
das espécies. Acreditamos que a outra abordagem taxonômica no presente estudo necessita
mais atenção, e diz respeito a subdivisão do gênero Schinus, proposta, inicialmente por
MARCHAND (1869). MARCHAND (L.C.)
utilizou tipo de folha e inflorescência para a
delimitação das seções Euschinus e Duvaua.
Posteriormente, ainda baseado nos mesmos
caracteres morfológicos ENGLER (1883) considerou Euschinus e Duvaua como subgêneros de
Schinus, os quais foram reconhecidos por
BARKLEY (1944, 1957). Usualmente, o
subgênero Euschinus é definido como possuindo folhas compostas e inflorescências compostas, tipo panículas, enquanto o subgênero
Duvaua possui folhas simples e inflorescências
simples, tipo racemos (BARKLEY 1944, 1957).
Porém, algumas espécies como Schinus pearcei
possuem ramos com folhas simples e compostas,
além de inflorescências tipo panículas, e S.
sinuatus, que possui folhas simples, e
inflorescências tipo panículas (BARKLEY L.C.).
Assim, de acordo com FLEIG (1979, 1987) faltam caracteres robustos para validar ou manter
os subgêneros, sendo que a autora considerou
supérflua a subdivisão do gênero. Contudo, caso
venha a ser confirmada a característica
ontogenética de S. polygamus, descrita no presente estudo, para outras espécies de folhas simples, e de forma similar para as espécies de folhas compostas em relação ao que foi descrito
para S. terebinthifolius, os autores do presente
estudo acreditam que se estabelece uma base
morfogenética robusta para a delimitação dos
subgêneros em Schinus.
Assim, os resultados obtidos no presente estudo, baseados no processo ontogenético, revelam a importância do tema para discussões
taxonômicas e, também, sistemáticas para o
gênero Schinus, entre outros da família
Anacardiaceae. Os autores do presente estudo concordam com outros autores em relação
à importância do processo ontogenético para
o estabelecimento de homologias entre estruturas a serem comparadas, as quais são fundamentais em considerações taxonômicas, sistemáticas e evolutivas (FINK 1982, PINNA
1991, AMORIN 2002). A família
Anacardiaceae, foi alvo de estudos consecutivos envolvendo flores em antese, frutos maduros e sementes (VON TEICHMAN, 1988;
1991, 1992, 1998; VON TEICHMAN & VAN
WYK, 1994; WANNAN & QUINN 1990,
1991), porém raros são os trabalhos que envolvem estudos ontogenéticos, ou aqueles que
são realizados são pouco criteriosos, além disso, muitas informações são adaptadas de outras espécies ou gêneros considerados próximos, onde o processo ontogenético é considerado similar de forma arbitrária, portanto. Assim, embora diversos trabalhos na família
Anacardiaceae tenham um objetivo
taxonômico e/ou sistemático, algumas de suas
considerações devem ser revisadas e ampliadas com base em estudos ontogenéticos.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
67
Figuras 1 a 7 - 1 e 2. Microscopia eletrônica de varredura. 1. Botão floral de Schinus terebinthifolius. Seta indica
carpelo funcional, cabeças de setas indicam primórdios carpelares abortivos. Círculos brancos
indicam primórdios estaminais. Linha tracejada indica plano de corte que separa carpelo e
rudimento seminal bilateralmente. Barra = 300µm. 2. Botão floral de S. polygamus. Seta indica
carpelo funcional, cabeças de setas indicam primórdios carpelares abortivos. Círculos brancos
indicam primórdios estaminais. Barra = 190µm. 3 a 7. Secções longitudinais orientadas pela linha
tracejada indicada na figura 1. 3. Primórdio de rudimento seminal de S. terebinthifolius; cabeças
de setas indicam células da segunda e da terceira camada placentário em divisão; cavidade
locular = c. Barra = 20µm. 4. Primórdio de rudimento seminal de S. polygamus, cabeças de setas
indicam células da segunda e da terceira camada placentário em divisão; cavidade locular = c.
Barra = 20µm. 5. Primórdio de rudimento seminal de S. terebinthifolius preenchendo a cavidade
locular. Asterisco indica região placentária, cabeças de setas indicam células volumosas que
provocam curvatura do primórdio. Barra = 20µm. 6. Detalhe do ápice do primórdio após a formação
da célula arquesporial (seta branca) e da célula parietal (seta preta). Barra = 25µm. 7. Formação
do tegumento interno em S. terebinthifolius (cabeças de setas), a partir da protoderme; nucelo =
n, asterisco indica tecido provascular. Barra = 20µm.
68
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Figuras 8 a 14 - 8. Primórdio de rudimento seminal de Schinus polygamus (círculo) preenchendo a cavidade
locular. Cabeça de seta indica região dorsal do primórdio comprimida contra a parede locular;
asterisco indica região placentária. 9. Formação do tegumento interno em S. polygamus
(cabeças de setas), a partir da protoderme; seta branca indica tegumento comprimido, nucelo
= n, asterisco indica região placentária. 10. Secção longitudinal de S. terebinthifolius
perpendicular a linha tracejada mostrada na figura 1. Quadrado preto indica o tegumento
interno em desenvolvimento, seta indica célula arquesporial. 11. S. polygamus, orientação de
corte e legenda idem figura 10. 12. S. polygamus, secção longitudinal orientada pela linha
tracejada indicada na figura 1. Setas pretas indicam formação do obturador funicular, quadrado
indica tegumento interno, seta branca indica célula arquesporial. 13. S. terebinthifolius.
Formação do tegumento externo a partir da epiderme (setas), quadrados indicam tegumento
interno, círculo indica célula arquesporial, nucelo crassinucelar = cn. 14. S. polygamus.
Orientação de corte e legenda idem figura 13. Barra de escala das figuras 8 a 11 = 20µm.
Barra de escala das figuras 12 a 14 = 25µm.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
69
Figuras 15 e 16 - Gametogênese inicial. 15. Schinus terebinthifolius, secção longitudinal orientada pela linha
tracejada indicada na figura 1. Quadrados pretos indicam tegumento interno, circulo branco
indica tegumento externo, obturador funicular = ob; seta branca indica ginófito, asterisco indica
região calazal. 16. Schinus polygamus. Orientação de corte e legenda idem figura 15. Barra de
escala das figuras 15 e 16 = 25µm.
AGRADECIMENTOS
Ao Centro de Microscopia Eletrônica da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em
especial às técnicas Miriam Souza Santos e
Francis Farret Darsie. Os autores agradecem ao
CNPq pelo suporte financeiro.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Avaliação do efeito fotoprotetivo de
Polytrichum juniperinum Hedw, Colobanthus
quitensis (Kunth.) Bartl. e Deschampsia
antarctica Desv. através de ensaio cometa em
Helix aspersa (Müller, 1774)
BETINA KAPPEL PEREIRA1
ANTÔNIO BATISTA PEREIRA2
ALEXANDRE C. FERRAZ3
NÁDIA TERESINHA SCHRÖDER4
JULIANA DA SILVA5
RESUMO
O aumento da incidência de raios UV-B na Antártida tem sido observado nos últimos anos devido a
redução da camada de ozônio da estratosfera. As plantas possuem diferentes mecanismos de proteção
contra raios UV-B, onde se inclui o acúmulo de pigmentos nas folhas. Plantas coletadas na Antártida
(Polytrichum juniperinum Hedw.; Colobanthus quitensis (Kunth.) Bartl.; e Deschampsia antarctica
Desv.) foram oferecidas ad libbitum para Helix aspersa durante uma semana. O dano do DNA e a ação
de fotoproteção destas plantas foram determinados através do Ensaio Cometa em células de hemolinfa.
Nossos resultados demonstraram que as três espécies da Antártida apresentam efeito protetor contra
1
Acadêmica do Curso de Química/ULBRA – Bolsista do CNPq
Professor do Curso de Biologia e do PPG Ensino de Ciências e Matemática/ULBRA
2
3
Professor do Curso de Farmácia/ULBRA
Professora do Curso de Biologia e do PPG Engenharia:Energia,
Materiais e Ambiente
4
Professora – Orientadora do Curso de Biologia e do PPG
Ensino de Ciências e Matemática/ULBRA ([email protected])
5
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
73
exposição à UV em Helix aspersa.Tais análises encaminham para testes químicos, bioorientados mostrando assim o possível poder fotoprotetor destas plantas.
Palavras-chave: Polytrichum, Colobanthus, Deschampsia, Genotoxicidade, Ensaio Cometa.
ABSTRACT
Ozone reductions in the stratosphere leads to selective increase in UV-B radiation at the Antartic
surface, which damages DNA. Plants have involved different strategies for UV-B radiation tolerance.
Avoidance mechanisms include epidermal screening of UV radiation by accumulation of the pigments in
the leaves. Plants from Antartic (Polytrichum juniperinum Hedw.; Colobanthus quitensis (Kunth.)
Bartl.; and Deschampsia antarctica Desv.) were offered ad libbitum for Helix aspersa during one week.
DNA damage and photoprotective action of these plants were determined by Comet assay. The results
demonstrated that the three species from Antartic show a protective effect against UV exposition for the
Helix aspersa. Chemical analysis are been doing to determinate what compounds, and the quantity in each
plant, can be related with the photoprotection observed in our study.
Key words: Polytrichum, Colobanthu, Deschampsia, Genotoxicity, Comet Assay.
INTRODUÇÃO
A Antártica é o ponto do planeta que mais recebe radiações solares do tipo UV-B, consequencia
de problemas com a camada de ozônio. Radiações
deste tipo são potencialmente nocivas a saúde,
danos causado por alta intensidade excedem os
níveis de defesa e reparo de qualquer organismo
(SCHMITZ-HOERNER & WEISSENBÖCK,
2003). A UV causa estresse foto-oxidadativo em
todos os compartimentos celulares, além de outros
efeitos que já foram observados em plantas
(CHICARO et al, 2004). Respostas diretas ao
estresse causado pela UV inclui peroxidação
lipídica da membrana, devido a formação de radicais e dímeros no DNA (CHICARO et al, 2004).
Estudos recentes com plantas têm demonstrado
que estas apresentam em ambientes de estresse de
radiação um aumento na produção de pigmentos
de fotoproteção, como carotenóides e flavonóides.
74
As plantas nestes ambientes possuem dois principais mecanismos de proteção: (1) o reparo, e (2) o
acúmulo destes pigmentos no tecido mesofílico
(SCHMITZ-HOERNER & WEISSENBÖCK,
2003).
Buscando avaliar a ação fotoprotetiva dos
pigmentos encontrados nestas plantas, coletouse três espécies na Antártida, durante o verãoaustral 2003/2004: (a) Polytrichum juniperinum
Hedw.(Bryophyta); (b) Colobanthus quitensis
(Kunth.) Bartl.(Caryophyllaceae); e (c)
Deschampsia antarctica Desv. (Poaceae). O comportamento fotoprotetivo foi avaliado através do
Ensaio Cometa em células de hemolinfa de Helix
aspersa, os quais receberam estes vegetais durante uma semana, sendo posteriormente expostos à UV. A técnica do Ensaio Cometa (“Single
Cell gel electrophoresis”) é um teste de
genotoxicidade que foi escolhido pôr sua capacidade de detectar danos no DNA induzidos por
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
agentes alquilantes, intercalantes e oxidantes.
A versão alcalina deste teste é capaz de detectar quebras de fita única e dupla, sítios alcalilábeis, e crosslinks. Este teste apresenta algumas
vantagens sobre os testes bioquímicos e
citogenéticos, entre estas a necessidade de somente um pequeno número de células e de não
ser necessário células em divisão (COTELLE &
FÉRARD, 1999). Conhecendo a sensibilidade
do teste em diferentes condições, e a capacidade de bioindicação do Helix aspersa, surgem as
condições para desenvolvimento desse trabalho.
MATERIAL E MÉTODOS
Indivíduos de Helix aspersa foram divididos
em 4 grupos de aproximadamente 6 moluscos.
Os grupos foram submetidos a alimentação com:
(a) Lactuca sativa L.–alface (controle); e com as
espécies antárticas: (b) Polytrichum; (c)
Colobanthus; (d) Deschampsia. Alimentação e
água foram oferecidas ad libbitum. Os indivíduos foram observados durante o tempo de tratamento (1 semana).
Células de hemolinfa foram utilizadas para
o teste, preparando-se 4 lâminas/ indivíduo/
grupo de alimentação, sendo que parte foi exposta por 10 segundos a UV-germicida (30W)
e parte não foi exposta (controle), avaliadas
pelo Ensaio Cometa. Este teste foi realizado
conforme descrito por SILVA et al (2000), com
algumas modificações. O teste consiste basicamente na mistura de células em agarose sobre lâminas para microscópio, submetendo estas após lise celular a uma corrente elétrica.
Esta corrente, havendo danos no DNA, faz com
que os fragmentos do mesmo migrem, fazendo
com que tenhamos uma imagem de célula “cometa” (célula com cauda) (Fig. 1). O DNA é
corado por uma solução com prata, e analisase 100 células/indivíduo/tratamento (50/lâmina). Os núcleos contendo o DNA intacto são
redondos (sem danos – classe 0), conquanto
as células lesadas são classificadas de acordo
com a cauda (de pouco dano-1 até danos máximos– classe 4 ). Assim, o Índice de Danos de
cada grupo pode ir do zero (100X0; 100 células
observadas sem danos) a 400 (100X4; 100 células observadas com dano máximo).
Figura 1 - Células “cometa” em Helix aspersa.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
75
Para a identificação dos flavonóides foi utilizada cromatografia em camada delgada (CCD).
Foram analisados, em sistemas eluentes distintos, os extratos metanólicos das três espécies
quanto a presença de agliconas (CHCl3: MeOH
– 9:1) e heterosídeos flavônicos (acetato de etila:
ácido fórmico: ácido acético: água 100:11:11:26).
RESULTADOS E
CONCLUSÕES
Os resultados referentes ao índice de danos
e respectivo desvio padrão para cada grupo avaliado está apresentado na Figura 2. Os quatro
grupos foram comparados entre si, onde entre
aqueles sem exposição a UV, H. aspersa alimentado com alface e com as três espécies de plantas da Antártida, não observou-se diferença significativa. As células de hemolinfa expostas à
raios UV do grupo que recebeu alface, demonstrou aumento significativo(P<0,05) de danos ao
DNA em relação ao controle. Quando comparados os três grupos de espécies antárticas, este
mesmo aumento significativo não foi demonstrado após exposição à raios UV. Observou-se
ainda entre os grupos alimentados com
Polytrichum e Deschempsia que suas células após
exposição não apresentavam o mesmo valor de
dano ao DNA, sendo inclusive inferior de forma significativa ao grupo alface.
A partir dos resultados encontrados, tornouse importante conhecer e diferenciar a consti-
76
tuição química destes vegetais.
Os flavonóides são produtos amplamente reconhecidos por serem produzidos pelas plantas
para se protrgerem dos raios UV. A partir desta
atividade, as análises fitoquímicas, das plantas
Deschampsia antártica e Colobanthus quitensis e o
musgo Polytrichium juniperinum, foram
direcionadas para a fração mais polar, onde encontra-se estes produtos.
Comparando o perfil cromatográfico destas
espécies com a espécie utilizada como referência Lactuca sativum [alface], verifica-se que esta
espécie possui poucas agliconas e os flavonóides
detectados são distintos dos encontrados para
os vegetais da Antártica.
A maior proteção aos raios UV encontrada
para a espécie Deschampsia antartica, pode ser
explicada, pelo menos em parte, pela maior produção de flavonóides detectada neta planta.
Por outro lado, é interessante comentar que a
espécie Lactuca sativum, a qual apresentou
menor proteção aos raios UV possui mais
flavonóides do que as espécies Colobanthus
quitensis e Polytricium juniperinum. A partir desta constatação, pode - se concluir que os
flavonóides produzidos pelas espécies nativas
da Antártica [Colobanthus quitensis e Polytricium
juniperinum] possuem uma maior propriedade
protetora dos raios UV. Desta maneira verifica-se a necessidade em aprofundar os estudos
fitoquímicos com estes vegetais, visando isolar,
identificar e avaliar a capacidade protetora
destes flavonóides.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Figura 2 - Média e desvio padrão do índice de danos observados em Helix aspersa alimentados com alface (L.
sativum), sem exposição e com exposição à UV, e com as espécies antárticas Polytrichum, Colobanthus
e Deschampsia, expostos à UV. * P<0,05
Figura 4 - “CCD em eluente para heterosídeos”. A – extrato metanólico de Colobanthus quitensis;B - extrato
metanólico de Deschampsia antártica ; C -extrato metanólico Polytrichium juniperinum; D - Lactuca
sativum; E – Rutina; F- Hiperosídeo.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
77
Figura 5 - “CCD em Eluente para Agliconas”. Legenda: A – extrato metanólico de Colobanthus quitensis;B extrato metanólico de Deschampsia antártica ; C -extrato metanólico Polytrichium juniperinum; D Lactuca sativum; E – Quercetina; F- 3-methileterquercetina; G- 3,7 dimethileterquercetina.
Apoio financeiro: CNPq / MMA / CIRM /
ULBRA / CITOCEL
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p.243-255, 2003.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
O emprego dos genes RAG na elucidação das
relações filogenéticas de mamíferos
ANA LETÍCIA DA SILVA PEREIRA1
CRISTINA CLAUMANN FREYGANG2
MARGARETE SUÑÉ MATTEVI3
RESUMO
O Sistema imune dos animais vertebrados é uma ferramenta importante que reconhece os
antígenos alvo por meio de um complexo sistema de proteínas. Duas proteínas, codificadas pelos
genes RAG 1 e RAG2 são essenciais para esta reação. Recentemente estes genes estão sendo usados
em estudos de sistemática e de análise filogenética dos vertebrados. Relata-se a análise de 26
amostras pertencentes às espécies A. lituratus e A. fimbriatus de quirópteros provenientes de 10
localidades de Santa Catarina, coletadas em um transecto Norte–Sul. Destas amostras está sendo
seqüenciado o gene RAG 2 com o objetivo de verificar se as mesmas se diferenciam à medida que
aumentam as distâncias geográficas.
Palavras-chave: RAG, sistema imune, quirópteros, relações filogenéticas, recombinação V(D)J.
ABSTRACT
The immune system of vertebrate animals is an important tool in recognizing the target antigens by
antigen-binding proteins. Two proteins encoded by the recombination-activating genes, RAG1 and RAG2,
are essential in this reaction. Recently, these genes are being used in the systematic and in the phylogenetic
1
Acadêmica do Curso de Biologia/ULBRA - Bolsista PIBIC/CNPq
2
Doutoranda do PPG Genética e Biologia Molecular/ UFRGS
Professora-Orientadora do Curso de Biologia e PPG Diagnóstico Genético-Molecular/ULBRA ([email protected])
3
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
79
analysis of the vertebrates. Here it is related the analysis performing in 26 individuals of the A. lituratus
and A. fimbriatus Quiroptera species from 10 localities of Santa Catarina, obtained in North-South
transect. The RAG2 gene of these sampled are being sequenced with the purpose to verify if they differentiate
according to the increase of the geographic distances.
Key words: RAG, immune system, Quiroptera, phylogenetic relationships, V(D)J Recombination.
O sistema imune dos animais vertebrados é
uma ferramenta importante que reconhece os
antígenos alvo por meio de um complexo sistema de proteínas. Essas proteínas pertencem a
duas famílias: as TCRs (T cell receptors), expressas e retidas na superfície das células T e as
imunoglobulinas (Igs), expressas tanto em receptores na superfície da célula quanto
secretadas como proteínas circulantes denominadas de anticorpos (SADOFSKY, 2001).
Para o reconhecimento dos diversos
antígenos, o sistema imune cria uma ampla população de moléculas receptoras que diferem nas
seqüências primárias de suas regiões de ligação
com o antígeno. Esse vasto “Repertório
imunológico” é formado por um mecanismo de
diversificação e seleção próprio gerado por três
processos diferentes, dentre eles a recombinação
V(D)J (SADOFSKY, 2001).
Este mecanismo requer um corte preciso do
DNA em segmentos seguido por um rearranjo
dos mesmos (QIU et al., 2001). Duas proteínas,
RAG 1 e RAG 2 (Recombination Activating
Genes) formam as nucleases responsáveis pela
clivagem do DNA (SADOFSKY, 2001). É interessante notar que as RAG atuam como
transposases in vitro e que o processo de
Recombinação V-J é parecido com o mecanismo pelo qual transposons movem-se de um lugar para outro no genoma e entre genomas
(KLEIN,2004).
80
Especificamente, as proteínas RAG1 e RAG2
podem ser vistas como transposases modificadas
(enzimas intimamente associadas com o movimento dos transposons), as quais se ligam às seqüências sinal, deste modo iniciando uma reação que corta a seqüência entre os dois segmentos escolhidos sem, contudo, integrá-los em outra parte do genoma. De fato, testes in vitro têm
demonstrado que as proteínas RAG são também
capazes de cumprir esta função de integração
(AGRAWAL et al.,1998; KLEIN,2004). Estas
observações têm conduzido a hipóteses que os
genes RAG e as seqüências sinal que flanqueiam
os segmentos V,J, e D foram introduzidos no
genoma de um ancestral vertebrado
mandibulado por um transposon originado de
uma bactéria ou vírus (BAKER et al., 2000;
KLEIN, 2004). De acordo com estas hipóteses, o
transposon original consistiria dos dois genes
RAG nas suas formas ativas in-vivo. Após a
integração no genoma do vertebrado ancestral,
ele tornou-se ativo e produziu uma variante
deficiente dos genes RAG, a qual então foi
transposta uma ou duas vezes dentro do exon V
do gene receptor primordial, cortando V e J em
segmentos flanqueados pelas seqüências sinal.
Uma segunda transposição pode ter gerado o
segmento D que, ao contrário dos segmentos V
e J, é flanqueado por seqüências sinal em ambas
as extremidades. O transposon original integrado então perdeu suas seqüências sinal
flanqueadoras, assim como a habilidade de trans-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
por a si mesmo in vivo. O dois genes RAG tornaram-se, então, envolvidos exclusivamente na
recombinação V(D)J dos genes TCR e BCR (B
cell receptors) (AGRAWAL et al.,1998;
KLEIN,2004).
Somada à evidência citada acima, a observação de que dois genes RAG, embora pouco
relacionados um com o outro, são justapostos em
todas as espécies estudadas e transcritos
concomitantemente, reforça a hipótese do
transposon (KLEIN, 2004).
As proteínas RAG são codificadas por dois pares de genes (RAG1 e RAG2) que, nos tetrápodes,
não são interrompidos por íntrons e situados 8Kb
um em relação ao outro no genoma nuclear. RAG1
humano e proteínas RAG2 são de 1,043 e 527
aminoácidos, respectivamente (BAKER et al.,
2000). Estes genes são expressos somente nos
linfócitos B e T, onde os níveis do transcrito variam nos diferentes estágios de desenvolvimento.
O mecanismo de corte e união é feito pelas proteínas RAG de modo similar ao mecanismo pelo
qual os íntrons são retirados do transcrito primário
de RNA. No entanto, o processo está atuando sobre o DNA e segmentos diferentes estão envolvidos
(V, D e J), não se podendo admitir que um V seja
ligado a um J diretamente, sem o D, por exemplo.
A clivagem é direcionada a um local preciso
pela presença das RSSs (recombination signal
sequences). A RSS é composta por heptâmeros
conservados e nonâmeros separados por um
espaçador de tamanho fixado. Há duas classes
de RSS, que são distinguidas pelo tamanho de
suas regiões espaçadoras. O tamanho destas regiões tem sempre 12 ou 23 nucleotídeos (o comprimento aproximado de uma ou duas voltas de
DNA) e as mesmas são referidas como 12-RSS
ou 23-RSS (SADOFSKY, 2001; QIU et al., 2001).
Este conjunto cria, assim, na extremidade de
cada segmento, um indicador de corte e união,
semelhante ao que os íntrons têm no seu início
e no seu fim. A existência dessas duas classes
ajuda a evitar uma possível falha no sistema de
recombinação (SADOFSKY, 2001).
A função de RAG1 neste processo já é bem conhecida, porém, a única função específica do RAG2
que já foi identificada é o aumento da estabilidade e da especificidade das interações entre RAG1
e a RSS (AKAMATSU & OETTINGER, 1998;
SWANSON & DESIDERIO, 1999). A função de
catalisador, se houver, de RAG2 permanece desconhecido. Contudo, apesar de pouco se conhecer sobre a função de RAG2, mutantes para este
gene têm sido utilizados em estudos que visam
melhor entender o funcionamento do sistema imune, como os trabalhos desenvolvidos por CHEN et
al., 1993 e por QIU et al., 2000.
A descoberta do RAG1 e RAG2 foi o avanço
mais importante no estudo da recombinação
V(D)J desde a descoberta original do rearranjo
dos genes por Tonegawa (1983) tornou possível
análises detalhadas da reação de clivagem da
V(D)J. A descoberta dos genes RAG também
foi de grande importância no estudo da ligação
entre o reparo de DBSs (Double Strand Breaks)
induzidas por RAG e outros reparos de DBSs,
principalmente porque acredita-se que estes
processos possam levar a translocações
cromossômicas entre RSS verdadeiras e seqüências crípticas localizadas dentro do genoma, gerando oncogenes (JUNG & ALT, 2004).
Em relação ao papel destes genes em estudos
evolutivos, estes têm sido usados para resolver
questões de ordem filogenética, entre pássaros
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
81
e vertebrados, e pequenas porções da região
conservada têm sido empregadas para questões
de níveis sistemáticos mais altos em mamíferos,
morcegos e tubarões (STEPPAN et al. 2004).
Especificamente em relação ao RAG2, recentemente este gene vem sendo utilizado em trabalhos relacionados à filogenia e filogeografia
de diversos taxa de mamíferos quando se trata
de níveis taxonômicos superiores, tais como gêneros e famílias, nos quais a saturação de alguns tipos de mutações prejudica a resolução
das relações entre os grupos, como pode acontecer com outros marcadores moleculares como
citocromo b, por exemplo (BAKER et al., 2003).
O potencial de RAG2 na análise filogenética
fica bem claro nos trabalhos realizados com a ordem Quiroptera por BAKER et al. (2000),
Carstens et al., (2002) e BAKER et al. (2003},
principalmente dentro da família Phyllostomidae,
grupo altamente controverso onde a magnitude
da adaptação morfológica para estratégias mais
eficientes de alimentação pode resultar em
fenótipos tão modificados que mascaram as relações filogenéticas basais (BAKER et al., 2000).
RAG2 pode, particularmente, ser de grande
utilidade para estudos da evolução dos
filostomídeos pois, além de evoluir mais lentamente que o citocromo b, sua função na resposta imunológica provavelmente não está ligada
às características morfológicas utilizadas
freqüentemente como critérios diagnósticos na
taxonomia do grupo. Estas propriedades nos levaram a escolhê-lo para análises do gênero
Artibeus.
Foram coletadas 26 amostras pertencentes às
espécies A. lituratus e A. fimbriatus, provenientes
de 10 localidades distintas do estado de Santa
Catarina em um transecto Norte - Sul (Figura 1).
Figura 1 - Mapa da distribuição das espécies estudadas e mapa do estado de Santa Catarina com os respectivos
locais de coleta: 1 – Santa Rosa do Sul, 2 – Jacinto Machado , 3- Nova Veneza, 5- Treze de Maio, 6Santo Amaro da Imperatriz, 7 e 8 - Florianópolis 9 – Governador Celso Ramos, 10 – Porto Belo, 11 –
Blumenau, 12 – Gaspar. A localidade 4 não foi amostrada para estas espécies. Em cinza escuro,
distribuição de A. lituratus e em cinza claro, distribuição de A. fimbriatus.
82
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
A extração é feita utilizando-se o método de
extração de DNA com sal pela técnica de
Medrano et al. (1990) e a amplificação por PCR
mediante a combinação dos “primers” RAG2-F1
e RAG2-R1 (Figura 2) segundo condições descritas na literatura, com modificações. Para o
seqüenciamento estão sendo utilizados os mesmos “primers” da amplificação. Os resultados
estão sendo comparados com os que já obtivemos com o gene mitocondrial citocromo b para
nas mesmas amostras, sendo, no entanto, ainda
preliminares.
Figura 2 - Diagrama representando os genes RAG, mostrando os sítios de anelamento, com destaque para os
primers utilizados. Figura retirada de BAKER et al. (2000).
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Avaliação de sensibilidade de três sistemas para a
detecção de Mycoplasma gallisepticum pela
Reação em Cadeia da Polimerase (PCR)
DIEGO HEPP1
KELI CRISTINA DOS SANTOS SIMÕES1
THAÍS DA ROCHA BOEIRA2
ANDRÉ SALVADOR KAZANTZI FONSECA2
VAGNER RICARDO LUNGE3
EDMUNDO KANAN MARQUES4
NILO IKUTA5
RESUMO
Foram analisados neste trabalho três sistemas para detecção molecular de Mycoplasma gallisepticum
(MG) pela Reação em Cadeia da Polimerase (PCR). Dois sistemas são baseados em amplificações únicas
(genes de proteínas de superfície GapA e mgc2) e um sistema no formato nested-PCR (gene GapA). A
sensibilidade analítica foi avaliada pela detecção de diluições seriadas de cepa vacinal e pela análise de 44
amostras clínicas provenientes de swabs de galinhas e perus. A nested-PCR apresentou maior sensibilidade
aos sistemas de amplificação única tanto na diluição de vacina quanto nas amostras clínicas.
Palavras-chave: Mycoplasma gallisepticum, sensibilidade, PCR.
Acadêmico do Curso de Biologia/ ULBRA - Bolsista PROICT/
ULBRA
1
2
Simbios Biotecnologia
3
Professor do Curso de Medicina Veterinária e do PPG em
Diagnóstico Genético Molecular/ ULBRA
4
Professor do PPG em Diagnóstico Genético Molecular/ ULBRA
Professor – Orientador do Curso de Biologia e PPG em
Diagnóstico Genético e Molecular/ULBRA ([email protected])
5
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
85
ABSTRACT
Three Mycoplasma gallisepticum (MG) polymerase chain reactions (PCRs) that target surface protein
genes gapA and mgc2, and a nested PCR (GapA) were compared in this work. Analytical sensitivity was
evaluated by detection of dilutions of vaccine strain and analysis of 44 clinical samples (swabs from turkeys
and chickens). The nested-PCR showed to be more sensitive than single amplification PCRs in the vaccine
dilution and clinical samples evaluations.
Key words: Mycoplasma gallisepticum, sensibility, PCR.
INTRODUÇÃO
O Mycoplasma gallisepticum (MG) é um importante patógeno de galinhas e perus, sendo
responsável por grandes perdas econômicas na
avicultura industrial. A infecção por MG apresenta uma grande variedade de manifestações
como Doença Respiratória Crônica (DRC) e
aerossaculite. As aves infectadas apresentam
baixa conversão alimentar, queda na produção
de ovos e altas taxas de mortalidade
(BOGUSLAVSKY et al., 2000).
O controle da doença em lotes comerciais é
baseado na erradicação e manutenção do status
livre deste patógeno por meio de medidas de
biossegurança. O monitoramento dos lotes é realizado utilizando-se testes sorológicos como a
soroaglutinação rápida (SAR), inibição da
hemoaglutinação (HI) e testes de ELISA. O
teste confirmatório preconizado é o isolamento
bacteriano, sendo um procedimento dispendioso,
demorado e tecnicamente de difícil execução
(RAZIN, YOGEV & NAOT, 1998).
Com os progressos na biologia molecular, diversos genes de proteínas de superfície têm sido
descritos e testes moleculares baseados nestes
alvos foram apresentados como testes
86
confirmatórios (KLEVEN et al., 2004). Entretanto, há pouca informação disponível comparando a sensibilidade dos mesmos em amostras
clínicas (GARCIA et al., 2005), sendo que a
sensibilidade destes testes é um fator importante para a sua escolha e utilização no controle do
MG nos lotes de aves.
Este estudo foi realizado com o objetivo de
comparar a sensibilidade de três procedimentos para detecção molecular de MG, os quais
amplificam regiões de genes codificadores de
proteínas de superfície deste patógeno (genes
mgc2 e GapA).
MATERIAL E MÉTODOS
Amostras
Foram utilizadas as seguintes amostras na
análise de sensibilidade dos sistemas de amplificação: cepa vacinal ts-11 (utilizada para a preparação de diluições seriadas de base 5, em
água) e 44 swabs provenientes de galinhas e
perus de diferentes lotes comerciais (previamente diagnosticadas como MG positivas).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Extração de ácidos nucléicos
A purificação de ácidos nucléicos foi realizada através da técnica de extração em sílica
(adaptada do método descrito por Boom et al.,
1990). Cada swab foi transferido para um tubo
eppendorf de 1,5mL contendo 1mL de mix de
lise, e incubado a 60°C por 10 minutos. Após a
incubação, 500mL deste mix de lise foi transferido para outro tubo. Para a extração das vacinas, 100mL de amostra foi transferida para um
tubo contendo 400mL de mix de lise e submetida à incubação. 20mL de suspensão de sílica
foram adicionados aos tubos, com posterior incubação a temperatura ambiente por 10 minutos (agitando por inversão a cada 2 minutos).
Após a incubação os tubos foram lavados 2 vezes com solução de lavagem, 2 vezes com etanol
75% e uma vez com etanol absoluto (150µL de
cada um). Os tubos secaram em termobloco a
60°C por 10 minutos e as amostras foram separadas da sílica com 50mL de solução eluidora.
Amplificação
A seqüência e o tamanho do produto de
amplificação dos primers utilizados nos diferentes métodos para detecção de DNA de MG avaliados, estão demonstrados na tabela 1. Os sistemas de amplificação única consistem em um
par de primers baseados nos genes mgc2 (sistema 1) e Gap A (sistema 2), e são utilizados em
amplificações nas seguintes condições: 94°C por
3 min seguidos de 50 ciclos de 94°C por 20s;
60°C por 40s; 72°C por 60s; e extensão final de
72°C por 5 min. O sistema de amplificação no
formato nested-PCR (sistema 3) utiliza dois pares de primers baseados no gene GapA: os externos são utilizados em uma reação de amplifi-
cação de 20 ciclos, e os internos em uma reação
de amplificação de 35 ciclos. As condições da
primeira e segunda amplificação são as mesmas
utilizadas no sistema de amplificação única.
Todos estes procedimentos da PCR utilizaram
eletroforese em gel de poliacrilamida para
detecção de seus produtos de amplificação.
Avaliação da sensibilidade
A sensibilidade analítica dos três sistemas de
amplificação foi determinada a partir do DNA
genômico extraído de uma diluição seriada de
base 5 da cepa vacinal ts-11 (preparada em água)
até o ponto 1/3.125.000. Foram utilizados os pontos a partir da diluição 1/1.000, em avaliações
paralelas nos três sistemas de amplificação. O
limite de detecção da PCR foi considerado a
diluição mais elevada da vacina na qual um produto detectável de PCR foi observado.
Por outro lado, a sensibilidade diagnóstica
dos sistemas foi determinada a partir da comparação entre os resultados da análise paralela de
44 amostras clínicas provenientes de swabs de
traquéia de galinhas e perus.
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
O resultado da sensibilidade analítica ou limite de detecção obtidos a partir de diluições
da vacina ts-11, estão demonstrados na figura
1. O sistema 1 apresentou sensibilidade para a
detecção de vacinas diluídas até 1.000 vezes;
enquanto o sistema 2 até 25.000 vezes e o sistema 3 até 125.000 (tabela 2).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
87
A tabela 3 expressa o resultado da sensibilidade, obtido através da avaliação de amostras
clínicas, onde o sistema 1 detectou 41 amostras
clínicas, o sistema 2 positivou 38 e o sistema 3
detectou todas as 44 amostras, tendo portanto
100% de sensibilidade.
A avaliação dos diferentes sistemas de amplificação demonstrou que estes apresentam diferenças na sensibilidade, tanto na avaliação a
partir de diluições de vacina, quanto na análise
de amostras clínicas. Estas diferenças podem ter
origem na escolha da região utilizada como alvo
ou no formato escolhido para cada sistema de
amplificação.
Muitos métodos de amplificação de ácidos
nucléicos têm sido desenvolvidos para detecção
de MG e são utilizados como parte de testes de
rotina em vários laboratórios. Com o aumento
do uso da PCR como ferramenta para identificação de lotes infectados com MG, considera-
mos importante comparar métodos disponíveis
que foram desenvolvidos para este fim.
A comparação entre as sensibilidades destes
três métodos demonstrou que o sistema 3 (nestedPCR) é o mais sensível para a detecção de MG,
tanto na avaliação a partir de diluições de cepa
vacinal como na avaliação de amostras clínicas.
Apesar disso, os sistemas 1 e 2 apresentam como
vantagem sobre o sistema 3 o fato de serem mais
rápidos e envolveram menor manipulação, já que
se trata de amplificações únicas.
A sensibilidade analítica mostrou que a PCR
baseada no gene GapA (sistema 3) foi 5x mais
sensível que o sistema 2 e 125x mais sensível
que o sistema 1. A sensibilidade diagnóstica
demonstrou que o sistema 3 apresenta 100% de
sensibilidade e os sistemas 1 e 2, 93,2% e 86,4%
respectivamente.
Projeto financiado: Finep e Fapergs
Tabela 1 - Seqüência dos primers e tamanho do amplicon.
Primers
Seqüência
mgc2 2F 5' CGCAATTTGGTCCTAATCCCCAACA 3'
mgc2 2R 3' TAAACCCACCTCCAGCTTTATTTCC 5'
A
5' TCARCGTTTCTAAGATTCCTTTTG 3'
myc 3F
A
3' GCATCAAAACCAGTAAATTCTTGG 5'
myc 4R
B
5' TTCTAGCGCTTTARCCCTAAACCC 3'
myc 5F
B
3' CTTGTGGAACAGCAACGTATTCGC 5'
myc 6R
A
Nested-PCR - primers externos
B
Nested-PCR - primers internos
Gene
Tamanho produto PCR
(bp)
mgc2
300
gapA
332
Tabela 2 - Sensibilidade dos sistemas de amplificação em diluição de cepa vacinal.
Sistema
88
Sensibilidade
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Tabela 3 - Sensibilidade dos sistemas de amplificação em amostras clínicas.
PM
C+
- 1. 0
00X
TS-11
- 5.0
00X
TS-1
1-2
5.00
0X
TS-1
1-1
25.00
0X
TS-1
1-6
25.00
0X
TS-1
1-3
. 125
.000X
C-
Sistema 3
44
0
44
PM
TS-1
1
Sistema 2
38
6
44
C+
Sistema 1
41
3
44
PM
TS-1
1-1
.000X
TS-1
1-5
. 000
X
TS-1
1-2
5.000
X
TS-1
1-1
25.00
0X
TS-1
1 - 62
5. 00
0X
TS-1
1-3
.125.0
00X
C-
C+
TS-1
1-1
.000
X
TS-1
1-5
.000X
TS-11
- 25.0
00X
TS-1
1-1
25. 0
00X
TS-11
- 625
.000X
TS-11
- 3.1
25.00
0X
C-
Positivos
Negativos
Total
Figura 1 - Avaliação da sensibilidade dos três sistemas de amplificação em diluições de cepa vacinal.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
91
92
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Caracterização da concha, rádula e mandíbula de
Simpulopsis (Eudioptus) sp. ocorrente no estado
do Rio Grande do Sul, Brasil
CÍNTIA SIMEÃO VILANOVA1
LETÍCIA FONSECA DA SILVA2
JOSÉ WILLIBALDO THOMÉ3
RESUMO
Para o Rio Grande do Sul existem poucos registros do gênero Simpulopsis Beck, 1837 os quais se
restringem ao subgênero nominal. O presente trabalho apresenta a caracterização da concha, da rádula e da
mandíbula de Simpulopsis (Eudioptus) sp. ocorrente no Estado a partir de imagens obtidas com Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV). A concha destaca-se pela esculturação com aspecto de rede cuja
graduação diminui conforme se aproxima da sutura subseqüente; a rádula possui três tipos de dentes: central,
lateral e marginal sendo estes respectivamente uni, bi e tricúspides; a mandíbula contém de 32 a 38 ripas
sendo a região central mais estreita. Tais dados auxiliarão na determinação da espécie em questão.
Palavras-chaves: caracterização, concha, rádula, mandíbula, Simpulopsis (Eudioptus) sp.
ABSTRACT
To the Rio Grande do Sul just have a few registers of the genus Simpulopsis Beck, 1837 and all of that
is to the nominal subgenus. This present work shows the shell, radula and jaw’s characterization of
Simpulopsis (Eudioptus) sp. occurring in the State, and was realized with images made in the Scanning
1
Acadêmica do curso de Ciências Biológicas/PUCRS
2
Mestre em Zoologia - PUCRS
Professor - Orientador do PPG em Zoologia/PUCRS
([email protected])
3
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
93
Electron Microscope (SEM). The shell has a sculturation in a net shape which graduation increase as it
approach to the next suture; the radula has three kinds of teeth: central, lateral and marginal being those
uni, bi and tricuspid respectively; the jaw contains 32 to 38 laths and the central region is narrower. These
informations will help to describe the specie in question.
Key words: characterization, shell, radula, jaw, Simpulopsis (Eudioptus) sp.
INTRODUÇÃO
Para o Estado do Rio Grande do Sul, foram
registradas até o momento duas espécies do gênero Simpulopsis Beck, 1837: S. sulculosa
(SOWERBY, 1822) (MARTENS, 1868;
MORRETES, 1949) e S. ovata (FÉRRUSAC,
1821) conforme GOMES et al. (2004). O
subgênero Eudioptus Albers, 1860, caracterizase por sua concha oval-alongada, coloração
amarelada a acastanhada, superfície lisa ou com
delicadas estrias espirais (BREURE, 1979). Atribui-se ao subgênero dez espécies distribuídas no
Brasil, Paraguai, Argentina, Peru, Equador e
Colômbia (BREURE op cit.). Descreve-se a concha, rádula e mandíbula de Simpulopsis
(Eudioptus) sp. a partir de imagens obtidas em
Microscópio Eletrônico de Varredura. Tais dados fazem parte da Dissertação de ME da segunda autora.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizados 26 exemplares coletados no
Rio Grande do Sul, os quais estão depositados
no Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS
(MCP) [Lotes MCP: 8712, 8713, 8714, 8715].
As conchas foram limpas com o auxílio de pincel, água destilada, álcool 70º GL e nitrogênio
gasoso, fixadas em “stubs” sobre fita dupla face
de carbono e cola de prata. As rádulas e man-
94
díbulas foram extraídas do bulbo bucal sob
estereomicroscópio, limpas com hipoclorito de
sódio e água destilada, desidratadas em uma
série crescente de álcool (70º GL, 80º GL e 96º
GL) e então colocadas em “stubs” sobre fita dupla
face de carbono, conforme PLOEGER &
BREURE (1977). Todas as amostras sofreram
metalização com carbono e ouro. As imagens
foram obtidas a partir do Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV) no CEMM-PUCRS
(Centro de Microscopia e Microanálises da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
RESULTADOS E
CONCLUSÕES
Caracterização da Concha
A protoconcha possui estrias espirais
retilíneas contínuas, que se aproximam lentamente entre si, a medida em que chegam à
sutura da volta seguinte (Figura 1). Também
ocorre uma rugosidade axial, de aspecto ondulado e uniformemente espaçado. Estas
esculturações configuram um aspecto de rede
cuja graduação diminui conforme se aproxima da sutura subseqüente. A teleoconcha
possui superfície lisa; destaca- se o calo
columelar (Figura 2).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Figura 1- Imagem da protoconcha de Simpulopsis (Eudioptus) sp. obtida em MEV, evidenciando sua esculturação.
Figura 2 - Imagem obtida em MEV do calo columelar de Simpulopsis (Eudioptus) sp.
CARACTERIZAÇÃO DA
RÁDULA
A rádula apresenta dentes centrais (DC), laterais (DL) e marginais (DM). Quanto à disposição dos dentes, os centrais e os laterais dispõemse em forma de “V”; já os marginais, linearmente
(Figura 3). Os dentes centrais são unicúspides,
apresentam mesocono lanceolado e duas projeções laterais na placa basal (Fig. 4). Os dentes
laterais são bicúspides, possuem mesocono alongado com extremidade arredondada, ectocono
com formato triangular, tendo a base arredondada, podendo ser bífido; apresentam uma projeção
na porção mais externa da placa basal (Figura
5). Há uma série de transição entre os dentes
laterais e os marginais, marcada pela modificação progressiva do mesocono que passa a bifurcar-se ou, raramente, a trifurcar-se, iniciando a
formação do endocono dos dentes marginais; em
conjunto, nota-se um afilamento das extremidades dos cones (Figura 6). Os dentes marginais
são tricúspides; possuem mesocono ovado-alongado, levemente mais largo do que o endocono;
o ectocono tem a metade do comprimento do
mesocono e apresenta-se bífido ou, raramente,
trífido (Figura 7). A fórmula fileira de dentes da
rádula se expressa: C/1+L7-8/2+M22-25/2.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
95
Figura 3 - Disposição dos dentes radulares de Simpulopsis (Eudioptus) sp.
Figura 4 - Dentes centrais ladeados pelos dentes laterais de Simpulopsis (Eudioptus) sp.
Figura 5 - Dentes laterais de Simpulopsis (Eudioptus) sp.
96
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Figura 6 - Série de transição entre os dentes laterais e marginais de Simpulopsis (Eudioptus) sp.
Figura 7- Dentes marginais de Simpulopsis (Eudioptus) sp.
CARACTERIZAÇÃO DA
MANDÍBULA
A mandíbula possui forma arqueada e constitui-se de 32 a 38 ripas retangulares. Sua re-
gião central apresenta ripas estreitas. Estas, à
medida que se afastam da porção central, ganham altura e largura até chegarem perto das
extremidades, aonde diminuem levemente quanto à altura e mantêm-se as larguras (Figura 8).
Figura 8 - Mandíbula de Simpulopsis (Eudioptus) sp.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
97
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A determinação de Simpulopsis (Eudioptus)
sp. torna-se de extrema importância para o enriquecimento do conhecimento sobre a
malacofauna do Rio Grande do Sul. Os resultados obtidos com o presente trabalho, em conjunto com o estudo sobre a anatomia desta espécie subsidiarão a determinação da mesma.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), ao CNPq
pelo auxílio financeiro através da Bolsa de ME da
segunda autora, e também à equipe organizadora
do Salão de Iniciação Científica da ULBRA.
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98
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Engenharias
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
99
100
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Estudo de aplicação de um resíduo
líquido industrial à base de alumínio
como reagente coagulante
RODRIGO RIBEIRO SILVA1
FERNANDO FREITAS CZUBINSKI2
LUCIANO CROCHEMORE3
ERWIN FRANCISCO TOCHTROP JUNIOR4
LILIANA AMARAL FÉRIS5
RESUMO
O presente projeto tem o objetivo de estudar a viabilidade de utilização de um resíduo proveniente de
processo petroquímico como reagente coagulante em processos de tratamento de efluentes líquidos industriais contendo íons dissolvidos. Como metodologia experimental, foram realizados ensaios em Teste de
Jarros, com o objetivo de verificar as condições ótimas (concentração, pH, remoção de íons) de aplicação
do subproduto (resíduo a base de alumínio e sódio) no processo de coagulação em comparação a reagentes
utilizados convencionalmente. Para os ensaios experimentais foram utilizadas amostras de efluentes de um
curtume de Estância Velha (Rio Grande do Sul), provenientes das etapas de recurtimento e piquelagem.
Foram avaliados o volume de lodo formado e a eficiência na remoção de cromo e alumínio do produto
clarificado. A utilização do subproduto mostrou ser eficiente, atingindo índice de remoção superior a 90%
de cromo (concentração residul de 0,2 mg/L). Os experimentos realizados indicam que o reaproveitamento
Acadêmico do Curso de Engenharia Ambiental/ULBRA –
Bolsista PROICT/ULBRA
4
Acadêmico do Curso de Engenharia Ambiental/ULBRA –
Bolsista PROICTV/ULBRA
5
1
2
3
Químico, Mestre em Engenharia/ULBRA
Professor do Curso de Engenharia Ambiental e PPG Engenharia: Energia, Ambiente e Materiais/ ULBRA
Professor - Orientador do Curso de Engenharia Ambiental
e PPG Engenharia: Energia, Ambiente e Materiais/ ULBRA
([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
101
deste resíduo apresenta potencial tecnológico aplicado ao tratamento de efluentes líquidos industriais,
considerando igualmente os aspectos ambientais e econômicos.
Palavras-chave: remoção, coagulação, cromo, subproduto industrial.
ABSTRACT
The aim of this project is to study the viability of application of a solid waste produced by a petrochemical
plant as chemical reagent in coagulation process to treat wastewater containing heavy metals. Jar tests
were conduced to achieve the optimum conditions (pH, reagent concentration, ion removal) of the coagulation
experiments using the by-product (solid waste containing Al and Na). The objective of this study was to
compare the by-product efficiency as chemical reagent compared to conventional coagulants. Samples of
wastewater from the tannery industry were collected from an industry of Estância Velha (Rio Grade do
Sul, Brazil). The efficiency of the coagulation process in the removal of chromium achieved levels of 90%,
when the chromium residual concentration in the treated water was 0.2 mg/L. Comparative studies using
aluminum sulfate and ferric chloride, reagents conventionally applied in the physiochemical treatment,
showed efficiency value for chromium removal around 99%. This result indicates the high potential of
application of the experimental reagent as coagulant in the treatment of wastewater containing dissolved
trivalent chromium.
Key words: removal, coagulation, chromium, industrial by-product.
INTRODUÇÃO
A proteção do meio ambiente e, em particular, a luta contra a poluição exige uma adaptação e/ou uma transformação das técnicas e processos industriais. A chamada hierarquia do
gerenciamento de resíduos (minimização, recuperação, transformação e disposição
ambientalmente correta) tem sido adotada pela
maioria dos países industrializados como forma
de desenvolvimento de novas estratégias para a
gestão de resíduos sólidos (FÉRIS et al., 2004).
O destino dos resíduos gerados na indústria
e nos municípios consiste em preocupação crescente para os diferentes setores da sociedade,
em função dos problemas relativos à saúde pú-
102
blica e qualidade ambiental causados pela má
disposição dos mesmos. A minimização da geração de resíduos consiste em desafio contínuo
(SUTANTO & BAI, 2002). Em virtude de não
haver uma limitação explícita sobre a quantidade de resíduos que pode ser gerada nas diversas atividades econômicas, monitorar o processo de gerenciamento torna-se muito difícil.
Enquanto resíduos industriais podem ser mais
facilmente controlados, em termos de modificação de processos e implementação de técnicas
de tratamento e recuperação, a minimização da
geração de resíduos domiciliares consiste em
tarefa de maior complexidade, pois a taxa de
resíduos produzida varia significativamente com
fatores culturais, sociais e econômicos de cada
localidade (FÉRIS et al., 2004).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Torna-se importante considerar que o conceito de prevenção da poluição não diz respeito
somente ao tratamento de um resíduo gerado
industrialmente, mas sim à vida inteira de um
produto, deste a extração da matéria-prima até
o produto final. Isso pode significar utilizar materiais menos tóxicos ou menos escassos na Terra, na procura de processos mais eficientes ou
que demandem menos energia, elaborando produtos com viabilidade para reciclagem (ALLEN
& ROSSELOT, 2000).
Normalmente pensa-se em resíduo como um
produto sólido resultante de um processo industrial. Entretanto o conceito de resíduo é muito
mais abrangente, incluindo perda de desperdício de energia, consumo de água excessivo ou o
próprio uso do produto (ALLEN & ROSSELOT,
2000). Na verdade também, o resíduo pode se
transformar em um subproduto, quando ela apresentar condições para ser utilizado como matéria-prima em outro processo (FERIS, 1998).
Nesse contexto, utilizar técnicas de produção
mais Limpa significa a aplicação contínua de uma
estratégia econômica, ambiental e tecnológica
integrada aos processos e produtos, a fim de aumentar a eficiência no uso de matérias-primas,
água e energia, através da não-geração,
minimização ou reciclagem de resíduos gerados
em um processo produtivo. Esta abordagem induz inovação nas empresas, dando um passo em
direção ao desenvolvimento econômico sustentado e competitivo, não apenas para elas, mas para
toda a região que abrangem (CNTL, 2005).
