Revista da FAPERN
22
ANO 6 - nov/dez/2011 jan/2012
Pesquisas apoiadas pelo
PPSUS no Rio Grande do Norte
apresentam resultados positivos
Expediente
Editorial
GOVERNO DO ESTADO
Esta edição da revista Ciência Sempre é dedicada à apresentação de alguns resultados obtidos através das pesquisas apoiadas pelo Programa de Pesquisa para o SUS, executado pela
FAPERN em parceria com os Ministérios da Saúde e da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Com características gerais, definidas pelo Ministério da Saúde, o PPSUS é aplicado em cada
estado da Federação, de acordo com as particularidades e necessidades específicas do sistema
único de saúde. Este é o objetivo primordial do
programa: detectar os problemas relacionados à
saúde pública das populações e desenvolver as
soluções que possam ser aplicadas nas demais
localidades onde ocorrem. Na sessão FAPERN em
Foco, a coordenadora de análises e projetos da
Fundação, Gláucia Fernandes, em entrevista, fala
do PPSUS e como ele é feito no Rio Grande do
Norte. Responsável pela condução do programa
no âmbito da FAPERN, a servidora dá sua opinião.
A sessão Artigos Científicos traz os artigos
com as conclusões das pesquisas. Os artigos A
efetividade do Plano Diretor de Regionalização do
SUS no Rio Grande do Norte, A atuação do psicólogo na atenção básica e a Avaliação da efetivação do controle social sobre os mecanismos de
planejamento, previsão orçamentária e prestação
de contas da saúde abordam questões de planejamento do Sistema Único de Saúde.
O atendimento à população de idosos é tratado em três artigos, de pesquisas que avaliaram o uso de medicamentos, a carga alostática
e a utilização do Programa Saúde da Família por
aquela população.
Outros dois artigos discutem o impacto causado Pelos vírus - Staphylococcus aureus e papilomavírus humano (HPV). A saúde mental foi
tema de dois artigos, com a abordagem sobre a
classificação de riscos e no outro, o atendimento
dos pacientes com transtornos mentais na rede
de atenção integral. Completam a lista os artigos
sobre Síndrome dos ovários policísticos e Dados
preliminares da imunofenotipagem por citometria
de fluxo em pacientes com leucemia mieloblástica
agudas atendidos no Hemocentro Dalton Cunha.
Com a divulgação dos resultados aqui expostos, a FAPERN pretende contribuir ainda mais
para o alcance de melhores resultados pelo Sistema Único de Saúde.
A todos, uma boa leitura.
DO RIO GRANDE DO NORTE
Governadora
Rosalba Ciarlini Rosado
Secretário de Desenvolvimento Econômico
Benito Gama
FAPERN
Diretora Presidente
Maria Bernardete Cordeiro de Sousa
Diretor Científico
George Dantas de Azevedo
Diretora de Desenvolvimento
Tecnológico e Inovação
Susie Alves Silva de Macedo
Diretor Administrativo-Financeiro
Odair Lopes Garcia
Fundação de Apoio à Pesquisa do
Estado do Rio Grande do Norte – FAPERN
BR 101 - KM 94, Bloco Sedec/Sejuc
Centro Administrativo, s/n - Lagoa Nova,
Natal/RN - CEP 59064-901
Tel: (84) 3232.0328 - Fax: (84) 3232.1731
www.fapern.rn.gov.br - [email protected]
Ciência Sempre 22
Edição e reportagens
Mônica Costa
Foto capa
Giovani Sérgio/Assecom-RN
Diagramação
GR Design Editorial
www.grdesigeditorial.com.br
PPSUS-RN
Coordenadora do PPSUS no RN
Gláucia Maria Fernandes
Mônica Costa
Editora
Ciência Sempre 22 • 3
21
59
Hana Dourado
Sumário
05 Palavra da Governadora
06 FAPERN em Foco
20 Artigos Científicos
Maria Célia de Carvalho Formiga
Nilma Dias Leão Costa
Kalline Fabiana Silveira
Paulo César Formiga Ramos
66
A efetividade do Plano
Diretor de Regionalização do
SUS no Rio Grande do Norte
Aline do Nascimento Falcão Freire
Conhecendo o Staphylococcus
aureus resistente à meticilina
isolado de infecções
comunitárias (CA-MRSA)
36
Ermeton Duarte do Nascimento
Gerlane Coelho Bernardo Guerra
Maria Celeste Nunes de Melo
31
Dados preliminares da
imunofenotipagem por
citometria de fluxo em
pacientes com leucemia
mieloblástica agudas
atendidos no Hemocentro
Dalton Cunha
Aurigena Antunes de Araújo
Ingrid Ribeiro Tavares
Karina Lopes Morais
Ana Ester Pereira Peixoto
Juliana Chagas Caldas
42
Aldair de Souza Paiva,
Rosana Lucena T. de Sá Leitão,
Erica Aires Gil,
Gabriela Vasconcelos de A. Alves,
Valéria Soraya de Farias Sales,
Sarah Dantas Viana Medeiros,
Sylara Silvério
Mariana Cela
Nívia Lúcia de Andrade Oliveira
Érica Cristina de Sales Vaz
Marília Noronha
Ana Celly Souza dos Santos
Rafaela Lopes Araújo
Nayara Perreira Soares
Thamires Pinto
George Dantas Azevedo
Candida Maria Bezerra Dantas
Victor Cezar Tavares de Sá Leitão,
Geraldo Barroso Cavalcanti Júnior.
47
Telma Maria Araújo Moura Lemos
Papilomavírus humano
(HPV) e sua relação com
o câncer
José Veríssimo Fernandes
53
Rede de atenção integral
à crise e estratégias
de acolhimento com
classificação de risco em
saúde mental
Magda Dimenstein
4 • Ciência Sempre 22
73
Avaliação do índice LAP
e intolerância a glicose
na Síndrome dos Ovários
Policísticos
Oswaldo Hajime Yamamoto
Andrea Luciana A. da C. Fernandes,
Dany Geraldo Kramer C. e Silva,
A atuação do psicólogo na
atenção básica: novos desafios
e perspectivas
Isabel Fernandes de Oliveira
Juliana Mendonça Freire,
Telma Maria de Araújo M. Lemos,
Perfil epidemiológico e
fatores associados à utilização
de medicamentos em idosos
atendidos pelo SUS em
área urbana do Nordeste do
Brasil-Natal/RN
Sylara Silvério
26
Fragilidade e carga
alostática em idosos
Ricardo Oliveira Guerra
Aldo Dantas
Luciana da Costa Feitosa
Perfil multidimensional de
idosos atendidos por equipes
de Saúde da Família em
Natal-RN
78
Avaliação da efetivação
do controle social sobre
os mecanismos de
planejamento, revisão
orçamentária e prestação
de contas da saúde no Estado
do Rio Grande do Norte
Valéria Rodrigues Leite
Maria Dalva Horácio da Costa
Anailson Marcio Gomes
palavra da GOVERNADORA
Avanços e desafios da Saúde
no Rio Grande do Norte
“Garantir saúde
de qualidade
para todos os
potiguares
é uma das
prioridades
do Governo
do Estado.”
Garantir saúde de qualidade para todos os potiguares é uma das prioridades
do Governo do Estado. Fomos, entre os estados nordestinos, o que mais investiu
na Saúde (13,1%) e temos o segundo maior investimento per capita da região.
Cerca de 70% das despesas de custeio são pagas pelo Governo e nos últimos
dois anos convocamos 1.017 novos servidores como forma de melhorar, em todas as frentes, o serviço oferecido. Avanços aconteceram e é preciso que todos
fiquem sabendo.
Entre os fatos mais importantes na melhoria dessa área tão crítica em todo o
Brasil citamos o esvaziamento dos corredores de Politrauma do Walfredo Gurgel,
uma velha cena que tanto envergonhou o nosso Estado, depois de realizar mutirões de ortopedia que beneficiaram mais de 700 pessoas.
O RN está entre os primeiros lugares em captação de órgãos do país e aumentamos o número de transplantes. O SAMU RN passou de 42% para 75% de
cobertura e chegaremos a 85% até a metade do ano. Conseguimos o aumento
do repasse do teto MAC, para viabilizar a abertura das UPA´s da Região Metropolitana e Mossoró, estando com duas dessas já em funcionamento. Retomamos
a obstetrícia de São José de Mipibu, que faz em média de 150 partos ao mês.
O HMWG foi incluído no SOS Emergência, garantindo 660 mil reais de custeio
por mês e obtivemos benefícios semelhantes para o Deoclécio Marques, Maria
Alice e Hospital da Mulher. Concluímos as obras do Giselda Trigueiro e Rafael
Fernandes, referências em doenças infecto-contagiosas, além do Complexo de
Estadual de Regulação para o qual viabilizamos 950 mil reais em equipamentos
para interligação com as unidades hospitalares. Recentemente, assinamos com
o Ministério Público e Tribuna de Contas do Estado, o Termo de Ajuste de Gestão
que permitirá concluir as reformas já em andamento.
Medidas estruturantes como o ordenamento dos hospitais permitiram definir a
missão de cada unidade. Há décadas vinhamos fazendo o que deveria ser de responsabilidade dos municípios. A União deixa de investir 130 bilhões/ano no SUS.
É preciso equilibrar responsabilidades e despesas dos entes federados. Estamos
negociando pactuações entre todos e esperamos consolidar as políticas de Saúde.
Com a reestruturação da gestão de Recursos Humanos, implantamos o Ponto Eletrônico e garantimos a presença dos profissionais nas unidades, maior justiça aos servidores dedicados e mais resolutividade. Habilitamos, junto ao Ministério da Saúde, mais de 100 leitos de UTI e, no último quadrimestre, abrimos mais
31 entre pediátricos, neonatal e adulto. Fortalecemos os hospitais universitários,
com a abertura de leitos co-financiados.
Trabalharemos para a conclusão das reformas dos hospitais, implantação
das Centrais Regionais de Regulação, continuidade da expansão do SAMU RN,
a abertura de leitos, o fortalecimento da atenção básica, entre outros. Temos
consciência de que é preciso fazer mais, a cada dia, para garantir esse que é um
direito de todos e dever do Estado.
Rosalba Ciarlini Rosado
Governadora do RN
Ciência Sempre 22 • 5
FAPERN em foco
Pesquisa para melhorar
a saúde da população
Sylara Silvério
Com execução no período compreendido entre 30/12/2008 e 24/04/2013,
o Programa de Apoio à Pesquisa (edital PPSUS III 011/2009) tem por objetivo
apoiar financeiramente o desenvolvimento de pesquisas que busquem a solução
dos problemas prioritários de saúde da população brasileira e o fortalecimento
da gestão do Sistema Único de Saúde (SUS).
Idealizado pelo Ministério da Saúde, do Departamento de Ciência e Tecnologia, da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos em 2004, o
PPUS é uma modalidade de fomento com característica de gestão compartilhada, através da integração de instâncias estaduais de saúde e de ciência e tecnologia, ampliando o desenvolvimento científico e tecnológico em saúde. No Rio
Grande do Norte, a execução do programa é de responsabilidade da Fundação
de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Norte (FAPERN).
Nesta edição, foram investidos recursos no valor de um milhão de Reais
oriundos do Ministério da Saúde/CNPq e da FAPERN, na proporção de 60% e
40% respectivamente em 31 dos 32 projetos aprovado (houve uma desistência e
devolução dos recursos por parte do coordenador de um projeto).
A seleção dos projetos teve como parâmetro as definições das Oficinas de
Prioridades realizadas antes da publicação do edital. Essas oficinas, que buscam
atender a demandas em saúde e fomentar pesquisas em sintonia com a necessidade da população, tiveram como base documentos como a Política Nacional
de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde e a Agenda Nacional de Prioridades
de Pesquisa em Saúde.
6 • Ciência Sempre 22
Glaucia Maria Fernandes
“É muito bom ter a
parceria do DECIT na
execução do PPSUS”
Sylara Silvério
nos dá segurança”, afirma, acrescentando que a
parceria com o Ministério da Saúde é extremamente
vantajosa para o estado.
Trâmites
Desde 2007, a operacionalização do Programa
de Apoio à Pesquisa para o SUS no Rio Grande do
Norte está sob a coordenação da bióloga Glaucia
Maria Fernandes, que ocupa o cargo de Coordenadora de Estudos e Análises de Projetos na FAPERN.
No percurso burocrático do PPSUS, Gláucia conta
com a parceria do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) do Ministério da Saúde e do CNPq,
em âmbito federal e da Secretaria de Saúde Pública.
Para a servidora, que coordena ainda outros
programas de fomento a pesquisas, o PPSUS é
o de melhor execução. “Nosso trabalho tem um
acompanhamento do Decit muito próximo e isso
Antes do lançamento do edital, são realizadas
oficinas para a detecção dos problemas que geram
maior impacto na saúde pública no estado e, a partir deste quadro, são definidas as linhas prioritárias
que as pesquisas devem seguir para serem apoiadas. Com base nos pareceres técnicos concedidos
por julgadores ad hoc convidados pela FAPERN e
CNPq, o Comitê Gestor formado pelas instituições
parceiras decide apoiar integralmente, apoiar parcialmente ou não apoiar os projetos submetidos
ao edital. Antes da entrega dos relatórios finais, os
projetos passam por avaliações parciais onde são
identificados o alcance ou não dos objetivos propostos inicialmente e suas causas.