Dentro desta perspectiva, o presente estudo
objetivou tratar um efluente originário do banho de curtimento ao cromo sem mistura prévia
ou equalização de uma indústria do Rio Grande do Sul, utilizando um subproduto como
reagente coagulante. O coagulante alternativo
consiste em solução aquosa, ácida contendo
cloreto de alumínio a 7% v/v, o qual consiste
em produto de significativo potencial para o tratamento de águas residuárias.
O objetivo geral desta pesquisa consistiu em
avaliar a viabilidade de aplicação de um
subproduto de uma planta petroquímica a base
de alumínio, como coagulante não convencional para o tratamento de efluentes líquidos industriais contendo cromo trivalente.
Os objetivos específicos foram estudar de forma comparativa a eficiência de coagulação obtida
com o uso do subproduto industrial em relação ao
sulfato de alumínio, reagente utilizado convencionalmente e a verificação da eficiência de remoção de cromo trivalente no efluente estudado.
MATERIAL E MÉTODOS
Amostras de efluente: Foram coletadas amostras significativas de efluentes de curtimento
gerados em um curtume da região sul do Brasil.
Os resíduos líquidos são provenientes dos fulões
de curtimento ao cromo e foram dispostos em
galões de 20 litros para a etapa de análise no
Laboratório de Resíduos da ULBRA – Canoas.
Vidraria: copo béquer, provetas graduadas,
pipetas graduadas, pipetas volumétricas, cone
imhoff, bastão de vidro, balão volumétrico.
Reagentes: As soluções dos reagentes
coagulantes empregados foram preparadas na
concentração a 1000 mg/L em sulfato de Alumínio AL 2 (SO 4 ) 3 .18 H 2 O e cloreto férrico
FeCL3. O coagulante W7 foi diluído a 1000 mg/
L em AlCl3. O ácido nítrico p.a. (Merck) foi
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
103
utilizado para acidificar as amostras de clarificado obtido, para ser enviadas a análise de
espectrometria de absorção atômica. Já O
hidróxido de sódio NaOH, utilizado como
alcalinizante, apresentou, pureza analítica
(reagentes Merck).
MÉTODOS
Ensaios de Coagulação em teste de jarros: Estes ensaios foram realizados em teste de jarros
(Digimed) utilizando frascos de 800 mL, 4
bateladas de amostras por coagulante com 200
mL de efluente de curtimento ao cromo, (vide
Figura 2). As amostras foram colocadas nos frascos e a agitação foi ajustada para perfeita
homogeneização a 50 rotações por minuto. O pH
das amostras foi ajustado em 8,0 com hidróxido
de sódio, com tempo de residência de cinco minutos. Para a coagulação, foram adicionadas as
dosagens estabelecidas dos coagulantes para cada
ensaio e a agitação passou a 200 rotações por minuto. Após a rápida agitação a mesma foi reduzida a 50 rotações por minuto, por 10 minutos para
a formação dos coágulos.
Posteriormente ao ensaio em teste de jarros onde
ocorreu, as amostras foram submetidas ao ensaio
Figura 2 - Equipamento teste de jarros (jar test). Fonte: Laboratório de Resíduos ULBRA-CANOAS
de sedimentação em proveta (vide figura 3), com
o objetivo de avaliar os volumes de clarificado e
de lodo formados, em função da dosagem aplicada
104
do coagulante. O líquido clarificado foi submetido à análise de espectroscopia de absorção atômica para determinar o teor de cromo residual.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Figura 3 - Ensaio de sedimentação em provetas.
RESULTADOS
As principais características do efluente de
curtimento contendo sais de cromo e suas propriedades físicas encontram-se relacionadas na
Tabela 1.
Tabela 1 - Caracterização média do efluente de curtimento ao cromo.
Características da amostra
pH
Temperatura ºC
Densidade (g/mL)
Sólidos totais (g/L)
Sólidos decantáveis (mL/L)
DBO5 (mg/L)
DQO (mg/L)
Teor de Cromo (mg/L)
Turbidez (NTU)
A Tabela 1 apresenta a variação da concentração residual de cromo trivalente no efluente
tratado em relação à concentração de
subproduto utilizado como reagente coagulante
no processo. É possível observar os altos índices
de remoção do íon metálico e eficiência do processo superior a 90%. A figura mostra que foram
aplicadas concentrações bastante elevadas de
reagente alternativo coagulante. Tal fato é decorrente da utilização do reagente não diluído.
Valor determinado
3,6
20
1,025
81,11
90
190
792
2918
1,28
O presente estudo objetivou avaliar o comportamento do subproduto na concentração em que
é produzido, para viabilizar o seu emprego direto como matéria-prima em processos de tratamento de efluentes.
A Figura 2 apresenta a concentração residual
de Al quando aplicado sulfato de alumínio nos
experimentos de coagulação. A Figura 3 apresenta a concentração de Al quando o subproduto
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
105
foi aplicado. Observa-se que as concentrações
residuais de alumínio ao aplicar o sulfato de alumínio são superiores às concentrações de Al residuais quando foi utilizado o subproduto. Esses
resultados apresentam vantagens para o
coagulante alternativo, visto que o mesmo, apesar de ser aplicado em concentrações superiores
ao reagente convencional, possibilita índices residuais de Al inferiores. Ainda, é possível aplicar
concentrações do subproduto inferiores a 1500 mg/
Concentração de Cromo
(mg/L)
16
L com a provável obtenção de índices semelhantes de remoção de cromo trivalente. Quanto ao
volume gerado de lodo, foi observado que o sólido formado na coagulação utilizando-se o
subproduto foi superior ao volume de sólido encontrado ao aplicar sulfato de alumínio. A diferença decorre provavelmente da concentração
de alumínio no reagente alternativo, que é muito superior à concentração de sulfato de alumínio empregada.
14,8
14
12
10
8
6
4
0,53
2
0,48
0,43
0,4
0,36
0,33
0
Efuente
Bruto
1505
3010
4515
6020
7525
9030
Concentração de subproduto (mg/L)
Figura 4 - Efeito da concentração de subproduto aplicada como coagulante na concentração residual de
cromo trivalente. Condições: pH=8, tempo de separação= 40 min.
Concentração de
Aluminio (mg/L)
2,5
2,18
2
1,5
1
0,18
0,5
0
Efuente
Bruto
1505
0,28
3010
0,24
4515
0,36
6020
0,28
7525
0,5
9030
Concentração de subproduto (mg/L)
Figura 5 - Concentração residual de alumínio no efluente tratado em relação à concentração de subproduto
aplicada. Condições: pH=8, tempo de separação= 40 min.
106
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Concentração de Aluminio
(mg/L)
2,5
2,18
2
1,5
1,14
0,98
1,06
1,03
1,09
0,72
1
0,5
0
Efuente
Bruto
20
40
60
80
100
120
Concentração de Sulfato de Aluminio (mg/L)
Figura 6 - Concentração residual de alumínio no efluente tratado em relação à concentração de sulfato de
alumínio utilizado como coagulante. Condições: pH=8, tempo de separação= 40 min.
CONCLUSÕES
O estudo realizado permite concluir que:
·
Os experimentos realizados indicam que
o reaproveitamento do subproduto industrial como reagente coagulante apresenta potencial tecnológico aplicado ao tratamento de efluentes líquidos industriais.
·
A concentração de subproduto aplicada nos
experimentos foi bastante elevada, em virtude da não diluição do reagente bruto.
·
Mesmo utilizando-se concentrações elevadas, a concentração residual do íon Al
encontrada no efluente tratado com o
subproduto é inferior à concentração residual de Al encontrada no efluente tratado com sulfato de alumínio.
·
O teor de cromo total encontrado no
efluente tratado com o subproduto foi inferior a 0,6 mg/L.
·
O volume de lodo formado no produto
coagulado com o subproduto foi superior
ao produto coagulado com sulfato de alu-
mínio, devido ao alto teor de Al no
subproduto convertido a hidróxido.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à empresa que forneceu
o subproduto industrial para utilização na pesquisa, à empresa que forneceu as amostras de efluente,
à FAPERGS e à Universidade Luterana do Brasil
pelo apoio à pesquisa e estrutura oferecida.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Ciências da Saúde
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
109
110
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Análise dos níveis de desconforto a sons intensos
em indivíduos com perda auditiva neurossensorial
no laboratório de audição da ULBRA para um
procedimento específico
ANDRÉIA RODRIGUES FRANÇA PARNOFF1
ISABELA HOFFMEISTER MENEGOTTO2
RESUMO
A sensação de intensidade sonora (SIS) é de extrema importância na Clínica fonoaudiológica. Em
função da variabilidade descrita na literatura, os indivíduos do RS poderiam apresentar níveis diferentes de
SIS dos já conhecidos e, se esses fossem diferentes, vários parâmetros deveriam ser revistos e adaptados. O
presente trabalho tem como objetivo a análise dos níveis de desconforto a sons intensos apresentados por
indivíduos com perda auditiva neurossensorial que freqüentam a Clínica Escola da ULBRA para um
procedimento específico. Os resultados obtidos (n=17), indicam NDS variando entre 70 e 120 dBNA em
500 Hz (média de 95,6 dBNA); entre 75 e 120 dBNA para 1000 Hz (média de 98,23 dBNA); e 75 e
120 dBNA em 2000 Hz (média de 100,6 dBNA) na amostra estudada.
Palavras-chaves: percepção sonora, perda auditiva neurossensorial, detecção de recrutamento.
ABSTRACT
The knowledge of sound loudness is a very important tool in Audiology. Various factors can affect the
measured loudness, as it is described in literature, so the Rio Grande do Sul population could have different
Acadêmica do Curso de Fonoaudiologia/ULBRA – Bolsista
PROICT/ULBRA
1
Professora – Orientadora do Curso de Fonoaudiologia/
ULBRA ([email protected])
2
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
111
loudness levels from those already described for other populations. If this has true, various procedures and
parameters should be adapted. The aim of present study is to analyze the loudness disconfort levels (LDL)
from hearing impained people with sensorineural hearing loss that cames to ULBRA School Clinic for a
specific procedure. The results obtained in this group (n=17) show LDL ranging from 70 to 120 dBHL for
500 Hz (average = 95,6 dBHL); from 75 to 120 dBHLfor 1000 Hz (average = 98,23 dBHL); and from
75 to 120 dBHL for 2000 Hz (average = 100,6 dBHL)
Key words: loudness perception, hearing loss (sensorineural), recruitment detection.
INTRODUÇÃO
A audição humana é uma função bastante
complexa que faz parte do sistema que possibilita a comunicação como expressão do pensamento (FRAZZA et al., 2000).
Por outro lado, a sensação de intensidade
sonora (SIS), ou loudness, Ela não é apenas equivalente à intensidade física de um som. Ela é
um atributo psicológico gerado pela exposição
de um ser humano a um som, permitindo ao
mesmo classificar este som como “alto”, “confortável” ou “baixo” (ou “forte”, “médio” ou “fraco”), influenciada pela duração, freqüência e
complexidade da onda sonora (MENEGOTTO
e COUTO, 2000).
A área de audição útil de um indivíduo é
chamada de “área dinâmica da audição”, e é
compreendida na faixa de intensidades que vai
desde os sons de menor intensidade que o indivíduo consegue ouvir, representada pelo limiar
de audibilidade, até os sons de maior intensidade que o mesmo escuta, sem referir desconforto, representada pelo nível de desconforto a sons
(MENEGOTTO et al., 1996).
O chamado nível de desconforto a sons
(NDS) consiste no limite a partir do qual qualquer som de intensidade elevada passa a causar
desconforto ao indivíduo ouvinte, sendo este
112
portador ou não de perda auditiva (IORIO e
MENEGOTTO, 1996).
Os indivíduos com perdas auditivas com componente neurossensorial, especialmente de origem coclear possuem uma característica de sensação de intensidade diferenciada, onde os sons
fracos não são ouvidos e os sons fortes são percebidos de forma praticamente normal
(STEINBERG e GARDNER, 1937). Este efeito
é denominado “recrutamento” e é definido por
Brunt (1999) como um crescimento anormal da
sensação psicoacústica de intensidade para estímulos em intensidades supraliminares. A redução da área dinâmica causada pelo recrutamento pode se tornar um grande problema na
seleção e adaptação de próteses auditivas
(CLOCK et al., 1999).
Assim, as medidas da SIS são extremamente úteis na Clínica fonoaudiológica, especialmente a pesquisa do NDS, tanto durante o
processo de seleção e adaptação de próteses
auditivas (ALMEIDA, 2003) como no diagnóstico de determinadas condições, como a
hiperacusia (SANCHEZ et al., 2003).
Porém, como é um evento subjetivo, não
se pode medir a SIS diretamente, sendo necessário o uso de técnicas psicofísicas. Além disso,
as medidas da SIS são extremamente influenciadas pela metodologia de avaliação empregada,
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
experiência auditiva, população avaliada e inúmeros outros fatores (WOODS et al., 1973;
DIRKS e KAMM, 1976; BEATTIE et al., 1979;
BEATTIE e SCHEFFER, 1981; COX, 1989;
BORNSTEIN e MUSIEK, 1993; ROBINSON e
GATEHOUSE, 1995).
Diversas propostas de metodologia podem ser
encontradas na literatura para pesquisa do NDS,
inclusive no Brasil (DIRKS e KAMM, 1976;
BEATTIE e SCHEFFER, 1981; BEATTIE e BOYD,
1986; HAWKINS et al., 1987; ALMEIDA, 1996;
JENSTAD et al., 1997; FUCCI et al.,1997;
RICKETTS, 1997; MENEGOTTO, 1999). No
entanto, em função da influência das inúmeras
variáveis citadas, indivíduos do RS poderiam apresentar NDS diferentes daqueles referidos na literatura, e se os níveis efetivamente fossem diferentes, diversos parâmetros de diagnóstico e avaliação precisariam ser revistos e adaptados.
LISBOA (2000) propôs, com base na literatura, um procedimento padrão para medidas dos níveis de desconforto auditivo em indivíduos normoouvintes para tons puros no ambiente da ClínicaEscola de Fonoaudiologia da Ulbra. Para continuação da análise deste procedimento, verificou-se
a necessidade de observar se os NDS obtidos em
indivíduos com perdas auditivas neurossensoriais
que apresentam recrutamento, para ver se estes,
com o procedimento citado, também estão compatíveis com o descrito na literatura.
Assim, o objetivo do presente estudo é obter
parâmetros de nível de desconforto a sons intensos em indivíduos com perda auditiva
neurossensorial no ambiente da Clínica-Escola
de Fonoaudiologia da Ulbra segundo a
metodologia especificada, e verificar se estes se
encontram em concordância com os citados na
literatura.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente trabalho é do tipo observacional,
descritivo e transversal (GOLDIM, 2000). Ele
faz parte do projeto “Níveis Normais e Alterados de Sensação de Intensidade” aprovado pelo
CEP-ULBRA sob o n° 083/2002.
A população estudada foi de indivíduos com
perda auditiva neurossensorial que freqüentam
a Clínica-Escola de Fonoaudiologia da Ulbra.
Desta população, foi selecionada uma amostra
de 17 indivíduos, sendo 10 indivíduos do sexo
masculino e 7 do sexo feminino, com idade entre 32 e 77 anos (média de 63 anos), todos (100%)
com perda auditiva do tipo referido.
A amostra foi colhida dentre os indivíduos
que freqüentam o Laboratório de Audição da
Ulbra encaminhados para avaliação audiológica.
Destes, aqueles que apresentavam perda auditiva neurossensorial foram convidados a fazer
parte da pesquisa. Aos que concordaram, foi
apresentado o Consentimento Livre e Esclarecido, e estes foram então encaminhados para
verificação do NDS.
A pesquisa seguiu a proposta de procedimento de LISBOA (2000) de coleta dos dados. Neste procedimento, o indivíduo é apresentado a
um cartaz, no qual constam os descritores de
sensação de intensidade: “Dói”; “Alto demais
incomoda!”; “Muito Alto”; “Alto”; “Tudo Bem”,
sendo o descritor referente à sensação
pesquisada (“Alto demais! Incomoda!”) destacado. A instrução (padronizada) passada ao indivíduo é a seguinte: -”O propósito deste teste é
descobrir o som mais alto que você consegue ouvir
sem desconforto. Os sons vão ficar cada vez mais
altos. Aponte o ‘Alto demais! Incomoda!’ quando
você não gostaria de escutar nada mais alto do que
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
113
isso. Não é necessário sinalizar ou apontar as outras sensações de intensidade. Nós vamos repetir o
teste várias vezes”. O procedimento usa uma técnica de apresentação ascendente de estímulos,
onde tons puros contínuos, em pulsos de aproximadamente um segundo, são então apresentados em dois pulsos, com intervalos de aproximadamente meio segundo, em cada intensidade
testada. A primeira varredura de intensidades
inicia com uma intensidade 10 dB acima do nível de audição do indivíduo, na freqüência testada e são dados acréscimos de 10 dB até quando o nível do tom puro esteja em torno da metade da área dinâmica estimada; neste momento
os acréscimos passam a ser de 5 dB até que o
indivíduo sinalize o “Alto demais! Incomoda!”,
cuja intensidade de ocorrência é anotada. Mais
duas varreduras ascendentes são então realizadas em cada freqüência testada, a segunda começando na metade da primeira e a terceira,
na metade da segunda. É considerado o nível
de desconforto de cada indivíduo, em cada freqüência testada, a mediana das respostas obtidas nas três varreduras.
Os indivíduos foram testados em uma orelha
e esta foi escolhida por apresentar perda auditiva
neurossensorial. Os dados coletados foram analisados e determinados os valores mínimos, médios
e máximos para o NDS na amostra, sendo estes,
comparados com os achados da literatura.
RESULTADOS
Conforme descrito na Metodologia, todos os
indivíduos da amostra possuíam perdas auditivas neurossensoriais. Na Tabela 1 são apresentados os limiares de audibilidade destes indivíduos na orelha testada.
Tabela 1 – Orelha avaliada, e limiares de audibilidade em dBNA nesta orelha, dos componentes da amostra.
n=
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
114
Orelha
esquerda
direita
esquerda
esq
direita
esquerda
direita
direita
direita
direita
esquerda
direita
direita
esquerda
direita
esquerda
direita
250 Hz
75
30
35
50
50
45
35
45
40
25
30
20
25
35
45
50
40
500 Hz
65
30
30
25
50
45
35
45
45
20
45
20
35
35
50
40
40
Limiares de audibilidade em dBNA
1000 Hz
2000 Hz
3000 Hz
4000 Hz
65
65
55
65
40
55
70
75
65
70
40
55
25
65
80
95
40
40
45
45
60
65
65
80
50
65
70
80
35
35
45
55
45
50
35
45
25
35
15
10
75
85
95
85
45
55
35
40
35
45
40
40
35
40
50
65
95
95
50
75
65
70
50
70
50
50
55
60
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
6000 Hz
80
110
70
95
60
75
85
65
50
40
90
85
45
80
95
85
60
8000 Hz
80
100
70
È
60
75
90
75
55
40
80
90
35
75
90
80
65
Os componentes da amostra, segundo o descrito na Tabela 1, apresentavam, em sua maioria
(n=7), perdas auditivas de grau moderado, segundo a classificação de DAVIS e SILVERMANN
(1970); em número inferior, ocorreram perdas auditivas de grau leve (n=5), de grau severo (n=4),
e perda exclusiva em freqüências altas (n=1).
Na verificação do NDS, de acordo com o
procedimento descrito, foram obtidos na amostra os níveis descritos na Tabela 2, para as três
freqüências estudadas.
Tabela 2 - Níveis de desconforto a sons intensos (NDS) em dBNA obtidos nos componentes da amostra
NDS em dBNA
n=
500 Hz
1000 Hz
2000 Hz
1
90
90
95
2
75
75
75
3
75
80
80
4
110
100
110
5
100
105
110
6
95
105
110
7
90
95
95
8
70
85
90
9
115
120
110
10
105
100
100
11
85
95
95
12
95
90
110
13
105
105
95
14
120
115
120
15
120
120
120
16
70
90
90
17
105
100
105
De uma forma resumida, na Tabela 3 são
mostrados os valores máximos, mínimos e mé-
dios para os NDS encontrados na amostra estudada.
Tabela 3 – Níveis de desconforto máximo, mínimo e médio encontrados na amostra para as três freqüências
estudadas.
NDS em dBNA
500 Hz
1000 Hz
2000 Hz
Valor Mínimo
70
75
75
Valor Máximo
120
120
120
Média Valores
95,6
98,23
100,6
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
115
Os valores descritos nas Tabelas 2 e 3 são
inferiores em 500, iguais em 1000 Hz, e superiores em 2000 Hz aos encontrados por BECK (2003)
utilizando a mesma metodologia em indivíduos
normais da mesma região geográfica. O resultado inferior em 500 Hz possivelmente aponte para
maior sensibilidade a sons intensos que ocorre
em indivíduos com perdas auditivas
neurossensoriais, em relação aos normais, reconhecido na literatura (PHILIBERT et al., 2002).
O maior valor provavelmente ocorre pelo aumento no limiar de audibilidade nesta freqüência demonstrado na amostra (PASCOE, 1988).
Em relação aos resultados de NDS descritos na
literatura para tons puros em indivíduos com perdas de audição neurossensoriais, os resultados da
presente pesquisa apontam para NDS ligeiramente inferiores (diferença de 5,3 dB) em 500 Hz em
relação aos encontrados por Bentler e Nelson
(2001). Para 1000 e 2000 Hz, os resultados da presente pesquisa são virtualmente iguais (diferenças
menores que 2 dB) aos de BENTLER & NELSON
(2001) e de BENTLER & PAVLOVIC (1989).
CONCLUSÕES
Foram obtidos nos componentes da amostra
no Laboratório de Audição da ULBRA, para
indivíduos com perdas auditivas neurossensoriais
do estado do Rio Grande do Sul, para a
metodologia estudada, NDS variando entre 70
e 120 dBNA (média de 95,6 dBNA) para 500
Hz; entre 75 e 120 dBNA (média de 98,23
dBNA) para 2000 Hz; e entre 75 e 120 dBNA
(média de 100,6 dBNA) para 4000 Hz.
Os valores no nível de desconforto verificados encontram-se muito próximos aos referidos
116
na literatura para o mesmo tipo de estímulo acústico na mesma população, demonstrando que a
mudança de metodologia em relação aos estudos da literatura não influenciou de forma significativa os padrões de NDS obtidos.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Estudo sobre a prevalência de maus tratos físicos
na cidade de Canoas (RS)
CAMILA BANDEIRA PEREIRA1
LÍLIAN DOS SANTOS PALAZZO2
JORGE UMBERTO BÉRIA3
ANDRÉIA CRISTINA LEAL FIGUEIREDO3
LUCIANA PETRUCCI GIGANTE3
BEATRIZ CARMEM WARTH RAYMANN4
RESUMO
Trata-se de um estudo de base populacional na cidade de Canoas (RS) com o intuito de conhecer a
prevalência de maltrato físico e sua relação com variáveis demográficas. Os resultados revelaram uma
prevalência de 9,7% de maus-tratos físicos, sendo que 24,1% ocorreu com idade entre 0-9 anos, 33,3%
entre 10-19 anos, 34,6% entre 20-39 anos. Há um predomínio de pessoas do sexo feminino (67,4%), que
vive com companheiro (63,0%), sendo que a maior parte apresenta uma renda familiar de 7 ou mais
salários mínimos (49,0%) e primeiro grau de escolaridade (70,0%). Verificou-se uma associação (p<0,05)
com sexo, numa proporção ao redor de 2:1, com menor escolaridade e com história de separação matrimonial (3:1). Os dados apontam para uma alta freqüência de maltrato na população e a necessidade de
intervenções preventivas.
Palavras-chave: maus tratos, prevalência, violência.
1
Acadêmica do Curso de Psicologia/ULBRA – Bolsista
PROICT/ULBRA
3
Professora – Orientadora do Curso Psicologia e PPG Saúde Coletiva/ULBRA ([email protected])
4
2
Professor do Curso de Medicina e PPG Saúde Coletiva/
ULBRA
Professora do Curso de Fonoaudiologia e PPG em Saúde
Coletiva/ULBRA
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
119
ABSTRACT
This is a population-based study in the city of Canoas (RS) to know the prevalence of physical maltreatment
and its relation with demographic variables. The results revealed a prevalence of 9.7% of physical maltreatment,
in which 24.1% occurred in an age period between 0-9 , 33.3% between 10-19, 34.6% though the age period
between 20-39. There is a women predominance (67.4%), living with a partner (63.0%), and most of them has
a familiar income of 7 or more minimum wages (49.0%) and studied till the last elementary school (70.0%). An
association with sex (p<0.05) was verified, in a ratio at around 2:1, with less graduation and marriage separation
(3:1). The data point out a high frequency of maltreatment and the necessity of preventive interventions.
Key words: maltreatment, prevalence, violence.
INTRODUÇÃO
A violência é, antes de tudo, uma questão
social, porém torna-se um tema importante do
setor saúde pelo impacto que provoca na qualidade de vida das pessoas, devido às leões físicas, psíquicas e morais que carreta, além das
demandas de atenção dos serviços de saúde.
Assim, violências e acidentes fazem parte de
problemas que devem merecer tanta atenção
como a AIDS, o câncer e as enfermidades
cárdio-vasculares (MINAYO, 2004).
Segundo a Organização Mundial da Saúde
(WHO, 2002), mais de 2 milhões de pessoas no
mundo, por ano, morrem devido aos danos causados por esse problema. Entretanto, uma gama significativa de situações de violência não chega ao conhecimento oficial, constituindo uma cifra “negra”,
sobre a qual não há quaisquer informações, como é
o caso de certas expressões contra crianças, adolescentes e mulheres, que permanecem invisíveis.
No Brasil, as fontes oficiais de informação sobre a violência, dentre as quais encontram-se as
Secretarias de Segurança e as Secretarias Municipais e Estaduais de saúde, indicam que este fenômeno tem crescido, especialmente nas áreas
120
urbanas das grandes metrópoles. Segundo o “Relatório Azul” elaborado pela Assembléia Legislativa
do Estado do Rio Grande do Sul (1999), 37,4%
das denúncias feitas a Delegacia da Mulher no
ano de 2000 foram por lesão corporal.
Por outro lado, estudos têm encontrado forte
associação entre a violência física e variáveis
sociodemográficas, como sexo, idade e status socioeconômico em que o sexo feminino, crianças, adolescentes e os que pertencem ao subproletariado
estariam entre os grupos populacionais que mais
risco correm de sofrer maus tratos físicos
(GIANINI, LITVOC, ELUF NETO, 1999; OMS,
2002; WHO, 2004). Entretanto, alguma evidencia mostra que esta associação pode ser contextoespecífico e que também dependeria da
metodologia utilizada no levantamento dos dados.
Sendo assim, esta pesquisa teve como objetivo estudar a prevalência de maus-tratos físicos
na população de Canoas (RS) e sua relação com
dados sócio-demográficos, conhecendo estas
características dentro da população que sofre
maus-tratos físicos, tendo uma importância por
ser uma pesquisa de base populacional, não tendo sido encontrado no MEDLINE e LILACS
investigação semelhante no Brasil.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo transversal de base populacional, realizado com habitantes da cidade de Canoas (RS)
com idade igual ou superior a 14 anos. Após a
aprovação pelo Conselho de Ética da ULBRA,
foi iniciado o trabalho de campo. Para a seleção
dos sujeitos foi utilizada a técnica de amostragem
probabilística do tipo conglomerado ou
“Clusters”, em dois estágios. Primeiramente, foi
feita uma escolha aleatória simples dos setores
censitários e depois, sistematicamente, foram
escolhidos os domicílios. Assim, foram sorteados 40 dos 391 setores censitários do município,
em cada um foi sorteado um quarteirão e deste
uma esquina. A partir desta esquina, andando
para a esquerda de quem está de frente para a
casa um, foi visitada a quarta casa, a oitava casa,
a casa 12 e assim sistematicamente, completando 26 domicílios amostrados. Nestes, foram entrevistados todos os moradores, totalizando 1954
participantes que responderam a um questionário auto-administrado, anônimo, construído para
responder aos objetivos do estudo. Cada participante assinou um termo de Consentimento
Livre e Esclarecido e, após o preenchimento do
instrumento, o mesmo foi colocado pelo entrevistado em um envelope, por ele mesmo lacrado
e aberto apenas pela coordenação do trabalho
de campo. As variáveis estudadas foram história de maus-tratos, idade em que ocorreram os
maus-tratos, situação marital, escolaridade, renda familiar, separação no último ano e sexo. Os
questionários foram codificados pelos
entrevistadores e revisados pela coordenadora
do estudo. Para a análise dos dados utilizou-se o
programa estatístico SPSS (versão 10.0) e foram
realizadas medidas de freqüência e associação
(Qui-quadrado).
RESULTADOS
No estudo realizado foi encontrado 9,7%
(184) de prevalência de história de maus-tratos
físicos, ocorrendo principalmente no sexo feminino (67,4%), sendo a faixa etária (figura 1) mais
freqüente a compreendida entre os 20 a 39 anos
(34,6%) e entre 10 a 19 anos (33,3%). Chama a
atenção a ocorrência desse tipo de problema na
faixa etária entre 0 e 9 anos (24,1%).
40
35
30
25
%
0 a 9 anos
10 a 19 anos
20
20 1 39 anos
40 a 59 anos
15
60 ou mais anos
10
5
0
faixas etárias
Figura 1 - Distribuição do relato de maus tratos físicos segundo a faixa etária. (n= 184). Canoas (RS), 2002.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
121
Quanto as demais características das vítimas,
observa-se que 60,3% tem o primeiro grau de
escolaridade, renda familiar de 7 ou mais salári-
os mínimos (48,9%) e 63,0% vive com companheiro (Tabela 1.).
Tabela 1 - Características dos sujeitos que relataram ter sofrido maus-tratos físicos (n=184). Canoas (RS), 2002.
MAUS-TRATOS FÍSICOS
n
%
Escolaridade
aprendeu fora de casa
1 grau
2 grau
3 grau
pós-graduação
18
111
31
18
6
9,8
60,3
16,8
9,8
3,3
Renda Familiar
0 – 3 SM
3,1 – 7 SM
7,1 ou + SM
55
38
89
30,2
20,9
48,9
Vive com companheiro
Sim
Não
114
67
63,0
37,0
Em relação à associação entre a presença
de história de maus-tratos físicos, sexo e história de separação no último ano, encontrou-se
uma associação estatisticamente significativa
(p<0,005), onde o sexo feminino tem índices
mais elevados que o masculino numa proporção de 2:1 e há história de separação entre os
que sofreram violência numa proporção de 4:1
em relação aos que não passaram por essa situação na vida (Tabela 2).
Tabela 2 - Associação entre história maus-tratos físicos, sexo e história de separação no último ano (n=1954).
Canoas (RS), 2002.
MAUS-TRATOS FÍSICOS
Sim
Não
Sexo
Feminino
Masculino
Separação no último ano
Sim
Não
124 (67,4%)*
60 (32,6%)
971 (56,7%)
742 (43,3%)
19 (12,1%)*
138 (87,9%)
62 (4,3%)
1396 (95,7%)
*p<0,005
122
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
DISCUSSÃO
A prevalência de maus-tratos encontrada nesse estudo e as conseqüências individuais e sociais
decorrentes dessa situação relatadas na literatura
mundial colocam a violência física como uma questão social, pois, de acordo com MINAYO (2004) a
violência se torna um tema do campo da saúde
pelo impacto que provoca na qualidade de vida,
devido aos danos físicos, psíquicos e morais que
acarreta e pelas exigências de atenção e cuidados
que demanda dos serviços de saúde.
A preponderância do problema no sexo feminino vem ao encontro do verificado em outros estudos, sendo que a violência sofrida pela
mulher no âmbito familiar, nas diferentes fases
de seu ciclo evolutivo, têm colocando esse como
um problema de saúde coletiva de nível mundial. Segundo o Relatório da Organização Mundial de Saúde, nos países da América Latina as
taxas de maus-tratos sofridos por mulheres por
parte de seus companheiros, em algum momento de suas vidas, variam de 19 a 52%, enquanto
que nos países mais desenvolvidos como Canadá, Nova Zelândia e Suíça, essas taxas oscilam
entre 20 e 29%. A diferença entre os índices
pode estar vinculada a fatores culturais implicados na gênese do problema, pois no modelo
ecológico explicativo da violência aqueles padrões sociais que colocam esse tipo de comportamento como algo aceitável, normas que
priorizam o direito dos pais sobre o bem-estar
dos filhos, normas que dão suporte ao uso da
força excessiva dos policiais sobre os cidadãos e
aquelas que permitem ao domínio dos homens
sobre as mulheres, entre outras, favorecem a
eclosão desse tipo de situação (OMS, 2002).
A violência física mais freqüente entre aquelas pessoas com baixa escolaridade, mas que
pertencem a famílias com renda superior, contradiz alguns achados da literatura que coloca
a população mais pobre como a mais vulnerável
a esse tipo de situação (GIANINI,LITVOC,
ELUF NETO, 1999; OMS, 2002). Entretanto,
pode ser explicado pelo fato de que os maus tratos físicos abrangem não só a violência doméstica, mas também se encontra presente em muitos atos resultantes da violência urbana, onde
muitas vezes são vítimas os jovens pertencentes
a famílias com melhores condições econômicas.
Em relação à idade em que ocorreram os
maus-tratos, chama a atenção o problema na
infância e adolescência. ASSIS (1994) afirma
que a agressão física perpetrada sobre crianças
e adolescentes é uma das práticas violentas mais
comuns em nossa sociedade. O lar aparece como
local privilegiado para tal prática, embora esta
também ocorra constantemente em crianças e
adolescentes sob risco, como aquelas que estão
ou trabalham nas ruas e as institucionalizadas.
Para CARIOLA (1995) existência de crianças
maltratadas se associa à idéia da violência como
produto de desajustes familiares, psíquicos e do
alcoolismo. Em pesquisa realizada com escolares de Porto Alegre por MENEGHEL,
GIUGLIANI & FALCETO (1998), a violência
contra os adolescentes foi expressa no indicador punição física grave. A punição física grave, episódio único ou freqüente, relatada por
pelo menos um dos membros da família, ocorreu
em 41 relatos, representando 53,9% do total de
casos. A maior parte das famílias, portanto, utilizava algum tipo de punição física em relação
aos filhos, e o mais dramático é que na metade
delas os castigos empregados eram graves. A situação mais séria foi a de famílias em que a punição era intensa e freqüente: 16 casos (18,4%).
Aconteceram 14 relatos de punição grave entre
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
123
os alunos da escola particular (37,8%) e 27 entre os da escola pública (69,2%), evidenciando
que a punição física das crianças é um padrão
de conduta mais disseminado entre as famílias
de baixa renda. O adulto mais punitivo foi o pai
(44,0%), enquanto as mães perfizeram 21,9% da
amostra.
method for cluster-sample surveys of health
in developing countries. World Health
Statistical Quarterly, v.44, p. 98-106, 1991.
A maior prevalência de história de separação
no último ano entre aquelas pessoas que relataram haver sofrido maus-tratos corrobora a idéia de
que essa vivência se associa a transtornos psiquiátricos e a problemas de relacionamento formando
um ciclo vicioso, que para rompê-lo, necessita
medidas preventivas eficazes tanto no âmbito individual como familiar e coletivo (LOPES,
FAERSTEIN & CHOR, 2003; OMS, 2002).
COKER, A. L. et al. Physical and mental
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Preventive Medicine, v. 23, n.4, p. 260-268,
2000.
Considerando o exposto, concluímos a violência física é um problema prevalente em nosso meio,
atingindo principalmente as mulheres e a população infanto-juvenil. Devido ao seu caráter
polifacético, necessita de medidas eficazes no
âmbito da saúde coletiva, em vários níveis e em
sintonia com múltiplos setores da sociedade.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Efeito da administração do extrato do Croton
cajucara Benth em ratos normais
GRAZIELLA RAMOS RODRIGUES1
SOLANGE MARIA DOVAL FONSECA2
SILVIA BONA3
MARILENE PORAWSKI4
NORMA ANAIR POSSA MARRONI5
RESUMO
Avaliamos o efeito da administração do extrato aquoso (EA) do Croton cajucara Benth (CcB) sobre
os níveis plasmáticos de glicose, triglicerídios (TG) e colesterol, assim como as enzimas séricas marcadoras
de função hepática, a lipoperoxidação e a atividade das enzimas antioxidantes catalase (CAT) e superóxido
dismutase (SOD). Foram utilizados ratos machos Wistar (300g) divididos em 4 grupos (n=5): CO 7Dcontrole, 1,5 mL de água (i.g) por 7 dias; CcB- 1,5 mL (i.g) de extrato aquoso (EA) por 7 dias; CO
14D- controle 1,5 mL i.g de água por 14 dias e CcB 14D- 1,5 mL i.g. do EA por 14 dias. Os animais
foram anestesiados e foi coletado sangue do plexo retro-orbital para dosagem de glicemia, triglicerídeos e
colesterol e análises das enzimas séricas (AST, ALT, FA, A e dGT). Após, os animais foram sacrificados,
os fígados foram retirados e homogeneizados para avaliação da LPO e da atividade das enzimas antioxidantes
CAT e SOD. A análise estatística foi realizada através do teste “t” de Student sendo significativo p<0,05.
Os dados obtidos sugerem que o uso de EA de CcB em animais normais, durante os períodos estudados,não
altera a glicemia, triglicerídeos, colesterol, enzimas séricas e não apresenta atividade pró-oxidante.
1
Acadêmica do Curso de Biologia/ULBRA – Bolsista PIBIC/CNPQ
2
Bióloga
Acadêmica do Curso de Biologia/ULBRA – Bolsista PROICT/
ULBRA
3
Professora do Curso de Fisioterapia e do PPG Diagnóstico
Genético e Molecular /ULBRA
4
Professora - Orientadora do Curso Medicina e do PPG Diagnóstico Genético e Molecular/ULBRA ([email protected])
5
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
125
Palavras-chave: Croton cajucara Benth, estresse oxidativo, enzimas antioxidantes.
ABSTRACT
We evaluated the effect of the administration of the aqueous extract (EA) of the Croton cajucara
Benth (CcB) on the plasmatic levels of glucose, triglycerides (TG) and cholesterol, as well as the seric, the
lipid peroxidation (LPO) and activities of the antioxidant enzymes catalase (CAT) and superoxide dismutase
(SOD) catalase in normal rats. As male rats Wistar (300g) were used and divided into 4 groups (n=5):
CO 7D - control, received 1,5 mL of water distilled intragastriccally (i.g) during 7 days; CcB - received
1,5 mL (i.g) of the aqueous extract (EA - extract of the leaves 1g/20mL) during 7 days; CO 14D control, received 1,5 mL i.g of water distilled by 14 days and CcB 14D - received 1,5 mL i.g. do EA during
14 days. The animals were anesthetized and blood was collected from the retro-orbital plexus for glycemia
dosage. triglycerides and cholesterol and analyses of the seric enzymes (AST, ALT, FA, A and äGT).
Afterwards, the animals were sacrificed, the liver isoleted and homogenized for LPO evaluatin and activities
of the antioxidant enzymes. Statistical analysis was done using the Student “t” test with a significance p <
0,05. Our date suggest that the uses of EA of CcB in normal animals, during the studied periods, does not
alter glycemia, triglycerides, cholesterol, seric enzymes s and does not show present pro oxidant activity.
Key words: Croton cajucara Benth, oxidative stress, antioxidant enzymes.
INTRODUÇÃO
A espécie Croton cajucara Benth, pertence a
família Euphorbiaceae, é uma planta arbustiva
de casca purulenta com folhas alterna,
lanceoladas e olentes. É encontrada
freqüentemente na região Norte do Brasil. Na
Amazônia é popularmente conhecida como
Sacaca e representa um recurso medicinal de
grande importância no tratamento de várias
doenças. (VAN DEN BERG, 1982; DI STASI
et al., 1989).
No estado do Pará as folhas e as cascas do
caule dessa planta são utilizadas pela população
na forma de chá, para o tratamento da diabetes,
diarréia,
malaria,
febre,
distúrbios
gastrointestinais, renais e hepáticos e no controle de níveis elevados de colesterol (LUNA COS-
126
TA et al., 1999; MACIEL, PINTO, VIEGA, 2001;
HIRUMA-LIMA et al., 2000).
Estudos mostram que várias doenças têm sido
freqüentemente associadas com danos
oxidativos, o que está diretamente envolvido na
formação de espécies ativas de oxigênio (EAO)
e outros radicais livres que podem ser produzidos por fontes exógenas ou endógenas. Uma forma adequada de combater esta situação é o uso
de substancias antioxidantes.
Em organismos aeróbios, a produção normal
de EAO é balanceada pela atividade das defesas antioxidantes endógenas. Quando esse balanço é rompido em favor dos agentes oxidantes,
diz-se que a célula ou organismo encontra-se
sob estresse oxidativo. Essa condição pode levar
o organismo a desenvolver respostas adaptativas
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
ou provocar danos como lipoperoxidação das
membranas celulares, degradação de proteínas
e lesão ao DNA (SALO et al., 1991).
Os antioxidantes podem ser definidos como substâncias que, presentes em concentrações relativamente baixas, inibem significativamente a taxa de
oxidação sobre locais alvos. Como antioxidantes não
enzimáticos existem as vitaminas A e E, o ácido
ascórbico, o ácido úrico, a glutationa, a melatonina,
certos flavonóides, entre outros. Dentre os
antioxidante enzimáticos responsáveis pela
detoxificação das EAO podemos citar a catalase, a
superóxido dismutase e a glutationa peroxidase
(HALLIIWEL, GUTTERIDGE, 1989).
Os extratos de plantas, praticamente todas
as que contêm bioflavonóides apresentam uma
significativa ação antioxidante, capaz de diminuir os efeitos nocivos gerados pelos radicais livres e, conseqüentemente, o surgimento das
doenças associadas a eles.
A Sacaca também é comercializada em farmácias de manipulação e neste caso o pó das
cascas do caule é vendido em cápsulas. Já as
folhas são comercializadas livremente, para distúrbios do fígado e auxilio na digestão de alimentos gordurosos. O pó das folhas é vendido
também em farmácias de manipulação, com indicação hepatoprotetora e, para dietas de emagrecimento, em alguns casos o pó é misturado
com pó do boldo do Chile.
O uso freqüente dessa planta pela população do Norte do país foi um importante incentivo para os estudos da Sacaca, visando comprovar se os efeitos do uso prolongado da mesma
estão relacionados com os casos de hepatite tóxica ocorridos em Belém. (MACIEL, 1997;
MACIEL et al., 1998).
Inúmeros casos de hepatite tóxica foram notificados em hospitais públicos da região Amazônica devido ao uso prolongado dessa planta
(MACIEL, PINTO, VIEGA, 2001). A disseminação de uso tem chegado a lugares distantes
do país, como em nosso estado, na cidade de
Caxias do Sul.
O presente trabalho tem como objetivo avaliar
o efeito da administração do extrato aquoso (EA)
do Croton cajucara em ratos normais sobre os níveis plasmáticos de glicose, triglicerídios e
colesterol, determinar os níveis séricos das enzimas:
ALT, AST, A, FA e dGT e avaliar o estresse
oxidativo através das medidas de LPO e a atividade das enzimas antioxidantes: CAT e SOD.
MATERIAL E MÉTODOS
Procedimento experimental
Os animais eram provenientes do Biotério do
Instituto de Ciências Básicas da Saúde da UFRGS.
Durante o experimento os animais foram mantidos
no Biotério de Farmacologia, em caixas plásticas de
47x34x18cm forradas com maravalha, em ciclo de
12 horas claro/escuro e temperatura entre 20 e 25oC.
Água e a ração foram administradas ad libitum.
Foram utilizados ratos machos Wistar (300g).
Esses animais foram divididos em 4 grupos, cada
grupo contendo 5 animais:
- CO 7D - controle, receberam 1,5mL de água
destilada intragástrica (i.g.) durante 7 dias;
- CcB 7D- receberam 1,5 mL i.g. do EA (extrato aquoso das folhas1g/20mL H 2O)
durante 7 dias;
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
127
- CO 14D - controle receberam 1,5 mL i.g.
água destilada durante 14 dias;
- CcB 14D - receberam 1,5mL i.g. do EA
durante 14 dias.
A concentração do extrato aquoso de Croton
cajucara: 1grama de folhas secas (provenientes de
Santarém, Pará) em 20 mL de água destilada.
Processamento dos tecidos
Após cada período (7 e 14 dias), os animais
foram anestesiados através da administração das
drogas de Cloridrato de Xilazina 2% 50mg/Kg
de peso corporal e Cloridrato de Cetamina
100mg/Kg de peso corporal intraperitonialmente.
Foi coletado sangue do plexo retro orbital para
determinação dos níveis plasmáticos de glicose,
triglicerideos e colesterol e das enzimas séricas
(ALT, AST, A, FA e dGT. Após foi realizada uma
laparotomia e retirado o fígado, separado em porções e congelado em nitrogênio liquido. Os tecidos foram mantidos à -70oC para posterior análise. Para análise das provas de lipoperoxidação
(TBARS e QL) e atividade da enzimas (CAT e
SOD), os tecidos foram pesados e colocados em
solução de tampão fosfato 20mM (KCl 140mM)
na proporção de 9mL por grama de tecido. Os
tecidos foram homogeneizados em ULTRATURRAX (IKA-WERK) durante 80 segundos, à
temperatura de 0-2ºC. Os homogeneizados foram centrifugados em centrifuga refrigerada
(SORVALL ® RC-5B Refrigerated Superspeed
Centrifuge), durante 10 minutos a 4000 rpm
(LLESUY et. al., 1985). Retirou-se o sobrenadante
que foi utilizado para dosagem de proteína, determinação da lipoperoxidação e atividade das
enzimas CAT e SOD.
128
Quantificação de proteínas
A proteína dos tecidos homogeneizados foi
quantificada, segundo o método de Lowry et.
al., (1951). Este método utiliza como padrão
uma solução de albumina bovina (SIGMA) 1mg/
ml (no caso, utilizam-se volumes de 50, 100 e
150 microlitros). Coloca-se uma alíquota do
homogeneizado (20 microlitros) em 0,8 ml de
água destilada e 2,0 ml do reativo C. Este último preparado no momento e consistia na mistura de 50,0 ml do reativo A (NaHCO3 2% em
NaOH 0,10N), 0,5 ml do reativo B1 (CuSO4. 5
H2O 1%) e 0,5 ml do reativo B2 (tartarato de
sódio e potássio 2%). Após a adição do reativo
C, aguarda-se 10 minutos e, após este período,
coloca-se 0,2 ml de Reativo de Folin-Ciocalteau
2N (Laborclin), na concentração de 1:3 em água
destilada. Após 30 min, desenvolvia cor azul. A
leitura foi realizada a 625nm em
espectrofotômetro (UV Vis Spectrophotometer
METROLAB 1700).
Quantificação da glicemia
Para determinação da glicemia em plasma foi
utilizado o teste enzimático colorimétrico descrito no Kit LABTEST. A leitura da absorbância
da amostra foi realizada em espectrofotômetro a
505nm. Os valores foram expressos em miligramas por decilitro (mg/dL).
Quantificação dos triglicerídeos
Para a determinação de triglicerideos em
plasma foi utilizado o método enzimáticocolorimétrico (GPO/POD), descrito no Kit
CELM. Como padrão utilizou-se a solução estabilizada glicerol. A leitura da absorbância da
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
amostra foi realizada em espectrofotômetro a
505nm. Os valores foram expressos em miligramas por decilitro (mg/dL).
Quantificação do colesterol
Para a determinação de colesterol em plasma foi utilizado o método enzimático colorimétrico (COE/COD/POD), descrito no Kit
CELM. Como padrão utilizou-se a solução tampão Tris e Fenol. A leitura da absorbância da
amostra foi realizada em espectrofotômetro a
505nm. Os valores foram expressos em miligramas por decilitro (mg/dL).
Avaliação da lipoperoxidação
(LPO):
a) Método de substâncias que reagem ao
ácido tiobarbitúrico (TBARS)
A técnica de TBARS foi realizada conforme
o método de BUEGE & AUST, (1978). Utilizou-se solução de ácido tricloroácetico 10%, o
homogeneizado obtido de cada tecido de rato,
ácido tiobarbitúrico 0,67% e água destilada. Essa
mistura foi aquecida a 100°C, em banho-maria,
durante 15 minutos e resfriada em gelo por aproximadamente 10 minutos. Após, acrescentouse álcool n-butilico, agitando por 40 segundos
em VORTEX, e centrifugado por 10 minutos a
3000 rpm. Assim obteve-se um sobrenadante
corado, resultante da reação de malondialdeído
e outros subprodutos liberados na LPO. O
sobrenadante foi retirado e colocado em cubeta
de vidro para leitura a 535 nm em
espectrofotômetro. Os resultados foram expressos em nanomoles por miligrama de proteína
(nmoles/mg prot.).
b) Determinação da quimiluminescência
por hidróxido de tert-butila (QL)
O método consiste em adicionar um
hidroperóxido orgânico de origem sintética
(hidroperóxido de tert-butila) ao homogeneizado
dos tecidos em estudo. Avalia-se a capacidade
de resposta mediante a determinação de
quimiluminescência (QL) produzida por amostra. Em tecidos submetidos a estresse oxidativo,
o valor da QL iniciada por hidroperóxido de tertbutila (t-BOOH) é maior que o valor correspondente a esse tecido em condições fisiológicas (pré-estresse). A QL foi medida em um contador com o circuito de coincidência
desconectado e utilizando o canal de tritio
(Liquid Scintilation Corenter, 1209
RACKBETA, LKB Wallar). Os homogeneizados
de tecido serão colocados em viais de vidro. Para
evitar a fosforescência dos viais ativada pela luz
fluorescente, estes serão protegidos da luz até o
momento do uso e as determinações feitas em
sala escura. O ensaio será realizado num meio
de reação consistindo numa solução reguladora
de tampão fosfato e utilizando-se o t-BOOH
3mM. Para cálculo de QL iniciada por t-BOOH,
foi considerada a emissão máxima, descontada
a emissão basal (a QL do vial mais o tampão).
Os resultados serão expressos em contas por segundo (cps) por mg de proteína (GONZÁLEZFLECHA, LLESUY, BOVERIS, 1991).
Atividade das enzimas
antioxidantes:
Catalase (CAT)
A atividade da enzima catalase foi avaliada,
conforme descrito por Boveris & Chance (1973),
através da determinação em espectrofotômetro
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
129
agitação é realizada leitura a 480 nm em
espectrofotômetro. Os dados são expressos em
Unidades de SOD por miligrama de proteína
(USOD/ mg prot.).
da velocidade de decomposição do peróxido de
hidrogênio (0,3 M), adicionado a amostra. Sendo a decomposição do peróxido de hidrogênio
diretamente proporcional à atividade da CAT.
São colocados em cubeta de quartzo o tampão
fosfato 50mM com pH 7, o homogeneizado e o
peróxido de hidrogênio. A leitura foi realizada
em espectrofotômetro a 240nm e os dados expressos em pico moles por miligrama de proteína
(pmoles/mg prot.).
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Os resultados foram expressos com média
+ EP de n valores. A comparação entre os grupos foi realizada através do teste “t” de Student
(In Stat Program) com p<0,05 considerado significativo.
Superóxido dismutase (SOD)
A atividade da enzima antioxidante SOD,
foi avaliada segundo a técnica descrita por
MIRSA & FRIDOVICH (1983) para determinação em espectrofotômetro da capacidade da
SOD em inibir a reação do radical superóxido
com adrenalina. Na cubeta de quartzo, colocase tampão glicina 50mM com pH 11, uma
alíquota de homogeneizado e adrenalina. Após
RESULTADOS
A glicemia, triglicerídeos e colesterol dos animais medida após 7 e 14 dias de tratamento com
o extrato de Croton Cajucara não apresentou diferença significativa entre os grupos (Figura 1).
200
90
180
80
160
70
60
120
mg/dL
mg/dL
140
100
80
50
40
30
60
20
40
10
20
0
0
CO 7D
CcB 7D
CO 14D
CcB 14D
CO 7D
GLICEMIA
CcB 7D
CO 14D
CcB14D
TRIGLICERÍDEOS
A
B
90
80
70
mg/dL
60
50
40
30
20
10
0
CO 7D
CcB 7D
CO 14D
CcB 14D
COLESTEROL
C
Figura 1 - Determinação dos níveis plasmáticos de glicemia (A), triglicerideos (B) e colesterol (C).