Gláucia adianta que a próxima edição do PPSUS
deve ser lançada em breve pela FAPERN. Serão
aportados R$ 1,6 milhão em projetos que apresentem produtos e ou processos que tenham aplicabilidade direta e cujos resultados possam beneficiar a
sociedade em curto espaço de tempo.
Os números que revelam o PPSUS
Nas propostas aprovadas e contratadas foram
abrangidas as seguintes áreas do conhecimento:
Ciências Biológicas, Ciências da Saúde, Economia,
Enfermagem, Estatística, Farmácia, Fisioterapia,
Geografia, Ginecologia, Genética, Odontologia,
Psicologia e Saúde coletiva. Nas próximas páginas
poderão ser acompanhados todos os indicadores
referentes ao PPSUS III no Rio Grande do Norte.
Ciência Sempre 22 • 7
Projetos aprovados e contratados
COORDENADOR
Adriana Augusto de Rezende
ÁREA
TÍTULO
Estudo de novos marcadores para o diagnóstico precoce da
nefropatia diabética
Ciências da Saúde
Saúde e território usado a efetividade do Plano Diretor de
Regionalização do SUS no RN: os fluxos funcionais face a
dinâmica dos lugares
Geografia
Ana Cristina Pinheiro
Fernandes de Araujo
Estudo clínico-laboratorial e do risco cardiovascular em
mulheres acometidas por pré-eclâmpsia,avaliadas após
cinco anos, em população do Rio Grande do Norte
Ginecologia
Cícero Flávio Soares Aragão
Qual a qualidade dos medicamentos utilizados no SUS/RN?
Farmácia
Elizabethe Cristina Fagundes
de Souza
Atenção à saúde bucal no SUS/RN: um estudo na perspectiva
da integralidade do cuidado e da regionalização das redes
de serviços
Odontologia
Aldo Aloisio Dantas da Silva
Ermeton Duarte do Nascimento
Caracterização
epidemiológica
e
molecular
de
Staphylococcus aureus resistente à meticilina isolados de
infecções na comunidade (ca-mrsa) no Hospital Giselda
Trigueiro na cidade do NATAL-RN
Fátima Raquel Rosado Morais
Análise do programa de humanização do parto e nascimento
na perspectiva dos profissionais e usuários da maternidade
Almeida Castro, Mossoró-RN
Fernando Augusto Lavezzo
Dias
Prevalência de sinais e sintomas de doença arterial
periférica e de neuropatia e capacidade de exercício em
pacientes diabéticos atendidos pelo sistema único de
saúde no município de Natal
George Dantas de Azevedo
Promoção da saúde e avaliação dos efeitos de diferentes
programas de exercício físico sobre os fatores de risco
relacionados com a síndrome metabólica e qualidade de
vida de mulheres jovens
Ciências Biológicas
Enfermagem
Fisioterapia
Ginecologia
Biologia Celular
Geraldo Barroso Cavalcanti
Júnior
Avaliação de marcadores celulares e moleculares nas
leucemias agudas: uma abordagem da citometria de fluxo.
Gerlane Coelho Bernardo
Perfil epidemiológico e fatores associados à utilização de
medicamentos em idosos atendidos pelo SUS em área
urbana do nordeste do Brasil-Natal/RN
Farmácia
Gilson de Vasconcelos Torres
Diagnóstico e protocolo de assistência aos portadores de
úlceras venosas atendidos em um hospital de referência no
Estado do Rio Grande do Norte
Enfermagem
Hébel Cavalcanti Galvão
Avaliação clínica e radiográfica bucal como estratégia
preventiva de infecções em pacientes nefropatas em fase
pré-transplante
Odontologia
Isabel Maria Farias Fernandes
de Oliveira
A atuação do psicólogo na atenção básica: novos desafios
e perspectivas
Psicologia
José Brandão Neto
Influência do zinco na performance muscular em jovens e
idosos
Ciências da Saúde
José Veríssimo Fernandes
8 • Ciência Sempre 22
Prevalência da infecção por HPV, Chlamydia trachomatis e
HSV2 em adolescentes atendidas na Maternidade Januário
Cicco
Ciências Biológicas
COORDENADOR
ÁREA
TÍTULO
Jovanka Bittencout Leite de
Carvalho
Uso das informações em saúde nos processos decisórios e
de planejamento nas gestões Municipais do SUS/RN
Ciências da Saúde
Luciana Fernandes de
Medeiros Azevedo
O sofrimento psicológico na atenção básica – incidência e
práticas de cuidado
Psicologia
Magda Dimenstein
Rede de atenção integral à crise e estratégias de acolhimento
com classificação de risco em saúde mental
Psicologia
Marcos Romualdo Costa
Terapias celulares para o tratamento de acidente vascular
cerebral: análise de eficácia e pesquisa de estratégias para
melhorar a diferenciação e sobrevivência neuronal
Ciências Biológicas
Maria Celeste Nunes de Melo
Prevalência e perfil epidemiológico das infecções causadas
por Staphylococcus epidermidis resistente à meticilina
(MRSE) no Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL) e
avaliação quanto à susceptibilidade aos antimicrobianos e a
antissépticos e desinfetantes.
Microbiologia
Maria Célia de Carvalho
Formiga
Perfil Multidimensional da População Idosa Atendida nas
Unidades de Saúde da Família do Distrito Oeste do Município
de Natal: uma contribuição para a Atenção Básica de Saúde
Estatística
Maria Cleide Ribeiro Dantas
de Carvalho
Análise das ações judiciais para o fornecimento de
medicamentos no estado do Rio Grande do Norte
Maria de Lourdes Silva de
Arruda Morais
Nível de contaminação da água de abastecimento e a morbimortalidade por câncer de boca no idoso, no município
Cruzeta/RN.
Ciências da Saúde
Percepção de puérperas portadoras de pré-eclampsia sobre
a assistência recebida durante o pré-Natal nas unidades de
saúde pública
Ciências da Saúde
Nilba Lima de Sousa
Ricardo Oliveira Guerra
Estudo sobre a carga alostática,fragilidade e funcionalidade
em uma amostra populacional de idosos do Rio Grande
do Norte - uma contribuição da epidemiologia do
envelhecimentopara o SUS
Farmácia
Fisioterapia
Técia Maria de Oliveira
Maranhão
Avaliação funcional da musculatura do assoalho pélvico em
mulheres na pré e pós menopausa
Ginecologia
Telma Maria Araujo Moura
Lemos
Obesidade: Estudo Epidemiológico, Bioquímico e Molecular
no Estado do RN
Ciências Biológicas
Tereza Maria Dantas de
Medeiros
Prevalência de talassemia alfa+ (DELEÇÃO -Α3.7) na
população do Estado do Rio Grande do Norte
Farmácia
Tirzah Braz Petta Lajus
Estudo da freqüência de tumores de mama caracterizados
como triplo negativo entre mulheres jovens e menopausadas
no Estado do Rio Grande do Norte.
Ciências Biológicas
Valéria Rodrigues Leite
Avaliação da efetivação do controle social sobre os mecanismos de planejamento, previsão orçamentária e prestação de
contas da saúde no Estado do Rio Grande do Norte.
Economia
Viviane Souza do Amaral
Avaliação genotóxica da água do açude de lucrécia:Um
enfoque na relação ambiente e saúde
Genética
Ciência Sempre 22 • 9
Publicações: produção científica
1. Artigos publicados ou aceitos
Adriana Augusto de Rezende
IL-B and TNF- A Genes may be associated with
Microalbuminuria Onset in TDM pediatric From Brazil.
Course annual meeting: Abstract session. 2012.
Cícero Flávio Soares Aragão
Termogravimétrico para determinação do teor de
ampicilina em comprimidos. XXII CIC Congresso de
Iniciação Científica - Natal. 2011.
Estudo comparativo entre CLAE e CLUE para
análise de tuberculostáticos. XXII CIC Congresso de
Iniciação Científica - Natal. 2011.
Determinação das Curvas de Pressão de Vapor
do Itraconazol por Termogravimetria. XXII CIC
Congresso de Iniciação Científica - Natal. 2011.
Determinação das Curvas de Pressão de Vapor
da Nicotinamida por Termogravimetria.XXII CIC
Congresso de Iniciação Científica - Natal. 2011.
Avaliação da interação da mistura binária através da
análise témica diferencial de hidroquinona e ácido
retinóico. XXII CIC Congresso de Iniciação Científica
- Natal. 2011.
Avaliação da estabilidade de medicamento
adaptado para uso por sonda em pacientes de
um hospital universitário. XXII CIC Congresso de
Iniciação Científica - Natal. 2011.
Avaliação da compatibilidade do trissoralen e do
estearato de magnésio através da termogravimetria
(tga). XXII CIC Congresso de Iniciação Científica Natal. 2011.
Application of differential thermal analysis (dta)
to determine of trioxsalen-excipient compatibility.
In: ii international symposium on pharmaceutical
sciences, 2011, Natal. Ii international symposium on
pharmaceutical sciences. II international symposium
on pharmaceutical sciences - Natal. 2011.
Compatibility study of vitamin d3 and mannitol in
physical mixtures. II international symposium on
pharmaceutical sciences - Natal. 2011.
10 • Ciência Sempre 22
Preliminary study for thermal characterization of
bioidentical hormone estradiol. In: ii international
symposium
on
pharmaceutical
sciences.
II international symposium on pharmaceutical
sciences - Natal. 2011.
Linearity in dta method: a comparison of two
quantification strategies of bioidentical hormone.
II international symposium on pharmaceutical
sciences - NATAL.2011
Characterization of thermal events of hydroquinone
depigmentant by dta. II international symposium on
pharmaceutical sciences - NATAL. 2011.
Compatibility study of tretinoin and emulsifying agent
in physical mixtures. In: ii international symposium on
pharmaceutical sciences. II international symposium
on pharmaceutical sciences - NATAL. 2011.
Ozawa calculation applied to the kinetic study of
decomposition of fluconazole by thermogravimetry.
In: ii international symposium on pharmaceutical
sciences.
II
international
symposium
on
pharmaceutical sciences - NATAL. 2011.
Kinetic studies for itraconazole using ozawa model
by dynamic thermogravimetry. In: ii international
symposium
on
pharmaceutical
sciences.
II international symposium on pharmaceutical
sciences - NATAL. 2011.
Parameters kinetics by ozawa model for nicotinamide
by dynamic tg. In: ii international symposium on
pharmaceutical sciences. II international symposium
on pharmaceutical sciences - NATAL. 2011.
Caracterization of rifampicin and their degradation
products by chemical stress. In: ii international
symposium
on
pharmaceutical
sciences.
II international symposium on pharmaceutical
sciences - NATAL. 2011.
Comparison study of two analyticals methods of
4-fdc using a single column. In: ii international
symposium
on
pharmaceutical
sciences.
II international symposium on pharmaceutical
sciences - NATAL. 2011.
Avaliação da estabilidade de captopril adaptado
para uso via sonda em um hospital universitário.
VIII Congresso Brasileiro de Farmácia Hospitalar Salvador. 2011.
Aplicação da cromatografia em camada delgada bidimencional na análise de produtos de degradação
da rifampicina. XXI CIC Congresso de Iniciação
Científica - Natal. 2010.
Modelagem experimental de liodisponibilidade de
produtos contendo mebendazol e metronidazol. XXI
CIC Congresso de Iniciação Científica - Natal. 2010.
Estudo de liodisponibilidade de mebendazol. 62ª
Reunião Anual da SBPC - Natal. 2010.
Avaliação da qualidade de comprimidos de
mebendazol consumidos no municipio de Natal/RN.
62ª Reunião Anual da SBPC - Natal. 2010.
Fernando Augusto Lavezzo Dias
Impairment of Physical function in Type 2 Diabetes
mellitus patients with abnormal ankle – Brachial
Index. Arteriosclerosis, thrombosis ans vascular
biology. 2011. Scientific session Hilton/ Chicago e
Illinois. 2011.
Physical Activity level and body Composition in DM2
patients treated by the unifled health system in Natal,
Brazil. Arteriosclerosis, thrombosis ans vascular
biology. 2011. Scientific session Hilton/ Chicago e
Illinois. 2011.
Variabilidade da frequência cardíaca em pacientes
diabéticos durante o teste da caminhada de 6 min.
ASSOBRAFIR CIÊNCIA ISSN 2177-9333. 2011.
Atividade física em pacientes diabéticos com sinais
de DAOP utilizando o questionário de BAECKE.
ASSOBRAFIR CIÊNCIA ISSN 2177-9333. 2011.
Ensaios in vivo e In Vitro Utilizados na Avaliação
de Medicamentos Homeopáticos Obtidos a partir
de Plantas Medicinais. XXI Simposio de Plantas
Medicinais do Brasil - João Pessoa. 2010.
Investigação e prevenção das principais
comorbidades associadas ao diabetes mellitus.II
CNEU. 2010.
Avaliação da Qualidade de Produtos contendo
Nimodipino utilizados no SUS RN. 62ª Reunião
Anual da SBPC - Natal. 2010.
Lower extremity peripheral artery disease:implications
for physiotherapy. Journal of respiratory and
cardiovascular physical therapy. 2012.
Avaliação da Uniformidade e da Resistência
Mecânica de Comprimidos de Baclofeno Utilizado
no SUS / RN. 62ª Reunião Anual da SBPC - Natal.
2010.
Prevalência de doença arterial obstrutiva periférica
(DAOP) e alterações sensoriais em pacientes
diabéticos tipo II: impacto da DAOP sobre a
qualidade de vida, nível de atividade física e
composição corporal. Dissertação de mestrado.
2012.
Aplicação do planejamento fatorial na validação
de método de quantificação de comprimidos. In:
XX congresso de iniciação científica da UFRN –
NATAL.2009
Avaliação da qualidade de comprimidos de
pentoxifilina 400 MG de uso hospitalar. XX congresso
de iniciação cientifica da UFRN - NATAL. 2009.
Controle de Qualidade de Formas Farmacêuticas
Sólidas em Farmácias comerciais de Natal.
XX congresso de iniciação científica da UFRN NATAL. 2009.
Otimização experimental para avaliação de geis por
refratometria. Congresso de iniciação cientifica da
UFRN – NATAL. 2009.
George Dantas de Azevedo.
Anthropometric indices of central obesity
how discriminators of metabolic syndrome in
Brazilian women with polycystic ovary syndrome.
Gynecological Endocrinology. 2012.
Defining exercise prescription in lifestyle modification
programs for overweight/obese polycystic ovary
syndrome women. Fertility and Sterility. 2011.
Níveis pressóricos elevados em mulheres com
síndrome dos ovários policísticos: prevalência e
fatores de risco associados. Revista Brasileira de
Ginecologia e Obstetrícia (Impresso). 2011.
Ciência Sempre 22 • 11
Índices de obesidade central e fatores de risco
cardiovascular na síndrome dos ovários policísticos.
Arquivos Brasileiros de Cardiologia (Impresso). 2011.
Geraldo Barroso Cavalcanti Júnior
Imunofenotipagem para leucemias agudas em
pacientes atendidos no Hemocentro do Rio Grande
do Norte - Associação Brasileira de Hematologia e
Hemoterapia. Congresso Brasileiro de Hematologia,
Hemoterapia e Terapia Celular- HEMO 2012,
2012, Rio de Janeiro-RJ - Revista Brasileira de
Hematologia e Hemoterapia (Impresso). Rio de
Janeiro-RJ: ABHH, 2012. v. 34. p. 246-246. 2012.
Avaliação da expressão da Glicoproteina P e da
Proteína Relacionada à Resistência a Multiplas
Drogas nas leucemias agudas no Hemocentro do
Rio Grande do Norte - Associação Brasileira de
Hematologia e Hemoterapia.Congresso Brasileiro
de Hematologia, Hemoterapia e Terapia CelularHEMO2012 - Rio de Janeiro – RJ - Revista Brasileira
de Hematologia e Hemoterapia (Impresso). Rio de
Janeiro-RJ: ABHH, 2012. v. 34. p. 245-246. 2012.
Perfil imunofenotípico das doenças linfoproliferativas
em pacientes atendidos no HEMONORTE no
período de 2009-2011. In: Congresso Brasileiro de
Hematologia e Hemoterapia.Congresso Brasileiro
de Hematologia e Hemoterapia-HEMO2011, 2011,
São Paulo-SP. Revista Brasileira de Hematologia
e Hemoterapia (Impresso). Rio de JaneiroRJ: Associação Brasielira de Hematologia e
Hemoterapia- ABHH, 2011. v. 33. p. 181-182. 2011.
Investigação da imunofenotipagem em pacientes
com leucemia mieloblástica aguda por citometria
de fluxo atendidos no Hemonorte no perído de
2010.Congresso Brasileiro de Hematologia e
Hemoterapia-HEMO 2011, 2011, São Paulo-SP.
Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia
(Impresso). Rio de Janeiro-RJ: Associação Brasileira
de Hematologia e Hemoterapia-ABHH, 2011. v. 33.
p. 188-188. 2010.
Emprego da citometria de fluxo no diagnóstico
diferencial das leucemias agudas em pacientes
encaminhados ao Hemonorte no período de
2009-2010.Congresso Brasileiro de Hematologia
e Hemoterapia- HEMO 2010, Brasilia-CF. Revista
Brasileira de Hematologia e Hemoterapia
(Impresso). Rio de Janeiro-RJ: Sociedade Brasileira
12 • Ciência Sempre 22
de Hematologia e Hemoterapia- SBHH, 2010. v. 32.
p. 103-103. 2010.
Avaliação dos marcadores celulares por citometria
de fluxo em pacientes com leucemia mielóide
aguda.Congresso Brasileiro de Hematologia e
Hemoterapia- HEMO 2010, 2010, Brasília - DF.
Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia
(Impresso). Rio de Janeiro-RJ: Associação Brasileira
de Hematologia e Hemoterapia- ABHH, 2010. v. 32.
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Nilba Lima de Sousa
Importância do preenchimento do cartão da
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Ricardo Oliveira Guerra
O projeto resultou na preparação de material de
divulgação sobre melhoria da mobilidade em idosos
e material de avaliação geriátrica por parte dos
profissionais de saúde SUS.
Telma Maria Araujo Moura Lemos
Medidas antropométricas e avaliação do perfil
lipídico e hormonal de indivíduos obesos e
com sobrepeso residentes no estado do RN.
Desenvolvimento de uma dissertação de mestrado
- UFRN. Em andamento.
Tereza Maria Dantas de Medeiros
Prevalência da talassemia alfa (-alfa 3.7) na
população adulta do estado do Rio Grande
do Norte. Dissertação (Mestrado em Ciências
Farmacêuticas). 2011.
Tirzah Braz Petta Lajus
Trabalho: Estudo da freqüência de tumores de
mama caracterizados como triplo negativo entre
mulheres jovens e menopausadas no Estado do
RN. II Congresso FAPERN. 2012.
II Congresso da Liga. Biologia Molecular no
diagnóstico do câncer. II Congresso da Liga. 2011.
Genética do câncer de mama e projeto de
aconselhamento genético na Liga. III Simpósio
Internacional de Genética Clínica da UFRN. 2011.
Identificação de fatores genéticos e preditivos do
câncer de mama. I Natal Breast Cancer Conference
– Congresso. 2010.
Projeto- Em busca de novos talentos para a ciência:
uma intervenção no Ensino Público. Engenharia
genética e Biotecnologia: manipulando o DNA,
modificando o futuro.Simpósio. 2011.
Genética do câncer de mama e projeto de
aconselhamento genético na Liga. III Simpósio
Internacional de Genética Clínica da UFRN. 2011.
Viviane Souza do Amaral
Avaliação genotoxica da água do açúde de Lucrécia:
Um enfoque na relação ambiente e saúde. Journal
environment Monitoring. 2012.
2. Livros e capítulos de livros
publicados
Luciana Fernandes de Medeiros Azevedo
Práticas de cuidado em saúde mental: uma
perspectiva da psicologia social e comunitária.
ISBN: 978-85-8042-531-4 EDITORA CRV. 2011.
CURSO DE CURTA-DURAÇÃO MINISTRADO
TÍTULO: Práticas psicológicas na atenção básica
em saúde mental. VII Congresso Norte Nordeste de
Psicologia (UFBA/Salvador/BA/2011).
3. Artigos submetidos à aprovação
Telma Maria Araujo Moura Lemos
Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia. Outubro/2010 - Volume 54 - nº 7.
Nilba Lima de Sousa
Trajetória assistencial de gestantes com síndrome
hipertensiva em serviços de saúde pública.Revista
Enfermagem da UERJ
Preenchimento do cartão da gestante na assistência
pré-Natal e as implicações na assistência de alto
risco.Revista de pesquisa: Cuidado é Fundamental
Percepção de mulheres com pré-eclâmpsia sobre
a assistência pré-Natal e o serviço de alto risco.
Revista de Enfermagem da UFPE.
Curso sobre técnicas para estudar instabilidade
genética em células humanas. 57° Congresso
Brasileiro de Genética. 2011.
Ciência Sempre 22 • 19
Hana Dourado
Artigos
Científicos
A Efetividade do Plano
Diretor de Regionalização do
SUS no Rio Grande do Norte
O dilema entre fluxos funcionais e a dinâmicas dos lugares
Sylara Silvério
Aldo Dantas
Luciana da Costa Feitosa
A regionalização do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecida no artigo 198 da Constituição Federal e regulamentada pelo Decreto n° 7. 508, de 28
de junho de 2011, é a principal estratégia da política do Ministério da Saúde
para garantir resolutividade às demandas do sistema em seus diversos níveis de
complexidade. O Plano Diretor de Regionalização (PDR) surge como o principal
documento que orienta a conformação das regiões de saúde nos estados da federação, o que faz da regionalização uma ferramenta de planejamento a serviço
do Estado imprescindível para organizar no território a distribuição das unidades
e a acessibilidade da população à rede de serviços do SUS.
No Rio Grande do Norte, a partir do Plano Diretor de Regionalização implantado no ano de 2008 (visualizado no mapa na página 22), foram instituídas oito
regiões de saúde sob este modelo que buscam dar maior resolutividade às demandas do sistema. Sendo assim, o objetivo da nossa pesquisa foi analisar a
efetividade do Plano Diretor de Regionalização do SUS no estado do Rio Grande
do Norte a partir dos fluxos funcionais instituídos e sua relação com a dinâmica
dos lugares.
Para tal análise, consideramos as materialidades “esse componente imprescindível do espaço geográfico, que é, ao mesmo tempo, uma condição para a
ação; uma estrutura de controle, um limite à ação; um convite à ação” (SANTOS,
[1996] 2008, p. 321), como a principal variável de estruturação das regiões de
saúde no território, pois “nada fazemos hoje que não seja a partir dos objetos que
nos cercam” (SANTOS, [1996] 2008, p. 321).
Ciência Sempre 22 • 21
Partimos da ideia de que “as regiões são subdivisões do espaço: do espaço total, do espaço nacional
e mesmo do espaço local; são espaços de conveniência, lugares funcionais do todo, um produto social”
(SANTOS, 1994, p. 1). Portanto, carregam em sua
gênese a coerência entre os lugares que a compõem
em virtude das condições locais de ordem técnica
(equipamentos, infraestrutura, acessibilidade) e organizacional (leis locais, impostos, relações trabalhistas).
Os processos que configuram a estrutura organizacional do Sistema Único de Saúde no Rio Grande
do Norte não se explicam por si e em si, mas fazem
parte de uma teia de relações que envolvem diversos
níveis escalares. Para GUIMARÃES (2009, p. 31),
considerar o município isolado de seu contexto regional
tem gerado dificuldades por parte das instâncias centrais
para formular políticas públicas mais globais. Como as
unidades da federação devem obedecer, necessariamente, a divisão jurídico-administrativa do país, esta condição impõe um limite que é, não raras vezes, artificial.
Afinal, os processos de adoecer e morrer se assemelham
ou se diferenciam independente dos cidadãos viverem
em um município ou em outro, assim como as respostas que os serviços de saúde oferecem a cada uma das
situações de saúde exigem fluxos e ações que podem
extrapolar fronteiras até mesmo entre estados.
22 • Ciência Sempre 22
Se o SUS deve ser único no território nacional,
assegurando os mesmos princípios e diretrizes a
toda a população, ele não se realiza da mesma forma em todos os lugares, devido às diferentes heranças e heterogeneidades territoriais. A localização
geográfica dos equipamentos tem efeito expressivo
na acessibilidade e utilização dos serviços de saúde, comprometendo os ideais de universalidade e
equidade no atendimento.
Portanto, sabendo que o Decreto n° 7.508 regulamenta a regionalização como a principal diretriz
de organização dos serviços de saúde no território
nacional e que a Portaria n° 2.479 estabelece as
Redes de Atenção à Saúde como estratégia para
aperfeiçoar o funcionamento do SUS, pudemos
analisar a viabilidade dessas normas a partir da
estrutura física de cada uma das regiões de saúde
instituídas pelo PDR, uma vez que sua principal atribuição é garantir a oferta necessária de serviços e
equipamentos de saúde à população que compõe
o referido recorte.
Quisemos mostrar a capacidade instalada e os
níveis de assistência à saúde que o SUS viabiliza no
estado do Rio Grande do Norte. Para isso, fizemos
uma análise da distribuição populacional do estado
nas regiões de saúde e resgatamos a estrutura das
RAS (Redes de Atenção a Saúde) nos seus componentes “Rede de Atenção Básica”, “Rede de Atenção às Urgências” e “Rede de Atenção Ambulatorial
e Hospitalar” com a finalidade de descobrirmos em
que medida essas linhas de cuidado se conectam
e são resolutivas.
O Ministério da Saúde define a RAS como “arranjos organizativos de ações e serviços de saúde,
de diferentes densidades tecnológicas, que integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do
cuidado”. (BRASIL, 2010, p. 89). É uma proposta
que visa estabelecer conexões entre os diferentes
tipos de atenção à saúde, desde o nível mais básico
até o nível mais especializado.