130
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Os valores plasmáticos das enzimas séricas
ALT, AST, A, FA e dGT não apresentaram al-
terações com o uso do Croton cajucara Benth
nos períodos estudados (Figura 2).
350
4
CO 7D
300
CcB 7D
U/L
U/L
CO 14D
CcB 14D
2,5
CcB 14D
200
CcB 7D
3
CO 14D
250
CO 7D
3,5
150
2
1,5
100
1
50
0,5
0
0
AST
ALT
FA
A
A
δGT
B
Figura 2 - Valores plasmáticos ALT, AST e FA (A), valores plasmáticos äGT e A (B).
A avaliação de dano oxidativo medido pelas
técnicas de TBARS e QL indicaram que o tratamento com Croton cajucara não provocou al-
teração na lipoperoxidação no fígado dos ratos
nos períodos estudados (Figura 3).
3500
0,25
3000
2500
cpm/mgprot
nmoles/mg prot
0,2
0,15
0,1
2000
1500
1000
0,05
500
0
CO 7D
CcB 7D
CO 14D
0
CcB 14D
CO 7D
CcB 7D
TBARS
A
CO 14D
CcB 14D
QL
B
Figura 3 - Determinação dos níveis de lipoperoxidação, pelo método de TBARS (A) e QL (B).
A medida da atividade da CAT e SOD não
apresentaram alterações significativas entre os
grupos (Figura 4)
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
131
6
5
5
4
4
USOD/mg prot
nmoles/mgprot
6
3
2
1
3
2
1
0
0
CO 7D
CcB 7D
CO 14D
CcB 14D
CO 7D
CAT
CcB7D
CO 14D
CcB 14D
SOD
B
A
Figura 4 - Medida e desvio padrão da atividade da enzima CAT (A) e da SOD (B).
DISCUSSÃO
Alguns trabalhos experimentais têm sido realizados a fim de investigar a ação farmacológica
do Croton cajucara Benth, pois ela vem sendo
utilizada de forma aleatória, principalmente no
Norte do Brasil, muitas vezes levando ao óbito
por efeitos hepatotóxicos.
Inúmeros casos de hepatite tóxica foram notificados em hospitais públicos devido ao uso
prolongado dessa planta (MACIEL, PINTO,
VIEGA, 2001).
O Croton cajucara Benth, tem importância
na medicina popular, sendo utilizada no tratamento do diabetes, redução do colesterol, emagrecimento, distúrbios hepáticos e doenças renais (LUNA COSTA et al., 1999; MACIEL,
PINTO, VIEGA, 2001; HIRUMA-LIMA et al.,
2000) e é administrada através de chá ou cápsulas feitos com as folhas ou com a casca
(MACIEL, PINTO, VIEGA, 2001).
No presente trabalho a administração crônica do extrato aquoso de C. cajucara em ratos
132
normais não mostrou alterações nos níveis de
glicemia, triglicerídeos e colesterol total, sugerindo que em animais normais esse extrato não
interfere de forma significativa, modificando o
metabolismo de carboidratos e gorduras.
Em relação à avaliação da integridade hepática, todos os animais tiveram os níveis séricos
de AST, ALT, FA, A e äGT sem alteração significativa. Esses resultados indicam que o tratamento por 7 ou 14 dias com o extrato aquoso de
folhas do C. cajucara não altera a função hepática nesse modelo estudado.
A avaliação da lipoperoxidação pode ser realizada através da medida de substâncias
reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS) o
qual verifica a formação de malondialdeído,
que é um subproduto do processo de oxidação
das membranas lipídicas celulares (BUEGE,
AUST, 1978).
Outro método de verificação da lipoperoxidação
de maior sensibilidade e especificidade é a
quimiluminescência (QL) iniciada por
hidroperóxido de tert-butil.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
branas lipídicas avaliadas por TBARS e
QL.
A avaliação da lipoperoxidação através das
técnicas de TBARS e QL, em homogeneizado
de fígado de ratos Co e CcB (7 e 14 dia) não
mostrou alteração significativa na peroxidação
lipídica pelas técnicas estudadas.
- não apresentou alteração na atividade das
enzimas antioxidantes CAT e SOD.
As medidas de atividades enzimáticas da
SOD e CAT também não apresentaram alterações significativas entre os grupos estudados.
Com base nesses dados, podemos sugerir que
o uso do extrato aquoso da Sacaca não apresenta
atividade pró-oxidante nos períodos estudados.
As enzimas antioxidantes estão distribuídas
por todo o organismo e dependem do consumo
de oxigênio, da taxa metabólica, da concentração de íons metálicos e da quantidade de ácidos graxos presentes, sendo a primeira linha de
defesa contra ações oxidantes do organismo. Em
nosso trabalho o uso do Croton cajucara Benth,
nas doses utilizadas não interferiu no equilíbrio
redox celular.
Dessa maneira, pelos resultados obtidos neste trabalho, a sacaca administrada nos período
de 7 e 14 dias não ocasionou diferença significativa os parâmetros estudados.
CONCLUSÕES
Pelos dados obtidos neste trabalho podemos
concluir que a administração do extrato aquoso
da folha do Croton cajucara Benth em ratos normais por 7 e 14 dias:
- não apresentou diferença os níveis
plasmático da glicemia, triglicerídeos e
colesterol.
- não apresentou diferença significativa na
avaliação das enzimas séricas hepáticas.
- não apresentou dano oxidativo nas mem-
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Estudo do crescimento somático e da aptidão
física relacionados à saúde em estudantes
surdos das escolas especiais da região
metropolitana de Porto Alegre
EDUARDO TRZUSKOVSKI DE VARGAS1
ROSILENE MORAES DIEHL2
ADROALDO CÉZAR ARAÚJO GAYA3
DANIEL C. GARLIPP4
ALEXANDRE C. MARQUES5
RESUMO
O objetivo deste estudo foi analisar os níveis de aptidão física relacionados à saúde em alunos surdos de sete
escolas especiais da região metropolitana de Porto Alegre - RS. Foram analisados 149 meninos e 139 meninas com
idades entre 07 e 15 anos. Os instrumentos possibilitaram avaliar índice massa corporal (IMC), flexibilidade, força/
resistência muscular localizada e resistência cárdio-respiratória. Os resultados se relacionam de um lado ao crescimento somático, no qual foi utilizado como referência as curvas da National Center for Health and Statistic
(NCHS) recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS); e por outro ao estudo da aptidão física
(ZSApF), a partir dos dados recomendados pelo Projeto Esporte Brasil (Proesp-BR).
Palavras-chave: surdos, aptidão física, saúde.
Acadêmico do Curso de Educação Física/ULBRA – Bolsista PROICT/ULBRA
1
Professora – Orientadora do Curso de Educação Física/
ULBRA – [email protected]
2
3
Colaborador – professor de curso de Educação Física - UFRGS
4
Colaborador – professor de Educação Física - UFRGS
5
Colaborador – professor de Educação Física - UFRGS
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
135
ABSTRACT
This study pretends to analyse the grades of physical adaptation in relation to the health of deaf students
in seven “special schools in the metroplitan area of Porto Alegre/RS Brazil.149 boys and 139 girls between
7 and 15 years were analyzed. The instruments enabled us to value the Body Mass Index (BMI), flexibility,
endurance and cardiorespiratory endurance.On one side the results are related to somatic growth, for
which were used the graphics of the National Center for Health and Statistics recommended by the World
Health Organization (WHO) and on the other hand with the studies of physical adaptation based on the
data recommended by the Project Sport Brazil.
Key words: deaf, physical adaptation, health.
INTRODUÇÃO
Estudos recentes apontam uma preocupação
crescente com a manutenção da saúde através
de uma vida ativa. Nos últimos censos
demográficos nota-se uma tendência no envelhecimento da população brasileira. Segundo o
IBGE em 1980 a idade média era a de 20,2 anos.
Para 2050 a idade mediana projetada é de exatos 40 anos. Outras projeções são feitas:
...em 2000 30% dos brasileiros tinha de zero
a 14 anos, e os maiores de 65 representavam 5% da população. Em 2050, esses dois
grupos etários se igualarão: cada um deles
representará 18% da população brasileira ...
Também tornam-se cada vez mais importantes as políticas de Saúde voltadas para a Terceira Idade: se em 2000 o Brasil tinha 1,8
milhão de pessoas com 80 anos ou mais, em
2050 esse contingente poderá ser de 13,7
milhões. (IBGE, 2004)
Dessa forma, métodos de prevenção a doenças degenerativas da velhice e da promoção da
136
saúde de crianças, jovens e adultos são fundamentais para uma sociedade mais saudável e
conseqüentemente uma velhice mais digna.
Um dos fatores importantes para a manutenção
das boas condições físicas e mentais do ser humano
é manter o corpo ativo. (NAHAS, 2001; GAYA
2002) Uma vida ativa é um fator importante na prevenção e no controle de alguns problemas de saúde, quando analisada a partir da perspectiva
populacional (KON E CARVALHO, 2001).
Na infância e na adolescência a educação
física tem um papel fundamental na promoção
de um estilo de vida ativo. O profissional deve
associar a ludicidade do jogo à aptidão física
voltada para a saúde à performance. Na medida
em que promovemos crianças e jovens ativos
teremos, no futuro, adultos menos ociosos e com
mais qualidade de vida.
A intenção deste estudo foi identificar o perfil
da aptidão física voltada à saúde de crianças e
jovens surdos que freqüentam as escolas especiais da região metropolitana de Porto Alegre.
Ao fazer referência às pessoas que estão impossibilitadas de modo permanente de ouvir, dizse, muitas vezes, que esta pessoa possui defici-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
ência auditiva. Muitos são os nomes utilizados
ao se referir àqueles que têm o sentido da audição comprometido ou inexistente. Neste texto,
ao abordar pessoas com déficit da audição, será
usado o termo surdo por ser esta a expressão
adotada pela Comunidade Surda. Essa Comunidade possui uma identidade própria, caracterizada principalmente pela existência de uma
forma específica de comunicação.
Queríamos identificar o perfil de crianças e
jovens que freqüentavam as escolas especiais
da região metropolitana de Porto Alegre, RS,
visto que as escolas dessa região são representativas do estado.
MATERIAL E MÉTODOS
Nessa perspectiva, reconhecemos o termo
surdo não apenas como uma definição
conceitual, mas uma forma do Ser.
Pelo fato de, muitas vezes, as crianças e
jovens surdos serem denominados “deficientes”, ou pessoas não eficientes, inclusive pelos profissionais da área da educação física, é
que resolvemos identificar o perfil motor dos
alunos que freqüentam as escolas especiais da
região metropolitana de Porto Alegre, RS.
Amostra
Este estudo descritivo foi realizado a partir de
uma amostra de 288 escolares, sendo 149 meninos e 139 meninas na faixa etária entre 7 e 15
anos. Os escolares são provenientes de 7 escolas
especiais para alunos surdos da região metropolitana de Porto Alegre. A amostra é do tipo intencional e dividida conforme a tabela abaixo:
Tabela 1 – Estratificação da amostra por idade nos dois sexos.
Idade
7
8
9
10
11
12
13
14
15
Total
v.a.
12
22
11
10
12
28
14
16
24
149
Masculino
v.p. (%)
8,1
14,8
7,4
6,7
8,1
18,8
9,4
10,7
16,1
100
v.a.
9
13
14
10
23
22
9
12
27
139
Feminino
v.p. (%)
6,5
9,4
10,1
7,2
16,5
15,8
6,5
8,6
19,4
100
v.a.= valores absolutos; v.p.= valores percentuais
Instrumentos e procedimentos
de coleta das informações
vértex e o plano de referência do solo, com resolução de 0,1cm.
As medidas somáticas avaliadas foram: (a)
massa corporal: medida em kg com resolução
de 0,1kg; (b) estatura: medida em cm entre o
O estudo da aptidão física foi feito a partir dos
testes recomendados pelo Projeto Esporte Brasil
(PROESP-BR) descritos no quadro abaixo:
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
137
Quadro 1 – Bateria de testes do Projeto Esporte Brasil.
TESTES
2
Índice de massa corporal (IMC – kg/ m )
Sentar-e-alcançar (cm)
Abdominal (número de repetições em 1
minuto)
Corrida/caminhada de 9 minutos (metros)
COMPONENTES DA APTIDÃO
Relação da massa corporal pela estatura
Flexibilidade
ÁREA DE INTERVENÇÃO
Relacionada à saúde
Relacionada à saúde
Força-resistência dos músculos abdominais
Relacionada à saúde
Resistência geral
Relacionada à saúde
As curvas de crescimento somático foram
comparadas com as curvas de referências internacionais (NCHS6 ) recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os critérios de referência adotados para as
avaliações da Aptidão Física Relacionada à
Saúde correspondem aos utilizados pelo
PROESP-BR. Para o índice de massa corporal
(IMC) utilizou-se o conceito de zona saudável
de massa corporal (ZSMC), assumindo os valores de corte sugeridos por Sichiere e Allam
(1996), adaptando-os para a realidade brasileira. Para os testes de aptidão física utilizouse o conceito de Zona Saudável de Aptidão
Física (ZSApF) assumindo os seguintes valores de corte: para os testes de sentar-e-alcançar e abdominal, os critérios FITNESSGRAM
(COOPER, 1991); para o teste de 9 minutos os
critérios FITNESSGRAM (1980) adaptados.
Tratamento das Informações
Para o tratamento dos dados, inicialmente procedeu-se um estudo exploratório cujo
objetivo foi avaliar os pressupostos essenciais da análise paramétrica. A análise
exploratória constou da inspeção dos gráfi6
138
NCHS – National Center for Health and Statistics – O Centro
Nacional de Estatística da Saúde é uma instituição norte-americana que sugere curvas de crescimento utilizadas como referência pela Organização Mundial da Saúde (Hamill et al., 1979).
cos boxplot para identificar a eventual presença de outliers, os quais foram retirados da
amostra. A normalidade das distribuições foi
verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov,
e a homogeneidade das variâncias foi testada com o teste de Levene.
Para a análise descritiva utilizou-se a média
e o desvio padrão.
No caso da aptidão física relacionada à saúde, foram desenvolvidos gráficos de ocorrências
em valores percentuais de escolares situados
abaixo, no interior e acima da ZSMC para o IMC
e ZSApF para os demais testes.
No caso da aptidão física relacionada ao desempenho motor, foi utilizado a ANOVA para identificação de possíveis diferenças significativas no
desempenho em cada idade entre os sexos.
O nível de significância estabelecido foi de
5%, sendo utilizado nas análises estatísticas o
programa SPSS for Windows 10.0.
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Crescimento somático
Verificado os pressupostos para as análises
propostas, inicia-se a apresentação e discussão
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
dos resultados com a comparação das curvas de
estatura corporal (Figura 1) e massa corporal
(Figura 2), com os percentis 3, 10, 50, 90 e 97
do padrão de referência NCHS.
Figura 1 – Comparação das médias de estatura corporal com o padrão de referência NCHS.
Observa-se que as curvas de estatura (figura 1) se sobrepõem à curva média (percentil 50)
do padrão de referência até os 11 anos no sexo
masculino, e até os 10 anos no sexo feminino,
havendo uma superioridade até os 14 anos nos
meninos e 13 anos nas meninas. No sexo masculino parece haver então uma estabilização da
curva, enquanto no sexo feminino a curva apresenta uma queda para próximo do percentil 10
do padrão NCHS.
Figura 2 – Comparação das médias de massa corporal com o padrão de referência NCHS.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
139
Observa-se que as curvas de massa corporal
(figura 2) se comportam de forma diferente entre
os sexos, desta forma a análise será feita de forma
separada. No sexo masculino, a curva da população investigada inicia perto do percentil 90 da
curva de referência. Aos 8 e 9 anos, existe uma
sobreposição da curva estudada com o percentil
50 do NCHS. Desta faixa até os 14 anos os meninos apresentam massa corporal superior à curva
média da curva de referência, caindo logo após
para valores inferiores ao percentil 50.
No sexo feminino, existe uma sobreposição
da curva da população investigada com o
percentil 50 do NCHS até os 10 anos de idade,
onde existe um aumento importante da massa
corporal das meninas até próximo ao percentil
90, havendo então uma queda para junto da
curva média do padrão de referência.
Aptidão física relacionada à
saúde
a) Índice de massa corporal (IMC)
No gráfico 1, podemos observar um número
elevado de alunos surdos das escolas especiais
da região metropolitana de Porto Alegre, com
índices médios referente ao (IMC). 80% das alunas e 75% dos alunos apresentam um quadro
saudável do IMC. Os índices abaixo da zona
saudável indicam desnutrição; quando acima da
zona saudável apontam para um aluno com
sobrepeso ou obeso.
Gráfico 1 - Freqüência de escolares nas ZSMC
Freqüência (%)
IMC
85
80
75
70
65
60
55
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
80
75
15
9
14
6
Abaixo da ZSMC
Masculino
Feminino
ZSMC
Acima da ZSMC
Zonas de Massa Corporal
b) Flexibilidade
A flexibilidade é uma aptidão importante
no dia a dia do ser humano. Índices abaixo
dos indicados podem referir-se a pessoas com
encurtamento muscular que impossibilitam
140
movimentos fundamentais nas tarefas de vida
prática.
No gráfico 2 estão os dados referentes aos
alunos surdos das escolas especiais, no teste sentar-e-alcançar.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Gráfico 2 - Freqüência de escolares nas ZSApF
Flexibilidade
50
45
44
Freqüência (%)
40
40
35
30
35
32
25
25
24
20
15
10
Masculino
5
Feminino
0
Abaixo da ZSApF
ZSApF
Acima da ZSApF
Zonas de Aptidão Física
Podemos observar que 25% das meninas e
24% dos meninos estão na zona considerada boa
para a saúde e que 44% dos meninos e 35% das
meninas apresentaram uma excelente flexibilidade. Porém observamos um grupo que aponta
um baixo nível de flexibilidade, onde 40% das
meninas e 32% dos meninos estão necessitando
maior atenção nessa aptidão.
A força concentrada na musculatura abdominal é importante na estabilização do corpo em
diversas situações espaciais. A manutenção do
equilíbrio nos possibilita uma postura adequada
e evita atitudes posturais que podem acarretar
dores musculares e mau funcionamento de órgãos internos do nosso corpo.
O gráfico 3 apresenta os resultados do teste
abdominal, realizado em um minuto.
c) Força/resistência abdominal
Gráfico 3 - Freqüência de escolares nas ZSApF
Freqüência (%)
Força/resistência abdominal
80
75
70
65
60
55
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
72
66
20
18
14
Masculino
10
Feminino
Abaixo da ZSApF
ZSApF
Acima da ZSApF
Zonas de Aptidão Física
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
141
Podemos observar um despreparo desses alunos
para a realização deste teste de força e resistência
abdominal. Os resultados estão, em sua maioria,
abaixo da zona saudável em relação a essa aptidão.
resultados similares. Embora crianças e jovens
surdos apresentem números mais preocupantes.
Tanto os alunos do sexo masculino quanto do
sexo feminino apresentam índices abaixo da zona
saudável de aptidão física. Os dados causam preocupação no âmbito da saúde desses escolares.
A resistência cardiorrespiratória é a aptidão
física que possibilita um bom funcionamento
energético. Essa valência quando dentro da zona
saudável pode prevenir doenças como hipertensão arterial, obesidade, diabetes, entre outras.
d) Resistência geral
Todavia, esses resultados não parecem ser
exclusivos da amostra desse estudo. Pesquisa
realizada por GAYA et. al. (2002), apresenta
O teste utilizado para esse estudo foi o 9 minutos, indicado pelo PROESP-BR.
Gráfico 4 - Freqüência de escolares nas ZSApF
Freqüência (%)
Resistência Geral
80
75
70
65
60
55
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
69
73
26
22
Masculino
9
Abaixo da ZSApF
ZSApF
Feminino
Acima da ZSApF
Zonas de Aptidão Física
Conforme os dados registrados no gráfico
4, pode-se observar que a maioria da amostra parece estar fora da zona indicada como
saudável. Os meninos com 69% e as meninas
com 73% abaixo da zona saudável da aptidão física.
Apenas 22% dos meninos e 26% das meninas
se encontram com índices considerados saudáveis. Somente 9% dos meninos está com um excelente índice da aptidão cardiorrespiratória.
142
Os dados referentes a essa aptidão são alarmantes. Deve-se propor ações efetivas para mudar esse
panorama ou teremos em breve, adultos sedentários e com propensão à doenças oportunistas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão que será feita é referente aos
dados acima citados de acordo com os sujei-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
tos dessa pesquisa. Refere-se apenas aos sujeitos surdos da região metropolitana de Porto Alegre, RS.
Os 288 alunos surdos das diversas escolas
especiais da região metropolitana de Porto Alegre que realizaram os testes motores, bem como
os demais alunos que integram essas escolas e
os de outras escolas do Brasil, merecem espaços
esportivos, recreativos e de dança onde sejam
valorizadas suas potencialidades.
Crianças e jovens surdos não são diferentes
em suas necessidades em relação às demais crianças e jovens na nossa sociedade. Possuem relevantes diferenças no aspecto da comunicação,
porém fisicamente necessitam de um bom condicionamento físico para desempenhar suas tarefas diárias de uma forma saudável.
As crianças e jovens vão desenvolver o “gosto” pelo brincar, jogar, desempenhar atividades
vigorosas, nas aulas de educação física. Nesse
espaço é onde inicia o desenvolvimento da cultura esportiva para ter uma vida ativa.
Hábitos adquiridos na infância e na adolescência são referência para uma vida adulta voltada à prática dos mais diversos exercícios e,
conseqüentemente, uma vida mais saudável.
Além possibilitar uma velhice digna e com mais
qualidade. Pode-se constatar nesse estudo que
essa é a realidade de poucas crianças e jovens
surdos das escolas avaliadas.
Referente aos dados da massa corporal da
amostra, uma boa parte dos escores estão dentro do perfil saudável. Poucos alunos dessas escolas são desnutridos ou obesos. Porém quando se refere ao desempenho voltado à saúde
desses alunos, os números variaram consideravelmente.
A flexibilidade da amostra foi bem heterogênea, embora, a maioria tenha uma boa ou
ótima flexibilidade. Todavia, um número grande está abaixo da zona saudável de aptidão
física.
Ao se tratar das aptidões força/resistência muscular localizada e resistência cardiorrespiratória,
os dados nos remetem a uma preocupação sobre a
saúde física desse grupo. Foram observados baixos
índices de crianças e jovens com um bom condicionamento, em ambos os sexos.
Vistos por outra perspectiva, sabe-se que esses dados não são exclusivos dos alunos surdos.
Outros estudos realizados no Brasil, em escolas
regulares, também apontam níveis de desempenho bem variados.
Existem muitas variáveis que podem estar
influenciando esses dados. Por exemplo, o tempo de aula de educação física semanalmente,
o número de alunos em cada aula, escassos
recursos materiais, falta de alternativa de espaços para prática da atividade física. Esses
itens influenciam diretamente nas aulas de
educação física.
Os professores devem ser motivados através
de cursos anuais de aperfeiçoamento, tendo
como tema atividade física voltada à saúde.
Deve-se desenvolver mais pesquisas nessa
área com a finalidade de reunir dados suficientes que permitam subsidiar propostas de políticas na área da educação física, esporte e lazer
de crianças, jovens e adultos surdos.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
143
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
GAYA, Adroaldo Cézar Araújo. PROESP –
BR. Projeto Esporte Brasil: indicadores de
saúde e Fatores de prestação esportiva em
crianças e jovens. Manual de Aplicação de
Medidas e Testes Somatomotores. Revista
Perfil, Porto Alegre, n. 6, p. 9-25, 2002.
HAMILL, P.; DRIZD, C.; JOHNSTON, R.;
REED, R.; ROCHE, A.; MOORE, W.
Physical growth: national center for health
statistics percentiles. The American Journal
of Clinical Nutrition, v.32, p.607-629, 1979.
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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA
E ESTATÍSTICA (IBGE). Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/
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Acesso em 24 abr. 2005.
KON, R.; CARVALHO, Y. M. Disponível em:
<http://ids-saude.uol.com.br/psf/medicina/
tema1/texto6_definicao.asp> Acesso em 24
abr. 2005.
NAHAS, Markus Vinicius. Atividade física, saúde e qualidade de vida: conceitos e
sugestões para um estilo de vida ativo. Londrina: Midiograf, 2001.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Ciências Agrárias
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145
146
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Desempenho da pastagem de capim tanzânia
submetida a diferentes níveis de adubação
nitrogenada e pastejo contínuo com novilhas
DANIEL MARTINS BRAMBILLA1
CAIO MARQUES PIMENTA1
JAMIR LUÍS SILVA DA SILVA 2
ROBERLAINE RIBEIRO JORGE3
MOISÉS AGUIAR GUEDES4
ALEX DE OLIVEIRA CHAGAS 5
RESUMO
O trabalho foi conduzido num argissolo vermelho-amarelo distrófico no Litoral do RS, visando avaliar o
efeito de adubação nitrogenada sobre o desempenho de Panicum maximum Jacq. Cultivar Tanzânia e de
novilhas de sobreano em pastejo contínuo com cargas animal ajustadas para manter 12 a 15% de oferta de
forragem. As doses de nitrogênio foram 50, 100, 150 e 200 kg/ha e o pasto foi avaliado durante 103 dias. As
novilhas eram pesadas a cada 28 dias após avaliação da massa de forragem (MF). Foram avaliadas as
relações folha/caule e verde/seco da MF. A MF oscilou ficou com médias entre 6151 e 7764 kg/ha de matéria
seca total. O melhor ganho animal foi 0,939 kg/dia, obtido no tratamento de 200 kg/ha de N e o menor foi
0,622 no de 150 kg/ha (P<0,05). A carga animal variou de 715,92 a 2.886,34 kg/ha de peso vivo (PV),
conforme a equação: Y= 524,11 + 569,22x. O ganho animal por área foi 430, 523, 700 e 1.006 kg/ha PV,
nas respectivas doses de N, confirmando o excelente desempenho destas espécies forrageiras.
Acadêmico do Curso de Engenharia Agrícola/ULBRA –
Bolsista PROICT/ULBRA
1
Professor - Orientador do Curso de Engenharia Agrícola/
ULBRA [email protected]
2
3
Professor do Curso de Engenharia Agrícola/ULBRA.
4
Técnico Agrícola especialidade em pecuária/EETA-Viamão.
5
Engenheiro Agrícola/ULBRA.
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147
Palavras-chaves: adubação nitrogenada, Panicum maximum, pastejo contínuo e produção animal.
ABSTRACT
This work was conducted on argissol in the Coast RS’s North, to evaluate the effect of levels of nitrogen
on animal production and performance of the pasture of Tanzania grass (Panicum maximum Jacq.)
grazed by heifers. The levels of nitrogen were 50, 100, 150 and 200 kg/ha. This experiment was conducted
with grazing continuous and Put and Take method during 103 days, with herbage allowance between 12
and 15% of the live weight. The heifers were weighed each 28 days after forage mass evaluation (FM).
Then were collected six clump samples of the paddocks to relation leaf/stem. The FM changed between
6151 and 7764 kg/ha of DM. The best animal performance was obtained in the treatment of 200 kg/ha of
N, with a gain of 0,939 live weight dairy and the minor was obtained in the treatment of 150 kg/ha, with
a gain of 0,622 live weight dairy (P<.05). Animal carry capacity had a variation of 715,92 into 2.886,34
kg/ha of live weight, like the regression: Y= 524,11 + 569,22x. The gain per area of each treatment was
respectively of 429,83, 522,66, 700,46 and 1.005,76 kg/ha of live weight. This results showed the excellent
performance of this forages species.
Key words: animal production, Nitrogen fertilization, Panicum maximum, continuous grazing.
INTRODUÇÃO
A região Litorânea é fortemente caracterizada pela integração entre a cultura de arroz
(Oryza sativa) e a pecuária de corte, devido à
maioria dos campos serem formados sobre
planossolos de várzea. As áreas de pecuária, em
sua maioria, são de pastagens nativas, que nas
condições de manejo de solo utilizada tem grande dificuldade na sua regeneração, principalmente quando as rotações com a cultura são de
longa duração, ou seja, plantio de arroz em vários anos consecutivos. Estas áreas possuem um
modelo de pecuária ineficiente, onde a produção animal está em torno de 50 a 90 kg/ha/ano
de peso vivo, e em função da maior preocupação dos produtores com a cultura de arroz, devido esta atividade apresentar hoje maior retorno econômico para a propriedade, ficando as
áreas de pastagem em segundo plano, e não ha-
148
vendo com estas a atenção necessária (SAIBRO
& SILVA, 1999).
No entanto, há a necessidade de haver uma
maior intensificação da pecuária, visto que esta
pode dar resultados positivos no sistema de produção dentro da propriedade, e assim termos um
sistema muito mais eficiente tecnicamente e
economicamente que o sistema que há atualmente na maioria das propriedades.
Neste contexto, as pastagens de Panicum
maximum apresentam-se como promissoras, tendo
em vista sua alta capacidade de produção de forragem e bom valor nutritivo (CORSI, 1995;
EUCLIDES, 1995; HERLING et al., 2000 e 2001).
Para o caso da região do Litoral Norte do RS, as
cultivares Tanzânia e Mombaça são indicadas, tendo em vista que esta se caracteriza por um clima
subtropical ameno, com geadas praticamente
inexistentes, a temperatura média é de aproxima-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
damente 17,5°C, e a precipitação é de 1450 mm/
ano. Os solos são originários de sedimentos recentes, do lado marítimo são arenosos, quartzosos, profundos e de fertilidade natural muito baixa. No
lado continental, os solos são argilosos, siltosos com
horizonte B textural um pouco desenvolvido, com
argilas de atividade alta (hidromórficos) (STRECK
et al., 2002). No entanto, são poucos os estudos
relativos a esses cultivares, principalmente em sistemas de forrageamento com avaliação da produção animal.
Para uma busca de melhores resultados neste tipo de sistema, a solução deveria passar pelo
aumento da quantidade e qualidade da forragem oferecida aos animais durante o crítico período outono-inverno de carência alimentar, mas
várias dificuldades mais básicas se colocam antes que elevados rendimentos de forragem possam ser obtidos nas várzeas arrozeiras, entre eles,
fatores limitantes ligados às condições químicas
e físicas dos solos e ao desempenho produtivo
das espécies e cultivares das forrageiras utilizadas (SAIBRO & SILVA, 1999).
Com estas pastagens se consegue maiores
produtividades por área devido à taxa de crescimento ser elevada, desde que estas estejam
bem manejadas e com o solo corrigido. Estas
altas taxas de crescimento geram alta capacidade de suporte destas pastagens, podendo-se
assim alojar um grande número de animais em
uma mesma área, facilitando no manejo dos
animais dentro da propriedade nesta época,
que como já foi comentado, há uma grande
ocupação das áreas de pastagem por parte da
cultura do arroz.
Para MONTEIRO (1995), o suprimento de
nitrogênio passa a ser o fator de maior impacto
na produtividade das plantas forrageiras bem
estabelecidas e dos animais que as utilizam,
quando as condições edafoclimáticas são consideradas não limitantes.
A recomendação de nitrogênio, para pastagens de Panicum maximum Jacq., varia de 50 a
300 kg/ha/ano. A dose mais baixa tem sido considerada mínima para evitar a degradação da
pastagem, enquanto as mais elevadas são aconselhadas para incrementos na produtividade da
pastagem e do animal, evidenciando que a medida que se eleva a dose de fertilizante
nitrogenado, haverá a necessidade de
parcelamento dessa adubação (MONTEIRO,
1995), aplicada após cortes ou pastejo (CORSI
& NUSSIO, 1992).
É importante destacar, também, que estas
pastagens de verão poderão servir para que os
produtores consigam fazer a terminação de animais jovens, se os mesmos não forem terminados nas pastagens de inverno. Além disso, pode
ser uma alternativa para produtores que tem
em suas propriedades além de áreas de pecuária, áreas de agricultura. Nesta região as áreas
agrícolas são cultivadas no período de verão,
ficando assim as áreas destinadas à pecuária
reduzidas devido a estes cultivos. Esta pastagem em estudo tem a oportunidade de acomodar um número grande de animais em boas
condições justamente neste período, onde os
animais precisam ser retirados das áreas agrícolas, e como já foi comentado, se bem manejada traz grandes ganhos neste período, como
será mostrado neste trabalho.
Este trabalho foi conduzido para avaliar o
efeito de doses de nitrogênio sobre o desempenho dos animais e da pastagem de Capim
Tanzânia já estabelecida na região litorânea do
estado do Rio Grande do Sul.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
149
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi conduzido na Fazenda do
Capivary, localizada nas Margens da Estrada da
Barrocada, que tem acesso pela parada 146A
da estrada RS 040, que liga Porto Alegre ao Litoral Norte do RS. A área do experimento esta
localizada na latitude Sul 30º 07’ 35’’ e longitude -50º 33’ 21’’ (GPS marca Garmin, modelo
Etrex). Na propriedade onde foi conduzido este
trabalho, em Capivari do Sul, o solo é um
argissolo vermelho-amarelo distrófico, constituído de uma fração importante de areia, além de
ter um lençol freático perto da superfície do solo.
São solos com baixos teores de nutrientes (P <
3 ppm, K entre 20 e 40 ppm), baixa matéria orgânica (entre 0,9 e 1,5 %) e teores de argila
entre 9 e 12 %.
A pastagem era constituída de Panicum
maximum cv Tanzânia, estabelecida em dezembro de 2002 por meio de preparo convencional
do solo e adubação conforme recomendação da
análise e utilizada por pastejo contínuo durante
103 dias, dividido em dois subperíodos (14 de
janeiro a 16 de março e de 23 de abril a 03 de
junho de 2004). Houve correção do solo com
2,7 t/ha de calcário dolomítico com PRNT acima de 90%. A adubação de base foi de 26.9 kg/
ha de Nitrogênio, 107.6 de fósforo e 107.6 de
potássio. Em 2004 a adubação de fósforo e potássio foi de 100 kg/ha destes elementos, sendo
o fósforo colocado na forma superfosfato simples
e o potássio combinado com o nitrogênio na fórmula 20-00-20 de NPK, com a devida correção
da quantidade.
A área total do experimento continha 2,25
ha, subdividida por meio de cerca eletrificada
em 4 potreiros. Os tratamentos utilizados foram
50, 100, 150 e 200 kg/ha de Nitrogênio, distri-
150
buídos aleatoriamente em potreiros com áreas
de 1.0321, 0.5756, 0.3581 e 0.2847 ha respectivamente, com uma repetição de campo. O tamanho das áreas diferenciados é função das taxas de crescimento do pasto, que foram estimadas em 25, 50, 75 e 100 kg/ha de matéria seca
nos respectivos tratamentos e de um nível de
oferta de forragem entre 12 e 15% do peso vivo,
o que permitirá trabalhar com uma lotação de
no mínimo três animais testes por potreiro.
A ordem e a disposição de cada tratamento
nas unidades experimentais foi definida por meio
de sorteio ao acaso, sendo estas medidas com
um GPS e utilizado o programa GPS Track Maker
PRO para elaboração da área total e posteriormente a divisão dos tratamentos, admitindo-se
com isto a possibilidade de um pequeno erro
nestes cálculos.
A adubação das áreas foi feita manualmente,
onde os potreiros com nível de 50 e 100 kg/ha de
N levaram a aplicação do adubo de uma só vez,
no dia 04/dez/03, enquanto que os potreiros de
150 kg/ha e 200 kg/ha de nitrogênio tiveram as
suas aplicações divididas em duas etapas, a primeira aplicação no mesmo dia com 100 kg/ha e a
segunda no dia 18/fev/04 com o restante.
A massa de forragem que é utilizada para
definir a carga animal suportada pela pastagem
(MF) foi determinada, a cada 28 dias, por meio
do método da dupla amostragem. Este método
consiste na avaliação visual da massa de forragem em diferentes pontos dos potreiros e corte
de 20% das amostras para determinação de uma
equação de regressão (Y= 1,1589x – 323,5 com
R2 de 0,7646, onde Y é a MF determinada pela
equação e x é a MF estimada visualmente). O
corte das amostras do pasto foi realizado mediante uma tesoura de tosquia a 10 cm do solo,
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
em um quadro com 0,25 m2 de lado, sendo que
os locais foram escolhidos aleatoriamente, mas
de forma representativa. Após os cortes a campo, as amostras foram levadas a laboratório, colocadas em estufa de ar forçado a 60 ºC e pesadas após atingirem pesos constantes.
As amostragens para relação folha-caule, na
base da massa seca, foram feitas em seis
touceiras diferentes, cortando-se, com auxílio
de uma tesoura de tosquia, punhados de plantas 10cm acima do nível do solo em diferentes
estágios das plantas. Estas amostras eram
conduzidas a laboratório onde era realizada
separação entre material morto e material verde. Após, as amostras verdes eram separadas
em lâminas foliares e caules mais bainhas, onde
a relação F/C, de fato representa a relação lâmina foliar e caule mais bainha foliar. Após a
separação morfológica, o material era seco em
estufa de ar forçado a 60 ºC.
Os animais utilizados foram novilhas puras
de origem da raça Red Angus de quatorze a
dezoito meses de idade. Estas novilhas foram
selecionadas do rebanho da propriedade, buscando-se uma homogeneidade no lote quanto
a condição corporal, peso, pelagem e histórico.
O método de pastejo utilizado foi o continuo, com carga animal variável, conforme a técnica “put and take” (MOTT e LUCAS, 1952).
Foram utilizados três animais testes ou permanentes por pastagem, e um número variável de
animais reguladores, que são colocados ou retirados da pastagem, com a finalidade de manter-se ajustado o nível de oferta de forragem
de 12% do peso vivo (PV), conforme taxa de
acúmulo da pastagem estimada. Na entrada dos
animais nos potreiros, foi utilizado um ajuste
de oferta de forragem de 15% do PV, devido à
existência de um resíduo de forragem excessivo, buscando se com isto, uma diminuição no
resíduo da forragem.
Os animais foram avaliados mediante pesagens com intervalos de 28 dias. Quando se usa
o manejo da pastagem com regulagem da carga animal por oferta de forragem, é necessário,
que haja coincidência entre as datas das avaliações da pastagem e dos animais, para que
ocorram os ajustes de carga projetados. O manejo sanitário dos animais segue o mesmo protocolo utilizado na propriedade, assim como o
uso de sal mineral.
Na análise estatística foi utilizado o F-teste e
o teste de Duncan a 5% de probabilidade, para
a variável GMD. Nas demais foi feita uma análise de regressão, usando as doses de nitrogênio
com fator dependente. Neste trabalho foi usada
somente uma repetição de campo, em função
do mesmo ter sido conduzido em propriedade
rural, onde as condições de manejo dependem
das atividades rotineiras.
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Os resultados deste trabalho serão apresentados em dois períodos, devido ao pastejo que
ocorreu em dois momentos. Este fato foi devido
a uma forte estiagem que atingiu a região, conforme pode ser visto na Figura 1. Observa-se que
entre o segundo decêndio de fevereiro e o segundo decêndio de abril ocorreram poucas precipitações, pouco mais de 50 mm, sendo que em
40 dias, ocorreram somente 10,5 mm de chuva,
o que é um volume bem inferior ao que normalmente ocorre.
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151
170,0
160,0
150,0
140,0
130,0
120,0
110,0
mm
100,0
90,0
80,0
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
00,0
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
Set
Out
Nov
Dez
2002 19,0 33,0 14,0 49,0 30,0 00,0 24,0 14,0 44,0 00,0 27,0 51,0 08,0 102, 19,0 145, 25,0 18,0 53,0 00,0 132, 112, 46,0 30,0 45,0 74,0 22,0 81,0 22,0 55,0 16,0 30,0 17,0 90,0 10,0 12,0
2003 25,0 10,0 43,0 107, 52,0 61,0 35,0 54,0 03,0 17,0 00,0 78,0 32,0 17,0 26,0 76,0 105, 00,0 91,0 10,0 60,0 00,0 00,0 58,0 34,0 09,0 18,0 85,0 04,0 60,0 08,0 52,0 13,0 71,0 112, 20,5
2004 00,0 42,0 00,0 55,0 36,0 02,0 03,0 05,5 00,0 18,0 22,0 38,0 159, 17,5 40,5 50,0 00,5 16,5
Precipitações por decendios - mm
Figura 1 - Soma das precipitações diárias, apresentadas por decêndio, do ano de 2003 e de janeiro a abril de
2004, da região de Palmares do Sul, RS.6 Fonte: Cooperativa de Palmares do Sul.
A massa de forragem, que representa o volume de matéria seca presente na pastagem instantaneamente, está representada na Figura 2. O
comportamento da pastagem foi semelhante nas
doses de nitrogênio, com uma pequena alteração
no tratamento com 200 kg/ha. Este tratamento
estava com um alto acúmulo de forragem no início do pastejo, o que permitiu o uso de uma carga animal instantânea maior o que afetou a massa de forragem com maior intensidade. No dia 18
de fevereiro ocorreu aplicação da segunda dose
de nitrogênio, nos tratamentos de 150 e 200 kg/
ha de N, no entanto, a partir deste momento houve estiagem e a resposta das pastagens ficou comprometida, conforme pode ser visto pela massa
de forragem instantânea. O tratamento com 200
kg/ha de N apresentou um maior acúmulo, no
período após a cobertura, no entanto, este fato
está ligado ao reajuste da carga animal. Este tratamento é mais sensível ao ajuste carga devido
ao tamanho da área, mesmo que se mantenha a
mesma oferta de forragem.
É importante observar que após a estiagem,
os tratamentos com doses de N acima de 100
kg/ha tiveram uma recuperação melhor, indicando maior acúmulo de forragem. O tratamento com pouco nitrogênio apresentou uma lenta
recuperação. Esta resposta é importante em espécies tropicais de alto crescimento, pois per-
Nota: estes dados foram tomados como referência, por serem coletados de um local próximo ao experimento, em torno
de 10 km.
6
152
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
mite melhor ajuste do sistema após períodos de
intempéries climáticas e isto é relevante aos
produtores, pois flexibiliza seu manejo com a
carga animal, tendo em vista que o pecuarista
pode aumentar a lotação até os limites
projetados desta oferta.
10.000
9.000
8.000
7.000
6.000
5.000
4.000
3.000
08/01/2004
16/02/2004
16/03/2004
22/04/2004
21/05/2004
09/06/2004
50 N
5.923,29
7.860,12
5.583,38
5.471,00
6.629,90
7.499,08
100 N
6.692,30
8.382,74
7.104,00
9.295,37
7.209,35
7.904,69
150 N
6.531,57
7.721,94
3.659,25
9.527,15
7.788,80
8.078,53
200 N
8.591,75
4.122,46
5.987,24
8.136,47
4.312,10
5.760,73
Datas das amostragens
Figura 2 - Massa de forragem (kg/ha) de capim Tanzânia submetida a doses de nitrogênio e pastejo continuo,
com 12 a 15% de oferta de forragem. Fazenda do Capivary, Capivari do Sul, RS. 2004.
Outros aspectos importantes na avaliação
desta massa de forragem são a composição da
matéria seca total e a estrutura morfológica das
plantas. A composição foi avaliada com a relação material verde / material morto. A estrutura morfológica foi avaliada pela relação entre
Lâmina foliar, aqui chamada folha (F) e bainha
foliar mais caule, aqui chamada caule (C), ou
seja, tratada como relação F/C, assim como a
densidade de pastagem estratificada.
am maior crescimento, tendo em vista que
apresentam maior volume de material verde,
ou seja, material mais novo. Não ocorreram
diferenças relevantes entre as doses de N, com
exceção do tratamento com 200 kg/ha que
apresentou uma maior relação. Este fato está
ligado, provavelmente, as condições da pastagem definidas por manchas de solo mais arenosas ou outros aspectos não dependentes dos
fatores avaliados neste trabalho.
Os resultados da composição da matéria seca
podem ser visualizados na Figura 3. Deve ser
chamada a atenção, que estas pastagens estavam com crescimento acumulado desde a primavera, e que a adubação nitrogenada ocorreu no início de dezembro. Verifica-se que os
tratamentos com maiores doses de N evidenci-
A partir da entrada dos animais houve maior
uniformização da relação material verde e material morto, fato este explicado pelo ato do
pastejo, onde os animais retiram o substrato superior da pastagem, permitindo maior entrada
de luz na base das plantas e com isto, estimulam
o afilhamento, maior velocidade de surgimento
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
153
de folhas novas e diminuição da senescência por
sombreamento. Outro ponto relevante é o estímulo que o nitrogênio apresenta sobre o aumento
da duração de vida das folhas. Este aspecto não
foi avaliado, diretamente, neste trabalho, no
entanto, a maior quantidade de material verde
é devido a folhas, o que pode ser explicado por
esta questão fisiológica.
No potreiro com o tratamento de 150 kg/ha
de N, ocorreu a predominância de plantas estruturalmente maiores em altura e que culminavam
com uma massa de forragem residual superior na
fase intermediária e final das avaliações com animais, no entanto, não apresentava uma boa condição de forragem, avaliada pela massa de folhas
e pela composição da matéria seca, pois apresentava alta composição de material morto. Estas são
situações particulares de pastagens, reguladas por
outros fatores que afetam o desenvolvimento.
50N
100N
150N
200N
9,54
10,00
Relação M. Verde / M. Morto
9,00
8,00
7,00
6,00
5,00
4,11
4,00
3,00
2,00
1,75
2,57
2,22
3,13
2,20
1,31
2,50
1,69
2,13 2,23
1,00
0,00
08-jan-04
10-mar-04
14-mai-04
Data de avaliações
Figura 3 - Relação material verde / material morto em diferentes datas de amostragem, de capim Tanzânia
submetidas a doses de nitrogênio, e sobre pastejo contínuo com 12 a 15% de oferta de forragem.
Fazenda do Capivary, Capivari do Sul, RS. 2004.
Na Figura 4, estão apresentados os dados da
relação F/C da pastagem. Nota-se a grande capacidade de rebrote desta forrageira, após as
precipitações de abril. Os tratamentos de 150 e
200 kg N/ha, tiveram as melhores relação F/C
após o período de estiagem, verificadas na data
de 14 de maio. Estes dados reforçam a idéia da
maior capacidade que estas pastagens apresentam de crescimento quando não ocorre limita-
154
ção de água e de nutrientes. Este fato deve ser
destacado, tendo em vista que permite maior
flexibilização de manejo ao produtor.
Após a entrada dos animais verifica-se que
ocorreu uma redução na relação F/C. Esta resposta é esperada, uma vez que os ruminantes
selecionam dietas de boa qualidade, o que se
traduz por apreensão de uma proporção maior
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
de folhas na ingesta. No manejo de pastagens
este aspecto é altamente relevante tendo em
vista que as folhas são mais qualitativas, por isto
melhor consumidas, entretanto estas mesmas
folhas são fundamentais para o crescimento da
planta, pois são responsáveis pela fotossíntese.
Além de que as folhas mais novas são mais eficientes na absorção de luz e CO2, também apresentam maior valor nutritivo, sendo mais
apetecidas pelos animais. No manejo deve haver contemplação a este dois aspectos, e isto é
considerado quando se faz ajustes de carga animal em função de oferta de forragem.
Para finalizar, é importante mencionar que ocorrem interações na interface planta – animal, que
não é possível interpretá-las analisando somente
as variáveis respostas da planta ou somente do componente animal. A análise exige uma visão
sistêmica do ecossistema pastoril, a qual se procurará abordar nas demais variáveis em conjunto.
O pastejo foi conduzido em dois momentos
distintos devido à estiagem ocorrida entre o final
de verão e início do outono. A saída dos animais
foi função de que estas pastagens não tinham
suporte para três animais testes, o que poderia
gerar problemas de alta variabilidade nas médias
dos tratamentos. O desempenho dos animais, a
carga animal e a produtividade das pastagens em
termos de ganho por área, nos dois períodos de
pastejo são apresentados nas Figuras 5 e 6. Observa-se que o desempenho das novilhas oscilou
entre 620 e 950 g/dia, evidenciando o bom desempenho produtivo deste Cultivar forrageiro,
inclusive com valores superiores aos encontrados
em algumas referências sobre a mesma. Neste trabalho o desempenho dos animais é fator privilegiado, uma vez que no manejo do ajuste da carga
animal, sempre se buscou ofertar uma quantidade de forragem aos animais que não limitassem
seu consumo individual.
50N
100N
150N
3,50
2,88
3,00
Relação F/C
2,50
200N
3,24
2,59
2,49 2,53
2,21
2,00
1,74
1,48
1,50
0,81 0,74
1,00
0,40 0,34
0,50
0,00
08-jan-04
10-mar-04
14-mai-04
Datas de avaliação
Figura 4 - Relação lamina foliar (folha) / bainha + caule (caule) em diferentes datas de amostragem, de capim
Tanzânia submetidas a doses de nitrogênio, e sobre pastejo contínuo com 12 a 15% de oferta de
forragem. Fazenda do Capivary, Capivari do Sul, RS. 2004.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
155
A análise estatística não revelou diferença
significativa entre as doses de nitrogênio. Entretanto, no primeiro período de pastejo o teste
de Duncan para médias evidenciou que o GMD
da dose de 50 kg/ha de N foi superior a dose
100, não apresentando diferença em relação aos
demais a 5% de probabilidade.
Na figura 5 se verifica um GMD em torno de
900 g/animal/dia. A possível razão para este maior
ganho é devido a uma interação do manejo dos
animais, o tamanho das pastagens e as cargas
animais, tendo pouca influência das doses de
nitrogênio. Neste momento o aspecto mais importante é o tamanho dos potreiros, pois na dose
de 50 era o maior potreiro, então, existe uma
maior quantidade de plantas por área, mesmo
que tenham menor crescimento, então, a possibilidade dos animais selecionarem folhas é mai-
Quanto as cargas animais, verifica-se que
ocorrem diferenças expressivas entre as doses,
expressas por equações de regressões indicadas
nas Figuras 5 e 6. As cargas animais na dose de
200 kg/ha de N chegaram a mais de 2800 kg/ha.
Chama-se a atenção para a diferença nas cargas animais utilizadas no segundo período de
pastejo, evidenciando que os tratamentos com
menores doses de nitrogênio, apresentaram menor intensidade de crescimento das pastagens,
ou seja, os tratamentos com maiores doses de N
apresentaram uma intensidade de recuperação
muito maior após o período de pastejo.
CA
y = 0,0612x 2 - 0,341x + 1,1888
R2 = 0,7038
GA
GMD
0,900
3.000
CA e GA - kg/ha
1,000
0,800
2.500
0,700
0,600
2.000
0,500
1.500
y = 482,85x + 920,25
R2 = 0,9951
1.000
0,400
y = 102,96x + 213,44
R2 = 0,9685
500
0,300
GMD - kg/an/dia
3.500
or. A adubação nitrogenada em pastagens tem
evidenciado respostas mais eficientes na carga
animal e conseqüentemente na produtividade
animal por área do que resposta ao desempeno
individual dos animais.
0,200
0,100
-
0,000
50 N
100 N
150 N
200 N
Doses de nitrogênio - kg/ha
Figura 5 - Relação entre doses de nitrogênio com o ganho médio diário (GMD), a carga animal (CA) e o Ganho por
área (GA), em pastagem de capim Tanzânia submetida a pastejo continuo com oferta de 12 a 15% de oferta
de forragem, no período de 14 de janeiro e 16 de março. Fazenda do Capivary, Capivari do Sul, RS. 2004.
156
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
3.000
CA e GA - kg/ha
2.500
dutividade foi de 430 kg/ha, evidenciando uma
resposta altamente significativa destas pastagens.
Em pequenas áreas os produtores podem trabalhar com altas cargas animais ou altas lotações
(Tabela 1) desde que o solo seja adequadamente manejado.