A organização da RAS depende da definição
das regiões de saúde e do rol de ações e serviços
que serão estabelecidos em cada região. Entre os
seus atributos, os principais para a operacionalização da gestão em redes são: 1) população e territórios definidos com amplo conhecimento de suas
necessidades; 2) extensa gama de estabelecimentos de saúde e 3) Atenção Primária em Saúde (APS)
estruturada como primeiro nível de atenção e porta
de entrada do sistema.
Adotamos a Atenção Básica como rede estrutural para a organização e funcionamento do SUS
em função de ser uma das estratégias do Ministério da Saúde para reverter o quadro de dependência dos municípios sem ou com poucos estabelecimentos de Média e Alta complexidade aos de
maior porte. Além disso, a universalização e consolidação da rede de atenção básica através da
Estratégia Saúde da Família é obrigatória a todos
os municípios do Brasil desde 1998, uma vez que
a eficácia no atendimento neste primeiro nível de
atenção resolve entre 80% e 90% dos problemas
de saúde da população.
Do ponto de vista estrutural o Rio Grande do
Norte apresenta cobertura satisfatória da rede de
atenção básica, pois dos 167 municípios do estado,
147 apresentam cobertura na Estratégia Saúde da
Família igual ou superior a 70% de sua população.
Entretanto, desde 2006 não houve continuidade
sistemática do processo, pois boa parte dos municípios do estado parou de cadastrar ou não informou cadastramentos de pessoas na ESF, conforme
dados obtidos no Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) para o ano de 2012. Além disso,
conforme dados obtidos no Cadastro Nacional dos
Estabelecimentos de Saúde no ano de 2012, dos
167 municípios do estado do Rio Grande do Norte
60 não possuem equipes completas nas unidades
de saúde da família, o que fere o princípio organizativo da rede de atenção básica instituído na Política
Nacional de Atenção Básica.
Embora seja o nível de atenção mais capilarizado do território e o que tem o dever de chegar até
o domicílio do cidadão, a Rede de Atenção Básica
norte-rio-grandense não se completa em sua estrutura organizativa conforme emanam os preceitos da
legislação do SUS, pois ao não garantir cobertura
populacional a todos os municípios do estado e,
além disso, ao não instituir um processo de trabalho
com todos os profissionais que compõem a Estratégia Saúde da Família, a “Rede de Atenção Básica”
não se faz resolutiva, comprometendo os pontos de
conexão entre as redes.
O mesmo acontece no componente “Rede de
Atenção às Urgências”, que tem no Serviço Móvel
de Atendimento às Urgências (SAMU-192) o seu
principal componente. O SAMU 192 é um serviço
que objetiva chegar precocemente à vítima após ter
ocorrido um agravo à sua saúde, sendo necessário garantir atendimento e/ou transporte adequado
para um serviço de saúde devidamente hierarquizado e integrado ao SUS.
Até o ano de 2009 o estado do Rio Grande do
Norte contava com apenas 03 bases de atendimento do SAMU, com as Centrais de Regulação Médica
das Urgências em Natal, (SAMU-Natal), em Mossoró, (SAMU-Mossoró) e no município de Macaíba,
(SAMU-Metropolitano). Apenas este último era um
Serviço regional que atendia a 08 municípios da região metropolitana de Natal (Ceará Mirim, Extremoz,
São Gonçalo do Amarante, Macaíba, Parnamirim,
São José de Mipibú, Nísia Floresta e Monte Alegre),
que estão divididos em 03 regiões de saúde do estado (Região de Saúde de João Câmara, Região
de Saúde Metropolitana e Região de Saúde de São
José do Mipibú).
Apesar do projeto de regionalização do SAMU192 que foi instituído ainda no mesmo ano pela
equipe técnica da SESAP/RN, até o ano de 2012
somente a Região de Saúde de João Câmara, Região de Saúde Metropolitana, Região de Saúde de
São José do Mipibu e Região de Saúde de Mossoró
dispunham de bases em suas jurisdições administrativas, deixando todo o resto do estado com um
vazio assistencial no componente Serviço de Atendimento Móvel às Urgências.
Ciência Sempre 22 • 23
A falta de resolutividade das regiões do PDR do
Rio Grande do Norte abrange todos os níveis do
SUS, chegando inclusive no componente hospitalar,
a estrutura de nível mais complexa e hierarquizada
do sistema de saúde. Em função de ainda não haver uma regulação específica para este tipo de componente considerando-se a sua função na organização das RAS, tramita nos gabinetes do Ministério
da Saúde a implementação da “Política Nacional de
Atenção Hospitalar”, que tem como objetivo geral
estabelecer as diretrizes para a reorganização da
Atenção Hospitalar no SUS.
Segundo a Consulta Pública n° 19, de 1° de novembro de 2012, que vigorou até janeiro de 2013
para opiniões e sugestões acerca das regras que
serão estabelecidas na nova Política ministerial,
considerou-se que, para serem funcionais, “os
hospitais devem ter densidade tecnológica, estrutura física, processos organizativos e profissionais
adequados ao seu perfil assistencial e contar com,
no mínimo, 50 (cinqüenta) leitos” (BRASIL, 2012,
grifos nosso).
Sendo assim, analisamos a capacidade de
leitos em cada um dos 23 hospitais estaduais de
gestão da SESAP/RN, mais o Hospital Universitário
Onofre Lopes (com gestão dupla: federal e estadual) para sabermos até que ponto tais estruturas
24 • Ciência Sempre 22
responderiam às recomendações do Ministério da
Saúde caso a Política Nacional de Atenção Hospitalar já estivesse em vigor. Portanto, considerando-se
os 23 hospitais estaduais do estado do Rio Grande
do Norte, 10 possuem menos de 50 leitos em suas
capacidades instaladas, comprometendo a organização do sistema de saúde.
As estruturas materiais condicionam o comportamento dos agentes no território sendo, portanto,
imprescindíveis para a análise e formulação de políticas territoriais. Sendo assim, na busca por apreendermos a real dinâmica entre os lugares na busca
por atendimento de saúde do SUS no estado cruzamos as informações de prestações de atendimento
intermunicipal pactuadas entre os gestores de saúde por meio da PPI Ambulatorial e PPI Hospitalar
para o ano de 2012 e os dados obtidos no DATASUS (através da ferramenta Tabwin), no período de
2011 (entre janeiro e dezembro).
A partir daí, pudemos sobrepor ao desenho das
regiões de saúde o fluxo de deslocamento pactuado com o fluxo de deslocamento real, no intuito de
verificarmos se a pactuação que ocorre no nível da
gestão é coerente com os deslocamentos do cidadão no território. Para essa análise nos valemos de
alguns componentes de prestações de serviços que
são estruturantes na política do Ministério da Saúde
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______. A Natureza do Espaço:
técnica e tempo, razão e emoção.
São Paulo: Edusp, 2008.
e que, portanto, devem ser encaradas com maior
acuidade pela gestão estadual. Tais componentes
foram: encaminhamentos para Parto, mamografias,
cirurgias da mama, consultas para ginecologista e
obstetrícia, cirurgia obstétrica, cirurgia cardiovascular, encaminhamentos para ortopedia e cirurgia de
politraumatismo.
Levando-se em consideração apenas o componente “Parto” chegou-se aos seguintes resultados
(que podem ser observados nos mapas e na explicação ao lado e acima):
A PPI praticamente não estabelece pactuação
para este tipo de assistência, pois se acredita que
os municípios sejam capazes de ofertar a assistência pré-natal e o serviço de parto nas maternidades
municipais. Todavia, quando sobrepomos a pactuação com o fluxo real da população vemos que majoritariamente o serviço dá-se no município de Natal,
que presta atendimento inclusive para a população
da Região de Saúde de Pau dos Ferros. Fora a capital, outro município que se destaca no atendimento
é Mossoró, que possui um raio de abrangência para
a Região de Saúde de Pau dos Ferros e Região de
Saúde de Assu.
Ora, imaginar um deslocamento de mais de
500km no território, que é a distância entre Natal e
os municípios da Região de Pau dos Ferros, para
a prestação de um serviço que deve ser, majoritariamente, realizado na esfera municipal ou encaminhado para o município mais próximo, vai contra
os princípios organizativos do Sistema Único de
Saúde. Se as regiões foram instituídas para garantir resolutividade às demandas dos municípios que
estão sob suas jurisdições administrativas e, para
isso, devem ofertar os serviços essenciais à população de referência, é impraticável que um único
município concentre boa parte da prestação de serviços no estado.
Sendo assim, concluímos que embora a diretriz
da regionalização tenha tentado organizar a assistência à saúde em seus diversos componentes, a
distribuição regional do aparato infraestrutural da
saúde no estado do Rio Grande do Norte é desigual, conseqüentemente o exercício das atividades
cotidianas desenvolvidas no âmbito do SUS é afetado por tal circunstância. Logo, há um descompasso entre a política de regionalização estabelecida
pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande
do Norte e a realidade da assistência à saúde que
se dá nos lugares.
Para ser efetiva, a federalização do sistema de
saúde demanda o preenchimento da forma (entes
federativos) com os conteúdos do território usado.
Estes fatores interferem diretamente na forma como
as políticas de saúde se territorializam, por isso o
processo de regionalização não pode, obrigatoriamente, obedecer à delimitação e hierarquização de
áreas no território, mas, sim, atuar em acordos políticos embasados por informações coerentes com a
dinâmica dos lugares.
Sobre os autores
Aldo Dantas é professor associado do Departamento de Geografia
da UFRN
Luciana da Costa Feitosa é mestra em Geografia pela UFRN
Ciência Sempre 22 • 25
Conhecendo o Staphylococcus
aureus resistente à meticilina
isolado de infecções
comunitárias (CA-MRSA)
Ermeton Duarte do Nascimento
Maria Celeste Nunes de Melo
Sylara Silvério
Antes da descoberta dos antibióticos, o Staphylococcus aureus era responsável por altas taxas de mortalidade em infecções adquiridas no ambiente hospitalar, atingindo 82%. Após a descoberta, em meados de 1910, e a introdução
da benzilpenicilina no início da década de 1940, praticamente todos os S. aureus
eram susceptíveis a esta droga. Entretanto, quatro anos após a introdução da penicilina na terapêutica clínica, 80% dos S. aureus isolados já mostravam alto nível
de resistência a este medicamento, em decorrência da produção de uma enzima
com ação hidrolítica no anel beta-lactâmico da penicilina, conhecida como penicilinase. Em meados dos anos 50, este fármaco foi considerado ineficaz para
o tratamento de doenças causadas por este microrganismo e observou-se um
novo aumento do número de casos de infecção por S. aureus.
Em 1960, a meticilina, uma penicilina semi-sintética, surgiu como opção de
tratamento aos S. aureus produtores de penicilinase (beta-lactamases). Porém,
após um ano, foram detectadas as primeiras cepas de S. aureus resistentes a
26 • Ciência Sempre 22
meticilina, através de um novo mecanismo de resistência: a aquisição de um gene (mecA), que codifica uma nova Proteína Ligadora de Penicilina – PBP
(do inglês: Penicilin Binding Protein). E em 1963 foi
descrito o primeiro surto nosocomial de S. aureus
resistente a meticilina, surgindo então a sigla MRSA
(Methicilin-Resistant Staphylococcus aureus).
Os beta-lactâmicos pertencem ao grupo dos
antimicrobianos clinicamente mais importantes.
Seus efeitos são evidenciados ao interagirem com
as PBP’s. Estas enzimas estão ancoradas na membrana citoplasmática e possuem papel fundamental
nas últimas fases de biogênese do peptidoglicano
da parede celular.
A resistência a essa classe de antibióticos surgiu devido à aquisição do gene mecA pelo S. aureus. Esse gene codifica uma nova proteína de ligação à penicilina, designada PBP2a ou PBP2’, a qual,
diferentemente do intrínseco grupo de PBP’s do S.
aureus, possui, consideravelmente, uma reduzida
afinidade de ligação aos antibióticos β-lactâmicos.
Por causa dessa característica, essa nova PBP se
liga fracamente às penicilinas e a outros beta-lactâmicos, atuando como uma transpeptidase substituta na formação das pontes transversas entre os
peptidoglicanos durante a síntese da parede celular
bacteriana, quando as PBPs normais se encontram
bloqueadas pela ligação covalente com o beta-lactâmico.
O gene mecA já foi clonado e sequenciado e
comparações entre sequencias gênicas sugerem
que esse gene surgiu pela fusão de uma região
regulatória do gene, que codifica para a beta-lactamase com um gene estrutural de PBP de baixa afinidade. Essa sequencia é um segmento de DNA de
2,1 Kb, que não é nativo do , e encontra-se inserido
em um grande bloco de DNA exógeno, conhecido
como cassete cromossômico estafilocócico mec
(SCCmec). O SCCmec é um elemento genético móvel, integrado ao cromossomo dos MRSA, e está
flanqueado por sequencias diretas e repetidas.
Este segmento de DNA varia de 21-67 Kb de
tamanho e é composto por dois complexos gênicos essenciais, o complexo gene mec e o complexo gene ccr. A estrutura e a sequência nucleotídica
desses complexos são usados para definir o tipo de
SCCmec. O complexo gene mec corresponde à região onde estão localizados os genes reguladores
da expressão do gene mecA (mecR1 e mecI). E o
complexo gene ccr, corresponde à região onde se
encontram os genes das recombinases, as quais
são responsáveis pela mobilidade do SCCmec.