CA
GA
GMD
y = 0,122x 2 - 0,5902x + 1,3354
R2 = 0,9446
0,900
0,800
0,700
2.000
1.500
1,000
0,600
y = 699,82x - 74,925
R2 = 0,9888
0,500
0,400
1.000
y = 87,603x - 25,169
R2 = 0,8893
500
0,300
GMD - kg/an/dia
Estas respostas das pastagens se refletem diretamente na produtividade animal por área,
onde se verifica que os ganhos chegaram a mais
de uma tonelada de peso vivo por hectare em
93 dias de pastejo na dose de nitrogênio de 200
kg/ha, enquanto que na dose de 50 kg/ha a pro-
0,200
0,100
-
0,000
50 N
100 N
150 N
200 N
Doses de nitrogênio - kg/ha
Figura 6 - Relação entre doses de nitrogênio com o ganho médio diário (GMD), a carga animal (CA) e o Ganho
por área (GA), em pastagem de capim Tanzânia submetida a pastejo continuo com 12 a 15% de oferta
de forragem, no período de 23 de abril a 3 de junho. Fazenda do Capivary, Capivari do Sul, RS. 2004.
Doses
Lotação animal
Ganho Animal
an/ha /dia
Total
kg/ha
14/jan – 16/mar
23/abr – 03/jun
kg/ha
50 N
5,9
2,60
429,83
100 N
9,2
4,66
522,66
150 N
10,5
7,49
700,46
200 N
13,3
9,42
1.005,76
Tabela 1 - Lotação animal por período de pastejo e produtividade animal total em pastagem de capim Tanzânia,
submetida à adubação nitrogenada e pastejo continuo com 12 a 15% de oferta de forragem. Fazenda
do Capivary, Capivari do Sul, RS. 2004.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
157
CONCLUSÕES
A cultivar Tanzânia apresenta boa resposta à
aplicação de nitrogênio, na região Litorânea do
Estado, não atingindo potencial de produção com
as doses aplicadas, conforme visto no ganho por
área, o qual ainda permanece ascendente. Quando ocorre aumento de doses de nitrogênio nos
tratamentos, possibilita o uso de maior carga animal. O ganho médio diário não tem grandes oscilações em função do nitrogênio, o que permite
afirmar que o ganho por área é aumentado em
função do aumento da carga animal.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Avaliação de enzimas extracelulares em
isolados de Trichoderma sp.
JULIANA DALMAGRO PANDOLFO1
AIDA TERESINHA SANTOS MATSUMURA2
PAULO TADEU CAMPOS LOPES3
ANA MARIA PUJOL VIEIRA DOS SANTOS4
RESUMO
O antagonista Trichoderma sp. tem sido cada vez mais utilizado na agricultura, conseqüentemente
sendo submetido a uma grande diversidade de substratos. Para que esse agente de biocontrole seja eficiente
é necessário que consiga degradar o substrato no qual está crescendo. Assim, é importante a avaliação do
potencial de degradação de substratos por diferentes isolados deste biocontrolador. O objetivo do presente
trabalho foi avaliar, em isolados obtidos de lavoura de fumo, a atividade enzimática extracelular de amilase,
lipase e protease. Foram utilizados 5 isolados de Trichoderma sp. repicados a partir de culturas axênicas
em meios de cultura específicos para cada atividade enzimática avaliada. A incubação foi em temperatura
de 22 ± 2ºC e fotoperíodo de 12 hs. O delineamento experimental foi totalmente casualizado com 4
repetições. Para as avaliações foi medido o diâmetro da colônia e dividiu-se este pelo diâmetro do halo no
2º, 3º e 9º dias após a incubação, para atividade amilolítica, proteolítica e lipolítica, respectivamente. Os
resultados mostraram que, quanto à atividade lipolítica, não houve diferença significativa, entre os isolados
testados (Tukey 5%). No caso das atividades amilolítica e proteolítica, não houve formação de halo.
Palavras-chave: amilase, protease, lipase.
1
Acadêmica do Curso de Biologia/ULBRA – Bolsista PROICT/
ULBRA
2
Professora Colaboradora do PPG – Fitotecnia/UFRGS
3
Professor do Curso de Educação Física/ULBRA
Professora – Orientadora do Curso de Educação Física/
ULBRA ([email protected])
4
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
159
ABSTRACT
The antagonist Trichoderma sp. has been used more in agriculture, consequently being submitted to a
great substratum diversity. To be an efficient biocontrol agent it is necessary to degradate the substratum in
which is growing. Thus, the evaluation of the potential of different substratum degradation is important to
characterize this antagonist. This work aimed to investigate the extracellular enzymatic activity of amylase,
lipase and protease, in specific solid substrates. Five isolates of Trichoderma sp were selected from tabacco
culture. The incubation was at 22 ± 2ºC and 12 hours of fotoperiod. The bioassay was done in
quadruplicate. Enzyme activity was expressed as the halo-diameter/colony-diameter ratio after two, three
and nine days after incubation, for amilolytic, proteolytic and lipolytic activity, respectively. The results
showed lipolytic activity, but did not vary between the isolates (Tukey 5%). In the case of the amilolytic and
proteolytic activities, the halo was not formed.
Key words: amylase, protease, lipase.
INTRODUÇÃO
As enzimas são catalisadores orgânicos que
participam das reações químicas nos processos
vitais, por isso são capazes de atuar, especificamente, em todos os processos e reações biológicas que envolvem proteínas, carboidratos,
lipídeos e ácidos nucléicos, como também em
moléculas menores, como os aminoácidos, açúcares e vitaminas. As enzimas microbianas apresentam um custo de produção relativamente
baixo, quando comparado às enzimas de origem
animal ou vegetal (LOWE, 1992; TUCKER &
WOODS, 1995).
A habilidade de um fungo em produzir
enzimas varia entre espécies, como também entre isolados de uma mesma espécie, e depende
grandemente de seu potencial genético, podendo
ser induzida pelo seu ambiente de cultivo. Portanto, a capacidade de produzir ou não determinada enzima, em condições padronizadas, serve como base para diferenciar ou agrupar os isolados de uma espécie fúngica em níveis
subespecíficos. Em adição, o uso de meios espe-
160
cíficos para detecção da atividade enzimática
permite a caracterização de populações de fungos e da variabilidade genética, de forma simples e relativamente rápida, podendo ser
complementado e comparado com outros métodos de importância de estudo taxonômico, para
maior segurança e exatidão intra e
interespecífica de fungos (COUTO et al, 2002).
O antagonista Trichoderma sp. tem sido cada
vez mais utilizado na agricultura, conseqüentemente sendo submetido a uma grande diversidade de substratos. Entre as vantagens para o
uso de Trichoderma, como possível indutor, caracteriza-se este microrganismo como um
micoparasita de fitopatógenos, produzindo
enzimas, tais como celulase e hemicelulase, capazes de degradar materiais lignolíticos e lisar
paredes de células de fungos fitopatogênicos
(MELO, 1996), e glucanases e quitinases
(LORITO et al., 1998).
Para que esse agente de biocontrole seja eficiente, é necessário que consiga degradar o
substrato no qual está crescendo. Assim, é im-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
portante a avaliação do potencial de degradação de substratos por diferentes isolados deste
biocontrolador. Portanto, o objetivo do presente
trabalho foi avaliar, em isolados obtidos da lavoura de fumo, a atividade enzimática
extracelular de amilase, lipase e protease.
MATERIAL E MÉTODOS
Obtenção dos isolados de
Trichoderma sp.
A obtenção dos isolados de Trichoderma sp.
foi realizada a partir de solos da cultura do fumo.
O material foi processado em laboratório através da seguinte metodologia: a partir da amostra de solo devidamente identificada, fora retiradas 10 g, e esta quantidade diluída em 90 ml
de água destilada estéril. Retirou-se 1 ml desta
suspensão e diluiu-se novamente em 9 ml de
água destilada estéril, contida em tubo de ensaio, obtendo-se assim uma solução 102. Desta
suspensão foi transferido 0,2 ml para placas de
Petry contendo meio de cultura Batata –
Dextrose –Agar (BDA) e espalhados com auxilio da Alça de Drigalsky. As placas foram incubadas por 4 dias a uma temperatura de 25 ±
2ºC e fotoperíodo de 12 hs. Foram selecionados
somente os isolados de Trichoderma sp. após a
identificação através da observação morfológica,
coloração da colônia, análise microscópica e
verificação por comparação com chaves
taxonômicas de fungos. Posteriormente, os isolados de Trichoderma foram repicados em placas
de Petry contendo BDA, obtendo-se então culturas axênicas dos isolados.
Análise da atividade enzimática
Para a analise da atividade enzimática
extracelular, foram utilizados 5 isolados de
Trichoderma sp. (T1, T2, T3, T4 e TJ). Estes foram repicados, a partir de culturas axênicas, em
meios de cultura específicos para as atividades
amilolítica, lipolítica e proteolítica (HANKIN &
ANAGNOSTAKIS, 1975). Para todos os
substratos, discos de micélios de 6 mm de diâmetro, retirados de colônias jovens dos isolados do
antagonista, foram individualmente transferidos
para o centro da placa de Petri, contendo o meio
específico. A incubação foi feita com temperatura de 22 ± 2ºC e fotoperíodo de 12 hs. As avaliações foram realizadas medindo-se o diâmetro do
halo formado em torno da colônia, dividindo-se
este pelo diâmetro da colônia.
As placas contendo meio específico para análise da atividade amilolítica foram mantidas em
BOD por dois dias. Para ocorrer a formação do
halo amarelo foram adicionados 10 ml de solução alcoólica de iodo em cada placa.
As placas contendo meio para analise da atividade proteolítica foram mantidas em BOD
durante 3 dias. Para a formação do halo transparente foram acrescentados 10 ml de solução
saturada de sulfato de amônia em cada placa.
As placas contendo meio de cultura para
análise da atividade lipolítica foram mantidas
em BOD por dois dias e logo após permaneceram em geladeira por 7 dias, para que ocorresse
a formação do halo de cristais.
O delineamento experimental foi totalmente casualizado, com 5 repetições. Os dados foram analisados pela ANOVA e as médias comparadas utilizando o teste de Tukey (p < 0,05).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
161
Meios de cultura utilizados para
atividade enzimática
Atividade amilolítica
Sulfato de magnésio ........................... 0,01 g
Sulfato de ferro .................................. 0,01 g
Meio amilase pH 6,0
Sulfato de zinco.................................. 0,01 g
Nutriente agar ...................................... 23 g
Amido solúvel ......................................2,0 g
Completar com água destilada para 1000 ml
- Solução alcoólica de iodo 1%
Iodo ressublimado ................................1,0 g
Álcool absoluto .................................100 ml
Atividade lipolítica
Agar ....................................................... 15 g
Completar com água destilada para 1000ml
Gelatina 4% no momento do uso.
- Solução saturada de sulfato de amônia
Sulfato de amônia ................................. 50 g
Água destilada ..................................100 ml
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Meio lipase
Peptona .................................................. 10 g
Cloreto de sódio ...................................5,0 g
Cloreto de cálcio ..................................0,1 g
Agar ....................................................... 20 g
Tween 20 ............................................ 10 ml
* adicionado no momento do uso
Completar com água destilada para 1000 ml
Atividade proteolítica
Meio mínimo pH 6,0
Nitrato de sódio ...................................6,0 g
Fosfato de potássio dibásico .................1,5 g
162
Cloreto de potássio ...............................0,5 g
Não foi encontrada atividade para as enzimas
amilolíticas e proteolíticas nos diferentes isolados
testados, pois o halo não ultrapassou o limite da
colônia, apresentando o índice 1. BARBOSA et
al. (2001) também não encontraram atividade para
a protease para diferentes espécies de Trichoderma,
mas encontraram para amilase. O mesmo trabalho
investigou isolados de Cladosporium herbarium,
ocorrendo apenas a produção da protease. Para isolados de Trichoderma, provenientes do mangue, foi
observada a produção de amilase nas primeiras 24
horas em apenas 3 amostras de 5 e em 48 hs as 5
amostras apresentaram a formação do halo característico (BATISTA et al., 2003).
As diferenças encontradas na detecção da
enzima amilase poderiam ser devido à forma de
inoculação nos meios. Nos isolados deste experimento, nas 24 hs após a inoculação não havia
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
crescimento da colônia e em 48 hs a mesma praticamente já tomava conta de toda a placa, o
que dificultou a avaliação. Já BATISTA et al.
(2003) adicionaram uma suspensão de esporos
no meio de cultura, o que pode ter favorecido o
crescimento nas primeiras 24hs, quando comparado com os discos de micélio.
Para isolados de Aspergillus, provenientes do
mangue, diferentes resultados foram obtidos
conforme o mês de coleta das amostras. Isolados
do mês de janeiro não apresentaram atividade
para enzima amilase nas primeiras 24hs. Em 48hs,
apenas 4 de 16 amostras apresentaram a formação do halo. Nos isolados de fevereiro, apenas 5
amostras de 27 apresentaram atividade nas primeiras 24hs (BATISTA et al., 2003).
Para atividade lipolítica, os 5 isolados de
Trichoderma sp. apresentaram a formação do halo
de cristais, porém, não foi encontrada diferença
significativa entre eles (TUKEY 5%). Para a formação do halo foi necessária a permanência das
placas na geladeira durante sete dias e com o aumento deste período o diâmetro do halo também
aumentou. Segundo ASSIS et al. (2001) e LIMA
et al. (2002) o período de incubação é também
considerado de importância na atividade
enzimática, proporcionando aumento significativo no diâmetro do halo formado após 10 dias de
observação. SOSA-GÓMEZ et al. (1994), avaliando isolados do fungo entomopatogênico
Beauveria, encontraram atividade lipolítica em
apenas um isolado.
proteolíticas, novos meios poderão ser testados para
verificação das atividades extracelulares, como por
exemplo, substituindo amido solúvel por farinha
de milho e gelatina por leite para testar a atividade amilolítica e proteolítica, respectivamente.
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Embora os meios avaliados não evidenciaram
atividade para as enzimas amilolíticas e
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Ciências Sociais Aplicadas
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165
166
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
As teorias da finalidade da pena e o respeito
às garantias fundamentais
VINICUS BORGES DE MORAES1
ANDRÉ LUIS CALLEGARI2
RESUMO
Esta pesquisa apresenta um estudo acerca das teorias da finalidade das penas e sua relação com os
direitos fundamentais. Foram analisadas as teorias mais relevantes e discutidas até hoje, na espectativa de
verificar se suas aplicações afrontam os direitos básicos do ser humano.
Palavras-chave: Direito Penal, Teorias da Finalidade das Penas.
ABSTRACT
This research presents a study about the theories of the punishment goals and its relation with fundamental rights. There were analysed the most relevant and discussed theorys till now, willing to verify if its
applications affront basic rights of human being.
Key words: Criminal Law, Theories of Punishment.
Acadêmico do Curso de Direito/ULBRA – Bolsista PROICT/
ULBRA
1
Professor do Curso de Direito e do PPG em Direito/ULBRA
([email protected])
2
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
167
INTRODUÇÃO
Ainda que nossa atual conformidade social
seja mais justa que o antigo estado de desorganização, a intrínseca necessidade de uma liberdade individual continua presente e regendo as
atitudes humanas, fazendo com que a idéia de
bem comum não seja argumento suficiente para
manter os homens socialmente organizados
(BECCARIA, 1983).
Assim, objetivando a minoração dos conflitos para garantir a preservação das sociedades,
as sanções penais passaram a assumir papel essencial à sobrevivência das organizações humanas, fator que tem legitimado, inclusive, o afastamento das mínimas garantias individuais daqueles que as compõem.
Numa análise conjuntural dos fatos, o que
se percebe é uma tendência de convergência
entre os castigos infligidos pelo Estado e os
anseios comunitários que, por sua vez, via de
regra, representam a vontade política das classes mais favorecidas (PESTANA, 2003).
Diante dessa problemática, o presente estudo trouxe como proposta verificar a finalidade e a função da pena dentro da sociedade brasileira e qual o objeto de sua proteção, tendo
como norte o respeito às garantias fundamentais do cidadão.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho analisou cada uma das teorias que
procuram explicar a finalidade das penas. Buscou-se demonstrar qual a verdadeira missão do
Direito Penal; proteger os bens jurídicos ou a
168
vigência das normas? Foram estudados os conflitos entre a aplicação da pena e o respeito às
garantias fundamentais do cidadão brasileiro.
Para tanto, utilizou-se uma metodologia eminentemente bibliográfica, com base em doutrinas
nacionais e internacionais, revistas jurídicas,
legislação e jurisprudência.
DISCUSSÃO DAS
TEORIAS
Teorias Absolutistas
As Teorias Absolutistas possuem suas raízes
no antigo Estado Absolutista donde,
logicamente, adveio seu nome (BITENCOURT,
1993, p.100). A estreita relação desta teoria com
o pensamento filosófico desse regime, em que os
súditos deviam ao rei obediência como a Deus,
irá caracterizar a imposição de uma pena por
uma exigência ética ou jurídica (Cf. KANT e
HEGEL). É um pensamento próprio da Idade
Medieval, que apresentará uma justificação não
social à pena, mas sim uma espécie de retribuição do mal causado pelo infrator.
Pune-se o agente criminoso unicamente pelo
fato deste ter delinqüido, não sendo importante
os reflexos sociais advindos da punição imposta.
Teorias Absolutista da
Retribuição
A imposição penal retributiva deve ser entendida como a compensação do mal causado pelo
infrator, uma vez que restam ausentes quaisquer
motivações acerca das utilidades sociais da pena-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
lidade. Por tratar-se de uma prática que dispensa
um proveito social, esta teoria aproxima-se muito
de uma verdadeira vingança pública, que nada
mais é que a exteriorização do poder do Estado.
Precioso exemplo pode ser encontrado nas
chamadas Penas de Talião, em que o fundamento
causal da retribuição era tido como o próprio
critério limitador da imposição penal, v.g., morte por morte, lesão por lesão (MESQUITA BATISTA, 2004). Nesse modelo, constata-se que
o agente ativo do crime praticado deveria arcar
com um sofrimento que correspondesse à intensidade do mal dirigido e suportado pela vítima.
O sistema de retribuição está fundamentado nos
termos “equivalência e proporcionalidade”, os
quais marcam presença constante na aplicação
da sanção penal (BOSCHI, 2003).
Teorias Absolutista da Expiação
Esta Teoria traduz a idéia de que, assim como
na religião, o delinqüente (pecador) deve sofrer uma sanção penal (penitência), a fim de
obter o perdão do Estado (divindade) “irado”
pelo delito contra ele cometido. Trata-se da reabilitação (redenção) por intermédio do arrependimento do infrator, arrependimento este que
somente seria possível com a imposição de um
merecido castigo (BITENCOURT, 1993, p. 111).
Para os teóricos deste grupo, a pena deve ser
a imposição de um mal proporcional ao delito
cometido.
Críticas às Teorias Absolutistas
Entendemos que as principais críticas
direcionadas ao modelo do Estado Absolutista
podem ser estendidas à esfera jurídico-penal
deste mesmo regime. Constata-se um exagerado despotismo monárquico, com base num direito divino marcado pela intolerância e exclusão dos indivíduos, fato que compromete a fundamental tarefa de intervenção da norma na
administração e perseguição da justiça, bem
como a garantia ao desenvolvimento social.
Nesse sentido, o tão apregoado efeito
retributivo da sanção penal aproxima-se sim de
um conceito pobre de vingança. Desprovida de
critérios científicos ou de qualquer resultado
prático, não há qualquer efeito produtivo na
sanção penal (BITENCOURT, 1993, p. 114). Por
outro lado, a sustentação de que a pena imposta funcionaria como instrumento de redenção
divina é insustentável. Enfim, na medida em que
essas teorias não conseguem identificar a
legitimação externa da sanção penal, não explicam o “porque castigar?”, mas apenas o “quando
castigar?” (FERRAJOLI, 2000, p. 256).
Teorias Utilitaristas
Essas Teorias possibilitaram uma transposição
das barreiras do pensamento Religioso e podem
ser facilmente identificadas por apresentarem
uma justificação socialmente útil às penas.
Farrioli destaca que, quatro são as justificações argüidas pelas correntes que compõem as
teorias justificacionistas (2000, p. 262): 1 - Teorias da Prevenção Geral Positiva (reafirmação do
direito violado), 2 - Teorias da Prevenção Geral
Negativa (intimidação social), 3 - Teorias da Prevenção Especial Positiva (ressocialização do criminoso) e 4 - Teorias da Prevenção Especial Negativa (inocuização do criminoso).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
169
Teoria Utilitarista da Prevenção
Geral
Com a transição do antigo regime absolutista para um Estado Capitalista, ocorre uma nova
adequação do sistema criminal, a fim de prosseguir o rápido desenvolvimento social. Nesse
momento, desvincula-se da pena a utopia
metafísica inaugurada e defendida pelas escolas absolutistas (BITENCOURT, 1993, p. 117).
Antônio Carlos Santoro Filho lembra que esse
novo Estado Liberal precisa de um sistema penal não meramente repressivo, mas sim utilitário e preventivo (2000, p. 50).
Assim, as Doutrinas Utilitaristas da Prevenção Geral passaram a utilizar a coação psicológica com a finalidade de trazer conformidade
ao grupo social. Nas palavras de Beccaria, busca-se conservar o vínculo necessário para manter unidos os interesses particulares, que, “do
contrário, se dissolveriam no antigo estado de
insociabilidade” (1983, p. 43).
Teoria Utilitarista da Prevenção
Geral Positiva
A modalidade Positiva da Teoria da Prevenção Geral concebe uma sanção penal voltada à
ratificação da vigência da norma penal. Ou seja,
a imputação da pena seria utilizada a fim de reforçar a convicção coletiva em torno da vigência da norma, afirmando a confiança institucional
no sistema jurídico (KREBS, 2002, p. 112).
Jakobs traz à lume os mesmos ensinamentos
desta doutrina, sustentando, porém, que, na
perspectiva prevencionista, três serão os assuntos a serem analisados. Salienta que, num primeiro momento, a sanção penal serviria para
170
confirmar a vigência nas normas penais, mesmo
ciente das eventuais infrações (PEÑARANDA,
et al., 2003, p. 08). O segundo aspecto elencado
pelo jurista é o fato de a pena ser orientada ao
exercício na finalidade para o Direito. Por fim,
aduz que a pena é a conseqüência jurídica aceita pelo infrator no momento da conduta delitiva.
Teoria Utilitarista da Prevenção
Geral Negativa
A prevenção geral negativa parte do princípio
da necessidade de uma resposta estatal que atue
especificamente como uma mensagem intimidatória
dirigida à coletividade, desencorajando os delinqüentes insertos na sociedade e que, por um motivo ou outro, ainda não delinqüiram. Trata-se de
uma proposta elaborada pelo doutrinador Ludwig
Feuerbach (1804-1872) no século XVIII e tinha
como objetivo a coação psicológica dos indivíduos,
fazendo com que os criminosos, sopesando os benefícios e malefícios (no caso a pena) advindos da conduta delitiva, ficassem desmotivados para atuar contra o ordenamento jurídico (SILVA JÚNIOR, 2004).
Aqui se tem na pena uma finalidade
intimidatória e direcionada à sociedade em geral. Pretende fazer com que os infratores em
potencial concluam, antes mesmo de delinqüir,
que o efêmero prazer obtido com a prática criminosa não compensará a pena a ser imposta
(FILHO, 2000, p. 50).
Crítica às Teorias da Prevenção
Geral
A primeira das críticas, talvez a mais antiga, remete à Immanuel Kant. Em suas fundamentações,
o renomado filósofo manifestava um posicionamento
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
contrário ao que dizia ser uma instrumentalização
do homem. Não admitia, assim como posteriormente faria o doutrinado alemão Claus Roxin, a utilização do sofrimento de um indivíduo, mesmo que dele
resultasse o benefício de toda uma comunidade
(BITENCOURT, 1993, p. 118).
Outro grande problema observado resumese na seguinte indagação: qual o rigor da pena
para a efetiva intimidação? Essas teorias não
apresentam um critério sólido para a determinação da intensidade da pena a ser imputada,
chegam, inclusive, a superar a medida da culpabilidade do autor do delito (BITENCOURT,
1993, p. 119).
Teorias Utilitaristas da
Prevenção Especial
Em face da sucumbência das doutrinas que
se valiam de conceitos retributivos, a partir da
terceira parte do século XIX, formam-se as correntes reformadoras positivistas. Tais doutrinas
concentraram seus estudos na intenção de remover da sociedade as causas diretas do crime
e da criminalidade (FILHO, 2000, p. 450), ou
seja, o próprio delinqüente.
Com o crescimento demográfico, a migração
do campo, o estabelecimento de uma produção
capitalista, desenvolvimento industrial, volta-se
o pensamento jurídico-penal para a necessidade de preservação e defesa desta nova sociedade. “Trata-se da passagem de um Estado guardião
a um Estado intervencionista, [...], pelas novas
margens de liberdade, igualdade e disciplina
estabelecidas” (BITENCOURT, 1993, p. 123).
Assim, podemos afirmar que as teorias da
prevenção especial direcionam seus argumen-
tos à pessoa do delinqüente no objetivo de evitar a prática do crime, ora justificando a necessidade de sua reclusão, ora objetivando a
ressocialização do indivíduo. Conceituando a
teoria em foco, Günter Jakobs define que
“Cuando se considera misión de la pena desalentar
al autor con respecto a la comisión de hechos futuros, se habla de prevención especial” (1997, p. 29).
Teoria Utilitarista da Prevenção
Especial Positiva
A Teoria da Prevenção Especial Positiva é
caracterizada pela proposta de ressocialização do
indivíduo. Persegue-se, mediante aplicação da
pena, apenas um tratamento proporcional à
periculosidade do infrator (BITENCOURT,
1993, p. 124/125), medida jurídica que
intencionaria corrigir um comportamento desvirtuado, a fim de se obter uma ressocialização.
Essa idéia de ressocialização possui suas raízes
na concepção platônica da “poena medicinalis”,
ou seja, um tratamento adequado segundo o qual
os homens poderiam ser não apenas castigados,
mas também “curados” e constrangidos a praticarem o bem (FERRAJOLI, 2000, p. 264). Jakobs
diz que a pretensão da teoria da prevenção especial positiva é realizar uma influência física, de
modo que o próprio delinqüente, por sua própria
vontade, deixe de cometer novos delitos (1997,
p. 29). Jakobs também afirma que a pena não deve
invadir a esfera individual do criminoso. Todavia, admite que o direito pode fornecer os meios
adequados para sua recuperação.
El Estado no está legitimado para
optimizar la disposición moral de los
ciudadanos, sino que se ha de conformar
con la obediencia externa del Derecho
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
171
(relegalización). Sobre todo no es meta
de la prevención especial el crear un
miembro útil de la sociedad, sino facilitar
al autor el comportarse a la ley. La
prevención especial deberá limitarse primordialmente a la <<liberación frente a
condicionantes externos e internos>>, es
decir, a liberar de las taras especiales de
la persona, lo que rara vez podrá realizarse
sin la colaboración del autor. Con la
eliminación de las taras se modifican
también las actitudes frente a normas
informales que constituyen la estructura
de una persona; pero ello sólo con medios
que también sean legítimos frente a
cualquier otro ciudadano que no haya
incurrido en conducta punible(JAKOBS,
1997, p. 33/34).
Assim, a teoria da prevenção especial positiva atribui à pena a finalidade de ressocializar,
reeducar o agente criminoso. Há uma tentativa
de se estabelecer uma proporcionalidade entre
a pena, a correção do delinqüente e o delito.
Teoria Utilitarista da Prevenção
Especial Negativa
Essa teoria consiste na admissão de que a sanção penal tem por finalidade atuar de forma
inocuizadora sobre o agente do delito. Para atingir
o objetivo que apregoa, essa escola sustenta ser necessária a extirpação do convívio social do indivíduo criminoso insensível a um processo de
ressocialização. É uma forma imediata de neutralizar a possibilidade de novos delitos por este agente.
Nessa concepção, o criminoso é visto como
uma verdadeira ameaça à ordem social, é o inimigo da sociedade. Juan Bustos Ramírez aduz
172
que, para essa teoria, a retribuição não é adequada. A premissa de que o ato criminoso foi
praticado por “un ser libre e igual por naturaleza”
é falsa, pois o delinqüente é visto como um ser
anormal e socialmente perigoso. (1986, p. 28).
Críticas às Teorias Utilitaristas
da Prevenção Especial
A primeira das críticas comumente levantadas pela doutrina é a polêmica
“instrumentalização do homem” pelo direito penal. Ramirez sustenta que “Común a la prevención
general y especial es la objeción ya analizada, esto
es, que implica una instrumentalización del hombre
para los fines del Estado, con lo cual se le cosifica y
se pierde el respeto por su dignidad, que es uno de
los pilares del Estado de derecho.” (1986, p. 28)
Na seqüência de suas fundamentações,
Ramírez aduz que seria inviável a aplicação dos
critérios concebidos pelas teorias da prevenção
especial, já que existem delinqüentes que não
carecem de tratamento para sua ressocialização,
pois já se encontram plenamente inseridos na
sociedade (ex. crimes econômicos), enquanto
outros não são passíveis de tratamento (delinqüentes incorrigíveis) (1986, p. 29).
Ademais, é contraditório sustentar que seria
possível a ressocialização do indivíduo criminoso, afastando-o do convívio social (RAMIREZ,
1986, p. 29). Por outro lado, o Estado sequer teria legitimidade para violar a liberdade individual de cada cidadão. E mesmo que tivesse tal
legitimidade, é altamente questionável uma
ressocialização no plano moral. Se levada a efeito,
tal artifício acarretaria numa absurda e perigosa manipulação da consciência individual
(BITENCOURT, 1993, p. 128/129).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Teoria Mista (Brasil)
Esta doutrina teve por intenção buscar um
equilíbrio entre as demais teorias, agregando
todos os aspectos positivos e descartando os negativos. Obviamente, o que se obteve foi uma
pluralidade de funções da pena, inexistindo
entre estas uma finalidade preponderante. É uma
proposta caracterizada por sustentar que a finalidade da pena pode ser diferente em cada um
dos momentos da aplicação da lei penal. Enquanto previsão geral e abstrata, a pena serviria
como prevenção; quando da sua aplicação, buscaria a retribuição e ratificação da vigência da
norma. Na execução, o objetivo principal seria
a ressocialização do infrator. Para Roxin, as teorias mistas ou unificadoras consideram a retribuição e as prevenções geral e especial como
fins simultaneamente perseguidos (1997, p. 93).
Pela análise dos dispositivos legais presentes em
nosso ordenamento jurídico, foi esta a teoria eleita pelo legislador brasileiro. Esse fato pode ser facilmente constatado mediante leitura de alguns
dispositivos legais. Entre eles, destacam-se os artigos 59, do Código Penal, e 1º, da Lei n.º 7.210/84:
Art. 59 (CP). O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à
personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem
como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente
para reprovação e prevenção do crime:
Art. 1º (Lei n.º 7.210/84). A execução
penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e
proporcionar condições para a harmônica
integração social do condenado e do internado. [grifos do autor]
Como podemos ver, o legislador atribuiu à pena
a finalidade de prevenção a novos delitos e
ressocialização do condenado. A finalidade
retributiva também pode ser constatada, principalmente nas penas de prestação de serviços à
comunidade, v.g., art. 46 do Código Penal. Atualmente, tem-se entendido que nenhuma das finalidades encontra-se proibida por lei. Logo, segundo as necessidades de cada caso, poderia o
magistrado eleger tanto uma quanto outra finalidade preponderante (ROXIN, 1997, p. 94), sem
que isso gere qualquer ilegalidade ou arbítrio.
Crítica à Teoria Mista (Brasil)
Apesar de a teoria em foco parecer a mais
sensata entre todas todas, numa análise mais
aprofundada, percebe-se que ela peca por agregar também todas as deficiências já abordadas.
Zaffaroni afirma que a Teoria Mista parte das
idéias das Teorias Absolutas e, à medida que
tenta encobrir suas falhas, utiliza-se das fundamentações prevencionistas das Teorias Relativas (1997, p. 121). Para Antônio Garcia-Pablos,
a maior dificuldade encontrada nas Teorias Mistas reside justamente no âmbito metodológico,
pois a mera reunião dos elementos destrói a estrutura, a lógica e a coerência de cada uma das
teorias que, em vão, tentam harmonizar-se
(GARCIA-PABLOS, 2000, p. 170).
Na prática brasileira, o que se percebe é uma
confusão no momento de eleger qual das finalidades deverá prevalecer sobre a outra, já que
possuem características muitas vezes antagônicas. Tal fato acarreta não somente a falta de
uma orientação da pena para determinado objetivo, mas em um absoluto atropelo valorativo
(JUNQUEIRA, 2004, p. 126).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
173
Teoria Abolicionista
Ante a ausência de resultados práticos dos instrumentos coercitivos/coativos utilizados pelas teorias que tinham por objetivo justificar a finalidade das sanções penais, que além de não prevenir
ou ressoscializar, acabam resultando em excessivos
custos sociais (GARCIA-PABLOS, 2001), surgem
as escolas abolicionistas da pena, caracterizada,
ainda, pela maioria dos autores penalistas, como
sendo uma sugestão utópica e inaplicável (Cf.
KREBS; BOSCHI; BITENCOURT).
Os teóricos abolicionistas sugerem o desenvolvimento de um direito penal que atue de forma profilática nos conflitos sociais, mediante
criação de mecanismos sociais adequados evitando a ocorrência dos delitos. Nesse ponto, o
papel do Estado como mantenedor de uma igualdade real entre os cidadãos assume extraordinária importância (CHRISTHIE, 1997, p. 251).
Observado este critério, seríamos capazes de
obter decisões satisfatórias e igualitárias sob a
óptica social. Situação que, hodiernamente, não
podemos visualizar, uma vez que existe uma situação de total disparidade sócio-econômica
entre os agentes do sistema penal e os apenados,
não estando aqueles, portanto, moralmente aptos para tal atividade.
Numa perspectiva abolicionista, não há valor social num direito penal que atue radicalmente somente após resultado criminoso, não
tratando de observar o verdadeiro problema,
aquele que motivou a prática do delito.
Críticas à Teoria Abolicionista
Embora estas propostas pareçam ser mais adequadas que a própria manutenção do atual sis-
174
tema penal, a aplicação instantânea desta doutrina apresenta-se inviável. Isso porque a supressão da pena ou do sistema penal não depende
meramente de decisões legislativas e governamentais, mas sim de uma verdadeira revolução
social. Portanto não possui, realmente, uma
aplicabilidade imediata.
Destaca-se uma evidente relação entre as
doutrinas abolicionista e a socialista (mais especificamente anarquista), valendo lembrar o
entendimento de Zaffaroni. Segundo ele, a fé
dos anarquistas na condição moral do homem,
“é tão grande que nem suspeitam que o controle
mútuo, na sociedade que imaginam, pode dar lugar
a uma ditadura ética mais autoritária que qualquer
estado” (1997).
Destarte, a proposta abolicionista carece de
elementos que proporcionem uma imediata aplicação na sociedade, haja vista se tratar de uma
mudança não somente do sistema penal, mas,
acima de tudo, da conformidade social. Por outro lado, igualmente inexistem provas capazes
de conferir um mínimo de certeza acerca dos
benefícios trazidos pela abolição do atual sistema penal, posto que, como dito alhures, tais
medidas não prosperaram nem mesmo nas sociedades que optaram por uma forma de governo
socialista, quanto mais anarquista.
CONCLUSÃO
Após a análise de todas as teorias, podemos
constatar que estas possuem suas fundamentações arraigadas nos conceitos morais e filosóficos dominantes da época em que surgiram. Como
decorrência, a valoração acerca da finalidade
preponderante à pena sofrerá variações, refle-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
tindo, muitas vezes, um contexto histórico-social e político de uma sociedade. A pena não
poderá ser tida, portanto, como um conceito fechado e imutável.
Ao longo dos séculos, as penas têm sido adaptadas para possibilitar aos Estados o desenvolvimento esperado pelo grupo social. À medida em
que esta mesma sociedade se desenvolve, alguns
institutos jurídicos penais (em especial as penas) tornam-se inadequados a esta nova realidade e também devem ser revistos, sob pena de
brecar a evolução dessa comunidade. É uma
relação de complementação.
Diante desse fato, ao efetivarmos a análise
da finalidade das penas, devemos fazê-la à luz
da atual realidade político-social e moral, sob
pena de impedir ou prejudicar o desenvolvimento do Estado com mecanismos ineficazes. No
Brasil, o norte a ser adotado deverá ser sempre
o incondicional respeito às garantias fundamentais da pessoa humana, possibilitando a construção de um estado democrático, justo, fraterno e solidário com seus cidadãos.
Observando essa orientação, poderemos encontrar conflitos em todas os discursos formulados pelas teorias que tratam das finalidades das
penas, excetuando-se apenas a Teoria
Abolicionista. Desde seu surgimento, em todas
as demais teorias poderemos constatar a agressão à pelo menos uma das garantias fundamentais do indivíduo frente ao Estado. Constata-se
facilmente ora a instrumentalização e
animalização do criminoso, ora o sofrimento desproporcional e injustificável de uma verdadeira
vingança pública. O que nos leva a crer que, na
atual realidade vivenciada, bem como diante
dos objetivos pretendidos pelo governo, as teorias da finalidade da pena, em especial a teoria
mista, não se mostram social ou juridicamente
adequadas.
Diante disso, ainda que inaplicável de modo
imediato, a Teoria Abolicionista da pena insurge como uma proposta de eficaz preservação das
garantias fundamentais instituídas pelo Estado
Democrático de Direito, possibilitando a evolução social pretendida pelo legislador constituinte de 1988. Os reflexos dessa nova postura frente à criminalidade já podem ser reconhecidos,
não sendo descabida a afirmação de que o direito penal se encaminha para a completa abolição das penas. Ou, como diria Garcia-Pablos,
“La historia del Derecho Penal -se ha dicho- es la
historia de su desaparición, y esta es cosa de tiempo”
(GARCIA-PABLOS, 2001).
Exemplo disso é a celebrada criação dos juizados
especiais criminais, onde se é possível resolver os
delitos de menor potencial ofensivo de uma forma
menos traumática. A descriminalização de certas
condutas que em tempos mais antigos eram punidas com severidade, hoje encontra maior compreensão do Poder Público que, muitas vezes, ampara e
ajuda essas pessoas, disponibilizando meios para sua
recuperação, v.g., dependentes químicos.
Com os sistemas atuais, parte-se do pressuposto
que todo o cidadão é um criminoso em potencial,
por isso devemos criar mecanismos de controle cada
vez mais coercitivos. Na abordagem Abolicionista,
partimos do princípio que todo o criminoso é um
trabalhador e um cidadão em potencial. Não precisamos de mais penalidades, precisamos apenas que
o Estado cumpra o seu papel social, Democrático
de Direito. Não basta que este mesmo Estado imponha de forma autoritária um discurso de respeito
aos direitos fundamentais, ele precisa igualmente
(e primeiramente) respeitar essas mesmas garantias
(em especial a inclusão social e a educação). Quan-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
175
do isso ocorrer, nossos cidadãos não vão apenas declarar que estão vivendo em uma sociedade, mas
sim que fazem parte dela, trabalharão para ela e
lutarão para preservá-la.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Geografia e educação ambiental nas
encostas do Morro da Polícia
DENISE JORGE CARVALHO1
HELOISA GAUDIE LEY LINDAU2
RESUMO
Este trabalho tem como finalidade apresentar uma proposta de ensino de Geografia através do
monitoramento e da educação ambiental nas encostas do Morro da Polícia, local que concentra os maiores percentuais de ocupações em áreas de risco geológico-geomorfológico no Município de Porto Alegre/
RS, objetivando promover o encontro entre a Geografia do lugar e uma educação ambiental ativa capaz
de ressignificar a realidade vivenciada pelos moradores, propiciando a compreensão do espaço vivido
como uma realidade modificável, buscando assim, a melhoria da qualidade de vida. Oportuniza-se a
organização e a participação da comunidade para a solução dos problemas locais a fim de resgatar o
cidadão, sujeito do processo, exercitando assim, sua plena cidadania.
Palavras-chave: geografia, educação ambiental, monitoramento ambiental, áreas de risco.
ABSTRACT
This work has, as finality, to show a proposal of geography teaching through the environmental
monitorament and education in the hillsides of the “Morro da Polícia” hill, place that concentrates the
highest percentage of geomorphologic risk area occupation in the municipal district of Porto Alegre/RS,
1
Acadêmica do Curso de Geografia – Bolsista FAPERGS
Professora – Orientadora do Curso de Geografia/ULBRA
([email protected])
2
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
177
with the objective to promote the meeting between the geography of the place and an active environmental
education able to change the reality experienced in life by the dwellers, propitiating the comprehension of
the lived area like a modifiable reality, and so looking for, a better quality of life. The organization and the
participation of the community are an opportunity to the solution of the local problems in order to ransom
the citizen, the process subject, and so exercising, his absolute citizenship.
Key words: geography, environmental education, Environment Monitoring monitorament, risk areas
INTRODUÇÃO
A questão ambiental diz respeito a todos nós,
perpassando por todas as áreas do conhecimento, por diferentes classes sociais, nações, crenças, etnias, sexo, idade, não reconhecendo limites e fronteiras. A dimensão interdisciplinar
da Geografia, na abordagem do espaço, reconhece essa complexa realidade, evidenciando a
importância do seu papel na análise de propostas metodológicas de educação ambiental e inclusão social. Sabendo-se que o desafio fundamental para a superação dos problemas
ambientais é a educação ambiental, percebese, no entanto, que as propostas de educação
ambiental apresentadas e praticadas são, muitas vezes, reducionistas e superficiais, não respeitando as especificidades dos lugares, acabando por distanciar-se dos objetivos. É nesse sentido que este trabalho tem como finalidade apresentar uma proposta de monitoramento e educação ambiental nas encostas do Morro da Polícia, como uma proposta de ensino de Geografia.
Trata-se de uma área que concentra os maiores
percentuais de ocupações em áreas de risco geológico-geomorfológico em encosta.
Esse trabalho apresenta uma nova abordagem
de educação ambiental que contempla novos
procedimentos metodológicos, a partir da experimentação junto com a comunidade envolvida. Objetiva-se promover o encontro entre a
178
Geografia do lugar e uma educação ambiental
ativa que alerta para a realidade vivenciada pelos
moradores, propiciando a compreensão do espaço vivido como uma realidade modificável, buscando assim, a melhoria da qualidade de vida.
Nessas novas propostas metodológicas em educação ambiental, oportuniza-se a organização e
a participação da comunidade para a solução
dos problemas locais a fim de resgatar o cidadão, sujeito do processo, exercitando assim, sua
plena cidadania. Essa, por sua vez, ajuda a resgatar a ética, a visão dialética e a consciência
crítica reflexiva, caminhos que apontam para a
superação da degradação ambiental.
MATERIAL E MÉTODOS
A proposta metodológica do presente trabalho considera a visão integrada dos elementos
que definem o lugar Morro da Polícia. A opção
metodológica que possibilita uma ação
transformadora da realidade vivenciada pelos
moradores das encostas do Morro da Polícia é a
pesquisa-ação. Para THIOLLENT (2000), a pesquisa-ação é um processo da pesquisa, pelo qual
seus atores e atrizes investigam conjunta e sistematicamente uma situação com o objetivo de
resolver um determinado problema, ou para a
tomada de consciência, ou ainda, para a produção de conhecimentos, sob um conjunto de éti-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
ca aceito mutuamente. Para se propor mudanças, transformações e melhoria da realidade social dos habitantes, considera-se os quatro elementos básicos da pesquisa-ação apresentados
por HART (1996): tarefa conjunta; baseia-se na
práxis; implica desenvolvimento profissional e
criar condições para estruturar o projeto.
A primeira etapa do trabalho objetivou diagnosticar os problemas enfrentados pelos moradores das encostas do Morro da Polícia. Para isso,
foram coletados, inicialmente, dados bibliográficos e censitários da área de estudo, que revelaram o agravamento dos processos erosivos decorrentes da falta de medidas infra-estruturais. O
número de domicílios sem abastecimento de água,
esgotos e coleta de lixo foi quantificado e identificado a partir da orientação solar de cada encosta do Morro da Polícia, a fim de melhor avaliar os processos morfogenéticos e conseqüentes
riscos enfrentados pela população que ali habita.
O quadro abaixo apresenta os resultados.
Falta de infra-estrutura
Abastecimento de água – rede
Esgoto sanitário – rede
Destino de lixo Total de
geral
geral
coletado
domicílios
Norte
2011
2965
1924
4118
Sul
164
1012
61
2302
Leste
234
977
54
1236
Oeste
69
1185
90
2618
Dados levantados no IBGE e organizados pelo Bolsista Dane de Freitas Martins, sob orientação da Profa. Heloisa Lindau.
Encosta
A partir do levantamento da falta de medidas infra-estruturais, bem como, das observações
de campo constatou-se: o comprometimento da
qualidade de vida e do bem estar da população
local; poluição dos cursos d’água e dos solos por
contaminação de coliformes fecais, expondo em
risco a saúde da comunidade; assoreamento dos
canais
de
drenagem;
instabilidade
morfodinâmica com riscos de escorregamentos
nas altas encostas; entupimento das redes pluviais nos níveis mais baixos do Morro da Polícia,
causando inundações nas áreas do entorno do
morro, em dias de chuvas; proliferação de pragas como roedores e insetos que encontram abrigo e alimento em depósitos de resíduos (lixo),
colocando em perigo a estabilidade das encostas, a integridade física da população, expondo-os ao risco de doenças; a falta de infra-estrutura na encosta sul é agravada pela menor
insolação, que confere maior instabilidade.
De posse desses dados, foram feitos contatos com escolas e centros comunitários do Morro da Polícia a fim de organizar um grupo de
voluntários (alunos, familiares dos alunos e comunidade) para colocar em ação o projeto. Selecionaram-se duas escolas, a primeira denominada Escola Municipal de Ensino Fundamental Marcírio Goulart Loureiro, localizada na encosta Norte do morro e a segunda Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Prof.
Oscar Pereira, localizada na encosta Sul do
Morro da Polícia.
Promoveram-se contatos duradouros com as
referidas escolas para apresentar a proposta de
trabalho e de estabelecer interações entre os
pesquisadores e pessoas implicadas na situação
investigada. Ainda nessa etapa, foram promovidas as seguintes oficinas de educação ambiental
com os seguintes objetivos:
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
179
Atividade 1: Conhecendo a
história do meu bairro
Objetivo: Analisar a história do seu lugar,
avaliando as transformações ocorridas a partir
da observação dos elementos contidos nas fotografias aéreas.
Procedimentos: Utilizando fotografias aéreas
das décadas de 1970, 1980 e 1990, nas escalas
de 1: 20 000, 1: 5000 e 1: 8 000, respectivamente; as crianças e adolescentes verificaram a
evolução da ocupação, bem como as transformações ocorridas na encosta norte e sul do Morro da Polícia. Foi confeccionado um quadro
comparativo das mudanças, trazendo a tona algumas informações observadas, tais como: o
nome da rua da escola Marcírio Goulart Loureiro, denominado de Rua da Saibreira, se deu
em função da existência de uma saibreira no
local onde hoje está a escola; as matas ao redor do Arroio Moinho eram muito maiores do
que resta hoje; grande parte das ruas onde
habitam as crianças não existia na década de
1980; não havia casas em cima do morro, só
mato; não havia escola na década de 1980; na
década de 1990, entretanto, aumentou o número de casas e ruas. Os participantes
interagiram com as fotografias, reconhecendo
muitos elementos, nela contidos.
Essa atividade permitiu a aproximação dos
participantes com a história do bairro - seus
lugares – a partir da identificação dos alvos
das fotografias aéreas. Esse processo de
decodificação de fotografias aéreas não se tornou um empecilho, pelo contrário, aguçou ainda mais a percepção, tendo em vista que as
escalas grandes das fotos, favorecem a
visualização dos alvos. Após as constatações
sugeriu-se aos participantes que realizassem
180
uma entrevista na comunidade a fim de trazerem os relatos das recordações dos moradores
mais antigos. A memória do lugar foi resgatada e correlacionada com o processo de urbanização intenso da década de 80.
Verificou-se que a utilização de sensores
remotos, como fotografias aéreas, são instrumentos de ensino fundamentais para a
reconstituição dos lugares. Cabe, mais uma vez
ressaltar, que a técnica de sensoriamento remoto deve ser valorizada no processo de educação ambiental.
Atividade 2: Caminhadas de
conscientização ambiental
Objetivos: Percorrer as encostas do Morro da
Polícia a fim de observar as transformações ocorridas desde a década de 1990.
Procedimentos: Os grupos de professores e
crianças subiram o morro na encosta Norte e
na encosta Sul e fizeram as seguintes
constatações: existência de lixo jogado nas altas encostas do Morro da Polícia, junto às moradias; erosão nas áreas sem vegetação, como
nos becos e vias de acesso e identificação de
becos e ruas que não constam nas fotografias
da década de 90.
Nessa atividade verificou- se que o
acúmulo de lixo se deve, também, pela falta
de coleta nas altas encostas. Trata-se de áreas
de difícil acesso. Constatou-se, também, a
falta de infra-estrutura das moradias das
médias a altas encostas, se comparado com
as das baixas encostas. Após, levantadas essas observações, foi realizado um relatório da
referida atividade.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Atividade 3: Seleção de uma
área para montar uma estação
experimental
Objetivo: Identificar uma área propícia à instalação de uma rede de pinos de erosão.
Procedimentos: Foi feita uma caminhada de
observação de campo para a identificação dos
locais onde havia a remoção da vegetação. Os
participantes da pesquisa aprenderam a montar
uma estação experimental para acompanhar a
perda de solo por escoamento superficial no
Morro da Polícia nos dias de chuvas.
Atividade 4: Preparo da rede de
pinos de erosão
Objetivo: Preparar os instrumentos necessários para a montagem de uma estação experimental de perda de solo por escoamento superficial.
Procedimentos: Utilizando-se de pregos de 10
cm de comprimento, pincéis e tinta, as crianças pintaram e numeraram os pinos de erosão. O método
da rede de pinos de erosão é uma adaptação do
método de DEPLOEY & GABRIELS, exposto por
GUERRA & CUNHA (1996). Foi também confeccionada uma planilha de controle das condições
meteorológicas para o acompanhamento do tempo
e sua posterior correlação com a rede de pinos.
Atividade 5: Construindo uma
estação experimental para
acompanhar a perda de solo do
Morro da Polícia nos dias de
chuvas
Objetivo: Construir uma estação experimental de perda de solo.
Procedimentos: Em pequenos grupos, as crianças foram até os locais selecionados para a
montagem da estação experimental. Esses locais
estão próximos as suas casas. São cortes de aterros e lugares onde não há circulação de pessoas.
As crianças colocaram os pinos, bem como, fizeram um mapa destes para acompanhar a perda
de solo. Mediu-se, quinzenalmente, a altura dos
pinos acima do solo, com o auxílio de uma régua.
Atividade 6: Medindo a
infiltração da água no morro
Objetivo: Verificar junto à estação experimental de perda de solo, como se dá a infiltração da água nos dias de chuvas.
Procedimentos: Os alunos dirigiram-se até o
local dos pinos para realizar um teste com um
infiltrômetro, adaptação ao método de HILLS
(1970), citado por CUNHA & GUERRA
(1996). Adotaram-se os seguintes procedimentos metodológicos:
- construção de um infiltrômetro, utilizando-se de um cano de PVC com as seguintes dimensões: 15 cm de altura e 10 cm
de diâmetro interno;
- penetração de 5 cm do infiltrômetro no
solo a ser experienciado;
- colocação de uma régua graduada (de 10
cm) dentro do infiltrômetro;
- inserção de água no infiltrômetro e marcação do tempo da profundidade desta
água, utilizando um cronômetro. A duração do experimento é de 30 minutos e os
tempos devem ser marcados na caderneta de campo;
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
181
No retorno à escola, foram relatados os resultados dos testes com os infiltrômetros para fins
de comparação.
Atividade 8: Medindo os cortes
de aterro realizados na
ocupação do Morro da Polícia
Ainda na atividade 6: Medindo a infiltração
das águas das chuvas nas altas encostas do Morro
da Polícia.
Objetivos: Identificar as áreas sujeitas a desmoronamentos.
Objetivo: Comparar os resultados da infiltração da água, medidos nas estações experimentais, com a infiltração nas altas encostas do
Morro da Polícia.
Procedimentos: As crianças, subiram o morro e realizaram testes com o infiltrômetro. Foram realizados três testes, constatando a baixa
infiltração da água nesse local e, conseqüentemente, o alto escoamento superficial. Constataram-se locais de erosões decorrentes da baixa
infiltração, como ravinamentos.
Atividade 7: Caminhadas de
conscientização ambiental
Objetivo: Analisar os aspectos positivos e
negativos da ocupação nas encostas do Morro
da Polícia.
Procedimentos: Em grupos, as crianças, caminharam por locais que não tinham sido visitados e listaram pontos positivos e negativos da
ocupação. Os pontos positivos foram: luz, água
encanada e comércio. Os pontos negativos
listados foram: muito acúmulo de lixo, arroio
poluído e muita terra acumulada nas ruas. Após,
foi feita uma análise das observações levantadas, a fim de confrontar as opiniões e de promover um debate em torno do uso do solo em áreas
de altas declividades.
182
Procedimentos: Nas caminhadas de
conscientização ambiental, grupos de crianças
mediram os cortes para aterro para assentar as
moradias, com o auxílio de uma trena. Os alunos
constataram que os cortes eram maiores e mais
inclinados nas áreas mais baixas do morro, evidenciando assim, o risco de desmoronamento.
Atividade 9: Identificando os
resíduos (tipos de lixo) jogados
no bairro
Objetivo: Identificar quais os tipos de resíduos da produção mais jogados no bairro.
Procedimentos: Os alunos saíram a campo para
verificar todos os tipos de resíduos lançados nas
encostas do morro. Foram identificados: garrafas
pet, cigarros, sacos plásticos, poltronas velhas e
colchões. De posse dessa observação foi realizada
uma pesquisa a fim de avaliar o tempo de decomposição de cada resíduo identificado.
Atividade 10: Avaliação dos
trabalhos desenvolvidos na
primeira etapa da pesquisa
Objetivos: Avaliar as atividades desenvolvidas, destacando o que mais chamou atenção.
Procedimentos: As crianças foram filmadas,
relatando o que aprenderam no desenvolvimento
desta experiência de educação ambiental. Os
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
relatos demonstraram as relações estabelecidas
pelos participantes, como se pode observar nas
seguintes falas: as pedras aparecem porque a terra vai embora; se não fosse tirado o capim, não
teria esse buraco comprido; as pessoas de cima têm
menos pontos positivos do que as de baixo; O arroio Cascatinha é um pouco mais limpo em cima
do morro e muito sujo logo ali em baixo; A minha
vizinha ferve a água do arroio Moinho para beber.
Os depoimentos evidenciaram o grau de confiança e interação entre os participantes.
ATIVIDADES REALIZADAS
NA SEGUNDA ETAPA DA
PESQUISA
Atividade 1: Analisando a
qualidade das águas do Arroio
Cascatinha
Objetivo: Avaliar a qualidade das águas do
Arroio Cascatinha, na encosta Sul, desde a nascente até o curso médio do referido arroio no
Morro da Polícia.
Procedimentos: As crianças aprenderam a coletar águas em diferentes pontos do Arroio Cascatinha,
identificando os frascos e verificando o odor e a
turbidez das águas. Após, os frascos foram encaminhados ao laboratório de análises da ULBRA e os
resultados apresentados à comunidade.
Atividade 2: Intercâmbios entre
as escolas do Morro da Polícia
Objetivos: Promover intercâmbios entre as
escolas do Morro da Polícia, integrando crian-
ças, pais, professores e líderes comunitários.
Procedimentos: As crianças e adolescentes
das Escolas Marcírio Goulart Loureiro (encosta norte) e Oscar Pereira (encosta sul), junto
com líderes comunitários, bolsista e professora
orientadora, realizam contatos e caminhadas
ecológicas a fim de observar e comparar as estações experimentais, visando compreender os
processos morfogenéticos característicos de
cada encosta. Foram promovidas palestras com
os professores das referidas escolas, bem como,
com os pais, a fim de propiciar a compreensão
do espaço vivido como uma realidade
modificável.
Atividade 3: Cartografando as
encostas do Morro da Polícia
Objetivos: Compreender a dinâmica das encostas do Morro da Polícia a fim de conter os
possíveis riscos decorrentes dos processos
morfogenéticos.
Procedimentos: As crianças e adolescentes
das Escolas, bem como seus familiares percorreram, junto com bolsista e voluntários as encostas do Morro da Polícia. De posse do GPS e de
fotografias aéreas da década de 90, levantaram
as seguintes informações: limite da ocupação nas
encostas; mata nativa com modelados
tecnogênicos, ou seja, áreas alteradas pelo ser
humano; afloramentos rochosos e área de campo com modelados tecnogênicos. As fotografias
aéreas permitiram visualizar as transformações
do morro, avaliando os problemas ambientais.
Os dados foram levados para o Laboratório de
Cartografia da ULBRA para a confecção da carta da dinâmica do Morro da Polícia.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
183
Atividade 4: Recuperando áreas
degradadas
Objetivos: Compreender a importância de
conter os processos erosivos de ravinamento.
Procedimentos: A partir das caminhadas de
mapeamento e de reconhecimento das transformações ocorridas no morro, identificaram-se as
áreas mais susceptíveis a erosão, com
ravinamentos. Depois de realizados os levantamentos dos diferentes tipos de vegetação encontrada no morro, bem como do estudo das características das raízes de cada espécie encontrada, propôs-se o preenchimento com gramíneas,
de uma ravina previamente selecionada. Esse
procedimento de recuperação foi acompanhado
pela comunidade escolar.
Atividade 5: Divulgando os
resultados da pesquisa para a
comunidade
Objetivo: Divulgar nas comunidades escolares, centros comunitários e rádio comunitária
os resultados da pesquisa.
Procedimentos: A partir dos contatos duradouros com as escolas, pais, professores e líderes comunitários, foram divulgados na rádio comunitária, escolas e centros comunitários, todos os dados e resultados levantados na pes-
quisa - carta da dinâmica das encostas do Morro
da Polícia, levantamento da contaminação dos
cursos d’água, levantamento das áreas
monitoradas com pinos de erosão, as espécies
vegetais mais propícias para a contenção dos
processos erosivos, bem como as falas dos participantes da pesquisa.
A promoção de oficinas junto às escolas
alertou a comunidade sobre os problemas acima
citados, mostrando a importância de não remover a vegetação dos terrenos de suas casas para
evitar a perda de solo por escoamento superficial e propiciar maior infiltração das águas das
chuvas; e a importância de remover o lixo para
as áreas de coleta. Essas medidas preventivas
estão ao alcance da população local, possibilitando enfrentar problemas locais. Entretanto, a
comunidade está ciente da falta de medidas
infra-estruturais que deveriam ser adotadas pelo
poder público municipal, porém como se tratam
de áreas de ocupações irregulares, reconhece
que a organização para reivindicação no orçamento participativo se faz necessária.
RESULTADOS
Os resultados dos dados coletados, junto com
a comunidade local, foram organizados e divulgados, conforme apresenta a seguir, o Quadro 1
e o Mapa 1.
Quadro 1 - Resultados da análise das águas do arroio Cascatinha.
Amostra
Coliformes totais
Coliformes Fecais
1 – curso médio
8,6 x 102 / ml
0.4 x 10 / ml
2 - nascente
Ausentes
ausentes
3 - nascente
Ausentes
ausentes
4.8 x 103 / ml
9.2 x 102 / ml
4 – curso médio
Fonte: Dados de 2003.
184
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
O quadro dos resultados das análises da carga microbiológica mostra ausência de coliformes
fecais nas nascentes do Arroio Cascatinha, mostrando assim, para a comunidade, a possibilidade de recuperação deste recurso hídrico.
Para a confecção da carta da dinâmica ambiental
do Morro da Polícia foram analisados documentos
cartográficos da década de 70 e com o auxílio de
técnicas de geoprocessamento, através dos diversos
sistemas de informações geográficas – SIGS (INPE,
SURFER, IDRISI), realizou-se o cruzamento e o
georeferenciamento das informações.
Essa atividade, envolveu a comunidade escolar e do bairro no primeiro semestre de 2004,
onde foram coletados os seguintes planos de informações, conforme o Quadro 2.
Quadro 2 - Área total e percentual de cada plano de informação levantados no Morro da Polícia.
os de Informações
mentos Rochosos
Área
93 m²
ência de Mata Nativa com Modelados Tecnogênicos
de Campo com Modelados Tecnogênicos
Percentual
2,86%
753 m²
23,21%
918 m²
28,30%
ação Urbana Atual
1146 m²
35,37%
ação Urbana na Década de 70
333 m²
10,26%
3243 m²
100%
da Área
Mapa 1 - Carta da dinâmica ambiental do Morro da Polícia.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta metodológica de educação
ambiental, aqui apresentada, voltada às comunidades que habitam as áreas de riscos geológico-geomorfológico em encosta e áreas ribeirinhas, a partir de oficinas de monitoramento
ambiental, atividades práticas de campo,
mapeamento, análise das águas, entre outras,
promove o encontro entre a geografia do lugar e
uma educação ambiental ativa que propicia a
compreensão do espaço vivido como uma realidade modificável, buscando assim, a melhoria
da qualidade de vida.
O monitoramento dos processos erosivos nas
áreas de riscos e o acompanhamento por parte
das comunidades envolvidas, mostraram que os
problemas de cunho ambiental estão diretamente relacionados aos sociais, evidenciando assim,
a dimensão totalizante de natureza e a importância de se adotar uma educação ambiental dentro
desta perspectiva. Para promover a compreensão
da comunidade para com as questões sociais e
sua inserção no processo histórico de escala global, o acompanhamento da dinâmica do lugar,
de forma dialógica e participativa, aproxima a
realidade, apontando os possíveis problemas e
organizando a comunidade para evita-los.
A integração de conhecimentos técnico-científicos à educação ambiental favorece, de forma concreta, o entendimento da dinâmica do
relevo, da poluição dos cursos d’água, do avanço da ocupação, das conseqüências decorrentes, despertando uma visão crítica e reflexiva,
que valoriza decisões, priorizando necessidades,
afastando futuros problemas. Quer-se construir
uma leitura da natureza local – Morro da Polí-
186
cia e seus habitantes – que rompa com a linguagem predatória que separa o ser humano da natureza, transmitida, muitas vezes, pela mídia.
Cabe ressaltar que a presente proposta, não foi
completamente concluída, pois os resultados estão sendo levados para os habitantes das encostas
do Morro da Polícia, pela articulação de redes entre
as escolas, rádio e centros comunitários.
As atividades práticas de educação ambiental
oportunizaram a análise comparativa dos resultados levantados nas áreas selecionadas, proporcionando o engajamento dos demais professores de
outras áreas das referidas escolas no projeto. Pretende-se, cada vez mais, despertar a curiosidade
das comunidades envolvidas, levando até elas,
os conhecimentos científicos produzidos nas Universidades, para que surja um novo olhar sobre o
lugar, promovendo indagações, bem como, a organização para a resolução dos problemas.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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Geomorfologia: exercícios, técnicas e aplicações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
HART, P. Perspectivas alternativas para la
investigación en educación ambiental:
paradigma de una interrogante críticamente
reflexiva. In: MRAZEZ, R. (Ed). Paradigmas
alternatives de investigación ambiental.
Guadalajara: NAAEE, SEMARNAP, 1996.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 2000.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Características da população
de Santa Maria
RAFAEL ILHA1
JORGE DE ÁVILA2
RENATO RODRIGUES DIAS3
RESUMO
Este artigo objetivou conhecer as características da população urbana de Santa Maria, servindo de
base para estudos na área das ciências sociais aplicadas, fornecendo ao mesmo tempo informações relevantes às empresas locais para o ajuste de suas propostas a esse mercado. O estudo realizado em 2003 e
os principais resultados evidenciaram a predominância do sexo feminino e da classe “C”, respectivamente
com 52% e 37%. O grau de instrução que se destacou foi o ensino fundamental com 27,75%. Destaquese ainda que a média de pessoas por domicílio é de 3,47% e que a religião católica tem 77,75% de adeptos.
Palavras-chave: características, população, urbanas.
ABSTRACT
This framework had as objective to know the characteristics of urban population of Santa Maria,
serving of base for studies in Applied Social Sciences, subsiding at the same time relevant information to the
local companies to their adjustment to this market. The study realized in 2003 and the main results
evidenced the predominance of the female and the “C” class, respectively with 52% and 37%. The schooling
Acadêmico do Curso de Administração/Ulbra-Santa Maria – Bolsista PROICT/ULBRA
1
2
Professor – Orientador do Curso de Administração/UlbraSanta Maria ([email protected])
3
Professor do Departamento de Ciências Administrativas/UFSM
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
187
degree which pointed out was the fundamental one with 27, 75%. It is also pointed out that the average
person per domicile is of 3,47% and the catholic religion has 77,75% of followers.
Key words: characteristics, population, urban.
INTRODUÇÃO
O presente estudo relata a caracterização da
população da cidade de Santa Maria e é resultante de pesquisa de marketing realizado durante o
ano de 2003. Segundo MALHOTRA (2001, p.45)
pesquisa de mercado é a identificação, coleta,
análise e disseminação de informações de forma
sistemática e objetiva seu uso visando a melhorar
a tomada de decisões relacionadas à identificação
e solução de problemas e oportunidades de
marketing. Os objetivos buscados foram:
a) Conhecer o perfil socioeconômico da população urbana da Cidade de Santa Maria, servindo de base para estudos na área
das ciências sociais aplicadas.
b) Fornecer às empresas ou organizações locais que tiverem interesse, informações
relevantes sobre o mercado em que atuam, facilitando, assim, o ajuste de seus
produtos ou serviços a esse mercado.
Os dados foram coletados diretamente no
domicílio das pessoas sorteadas na amostra, no
período compreendido entre os dias 16 de junho
e 11 de julho de 2003, conforme discriminado na
seção referente à metodologia empregada.
Os resultados com certeza serão úteis às organizações que souberem aproveitar tais informações, que se referem ao público consumidor
local. Segundo AFFONSO (1975 – pág. 399), é
condição de sucesso para o administrador reconhecer a importância do conhecimento quali-
188
tativos e quantitativos do mercado, isto é, as
características étnicas, sociais, religiosas etc.
Como o futuro é quase sempre incerto, ainda que nem sempre a pesquisa consiga buscar
todas as informações que as organizações necessitam, é um fato inegável que ela contribui
significativamente para minimizar a incerteza nas
tomadas de decisão, principalmente aquelas ligadas ao seu público-alvo
A pesquisa considerou as seguintes hipóteses:
Com base na pesquisa anterior, realizada em
2001, o presente estudo admitiu como hipóteses
básicas as seguintes:
a) Santa Maria possui uma população com
predominância do sexo feminino.
b) A classe socioeconômica predominante na
Cidade é a “C”.
c) O grau de instrução com maior percentual
entre os habitantes é o segundo grau completo.
d) A média de habitantes por domicílio em
Santa Maria é de quatro pessoas.
e) A religião predominante em Santa Maria
é a Católica.
Embora este trabalho seja um estudo de caráter descritivo, diversas hipóteses ainda poderiam ser acrescentadas com relação ao perfil dos
entrevistados e aos dados específicos, que aqui
não foram incluídas pela sua grande amplitude.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
O próprio resultado da pesquisa as evidencia.
As pesquisas de mercado desempenham a
função de elo entre a empresa e os consumidores, na medida em que expressam as expectativas e os pontos de vista dos mesmos, o que permite a tomada de decisões adequadas.
Foi sob esta ótica que se realizou um levantamento de informações junto à população da
Cidade de Santa Maria, de modo a traçar um
perfil socioeconômico de seus habitantes. Partindo do pressuposto de que não existe nenhuma organização humana que consiga sobreviver
sem clientes, tais informações serão extremamente importantes para todas elas. As organizações
ou empresas já estabelecidas poderão melhor
ajustar seus produtos ou serviços à realidade do
mercado e os novos empreendimentos poderão
também se adequar a essa realidade, concentrando melhor seus investimentos ou evitando
despesas desnecessárias.
MATERIAL E MÉTODOS
O universo da presente pesquisa foi constituído por toda a população urbana do Município de Santa Maria, que totaliza 230.468 habitantes e 79.496 domicílios, segundo informações
do censo de 2000 do IBGE. Desta população de
domicílios, tomou-se uma amostra probabilística
do tipo casual simples, considerando-se um nível de confiança de 95%, ou seja, admite-se um
erro de até 5% para mais ou para menos nos resultados. O cálculo resultou numa amostra de
400 domicílios, distribuída proporcionalmente no
mapa da Cidade de Santa Maria.
O instrumento de coleta de dados utilizado
na pesquisa foi um questionário estruturado ajustado após a realização de um pré-teste. Tal questionário foi preenchido por entrevistadores devidamente treinados, todos eles acadêmicos do
Curso de Administração da ULBRA e da UFSM.
Os questionários, em número de 400 (quatrocentos), foram aplicados diretamente nos
domicílios sorteados, à razão de 5 (cinco) questionários por quarteirão, dentre 80 (oitenta)
quarteirões também sorteados aleatoriamente no
mapa da Cidade de Santa Maria.
Os dados foram tabulados em microcomputador,
com o auxílio de programa específico (“Le Sphinx
Plus”), visando abreviar o tempo nesta tarefa e ainda viabilizar o cruzamento das informações mais
relevantes.
Após concluída a tabulação dos dados, estes
foram revisados e transformados em tabelas e/
ou gráficos, que são apresentados a seguir, com
o propósito de facilitar a sua análise e conseqüente interpretação.
RESULTADOS
Os dados a seguir, embora sejam, na sua maioria, auto-explicativos, são apresentados em tabelas com um comentário sobre as informações
mais relevantes e também com gráficos
ilustrativos referentes às mais significativas.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
189
Tabela 1 – Sexo dos respondentes – Santa Maria-RS, Junho/julho de 2003.
SEXO
FREQÜÊNCIA
Masculino
Feminino
Total
%
192
208
400
Observando-se a Tabela 1 pode-se constatar que a maioria dos entrevistados correspondeu
ao sexo feminino (52%), o que vem a compro-
48,00
52,00
100,00
var que ainda se mantém a tradição, na maioria
dos lares da Cidade, de o marido trabalhar fora
e a mulher cuidar dos afazeres domésticos.
Tabela 2 - Composição Familiar da População de Santa Maria.
COMPOSIÇÃO FAMILIAR
FREQÜÊNCIA
Cônjuge masculino
Cônjuge feminino
Filhos menores de 12 anos
Filhos entre 12 e 18 anos
Filhos maiores de 18 anos
Outras pessoas que residem no domicílio
Total
A Tabela 2 permite verificar a composição familiar da Cidade de Santa Maria. A média de pessoas
por domicílio resultou em 3,47 como mostra o total
da tabela. Este resultado ficou bastante próximo ao
obtido pelo IBGE no Censo de 2000, que acusou
uma média de 3,32 habitantes por domicílio na zona
urbana de Santa Maria e 3,28 na zona rural. Há,
ainda, a considerar, o fato de que a população da
Cidade deve ter crescido nestes últimos três anos, o
300
313
192
140
253
191
400
MÉDIA POR
DOMICÍLIO
0,75
0,78
0,48
0,35
0,63
0,48
3,47
que comprova a precisão do resultado.
Quanto ao grau de instrução do chefe da família, a Tabela 3, abaixo, evidencia que há uma predominância do 1º grau incompleto, com 27,25%
do total, ficando em segundo lugar e empatados, o
1º grau completo e o 2º grau completo, com 20,75%.
A formação com curso superior completo ficou em
terceiro lugar, correspondendo a 13,50% do total
de entrevistados.
Tabela 3 – Grau de instrução do chefe da família – Santa Maria.
GRAU DE INSTRUÇÃO
Não alfabetizado
1º grau incompleto
1º grau completo
2º grau incompleto
2º grau completo
Superior incompleto
Superior completo
Não informaram
Total
190
FREQÜÊNCIA
17
109
83
27
83
17
54
10
400
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
%
4,25
27,25
20,75
6,75
20,75
4,25
13,50
2,50
100,00
Tabela 4 – Classes sócio-econômicas de Santa Maria.
CLASSE SÓCIO-ECONÔMICA
A
B
C
D
E
Total
FREQÜÊNCIA
36
121
148
90
5
400
%
9,00
30,25
37,00
22,50
1,25
100,00
A
160
140
B
120
100
C
80
60
D
40
20
E
0
Gráfico 1 – Classificação sócio-econômica da população de Santa Maria – RS.
Neste gráfico observamos que a classe
socioeconômica predominante em Santa Maria é a “C”, correspondendo a 37%. Em segundo lugar, está a classe “B”, com 30,25%. Em
terceiro lugar vem a classe “D”, com 22,50% e
a seguir a classe “A”, com apenas 9% e, em último lugar, a classe “E”, com 1,25%. Pode-se
deduzir, destes dados, que mais da metade da
população da Cidade pertence às classes mais
inferiores, ou seja, “C”, “D” e “E” que, somadas, correspondem a 60,75%.
Estes dados se aproximaram bastante dos
apresentados em pesquisas realizadas em anos
anteriores. O Censo realizado pelo IBGE não contempla essas informações, o que impede uma
comparação com dados daquele órgão.
As informações relativas à classificação
socioeconômica são extremamente relevantes
para praticamente todos os setores da economia, pois se reflete diretamente no
dimensionamento do mercado em segmentos
específicos. Santa Maria apresenta o maior segmento de mercado concentrado na classe “C”,
representando 37%, como já comentado.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
191
Tabela 5 – Religião das famílias da população de Santa Maria.
RELIGIÃO DA FAMÍLIA
Católica
Evangélica
Espírita
Umbanda
Luterana
Assembléia de Deus
Testemunha de Jeová
Metodista
Mórmon
Adventista
Anglicana
Ateu
Budismo
Crente
Igreja Quadrangular
Não informaram
T O TAL
Na Tabela 5 pode-se observar que a grande maioria da população de Santa Maria tem
o Catolicismo como religião da família, representando 77,75% do total. A religião Evangélica aparece em segundo lugar, com 7,25%
e a Espírita figura em terceiro, com 6,50%.
Em quarto lugar, aparecem empatadas a
Umbanda e a Evangélica Luterana, com
1,00%. As demais religiões tiveram pouca
porcentagem de participação, não ultrapassando a 0,75% do total. É oportuno destacar
que, obviamente, existem muito mais religiões na Cidade do que as relacionadas, porém, todas elas com pouco significativo
percentual.
Este resultado foi, também, semelhante ao
obtido na pesquisa realizada em 2000, sendo que
a variação mais significativa ficou em 1,25% a
mais na religião Católica.
192
FREQÜÊNCIA
311
29
26
4
4
3
3
2
2
1
1
1
1
1
1
10
400
%
77,75
7,25
6,50
1,00
1,00
0,75
0,75
0,50
0,50
0,25
0,25
0,25
0,25
0,25
0,25
2,50
100,00
CONCLUSÃO
Os dados apresentados vêm a comprovar a
maioria das hipóteses enunciadas.
A primeira delas, afirmava que Santa Maria
tem uma população com predominância do sexo
feminino, teve 52% nesta alternativa.
A segunda hipótese se referia à classe
socioeconômica “C” como a predominante, o que
foi confirmado, com 37,50%, ficando em segundo lugar a classe “B”, com 30,50%, em terceiro
a classe “D”, com 23,50% e em quarto lugar a
classe “A”, com 7%.
A terceira hipótese afirmava que o grau de
instrução com maior percentual entre os chefes
das famílias de Santa Maria era o segundo grau
completo não foi comprovada, pois esta alternativa ficou em terceiro lugar, com 20,75%. Em
primeiro lugar ficou a alternativa “1º grau in-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
completo”, que hoje corresponde ao ensino fundamental, com 27,25%.
A quarta hipótese formulada no projeto referia-se à média de habitantes por domicílio em
Santa Maria, afirmando que era de quatro pessoas. O resultado acusou uma média de 3,47,
um pouco abaixo da suposição, o que é explicado pela constante mudança que ocorre na população, embora lenta.
A quinta e última hipótese também foi
comprovada. Referia-se à religião Católica
como a predominante em Santa Maria. O
resultado acusou um total de 77,75% de pessoas desta religião, a grande maioria, portanto, contra 7,25% da Evangélica, que ficou
em segundo lugar.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ARANTES, Affonso. Administração
mercadológica 2.ed. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas, 1975. p. 399.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico.
Rio de Janeiro, 2000.
MALHOTRA, Naresh. Pesquisa de
marketing. 3. ed. Porto Alegre: Bookman,
2001. p.45.
MATTAR, Fauze. Pesquisa de Marketing.
Edição Compacta. São Paulo: Atlas, 1996.Ciências Humanas
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
193
Ciências Humanas
196
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Hermenêutica aplicada ao estudo da escatologia
bíblica: a contribuição de Santo Agostinho no
debate a respeito do milênio
GILSON SOUZA VALENTIM1
GERSON LUIS LINDEN2
RESUMO
Agostinho (354-430), em seu escrito A Cidade de Deus, propõe uma visão de história que reconhece
a ação de Deus na manutenção da Sua cidade, edificada ao lado da cidade do mundo. Agostinho trata
dos textos bíblicos referentes ao fim do mundo e à inauguração do reino de Deus. Texto chave é o vigésimo
capítulo do livro de Apocalipse, que anuncia um tempo de mil anos em que Satanás é aprisionado.
Agostinho interpreta o “milênio” de forma não literal, no que se refere à duração, como sendo o tempo em
que Satanás, dominado por Cristo, somente tem domínio sobre os que rejeitam a governo de Deus. Neste
tempo os cristãos continuam a viver na sociedade, estando no mundo, mas não pertencendo a ele, pois sua
ligação é com a cidade de Deus.
Palavras-chave: Escatologia, Agostinho, milênio, Cidade de Deus.
ABSTRACT
Augustine of Hippo (354-430), in his City of God, proposes a vision of History that recognizes God’s
action maintaining His city, which is built side by side with world’s city. Augustine considers biblical passages
that deal with the end of the world and the inauguration of the God’s kingdom. A key text is the 20th
Acadêmico do Curso de Teologia/ULBRA – Aluno voluntário no PROICT/ULBRA
1
Professor – Orientador do Curso de Teologia/ULBRA
([email protected])
2
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
197
chapter of Revelation, that announces thousand years when Satan is imprisoned. Augustine interprets the
“millennium” in a non literal way, in its duration, as being the time when Satan, dominated by Christ, has
only dominium upon those who reject God’s rule. During this time, Christian continue to live in society,
being in the world, not belonging to the world, since their connection is with God’s city.
Key words: Eschatology, Augustine, millennium, City of God.
INTRODUÇÃO
O estudo a seguir procura dar uma contribuição ao campo da Hermenêutica teológica,
especificamente no que se refere ao ensino a
respeito da vinda do reino de Deus. O assunto é significativo, dada a importância da
hermenêutica para a Teologia, bem como pelas implicações trazidas pela Escatologia para
a Teologia e para a vida da Igreja cristã. A
Escatologia trata da reflexão teológica a respeito das coisas do fim, ou melhor, dos fatos
de importância última para a humanidade. O
estudo focaliza a obra de Agostinho (354-430),
bispo de Hipona, norte da África. De maneira especial é verificada a contribuição do seu
escrito, De Civitate Dei (A Cidade de Deus),
em que o autor propõe uma visão de história
que reconhece a ação de Deus na manutenção da Sua cidade, edificada ao lado da cidade do mundo.
Um tema específico para estudo é a natureza do assim chamado “milênio”, anunciado pelo
apóstolo João no livro de Apocalipse. Sobre este
tema, a história da Igreja cristã tem mostrado
posicionamentos bastante divergentes, manifestos ainda hoje. Com o presente estudo, pretendemos conhecer as mais significativas propostas de compreensão do tema, trazendo então a análise proporcionada por Santo Agostinho à questão.
198
AGOSTINHO: FILÓSOFO E
TEÓLOGO
Durante toda a Idade Média nenhum teólogo foi mais citado do que Agostinho. Seu nome
completo era Aurélio Agostinho. Nasceu no dia
13 de Novembro de 354 d.C., no povoado de
Tagaste, no norte da África. Era filho de Patrício,
um funcionário do governo romano e que era
pagão, e de Mônica, uma cristã fervorosa. Na
verdade, desde cedo, Agostinho recebeu educação cristã de sua mãe. Porém sua conversão,
conforme ele próprio se refere a ela, e seu batismo só aconteceriam anos depois.
Agostinho era dotado de uma inteligência
singular. Conforme GONZÁLEZ (1995, p. 165):
Seja como for, os pais de Agostinho sabiam
que seu filho tinha uma inteligência pouco comum, e por isso se esmeraram em oferecer-lhe a melhor educação disponível.
Assim, os pais de Agostinho enviaram-no
para a cidade de Madaura e depois, em 371 d.C.,
para Cartago, no anseio de oferecer ao filho a
melhor educação possível. Em Cartago, mesmo
não se descuidando dos estudos da retórica,
conviveu com uma mulher, com quem teve seu
único filho, Adeodato.
No século anterior, a África teve outros importantes pais da Igreja: Tertuliano e Cipriano.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
“Do primeiro Agostinho possui a magia da palavra e a formação jurídica; do segundo, a alma
pastoral.” (HAMMAN, p. 227)
Agostinho ansiava pela busca da verdade.
Isso o levou primeiramente ao maniqueísmo, seita fundada na Pérsia por Mani, na primeira metade do século III, e que ensinava um dualismo
muito mais radical que o gnosticismo. Desiludido com esta seita, Agostinho continuou sua busca pela verdade, através de outros caminhos.
Em 383 d.C, Agostinho viajou para Milão.
Nesta cidade da Itália, entrou em contato com
o neoplatonismo, doutrina muito popular na época. O objetivo principal dessa doutrina era vir a
conhecer o “Um Inefável”, através do qual provinham todas as coisas. Também em Milão, Agostinho acabou conhecendo o famoso teólogo
Ambrósio, que exerceu influência decisiva sobre ele. Através de Ambrósio, famoso também
pelas suas pregações, Agostinho viu a riqueza
das Escrituras. Em suas pregações, Ambrósio
enfatizava a doutrina paulina da Justificação
através do perdão dos pecados, o que foi de grande importância para Agostinho.
A pregação de Ambrósio ajudou Agostinho,
entre outras coisas, por oferecer um método alegórico de interpretação da Bíblia, que lhe permitia por de lado certas passagens que considerava inaceitáveis.
Nesta época Agostinho ficou sabendo de
outras pessoas, de elevada formação filosófica,
que estavam abraçando a fé. Mário Vitorino,
tradutor de obras neoplatônicas que Agostinho
lera, se apresentou na Igreja em Roma para ser
recebido por profissão de fé. Assim também
Valentino, escritor neoplatônico, que havia influenciado Agostinho, também abraçara a fé
(Confissões VIII 2).
Agostinho, porém, demorou algum tempo
antes que sua conversão fosse efetuada, pois
dentro dele travava-se uma batalha entre o querer e o não querer. Foi uma passagem da Escritura Sagrada que fez Agostinho abandonar sua
vida mundana. Nas Confissões relata sua conversão. Em Milão, no jardim de sua casa, angustiado, ouve as palavras de um brinquedo entre
crianças: “Tolle, lege” – Toma e lê! Então Agostinho lê Rm 13.13,14: “Andemos dignamente,
como em pleno dia, não em orgias e bebedices,
não em impudicícias e dissoluções, não em contendas e ciúmes; mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e nada disponhais para a carne, no
tocante às suas concupiscências”. Agostinho tinha 32 anos. Segundo WALKER (p. 233) a conversão aconteceu no fim do verão de 386.
Depois da sua conversão, Agostinho foi batizado em 387 d.C. por Ambrósio. Além disso, renunciou o cargo de professor de Retórica e, junto
com um grupo de amigos e sua mãe Mônica,
decidiu regressar para o norte da África. Durante a viagem, porém, sua mãe, Mônica, faleceu, o que o afetou por longo tempo. Chegando
em Tagaste, Agostinho vendeu a maior parte das
suas propriedades, deu o dinheiro aos pobres e
se dedicou a uma vida disciplinada ao estudo,
devoção e meditação.
Em 391 d.C, Agostinho visitou a cidade de
Hipona, também localizada no norte da África.
Ali, foi eleito presbítero pela congregação e,
contra sua vontade, foi ordenado. Em 395 d.C,
Agostinho se torna o bispo da mesma cidade,
atuando junto com o bispo Valério. Permaneceu
nesta função até sua morte, em 430 d.C, durante o cerco de Hipona pelos vândalos.
Como teólogo, muitas das primeiras obras de
Agostinho eram dirigidas contra os maniqueus,
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
199
onde falava da autoridade das Escrituras, da
origem do mal e do livre-arbítrio. Parte de sua
tarefa teológica também foi refutar as heresias
do donatismo, onde insistiu na validade dos sacramentos, independentemente da virtude moral de quem os administra. Mas foi contra os
pelagianos que Agostinho escreveu suas obras
teológicas mais importantes, enfatizando a doutrina do pecado e da graça divina.
Das suas obras, dois títulos são especiais: As
Confissões, uma autobiografia, e A Cidade de
Deus, que nos interessa especialmente para os
propósitos deste estudo.
A Cidade de Deus
A Cidade de Deus é uma das mais importantes obras escritas por Santo Agostinho de Hipona.
Demorou muitos anos para ser escrita totalmente, sendo 412 d.C o ano inicial e 426 d.C o ano
em que Agostinho finalmente concluiu-a. Como
lembra Lacerda (2004, p. 47), A Cidade de Deus
não foi um livro escrito por alguém no começo
de sua carreira. Agostinho escreveu o livro num
dos períodos mais produtivos de sua vida. O próprio Agostinho a chama, no Prefácio (AGOSTINHO, 2001, p. 27), de “magnum opus et
arduum” (um trabalho imenso e árduo).
A Cidade de Deus está dividida em 22 livros.
LACERDA (2004, pp 47,48) sugere a seguinte
divisão a obra: na Primeira Parte temos a refutação ao paganismo (Livros I-X); e na Segunda
Parte, de caráter dogmático, Agostinho dá uma
visão cristã acerca da História (Livros XI-XXII).
Resta indagar por que Agostinho escreveu
esta tão importante obra. Para responder esta
pergunta, precisamos saber qual era o contexto
200
histórico em que Agostinho e sua obra estavam
inseridos. Em 24 de Agosto de 410 d.C., os
visigodos, liderados por Alarico, invadiram e
saquearam a capital do já enfraquecido Império
Romano. É bem verdade que, apesar desta queda, Roma ainda permaceceu em pé durante algumas décadas. Mas, quando a capital fora invadida em 410 d.C., as pessoas da cidade, naturalmente pagãos, começaram a colocar a culpa
nos cristãos, acusando a religião cristã de ser a
responsável pela queda da cidade. Segundo os
pagãos, a partir do momento que o império deixou de adorar aos antigos deuses e adotou a religião cristã, as derrotas e as desgraças recaíram
sobre o império. Diante disso, os cristãos precisavam responder às acusações e dúvidas levantadas pelo saque.
Um bom número de romanos ricos fugiu da
cidade, indo para a região da Sicília e para o
norte da África. Um bom número deles chegou
a Hipona, a ponto de Agostinho exortar seu rebanho a receber os refugiados com caridade. Não
muito depois destes refugiados estarem estabelecidos em Cartago, alguns deles, dentre os mais
intelectuais, começaram a refletir sobre se sua
nova religião não deveria ser acusada pelo desastre sofrido por Roma e por eles. Afinal, seguia assim o argumento, Roma fora imune a
domínio exterior por cerca de 800 anos; e agora,
apenas duas décadas após o fim formal do culto
público aos deuses pagãos (ordenado pelo imperador Teodósio em 391), a cidade caía sob os
bárbaros. Talvez a acusação feita pelos pagãos,
de que o Deus cristão, com idéias sobre voltar a
outra face e dar pouco valor a impérios neste
mundo, não fosse um guardião eficiente para o
melhor interesse da classe dominante. A maior
parte das pessoas que se dedicavam a estes pensamentos eram cristãos. O “paganismo” destas
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
pessoas não era o reviver da antiga religião, mas
apenas a persistência daquela idéia antiga de
religião como uma barganha que a pessoa tem
com os deuses, a fim de preservar sua saúde e
bens. Agostinho foi convidado a responder a estas
acusações por um amigo, Marcelino, que estava
na África para verificar a questão dos donatistas,
para o imperador. Ele sabia que a questão ia além
do porquê de Roma ter caído. Aqui estavam
cristãos que ainda não estavam bem seguros do
que o cristianismo realmente era, como ele diferia das religiões romanas que ele substituiu.
Conforme LACERDA (2004, p. 49), existe
uma corrente de pensamento que afirma que A
Cidade de Deus é uma obra de teologia da história incidentalmente relacionada com a queda de
Roma. A despeito desta teoria, preferimos acreditar que o saque de Roma em 410 d.C., teve sim
o seu impacto direto e não apenas incidental sobre a compilação do livro. Aliás, segundo
LACERDA (2004, p. 49), a discussão sobre a possibilidade de Agostinho escrever A Cidade de Deus
sem a queda de Roma não tem o menor fundamento, pois a obra foi escrita nesse contexto.
A Cidade de Deus foi escrita para combater
as acusações dos pagãos, que colocavam a culpa no cristianismo pela queda de Roma. Contra
estes, Agostinho refuta uma série de características do paganismo, apresentando os defeitos do
Império Romano e arrasando a crença na superioridade do paganismo em providenciar felicidade neste mundo. Os primeiros livros, que serviam para consolar aqueles a quem os visigodos
haviam amedrontado, foram publicados rapidamente e parece que fizeram bem o seu papel.
Mas a obra como um todo veio em partes, mostrando uma visão ampla da história e do cristianismo. Conforme HAMMAN (1980, p.233),
Agostinho “propõe, na Cidade de Deus, o pro-
blema dos dois poderes e da caducidade das civilizações, e desenvolve, pela primeira vez, uma
filosofia cristã da história.”
Além disso, A Cidade de Deus representa um
consolo para os cristãos, que sofrem por estarem
num mundo que não é deles. Com essa finalidade, Agostinho deixa claro que existe um propósito divino no sofrimento. Os cristãos são aperfeiçoados pelos sofrimentos, pois os cristãos não
são deste mundo. A Sua cidade não é a dos homens, deste mundo, mas os cristãos são cidadãos dos céus, da Cidade de Deus.
O Problema do Milênio
“A Cidade de Deus” mostra o contraste entre
duas cidades: a Cidade Terrena e a Cidade de
Deus. Os cristãos, na verdade, estão no mundo,
mas não são dele. Eles são como peregrinos, que
estão aqui, vivem aqui, mas na verdade a sua
pátria está nos céus. Às vezes passam por sofrimentos e privações que os levam a questionar a
situação. Agostinho, porém, mostra que Deus
sempre tem um propósito quando deixa os cristãos passarem por dificuldades. Na sua pátria,
os cristãos passarão então pela perfeição e os
sofrimentos e dificuldades acabarão. E isso ocorrerá somente quando Cristo, o Senhor da Igreja, enfim retornar. O assunto está diretamente
ligado ao estabelecimento do reino de Deus no
mundo e tem gerado, ao longo da história da
Igreja cristã, diferentes posicionamentos.
Considerando-se a realidade atual, dentro
do cristianismo, podem ser identificados três
posicionamentos teológicos diferentes. A chave
para cada um destes posicionamentos é a natureza do reino de Deus. Cada um deles considera de uma maneira bem específica a relação
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
201
entre a vinda de Cristo e o estabelecimento do
reino de Deus no mundo. Um dos focos é o “milênio”, ao qual se refere João, no Apocalipse,
capítulo 20, versículos 1 e 2: “E vi um anjo descendo do céu, tendo a chave do abismo e uma
grande corrente na sua mão. E prendeu o dragão, a antiga serpente, a qual é o diabo e satanás,
e o amarrou por mil anos.” Uma questão com a
qual a Igreja se debateu (e continua se debatendo) é: Viria Jesus antes ou depois do estabelecimento de um reino “milenar” no mundo? E
mais: estes “mil anos” são um tempo literal em
que, dada a prisão de Satanás, nosso mundo
desfrutaria de paz? Ou dever-se-ia entender
aqueles mil anos como figurativos? O assunto
não se resume unicamente à interpretação do
milênio, mas gera todo um sistema teológico. O
termo milênio é derivado das palavras latinas
Mille = mil e annus = anos. Conforme FLOR
(1998, pp. 41, 42), a questão mais ampla envolvida neste debate relaciona-se à visão de mundo não apenas no cristianismo:
A doutrina do milênio procura concretizar não apenas as esperanças de muitos
cristãos, mas também adeptos de outras
religiões no mundo. (...) No entanto, mais
do que uma suposta doutrina bíblica, esta
heresia encontra suas bases no desejo
humano por um futuro melhor(...).
Três teorias atualmente procuram interpretar este milênio: o pré-milenarismo, pósmilenarismo e o amilenarismo.3
O pré-milenarismo ensina que Cristo voltará
antes do milênio e irá instaurar nesta terra um
3
202
Para uma abordagem completa das diferentes posições
teológicas a respeito da natureza do milênio, ver:
ERICKSON, Opções Contemporâneas na Escatologia.
reinado de mil anos, após ressuscitar primeiramente todos os que creram em Cristo (primeira
ressurreição). Cristo reinará com os crentes sobre toda a humanidade e o centro do seu reinado
será a Palestina, com a capital em Jerusalém. Após
este período, o restante dos mortos ressuscitará e
acontecerá o Juízo Final. Os adeptos da tese prémilenarista normalmente interpretam de forma
literal os mil anos de Ap. 20. Além disso, esta
corrente tende a apresentar uma visão pessimista
da História. De uma forma geral, pode-se perceber que a sociedade é vista sob uma ótica negativa. Exemplo de uma postura assim pode ser vista
de forma mais acentuada em alguns movimentos
religiosos radicais no período da Reforma.
O pós-milenarismo traz uma visão diferente
da anterior não apenas pela relação cronológica
em relação à vinda de Cristo, que seria posterior ao estabelecimento do milênio. Ao invés de
uma mudança radical, trata-se de um gradativo
progresso nas condições de vida neste mundo,
através de uma maior influência da palavra de
Deus. Haveria, de acordo com esta posição, uma
conversão de um número significativo de pessoas e um melhoramento das condições gerais de
vida na sociedade. Diferentemente do prémilenarismo radical, o pós-milenarismo abre espaço para uma participação muito efetiva do
cristão e da Igreja na sociedade. Deve-se isto
ao fato de ter uma postura otimista em relação
às possibilidades de mudança das condições de
vida na sociedade. Este posicionamento teológico não chega a ser característico de uma denominação religiosa específica. No entanto, é
uma tendência que pode ser observada em manifestações de cristãos de diversas origens
denominacionais. Para exemplificar, a “teologia
da libertação” poderia sugerir uma postura pósmilenarista como visão de mundo.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
A explicação amilenarista oferece uma alternativa às anteriores. O amilenarismo interpreta de forma figurada os mil anos de Apocalipse
20. Ensina que não haverá um reino visível de
mil anos na terra. Na verdade, os mil anos já
iniciaram com a Primeira Vinda de Cristo. Clouse
(1985, pp. 8,9) nos traz uma boa descrição do
que significa os mil anos para os amilenaristas:
a fraqueza do Ser Humano e, em virtude desta
fraqueza, o ser humano comete as mais diversas
maldades. Por isso, a visão de Agostinho acerca
da História é uma visão realista, em que o cidadão da Cidade de Deus não se esconde da vida
no mundo, mas dela participa ativamente. Agostinho (2001, pp. 392,393) mesmo o diz, no décimo-nono livro de sua obra:
Os amilenistas (sic) mantêm que a Bíblia
não prevê um período de paz e justiça universais antes do fim do mundo. Eles crêem que haverá um crescimento contínuo
de bem e mal no mundo, que culminará
na Segunda Vinda de Cristo (...) Os
amilenistas (sic) crêem que o reino de
Deus está presente agora no mundo, enquanto o Cristo vitorioso governa seu povo
através de sua Palavra e Espírito, embora
eles também vejam adiante um reino futuro, glorioso e perfeito, na nova terra na
vida do porvir.
Nossa mais ampla acolhida à opinião de
que a vida do sábio é vida de sociedade.
Porque donde se originaria, como se desenvolveria e como alcançaria seu fim a
Cidade de Deus... se não fosse vida social
a vida dos santos?
Agostinho é considerado como aquele que
sistematizou a abordagem amilenarista, dando
ao milênio um sentido figurativo e não temporal
ou cronológico (ERICKSON, p. 64). Trataremos
com mais detalhe da contribuição de Agostinho a seguir.
A Contribuição de Agostinho
Examinando-se a Cidade de Deus, pode-se
observar que Agostinho não tinha uma visão
nem pessimista, nem otimista da História. Segundo ele, a História não acontece sozinha,
como se nenhuma outra força estivesse por detrás dela. Agostinho acreditava que Deus guia
a História e a utiliza para cumprir os seus desígnios. Por outro lado, Agostinho sabe e conhece
Agostinho dedica uma espaço significativo
para a discussão das questões referentes à segunda vinda de Cristo e os eventos a ela ligados. No vigésimo livro de sua monumental obra,
o bispo de Hipona expõe sua interpretação do
texto de João, em Apocalipse 20, propondo que
os “mil anos” não devem ser interpretados de
forma literal, mas num sentido figurado.
O bispo de Hipona se detém na questão do
juízo final que, conforme enfatiza logo de início,
é “final”, pois Deus julga desde o início (AGOSTINHO, p. 425). São diversos os textos bíblicos
expostos com a finalidade de mostrar como será o
último e definitivo juízo. Agostinho, porém, segue uma ordem bem própria de abordagem dos
diferentes livros do cânone. Ele mesmo explica:
Respigarei, primeiro no Novo Testamento e
depois no Antigo, os testemunhos, tomados
das Sagradas Escrituras, que me propus
aduzir, do juízo final. Embora o Antigo preceda o Novo em tempo, o Novo precede-o
em autoridade, porque aquele não passa de
prelúdio deste. (AGOSTINHO, p. 429)
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
203
Agostinho inicia pelo texto dos Evangelhos,
mostrando as palavras do próprio Cristo a respeito das coisas do fim. Depois disto, passa a tratar, com mais detalhe, do texto de Apocalipse,
discorrendo, após, sobre os textos dos apóstolos
Pedro e Paulo, indo então para o Antigo Testamento, com os profetas Isaías, Daniel, Malaquias
e o livro dos Salmos.
Imediatamente antes de entrar no texto de
Apocalipse, Agostinho elucida o sentido das palavras de Jesus no Evangelho de João, ao falar de
duas ressurreições. São elas, a primeira “segundo
a fé, que agora se opera pelo batismo”, e a segundo aquela que ocorre “no juízo final” (Id., p. 434).
Vem então a questão envolvendo a visão de João
no Apocalipse. Citamos as palavras do apóstolo,
objeto da exposição de Agostinho:
Então vi descer do céu um anjo; tinha na
mão a chave do abismo e uma grande corrente. Ele segurou o dragão, a antiga serpente, que é o diabo, Satanás, e o prendeu por mil anos; lançou-o no abismo, fechou-o e pos selo sobre ele, para que não
mais enganasse as nações até se completarem os mil anos. Depois disto é necessário que ele seja solto pouco tempo. Vi
também tronos e nestes sentaram-se aqueles aos quais foi dada autoridade de julgar. Vi ainda as almas dos decapitados por
causa do testemunho de Jesus, bem como
por causa da palavra de Deus, tantos
quantos não adoraram a besta, nem tão
pouco a sua imagem e não receberam a
marca na fronte e na mão ; e viveram e
reinaram com Cristo durante mil anos. Os
restantes dos mortos não reviveram até
que se completassem os mil anos. Esta é a
primeira ressurreição. Bem-aventurado e
204
santo é aquele que tem parte na primeira
ressurreição; sobre esses a segunda morte
não tem autoridade; pelo contrário, serão
sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão
com ele os mil anos. (Apocalipse 20.1-6)
O interesse de Agostinho no texto de
Apocalipse 20 inicia por indagar o que significariam as duas ressurreições mencionadas pelo apóstolo João. Na explicação, Agostinho se refere a uma
interpretação corrente em seu tempo, de que se
trataria, a primeira ressurreição, da ressurreição
corporal, ao se completarem seis mil anos desde a
criação do mundo. Viria então o “Sábado” de mil
anos, onde haveria toda sorte de banquetes, comida e bebida, que Agostinho considera uma maneira carnal de entender o assunto. Aos que pensam daquela maneira, Agostinho chama de
“khiliastas, palavra grega que literalmente podemos traduzir por milenaristas.” (Id., p. 435)
Para explicar o sentido do amarrar de Satanás, Agostinho alude à palavra de Jesus no Evangelho (Mateus 12.29), com a figura de alguém
entrando na casa de um poderoso e amarrandoo, a fim de poder roubar-lhe os bens. Satanás é o
forte, que enreda o ser humano com sua malícia. Ele teve de ser amarrado, isto é, “acorrentoulhe o poder de seduzir e dominar os redimidos”
(Id., p. 435). Assim sendo, a prisão de Satanás,
relatada em Apocalipse 20, não é vista por Agostinho como um evento futuro ainda por ocorrer,
mas um fato passado. Jesus Cristo, através de
seu ministério terreno e a obra da redenção da
humanidade, limitou o poder de Satanás, tirando-lhe o domínio sobre os povos.
A interpretação dos mil anos está diretamente
ligada à posição a respeito da prisão de Satanás.
Agostinho sugere duas possibilidades:
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Ou porque isso há de passar-se nos mil
últimos anos, quer dizer, no sexto milhar,
como no sexto dia, cujos últimos agora
transcorrem, para serem seguidos pelo sábado que não tem tarde, ou seja, pelo repouso dos santos, que não terá fim (e em
tal sentido aqui chamaria mil anos à última parte deste tempo, como dia que dura
até o fim do mundo, tomando a parte pelo
todo) ou se serve dos mil anos para designar a duração do mundo, empregando
número perfeito para denotar a plenitude
do tempo... (Ibid.)
Em qualquer das alternativas sugeridas,
Agostinho recusa-se a tratar os mil anos e o retorno de Cristo de maneira cronológica. Como
mostra Daley (1994, p. 196), Agostinho manteve uma posição agnóstica “sobre o tempo do fim
do mundo e cético até mesmo quanto às mais
respeitáveis tentativas cristãs de calculá-lo a
partir das Escrituras e dos eventos contemporâneos.” Já no livro décimo-oitavo de sua obra,
Agostinho manifestara-se contrário a qualquer
tentativa de estabelecer a data do fim. Ao citar
um texto do apóstolo Paulo, em que este fala da
destruição do anticristo, por ocasião do retorno
de Cristo, ele observa:
Aqui é costume perguntar-se: Quando sucederá isto? Na verdade, trata-se de pergunta importuna. Porque se fosse útil sabêlo, quem melhor do que o divino Mestre
poderia dar a resposta aos discípulos... Em
vão nos afanamos, pois, em determinar os
anos restantes até o fim do mundo, pois
ouvimos da boca da Verdade que não nos
toca sabê-lo. (Id., p. 373)
Agostinho, pelo que se pode observar na exposição de Apocalipse 20, vê os dias presentes
como parte dos últimos dias. Em outras palavras,
na sua visão, os mil anos estão já ocorrendo, fazendo parte do tempo em que a obra redentora
de Cristo se faz manifestar, pelo fato do poder de
Satanás estar limitado.
Uma das conseqüências do amarrar de Satanás por mil anos, segundo Agostinho, pode ser
percebida na vida da Igreja cristã em todo o
tempo entre a primeira vinda de Cristo e seu
retorno para o juízo: “Todo dia vemos pessoas
que, abandonando a infidelidade, se convertem
à fé” (AGOSTINHO, p. 439).
CONCLUSÃO
A irrupção do reino de Deus no mundo foi
interpretada de formas diferentes já por parte
dos pais da Igreja, nos primeiros séculos da era
cristã. Diversos destes empregaram uma leitura
“milenarista” do texto bíblico, sugerindo a vinda imediata do reino, com a plena transformação da sociedade, ainda antes do juízo final.
Santo Agostinho, em seu escrito “A Cidade de
Deus”, sugere uma visão de História em que
Deus realiza seu reinar ativo no mundo mesmo
antes do juízo final. Sua interpretação do “milênio” é figurativa. O milênio, na verdade, é uma
figura do assim chamado “tempo da graça”, ou
seja, o período em que a graça de Deus é anunciada ao mundo, neste período entre a primeira
e a segunda vindas de Cristo.