Além desses genes, outros elementos genéticos
também podem estar presentes.
O SCCmec encontra-se integrado em um sítio
específico, localizado próximo à origem de replicação dos S. aureus. Devido a todas essas características, este elemento pode ser definido como uma
ilha de resistência do S. aureus.
Alguns pesquisadores descreveram quatro tipos existentes de SCCmec, os quais variam entre
si, cada um possuindo uma combinação característica dos complexos gene ccr e mec e dos demais
elementos inseridos e determinantes de resistência.
O SCCmec tipo I é encontrado nas cepas de MRSA
que predominavam nos anos 60 e não contém nenhum gene de resistência, com exceção do mecA.
O tipo II e o tipo III carreiam múltiplos genes de resistência e são associados às cepas que começaram a predominar na década de 80. Esses três tipos
de SCCmec têm sido, frequentemente, isolados em
cepas de MRSA associados às infecções hospitalares (HA-MRSA). O SCCmec tipo IV não apresenta
nenhum gene de resistência além do mecA e possui
uma nova combinação dos complexos ccr e mec.
Esse tipo foi encontrado, predominantemente, em
algumas raras cepas de MRSA que vêm emergindo em infecções na comunidade. Variantes desses
quatro tipos principais de SCCmec têm sido descritas. Em adição, no ano de 2004, foi classificado um
novo tipo de SCCmec. O SCCmec tipo V foi encontrado em uma cepa Australiana de MRSA na comunidade. Esse novo tipo é similar ao tipo IV, é pequeno em tamanho, não contém genes de resistência
antimicrobiana além do mecA, porém apresenta um
novo arranjo do complexo ccr e mec diferente dos
arranjos do SCCmec tipo IV.
Em vários países do mundo estão disseminadas
cepas de MRSA geneticamente muito semelhantes,
ou mesmo iguais. Desta forma, poucos clones de
HA-MRSA são responsáveis pela grande maioria
das infecções hospitalares que ocorrem no mundo
e pelos prejuízos sociais e econômicos decorrentes
dessas infecções. A frequente associação dessas
cepas com infecções hospitalares garantem a esta
bactéria um reconhecimento como sendo um sério
problema global de saúde pública.
Os principais clones encontrados causando
infecções nosocomiais são: o clone ibérico (CI), o
clone pediátrico (CP), o clone Nova Iorque/japonês
(CNI/J) e o clone epidêmico brasileiro (CEB)/húngaro (CH). Amplamente disseminado no Brasil, o CEB
Ciência Sempre 22 • 27
foi inicialmente descrito em hospitais de Manaus a
Porto Alegre. Porém, estudos posteriores demonstraram que este clone também está disseminado
em hospitais de vários países incluindo a Argentina,
Uruguai, Paraguai, Chile, Portugal, Itália e República
Tcheca.
Segundo algumas pesquisas, quando o CEB
se instala em um hospital, parece ser capaz de
substituir o clone anteriormente predominante. Isso
foi observado em Portugal onde o CEB superou em
incidência o clone Ibérico, anteriormente dominante
nos hospitais daquele país.
Considerando que a grande maioria dos clones
de MRSA, internacionalmente disseminados nos
hospitais, apresenta, freqüentemente, um perfil de
multirresistência, o antibiótico de escolha para o
tratamento das infecções causadas por esses microrganismos tem sido a vancomicina. O uso desse
medicamento, por ser utilizado de forma intravenosa, requer a internação hospitalar do paciente. Entretanto, em junho de 2002, foi isolada em Michigan
uma cepa de S. aureus resistente à vancomicina
(VRSA). Apenas dois meses depois foi identificada
uma segunda cepa VRSA, desta vez na Pensilvânia.
O terceiro caso de VRSA foi descrito em março de
2004, em Nova Iorque.
Entre 1980 e 1990, a prevalência dos MRSA em
infecções hospitalares aumentou em vários países
do mundo. Só nos EUA, todos os anos são estimadas 292.000 hospitalizações devido à infecções
por S. aureus, e mais de 40% destas infecções são
causadas por MRSA. Logo, nas últimas décadas, o
MRSA tem causado um grande impacto devido a
sua multirresistência aos antimicrobianos e, inclusive, pela sua resistência aos antissépticos e desinfetantes.
Entretanto, apesar da multirresistência, em 1999
quatro crianças de Minnesota e Dakota do Norte
(EUA) morreram por infecções causadas por cepas
MRSA resistentes apenas a beta-lactâmicos. Estes
casos foram alarmantes, inusitados e intrigantes,
uma vez que as crianças eram previamente sadias
e não tinham nenhum fator de risco conhecido para
aquisição de MRSA que, até esse momento, era
considerado como um patógeno hospitalar oportunista. As amostras desses casos pertenciam a um
único SCCmec, o tipo IV. Esses MRSA, então, foram
denominados Staphylococcus aureus resistentes à
meticilina adquiridos na comunidade ou CA-MRSA.
Este relato concedeu evidências de que o MRSA estava se adaptando a ambos os ambientes, o hospi28 • Ciência Sempre 22
talar e o comunitário.
Considerando-se que as pressões seletivas são
diferentes nestes dois espaços, no hospital o uso
contínuo de uma variedade de antibióticos pode fazer com que um MRSA multirresistente possuidor de
um SCCmec complexo, como o tipo III, torne-se ainda mais adaptado. Por outro lado, um crescimento
rápido e a habilidade de colonização aumentada
podem ser mais importantes para esse patógeno
na comunidade, pois capacita-o a competir melhor
com a microbiota de indivíduos saudáveis. Uma característica importante do CA-MRSA é a sua sensibilidade aumentada aos antimicrobianos. Esta característica é conferida pela sua reduzida e simplificada
estrutura de SCCmec do tipo-IV. Ela não possui
nenhum gene de resistência além do mecA. Seu
tamanho reduzido pode facilitar também a disseminação gênica entre células de S. aureus por meio da
transdução mediada por bacteriófago, mecanismo
responsável pela transferência do complexo mec
entre cepas de S. aureus.
Recentemente, infecções comunitárias por
MRSA em pacientes que não apresentavam os riscos clássicos descritos para infecções nosocomiais
têm sido relatadas, principalmente, nos Estados
Unidos, na Europa e na Austrália. Essas cepas de
CA-MRSA geralmente causam infecções envolvendo a pele e tecidos moles, porém infecções mais
graves, como bacteremias e pneumonias letais em
pacientes pediátricos, já foram relatadas.
Recentes estudos descrevem um aumento da
proporção de CA-MRSA isolados comparado ao
HA-MRSA (MRSA hospitalar). Nos EUA, um estudo
epidemiológico em crianças revelou um aumento na
proporção de casos de MRSA, sendo que destes,
77% foram CA-MRSA com infecção de pele e tecidos moles.
Essa principal forma de apresentação da infecção do CA-MRSA, assim como também a pneumonia necrotizante, está possivelmente interligada à
uma característica peculiar do MRSA de comunidade: a produção de uma proteína tóxica aos leucócitos chamada leucocidina Panton-Valentine (PVL),
que é codificada pelos genes lukS-lukF. A genotipagem de CA-MRSA do tipo SCCmec IV, indicou que
75% destas carreiam os genes lukS-lukF, ressaltando a associação da infecção com essa proteína.
Adicionalmente, cepas de CA-MRSA apresentam outras características também peculiares que
as diferem do HA-MRSA, como a produção de diferentes enterotoxinas e hemolisinas; e a presença
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O uso intensivo e às vezes abusivo de antimicrobianos parece ser a principal força evolucionária para a emergência e ampla disseminação dos
MRSA como patógenos hospitalares (HA-MRSA),
e mais recentemente como agentes de infecções
comunitárias (CA-MRSA). É importante ressaltar
que os HA-MRSA frequentemente apresentam uma
SCCmec tipo II ou III, fragmentos de DNA maiores,
que carreiam vários genes de resistência e, por isso,
devem ter sido selecionadas pelo intenso “bombardeio” de antimicrobianos nos hospitais. Por possuírem uma inserção de um grande bloco de DNA
em seu cromossomo, essas cepas hospitalares demandam um elevado gasto energético, apresentando, devido a isso, um aumento acentuado da fase
lag e, consequentemente, uma taxa de crescimento
menor que a de uma cepa de S. aureus sensível à
meticilina (MSSA). Assim, as cepas de HA-MRSA
só apresentam vantagens em relação a uma cepa
de MSSA na presença de antimicrobianos para os
quais apresentam genes de resistência.
Porém, na ausência da pressão seletiva antimicrobiana, as cepas de MSSA apresentam um maior
sucesso. Provavelmente, por este motivo, indivíduos
sadios colonizados por HA-MRSA, que não estejam
recebendo terapia antimicrobiana, se descolonizam
rapidamente, em poucos dias após a colonização.
Assim, dificilmente veremos na comunidade cepas
de HA-MRSA colonizando ou infectando indivíduos
sãos, que não apresentam os riscos clássicos para
as infecções nosocomiais.
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Ciência Sempre 22 • 29
Sylara Silvério
do SCCmec tipo IV que confere resistência somente aos antibióticos beta-lactâmicos, tolerando uma
maior susceptibilidade a outros antimicrobianos,
embora em algumas amostras tenham sido detectadas também a resistência à eritromicina e clindamicina.
Essa característica dos CA-MRSA lhe confere
um fenótipo de resistência heterogênea à meticilina,
em que parte da população é resistente e parte é
sensível à mesma droga, e, em consequência, podem não ser identificadas como MRSA quando são
utilizados os testes laboratoriais recomendados internacionalmente.
A emergência e disseminação de cepas de S.
aureus multirresistentes, nos hospitais ou nas comunidades, são reflexos de uma evolução bacteriana
acelerada, induzida, em grande parte, pela pressão
seletiva decorrente da imensa quantidade de agentes antimicrobianos utilizada no ambiente global.
Devido a esse e outros fatores, como o avanço das
técnicas médicas terapêuticas e diagnósticas, às
características intrínsecas aos pacientes (incluindo
o aumento de uma população apresentando extremos de idade ou formada por pacientes portadores
de imunossupressão ou outras doenças de base)
e ainda devido aos fatores de virulência desses microrganismos, como a produção de biofilme em polímeros sintéticos, os MRSA tornaram-se o principal
patógeno hospitalar, principalmente em termos de
incidência e gravidade das infecções, uma vez que
esses microrganismos são importantes agentes
etiológicos de pneumonias e bacteremias nosoco-
Nesse contexto, uma das hipóteses que os pesquisadores mais temiam, com relação aos MRSA,
era a possibilidade da emergência de cepas de
MRSA na comunidade, extremamente bem adaptadas para causar doença. Tal fato parece provável,
devido ao índice elevado de cepas de Staphylococcus epidermidis portadoras do gene mecA em indivíduos saudáveis da comunidade.
O século XXI, como previam e temiam os cientistas, está sendo marcado pela emergência de um
novo patógeno comunitário: as cepas de MRSA
altamente adaptadas (condicionadas) para causarem infecções na comunidade (CA-MRSA). O mais
surpreendente foi que surtos causados por cepas
de CA-MRSA em atletas saudáveis dos EUA foram
observados em mais de um clube. Assim, tais cepas de CA-MRSA podem não ter nenhuma relação
com serviços de saúde e afetar pacientes saudáveis
da comunidade que não apresentam os riscos hospitalares clássicos.
Geralmente, cepas de CA-MRSA apresentam
certas características que lhe são peculiares como:
(a) aquisição do SCCmec tipo IV, por isso apresentam resistência apenas aos antibióticos beta-lactâmicos e, às vezes, também à eritromicina; (b)
produção da leucocidina de Panton-Valentine; e (c)
não são geneticamente relacionadas às HA-MRSA.
Sugere-se que a combinação da aquisição do
SCCmec tipo IV e dos genes lukS-lukF, que codificam para a leucocidina de Panton-Valentine, uma
citotoxina potente associada à patogênese de infecções na pele, como furúnculos, poderiam ser alguns
dos fatores evolutivos determinantes para a adaptação do MRSA, de forma a se tornar um patógeno
de sucesso em infecções associadas a indivíduos
saudáveis da comunidade.
Apesar dos relatos descritos na literatura científica sobre a presença de CA-MRSA, é importante
que os médicos estejam atentos para a emergência
dessa linhagem de MRSA na comunidade, uma vez
que os antibióticos beta-lactâmicos são amplamente utilizados no tratamento empírico dessas infecções. Alguns estudos sugerem que essas cepas de
CA-MRSA são altamente transmissíveis, elevando a
necessidade de maior atenção a esse agente.
A presença dessas cepas de CA-MRSA foi detectada pela primeira vez na América do Sul, na cidade de Porto Alegre/RS, Brasil, em 2005 e na cidade do Rio de Janeiro/RJ em 2007. Tais cepas MRSA
estavam causando infecções comunitárias na pele
e em tecidos moles, como furúnculos, e ainda um
30 • Ciência Sempre 22
caso de artrite séptica, em 5 pacientes, com idades
variando de, aproximadamente, 20 a 50 anos e também 1 caso de choque séptico numa criança de 10
anos de idade. Nenhum desses pacientes apresentava os riscos clássicos de infecções nosocomiais.