Para o nosso tempo, em que o debate
hermenêutico continua de uma maneira acentuada nos textos escatológicos, Santo Agostinho
continua sendo uma referência importante. Seu
posicionamento, caracterizado como amilenarista,
proporciona um significa dinâmico ao reino de
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
205
Deus, ou seja, este reino está ativo na História,
através do anúncio do Evangelho de Jesus Cristo. Os cidadãos da Cidade de Deus, vivendo ainda
neste mundo, não têm motivo de se esconder. Sua
vocação é a atuação firme na vida da sociedade,
como testemunhas do amor de Deus, revelado
em Cristo e manifestado de maneira especial no
aprisionamento de Satanás. Isto faz do tempo presente um tempo de oportunidade para todos aqueles que, a exemplo de Agostinho, aguardam com
expectativa a revelação plena do Reino de Deus
no retorno de Cristo, mas já vivem, pela fé, neste
reino de graça e amor.
REFERÊNCIAS
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4 ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
COUSE, Robert G. Ed. Milênio: Significado e Interpretações. Campinas: Luz para o
Caminho, 1985.
DALEY, Brian E. Origens da Escatologia
Cristã. Tradução de Paulo D. Siepierski. São
Paulo: Paulus, 1994.
FIESER, James (Ed). The Internet Encyclopedia
of Philosophy, 2004. Disponível em: http://
www.utm.edu/research/iep/a/augustin.htm
206
FLOR, Paulo F. O Milenismo à Luz de
Apocalipse 20.1-10. Vox Concordiana, São
Paulo, v. 13, n. 2, p. 41-61, 1998.
GONZALEZ, Justo L. Uma História Ilustrada do Cristianismo – Vol. 4: A Era dos Gigantes. Tradução de Hans Udo Fuchs. São
Paulo: Vida Nova, 1995.
HAMMAN, A. Os padres da Igreja. Tradução de Isabel Fontes Leal Ferreira. São Paulo: Paulinas, 1980.
HAEGGLUND, Bengt. História da Teologia. Tradução de Mário L. Rehfeldt e Gládis
K. Rehfeldt. Porto Alegre: Concórdia, 2003.
LINDEN, Gerson Luis. Milenarismo ao Longo da História da Igreja à Luz do Artigo XVII
da Confissão de Augsburgo. Theophilos, Canoas, v. 2, n. 2, p. 53-77, 2002.
MENDELSON,
Michael.
Stanford
Encyclopedia of Philosophy. Disponível em:
http://plato.stanford.edu/entries/augustine/#6
O’DONNELL, James J. Augustine the African.
Disponível em: http://ccat.sas.upenn.edu/jod/
augustine.html
WALKER, Willinston. História da Igreja
Cristã. Tradução de D. Glênio Vergara dos
Santos e N. Duval da Silva. 2. ed. Rio de
Janeiro/São Paulo: JUERP/ASTE, 1980.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
A necessidade da atualização para
o ensino de genética
ROBERTA LIPP COIMBRA1
AGOSTINHO SERRANO DE ANDRADE NETO2
SIMONE SOARES ECHEVESTE3
JULIANA DA SILVA4
RESUMO
Neste estudo buscou-se obter embasamento para discutir a possibilidade de intervenções pedagógicas
significativas dentro de alguns temas da genética. Foi utilizado um grupo de estudantes do PPG de Ensino
de Ciências e Matemática que já atuam no ensino médio. Aulas expositivas, de laboratório e discussões de
artigos foram realizadas. Na atividade laboratorial desenvolveu-se a técnica Ensaio Cometa. Foi realizada
avaliação conceitual sobre DNA através de pré- e pós-testes. As respostas foram categorizadas. Os
resultados indicaram uma clara evolução conceitual, principalmente sobre lesão e reparo/DNA. Desta
forma, acreditamos poder contribuir no estabelecimento de algumas estratégias de ensino a serem utilizados junto a diferentes níveis escolares.
Palavras-chave: Genética, Ensino de Pós-Graduação, Experimentos didáticos.
ABSTRACT
Our aim was to investigate means to discuss the possibility of meaningful pedagogical interventions in
some themes on genetics, manly through didactic experiments that would allow discussion about genetics
Acadêmica do Curso de Biologia – Bolsista PROICT/ULBRA
3
Professor do Curso de Física e do PPG Ensino de Ciências e Matemática/ULBRA
4
1
2
Professora do Curso de Matemática/ULBRA
Professora - Orientadora do Curso de Biologia do PPG Ensino de Ciências e Matemática/ULBRA ([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
207
and the environment. Therefore, we have chosen to use the Comet Assay technique. The didactic activity
was applied in a group of graduate students in science and mathematics teaching to assess the student’s
concepts about DNA. Results may indicate a clear conceptual evolution, manly in the concepts regarding
DNA lesion and repair, especially in students from non-biology under graduation courses.
Key words: Genetics, Graduation teaching, didactic experiments.
INTRODUÇÃO
A dificuldade de compreensão da construção de conhecimentos decorre da complexidade inerente à Genética Molecular. O conhecimento sobre os genes e seu funcionamento deixou os laboratórios e passou a envolver interesses econômicos e éticos. Além de motivador, o
tema permite trabalhar o que muitos estudiosos
de Pedagogia consideram conteúdos sempre presentes no processo de educação escolar: fatos,
conceitos, princípios, procedimentos, atitudes,
normas e valores.
Ao abordar os conhecimentos relacionados
à natureza do material hereditário, à codificação
genética, ao modo como as proteínas determinam as características dos seres vivos e, finalmente, como todo este conhecimento tem sido
utilizado na tentativa de resolver problemas de
sobrevivência da humanidade, estamos contribuindo para que a escola cumpra seu papel de
transmitir o conhecimento socialmente produzido, correto e esclarecedor; deixando para trás
a forma de ensinamento tradicional que abordava teorias evolutivas até síndromes
cromossômicas.
O ensino da célula como uma unidade no
ensino de biologia tem suas raízes na própria história de construção e evolução de seu conhecimento. Comparado aos estudos de ensino de
Química e Física, compreende-se a dificuldade
208
própria à Biologia, pois os processos pelo qual se
passam a nível celular, são na maioria das vezes
impossíveis de serem manipulados pelos estudantes, pois a atividade experimental depende do
microscópio e quando não, só pode ser feito através de fotografias, modelos e esquemas.
Partindo deste pressuposto, são necessárias
mudanças curriculares e metodológicas utilizadas pela maioria dos professores de Biologia para
o ensino de célula e consequentemente para o
ensino de genética.
Algumas pesquisas demonstram que “o laboratório tradicional favorece o estabelecimento de uma linguagem comum entre os alunos e
o conhecimento científico escolar, que vai sendo adquirido pelos alunos na medida em que
eles argumentam para adequar os significados
atribuídos aos conceitos, leis, teorias e princípios científicos ao contexto do laboratório didático” (VILLANI 2004; MOREIRA 1999).
A interação entre pesquisadores de diferentes áreas já é bastante comum, observam-se trabalhos onde interagem geneticistas, químicos,
bioquímicos, físicos, profissionais da informática,
ética, entre outros, na compreensão de fenômenos ambientais, por exemplo.
NETO (1999) destaca que a pesquisa na área
do ensino de ciências em diferentes programas
de pós-graduação do Brasil vêm se desenvolvendo desde a década de 70, o que tem levado a
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uma melhoria deste campo no país. Das centenas de trabalhos que foram analisados pelo autor observa-se um grande “gap” no que diz respeito a estudos voltados para graduandos e pósgraduandos como objetos de estudo. O mesmo
autor destaca a necessidade de se ampliar os
trabalhos voltados a estes grupos.
Lembramos também que a interdisciplinaridade
promove a interação dos diferentes conhecimentos propiciando condições ideais para uma nova
aprendizagem, mais motivadora, que diminua o
distanciamento entre os conteúdos programáticos
e a experiência dos alunos.
A reorganização curricular trabalhada numa
perspectiva interdisciplinar e contextualizada
pressupõe que a aprendizagem significativa implica uma relação sujeito - objeto e que, para
que se concretize, é necessário oferecer as condições para que os dois pólos do processo
interajam (MOREIRA, 1999).
MATERIAL E MÉTODOS
Grupo estudado
A pesquisa foi desenvolvida com os alunos do
curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciências e Matemática / PPGECIM –
ULBRA, 2 turmas foram avaliadas. O número de
estudantes utilizados no pré-teste foi de quinze,
o que corresponde a 100% dos alunos matriculados na disciplina de “Química, Física e Biologia
para o Estudo do Ambiente”. Esta disciplina visa
discutir aspectos básicos das ciências de forma
interdisciplinar para o estudo do meio ambiente.
Sendo assim, a escolha da genética como
temática possibilitou utilizar ensaio cometa como
atividade experimental. Para o pós-teste, os mesmos 100% de alunos foram analisados (n=15).
Os alunos são em sua maioria graduados em
Biologia (50%). Os demais são provenientes de
diferentes cursos: Química, Farmácia, Pedagogia, Administração Rural, Engenharia Civil e
Engenharia Elétrica.
O grupo é heterogêneo, além das suas formações diversas, alguns alunos buscam o
mestrado na perspectiva de continuarem seus
estudos na Universidade (doutorado), outros
buscam aprimoramento nesta área, com interesse
específico no mercado de trabalho.
Atividades desenvolvidas
Foram realizadas entrevistas individuais com
os estudantes, onde o conhecimento prévio ao
início do processo de ensino foi identificado através de questionário - pré-teste com roteiro específico de perguntas, bem como após aulas
expositivas e de laboratório através de pós-teste; a turma 2 não participou da atividade
laboratorial. A atividade foi realizada no primeiro
semestre de 2003 e 2004, sendo o pré-teste antes das atividades da disciplina e o pós-teste após
atividades. Foi proposto aos alunos uma situação problema e exercícios escritos e de representações esquemáticas (Anexo 1 – Instrumento da pesquisa).
A seguir, as aulas procederam-se discutindo
temas mais amplos de genética e ambiente, conceitos sobre os temas não fazia parte dos objetivos deste curso. Por ser um grupo que não era
formado 100% por biólogos, fez-se necessário
discutir um pouco sobre cromossomos, divisão
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209
celular, estrutura do DNA, síntese de proteínas.
Após certo embasamento entrou-se em discussões sobre os agentes ambientais, naturais ou sintéticos, sua forma de ação, dano ao DNA e reparo, suscetibilidade genética, acompanhados
por um livro texto (DA SILVA et al., 2003).
Também foi realizada atividade em laboratório para uma das turmas (Turma 1); os alunos
realizaram caminhada de 30 minutos, para induzir dano oxidativo no DNA, e para a prática foi
coletada uma amostra de sangue de cada indivíduo (uma ou duas gotas) antes e outra amostra
depois do exercício. Com as amostras de sangue
realizaram um teste de detecção de danos ao
DNA (Ensaio Cometa - COTELLE & FÉRARD,
1999; DA SILVA et al., 2000). O Ensaio Cometa
(“Single Cell Gel electrophoresis”) é uma técnica rápida, sensível e barata - portanto factível de
ser utilizada no ensino - para a quantificação de
lesões e detecção de efeitos de reparo no DNA
em células individuais de mamíferos. Este teste
apresenta algumas vantagens sobre os testes
bioquímicos e citogenéticos, entre estas a necessidade de somente um pequeno número de células e de não ser necessário células em divisão,
sem falar dos custos. As células englobadas em
gel sobre uma lâmina são submetidas a uma corrente elétrica, que faz migrar para fora do núcleo
os segmentos de DNA livres, resultantes de quebras. Após a eletroforese, as células que apresentam um núcleo redondo são identificadas como
normais, sem dano reconhecível no DNA. Por
outro lado, as células lesadas são identificadas
visualmente por uma espécie de cauda, como de
um cometa, formada pelos fragmentos de DNA.
Estes fragmentos podem se apresentar em diferentes tamanhos, e ainda estarem associados ao
núcleo por uma cadeia simples. Para alguns autores o tamanho da cauda é proporcional ao dano
que foi causado, mas somente é de consenso que
a visualização do “cometa”, significa dano ao nível do DNA, podendo ser quebra simples, duplas, crosslinks, sítios de reparo por excisão e/ou
lesões álcali-lábeis. A identificação do dano no
DNA pode ser feita por diferentes maneiras, uma
forma é medir o comprimento do DNA migrante
com a ajuda de uma ocular de medidas, outra
forma é classificar visualmente em diferentes classes as células com dano (Figura 1), podendo se
obter um valor arbitrário que expresse o dano geral
que uma população de células sofreu.
Figura 1 - Classes dos COMETAS, desde sem dano até máximo de lesão: A= classe zero / sem dano; B= classe I;
C= classe II; D= classe III; E= classe IV; F= apoptose / morte celular (adaptado de DA SILVA et al., 2000).
210
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Avaliação dos questionários
A comparação dos questionários dos estudantes foi realizada a partir da proposição de categorias de análise que refletissem sobre a compreensão a respeito do assunto. As respostas foram analisadas procurando-se pontos em comum, que
possibilitasse o agrupamento. Primeiramente avaliaram-se os questionários em duas etapas:
(A) avaliação sobre modelo do DNA e conceitos (Questões 1-2);
(B) avaliação sobre conceitos de como o
DNA pode ser lesado e reparado (enfoque
ambiental) (Questões 3-8).
Com relação às respostas, foram propostas
categorias baseadas nos trabalhos de FALCÃO
& BARROS (1999) e GRIFFIN et al. (2003).
Assim, dentro de cada etapa, A e B, as respostas dos estudantes foram agrupadas em:
(0) Sem resposta - Respostas do tipo não sei
ou em branco;
(1) Resposta Pobre / Sem informação – Respostas que não indicavam compreensão do
aluno sobre o tema;
(2) Resposta Fraca / Racionalidade Científica
não Compatível com Modelo Científico - Respostas que manifestam uma certa compreensão
dos conceitos, mas sem fundamentação teórica;
(3) Resposta Satisfatória / Racionalidade
Científica com Certa Compatibilidade com
o Científico - Respostas que demonstram
compreensão dos elementos científicos mais
importantes;
(4) Resposta Excelente / Expressa
Racionalidade Científica com ou sem Refinamento de Modelo Compatível - Percebese compreensão total sobre a resposta, podendo apresentar refinamento nas respostas (discussões além do questionado).
Na Tabela 1 e 2, é possível observar todas as
respostas dos estudantes já separadas em categorias para cada questão, bem como na Figura 2 e 3.
Com base nas Tabelas 1 e 2 e Figura 2 e 3, observase que os estudantes apresentaram um certo conhecimento sobre o que é o DNA e a sua função
(questões 1 e 2), mas que a respeito dos agentes
ambientais e naturais e seus efeitos sobre o material genético este conhecimento era bastante falho.
Observe nas mesmas tabelas e figuras que
ao final da disciplina (pós-teste) o número de
respostas classificadas como 4 (Excelente) aumenta nitidamente, para ambas as turmas.
Alguns dos teóricos citados por VILLANI
(1999), como Ausubel e Novak, consideram
estratégias e recursos didáticos como instrumentos que permitem a manipulação de variáveis
do processo ensino-aprendizagem e são eles os
“organizadores prévios” e os “mapas conceituais”.
A mesma autora comenta a respeito destes “dispositivos” como já utilizados como recurso por
diversos autores.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
211
Tabela 1 - Categorização das respostas da Turma 1 quanto a sua compreensão sobre o tema DNA, antes do início das
discussões (Pré-Teste) e após atividades de laboratório, aulas expositivas e discussões (Pós-Teste).
QUESTÕES PRÉ-TESTE
NÚMERO TOTAL DE ALUNOS
/ CLASSE DE RESPOSTA
(4)
(3)
(2)
(1)
(0)
2
3
1
0
0
1
0
3
1
1
(4)
(3)
(2)
(1)
(0)
1
2
3
0
0
1
0
5
0
0
(A) DNA X CONCEITOS
1. O que é o DNA e qual a sua função?
2. Desenhe o modelo do DNA que você utiliza.
(B) DNA X AMBIENTE - LESÃO / REPARO
3. Quais fatores você acha que podem levar a modificações no DNA?
4. O que você pensa que acontece com uma célula após seu DNA ser lesionado?
5. “O homem na era pré-industrial tinha seu DNA intacto pela maior parte de sua vida”.
1
Você concorda ou discorda desta afirmação? Explique
6. E quanto a suas próprias células? Quando você supõe que o DNA das suas células
0
sofre alteração? Quantas vezes por ano?
7. As modificações que podem ocorrer no seu DNA sempre são maléficas? Explique.
1
8. O que aconteceu com o DNA dos roedores do texto do início da folha? Comente e
explique a descoberta dos cientistas: a variabilidade genética da espécie permaneceu a 0
mesma.
(A) DNA X CONCEITOS
(4)
1. O que é o DNA e qual a sua função?
2
2. Desenhe o modelo do DNA que você utiliza.
1
(B) DNA X AMBIENTE - LESÃO / REPARO
(4)
3. Quais fatores você acha que podem levar a modificações no DNA?
4
4. O que você pensa que acontece com uma célula após seu DNA ser lesionado?
3
5. “O homem na era pré-industrial tinha seu DNA intacto pela maior parte de sua vida”.
4
Você concorda ou discorda desta afirmação? Explique
6. E quanto a suas próprias células? Quando você supõe que o DNA das suas células
5
sofre alteração? Quantas vezes por ano?
7. As modificações que podem ocorrer no seu DNA sempre são maléficas? Explique.
3
8. O que aconteceu com o DNA dos roedores do texto do início da folha? Comente e
explique a descoberta dos cientistas: a variabilidade genética da espécie permaneceu a 2
mesma.
2
0
3
0
1
1
3
1
3
1
1
0
1
1
4
0
(3)
4
1
(3)
1
1
(2)
0
4
(2)
1
1
(1)
0
0
(1)
0
0
(0)
0
0
(0)
0
1
0
2
0
0
0
1
0
0
2
1
0
0
1
0
3
0
Tabela 2 - Categorização das respostas da Turma 2 quanto a sua compreensão sobre o tema DNA, antes do início
das discussões (Pré-Teste) e após atividades de laboratório, aulas expositivas e discussões (Pós-Teste).
QUESTÕES PRÉ-TESTE
(A) DNA X CONCEITOS
1. O que é o DNA e qual a sua função?
2. Desenhe o modelo do DNA que você utiliza.
(B) DNA X AMBIENTE - LESÃO / REPARO
3. Quais fatores você acha que podem levar a modificações no DNA?
4. O que você pensa que acontece com uma célula após seu DNA ser lesionado?
5. “O homem na era pré-industrial tinha seu DNA intacto pela maior parte de sua vida”.
Você concorda ou discorda desta afirmação? Explique
6. E quanto a suas próprias células? Quando você supõe que o DNA das suas células
sofre alteração? Quantas vezes por ano?
7. As modificações que podem ocorrer no seu DNA sempre são maléficas? Explique.
8. O que aconteceu com o DNA dos roedores do texto do início da folha? Comente e
explique a descoberta dos cientistas: a variabilidade genética da espécie permaneceu a
mesma.
212
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
NÚMERO TOTAL DE ALUNOS /
CLASSE DE RESPOSTA
(4)
(3)
(2)
(1)
(0)
3
6
0
0
0
1
4
2
0
0
(4)
(3)
(2)
(1)
(0)
0
2
6
0
1
0
0
6
1
2
0
2
3
3
1
0
3
2
0
4
0
3
2
2
2
0
0
5
2
2
QUESTÕES PÓS-TESTE
(A) DNA X CONCEITOS
1. O que é o DNA e qual a sua função?
2. Desenhe o modelo do DNA que você utiliza.
(B) DNA X AMBIENTE - LESÃO / REPARO
3. Quais fatores você acha que podem levar a modificações no DNA?
4. O que você pensa que acontece com uma célula após seu DNA ser lesionado?
5. “O homem na era pré-industrial tinha seu DNA intacto pela maior parte de sua vida”.
Você concorda ou discorda desta afirmação? Explique
6. E quanto a suas próprias células? Quando você supõe que o DNA das suas células
sofre alteração? Quantas vezes por ano?
7. As modificações que podem ocorrer no seu DNA sempre são maléficas? Explique.
8. O que aconteceu com o DNA dos roedores do texto do início da folha? Comente e
explique a descoberta dos cientistas: a variabilidade genética da espécie permaneceu a
mesma.
NÚMERO TOTAL DE ALUNOS /
CLASSE DE RESPOSTA
(4)
(3)
(2)
(1)
(0)
7
2
0
0
0
2
4
1
0
2
(4)
(3)
(2)
(1)
(0)
6
3
0
0
0
6
2
1
0
0
1
6
0
0
2
4
5
0
0
0
4
5
0
0
0
2
7
0
0
0
Médias Pré e Pós-Teste Turma 1
Classes (0-4)
4
3
Pré-teste
Pós-teste
2
1
0
1
2
3
4
5
6
7
8
Questões
Figura 2. Médias das respostas (classes) obtidas para a turma 1 em relação a cada questão.
Classes (0-4)
Médias Pré e Pós-Teste Turma 2
4
3
Pré-teste
Pós-teste
2
1
0
1
2
3
4
5
6
7
8
Questões
Figura 3 - Médias das respostas (classes) obtidas para a turma 2 em relação a cada questão.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
213
A comparação dos dados resultantes das duas
avaliações, pré- e pós-teste, revela mais uma vez
que para cada etapa (Bloco de Questões) as porcentagens de acertos mostraram-se maiores após
a implementação da disciplina. Percebe-se que a
melhora das respostas, passando de fracas e pobres (Classes 0-2) para satisfatórias e excelentes
(Classes 3-4), se deu principalmente a respeito
de efeitos ambientais e naturais sobre o DNA, e
a capacidade deste de se reparar (Etapa B).
Através dos resultados do teste nãoparamétrico de Wilcoxon verifica-se que apenas a Questão 5 para a Turma 2 não apresentou
diferença significativa (P>0,05) nas pontuações
recebidas entre os períodos pré e pós. Para as
outras questões observou-se uma pontuação
maior no período pós.
Os 100% dos estudantes testados na segunda
fase (pós-teste) apresentaram melhora no desempenho, mesmo falando em relação aos alunos que
não eram de áreas biológicas. Mas o mais interessante é observar que em relação a questão 5, onde
requer uma compreensão de que o natural, o próprio oxigênio, leva a lesão no DNA, somente às
aulas teóricas não foram suficientes para demonstrar uma melhora nas respostas. Quando se observa a Turma 1 que realizou atividade
laboratorial, onde os mesmos tinham uma situação problema e através da análise de seus dados
observaram que o dano no material genético pode
ser levado pelo próprio ar que respiramos; a melhora é estatisticamente significante.
CONCLUSÕES
Os conhecimentos são dificilmente transmitidos, tanto no plano individual como social, sua
214
transferência, de um nível ao outro de
ensinamento, parece ser igualmente difícil. Segundo GIORDAN & DE VECCHI (1988), professores do ensino superior culpam os do nível secundário, e estes os do primário. Os mesmos autores
ainda ressaltam que não existe um ensinamento
integrador, e que é por isto que ocorre uma lacuna
em muitos dos temas estudados.
O DNA é um dos grandes descobrimentos
da ciência contemporânea, sendo que seu conhecimento foi rapidamente popularizado. Os
meios de comunicação graças à estrutura do
DNA, imagens fantásticas, e explicações sobre
o código genético, influenciaram na introdução deste tema nos programas de ensino. A
Biologia Molecular mesmo fazendo parte dos
programas de ensino ainda hoje apresentam
muitas carências, o que pode ser observado
neste estudo.
O uso de experimentos didáticos no ensino
interdisciplinar de ciências é desejável, pois fornece subsídios à discussão de temas que
permeiam diversas ciências. Em particular, o
Ensaio Cometa é uma técnica barata e que permite abordar a temática de lesão e reparo do
DNA, provocada tanto por efeitos simples como
estresse oxidativo como de outros fatores
genotóxicos. Aspectos qualitativos da lesão do
DNA podem ser abordados, e também aspectos
quantitativos, como a freqüência das lesões que
ocorre naturalmente. Consideramos que, hoje
em dia, várias universidades do país que possuem laboratório de genética podem utilizar esta
técnica para integrar este tema no ensino, tanto na graduação, como na pós-graduação. Além
disto, utilizar experimentos didáticos que envolvam a atuação de fatores ambientais na genética de seres vivos permite discutir conceitos básicos das diversas ciências – transversalidade.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Um dos resultados observados é que estudantes de diferentes áreas, apresentam um aprendizado significativo da temática da genética, em
especial, sobre lesão e reparo. Já o aprendizado
da estrutura e função do DNA não apresentou,
na nossa investigação, uma melhora substancial, talvez por não ter sido abordada representações microscópicas do funcionamento da genética em nível molecular. Entretanto, conhecimento básico sobre a função e estrutura do DNA
foi satisfatoriamente apresentado pelos estudantes após a atividade.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
As representações utilizadas pelos estudantes
de área ou não da biologia refletem a necessidade
de descrever a estrutura do DNA e sua composição química (entre as fitas), e suas funções (código genético). Assim, as representações dos estudantes refletem modelos científicos com nenhuma ou algumas concepções alternativas, à medida
que incluem ou não os elementos supracitados.
Estas representações podem servir para categorizar
os estudantes, pois podem refletir o grau de conhecimento científico apresentado por eles.
FALCÃO, D.; BARROS, H. L. de. Estudo
de impacto de uma visita a uma exposição
de um museu de ciências. In: ENCONTRO
NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS, 2., 1999.
Desta forma, faz-se necessário investigar ainda mais o processo de aprendizagem no que se
refere ao tema tratado, quanto aos conceitos,
desde antes de concluído os cursos específicos
de graduação, e até mesmo os livros didáticos
disponíveis sobre o assunto, juntamente aos métodos de ensino utilizados. É importante salientar também a necessidade de se utilizar e avaliar
diferentes estratégias, e métodos mais novos, como
o Ensaio Cometa, principalmente quando tratados de temas mais complexos como dano e reparo
do DNA. Este método se mostrou eficaz entre os
pós-graduandos avaliados neste estudo, permitindo inclusive discussões entre diferentes disciplinas como química, física e biologia.
COTELLE, S.; FÉRARD, J.F. Comet assay in
genetic ecotoxicology: A review.
Environmental
and
Molecular
Mutagenesis, v.34, p.246-255, 1999.
DYER, B.D.; LEBLANC, M.D. Meeting
report: Incorporating genomics research into
undergraduate curricula. Cell Biology
Education, v.1, n.4, p.101-104, 2002.
GIORDAN, A.; DE VECCHI, G. Los
origenes del saber. 1.ed. Sevilla: Diada,
1988. 240 p.
GRIFFIN, V.; MCMILLER, T.; JONES, E.;
JOHNSON, C.M. Identifying novel helixloop-helix genes in Caenorhabditis elegans
through a classroom demonstration of
functional genomics. Cell Biology
Education, v.2, n.1, p.51-62, 2003.
MOREIRA, M. A. Aprendizagem Significativa. Série Fórum Permanente de Professores. Brasília: Editora da UnB, 1999.
NETO, J. M. O que sabemos sobre a pesquisa em ensino de ciências no nível fundamental: Tendências de teses e dissertações defendidas entre 1972 e 1995. In: ENCONTRO
NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS, 2., 1999.
SILVA,
J.
da;
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
ERDTMANN,
B.;
215
HENRIQUES, J.A.P. (Orgs.). Genética
Toxicológica. 1.ed. Porto Alegre: Alcance,
2000. 424 p.
SILVA, J. da; FREITAS, T. R. O.; MARINHO, J. R.; SPEIT, G.; ERDTMANN, B.
Alkaline Single-Cell Gel Electrophoresis
(Comet Assay) to Environmental In Vivo
Biomonitoring With Native Rodents.
Genetics and Molecular Biology, v.23, n.1,
p. 241-245, 2000.
VILLANI, V.G. A argumentação e o ensino de
ciências: uma atividade experimental no laboratório didático de física do ensino médio. Revista Investigação em Ensino de Ciências, 2004.
VILLANI, V.G. Um contexto de ensino e a
aprendizagem da fisiologia humana. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS, 2., 1999.
ANEXO 1
No leste europeu ocorreu um acidente no
reator nuclear de Chernobyl, em que o núcleo
do reator, devido a falhas mecânicas e humanas
teve uma súbita mudança de temperatura, que
provocou a sua explosão, jogando grande quantidade de fumaça com elementos radioativos na
atmosfera. Esta fumaça radioativa contaminou
uma grande área nos arredores da região, que
sofreu e ainda sofre os efeitos. Logo após o aci-
216
dente, uma análise de roedores da região mostrou que a variabilidade genética destes roedores era idêntica a de roedores da mesma espécie
em outros lugares do mundo.
Após a leitura deste texto, responda às questões:
1. O que é o DNA e qual a sua função?
2. Desenhe o modelo do DNA que você utiliza.
3. Quais fatores você acha que podem levar
a modificações no DNA?
4. O que você pensa que acontece com uma
célula após seu DNA ser lesionado?
5. “O homem na era pré-industrial tinha seu
DNA intacto pela maior parte de sua
vida”. Você concorda ou discorda desta
afirmação? Explique.
6. E quanto a suas próprias células? Quando
você supõe que o DNA das suas células
sofre alteração? Quantas vezes por ano?
7. As modificações que podem ocorrer no seu
DNA sempre são maléficas? Explique.
8. O que aconteceu com o DNA dos roedores do texto do início da folha? Comente
e explique a descoberta dos cientistas: a
variabilidade genética da espécie permaneceu a mesma.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Harry Potter: magia, ciência, tecnologia
articuladas na literatura para a produção
de uma infância/adolescência ciborgue?
ISABEL CHRISTINA ZOPPAS1
CAROLINE ROBERTA TODESCHINI2
MARIA LÚCIA CASTAGNA WORTMANN3
RESUMO
Este texto focaliza as aventuras de “Harry Potter” narradas por J. K. Rowling, discutindo-as a
partir dos campos da Educação, dos Estudos Culturais e dos Estudos Culturais de Ciência. Valendonos de análises discursivas, examinamos representações de magia, tecnologia e ciência, em uma
abordagem construcionista cultural (HALL, 1997), entendendo que tais textos atuam tanto como
divertimento para seus leitores/as, quanto como Pedagogias Culturais: neles se ensina a ser estudante
e feiticeiro, além de saberes tecnológicos, científicos e magia. Tais saberes estão neles articulados e
atuando na produção de identidades juvenis e de representações de escola e família, que não diferem
muito nas sociedades dos “bruxos” ou “trouxas”, categorias em que estão polarizados os/as personagens dessas histórias.
Palavras-chave: estudos culturais, representações culturais, pedagogias culturais.
Acadêmica do Curso de Biologia/ULBRA – Bolsista PROBIC/
FAPERGS
1
Professora – Orientadora do Curso de Pedagogia e do
PPG Educação/ULBRA ([email protected])
3
Acadêmica do Curso de Biologia/ULBRA – Bolsista PROICT/
ULBRA
2
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
217
ABSTRACT
This text speaks of a study centring on young and children literature, particularly Harry Potter’s adventures
narrated by J. K. Rowling, by articulating fields of Education, Cultural Studies, and Cultural Studies on
Science. Using discursive analysis, we have considered representations of magic, technology and science, in
cultural constructionist approach (HALL, 1997). We have assumed that texts narrating this young wizard’s
adventures act on its readers not only as entertainment, but also as cultural teaching, which teaches them
to be young, students, and wizards, and position them towards different knowledges – technological,
scientifical, and magical ones. These texts even highlight the established social order – particularly school
and family – and these are not very different in shape either in wizard society or in fool one, the categories
in which characters of these stories are. Furthermore, these texts articulate magic and technology as possibilities
acting on young identity shaping.
Key words: cultural representations, cultural studies, cultural pedagogy.
INTRODUÇÃO
Parece que a escola de magia de Hogwarts
abriu uma sucursal por aqui, porque tem
que ser meio mágico para vestir capa preta
de bruxo inglês debaixo de um calorão de
30o C – e ainda jogar quadribol sem vassoura voadora! Mas foi isso que aconteceu
sábado, no primeiro encontro promovido
pelos sites Pottervillage e Potterish, na Redenção. Os fãs de Harry Potter se dividiram nas casas da Grifinória, Corvinal,
Sonserina e Lufa-Lufa (igualzinho aos livros). A próxima reunião da turma não tem
data, mas o lugar foi escolhido: rola em
Floripa – a ilha da Magia! Sacou o trocadilho? (Texto escrito por Ricardo Duarte e
publicado no jornal Zero-Hora, editado em
Porto Alegre, RS, em 16/02/2005).
O estudo que desenvolvemos, e no qual este
texto se apóia, coloca em destaque temas como
magia, tecnologia e ciência, sobre os quais têm
sido desenvolvidas importantes discussões na
contemporaneidade, valendo-se das peculiares
218
e intrigantes considerações postas em evidência
nos livros da escritora britânica Joanne Kathleen
Rowling, que têm sido objeto de nossas análises.
Discutir de que modo tais temas podem ser
vistos como entrelaçados nos livros de Rowling
ganha, ainda, maior destaque em função do estrondoso sucesso que tais livros têm alcançado
em todo o mundo1 . Em uma série de sete livros,
traduzidos para cinqüenta idiomas, cinco dos
quais já foram editados no Brasil, tendo sido três
deles transformados em filmes, a autora narra as
aventuras do jovem Harry Potter – um menino
bruxo, de passado confuso, cujos pais morreram
nas mãos de um malvado feiticeiro.
Como é possível ver, a partir do excerto que transcrevemos acima, tais histórias têm mobilizado seus
leitores para além da simples aquisição e leitura dos
livros para entretenimento. Elas os têm instigado de
1
Segundo a Revista digital Pikflash.com (acesso 17/03/2005)
já foram vendidos mais de 200 milhões de exemplares dos
primeiros cinco livros da autora. Nesta mesma fonte está
indicado que Rowling é, atualmente, a mulher mais rica da
Inglaterra.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
diferentes maneiras, uma das quais corresponde a
sua organização em grupos e confrarias que cultuam
e refazem as práticas de Hogwarts (escola de magia
e bruxaria neles apresentada), não mais apenas na
internet. Ou seja, queremos destacar que tal literatura tem efeitos produtivos de diferentes ordens sobre seus leitores e leitoras e a sociedade, posto que
esses envolvem, tanto a produção e reafirmação de
identidades e de formas culturais juvenis, formas
essas que, tantas vezes, tal como indicou Hinkson
(apud GREEN & BIGUM, 1995), têm assustado e
desafiado os professores na condução de seu trabalho em sala de aula, quanto a criação de necessidades ligadas ao que KELLNER (2001) denomina “cultura da mídia. Tal cultura, como destaca o mesmo
autor (op.cit), é um setor vibrante e lucrativo da
economia (que tem na propaganda um dos seus
maiores suportes), que explora as tecnologias mais
avançadas, que atinge dimensões globais e que funciona como uma importante pedagogia cultural2 .
No que se refere aos efeitos produtivos dos
livros de Jeanne Rowling, que tomamos, também, como pedagogias culturais, pode-se dizer
que seus personagens transformaram-se, não
apenas em atores e atrizes dos filmes que acima
referimos; esses são alguns dos/as heróis e heroínas de nosso tempo, reproduzidos como bonecos/as e figuras que passaram a estampar cadernos, mochilas, roupas3 e a serem comercializados
intensa e lucrativamente. Mas, além disso, como
2
A expressão pedagogia cultural foi enunciada por autores/
as como Henry Giroux (1995), Susan Steinberg (1997),
Peter McLaren (1998) e Douglas Kellner (1995 e 2001),
para salientar a idéia de que a educação ocorre em uma
variedade de locais sociais, incluindo a escola, mas não se
limitando a ela. Como vimos reiteradamente afirmando em
muitos estudos, o conceito de pedagogia cultural amplia a
noção de pedagogia, permitindo que se possa entender
melhor como o trabalho que ocorre nas escolas (e em outros locais convencionalmente pensados como educacionais) está articulado a outras formas de trabalho cultural.
indicamos acima, eles são o elo que tem reunido jovens de diferentes bairros, cidades, e até
países, em chats ou presencialmente, para discutir práticas, aspirações, procedimentos, que
atuam na definição dos modos desses jovens
posicionarem-se no mundo e o entenderem.
OBJETIVOS DO ESTUDO,
MATERIAL ANALISADO E
PROCEDIMENTOS DE
PESQUISA
Neste texto, estamos mais uma vez nos detendo no exame de uma produção cultural usualmente “não legitimada” para falar da ciência, da
tecnologia e mesmo da magia – a literatura
infanto-juvenil–, mas que, como já indicamos em
textos anteriores (WORTMANN, 2004,
ZOPPAS, TODESCHINI e WORTMANN,
2004), atua na produção de significados. Nosso
interesse tem sido, então, ver como são veiculadas, e produzidas discursivamente4 , representa3
Na fotografia estampada no jornal Zero-Hora/RS, do qual
transcrevemos o excerto que dá inicio a este projeto, todos/as os/as jovens estão vestidos como os personagens
dos filmes de Harry Potter.
Estamos compreendo discurso, na acepção indicada por
Larrosa (1994), como “forças históricas que têm poder
construtivo” e que não apenas nomeiam objetos, seres,
fenômenos, mas interferem na sua criação. Como destacou Barry Smart (In: Michael Payne, 2002) os discursos
são “práticas que sistematicamente formam os objetos dos
quais falam”. Esses agrupam idéias, imagens, e também
práticas, que propiciam formas de se falar, de se conhecer
e de se produzir condutas associadas a tópicos particulares, a atividades sociais, bem como a modos de se localizar
os sujeitos nas sociedades tal como destacou Hall
(1997).Nas formações discursivas define-se, então, o que é
e o que não é adequado, bem como os conhecimentos
que devem ser considerados úteis, pertinentes e verdadeiros, além das pessoas que incorporam atributos associados a tais características.
4
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
219
ções5 sobre tais temas nessa literatura, indicando
como muitas delas ao serem enunciadas, repetidas e retomadas na literatura, nos filmes, nas críticas de jornais e revistas, nos sites, nos grupos de
discussão na Internet, e até em textos de revistas
de divulgação cientifica, ganham estatuto de
verdades, ao deixarem de ser questionadas, promovendo-se, dessa forma, o esquecimento de que
essas são produzidas culturalmente.
Interessou-nos, também, ver como nessa produção discursiva, que vimos enredar ciência,
tecnologia e magia, instituem-se e são colocados
em circulação discursos e representações que passam a marcar (e a produzir), especialmente, os
jovens de nosso tempo e as suas visões de mundo.
Como destacou Donna Haraway (apud
KUNZRU,
2000),
os
sujeitos
na
contemporaneidade inserem-se em uma “coleção de redes” (p. 30), nas quais se está constantemente fornecendo e recebendo informações ao
longo da linha que constitui os milhões de redes
que formam o nosso mundo (ibid). Nos valemos,
ainda, neste estudo, da imagem do ciborgue, também utilizada por HARAWAY (2000), para considerarmos algumas características atribuídas à
infância e à adolescência representadas em tais
textos. Como ressalta HARAWAY (2000), “o
ciborgue é um organismo cibernético, um híbrido de máquina e organismo, uma criatura da realidade social e também uma criatura de ficção”
(p.40). O ciborgue é matéria de ficção, mas também de experiência vivida - ele configura a fronteira entre ficção científica e realidade social como
ilusão de ótica. Ele é, também, nossa ontologia -
5
220
O termo representação é empregado neste texto com o
significado de representação cultural, que lhe atribui Stuart
Hall (1997) ao assumir a perspectiva construcionista da
representação.
uma imagem condensada tanto da imaginação
quanto da realidade material - que nos leva, necessariamente, a lidar com a confusão de fronteiras e, ao mesmo tempo, com a responsabilidade
que a construção de tal confusão nos imputa.
Como a mesma autora (op.cit) ressalta, ao
final do século XX, um tempo que ela considera
mítico, “somos todos quimeras, híbridos - teóricos e fabricados - de maquina e organismo; somos, em suma, ciborgues” (p.41). Então, por isso,
nos parece ser preciso considerar, tal como
GREEN & BIGUM (1995), que os escolares/crianças desse tempo, que vivem em uma “paisagem da informação” (Wark, apud GREEN &
BIGUM, 1995), são sujeitos muito peculiares. E
disso decorre a importância de, à semelhança
do que fazem Susan Steinberg (1997) e Valerie
Walkerdine (1998), teorizar-se a infância e a
juventude contemporânea “como fenômenos de
impressionante complexidade e contradição”
(GREEN & BIGUM, 1995) na presente configuração social. É nessa configuração que emerge a figura de um “sujeito-estudante pós-moderno” (ibid, p. 209) – os estudantes que acorrem cotidianamente às nossas salas de aula–,
tantas vezes configurada como “alienígena”,
como indicam os mesmos autores, por não se
enquadrar no “modelo” de jovem/aluno definido a partir dos padrões da modernidade.
Perguntamos, então: em que instâncias e processos tais sujeitos/ crianças/adolescentes/escolares se instituem como ciborgues, tal como
HARAWAY (op.cit) indicou? Uma das respostas possíveis nos leva a indicar que as muitas histórias que contamos sobre eles em muitas e diferenciadas instâncias sociais os produzem ou fabricam discursivamente, sendo importante considerar, mais uma vez, ainda, que tais efeitos produtivos não se restringem apenas, a uma figura
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
de retórica e que, neste texto, estaremos nos ocupando, apenas, de uma dessas instâncias.
As análises conduzidas nos Estudos Culturais acerca das formas de compreenderem-se os
saberes/conhecimentos colocam em destaque
como esses são produções da cultura. Como destacou HALL (1997), os significados se instauram nos diferentes momentos e práticas que compõem o que ele denomina “circuito da cultura”
no qual se dá: a construção das identidades, a
delimitação das diferenças e a sua produção, o
consumo, bem como a regulação das condutas
sociais. A literatura infanto-juvenil integra esse
circuito nele atuando como uma importante
pedagogia cultural, ao lado da televisão, dos
videogames, dos filmes, dos jornais, das revistas, todos eles vistos como locais pedagógicos
nos quais o poder se organiza e exercita. Nossas
análises voltaram-se, então, à indicação dos significados instituídos para as identidades juvenis nos textos nessa literatura vendo-as como
articuladas e imbricadas na configuração da trama na qual nela também se articulam ciência,
tecnologia e magia.
Nosso estudo envolveu a análise dos cinco
livros de Rowling sobre as aventuras de Harry
Potter traduzidos para o português: Harry Potter
e a Pedra Filosofal (2000); Harry Potter e a Câmara Secreta (2000); Harry Potter e o Prisioneiro
de Azkaban (2000); Harry Potter e o Cálice de
Fogo (2001); e Harry Potter e a Ordem da Fênix
(2003). Cabe destacar que em um primeiro momento, procedemos a uma leitura seqüencial
desses livros, buscando alcançar uma compreensão geral das histórias, bem como dos personagens e das situações nelas envolvidas para logo
começarmos a destacar idéias, atributos, imagens, formas de falar, posições e condutas atri-
buídas aos personagens e às situações narradas
nas histórias. Enfim, fomos colocando em destaque alguns discursos e representações de temas
e sujeitos que nos mobilizaram para a condução
do estudo. Buscamos destacar, ao mesmo tempo, como foram sendo marcadas nessas histórias
posições e comportamentos para os sujeitos que
delas participam ora como adequados, ou não,
ora como úteis, ou não etc.
Cabe destacar, ainda, que tais livros falam
de muitos temas, além de magia, que é certamente o foco mais destacado dessas histórias,
estando entre esses, ciência, tecnologia, racismo, diferenças sociais, morte, amor, segregação
dos diferentes, emancipação de trabalhadores
escravizados, retomando, ampliando e
reconfigurando o modo como tais temas são destacados em outras histórias infanto-juvenis e em
outras produções culturais.
AS ANÁLISES – ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES SOBRE
OS TEXTOS E
PERSONAGENS
O primeiro livro, editado em 1997 na GrãBretanha, foi Harry Potter e a Pedra Filosofal. Nele
a autora narra como Harry descobriu suas origens ao completar onze anos e como ele, logo
após descobrir sua condição de bruxo, foi estudar na escola de Hogwarts, uma escola de magia e bruxaria. É também neste primeiro livro,
que Harry se defronta pela primeira vez com seu
inimigo Lord Voldemort. O segundo livro, Harry
Potter e a Câmara Secreta (1a ed. 1998), trata da
origem da escola Hogwarts e de seus fundadores
e, também, das diferenças existentes entre os
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
221
estudantes admitidos em Hogwarts – alguns são
bruxos “puros”, outros são “híbridos” e outros são
“trouxas” – para aprenderem a ser bruxos . No
terceiro livro, Harry Potter e o Prisioneiro de
Azkaban (1a ed, 1999), o foco é a violência do
cotidiano e as possíveis formas de sua contenção. O quarto livro, Harry Potter e o Cálice de
Fogo (1a ed. 2000), dá ênfase ao esporte como
meio de desenvolver disciplina, concentração,
estratégia e criatividade, ensinando os jovens a
competirem e a lidarem com perdas, ao praticarem um dos esportes favoritos desses “bruxos”- o
quadribol. O quinto livro, Harry Potter e a Ordem da Fênix (1a ed. 2003), narra o 5o ano de
permanência de Harry em Hogwarts, focalizando, especialmente, a lealdade e algumas formas
autoritárias de poder.
Ainda é importante destacar algumas características dos personagens principais destas histórias. Harry Potter é um mestiço de “bruxo” e
“trouxa” 6 (pai “sangue-puro”, mãe “trouxa”),
cujas características físicas diferem das que usualmente representam um “super herói” – ele é
um menino franzino que usa óculos e não tem
amigos e que, além disso, é desajeitado e não
possui uma inteligência acima da média. É um
menino bruxo que herdou alguns poderes geneticamente e “outros através do amor de sua
mãe”. Assumir a sua condição de “bruxo” é o
grande desafio que as aventuras contadas no
texto lhe destinam. Hermione é “trouxa” (filha
de pais “trouxas”), mas, apesar disso, ela é representada nas histórias como “gênio”. É uma
amiga fiel de Harry, atuando como estrategista
nos momentos de dificuldade vividos pelos amigos. Rony é um bruxo “sangue-puro” (filho de
pais “sangue-puro”) e o melhor amigo de Harry.
6
222
Esta é a forma como o texto refere todos os não-bruxos.
Conhece bastante bem o mundo dos bruxos compartilhando com Harry todos os seus conhecimentos. Dumbledore é o diretor da escola
Hogwarts, considerado o maior bruxo daquele
momento, sendo amado e respeitado por todos.
Minerva MacGonagall é uma das professoras da
escola. Apesar de sua aparência rígida e fria é
extremamente justa e também afetuosa. Severo
Snape é o professor de poções mágicas; ele é
carismático e misterioso. Lord Voldemort é o
grande inimigo de Harry. Ele já sucumbiu uma
vez na sociedade dos “bruxos” por sua ganância
de poder e, nos episódios narrados nos livros
analisados, ele volta para destruir Harry Potter,
tendo em vista que ambos não podem coexistir
no mesmo mundo.
É interessante apontar como estes livros lidam
com a estruturação da sociedade. Tanto a sociedade dos bruxos, quanto a dos trouxas podem ser
vistas como equivalentes. Assim, por exemplo, a
sociedade dos “bruxos” compreende escolas nas
quais os sujeitos aprendem magia, estando essas
subordinadas a um Ministério da Magia o qual
também legisla sobre o comportamento dos “bruxos” ; além disso, os ritos, as práticas, bem como a
hierarquização procedida na Escola da Magia,
repetem “modelos” assumidos em nossas escolas
contemporaneamente. Há, por exemplo, listas de
livros que devem ser adquiridos em livrarias autorizadas com títulos como Transfiguração para o
Curso Médio e O livro padrão de feitiços, 3a série
para o acompanhamento das aulas. Pode-se pensar que esses modelos, ao serem colocados em
destaque para caracterizar modos de viver de
sujeitos “diferentes”, misteriosos e usualmente
configurados como dotados de poderes inusitados, são, dessa forma, mais uma vez legitimados.
Como indicamos, inicialmente, opera-se, nessa
direção, a naturalização de tais procedimentos e
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
práticas – a sociedade dos “bruxos” repete a sociedade dos “trouxas”, não apresentando peculiaridades estruturais, mas, apenas, focos específicos de ação diferenciados7 .
De certo modo, poderia-se dizer que, a magia está para os “bruxos” dessas histórias como a
ciência e a tecnologia estão para os “trouxas”:
ambas lhes permitirem acessar e aprimorar condições, bem como criar possibilidades, que lhes
permitem, de muitas formas, transcender às suas
condições de “bruxos” ou de “trouxas”.
Um outro aspecto a destacar é que Harry
Potter está configurado nessas histórias como um
“outro”, como diferente, como uma alienígena,
ou, ainda como um ciborgue (neste caso um
misto de homem e mago) e que, por conta disso,
ele sente um profundo desconforto ao relacionar-se com seus tios e primo “trouxas”, que igualmente o configuram assim. Esta “diferença”, o
ser “bruxo”, no entanto, não lhe é apenas
conferida por sua herança genética; ela também
está configurada no texto das histórias como
decorrente das interações e das aprendizagens
culturais que se dão, especialmente, na escola
que freqüenta. Enfim, como as histórias marcam,
mesmo que ele possua “aptidões” para se tornar
um “bruxo” é necessário que ele aprenda a ser
“bruxo” e, para tanto, ele precisa freqüentar a
escola, que ganha, nesse sentido, a conotação
de instituição necessária ao fornecimento, tanto de aprendizagens que habilitam e fornecem
certificações para “trouxas” quanto para “bruxos”. Aprender magia, tal como aprender ciência e outros saberes é o que a escola (e institui7
A sociedade dos “bruxos” também foi “invadida” pelo
consumo. Os bruxos gostam de praticar quadribol e este
esporte é disputado em uma copa Mundial tal como sucede com o futebol.
ções semelhantes a ela) oferece. Caso Harry não
aprenda a ser “bruxo”, ele ficará “condenado”
ao desconforto e à inquietude de nunca chegar
a ser aquilo que poderia ter-se tornado, tal como
se afirma suceder àqueles que abandonam ou
não freqüentam a escola. E essa é uma das “lições” morais que essas histórias contêm. E é por
conter marcações como essa, que consideramos
tais histórias como implicadas na produção e na
reprodução de identidades e de formas culturais estudantis.
Um outro aspecto que nos interessou destacar refere-se a situações em que artefatos do
mundo criado como sendo magia, nos textos de
Rowling, aproximam-se de artefatos tecnológicos,
sendo que, além disso, os textos os apresentam
valendo-se de jargões bem próprios à publicidade. Entre esses artefatos estão, por exemplo, o
firebolt e os onióculos. A firebolt é descrita como
uma espécie de vassoura sofisticada, muito apropriada à prática do quadribol fabricada com
tecnologia de ponta. Ela possui um cabo de freixo, superfino e aerodinâmico, acabamento com
resistência de diamante e número de registro
entalhado na madeira. As cerdas da cauda, em
lascas de bétula selecionadas à mão, foram
afiladas até atingirem a perfeição aerodinâmica,
dotando-a de equilíbrio insuperável e precisão
absoluta. A Firebolt atinge 240 km/h em dez segundos e possui um freio encantado de irrefreável
ação. Cotação a pedido (Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban, p.47 e 48). No texto a firebolt
é descrita como um dos sonhos de consumo de
Harry. Já os onióculos são poderosos binóculos de
latão cheios de botões estranhos que permitem
“acompanhar o lance {nas partidas de quadribol}
...passar ele em câmara lenta...e ver uma retrospectiva lance a lance, se precisar...(Harry Potter
e o cálice de fogo. p.78).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
223
Enfim, também os “bruxos” se deliciam e se
deixam encantar por “novidades” bem próprias
e assemelhadas aos artefatos tecnológicos – televisões digitais, celulares que permitem fotografar – que vem mobilizando e encantando os
cidadãos nas chamadas sociedades de consumo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como salientaram CARY NELSON et al.
(1995), discutir as produções e os efeitos da cultura é central para o campo dos Estudos Culturais, campo no qual nos inspiramos para a organização deste texto que está centrado na análise de histórias infanto-juvenis de Jeanne K.
Rowling. Destacamos que as considerações que
aqui fazemos são de natureza introdutória, por
não darem conta da riqueza de situações relacionadas aos temas que buscamos focalizar a partir das análises que realizamos sobre tais histórias. Cumpre, no entanto, que seja indicada a
legitimação que essas conferem ao modo de funcionamento das sociedades contemporâneas,
bem como às suas práticas, códigos e instituições– a escola, os certames esportivos, os Ministérios, por exemplo, são algumas dessas instituições. Ou seja, o mundo da magia, não é tão diferente, assim, do mundo dos “trouxas”! Interessantes são também as representações de jovens nelas contidas e os modos como esses são
hierarquizados a partir de suas origens genéticas, aspecto que não está nelas configurado, no
entanto, como uma barreira intransponível no
que tange às suas aprendizagens: Harry, apesar
de “híbrido” pode se tornar um “bruxo”; basta
para tanto, que ele domine as habilidades que
passarão a lhe permitir exercer seus “poderes”!
E isso é matéria a ser ensinada nas diferentes
224
escolas as quais os “bruxos” podem ter acesso.
Os jovens bruxos podem ser vistos como os
alienígenas referidos por GREEN & BIGUM
(1995), ou como os ciborgues dos quais nos fala
HARAWAY (2000), sujeitos esses que representam os jovens (e sob o ponto de vista de
Haraway, 2000, a todos os humanos – “os trouxas” dessas histórias). Seus poderes não usuais
lhes são conferidos pelos aparatos (varinhas, cremes, poções etc) dos quais se valem para realizar suas magias. Mas, a partir do que considerou HARAWAY (2000), nós, humanos, somos
todos ciborgues ao vivermos em um “mundo de
redes entrelaçadas, redes que são em parte humanas, em parte máquinas; complexos híbridos
de carne e metal que jogam conceitos como
natural e artificial para a lata do lixo. Enfim,
como também destaca essa autora (op.cit), os
ciborgues não se limitam a estar a nossa volta,
eles nos incorporam.
REFERÊNCIAS
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
225
226
LIVROS ANALISADOS
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ROWLING, J. K. Harry Potter e a pedra
filosofal. Presença, 2002. 252p. (HPPF)
ROWLING, J. K. Harry Potter e o cálice
de fogo. 2000. 592p. (HPCF).
ROWLING, J. K. Harry Potter e a câmara
secreta. Presença, 2000. 328p. (HPCS).
ROWLING, J. K. Harry Potter e a ordem
da Fênix. 2003. 702p. (HPOF).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Psicopatologia na infância: relações
entre sintomatologia da criança e
vínculo com cuidadores
ROSELAINE LONDERO MOSSATTI1
MARTHA MARLENE WANKLER HOPPE1
RESUMO
Este estudo tem como objetivo analisar a psicopatologia na infância e as relações familiares tendo
como objetivo avaliar a relação entre a sintomatologia da criança e a estrutura dos vínculos familiares. Foi
utilizada uma metodologia de estudo de casos múltiplos com entrevistas clínicas e observação naturalística
no ambiente familiar. O estudo analisou oito casos de crianças entre quatro e dez anos com sitomas
psicopatológicos. A análise dos resultados revelou que os sintomas das crianças refletiam conflitos de seus
pais ou cuidadores, numa repetição da experiência cuidador-cuidado, da história de vida dos pais. Concluímos que as funções parentais operam diretamente nas manifestações psicopatológicas das crianças, podendo incluir gerações anteriores.
Palavras-chave: psicopatologia da infância, vínculos familiares, funções parentais.
ABSTRACT
This study’s objective is to analyze the childhood psychopatology and the family relationships, looking for
connections between the symptomathology of the child and the structure of their familiar links. It was used the
1 Acadêmica do Curso de Psicologia/ULBRA-GUAÍBA Bolsista PROICT/ULBRA
Professora – Orientadora do Curso de Psicologia ULBRA/
GUAÍBA ([email protected])
1
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
227
multiple-case design with clinical interview and naturalistic observation. The study analized the cases of eigth
childreen between four and ten years old with psycholopatological symptoms. Analyzing the results showed that
the symptoms of the children reflected the conflicts of their parents and responsibles, with the repetition of
experiences of taking care of and beeing taken care of, of their parents life. We concluded that the parental
functions operate directly on the psychological expressions of the children and can include earlier generations.
Key words: childhood psychopatology, family relationships, parenthood.
INTRODUÇÃO
A relação família e psicopatologia vem sendo analisada através duas formas: de um lado a
psicopatologia sendo associada aos vínculos primários estabelecidos com a criança desde seu
nascimento; de outro, como resultado de um processo contínuo de interação e vinculação com a
mãe, pai e irmãos.
A teoria psicanalítica nos indica que a
estruturação da personalidade ocorre atrevés da
introjeção de modelos de identificação primários e de vinculação afetiva desenvolvidos nos três
primeiros anos de vida da criança
(BERENSTEIN, 1988; 1989). Por outro lado, a
psicopatologia do desenvolvimento preconiza
que a existência de vínculos primários negativos não é, por si só, determinante no surgimento
de sintomas psicopatológicos na criança. A relação estabelecida em família, na forma como
se constiutem os vínculos pais-filhos e entre irmãos, na atualidade, podem vir a favorecer situações de risco e de proteção para o surgimento
de sintomas e trantornos psicopatológicos.
Assim, a psicopatologia vem sendo investigada
paralalelamente ao desenvolvimento normal de
crianças, adolescentes e adultos com o objetivo
de melhor compreender os diversos aspectos –
correlações e causalidades - que contribuem para
o desenvolvimento das diversas psicopatologias.
228
COWAN & COWAN (2002) apresentam
um levantamento sobre os principais aspectos
que relacionam a psicopatologia na infância
e adolescência com as relações familiares.
Apontam o resultado de correlações consistentes encontradas entre aspectos do comportamento dos pais e níveis de desenvolvimento
dos filhos pequenos – estágios cognitivos-, ou
de adaptação – depressão, agressão em filhos
maiores e adolescentes. Quando os pais são
calorosos, responsivos, estruturados, oferecem
limites ambientais e garantem aos seus filhos
uma autonomia apropriada à faixa etária (pais
com autoridade), suas crianças ou adolescentes apresentam maior eficiência no desenvolvimento acadêmico e social, com menores indicadores de problemas de comportamento,
em comparação com pais que apresentam-se
permissivos (desligados) ou autoritários e punitivos (que oferecem limites sem um acolhida calorosa). Um segundo conjunto de aspectos associados a respostas desadaptadas dos
filhos foi associado a conflitos conjugais não
resolvidos, independente do casal ser separado ou manter uma relação marital estável. Um
terceiro conjunto de condições apontam para
uma conjunção dos primeiros dois, registrando que pais maritalmente angustiados, um ou
ambos, apresentam maior probabilidade de lidarem com seus filhos com descaso ou
autoritarismo.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Em relação às intervenções em famílias de
baixa renda, COWAN & COWAN (2002)
apontam estudos com mães de alto-risco, que
participaram de programas envolvendo visistas
regulares de técnicos da área da saúde durante
os dois primeiros anos de vida dos bebês. Os resultados foram satisfatórios em relação ao grupo
de controle (mães que não participaram do programa). A avaliação de seguimento (follow up)
realizadas até quinze anos após registrou menor
índice de comportamento criminal, de faltas à
escola e de abuso de substâncias em crianças
filhas das mães que participaram do programa.
Constatou-se em outros programas semelhantes
resultados menos satisfatóiros quando realizados
por pára- profissionais, isto é, melhores resultados quando conduzidos por profissionais da área
e estudantes de graduação.
Os autores apontam que a separação conjugal
eleva os riscos de externalização de problemas acadêmicos e de conduta em crianças por um período
de dois anos. Estudos de intervenção com crianças, filhos de pais separados, apresentaram melhores resultados quando incluíam sessões com o pai
que não permaneceu com a guarda do filho, além
daquele com quem a criança vivia.
mas de intervenção com crianças e famílias na
prevenção de transtornos psicopatológicos na
infância e adolescência, buscamos situar esta
pesquisa para proporcionar subsídios de intervenção às famílias cujos filhos apresentam problemas.
A partir dos conceitos acima descritos, este estudo propôs-se à identificação de padrões estruturais e vínculos das famílias atendidas na Clínicaescola da ULBRA Campus Guaíba – CESAP.
Especificamente, foram analisados os aspectos estruturantes do grupo familiar que incluem a forma de comunicação entre os membros da família dos saberes, acontecimentos
passados e presentes, atitudes frente a fatos
novos e o exercício das funções maternas e
paternas. A análise do discurso familiar partiu de seu valor sincrônico, como fenômeno
determinado no momento, para a compreensão da transmissão de sua história, de seu valor diacrônico, considerado pela sua evolução
no tempo.
MATERIAL E MÉTODOS
Da mesma forma, intervenções com adolescentes que apresentavam conduta agressiva obtiveram melhores resultados quando incluíam orientação aos pais. Em contrapartida, pais deprimidos
são mais suscetíveis de terem filhos com depressão
por apresentarem cuidados paternais e maternais
comprometidos. Assim, programas e intervenção
para crianças deprimidas e agressivas devem incluir atendimento aos pais, que, em geral também
apresentam algum tipo de psicopatologia.
A metodologia de escolha foi a qualitativa, na forma de estudo de casos múltiplos
(YIN, 1993). Cada caso foi tomado como
replicação, ou seja, como um experimento a
ser reconsiderado, e não como múltiplas respostas de uma mesma pesquisa. O caso de cada
criança foi analisado através de procedimentos qualitativos de observação e registro de
intervenções clínicas de avaliação e
psicoterapia.
Com a constatação deste estudo acerca dos
recentes achados sobre resultados de progra-
Participaram deste estudo oito crianças entre
4 e 10 anos: quatro meninos e quatro meninas.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
229
Receberam atendimento na forma de avaliação
ou tratamento psicoterápico na Clínica escola da
ULBRA Campus de Guaíba. Os caso foram selecionados a partir de seu ingresso no serviço de
psicologia, dentro da faixa etária prevista.
Os dados foram coletados através de dois
intrumentos: entrevistas clínicas com o conjunto familiar na clínica escola e observação da
familia no lar (DESSEN & MURTA,1997;
ROBSON, 1993).
As famílias foram contatadas através da Clínica-escola da ULBRA Campus Guaíba e convidadas a participar do estudo através de uma comunicação verbal e, posteriormente, de um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. As observações foram realizadas dentro do procedimento de
avaliação, através de uma visita à residência da
família. As observações foram registradas pelo pesquisador no momento da visita. As entrevistas foram transcritas integralmente. As informações foram utilizadas para a análise da sintomatologia da
criança e da relação com seus pais. A devolução
dos dados ocorreu nas entrevistas de devolução
aos pais, durante o atendimento.
Os dados foram analisados através de um
processo indutivo, isto é, após uma definição da
situação ou do fenômeno de interesse e de uma
explanação das expectativas iniciais procede a
integração com a situação que ilustra a expectativa. As evidências ou provas foram apresentadas em premissas que fundamentaram os argumentos e suas justificativas. Os argumentos
foram analisados por causalidade e por analogias.
Neste procedimento de análise, os enunciados
resultantes abrem a possibilidade de construção
de novos argumentos, quando diante da ausência de relações justificáveis.
230
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Os dados foram agrupados pela identificação
do caso, motivo do atendimento, sintomas sontomas
observados, configuração familiar, situação atual e
passada. Do registro das observações foram
selecionadas categorias: quem eram os membros
do grupo familiar - identificados pelo tipo de relação ou proximidade; como era espaço familiar de
convivência entre estas pessoas; como se estabelecia a cotidianidade dos contatos; como se caracterizava a relação de cuidado com outro, inerente
a esta relação de convivência familiar; de que forma se apresentavam as expressões de comunicação verbal e não-verbal, agressividade, sexualidade, ordem e limpeza, além das manifestações lúdicas
da criança.
Considerou-se as condutas observadas quanto a sua antecipação, ordenação e manifestação.
A antecipação foi identificada através das preocupações dos pais ou cuidadores com as respostas
das crianças ao oferecer a alimentação, realizar
cuidados de limpeza, manifestar agressividade e
sexualidade, desenvolver o brinquedo e estabelecer relações de cuidados e trocas verbais. Esta
antecipação foi observada na forma como os pais
direcionam as ações dos filhos para vivências que
acabam sendo estimuladas.
A ordenação compreendeu a forma como os
pais ou cuidadores conduziam as respostas da
criança e reforçavam suas manifestações. A
manifestação foi considerada o conjunto de
interações pais-cuidador-criança que se repetiam e reforçavam a antecipação.
Os sintomas identificados nas crianças no momento do atendimento foram: agressividade, atra-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
so no desenvolvimento da linguagem, dificuldades de interação, reações de passividade alternadas com reações agressivas, conduta agitada e
agressividade, desatenção, pouca interação, apatia e depressão. As alterações na conduta e dificuldades de interação foram mais referidas pelos
pais, sendo considerados sintomas menos tolerados. O caso apresentado a seguir refere-se à menina Ana (nome fictício), de 4 anos que foi encaminhada para ser acompanhada devido às frequentes crises de birra que apresentava.
Dados significativos da história:
CASO 4: Ana, 4 anos
Motivo do encaminhamento para atendimento: Crises de birra, brigas entre o casal após a
separação e discordância na educação da filha.
Sintomas observados na criança: Crises de
agressividade, intolerância à frustração. Dificuldade de interação por ansiedade e agressividade.
Configuração familiar: Avós paternos e pai
em uma residência; Mãe, padrasto e uma irmã
de um ano (do segundo casamento da mãe) em
outra residência.
Situação atual da criança: Mãe solicita a guarda pois não consegue adequar-se à guarda compartilhada, proposta inicialmente. Mora uma semana com o pai, que reside na família de origem
Grupo
Espaço
Cotidianidade
Cuidado com
o outro
Comunicação
verbal
Alimentação
Limpeza
Agressividade
Sexualidade
Brinquedo
(avós paternos de Ana) e uma semana com a mãe
(que casou e tem uma filha de um ano e meio).
Avós paternos tratam como bebê, alcançam tudo
o que pede e nada exigem dela. Mãe é ansiosa e
exigente, brigando e mostrando-se irritada com a
filha. A interação é pobre, limitando-se ao atendimento de exigências (de Ana quando está na
casa dos avós paternos, e da mãe, quando Ana
está em sua casa).
Mãe engravidou durante o namoro, quando
residiam na casa da família paterna. Pai não manifestou desejo de sair do lar e mãe decide morar
com seus pais.Desentendimentos durante a gravidez e separação. Ao nascer a menina começaram as brigas pela educação da mesma. Pai é controlado e cuidadoso, mãe é mais displicente. Famílias de origem influenciando fortemente a dupla. Não conseguem decidir sobre a educação da
menina. Surgem as primeiras discussões, que levaos a procurar a justiça para tratar da questão. A
menina passa a viver duas semanas com o pai e os
avós paternos e duas semanas com a mãe e os
avós maternos. A mãe casa-se novamente e
engravida. Tia materna com dependente química em abstinência (cocaína).
OBSERVAÇÃO NATURALÍSTICA NA CASA MATERNA
Padrasto, mãe biológica, filha do casal de 1 ano e meio e Ana, filha materna.
Casa de alvenaria pequena: 2 quartos, sala e cozinha acopladas, 1 banheiro.
A cada semana alternada, Ana convive com sua mãe, o padrasto e sua meia-irmã. Permanece todo o
dia em casa com a mãe e irmã.
A mãe ansiosa, fala bastante e preocupa-se em fazer tudo corretamente. Está mais voltada para as
práticas de cuidado, não direcionando atenção individual para as filhas.
Poucas trocas verbais mãe-filha. Mãe usa atitude impositiva para afirmar-se diante da filha. Menina
permanece calada e acata as ordens maternas.
Ana recebe alimentos a toda a hora. Consome guloseimas, com preferência para brincar sobre a sua
cama.
Há preocupação com a limpeza e asseio corporal.
Não há limitação às manifestações da menina. Mãe critica e desqualifica o pai biológico dizendo que
ele não desejava a filha.
Mãe manifesta preocupação com a individualidade do quarto das filhas. Demonstra saber o que é
adequado em relação à intimidade.
Não foi observada atividade lúdica. A menina apenas manipulou objetos da casa e alimentos.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
231
Grupo
Espaço
Cotidianidade
Cuidado com
o outro
Comunicação
verbal
Alimentação
Limpeza
Agressividade
Sexualidade
Brinquedo
OBSERVAÇÃO NATURALÍSTICA NA CASA PATERNA
Avó e avô paternos, pai e Ana.
Casa alvenaria pequena: 2 quartos, sala e cozinha acoplados, 1 banheiro
Permanece a maior parte dentro de casa com a avó paterna. Avô é segurança de trabalha tarde e
noite. Pai trabalha durante todo o dia e sai à noite.
Os cuidados e atenções giram em torno de Ana, que recebe atenção constante da avó e é atendida
em todos os seus pedidos.
Expressa-se mais verbalmente que na casa materna e a avó paterna a atende sem exigência
alguma. Ana interagia com uma menina da vizinhança e reproduziu a comunciação unilateral de
impor seus desejos, comandar a situação e deixar a companheira numa condição passiva.
Consome bolachas e mamadeira com freqüência, preferindo brincar e comer sobre a cama dos avós.
Preocupação com a limpeza: avó ensina a tomar mamadeira e limpar os utensílios.
Observou-se que a menina vai ao banheiro e a avó puxa a descarga e não é orientada pela avó a
lavar a as mãos.
Não há limitações às imposições e exigências da menina. Avó paterna passa maior parte do tempo
com ela, atendendo suas solicitações.
Ana dorme no quarto dos avós,
Foi observada interagindo com ua amiga da vizinhança. Manifestou pouca interação com amiga.
Exibia seus brinquedos e deixava a amiga apenas olhando. Brincou sozinha com suas bonecas
deixando a amiga de fora da brincadeira. Reproduzindo no brinquedo a forma unilateral de
comunciação. Não escuta ordens, apenas determina.
CASO 5
pela manhã e permanece em casa durante a tarde.
Luiz, 8 anos.
Dados significativos da história: Ao nascer,
mãe refere: “ele gritava quando eu me distanciava”... “fumei toda a minha gravidez”. Em casa,
é descrito pela mãe da seguinte forma: “Ele fica
muito bravo com tudo. Chuta as paredes, os
móveis. Tudo, tudo dentro de casa está estragado e com marcas devido às brabezas dele”. “...é
malvado com os primos.” A psoríase aparece
quando ele está brabo. Nascimento da irmã: mãe
ficou depressiva antes do nascimento da filha e
durante o puerpério: “Eu fiquei esgotada.” Na
escola, as professoras comentam que ele é muito quieto, sem ânimo, não faz as tarefas e não
tem energia.
Motivo do encaminhamento para atendimento: Desatenção em sala de aula, falta de
ânimo, apatia.
Sintomas observados na criança: psoríase,
enurese noturna, crises de agressividade com
reações de fúria, idéia de suicídio.
Configuração familiar: Pai e mãe (ele com
36 e ela com 29 anos), filha de 1 ano e 8 meses,
e Luiz de 8 anos. Avó paterna.
Situação atual da criança: Frequenta a escola
Grupo
Espaço
Cotidianidade
Cuidado com
o outro
Comunicação
verbal
Alimentação
Limpeza
Agressividade
Sexualidade
Brinquedo
232
OBSERVAÇÃO NATURALÍSTICA
Mãe, pai, filho Luiz de 8 anos, filha de 1 ano 8 meses. Avó paterna reside em terreno conjugado.
Casa de alvenaria pequena de 4 peças: sala, cozinha, quarto e banheiro.
Pai trabalha durante o dia. Mãe passa o dia em casa com os filhos. Avó paterna é vizinha de fundos.
Luiz cuida da irmã. Avó paterna cuida de Luiz e da irmã. Mãe fica envolvida com a casa.
Nenhuma troca verbal observada entre mãe e filho. Avó paterna estimula aproximação e trocas
verbais.
Avó agrada com doces e prepara refeições. Mãe não demonstra preocupação com alimentação dos
filhos.
Não há manifestações diretas à limpeza.
Preocupação da mãe com a agressividade do filho e com sua própria. Mãe espanca o filho.
Menino falou no desejo de matar-se. Psoríase surgiu com o nascimento da irmã e após crises de
fúria.
Pais e filhos dormem no mesmo quarto. Mãe preocupa-se com as brincadeiras entre meninos.
Corre com a bicicleta: o prazer está na velocidade. Preocupação em manter distância do observador.
Pais não participam de brincadeiras.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Relação de casos pesquisados:
Ricardo, de 4 anos, com conduta agressiva e
família enfrentando separação conjugal;
Carina de 5 anos, vítima de maus-tratos pela
mãe e desenvolvimento deficitário;
Maria de 4 anos, com ansiedade e conduta
agitada, vivendo com uma guardiã após acusação de negligência por parte da mãe biológica;
Pedro, de 10 anos, fuga de casa, conduta instável, apatia, depressão e dificuldades de interação
e concentração, vivendo com a mãe após uma separação conjugal tumultua por brigas;
João, de 7 anos, vítima de uma tentativa de
filicídio e vivendo com a família da tia materna.
A partir da sintomatologia da criança foram
realizadas relações entre a estrutura
psicopatológica da criança e a estrutura dos vínculos familiares e funções parentais. A relação
sintoma da criança – função parental exige a
formulação de argumentos que evidenciem a
causalidade e permitam novas formulações a
partir destas constatações:
PROBLEMAS DE
CONDUTA E
AGRESSIVIDADE
Os casos analisados com sintomas de fuga de
casa, tendência à transgressão e baixa tolerância à frustração com crises de birra, foram observados em cuidadores pouco comunicativos, distantes ou com excessiva proteção sobre a criança. Casais em constante conflito revelavam abandono da função parental e queixas constantes
dos filhos. Estes casais não conseguiam estabelecer um padrão de conduta acolhedor, tolerante e caloroso em relação ao filho ou filha. O pai
ou mãe mostrava-se exigente em relação ao desempenho da criança: acadêmico e em relação
à permanência junto a ele. Esta demanda paterna e materna revelava ser uma sobrecarga para
as crianças que vinculavam-se a pessoas da rede
de apoio: avós, babás ou irmãos mais velhos para
compensar o distanciamento dos pais ou seu
controle excessivo.
Observou-se que estes pais mantinham os
resquícios de relação fortemente narcísica
estabelecida durante a união conjugal, que não
permitia o investimento amoroso num terceiro,
no caso, um filho. O filho desta união permanecia como um outro sem lugar próprio na relação
familiar. Ao mesmo tempo o uso de mecanismos
projetivos pelos pais, conforme aponta
MARCELLI(1998), favorece uma modalidade
de comportamento no filho denominada reação
projetiva. Este comportamento é marcado por
instabilidade, exteriorização do sofrimento acusando os outros, agressividade externa, além do
estabelecimento de relações fundadas na chantagem e na manipulação. Observamos estas reações em quatro dos oito casos analisados, incluindo o caso de Ana, acima descrito.
PROBLEMAS AFETIVOS E
ANSIEDADE
A depressão na criança foi observada no caso
de Luiz, como um sintoma paralelo ao estado
depressivo materno. Neste caso foi associado às
seguintes condições: pobreza de contato com a
mãe, reação à situação de indiferença da mãe
ou como resultado do processo identificatório,
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
233
diante do transtorno depressivo materno.
MARCELLI (1998) aponta estes fatores encontrados neste caso: identificação com o genitor,
sentimento de uma mãe inacessível, contato
genitor-filho medíocre, pouca ou nenhuma
estimulação afetiva. A ansiedade foi observada
como uma forma de reação à condição depressiva
materna, no caso de Luiz. A ansiedade associase a uma irritabilidade e agitação motora e acompanha as reações maternas de irritabilidade no
trato com o filho, através de gritos ou espancamento. Neste caso, observou-se depressão e idéias de suicídio no menino associadas a explosões
de agressividade no lar. A mãe refere episódios
depressivos e crises de agressividade, como o
espancamento dos filhos. A convivência com a
mãe depressiva levou o menino a manter consigo o estado emocional que compartilhava com
esta, apresentando apatia e desânimo na escola, além de reproduzir na relação com a mãe as
agressões sofridas.
Constatamos que Ana reproduz a estrutura
vincular estabelecida com a mãe de dominação
e obediência. Diante dos gritos e exigências da
mãe, cala-se e obedece; diante da excessiva proteção da avó paterna exige e fala de dorma
impositiva. A ansiedade foi observada em Ana,
diante das crises de birra descritas pela mãe e
consideradas pouco importantes pela avó paterna. Durante o processo de separação dos pais,
as crises se intensificaram, revelando a falta de
um consenso na determinação de limites à menina. Posteriormente, passou a manifestar maior
controle, porém, foram observadas expressões de
franca intolerância nas relações com iguais,
como observou-se no brinquedo.
Nos casos analisados, a figura paterna exercia uma função de equilíbrio que mostrava-se
234
pouco evidente e até desqualificada. Pais que
residiam na família de origem delegavam o cuidado de seus filhos para a mãe (avó paterna).
Observou-se que o afeto direcionado por diversos cuidadores gerava confusão em crianças pequenas e era tolerado com sofrimento pelas crianças mais velhas.
HIPERMATURIDADE
No caso de Carolina, de 5 anos, atendida após
ter sido afastada de sua mãe por sofrer maustratos físicos e psicológicos: era espancada e obrigada a mendigar. Observamos reações de extrema adaptação. A menina referia-se à mãe pelo
nome, afirma que apanhava muito dela, mas
recusava-se a seguir falando de seus sentimentos sobre o período em que esteve sob seus cuidados. Na observação, Carolina mostrou-se alegre, comunicativa com a família cuidadora (avó
paterna) que estavam presentes e com o primo,
com quem brincava. Chamou a atenção sua forma de brincar: manipulava as bonecas com extremo cuidado, reproduzindo no faz-de-conta
uma relação mãe-filha de proteção (cuidados
de saúde), carinho (aconchego das bonecas) e
conselhos de não brigar com as irmãs (as duas
bonecas com a qual brincavam). Estas reações
refletem um esforço para controlar a experiência traumática “encarregando- se de si”
(MARCELLI, 1998) e reinvestindo de modo maciço seu próprio Eu. Constatou-se que Carolina
era cuidada pela irmã de sete anos que preocupava-se em protegê-la. O fato de receber atendimento psicoterápico logo após o afastamento
da casa materna pode ter funcionado como um
mecanismo de proteção e afrouxamento da reação de sobre-adaptação.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
PROBLEMAS
ATENCIONAIS
estabeleciam poucas trocas verbais com estas
crianças.
As crianças que apresentavam dificuldades de
atenção e concentração tinham associadas, alterações afetivas e de conduta, em famílias com
depressão materna e conflitos entre os pais. No
caso de Luiz, de 8 anos, foi associado, neste estudo à depressão e agressividade da mãe. Em outro
caso, de Pedro, de 10 anos, a situação conflitiva
dos pais durante e após a separação exacerbou a
ansiedade e consequente distraibilidade. Em nenhum dos casos foi confirmado diagnóstico de
transtorno por déficit de atenção.
ATRASOS NA LINGUAGEM
As crianças com atraso na linguagem, que
participaram deste estudo, tinham passado por
separação e abandono de seus cuidadores na
primeira infância. No caso de Carina, de 4 anos,
a inconstância do vínculo materno em conseqüência dos diversas vezes abandonos nos dois
primeiros anos de sua vida da menina, associava-se ao contato paralelo, neste dois primeiros
anos de vida, com uma mãe substituta que permitia os maus-tratos da mãe biológica e que
mostrava-se ambivalente para assumi-la como
filha. Esta alternância de cuidadores também
foi observada no caso de Ana que residia uma
semana na casa paterna e uma semana na casa
materna. Mesmo tendo a presença constante dos
cuidadores este se alternavam com freqüência.
Crianças pequenas são mais vulneráveis a mudanças de cuidadores, o que justifica a maior
dificuldade para estabelecer vínculos significativos que geram manifestações simbólicas verbais. Acrescenta-se que os adultos cuidadores
SINTOMAS
PSICOPATOLÓGICOS DA
CRIANÇA: DIFERENÇAS
NA ESCOLA E NA FAMÍLIA
Os sintomas registrados pela escola e identificados pela professora, em nosso estudo, nem
sempre corresponderam a percepção que a mãe
tinha da criança no convívio no lar. O caso de
Luiz, de 8 anos, revela que o motivo pelo qual a
mãe levou-o para consulta – brabeza e explosões de fúria - não coincidiu com a queixa da
escola – apatia, falta de ânimo, idéia de suicídio. No caso de Pedro, de 10 anos, a conduta de
fuga de casa foi mais relevante e preocupante
para a mãe que as dificuldades acadêmicas de
desatenção e falta de concentração no estudo.
Observa-se que os conflitos entre pais e filhos
repercutem diretamente na adaptação social e
educacional da criança. No caso de Pedro, a
relação com a mãe era marcada por pobreza nas
trocas afetivas e uma orientação voltada para o
desempenho de tarefas.
DISPUTA JUDICIAL POR
FILHOS: UMA FORMA DE
ABANDONO
As crianças cuja guarda era disputada na
justiça, como o caso de Ricardo, de 6 anos,
Carina de 5 anos e Ana, de 4 anos, apresentavam manifestações regressivas, tais como, atraso na linguagem, dificuldade de interação no
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
235
jogo, reações de isolamento oscilando com manifestações de imposição e agressão no trato com
terceiros. Estes sintomas também são associados
a crianças negligenciadas e vítimas de abandono por seus cuidadores (MARCELLI, 1998). O
caso de Carina mostra com mais evidência que
a disputa pela filha é uma forma de vinculação
ambivalente que marca um cuidado, enquanto
abandono (HOPPE, 2002).
que incluam a mobilização e participação ativa
da família.
Ricardo recebeu a acolhida do pai que precisou superar suas dificuldades de envolvimento
e assumi-lo durante a avaliação no serviço de
psicologia. O menino, apesar de seus 4 anos, pode
solicitar a interação com o pai e manifestar a
recusa de contato com a mãe (de quem era vítima de espancamento) de forma espontânea e
sem coerção.
O atendimento psicológico a crianças deve incluir uma avaliação do meio familiar em que esta
vive, compartilha seu cotidiano e recebe
direcionamentos por parte de adultos ou
cuidadores. Sem esta percepectiva, a atenção à
criança fica dimensionada às manifestações daqueles que a conduzem ao atendimento, extendendo
o tempo de avaliação e limitando a compreensão
da situação psicopatológica que apresenta. A intervenção na família por profissionais ou estudantes da graduação, através de observação participante ou não participante, favorece o diagnóstico
e indicação terapêutica, e, consequentemente,
permite uma resposta terapêutica mais eficaz.
CONCLUSÕES E NOVAS
CONSIDERAÇÕES
Não é possível estabelecer relações causais
definitivas por simples associações, considerando a complexidade de fatores que intervém na
constituição da personalidade do indivíduo,
entretanto, as relações estabelecidas entre as
intervenções no meio familiar e a redução dos
sintomas das crianças apontam para a necessidade de melhores avaliações do ambiente familiar e sua relação a condição psicopatológica na
infância. O trabalho de COWAN & COWAN
(2002) enfatiza a modificação e manutenção da
melhora dos sintomas de crianças cujas famílias
foram acompanhadas em suas residências por
técnicos especializados. As hipóteses resultantes deste estudo são importantes para direcionar
intervenções que permitam o controle e superação de sintomas psicopatológicos da infância e
236
Concluímos que os cuidados terapêuticos não
devem ficar restritos à criança e devem incluir
intervenções no ambiente familiar ou naqueles
ambiente que oferecem algum tipo de cuidado
à criança, como a casa de tios, avós, vizinhos,
amigos, além de instituições educativas.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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psicopatologia. In: Psicoanalizar una familia.
Buenos Aires: Paidós, 1989. p.231-285.
BERENSTEIN, Isidoro. O grupo familiar é
um sistema com uma estrutura inconsciente. In: Família e doença mental. São Paulo:
Escuta, 1988. p. 43-69.
COWAN, P. A.; COWAN, C. P. Interventions
as tests of family systems theories: marital and
family relationships in children´s development
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
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Psychopathology, v.14, p.731-759, 2002.
mento, – Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2002.
DESSEN, Maria Auxiliadora; MURTA,
Sheila Giardini. A metodologia observacional
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MARCELLI, D. Manual de Psicopatologia
de Ajuriaguerra. 5. ed. Porto Alegre:
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HOPPE, Martha Wankler. A psicopatologia
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(Doutorado em Psicologia do Desencolvimento)
Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvi-
ROBSON, Colin. Observational Methods. In:
Real World Research. Oxford: Blackwell, 1993.
YIN, R. K. Applications of case study
research. Londres: Sage, 1993.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
237
238
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Rindo de professores(as):
um estudo do humor sobre a docência
MICHELE CAROSSI1
ROSA MARIA HESSEL SILVEIRA2
RESUMO
Considerando a escassez de estudos sobre a relação entre humor e escola, este trabalho apresenta e
discute, a partir de teorização sobre as fontes do humor e do cômico, as principais tendências das representações de professores e professoras como objeto de riso. Para tanto, foram investigadas cerca de trezentas
piadas retiradas de coletâneas impressas, sites, revista de atualidades e jornal. A partir de análises inspiradas nos estudos de Sírio Possenti (1998) e Regislene Almeida (2003), podem-se identificar as seguintes
tendências predominantes de situações humorísticas: a) professores/as guardiões do conhecimento e das
regras escolares, sujeitos a zombaria por parte dos alunos, que são apresentados como mais espertos; b)
professores/as como incessantes perguntadores-avaliadores; c) professores/as como “expert” em sua área
de conhecimento, diferenciado do cidadão comum; d) professores/as como interlocutores para piadas de
fundo sexual.
Palavras-chave: humor, representação docente, escola.
ABSTRACT
Considering the few studies of the relation between humour and school, from theorising humour and
comic sources, this work provides a discussion of the main tendencies of representing teachers and female
Acadêmica do Curso de Pedagogia Empresarial – Bolsista PROICT/ULBRA
1
Professora do Curso de Pedagogia e do Programa de Pósgraduação em Educação da ULBRA ([email protected])
2
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
239
teachers as object of ridicule. To do that we have investigated around three hundred jokes from printed
collections, sites, magazines and newspapers. From analyses whose inspiration was drawn from Sírio
Possenti (1998) and Regislene Almeida (2003), one may identify the following common tendencies for
humorous situations: a) teachers who are gatekeepers of knowledge and school rules, subject to mockery
by students who are featured as smarter than the former; b) teachers as obstinate assessing-inquirers; c)
teachers as experts in their particular area of knowledge, different from common people; d) teachers as
subjects for sexual jokes.
Key words: humour, teaching representation, school.
INTRODUÇÃO
De maneira geral, as pesquisas acadêmicas
da área pedagógica não têm se interessado por
questões do humor e é possível que esse fato,
aparente ou efetivo, se origine da seriedade e
gravidade com que se entende que deva ser analisada a instituição escolar. O fato de que a
temática não seja quase abordada nas pesquisas
pedagógicas está em desacordo com a expressiva ocorrência de material humorístico (piadas,
charges, cartuns, quadros humorísticos da TV,
filmes) que toma a instituição escolar como
temática, como cenário e como inspiração.
Qualquer cidadão dos séculos XX e XXI não
terá dificuldade para se lembrar de alguma anedota sobre professor, de algum personagem cômico professor na TV (o professor Raimundo
talvez seja o mais lembrado) e de filmes em que
se ri escancaradamente da escola (O professor
aloprado e A escola da desordem, por exemplo).
Por outro lado, a questão do humor e do riso,
vista de forma geral, chama a atenção das pessoas já há séculos, desde os gregos; ela está presente em diversos momentos históricos, como,
por exemplo, está exposto no trabalho denominado O riso e o risível na história do pensamento,
onde a pesquisadora Verena Alberti, que fez do
assunto tema de sua tese de doutorado, recupera e discute as diversas formas com que o riso –
240
e, de forma relacionada, o humor e o cômico –
tem sido pensado desde Platão e Aristóteles,
passando pelo pensamento de Hobbes e chegando aos mais conhecidos pensadores que o
tematizaram nos séculos XVIII e XIX.
Contrariamente ao que se poderia pensar em
um primeiro momento, o humor está intimamente ligado ao contexto em que é produzido, a aspectos culturais e históricos. Em outras palavras,
o humor muda em diferentes culturas, em diferentes épocas e grupos; não se ri sempre das mesmas coisas, em todos os lugares, grupos e épocas.
A obra Uma história cultural do humor, organizada
por Jan Bremmer e Herman Roodenburg,
DRIESSEN (2000, p. 257), ao expor pontos importantes da relação entre humor, riso e estudos
antropológicos, sintetiza uma concepção que move
nosso interesse pelo humor relativo à docência:
(...) os temas do humor revelam questões
importantes das sociedades envolvidas: desde os interesses dominantes, as atitudes e
valores relativos à identidade (por exemplo, gênero e etnia) até seus contrapontos,
contradições e ambivalências.
Dentro da ótica dos Estudos Culturais e do
Pós-Estruturalismo, a realidade e a verdade são
discursivamente construídas e esse entendimento enriquece a freqüente leitura de algumas
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
situações provocadoras de riso como situações
de “subversão da verdade”. Nesse sentido,
LARROSA (1998, p. 223) observa no capítulo
Elogio do Riso, em Pedagogia Profana, que: “O
riso mostra a realidade a partir de outro ponto
de vista”. Pode-se dizer que o autor se insere na
tendência verificada por Alberti no pensamento moderno sobre o risível, qual seria o de “conferir ao riso um lugar-chave no esforço filosófico
de alcançar o impensável” (2000, p. 16).
Assim como o humor, também são poucos os
estudos relacionados aos docentes como “indivíduos cômicos”. Atores ou atrizes centrais dos
cenários educativos, professores e professoras têm
sido personagens relevantes nas vivências dos
educandos no mundo contemporâneo, onde a
escolarização se universalizou. O sujeito “docente” povoa histórias infantis (ex.: “A professora
maluquinha”, de Ziraldo), anúncios publicitários, filmes dos mais diversos gêneros (ex.: “Sociedade dos poetas mortos”), programas e novelas
da televisão (ex.: “Malhação”, da Rede Globo),
histórias em quadrinhos, charges, anedotas, piadas... e tantas piadas! Encontramos nesse universo a professora maternal, a mal-humorada, a
exigente, a boazinha, a dedicada, a mal-amada,
a “gostosona”; encontramos também o professor
maluco, o esquecido, o sedutor, o gênio, o atrapalhado, entre outras atribuições para ambos os
personagens.
Todos sabemos que um expressivo número de
piadas trabalha com preconceitos de toda ordem,
envolvendo, freqüentemente, estereótipos relativos a diversos grupos sociais (homossexuais,
portugueses, nordestinos, mulheres, anões, feias, pouco dotados intelectualmente, etc.).
Estamos acostumados a rir dessas piadas e, às
vezes, até a contá-las, mesmo se nos sentimos
constrangidos/as pela sua “incorreção política”.
É incontestável, portanto, que o humor tem
um componente cultural de importância, e tal
constatação está na raiz de nossa dificuldade
em rir ou, mesmo, aceitar algumas piadas de
outras culturas. Daí também emergem as adaptações das traduções de anedotas, que procuram ressignificar, dentro de um novo contexto,
as situações de humor. Para entendermos e rirmos das piadas, precisamos entender as situações e os cenários nelas apresentados, pois, uma
vez que o humor trabalha com a quebra de expectativas, é necessário que as partilhemos. No
presente trabalho, analisamos piadas, considerando que a piada constitui apenas um dos possíveis gêneros textuais voltados para a produção
do humor. Ela é definida por HOUAISS (2001,
p.2205) como “história curta de final surpreendente, às vezes picante ou obscena, contada para
provocar risos”. Qualquer pessoa que se dispuser a estudar piadas, como refere POSSENTI
(1998), em breve tempo observará o quanto elas
se repetem, constituindo, na maioria das vezes,
variantes de mesmos esquemas básicos. Dessa
forma, ao selecionarmos nosso material empírico,
desde o início da coleta de piadas nos primeiros
livros consultados e sites humorísticos, sentimos
a dificuldade de encontrarmos piadas “novas”,
tal a sua repetição.
Tomando como base tais considerações, realizamos uma investigação do humor sobre a
docência, procurando trazer um outro olhar sobre os professores, que fugisse ao que a literatura pedagógica vem entendendo como mais
digno de ser pesquisado. Sobre o professor e a
professora, já foram realizados estudos especificamente tomando como material livros de literatura infantil (SILVEIRA, 1997 e 2002;
RIPOLL, 2002; WORTMANN, 2002; DALLA
ZEN, 2002; AMARO, 2002; PILOTTO, 2002),
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
241
em que algumas pistas para a análise da relação professor-humor podem ser encontradas.
Esses trabalhos trazem imagens de professores
e professoras cômicos, ora por seu descontrole
(professoras em geral), ora pela sua esquisitice
ou pela sua ignorância (imagens associadas, respectivamente, a professores de Ciências e de
Educação Física). A dissertação de mestrado
de SILVEIRA (2002), que realizou uma análise de quadrinhos e charges sobre o ensino de
Matemática, nos traz personagens professoras
rotuladas como bruxas ou seres maléficos, que
provocam o nosso riso. Em análise efetuada da
revista Nova Escola, COSTA & SILVEIRA
(1998) fazem referência à professora dos cartuns
de Negreiros, que, por breve tempo, apareceram nas páginas da revista. Já se consultarmos
os variados estudos que trazem memórias e histórias de vida de professores/as, veremos que
os episódios cômicos não são freqüentes,
enfatizando-se, especialmente, as cenas que
expressam seriedade, dedicação, amor, vocação, sacrifício do/da professor/a, por exemplo.
Nesse sentido, pode-se dizer que as recordações da própria docência não privilegiam, neste olhar sobre o passado, o humor e a
comicidade.
Tais estudos, brevemente citados, nos servem
de contraste para a análise que realizamos na
pesquisa, da qual alguns resultados compõem o
presente artigo. O objetivo da investigação, em
seu âmbito mais geral, foi o de, a partir de
teorização sobre as fontes do humor e do cômico, buscar as recorrências das representações de
professores e de professoras como objeto e motor
do riso, conectando-as com representações de
escola, trabalho e identidade docente. É nela
que se situa o presente estudo.
242
MATERIAL E MÉTODOS –
COMO E O QUE ANALISAMOS
Foram analisadas para o presente trabalho
cerca de 300 piadas retiradas de coletâneas
impressas e sites da Internet, selecionadas com
base no critério de apresentarem o professor
ou a professora como um dos seus personagens.
A progressiva leitura das mesmas foi sugerindo às pesquisadoras a construção de categorias que correspondessem às principais tendências encontradas. O desenho metodológico
deste trabalho inspirou-se na vertente das
análises textuais dos Estudos Culturais e Estudos da Docência, buscando-se, através de
tais análises, a sustentação para a apresentação dos resultados.
RESULTADOS E
DISCUSSÃO – COMO
PERSONAGENS
PROFESSORES E
PROFESSORAS SÃO
REPRESENTADOS/AS NAS
PIADAS?
No estudo realizado, construímos agrupamentos de representações a partir da identificação
de algumas tendências predominantes nas situações humorísticas. Essas tendências não são mutuamente excludentes e, por vezes, se superpõem,
como é fácil perceber pela sua explanação.
a) Professores e professoras podem ser apresentados como guardas zelosos do conhecimento e das regras escolares, e, neste
papel, estão sujeitos a zombaria por parte
dos alunos, que são apresentados como
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
mais espertos; freqüentemente os docentes, como interessados na transmissão e
“cobrança”
do
conhecimento
institucionalizado, questionam seus alunos
sobre isso e esta situação abre a ocasião
para o humor. É nesse caso que se contrapõem a professora (ou professor) e o sujeito-criança, personagem freqüentemente
apresentado como rebelde, irreverente e,
por vezes, “engraçadinho”. Tais piadas podem ser enquadradas no que Possenti classifica como “humor de criança”, em que
freqüentemente os adultos estão sujeitos a
zombarias por parte dos alunos – estes apresentados como mais espertos.
– Juquinha, me dê um exemplo de fenômeno.
– O Brasil, professora: todos os habitantes falam a mesma língua.
– E daí? Qual é o fenômeno?
– Ora, professora, mesmo assim ninguém
se entende.
Nesta, como em muitas outras piadas, o aluno leva a melhor em relação ao professor. Como
isso acontece? O mestre questiona o aluno tendo como referência um contexto do conhecimento escolarizado, enquanto Juquinha, o
“espertinho”, a interpreta como se fosse uma
pergunta corriqueira, coloquial, e responde fazendo referência a um tema freqüente em piadas: os defeitos e falhas do próprio país e do seu
povo, numa espécie de auto-ironia. É importante observar que muitas piadas reproduzem a fórmula pergunta(professor) – resposta(aluno) –
avaliação(professor), e, às vezes, incorporam uma
nova resposta do estudante, que traz o fecho
jocoso da piada. Nesse sentido, elas estão de
acordo com esquemas tradicionais do discurso
de sala de aula, em que tal seqüência é prontamente reconhecida como pertencente ao discurso pedagógico.
Além de agentes cuidadosos da transferência
de conhecimentos escolarizados, os mestres também são retratados como aplicando e zelando pelo
cumprimento de todos as normas, obrigações e
procedimentos que fazem parte dos ritos e do
“disciplinamento” do qual o aparato pedagógico
se incumbe: presença, comportamento adequado, resposta à chamada, realização de temas, cumprimento de requisitos de atenção e pontualidade, uso de uniforme, etc. É assim que...
Joãozinho chega no meio da aula.
– Atrasado outra vez, Joãozinho – reclama
a professora. É a terceira vez esta semana.
– Desculpe, professora!
– O que você pretende ser no futuro, com
este tipo de comportamento?
– Político, professora!
Nessas poucas linhas, muito se pode ler sobre representação de escola e de professora. A
mestra é disciplinadora e exigente – a pontualidade é tradicionalmente vista como um requisito do disciplinamento escolar - e a escola é
vista como o espaço que prepara os cidadãos para
um desempenho social adequado no futuro. O
caráter humorístico da piada, no caso, advém
do inesperado da resposta, em que Joãozinho
refere uma opinião generalizada sobre os políticos: eles não são gente cumpridora de suas obrigações (embora bem remunerados).
Os alunos, geralmente crianças, constituem,
como vimos, importantes antagonistas nas pia-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
243
das escolares. Nesse sentido, ao abordar o papel
que as crianças desempenham nas piadas,
POSSENTI (2002,s/p) observa que uma “das características das ‘piadas de crianças’ – em que
elas são personagens, como os animais nas fábulas, embora até possa haver de fato respostas inteligentíssimas de crianças – é que elas sabem
muito mais do que se supõe”. Encontram-se com
freqüência crianças muito inteligentes nas piadas, sempre prontas a desconcertarem, com suas
respostas, os adultos, que podem ser os mestres,
os pais, os porteiros, os padres, os guardas de
trânsito, etc.
b) Os professores e professoras são também
tratados, nas piadas, como profissionais
que só sabem desempenhar suas tarefas
através de uma incessante atividade de
perguntar e avaliar sucessivamente. Vejamos as duas piadas abaixo.
A professora pergunta: – Quantos corações nós temos?
O aluno: – Dois, temos dois, professora!
– Dois? Está maluco?
– Não professora... um é o meu e o outro
é o seu ... dois corações.
Joãozinho chega na escola e a professora
pergunta:
– Numa árvore tinha três passarinhos...
deram um tiro na árvore e ele acertou um
passarinho. Quantos ficaram?
– Ficou apenas um passarinho.
244
– Por que um, Joãozinho? – a professora
pergunta.
– Só o que morreu... os outros fugiram, né!
No primeiro caso, repete-se o esquema acima
explicitado em que, à pergunta da professora, a
qual usa um pronome “nós” genérico (nós – a
humanidade, as pessoas), o aluno espertinho responde de maneira “graciosa”, inesperada, atribuindo ao mesmo “nós” o significado de falante (ele)
e interlocutora (a professora). Na segunda piada, Joãozinho, já ao chegar na escola, é inquirido
– nas piadas, como dissemos, os professores estão
sempre perguntando... - com um problema matemático. Observe-se que os problemas matemáticos propostos na cultura escolar devem ser sempre entendidos como narrativas que simplificam
uma situação pretensamente extra-escolar para
propor uma pergunta que necessariamente deve
ser respondida considerando-se apenas os dados
numéricos do problema. Frente a essa expectativa dos leitores ou ouvintes da piada, o protagonista Joãozinho provoca uma reversão: ao fugir
ao simples cálculo matemático (3 – 1 = 2) e oferecer um desfecho fatual à narrativa, provoca o
riso pela justaposição de dois esquemas diferentes e, também, por, de certa forma, desnudar o
artificialismo de alguns (muitos?) problemas escolares matemáticos.
c) Os professores/as, em algumas piadas, são
apresentados como especialistas em sua área
de conhecimento, diferenciando-se, nesse
sentido, do cidadão comum. Isto é: em outras anedotas, a imagem do/da mestre/a é
ou de alguém que “domina” um conteúdo
escolar, ou é especialmente inteligente, ou
não se desliga jamais do contexto do conhecimento acadêmico. É interessante observar que, neste caso, são mais
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
encontradiços professores masculinos, o que
não chega a surpreender, uma vez que, no
mundo das piadas e do senso comum, são os
homens os sujeitos mais intelectualmente
desenvolvidos. Vejamos duas piadas que
exemplificam essa representação.
A professora pergunta para a Mariazinha:
– Mariazinha, me dê um exemplo de verbo:
– Bicicreta! – respondeu a menina.
– Não se diz “bicicreta” e sim bicicleta.
Além disso, bicicleta não é verbo.
– Pedro, me diga você um verbo.
– Prástico! – disse o garoto.
– É “plástico”, não “prástico”. E também não
é verbo. Laura, é a sua vez: me dê um exemplo de verbo correto – pediu a professora.
– Hospedar! – respondeu Laura.
– Muito bem! – disse a professora. Agora,
forme uma frase com este verbo.
– Os pedar da bicicreta é de prástico, professora.
E o professor de matemática dá queixa na
delegacia sobre o atropelamento que sofreu.
– Anotou a placa?
– Anotar não anotei, mas eu sei o número; se for duplicado e depois multiplicado
por ele mesmo, a raiz quadrada do produto será a mesma do número original, só
que invertida.
Na primeira piada, em que mais uma vez se
observa o permanente caráter inquiridor da professora, a mestra está preocupada com um conteúdo tipicamente escolar – a identificação de
palavras que se classifiquem como “verbos” - e
parece não atentar para a distância entre tal
nomenclatura e as evidentes marcas fonéticas
de um linguajar popular de seus alunos. Já na
segunda, é o professor de matemática – e observe-se, com SILVEIRA (2002), que a matemática parece estar sempre circunscrita ao gênero
masculino - que parece aprisionado em sua maneira matemática de ver, pensar e narrar o mundo, utilizando-a de forma excêntrica, em situações do cotidiano.
d) Por vezes, os professores/as são apresentados como interlocutores para piadas de fundo sexual. Efetivamente, nas coletâneas e
sites de piadas, são encontradas numerosas piadas em que ora se fazem alusões à
sensualidade da professora, que perturba
os alunos masculinos, ora são apresentadas alunas que representam a mulher sedutora em relação aos professores homens.
POSSENTI (2002, s/p) nos fala no “estereótipo da garota sedutora e pouco estudiosa (bonita e burra?)”, e é preciso registrar
que, com alguma freqüência, tais piadas
usam um vocabulário de baixo calão – ou
o sugerem, pela solicitação de rimas - e nem
um pouco sutil.