Essas cepas de CA-MRSA possuíam os genes
codificadores da leucocidina de Panton-Valentine,
SCCmec tipo IV, assim como um cluster de genes,
designado lócus egc, que codificam as enterotoxinas G, I, M, N e O e ainda um gene que codifica
uma beta-hemolisina variante. Além de todas essas características, essas cepas apresentaram um
padrão de pulsed-field que lembra os padrões de
cepas de CA-MRSA presentes em infecções comunitárias descritas inicialmente na Gamoa do Oeste,
Austrália, e posteriormente em São Francisco, CA,
USA. Outro relato ainda mais recente nos EUA foi
descrito em julho de 2009: uma criança de 7 anos
de idade que apresentou sepse por CA-MRSA de
SCCmec do tipo IV.
A conduta terapêutica das infecções causadas
pelo CA-MRSA ainda não foi adequadamente estudada e, portanto, não está estabelecida. Este agente é habitualmente sensível a uma ampla variedade
de antibióticos não-beta-lactâmicos. Assim, diversas opções terapêuticas estão disponíveis sem,
no entanto, estarem devidamente padronizadas. A
relação dos antimicrobianos potencialmente utilizáveis é: clindamicina, doxiciclina, sulfametoxazol/ trimetoprima, quinolonas (questionáveis) e rifampicina
(sempre em associação). Para as formas clínicas
potencialmente graves, relacionam-se a vancomicina, a linezolida, a associação quinupristina/dalfopristina e a daptomicina, esta última já aprovada
pelo CDC.
Assim, fica claro que um alerta global deve ser
emitido com relação às tais infecções comunitárias
e estudos visando o rastreamento, determinação da
susceptibilidade e caracterização molecular desses microrganismos, se fazem urgentes em nosso
país, de forma que o médico possa ser devidamente informado sobre como tratar corretamente seus
pacientes e para que medidas de controle da disseminação desses microrganismos sejam implementadas, imediatamente, em nosso meio. Logo,
é necessário que as autoridades responsáveis pelo
fomento à pesquisa em nosso país estejam cientes
da gravidade de tal fato, uma vez que os CA-MRSA
tendem a causar surtos em indivíduos sadios e que
a epidemiologia e seus possíveis fatores de risco
ainda não foram elucidados.
SOBRE OS AUTORES
Ermeton Duarte do Nascimento é
professor do Departamento de Microbiologia e Parasitologia/UFRN,
doutorando pelo DDMA/UFRN e
Mestre em Ciências Biológicas/
UFRN. É o coordenador da pesquisa.
Maria Celeste Nunes de Melo é
professora do Departamento de
Microbiologia e Parasitologia/
UFRN e Doutora em Microbiologia/UFRJ
Aldair de Souza Paiva,
Juliana Mendonça Freire,
Andrea Luciana Araújo da Cunha Fernandes,
Victor Cezar Tavares de Sá Leitão,
Rosana Lucena Tavares de Sá Leitão,
Erica Aires Gil,
Gabriela Vasconcelos de Andrade Alves,
Valéria Soraya de Farias Sales,
Sarah Dantas Viana Medeiros,
Telma Maria de Araújo Moura Lemos,
Dany Geraldo Kramer Cavalcanti e Silva,
Geraldo Barroso Cavalcanti Júnior.
Ciência Sempre 22 • 31
Sylara Silvério
Dados preliminares da
imunofenotipagem por
citometria de fluxo em
pacientes com leucemia
mieloblástica agudas atendidos
no Hemocentro Dalton Cunha
INTRODUÇÃO
A leucemia mieloblástica aguda (LMA) é um
grupo heterogêneo de doenças clonais do tecido
hematopoético, que se caracteriza pela proliferação
anormal de células progenitoras da linhagem mielóide (mioblastos) na medula óssea (MO), podendo
na maioria dos casos, as células leucêmicas extravasam para o sangue periférico (SP) podendo também essas células também podem infiltrar o fígado,
baço, linfonodos e outros tecidos (1-2).
Os primeiros sistemas de classificação das
leucemias agudas (LA) foram baseados em investigações citomorfológicas suplementadas por colorações citoquímicas, possibilitando inicialmente
distinguir a LMA da leucemia linfoblástica aguda
(LLA) (1-4).
O grupo French American British (FAB) padronizou a classificação morfológica das LMA em 9 grupos de acordo com as características citomorfológicas das células leucêmicas obtidas de aspirado de
medula óssea e sangue periférico: i) M0 – LMA sem
diferenciação morfológica; ii) M1 – LMA com diferenciação morfológica mínima; iii) M2 – LMA com diferenciação (componente monocítico < 20%); vi) M3
– LMA promielocíticas, subdivididas em hipergranular
e hipogranular; v) M4 – LMA mielomonocítica (células
monocíticas > 20%); vi) M5a – LMA monoblástica
(com monoblastos sem diferenciação > 80%); vii)
M5b – LMA monocítica (pro-monócitos); viii) M6 – eritroleucemia e ix) M7 – LMA megacarioblástica.(4-7).
Atualmente esse sistema ainda representa um
modelo central para a classificação das leucemias
agudas, sendo, no entanto incorporadas em sistemas de classificações atuais como a imunofenotipagem por citometria de fluxo realizada por meio de
anticorpos monoclonais (AcMo) marcados com fluorocromos, que reconhecem epítopos específicos
de antígenos celulares, possibilitando um delineamento mais preciso da linhagem das células envolvidas na leucemogênese (8-12).
A citometria de fluxo é realizada com maior frequência para distinção entre as leucemias mielóides
(LMA) e linfoide (LLA), sendo também de crucial importância na monitorização pós-tratamento dessas
entidades, visando à detecção da doença residual
mínima (9, 14).
Na LMA, a imunofenotipagem tem importância
conjuntamente com a classificação FAB na identificação de células leucêmicas com pouca nenhuma
diferenciação celular (8-14). Visando este objetivo,
32 • Ciência Sempre 22
vários AcMo são utilizados na caracterização destas
leucemias, tais como o CD33, CD13 e CD117, além
de AcMo anti-mieloperoxidase (MPO). A expressão
simultânea de dois ou antígenos mieloides caracteriza a linhagem mieloide sob ponto de vista imunológico (9, 14).
A importância da imunofenotipagem reside,
principalmente, no diagnóstico das LMA de difícil caracterização pelas análises citomorfológicas
(LMA-M0 e M7), mas também em alguns casos de
LMA-M5a, além de auxiliar no diagnóstico das LMA-M3 (especialmente a forma variante hipogranular),
caracterizada pela forte expressão do CD13, CD33
e CD117 associados a ausência de expressão do
CD34 e HLA-Dr (9, 14-15).
Para a caracterização dos demais subtipos
FAB das LMAs a IF/CF é menos importante, porém corrobora com os achados citomorfológicos
na definição de diagnóstico como na diferenciação
entre os subtipos M1/M2 (6, 9 - 14). A expressão
de antígenos monocitários como o CD14, CD16 e
CD11b mostram-se presentes na população monocitária, caracterizando a leucemias monocíticas
(M4 e M5) e finalmente, a eritroleucemia (LMA-M6)
se caracteriza pela expressão da glicoforina alfa
(CD235) (9, 14).
Este trabalho teve o objetivo de investigar um
grupo de pacientes com LMA, baseado em critérios
morfológicos e IF/CF, procurando também correlacionar estes dados com dados demográficos e parâmetros clínicos e hematológicos.
METODOLOGIA
A) CASUÍSTICA:
Foram analisadas amostras de SP e MO provenientes de 38 pacientes de ambos os sexos recém
diagnosticadas dom LMA (LMA de novo), levando-se em conta a presença de sinais clínicos e parâmetros hematológicos frequentemente associados
essa leucemia.
B ) MÉTODOS:
Exames Hematológicos:
Para o diagnóstico laboratorial das LMA seguiu-se o critério de observação da presença de
mais que 20% de células blásticas na MO, cuja
avaliação morfológica seguiu os critérios da classificação FAB (4-7).
Sylara Silvério
Amostras de SP dos pacientes foram coletadas
em frascos do tipo “vacutainer” com EDTA potássico para hemograma rotineiro que foi realizado em
um analisador hematológico (Cell Dyn 300, Abbot,
USA). A contagem diferencial de leucócitos foi realizada em distensões de SP após coloração pelo
Leishmann (Figura 1).
Imunofenotipagem por citometria de fluxo:
Para realização da imunofenotipagem, amostras
de aspirado de MO ou SP foram coletadas em tubo
contendo anticoagulante EDTA. As imunofenotipagens foram realizadas com um painel de AcMo conjugados diretamente conjugados à fluorocromos e
específico para diagnostico das LA segundo os critérios do Grupo EGIL (9), constituído por antígenos
associados a linfócitos T: (CD1a, CD2, CD3, CD4,
CD5, CD7 e CD8), células B: (CD10, CD19, CD20,
CD22, CD79a, IgM), células mielóides: (CD11b,
CD13, CD14, CD15, CD16, CD33, CD117, CD41,
CD61 e MPO) e linhagem não espefífica: (CD45,
CD34, HLA-Dr). Todos os MoAbs foram procedentes da Becton Dickinson (Becton Dickinson Immunocytometry Systems, San Jose, CA, EUA).
A reação de imunofluorescência de antígenos
de superfície foi realizada em 100 microlitros (μL)
de suspensão da amostra de MO ou SP previamente homogeneizadas, as quais foram incubadas
com 20 μL de AcMo específico por 30 minutos ao
abrigo da luz e à temperatura ambiente. Após este
período, a suspensão foi homogeneizada e acrescentada à mesma cerca de 2 mililitros (mL) de solução de lise (Lysing Solution - Becton Dickinson
Immunocytometry Systems, San Jose, CA, EUA),
havendo nova incubação por mais 15 minutos no
escuro à temperatura ambiente. Após este período,
a suspensão celular foi centrifugada por 5 minutos a
1.500 rotações por minutos (RPM), o sobrenadante
desprezado e o sedimento resuspenso em solução
salina tamponada com fosfatos (PBS) e novamente
centrifugado a 1.500 RPM por 5 minutos, sendo esta
última etapa realizada mais 2 vezes consecutivas.
Ao fim deste período, o sedimento foi então ressuspenso em 1 mL de solução de formaldeído a 1% em
PBS (13, 16).
Nos ensaios para marcação de antígenos intracitoplasmáticos (cit) e nucleares (n) (nTdT, citCD3,
citCD13, citCD22, citCD79a, cadeia pesada da imuCiência Sempre 22 • 33
Sylara Silvério
noglobulina IgM citoplsmatica e AcMo anti MPO), as
amostras foram inicialmente incubadas durante 10
minutos com 500 μl de solução de lise (Lysing Solution - Becton Dickinson Immunocytometry Systems, San Jose, CA, EUA). Em seguida, centrifugadas
durante 5 min a 1.500 RPM. Após esse período, o
sobrenadante foi descartado e o sedimento de células ressuspendido em PBS frio, e lavado mais duas
vezes por centrifugação durante 5 minutos a 1.500
RPM. Após essa etapa, o sedimento celular foi então ressuspendido em 1 mL de PBS frio contendo
1% de formaldeído, e mantidos no escuro a 4° C até
análise de citometria de fluxo. Para cada ensaio (superfície e análise citoplasmático), um MoAb isotipo
foi usado como controlo negativo.(13, 16).
Um total de 20.000 eventos por tubo foram adquirido no citometro de fluxo (FACScan, San Jose, CA,
EUA) com a Quest Software celular (Software QuestTM celular, Becton Dickinson Immunocytometry Systems, San Jose, CA, EUA). Foram considerados os
seguintes parâmetros: dispersão frontal (FSC) para
avaliar o tamanho celular, dispersão lateral (SSC) para
avaliar a complexidade celular e análise da expressão
de marcadores de células com análise de fluorescência por FL1 (verde), FL2 (laranja), e FL3 (vermelho )
em escala logarítmica, as quais representam a reação
antigenio-anticorpo conjugado com isotiocianato de
fluoresceína (FICT), ficoeritrina (PE), e peridin proteína
clorofila (PerCP) respectivamente (13, 16).
As imunofenotipagens foram consideradas positivas quando ocorreram mais que 20% de células
blásticas positivas aos AcMo. Os resultados foram
fornecidos na forma de histogramas em percentagens da população celular com reação positiva ou
negativa e intensidade de fluorescência (Figura 2).
RESULTADOS
Dos pacientes estudados, 23 (60,5%) eram do
sexo masculino e 15 (39,5%) do sexo feminino. A
idade do grupo analisado variou de 11 a 82 anos. As
faixas etárias mais acometidas pela doença foi a do
grupo com idade superior a 50 anos com 18 casos
(47,4%), seguido pela faixa etária compreendida entre 30 a 40 anos com oito casos (21%) (Tabela 1).
Sinais clínicos relacionados com a doença estiveram presentes na maioria dos casos. Destes,
a esplenomegalia predominou no grupo analisado
com 24 casos (63,2%), seguida pela hepatomegalia
e hipertrofia gengival com 15 (39,5%) e 5 (13,2%)
dos casos respectivamente (Tabela 1)
34 • Ciência Sempre 22
Na tabela 02 encontram-se resumidas os principais dados laboratoriais dos pacientes, tais como:
contagem de plaquetas, leucograma e dosagem
de hemoglobina. Vinte e sete indivíduos (71,1%)
apresentaram contagem elevada de leucócitos no
momento do diagnóstico, com contagens variarado entre 14.000 a 299.000/mm3, 10 casos (26,3%)
apresentaram leucometria dentro dos limites de
normalidade (5.000 a 10.000/mm3) e 1 caso (2,6%)
apresentou leucopênia com contagem de leucócitos de 900mm3.