CONCLUSÕES E
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo dentro dos limites desse estudo, em
que apresentamos brevemente alguns comentários sobre tendências das imagens de professo-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
245
res e professoras em piadas escolares e dos personagens que nele se movem, algumas tendências de sua análise já podem ser esboçadas. As
formas de representação que nelas estão presentes não chegam a subverter – via de regra os clichês sobre escola, sobre ritos, práticas e
normas escolares, sobre professor e professora,
sobre gênero, etc. Ao contrário: as piadas escolares parecem se encaixar nos enquadres do gênero textual quando toma como temática o contexto escolar - as crianças-alunas são esboçadas
freqüentemente como sujeitos espontâneos, desrespeitosos, espertinhos, sempre prontos para
zombar dos professores; os alunos são representados dentro dos diferentes estereótipos de estudantes – os pouco estudiosos, sempre prontos
a usar métodos pouco elogiosos para obter sucesso na escola; os que elogiam professores com
falsidade na expectativa de obter favores; os que
só se interessam pela sensualidade da professora. Também os mestres são apresentados como
perguntadores incessantes e preocupados essencialmente com o cumprimento dos ritos e tarefas tipicamente escolares, às vezes ingênuos, sempre enganados pelos alunos; às vezes mais espertos do que estes; às vezes encerrados em sua
maneira “científica” de ver a realidade. Por fim,
o conhecimento escolar é freqüentemente apresentado como distante do cotidiano de alunos,
o que possibilita a estes respostas inesperadas e
desconcertantes para o professor. POSSENTI
(2002, s/p) assim sintetiza suas observações sobre piadas escolares:
Nas piadas, a escola é um lugar para meninas, pois Juquinha representa o universo masculino, desinteressado dos estudos
e interessado em sexo e na violação das
regras básicas de educação. Observe-se
que essas piadas estão de acordo com uma
246
idéia geral segundo a qual (...) a escola é
um lugar chato, no qual se fazem tarefas
desinteressantes, às vezes sob o comando
de professores pouco preparados.
Certamente, o mundo escolar que aparece nas
piadas correntes não é o mundo “oficial” da pedagogia, o que não significa que não seja um mundo
que todos nós conhecemos. É, apenas, um mundo
que não encontra espaço em textos mais sérios;
como relembra ainda POSSENTI (1998, p. 26),
“as piadas são interessantes porque são quase sempre veículo de um discurso proibido, subterrâneo,
não oficial, que não se manifestaria, talvez, através de outras formas de coletas de dados (...)”.
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chiliques, broncas... mas até que ela é uma
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BRUSCHINI, Cristina; HOLANDA, Heloísa Buarque de (Orgs.). Horizontes plurais:
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
247
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ZYLBERSZTAJN, Abram. As melhores piadas do humor judaico. Rio de Janeiro:
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Garamond, 2003. 2v.
<http://humortadela.uol.com.br/piadas/
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<http://www.profene.hpg.ig.com.br> Acesso
em abril/04.
<http://www1.uol.com.br/criancas/piadas/
ult986u1.shl> Acesso em abril 2004.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Formas kantianas da sensibilidade em
sua dupla perspectiva estética
FABIO HILÁRIO BRAMBILLA1
VALERIO ROHDEN2
Nós nunca temos, nem um único dia,
O puro espaço ante nós, para o qual as flores
Se abrem infinitamente.
(RILKE, 8ª Elegia de Duíno)
RESUMO
Aqui são inicialmente comparadas duas formas de sensibilidade estética: primeiro em sua forma cognitiva,
como teoria da sensibilidade da ‘Crítica da razão pura` (1781 = ed. A, 2ª. ed. 1787, = ed. B abrev.
KrV), e, segundo, como forma estética reflexiva ou forma do gosto, da ‘Crítica da faculdade do juízo`
(1790, abrev. KdU). A primeira é dita forma objetiva e a segunda, subjetiva ou, melhor, intersubjetiva. A
primeira tem diretamente em vista o conhecimento e a segunda o prazer estético, também chamado de
sentimento de vida. Analogamente à indeterminação fenomênica ao nível da sensibilidade “objetiva”, há
também uma indeterminação estética do gosto. Enquanto a primeira se completa na determinação
conceitual, a segunda jamais se completa, mantém-se sempre aberta, em processo. Por isso a terceira
crítica é considerada mais crítica que as demais. O artigo conclui com algumas considerações complementares e introdutórias à primeira forma de sensibilidade.
Palavras-chave: sensibilidade, conhecimento, gosto, objeto, reflexão.
1
Acadêmico do Curso de Filosofia – Bolsista da FAPERGS
2
Professor do Curso de Filosofia / ULBRA. ([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
249
ABSTRACT
The paper compares two forms of aesthetic sensibility: the cognitive form, as a theory of sensibility according
to the ‘Critique of Pure Reason` (1781= ed. A. 2a. ed. 1787= ed. B, abbrev. KrV), and the aesthetic
reflexive form or form of the taste, according to the ‘Critique of Judgment` (1790, abbrev. KdU). The first is
said to be objective and the second subjective, or better, inter-subjective. The first relates directly to knowledge,
and the second relates to aesthetic pleasure, also called feeling of life. Analogously to the phenomenic
indetermination of the “objective” sensibility, there is also a aesthetic indetermination of the taste. Inasmuch as
the firs completes itself in the conceptual determination, the second never completes itself, it keeps itself always
open, in process. For this reason, the Third Critique is more critical than the other two. The article concludes
with some complementary and introductory considerations on the first form of sensibility.
Key words: sensibility, knowledge, taste, object, reflexion.
OS DOIS SENTIDOS DO
ESTÉTICO
A teoria da sensibilidade em Kant envolve duas
perspectivas diversas. Uma, que é a perspectiva
chamada objetiva ou do conhecimento, estuda a
sensibilidade em sua matéria, mas principalmente
em sua forma. As formas da sensibilidade são o
espaço e o tempo. Como formas, elas são condições ou modos gerais de ver, ouvir, perceber e sentir. Ou seja, espaço e tempo não se encontram fora
de nós, como coisas ou momentos delas, mas se
encontram em nós como a forma de nosso relacionamento com todos os objetos capazes de afetar os
nossos sentidos. Esta perspectiva tomou o estético
em seu sentido literal grego, como ligado à sensação, o que não deixou de ser curioso, já que na
época de Kant prevalecia, pelas mãos do seu mestre Baumgarten, um novo sentido de estético como
ligado a uma teoria do belo e do gosto.
Esta outra perspectiva desde a qual Kant determina a sensibilidade, mas sem o uso do termo
em causa, é a que estamos acostumados a entender como sensibilidade estética, ou seja como uma
forma de gosto, um modo de percepção do belo
250
ou do feio. Esta é uma perspectiva que se elabora
a partir de sua teoria do juízo reflexivo, voltado,
não propriamente para uma mera subjetividade,
em contraposição à objetividade, mas antes para
uma intersubjetividade. Pois o gosto é um prazer
virtual que reivindica sua concretização pela
universal comunicabilidade estética.
Até a 2ª ed. da Crítica da razão pura (1787),
Kant elevara-se a uma perspectiva apriorística
apenas em relação à forma objetiva da sensibilidade, ou seja, do espaço e do tempo como formas de
percepção fenomênica. A posterior descoberta de
um a priori estético em relação ao gosto, tematizado
na Crítica da faculdade do juízo (1790), foi uma descoberta de Kant do fim dos anos 1787, documentada numa carta a Reinhold.3 Esta forma concerne
a uma percepção de que, apreciando um objeto
estético, como a natureza ou arte bela, eu reconheço a sua forma como universalmente comunicável entre todos os sujeitos capazes de ter gosto.
3
. Cf. KANT, I. Briefwechsel. Hamburg: Felix Meiner, 1986,
p.335 (carta de 28 e 31 dez. 1787). Na 2ª. ed. da Crífica
da razão pura, de poucos meses antes (abril de 1787),
Kant ainda mantinha a concepção empirista do juízo estético. Cf. KrV, A 22 B 36, trad. p.72.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
A filosofia de Kant é marcada pelo estudo do a
priori, tanto em relação ao conhecimento, quanto
em relação à ação e em relação ao gosto. A perspectiva de consideração do a priori como fonte do
que se pode conhecer, fazer ou sentir, é chamada
de perspectiva transcendental. O transcendental
é o estudo do a priori como condição de possibilidade de atuação humana nessas três esferas. Ou
seja, as faculdades através das quais se opera essa
perspectiva transcendental são a do conhecimento (razão, entendimento, imaginação, sensibilidade), a da ação (faculdade de apetição ou de desejar) e a do sentimento estético (sentimento de prazer e desprazer). Há uma faculdade que engloba
todas essas faculdades e as articula entre si; ela
chama-se de ânimo. Tanto no domínio do conhecimento há uma articulação de faculdades entre
si, principalmente entre entendimento e sensibilidade, quanto há essa articulação nos demais domínios. Ou seja, o ânimo é o todo das faculdades
humanas, dinamicamente articuladas entre si por
uma faculdade chamada juízo. O juízo é um talento de articulação do geral (conceito) e do particular (intuição) entre si. Se ele como talento tem
algum lugar, é antes na faculdade estética, do sentimento de prazer e desprazer. Kant desenvolve na
terceira Crítica, principalmente em suas duas Introduções, toda uma teoria da função articuladora
do juízo entre teoria e prática ou entre as faculdades. O juízo é, do ponto de vista estético e a nível
reflexivo, a identificação a priori da possibilidade
de uma determinada harmonia ou acordo entre as
faculdades. A percepção desta possibilidade de
acordo gera prazer. Por isso a Estética no sentido
de teoria do gosto assume um lugar privilegiado
na concepção filosófica kantiana, expressa eminentemente nas três Críticas. E sentir prazer, a um nível reflexivo da sensibilidade, é experimentar o
prenúncio de um possível acordo qualquer entre
os homens.
Na experiência primordial do originamento
de um conhecimento, ainda se tem consciência
da vinculação entre conhecimento e prazer. Com
o desenvolvimento do conhecimento, essa experiência vital se perde. Mas a um alto preço: a
atividade cognitiva torna-se mecânica e deixa
de reconhecer-se como criativa.
Não devia, pois, causar estranheza aos matemáticos e geômetras, nem deveria significar
que se tira sua ciência do sério o fato de
relacioná-la com a arte e, talvez, até com a mais
criativa das artes, que é a poesia. Porque, segundo Kant, a poesia é que envolve a máxima
articulação entre s faculdades.4
Voltemo-nos para a nossa epígrafe, os versos
de Rilke: “Nós nunca temos, nem um único dia,
o puro espaço ante nós, para o qual as flores se
abrem infinitamente.”5 Esta frase permite-nos o
tratamento específico do nosso tema: a sensibilidade, em sua dupla forma: sensorial-cognitiva
e sensível-estética (ou apreciativa).
ESPAÇO E TEMPO COMO
FORMAS COGNITIVAS DA
SENSIBILIDADE
Nós jamais podemos ter o puro espaço, e
tampouco o puro tempo, diante de nós. Porque,
se assim fosse, nós diríamos que vemos o ver,
ouvimos o ouvir, sentimos o sentir. Nós não vemos o espaço e o tempo, porque são eles que
4
Cf. KANT, I. Crítica da faculdade do juízo. Rio de Janeiro:
Forense, 1993, p.171, B 215.
RILKE, Rainer Maria. Poemas. As elegias de Duíno. Prefácio, seleção e tradução de Paulo Quintela, nova ed. Porto:
O Oiro do Dia, 1983, p.216-7.
5
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
251
vêem, é a partir deles que nós vemos as flores
como matéria. Espaço e tempo, como formas de
ver ou sentir, são forma e não matéria de nossa
sensibilidade. Podemos dizer popular e
empiricamente que sentimos o tempo passar, que
percebemos a distância de nosso caminho a percorrer-se de um ponto a outro. Isto é tão real
como o sol levantar-se diante de nós e percorrer
em um dia a abóbada celeste. A ciência está
repleta de desmentidos das verdades do senso
comum. Do mesmo modo, se a forma da nossa
sensibilidade não fosse nem tempo nem espaço,
não teríamos condições para ver aqueles mencionados fenômenos empíricos. Quem detecta
as ilusões ao nível da sensibilidade? É uma faculdade mais alta: é o julgar ao nível do entendimento. Mas não é a sensibilidade que se engana, e sim o entendimento ao assumir a perspectiva das aparências.
Portanto, Kant entende a sensibilidade como
dotada de formas a priori, mediante as quais
podemos perceber os fenômenos (aquilo que se
mostra). Tudo se vê, se percebe, a partir das formas espaço-temporais da sensibilidade. Sem estes elementos apriorísticos nela, isto é, sem estas formas que não provêm da experiência, nenhuma matéria se mostraria e nenhuma flor apareceria no espaço, e com uma duração determinada ou determinável. O espaço é a forma da
percepção de todos os fenômenos externos, e o
tempo é a forma da percepção de todos os fenômenos internos, ou seja dos estados da consciência, como consciência de sua duração. Mas
como a representação espacial é também uma
representação, portanto um fenômeno interno,
o tempo, segundo Kant, funda a representação
espacial. Todas as representações espaciais são
em última análise temporais. Mas tampouco o
tempo se contenta com representações engano-
252
sas, ou seja, com estados subjetivos
desvinculados do mundo exterior. Como forma
da sensibilidade, ele une-se intimamente ao
espaço. E é, portanto, dentro de um mundo objetivo – em que objetos se dão ainda
indeterminadamente – que tempo e espaço são
formas fenomênicas. Nós não conhecemos apenas mediante as formas da sensibilidade. Sem a
união de sensibilidade e entendimento, ou de
intuição e conceito, a nossa percepção é cega e
o nosso conceito é vazio. O que conhecemos
através das formas da sensibilidade. são, no
entanto, apenas fenômenos (modos de dar-se das
coisas), mas jamais as coisas em si, independentes desse modo de dar-se. Que seriam as coisas
fora de uma relação de conhecimento? A pergunta é absurda: não se pode perguntar ou saber o que é algo fora da pergunta ou do saber.
AS FORMAS DA
SENSIBILIDADE
ESTÉTICA
Os objetos estéticos resumem-se eminentemente ao belo, ao feio, ao agradável e desagradável, ao sublime. Mas como se dão? Dão-se a
uma sensibilidade reflexiva chamada gosto. Trata-se de uma sensibilidade reflexiva, que é um
ir em direção ao entendimento, mas sem determinação de seu término. A reflexão sobre as formas é um processo de pôr-se a caminho do conhecimento, sem chegar lá. Porque o estético
distingue-se da determinação cognitiva por ser
ele uma forma de sentir, com certo grau de elaboração. O grau de elaboração é o gosto, que
requer uma certa cultura do ânimo.6
6
Cf. KANT, I. KdU B262, trad. bras. p.199.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Mas vejamos: a relação entre sujeito e objeto é, no caso estético, o contrário da relação
cognitiva. Quando vejo um objeto, por exemplo, uma rosa e digo que é bela, significa que
sinto prazer em contemplá-la. Sentir prazer diante de um objeto significa relacioná-lo com o
estado do sujeito. Este estado do sujeito é o sentimento de vida. A experiência estética de um
objeto como belo significa uma promoção do sentimento de vida. Por isso, interessantemente em
Kant, o prazer estético é o sentimento de promoção da vida. Logo, a experiência estética é
uma experiência primordial, sem a qual perdemos o gosto de viver. E, sem ela, também deixamos de contemplar as estrelas e investigá-las.
Houve um tempo em que conhecimento e
prazer estavam unidos, observei antes. Se quisermos manter a criatividade do conhecimento, temos de recuperar essa experiência de união. Sem
prazer não vivemos, sem beleza não nos achamos
em casa no mundo, sem admiração não investigamos. A admiração reflexiva põe em movimento o conhecimento, mas quem o conclui é essa
outra esfera objetiva, denominada matemática ou
geometria, em relação ao tempo e espaço.
Não vemos o espaço e o tempo diante de nós.
Mas nós os sentimos em nós. E sentindo-os, vemos as flores que crescem neles. Sem o prazer
estético, só vemos neles plantas mortas, logo falsificamos os objetos que queremos conhecer.
Enfim, assim como não conhecemos apenas
com as formas da sensibilidade, mas só mediante a sua união com as formas do entendimento
(as categorias), assim também não percebemos
a beleza mediante o simplesmente agradável,
que em seu sentido sensorial mais elementar,
como o prazer de comer uma fruta ou de beber
um vinho. O belo vem um pouco depois, no re-
finamento do comer e beber, portanto, pela abertura da sensibilidade estética à reflexão.
COMPLEMENTOS
Detenhamo-nos em mais alguns aspectos da
dimensão cognitiva da teoria kantiana da sensibilidade. A Estética em seu sentido cognitivo
objetivo é estudada do ponto de vista de uma
teoria transcendental da sensibilidade. O termo transcendental tem um sentido novo em
Kant Ele significa aqui o estudo das condições
a priori do conhecimento. Condições a priori são
condições de possibilidade. As condições a priori
formais são relações dentro das quais a matéria
aparece e se dá a conhecer sensivelmente. A
forma constitui-se de relações. Kant escreve: “A
forma pura de intuições sensíveis em geral na
qual todo o múltiplo dos fenômenos é intuído
em certas relações, será encontrada a priori na
mente” (KrV B 34).
Comentemos essa frase. Intuições são as representações da sensibilidade. São o ver, o ouvir, o tato etc. Estas são representações empíricas.
Existem também intuições não empíricas, intuições puras, que se identificam com as formas do
espaço e do tempo. A forma pura dessas ações
intuitivas são aquelas condições da sensibilidade que as possibilitam. São condições formais,
como formas da sensibilidade, portanto não externas a ela, não dadas como conteúdo, mas como
formas nas quais o conteúdo do conhecimento
sensível é dado. Essa forma é pura, porque não é
dada na experiência, empiricamente. Uma forma é pura porque não contém sensação. Sensação é o modo como somos afetados por objetos.
Estes objetos, chamados fenômenos, são dados
em certas relações. A frase citada diz que o
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
253
múltiplo dos fenômenos é dado em certas relações. Quer dizer, os fenômenos contêm uma
pluralidade de aspectos, que são ordenados formalmente. Estas relações ordenadoras são chamadas espaço e tempo. Logo, espaço e tempo
são formas da sensibilidade, dentro das quais os
fenômenos em sua matéria são ordenados.
Mas os fenômenos se dão ao nível da sensibilidade, são ordenados espacial e temporalmente, o
que contudo não basta para serem conhecidos. A
ordenação sensível é apenas uma parte do conhecimento, insuficiente para a identificação do objeto, a qual é operada por uma determinação
conceitual. O fenômeno, enquanto ordenado sensivelmente, define-se como “objeto indeterminado
de uma intuição empírica” (KrV B 34). A sua
indeterminação significa que ao nível sensível não
sabemos o que um objeto seja. O conceito é o pensamento do objeto, dado na intuição sensível. Só
quando unimos intuição e conceito sabemos o que
um objeto é. “Sem sensibilidade nenhum objeto
nos seria dado, e sem entendimento nenhum seria
pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios.
Intuições sem conceitos são cegas” (KrV B 75).
Essa famosa frase diz que um ver ou ouvir não
bastam para a identificação de um objeto. A teoria do espaço e do tempo como formas gerais da
sensibilidade é apenas uma primeira parte de uma
teoria do conhecimento. Esta teoria envolve outros a priori, como as categorias ou formas puras,
equivalentes e complementares, ao nível do entendimento, às formas puras do espaço e do tempo, da sensibilidade. A essas determinações
transcendentais das condições do conhecimento
segue-se uma dedução, como demonstração da
necessidade dessas formas puras para o conhecimento. E segue-se um estudo dos princípios supremos do conhecimento, como uma teoria do juízo
em que o conhecimento do objeto se completa.
254
CONCLUSÕES
A aventura da primeira Crítica, como se sabe,
vai mais longe. Por enquanto bastam estas considerações introdutórias.
Quem quiser saber mais sobre isso, convém que
se invista de coragem, e ouse ler as três Críticas de
Kant. O que queríamos dizer, com estas considerações introdutórias, é que se a sensibilidade recuperar sua unidade objetiva e intersubjetiva, se a
partir daí formos capazes de vislumbrar uma possível harmonia de faculdades, então a vida e o conhecimento se salvam, como flores que crescem
num espaço e tempo que as comportam, sem que
os vejamos, mas que conhecemos ou em sua
objetivação, ou transcendentalmente, como as
condições primeiras do conhecimento e do gosto.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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matematização da percepção. Uma análise da
doutrina das sensações na Crítica da razão pura.
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São Paulo: Martins Fontes, 2005.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
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Paulo Quintela. Porto: O Oiro do Dia, 1986.
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255
Lingüistica, Letras e Artes
258
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Estudos surdos: uma abordagem lingüística1
FABIANO SOUTO ROSA2
ALEXANDRE MORAND GOES3
LODENIR BECKER KARNOPP4
RESUMO
Linguagem e sociedade estão ligadas entre si e formam a base da constituição do ser humano. Por isso,
ao estudarmos o fenômeno lingüístico e as línguas de sinais, estamos tratando também das relações entre
linguagem e sociedade. A lingüística, ao estudar qualquer comunidade que usa uma língua, constata, de
imediato, a existência de diversidade ou de variação, ou seja, toda comunidade - no caso aqui investigado,
a comunidade de surdos - se caracteriza pelo emprego de diferentes modos de usar a língua de sinais. A
essas diferentes maneiras de fazer sinais, a sociolingüística utiliza a denominação de “variedades lingüísticas”. O presente trabalho objetiva discutir a relação entre língua de sinais e variedades lingüísticas e para
isso analisa essas variedades na língua de sinais brasileira (LIBRAS) e as diferenças observadas na realização dos sinais em algumas regiões do Brasil ou mesmo em diferentes sinalizadores. A análise inclui
textos produzidos em sinais e posteriormente traduzidos para o português de diálogos entre surdos de
diferentes regiões brasileiras, em que os interlocutores referem mudanças observadas nos sinais realizados
por eles ou por seus interlocutores surdos.
Palavras-chave: surdos, Língua de Sinais Brasileira, lingüística.
Pesquisa realizada com o apoio da Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS Processo 03/0052.3)
1
Acadêmico do Curso de Pedagogia/ULBRA – Bolsista
PROICT/ULBRA
2
3
Acadêmico do Curso de Letras/ULBRA
Professora – Orientadora do Curso de Letras e PPG Educação/ULBRA ([email protected])
4
5
Trechos traduzidos da LIBRAS para a Língua Portuguesa.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
259
ABSTRACT
Language and society are linked to each other and form the basis of the constitution of the human being.
Because of this, when studying the linguistic phenomena and sign languages, we are also dealing with the
relationships between language and society. Linguistics, when studying any community which makes use of a
language, immediately reports the existence of diversity or variation, that is, every community, in this case the
deaf community, characterizes itself by the use of different ways of using the sign language. For these different
ways of making signs sociolinguistics uses the denomination “linguistic varieties”. The present work aims at
discussing the relationship between sign language and linguistic varieties. Therefore, in order to do so it
analyses these varieties in the Brazilian Sign Language (LIBRAS) and the differences observed in the making
of signs in some regions of Brazil as well as the different signers.The analysis was composed of texts produced
in signs and later translated to Portuguese of dialogues between deaf people from different regions of the
country in which the signers refer to changes observed in the signs made by them or by their deaf partners.
Key words: deaf, Brazilian Sign Language, linguistcs.
As línguas de sinais existem de forma natural em comunidades lingüísticas de pessoas surdas. No entanto, não há uma única língua de
sinais para todos os surdos, pois eles se organizam em grupos e formam comunidades lingüísticas diferentes. Além disso, não estão geograficamente em uma mesma localidade, mas espalhados em várias partes do mundo.
Os usuários da língua de sinais brasileira
(LIBRAS) conseguem se comunicar uns com
os outros e entendem-se bastante bem, apesar de não haver sequer dois que façam sinais
da mesma maneira. Algumas diferenças devem-se à idade, escolaridade, maior ou menor contato com a comunidade surda, sexo,
classe social, personalidade, estado emocio-
nal. O fato de sermos capazes de identificar
pessoas conhecidas pela forma como falam (nas
línguas orais) ou pela forma como fazem sinais (nas línguas de sinais) mostra que cada
pessoa tem uma maneira característica de usar
a língua, diferente das outras. Denominamse idioletos as maneiras únicas do modo de
falar ou sinalizar de cada indivíduo. Para ilustrar a definição de idioleto transcrevo um diálogo entre surdos5 :
Eva (E) (31:44) Eu percebo no teu jeito de
fazer o sinal ‘vermelho’, uma forma peculiar. A tua orientação de mão é diferente,
o pulso está mais para o lado. Esse é um
jeito só teu ou é um jeito dos surdos de
Pernambuco?
5
260
Trechos traduzidos da LIBRAS para a Língua Portuguesa.
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VERMELHO
Pedro (P) (32:01) É verdade! É um jeito só
meu, mas não faz diferença, o sinal continua sendo o mesmo, apesar de a forma ser
um pouco diferente.
E (32:05) Outro detalhe interessante é que
algumas pessoas quando fazem o sinal
“branco”, fazem questão de encostar o
dedo nos dentes [risos]...
P (32:09) Verdade! Verdade! E ainda abrem
bem a boca para mostrar os dentes!
BRANCO
E (32:13) Isso não é necessário. Veja só: para
o sinal “branco” não é necessário nem
abrir a boca, nem encostar o dedo no dente! Imagine se eu estou comendo e sinalizando, ficaria um horror abrir a boca! Vejo
que aí é culpa de alguns professores [ao
ensinar sinais]!
P (32:38) Sim, embora o sinal “branco” tenha tido a motivação da cor do dente,
ele não precisa ter esse contato, ele vai se
desprendendo...!
E (32:44) O sinal “branco” deve ser sinalizado de forma natural, assim como as palavras no português têm um ritmo, os sinais
também têm um ritmo...
(KARNOPP, 2004)
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261
Além dessas diferenças individuais (idioletos),
a língua utilizada por diferentes grupos de pessoas pode apresentar variações regulares, variações
em determinados grupos, conforme a proximidade entre as pessoas. Quando a língua de sinais
usada por surdos de regiões geográficas ou grupos sociais diferentes apresenta diferenças sistemáticas, diz-se que esses grupos usam sinais diferentes, ou seja, dialetos da mesma língua. Os
dialetos nas línguas de sinais podem ser definidos como formas mutuamente compreensíveis
dessa língua e com diferenças sistemáticas.
No entanto, nem sempre é fácil decidir se essas
diferenças sistemáticas entre duas comunidades
lingüísticas representam dois dialetos ou duas línguas distintas. A definição mais simples, que tem
sido utilizada é: “Quando dois dialetos se tornam
mutuamente ininteligíveis, ou seja, quando os usuários de um dialeto já não conseguem compreender os usuários de outro, esses dialetos tornam-se
línguas diferentes”. Claro que a dificuldade está
em definir o que é “inteligibilidade mútua”, pois
considerar o uso lingüístico de duas comunidades
como dialetos ou como línguas diferentes transcende questões lingüísticas, já que há questões
políticas e de identidade cultural. Dado que a lingüística por si só não consegue estabelecer uma
distinção clara entre língua e dialetos, consideraremos dialetos da mesma língua as versões mutuamente compreensíveis da mesma gramática básica
que se distinguem de forma regular. Todas as comunidades lingüísticas apresentam, de fato, variações sistemáticas no uso da língua de sinais. Essas variações podem se apresentar no vocabulário,
na gramática, enfim, na forma como o surdo usa os
sinais.
A diversidade de dialetos tende a aumentar
conforme o isolamento comunicativo (ou geo-
262
gráfico) entre os grupos. Esse isolamento comunicativo existe em grupos de pessoas surdas e
aumenta, portanto, as diferenças entre um dialeto e outro. As mudanças que ocorrem em uma
determinada região não se estendem necessariamente a outras regiões. Se alguma barreira de
comunicação separa grupos de surdos – quer se
trate de uma barreira física, geográfica, social,
política, racial, social ou religiosa – as alterações lingüísticas não se divulgam facilmente e
as diferenças dialetais aumentam.
As alterações dialetais não se dão todas ao
mesmo tempo; dão-se gradualmente, tendo
muitas vezes origem numa região e espalhandose lentamente a outras, por vezes ao longo de
várias gerações de usuários da língua. Uma
mudança que ocorra numa região, mas que não
se estenda a outras regiões, dá-se o nome de
dialeto regional (FROMKIN & RODMAN,
1993, p. 269). No diálogo entre os surdos, um do
Nordeste e o outro do Sul, eles descrevem algumas diferenças visíveis na língua, os dialetos
regionais.
E (39:15) Minha pergunta agora é sobre as
diferenças entre os sinais produzidos em
Pernambuco e no Nordeste comparados
com os sinais do Sul, de Porto Alegre.
Percebes algumas diferenças?
P (39:22) Sim, percebo que há muitas diferenças! Talvez em torno de 15% do total
dos sinais sejam diferentes! Em Porto Alegre há um jeito diferente de fazer sinais!
E (39:21) Eu observo que aqui no sul [Porto
Alegre] se utiliza muito o alfabeto manual e toda a palavra é digitada manualmente. Em São Paulo percebo que um grupo
de surdos oralizados utiliza somente a pri-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
meira letra, por exemplo, “F” na mão,
enquanto oraliza toda a palavra “Fabiano”, necessitando que o surdo faça leitura labial para entender toda a palavra.
P (39:49) Eu percebo que em Porto Alegre
há muitos sinais diferentes, por exemplo,
PESSOA, TIO/ TIA, SHOPPING... enfim, todos esses sinais utilizam como configuração de mão a primeira letra da palavra do português, “p” para pessoa, “t”
para tio/tia, etc...
(KARNOPP, 2004)
Apesar de todas as línguas serem conjuntos
de dialetos, muita gente pensa e se refere a
uma língua considerando unicamente a forma
padrão. Assim, surge uma pergunta: O que é
um dialeto padrão? Em primeiro lugar, é preciso estabelecer um princípio lingüístico: todos
os dialetos são iguais. Não existe um dialeto
melhor do que o outro, mais correto ou certo.
Os gramáticos normativos consideram geralmente que as formas corretas da língua são os
dialetos usados na literatura, em documentos
impressos, dialetos ensinados nas escolas e difundidos pelos órgãos de comunicação social
e/ou os dialetos usados pelos dirigentes políticos, pelos empresários... Um dialeto padrão não
é nem mais expressivo, nem mais lógico, nem
mais complexo, nem mais regular do que qualquer outro dialeto. Assim, todo e qualquer juízo
sobre a superioridade ou inferioridade de certo dialeto será um juízo de ordem social desprovido de caráter lingüístico ou científico.
O que queremos dizer quando afirmamos que
alguém usa a forma padrão é que o dialeto que
essa pessoa usa em situações formais é mais ou
menos idêntico, em gramática e vocabulário, ao
padrão utilizado por líderes surdos na comunidade de surdos, geralmente aqueles mais
escolarizados, ou pelos instrutores de LIBRAS.
Como é que um dialeto torna-se o dialeto
padrão?
Assim que um dialeto começa a impor-se,
ganha, na maior parte dos casos, uma certa dinâmica. Quanto mais “importante” se torna,
mais usado é; e quanto mais usado é, mais importante se torna. Pode ser o dialeto usado nos
centros culturais (ou educacionais) de um país
e pode estender-se a outras regiões. (FROMKIN
& RODMAN, 1993, p. 273)
Variação lingüística: estilo,
calão e gíria
BAGNO (1999), ao discutir a questão da
variação lingüística, afirma que uma das comparações que os estudiosos gostam de utilizar é
a da língua como vestimenta. As roupas, como
sabemos, são variadas, indo da mais formal (vestidos longos, terno e gravata) à mais informal
(biquíni, pijamas). A idéia dos que fazem essa
comparação é que não existem, em geral, formas lingüísticas erradas, existem formas lingüísticas inadequadas. A língua assim pode ser comparada com as roupas: assim como ninguém vai
à praia de terno e gravata, também ninguém vai
a um casamento de biquíni ou de pijama (ao
menos, convencionalmente!). De igual modo,
ninguém diz “me dá esse troço aí” num jantar
formal nem “faça-me o obséquio de passar-me o
sal” numa situação de convívio familiar.
Na nossa própria língua podemos usar dois
ou mais dialetos. Quando estamos com os amigos nos expressamos de uma maneira; quando
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263
vamos a uma entrevista para um emprego, a tendência é sermos mais formais. Esses dialetos de
situação denominam-se estilos. Conforme a situação, as pessoas utilizam um estilo informal
(interlocutor familiar) ou um estilo formal
(interlocutor cerimonioso). Nas línguas de sinais, observamos que o estilo varia conforme o
interlocutor: quando um surdo se comunica com
um ouvinte, em geral, tende a fazer sinais de
forma mais lenta, utilizando alguma vocalização;
quando se comunica com outro surdo, tende a
sinalizar de forma natural, sem vocalização.
Uma característica do estilo informal é a ocorrência freqüente de calão. O calão, ou linguagem coloquial, introduz muitas palavras novas
na língua combinando palavras antigas com novos significados. Exemplos de termos depreciativos na língua portuguesa: pé de porco (polícia), perua (mulher enfeitada).
Quase todas as profissões, comércios e ocupações têm um conjunto de vocábulos; alguns
DROGA
264
são considerados “calão”, outros “termos técnicos”, consoante o status social da pessoa que
usa esses termos ‘da moda’. Esses vocábulos são
muitas vezes chamados de gíria.
Muitos termos de gíria passam para a língua
padrão. A gíria, tal como o calão, começa por
um grupo reduzido até ser compreendido e usado por uma grande parte da população. Por fim,
pode até perder o status especial de gíria ou calão
e entrar no círculo respeitável do uso formal.
Na língua de sinais temos muitas gírias, conforme o relato a seguir.
E (43:10) Lembrei do sinal de ‘droga’, que é
este aqui e um outro que não tem o mesmo sentido do primeiro, pois é uma forma
de cumprimento, é uma gíria... mas percebo que há confusão no entendimento
do sentido de cada um, aplicados aos contextos de uso.
(KARNOPP, 2004)
DROGA (Tchau!)
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Além da gíria, em todas as sociedades existem palavras consideradas tabu - palavras que
não devem ser usadas ou, pelo menos, que não
devem ser usadas num “meio educado”. A palavra tabu teve a sua origem em tonga, uma língua polinésia, e nessa sociedade refere atos que
são proibidos ou devem ser evitados. Quando
um ato é tabu, a referência a esse ato pode também se tornar tabu. Isto é, alguns atos devem
ser evitados e definitivamente silenciados. Por
exemplo: palavras com conotações religiosas,
palavras que dizem respeito ao sexo, órgãos sexuais e funções naturais do corpo, palavras relacionadas a algumas doenças... (FROMKIN &
RODMAN, 1993)
Na língua de sinais há uma configuração de
mão que não aparece no alfabeto manual, nem
na formação dos sinais, por ser considerada uma
forma tabu. A configuração de mão em que o
dedo médio está levantado contém um significado depreciativo, sendo também um gesto indecente utilizado pelos ouvintes.
A existência de palavras ou idéias tabu estimula a formação de eufemismos. Um eufemismo é uma palavra ou expressão que substitui uma
palavra tabu ou que é usada numa tentativa de
evitar assuntos delicados ou desagradáveis. Temos, por exemplo, vários eufemismos para fazer
referência à morte (falecimento, descanso eterno, entrada nos céus...).
Comunidades de surdos e
variação lingüística: um estudo
de caso
Na década de 80, um amplo estudo realizado por KYLE & ALLSOP (1982) elencou as características da população surda. O objetivo
desse estudo foi elaborar uma descrição dessa
população, a partir da visão de surdos sobre os
aspectos centrais da comunidade surda. Na pesquisa, todos os entrevistados eram surdos, usavam a língua de sinais e muitos deles conviviam
com pessoas ouvintes em casa ou no trabalho.
Entre as conclusões apresentadas por KYLE
& ALLSOP (op. cit.) está o fato de que pessoas
surdas convivem com ouvintes, em seu ambiente de trabalho ou com a família, e que se apropriam de meios visuais para entender o mundo
ouvinte. Essa experiência visual para acessar a
informação implica criar negociações para o estabelecimento de trocas lingüísticas entre línguas de sinais e línguas orais e esse contato com
ouvintes torna-se uma experiência cotidiana na
vida de pessoas surdas. Freqüentemente trabalham e vivem em locais em que a forma de comunicação com pessoas ouvintes é rudimentar
e o acesso aos meios de comunicação é (quase)
inexistente. Em alguns centros urbanos, eles
encontram seus pares surdos somente duas ou
três vezes por semana. Apesar disso, são extremamente próximos uns dos outros, havendo a
tendência entre os membros da comunidade
surda de casarem entre si ou de residirem próximos uns dos outros. Essa característica social faz
com que pessoas surdas mantenham suas vidas
na comunidade surda: participando da associação de surdos, realizando atividades conjuntas,
estudando em uma mesma escola, empreendendo lutas e reivindicações conjuntas.
A participação em associações, federações,
clubes de surdos e a interação com pares surdos, mesmo que seja eventual - duas ou três vezes
por semana – evidencia, nos termos de BAKER
& COKELY (1980) uma atitude e expressão de
escolha por uma comunidade, ou necessidade
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
265
de compartilhar informação e comunicação. Não
significa “Eu quero ser surdo”, mas antes “Eu
sou uma pessoa surda e desejo estar em contato
com outras pessoas que compartilham minha língua” (KYLE & WOLL, 1985, p. 21). Essas características são importantes para entendermos
algumas singularidades da comunidade surda.
No estudo realizado por KYLE & ALLSOP
(1982), os autores concluíram que não é somente
o domínio da língua de sinais ou a surdez que
são os elementos essenciais na definição dos
membros da comunidade surda; mas também
uma atitude surda, ou seja, a participação, o estar
junto compartilhando informação e idéias. Neste sentido, há dois planos que interagem quanto à identificação dos membros da comunidade
surda: a descrição mais típica (ser surdo e usar
a língua de sinais) e outra mais relacionada a
‘atitude surda’.
Obviamente há uma cultura surda em diferentes partes do mundo, embora isso não seja
tão visível para as pessoas ouvintes. Nos termos
de KYLE & WOLL (1985), pessoas surdas trabalham com pessoas ouvintes, mas relaxam com
pessoas surdas. Eles não rejeitam a sociedade
ouvinte, mas se consideram diferentes. O desejo de estar juntos é a força da vida em comunidade e a força de sua língua, de sua diferença.
Um estudo semelhante ao de KYLE &
ALLSOP (op.cit.) foi realizado por Alexandre
Goes durante o ano de 2004, pesquisador surdo
266
integrado ao projeto “Estudos Culturais Surdos:
uma abordagem lingüística”. Com o objetivo de
investigar a relação entre língua de sinais, cultura e identidade surda, o pesquisador traz evidências da importância dos sinais, mesmo em
contextos de uso de sinais por surdos que não
convivem com outros surdos. GOES (2004) encontrou exemplos de um alfabeto manual, em
que a datilologia foi criada para alfabetizar uma
criança surda, filha de pais ouvintes que moravam no interior do estado do Rio Grande do
Sul. O alfabeto manual utilizado por essa criança apresenta diferenças em relação ao alfabeto
manual de surdos brasileiros que utilizam a LIBRAS, conforme as ilustrações a seguir. A
datilologia evidencia a presença de idioletos, de
sinais caseiros, criados em situações de não contato de surdos com a comunidade surda. Um
fato interessante registrado pelo pesquisador, é
que essa criança surda entrou em contato com
surdos que utilizavam a LIBRAS no momento
em que a família passou a residir em outra localidade. Ao estabelecer contato com surdos, usuários da LIBRAS, essa criança adquiriu a LIBRAS e passou também a utilizar o alfabeto
manual convencional, ficando restrita a utilização daqueles sinais caseiros e daquela datilologia
somente com a família. Segundo depoimentos
da família, o objetivo era facilitar e desenvolver
a comunicação com a filha surda e, por outro
lado, essa família não tinha informações sobre a
existência da LIBRAS e de sua importância no
desenvolvimento lingüístico de surdos.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
Quadro 1 - As 46 CMs da LIBRAS (FERREIRA BRITO, 1995).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
267
Figura 1 - Alfabeto manual produzido por uma surda.
268
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CONCLUSÕES
Neste capítulo vimos alguns aspectos da língua em sociedade, apresentando alguns exemplos de idioletos e dialetos nas línguas de sinais. Com base em FROMKIN & RODMAN
(1993) vimos que cada um tem a sua própria
maneira de usar a língua, de fazer sinais. Afirmamos que usar uma determinada língua implica um conhecimento que vai além do
lingüístico. Quando duas pessoas usuárias de
uma mesma língua se encontram e começam a
fazer sinais, certamente se dá uma interação
ampla em que cada uma das pessoas usa a língua com características particulares, denotando se é usuário nativo da língua e de que comunidade lingüística provem. Usuários de qualquer língua prestigiam ou marginalizam certas
variantes regionais, a partir da maneira pela
qual os sinais são articulados (expressões faciais
e corporais, sinais caseiros, entre outros.). Temos então as variantes padrão e variantes nãopadrão: os princípios que regulam as propriedades das variantes padrão e não-padrão geralmente extrapolam critérios puramente
lingüísticos. Na maioria dos casos, o que se
determina como sendo uma variante padrão
relaciona-se à classe social de prestígio e a um
grau relativamente alto de educação formal dos
surdos. Variantes não-padrão geralmente desviam-se destes parâmetros.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
ÍNDICE DE AUTORES
AMARAL, Viviane Souza do ..................................................................................................... 43
ANDRADE NETO, Agostinho Serrano .................................................................................. 207
ANDRADE, Heloisa Helena Rodrigues de .............................................................................. 43
ÁVILA, Jorge de ....................................................................................................................... 187
BAUERMANN, Soraia Girardi .................................................................................................. 21
BÉRIA, Jorge Umberto ............................................................................................................. 119
BERNARDES, Clair Xavier ....................................................................................................... 31
BOEIRA, Thaís da Rocha ......................................................................................................... 85
BONA, Silvia ............................................................................................................................ 125
BORDIGNON, Sérgio Augusto de Loreto ............................................................................... 21
BRAMBILLA, Daniel Martins ................................................................................................. 147
BRAMBILLA, Fábio Hilário .................................................................................................... 249
CALLEGARI, André Luiz ........................................................................................................ 167
CANCELLI, Rodrigo Rodrigues ................................................................................................. 21
CAROSSI, Michele .................................................................................................................. 239
CARVALHO, Denise Jorge ..................................................................................................... 177
CHAGAS, Alex de Oliveira .................................................................................................... 147
CIGNACHI, Giovanni ............................................................................................................... 51
COIMBRA, Roberta Lipp ........................................................................................................ 207
CROCHEMORE, Luciano José .....................................................................................................
CZUBINSKI, Fernando Freitas ......................................................................................................
DIAS, Renato Rodrigues .......................................................................................................... 187
DIEHL, Rosilene Moraes .......................................................................................................... 135
ECHEVESTE, Simone Soares .................................................................................................. 207
FÉRIS, Liliana Amaral ............................................................................................................. 101
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FERRAZ, Alexandre C. ............................................................................................................. 73
FIGUEIREDO, Andréia Cristina Leal ..................................................................................... 119
FONSECA, André Salvador Kazantzi ....................................................................................... 85
FONSECA, Solange Maria Doval ........................................................................................... 125
FREYGANG, Cristina Claumann .............................................................................................. 79
GARLIPP, Daniel C .................................................................................................................. 135
GASPARRI, Susana ................................................................................................................... 51
GAYA, Adroaldo Cézar Araújo ............................................................................................... 135
GIGANTE, Luciana Petrucci .................................................................................................. 119
GODINHO, Janaína Dias .......................................................................................................... 43
GOES, Alexandre Morand....................................................................................................... 259
GUEDES, Moisés Aguiar.......................................................................................................... 147
HEPP, Diego ................................................................................................................................ 85
HOPPE, Martha Marlene Wankler ......................................................................................... 227
IKUTA, Nilo ............................................................................................................................... 85
ILHA, Rafael ............................................................................................................................ 187
JORGE, Roberlaine Ribeiro ..................................................................................................... 147
KARNOPP, Lodenir Becker ..................................................................................................... 259
LINDAU, Heloísa Gaudie Ley ................................................................................................. 177
LINDEN, Gerson Luís ............................................................................................................... 197
LOPES, Paulo Tadeu Campos .................................................................................................. 159
LUNGE, Vagner Ricardo............................................................................................................ 85
MACEDO, Renato Backes ......................................................................................................... 21
MARIATH, Jorge Ernesto de Araujo ........................................................................................ 61
MARQUES, Alexandre C........................................................................................................ 135
MARQUES, Edmundo Kanan ................................................................................................... 85
MARRONI, Norma Anair Possa .............................................................................................. 125
MATSUMURA, Aída Teresinha Santos ................................................................................. 159
MATTEVI, Margarete Suñé ...................................................................................................... 79
MEDEIROS, Alex da Rosa ........................................................................................................ 11
MENEGOTTO, Isabela Hoffmeister ....................................................................................... 111
MORAES, Vinicius Borges de ................................................................................................. 167
MOSSATTI, Roselaine Londero ............................................................................................. 227
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NEVES, Paulo César Pereira das ................................................................................................ 21
OLIVEIRA, João Marcelo Santos de ......................................................................................... 61
PALAZZO, Lilian dos Santos ................................................................................................... 119
PANDOLFO, Juliana Dalmagro .............................................................................................. 159
PARNOFF, Andréia Rodrigues França ................................................................................... 111
PEREIRA, Ana Letícia da Silva ............................................................................................... 79
PEREIRA, Antônio Batista ........................................................................................................ 73
PEREIRA, Betina Kappel ........................................................................................................... 73
PEREIRA, Camila Bandeira ..................................................................................................... 119
PÉRICO, Eduardo ....................................................................................................................... 31
PETRY, Adriano .......................................................................................................................... 11
PIMENTA, Caio Marques ........................................................................................................ 147
PORAWSKI, Marilene............................................................................................................. 125
RAYMANN, Beatriz Carmem Warth ....................................................................................... 119
REGULY, Maria Luiza ................................................................................................................ 43
RODRIGUES, Daniele Munareto ............................................................................................. 61
RODRIGUES, Graziella Ramos ............................................................................................... 125
ROHDEN, Valério .................................................................................................................... 249
ROSA, Fabiano Souto .............................................................................................................. 259
SAFFI, Jenifer ............................................................................................................................. 51
SAITO, Samuel Takashi ............................................................................................................ 51
SANTOS, Ana Maria Pujol Vieira dos ................................................................................... 159
SCHRÖDER, Nádia Teresinha ................................................................................................. 73
SILVA, Jamir Luís Silva da....................................................................................................... 147
SILVA, Juliana da ............................................................................................................... 73, 207
SILVA, Letícia Fonseca da ......................................................................................................... 93
SILVA, Renata Medina da.............................................................................................................
SILVA, Rodrigo Ribeiro ........................................................................................................... 101
SILVEIRA, Eliane Fraga da ....................................................................................................... 31
SILVEIRA, Rosa Maria Hessel ................................................................................................ 239
SIMÕES, Keli Cristina dos Santos ............................................................................................. 85
SOARES, Sidcley da Silva ......................................................................................................... 11
SOMMER-VINAGRE, Anapaula .............................................................................................. 31
THOMÉ, José Willibaldo ........................................................................................................... 93
TOCHTROP JÚNIOR, Erwin Francisco ................................................................................ 101
TODESCHINI, Caroline Roberta ........................................................................................... 217
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VALENTIM, Gilson Souza ....................................................................................................... 197
VARGAS, Eduardo Trzuskovski de ......................................................................................... 135
VILANOVA, Cíntia Simeão ...................................................................................................... 93
WORTMANN, Maria Lúcia Castagna ................................................................................... 217
ZANUZ, Adriano ........................................................................................................................ 11
ZOPPAS, Isabel Christina ........................................................................................................ 217
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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS
A Revista de Iniciação Científica editada pela
Universidade Luterana do Brasil publica artigos de Iniciação Científica selecionados durante o Salão de Iniciação Científica da ULBRA
que ocorre anualmente e simultaneamente com
o Fórum de Pesquisa Científica e Tecnológica e
que neste ano de 2004 efetivou sua 10ª edição.
Estes eventos são abertos à comunidade acadêmica e às outras Universidades e têm por objetivos promover integração entre pesquisa e ensino, corpo docente e discente, envolvidos em pesquisa e a avaliação efetiva da participação dos
bolsistas do programa próprio da universidade:
Programa de Iniciação Científica e Tecnológica
(PROICT/ULBRA) e os programas institucionais
promovidos pelas agências de fomento estadual
(PROBIC/FAPERGS) e federal (PIBIC/CNPq)
no desenvolvimento da pesquisa além da difusão
do saber em todas as áreas do conhecimento.
1) O artigo de iniciação científica deve
ser encaminhado à Diretoria de Pesquisa via e-mail ([email protected] ou
[email protected]) ou em disquete
3 ½” em Word for Windows e em uma via
impressa.
2) O trabalho completo deverá ser digitado
em espaço 1,5, fonte Arial 12, em um número máximo de 15 laudas A4 incluindo
tabelas, quadros e figuras.
3) O artigo deverá conter os seguintes tópicos: Título (em caixa alta, itálico e alinhado à direita); Nomes dos Autores
(iniciando pelos alunos de iniciação científica); Resumo (no máximo 10 linhas);
Palavras- chave (no máximo cinco);
Abstract; Key words; Introdução (com
revisão bibliográfica e objetivos); Material e Métodos (descrição da metodologia
utilizada para a execução da pesquisa);
Resultados e/ou Discussão; Conclusões
e/ou Considerações Finais; Agradecimentos (quando houver) e Referências
Bibliográficas.
4) Para artigos de revisão bibliográfica, não
são necessárias as subdivisões citadas no
item anterior, mas no artigo, obrigatoriamente, deverá conter: Título, Nomes dos
Autores, Resumo, Palavras- chave,
Abstract e Key words.
5) Os nomes dos autores deverão ser colocados por extenso, alinhados à direita, um
embaixo do outro, iniciando-se pelo(s)
aluno(s) de iniciação científica, seguidos
de índice numérico, que será reperido no
rodapé, onde deve constar:
5.1) se o autor for aluno (Ex: 1Acadêmico
do curso de Biologia/ULBRA – Bolsista
PROICT/ULBRA);
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - n.3 - 2004
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5.2) se o autor for professor participante
da pesquisa (Ex: 2Professor do curso de
Biologia/ULBRA);
5.3) se o autor for de outra instituição, deverá constar a profissão e a Instituição (3Aluno de Pós-Graduação e Anestesiologista da
Irmandade Santa Casa de Misericórdia de
Porto Alegre);
5.4) se o autor for professor–orientador (Ex:
3
Professor–Orientador do Curso de Engenharia Ambiental/ULBRA (inserir o e-mail
do orientador para correspondência).
6) O significado das siglas e abreviações deverão estar explícitas na primeira vez que
aparecerem no texto.
7) Todas as referências bibliográficas devem ser
mencionadas no texto segundo a NBR 10.520.
Quando a citação for de um autor (SANTOS,
2001); dois autores (KEEP & CORRIGAN,
2000); três autores (SANCHES, PULL &
REEVE, 2003); mais de três autores (RENAME
et al., 1997). Quando os nomes dos autores
fizerem parte da frase, somente o ano da publicação deve vir entre parênteses. Quando
houver, no mesmo ano, mais de um artigo de
mesa autoria, acrescentar letras minúsculas,
após o ano (BACK et al., 1996a, 1996b). Quando, dentro de um mesmo parêntese, houver
mais de uma citação, estas devem ser colocadas em ordem cronológica de publicação
(KLEIN, 1983; CARVALHO, 1994;
MARTINELLO et al., 1999).
8) A NBR 6023 deve ser seguida no momento de citar as referências bibliográficas no
final do artigo, iniciando por ordem alfabética de autores e seqüência cronológica crescente.
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9) Os gráficos, fotos e desenhos, com enunciado na porção inferior, devem ser citados
como figuras numeradas com algarismos
arábicos em ordem crescente e corrida,
conforme indicadas no texto. As tabelas e
quadros, com enunciados na parte superior, devem ter seqüência numérica corrida
indicada com algarismos arábicos e de acordo com a sua indicação no texto.
10) O trabalho será analisado pelos consultores da Comissão Editoral da Revista.
11) Quando os referis sugerirem alterações no
artigo, o(s) autor(es) deve(m), após
fazer(em) as correções, encaminhar a versão
definitiva em disquete 3 ½ ou CD, em Word
for Windows, além de uma cópia impressa.
12) Os textos apresentados são de inteira
responsabilidade de seu(s) autor(es), inclusive de digitação.
13) A Diretoria de Pesquisa guardará por três
meses os artigos não aceitos para publicação, ficando os mesmos à disposição do(s)
autor(s) neste período. Após os artigos
serão inutilizados.
14) Cada autor receberá uma revista, gratuitamente, independentemente do número de artigos nela publicados.
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