A anemia (dosagem de hemoglobina menor
que 12,0 g/dL) foi observada em 30 casos (78.9%)
e a plaquetopenia (contagem de plaquetas abaixo
e 150.000/mm3) em 24 casos (63,1%) sendo mais
acentuadas nos casos de leucemias promielocíticas
(LMA-M3), que apresentaram fenômenos hemorrágicos mais evidentes na ocasião do diagnóstico.
Conforme demonstrado na tabela 3, a IF/CF
demonstrou um perfil imunológico característico de
LMA, com a expressão de antígenos pan- mielóides
CD13, CD33 em todos os casos diagnosticados. A
expressão dos marcadores para células progenitoras (CD34 e CD117) mostrou-se presentes na maioria dos casos, caracterizando a presença de células
blásticas com pouca diferenciação celular, estando
este perfil mais presente casos de LMA-M1 e M2.
As LMA-M3 apresentaram um padrão característico:
CD13+, CD33+, MPO+, CD117+ associado a negatividade ao CD34 e HLA-Dr.
Nas LMA com componente monocitário, observou-se a expressão de antígenos relacionados a
esta linhagem (CD14, CD16 e CD11b), associados
a marcadores mielóides, sugerindo uma LMA com
diferenciação monocitária (M4 e M5). A eritroleucemia foi identificada pela expressão da glicoforina alfa
e a LMA- M7 pela forte expressão do CD41 e CD61.
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DISCUSSÃO
Embora o diagnóstico e classificação das LMA
ainda estejam baseados em critérios morfológicos.
Atualmente a imunofenotipagem por citometria de
fluxo tem sido introduzida na rotina laboratorial visando uma melhor precisão diagnóstica (9).
Na classificação imunofenotípica das LMA é
importante destacar a inclusão dos subtipos M0 e
M7 (9). O subtipo FAB-M0 não apresenta a enzima
MPO detectável pela citoquímica convencional, não
expressa antígenos linfóides, sendo geralmente
CD33 e CD13 positivas, além de expressarem MPO
intracitoplasmática (9, 14).
A LMA-M7 por sua vez, não possui critério morfológico bem definido, sendo identificável por AcMo
direcionado contra glicoproteínas plaquetárias tais
como o CD41 e CD61 (6, 9, 14).
As LMA monociticas têm padrão imunofenotípico próprio com reatividade a antígenos monócitos
relacionado como o CD14 e CD16, fato este observado neste trabalho (9, 14).
O HLA-Dr mostra-se expresso na maioria dos
casos de LMA, com exceção dos casos de LMA-M3, fato este constatado neste estudo (9, 14, 15).
No tocante a correlação dos resultados da análise citomorfológica e da citometria de fluxo, observou-se uma correlação direta da classificação FAB
e imunofenotipagem em todas casos investigados,
corroborando nossos resultados com os dados da
literatura os quais relacionam diretamente a IF/CF
com a classificação FAB nas LMA (9).
Finalmente é importante destacar a importância da expressão aberrante de antígenos linfóides
(CD19, CD2 e CD7) em alguns casos de LMA, havendo relatos da correlação destes achados com
anormalidades citogenéticas específicas tais como a
expressão do CD19 na LMA-M2 com t(8,21) e o CD2
que pode se expressar na LMA-M4 que apresentam
a inversão do cromossomo 16 (c/inv 16) (17).
Neste estudo, entretanto constatou-se a apenas a expressão anormal do CD7 em cinco casos,
os quais também expressavam fortemente o CD34,
caracterizando, portanto LMA muito imaturas. O
CD7 é uma glicoproteína de peso molecular de 40
Kda e representa antígeno de membrana associado a células T. Nestas células, sua expressão precede o rearranjo dos genes do receptor de células
T, mostrando que pode ser um antígeno presente
em células progenitoras. Embora sua função como
molécula de adesão ainda não esteja bem esclarecida, acredita-se que ela desempenhe um papel
importante na adesão e ativação das células T. Alguns autores, entretanto acreditam que a expressão deste antígeno em células progenitoras estaria relacionada na mediação da migração destas
células da medula óssea ao timo. Recentemente
este antígeno foi identificado em células progenitoras que podem dar origem a outras linhagens
celulares, podendo desta forma ser observada em
algumas LMA muito imaturas, fato este constatado
neste trabalho (9, 14, 17).
Em conclusão, é importante ressaltar a importância da determinação do perfil imunofenotípicos
no diagnóstico diferencial das LMA, relacionando-as
com eventos fisiopatológicos. Assim, Os resultados
aqui apresentados sugerem que imunofenotipagem
é crucial para diagnóstico e monitoramento do tratamento dessas neoplasias.
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17. LEFTEROVA, P; SHIMIDTWOLF, I.G.H. Coexpression of lymphoid and myeloid markers on cell
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p. 27-33, 1996.
Hana Dourado
Marcadores linfóides empregados neste estudo, tais como o CD10, CD22 CD3, CD8, CD19 e
sIgM estiveram ausentes em todos os casos analisados, ocorrendo reatividade ao CD7 e ao CD4 em
alguns casos.
Ciência Sempre 22 • 35
Perfil epidemiológico
e fatores associados à
utilização de medicamentos
em idosos atendidos pelo SUS
em área urbana do Nordeste
do Brasil-Natal/RN
Gerlane Coelho Bernardo Guerra
Aurigena Antunes de Araújo
Ingrid Ribeiro Tavares
Karina Lopes Morais
Ana Ester Pereira Peixoto
Juliana Chagas Caldas
INTRODUÇÃO
Sylara Silvério
A Organização Mundial de Saúde considera o medicamento como um bem
social, defendendo, entretanto, o uso racional. A OMS afirma que pacientes devem receber medicamentos apropriados para suas condições clínicas, em doses adequadas às suas necessidades individuais, por um período adequado e ao menor custo para si e para a comunidade. No entanto, se observa
que aproximadamente 35% dos medicamentos consumidos no Brasil são
através da prática da automedicação, e que 27% das intoxicações ocorrem
por uso de medicamentos, com 16% de óbitos. Por outro lado, órgãos
responsáveis pela aprovação de medicamentos disponibilizam uma grande variedade à população, facilitando a automedicação e, por sua vez, a
ocorrência de efeitos adversos nos usuários.
Em relação aos efeitos adversos provocados pelos medicamentos, a
população idosa (devido à alteração na função renal e hepática, presença de múltiplas doenças crônicas e polifarmácia) é considerada
de alto risco, estando susceptível até sete vezes mais à incidência
destas reações comparada aos jovens.
36 • Ciência Sempre 22
Sylara Silvério
Dessa forma, há necessidade de uma investigação ampla e aprofundada sobre a utilização de medicamentos pelos idosos, que confira conhecimento
e que seja adequada à realidade local, visto que a
literatura sobre a temática é escassa.
Assim, este trabalho avaliou o perfil epidemiológico dos idosos atendidos nas unidades de saúde
do SUS e analisou o consumo de medicamentos
por esses idosos, a fim de descrever o padrão de
utilização de medicamentos, identificar a polifarmácia e compreender os fatores que interferem no uso
de medicamentos na população em estudo.
METODOLOGIA
Foi realizado um estudo analítico e transversal
nas diversas unidades de saúde vinculadas ao SUS
e pertencentes ao centro urbano de Natal-RN.
A população foi composta por homens e mulheres com idade igual ou superior a 60 anos, residentes na zona urbana de Natal, cadastrados no
SUS e que procuraram atendimento nas unidades
de saúde no período de julho de 2011 a julho de
2012. Foram excluídos do estudo os idosos incapacitados de comunicação verbal, e os que não
aceitaram assinar o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido.
Os dados foram coletados por meio de entrevista individual, utilizando um questionário com variáveis sócio-demográficas, informações sobre a percepção de saúde, os hábitos de vida e sobre a forma
e a quantidade de medicamentos utilizados para os
vários sinais e sintomas do idoso. O estudo não considerou como medicamento as suplementações alimentares, as vacinas, os compostos homeopáticos,
os chás e outras preparações fitoterápicas.
Os medicamentos mencionados contendo dois
princípios ativos foram divididos em seus respectivos compostos químicos. As associações que contiveram mais de dois princípios ativos, assim como
os medicamentos dos quais o idoso não recordaram do nome, foram realocadas para a categoria
outros. Fármacos com diversas ações farmacológicas foram qualificados tendo por base a condição
primordial para a qual foram prescritos ou utilizados.
RESULTADOS
Foram entrevistados 430 idosos, com predominância do sexo feminino (67.7%) e na faixa etária de
60 a 74 anos (69.3%). A maioria composta por aposentados (84.2%) e com renda mensal de até 960
reais (60.7%). A Tabela 01 descreve o perfil sócio-demográfico dos participantes.
Ciência Sempre 22 • 37
TABELA 1. VARIÁVEIS SOCIODEMOGRÁFICAS
FREQUÊNCIA
ABSOLUTA (N)
FREQUÊNCIA
RELATIVA (%)
60 a 64 anos
98
22.8
IDADE
65 a 69 anos
101
23.5
(faixa etária em anos)
70 a 74 anos
99
23.0
VARIÁVEIS SÓCIO-DEMOGRÁFICAS
GÊNERO
ESTADO CIVIL
ESCOLARIDADE
QUANTIDADE DE CONSULTA
MÉDICA AO ANO
APOSENTADO
75 a 79 anos
67
15.6
80 anos ou mais
65
15.1
Masculino
139
32.3
Feminino
291
67.7
Solteiro
61
14.2
Casado
218
50.7
Divorciado
27
6.3
Viúvo
124
28.8
Nunca Estudou
124
28.8
Ensino Fundamental Incompleto
194
45.1
Ensino Fundamental Completo
46
10.7
Ensino Médio Incompleto
30
7.0
Ensino Médio Completo
25
5.8
Ensino Superior
11
2.6
01
64
14.9
02
53
12.3
03
34
7.9
04 ou mais
279
64.9
Sim
362
84.2
Não
68
15.8
TRABALHO REMUNERADO
Sim
47
10.9
ATUALMENTE
Não
381
88.6
Sem Renda
29
6.7
470 a 960
372
86.5
RENDA MENSAL
(valores em reais)
Em relação às variáveis de saúde, 51.6%
consideraram sua saúde regular e uma grande
parcela (19,3%) avaliaram sua saúde com ruim.
Além disso, não houve influência da variável sexo
na distribuição dos resultados, de forma que os
homens e as mulheres apresentaram resultados
semelhantes. A média de consultas médicas anuais nas unidades foi alta, com a maior parte dos
pacientes (64.9%) referindo quatro ou mais visitas
ao médico por ano. Maior procura foi observada
38 • Ciência Sempre 22
961 a 1600
20
4.7
1601 a 2400
5
1.2
Mais de 2400
4
0.9
para o sexo feminino, diferença essa que mostrou
significância estatística.
A análise da utilização de medicamentos sob
prescrição médica mostrou que a classe dos anti-hipertensivos foi a mais prescrita, com destaque
para o grupo dos inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA), utilizado por 42.6%
dos idosos, o qual foi seguido pelos diuréticos
(36.7%) e pelos betabloqueadores (12.8%). A segunda classe de drogas mais utilizada foi a dos
protetores gástricos (22%), predominando os bloqueadores do receptor H2 de histamina (14.4%)
sobre os inibidores da bomba de prótons. Outros
grupos usados por grande percentual de idosos
incluíram biguanidas (16.0%), anti-inflamatórios
não esteroidais (AINES) (13.5%), e hipnóticos, se-
dativos e ansiolíticos (12.6%), como mostra a tabela 2. Com relação ao número de medicamentos
sob prescrição médica, 89.1% usavam pelo menos um medicamento, predominando um total de
5 ou mais fármacos por pessoa, sendo maior no
sexo masculino.
TABELA 2. MEDICAMENTOS
MEDICAMENTOS
ANTI-HIPERTENSIVOS
FREQUÊNCIA
ABSOLUTA (N)
FREQUÊNCIA
RELATIVA (%)
iECA
183
42.6
DIURÉTICOS
158
36.7
BETABLOQUEADORES
55
12.8
BRA
39
9.1
ACC
43
BLOQUEADORES DO RECEPTOR
PROTETORES GÁSTRICOS
10
14.4
H2 DE HISTAMINA
INIBIDORES DE BOMBA DE PRÓTONS
BIGUANIDAS
69
16
SULFONIUREIAS
50
11.6
INSULINA
11
2.6
AINES
58
13.5
HIPNÓTICOS, SEDATIVOS E ANSIOLÍTICOS
54
12.6
AAS
48
11.2
HIPOGLICEMIANTES
Parcela considerável da amostra referiu já ter
tido algum tipo de orientação profissional a respeito
da não utilização de medicamentos sem prescrição
médica (72.3%). Contrastando com esta informação, foi alto o percentual de idosos que fazem uso
constante de fármacos por conta própria (59.8%),
dentre os quais mais da metade (67.2%) corresponde aos analgésicos comuns.
A análise multivariada incluiu variáveis socioeconômicas e de saúde em relação ao aumento do
número de medicamentos utilizados pela população estudada. Assim, as variáveis que contribuíram para este desfecho e que foram significativas
incluem sexo feminino (0.001) e estado civil, divorciados ou viúvos (0.006). Além do sexo e estado
civil, também foram significativas as associações
com baixa renda pessoal mensal (0.018), maior
número de consultas médicas anuais (quatro ou
mais) (0.001), assim como relato de má percepção da saúde (0.001).
DISCUSSÃO
Os resultados revelaram que os fatores sociodemográficos como sexo (feminino), estado civil (divorciado e viúvo), baixa renda mensal pessoal (R$
960,00), número de consultas médicas (4 ou mais
por ano) e má percepção de saúde apresentaram
significância estatística para o aumento do consumo de medicamentos. Tais dados são compatíveis
com os estudos realizados no âmbito nacional, com
exceção de algumas pesquisas que não evidenciaram relação entre estado civil e aumento no consumo de fármacos. Nos trabalhos internacionais,
a variável escolaridade se relacionou com o maior
consumo de medicamentos, contrastando com o
presente trabalho, que não mostrou essa relação.
Em concordância com os resultados descritos,
que evidenciaram grande número de medicamentos utilizados pelos idosos, um estudo realizado nos
Estados Unidos com 3500 indivíduos entre 57 e 85
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10. Veras RP. País jovem com cabelos brancos: a saúde do idoso
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anos de idade também revelou taxas significativas:
81% dos sujeitos estudados usavam pelo menos
um medicamento sob prescrição médica, 42%
usavam no mínimo 1 medicamento em superdosagem e 49% usavam suplemento alimentar. Além
disso, 29% usavam pelo menos cinco medicamentos prescritos concomitantemente, sendo esta taxa
mais alta para homens e mulheres de 75 a 85 anos.
Já outros estudos como o de Garfinkel et al
mostraram que pacientes residentes em lares ou
departamentos de enfermagem utilizavam uma média de 6 a 9,7 medicamentos por dia, e mais de 20%
recebiam 10 ou mais medicamentos. Além disso,
um estudo realizado na Áustria revelou uma média
de 7,5 +/- 3,8 medicamentos por paciente, com
maior taxa observada nas mulheres (7,8 vs. 6,8,
p=0,013). Ademais, 58,4% dos pacientes usavam
mais de 6 fármacos. O uso excessivo de medicamentos, prescrição inapropriada e efeitos adversos
40 • Ciência Sempre 22
foram bastante prevalentes nesse estudo. Em estudos nacionais os valores obtidos para uso de 6
ou mais drogas por paciente oscilaram entre 67,2%
e 86,1% sendo 67,2% em Fortaleza-CE, 72,1% em
Belo Horizonte-MG e 86,1% em Bambuí-MG.
A importância de estudar o número de drogas
consumidas advém das consequências desastrosas da polifarmácia para seus usuários, gerando
efeitos adversos cumulativos, além de aumentar a
probabilidade de interações medicamentosas. Por
sua vez, as reações adversas têm sido implicadas
na admissão hospitalar de pacientes idosos, e estão relacionadas a um aumento da permanência
hospitalar e da morbimortalidade. Nos Estados Unidos, por exemplo, 20% dessas reações resultaram
em morte ou internamento hospitalar.
Um estudo realizado com mulheres idosas mostrou que a maioria das usuárias de ß-bloqueadores
estava susceptível a alguma interação medicamento-
11. Coelho JM, Marcopito LF, Castelo A. Perfil de utilização de medicamentos por idosos em área
urbana do Noroeste do Brasil. Rev
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14. Silva TR, Menezes PR. Autopercepção de saúde: um estudo
com idosos de baixa renda de
São Paulo. Rev Med (São Paulo).
2007;86(1):28-38.
disso, é importante enfatizar que a autopercepção
da saúde é um indicador de morbidade e mortalidade, o que explica sua influência direta tanto no
maior número de comorbidades, sejam físicas ou
mentais, como, consequentemente, no maior consumo de drogas.
Conclusão
Em vista do que foi exposto, observa-se que
inúmeros fatores estão implicados no aumento do
número de medicamentos utilizados pelos idosos,
dentre os quais se destacaram o sexo feminino, estado civil, baixa renda pessoal mensal, maior número de consultas médicas anuais e autopercepção
ruim da saúde.
O conhecimento desses fatores pode auxiliar
na criação de medidas educativas com o intuito de evitar a polifarmácia e suas consequências
danosas, além de reduzir a utilização de medicamentos não prescritos por profissionais habilitados. Em conjunto, essas medidas proporcionam
melhora da assistência à saúde do idoso, o que
secundariamente promove aprimoramento de sua
qualidade de vida, nos aspectos físicos, cognitivos
e emocionais. Afinal, um envelhecimento saudável
depende da interação multidimensional de múltiplas variáveis.
Sobre as autoras
Gerlane Coelho Bernardo Guerra
é professora do Departamento de
Biofísica e Farmacologia- UFRN.
Aurigena Antunes de Araújo é professora do Departamento de Biofísica e Farmacologia- UFRN.
Ingrid Ribeiro Tavares é graduada
em Medicina.
Karina Lopes Morais é graduada
em Medicina.
Ana Ester Pereira Peixoto é graduada em Medicina.
Juliana Chagas Caldas é graduada em Medicina.
Hana Dourado
sa relacionada a esse grupo de fármacos. Situações
semelhantes ocorrem com vários outros medicamentos. Por exemplo, 49,3% das mulheres que utilizavam
IECA, 11,8% das que usavam diuréticos e 44,4% das
que consumiam antidepressivos sofriam algum tipo
de reação adversa devido a uma interação.
Outra pesquisa, nos Estados Unidos, observou a maior prevalência do uso de medicamentos em indivíduos do sexo feminino e acima de 65
anos, dos quais 94% haviam tomado pelo menos
um medicamento, 57% tomou 5 ou mais e 12%
tomou 10 ou mais. Predominaram fármacos com
prescrição médica. Neste estudo, o aumento da
prevalência esteve intimamente relacionado com
o aumento da idade.
Com relação aos fármacos mais utilizados, a
classe dos anti-hipertensivos foi a mais prescrita,
seguida dos protetores gástricos, antidiabéticos
orais, AINEs e medicamentos de ação sobre o sistema nervoso central. Tais resultados foram semelhantes aos encontrados na literatura nacional. Em
concordância, outros estudos feitos no Brasil mostraram que, as classes farmacológicas mais usadas
pelos idosos são as que atuam sobre o aparelho
cardiovascular, sobre o sistema nervoso central,
sobre os aparelhos respiratório e digestivo, além
das vitaminas e dos antianêmicos. Entre os idosos,
existem diferenças no padrão de consumo de medicamentos prescritos e não prescritos, sendo os
prescritos mais consumidos.
Um estudo realizado em Quebec, Canadá,
apontou que a maioria das prescrições foi para fármacos de ação cardiovascular, seguido por AINEs e
por medicamentos psicotrópicos.
Trabalhos nacionais mostraram que grande
parcela dos idosos utilizam medicamentos sem
prescrição médica, sendo os analgésicos comuns
os mais consumidos, em semelhança à pesquisa
em questão.
Chamou atenção no nosso estudo a influência
significativa da má percepção da saúde no aumento
do consumo de fármacos. Esses resultados foram
semelhantes para ambos os sexos, discordando de
outros trabalhos, que evidenciaram uma pior percepção pelos idosos do sexo feminino. Uma possível explicação poderia ser o fato de a autopercepção da saúde ser diretamente associada ao uso de
serviço médico, o que já infere uma pior percepção
pelos homens selecionados nesta pesquisa, pois
somente foram entrevistados aqueles que procuraram espontaneamente as unidades de saúde. Além
Ciência Sempre 22 • 41
Isabel Fernandes de Oliveira
Oswaldo Hajime Yamamoto
Candida Maria Bezerra Dantas
Mariana Cela
Nívia Lúcia de Andrade Oliveira
Marília Noronha
Rafaela Lopes Araújo
Thamires Pinto
A Psicologia é uma das profissões que mais reflete sobre seus rumos. Isso se
deve possivelmente a sua evolução histórica, que traçou uma trajetória bastante
variada para o campo, com diferentes nuanças, objetos de trabalho, campos,
e, mais, objetivos bem peculiares. Desde o final da década de 1970, estudos
sobre a profissão de psicólogo questionam a hegemonia de um modelo elitista
e privatista de atendimento, predominante na prática profissional. As críticas a
apontam como uma atividade que não atende as necessidades da maioria da
população brasileira e interrogam sobre quais os rumos que a profissão deve
seguir em direção ao atendimento das camadas mais pobres da população brasileira, defendendo um protagonismo da categoria em prol de um compromisso
com a transformação ampla da sociedade.
42 • Ciência Sempre 22
Sylara Silvério
A atuação do
psicólogo na
atenção básica:
novos desafios
e perspectivas
Sylara Silvério
Ao problematizar a adequação entre as bases
de sustentabilidade da ciência psicológica e a atuação no campo do Bem-Estar Social, Yamamoto
(2003) afirma que as mudanças que direcionaram
a Psicologia para a política social se deveram a três
fatores: contingências específicas do mercado de
trabalho - caracterizadas pela falência do modelo
de profissional autônomo em decorrência da diminuição do poder aquisitivo da classe média (grande
consumidora dos serviços psicológicos), resultado
da “falência do milagre econômico”; abertura do
campo de atuação profissional por meio da redefinição do setor de Bem-Estar Social no primeiro momento da transição democrática; e, por último, os
embates teórico-ideológicos, com destaque para o
papel do Conselho Federal de Psicologia, que nutrem uma redefinição dos rumos da Psicologia.
Essas discussões prosseguem e se particularizam quando a inserção maciça de psicólogos em
setores da política social assume tal proporção que
esse campo passa a ser o maior empregador desses profissionais. Destaca-se, nesse momento, a
criação de postos de trabalho na rede de saúde pública, ainda na década de 1980, mas que crescem
exponencialmente com a regulamentação do Sistema Único de Saúde e com a ampliação da atenção
básica de atendimento, trazendo mudanças significativas para a profissão. Os avanços proporcionados pela reorganização do modelo de assistência
à saúde provocaram um reordenamento na gestão
das políticas públicas para o setor que contemplavam, entre outros aspectos, um novo conceito de
saúde (Noronha, 2001).
Nesta nova perspectiva, o cuidado em saúde
deveria enfatizar as ações de prevenção e promoção de saúde, realizadas por uma equipe multiprofissional. Princípios como equidade e justiça
distributiva serviram como base para a idealização
de uma rede de assistência e de cuidado na qual a
doença deixaria de figurar como alvo de atenção, e
o homem surge como objeto de uma intervenção
social em saúde (Teixeira, 2005).
É essa nova vertente, concatenada às discussões sobre a reforma psiquiátrica, que subsidia
o ingresso significativo de psicólogos no campo
(Rosa, 2003). Contudo, a ocupação de postos na
saúde pública não foi feita sem embates. Um dos
principais se refletiu nas discussões sobre o tipo de
ação desejada para esse campo e sobre a formação necessária para o trabalho na saúde em sua
vertente institucional (Carvalho & Yamamoto, 1999).
A repercussão do movimento em Natal, por exemplo, enseja a contratação de psicólogos para fazer
parte do novo desenho da rede que, com a criação
da Secretaria Municipal de Saúde, em 1986, ficou
sob gestão municipal (Natal, 2003).
Desde então, psicólogos vem ocupando diferentes espaços em todo o estado do Rio Grande
do Norte, tanto em unidades básicas de saúde,
como centros de atenção psicossociais, hospitais
regionais, bem como cargos de gestão. Mais recentemente, como proposta de fortalecimento da atenção básica e, principalmente, da Estratégia Saúde
da Família, são criados os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), a partir da Portaria nº 154 de
24 de Janeiro de 2008, que tem por objetivo ampliar
a abrangência e o escopo das ações da atenção
básica, com ênfase no processo de territorialização
e de regionalização das ações em saúde.
Os NASF, dispositivos intermediários em complexidade e com o claro objetivo de fornecer suporte, se organizam em torno de nove áreas estratégicas de trabalho, dentre as quais figura a saúde
mental. Sendo assim, o psicólogo constitui um profissional importante na estruturação das equipes,
fato que configura nova ampliação da sua inserção
profissional, mas recoloca as questões em torno da
adequação do trabalho (Oliveira, et al., 2004; Oliveira et al., 2005; Oliveira, Solon, Amorim, & Dantas,
2011; Oliveira & Amorim, 2012).
Tendo como base as discussões sobre a atuação do psicólogo no setor do Bem-Estar Social,
a pesquisa ora apresentada objetivou, num recorte
do campo mais amplo da política social, analisar
a prática psicológica em NASFs do Rio Grande
do Norte. Tal investigação é relevante, visto que é
necessário avançar no conhecimento já produzido
acerca da atuação do psicólogo no campo da saúCiência Sempre 22 • 43
de pública, considerando os novos desafios postos
pela construção de um modelo de saúde/saúde
mental na atenção básica e os questionamentos
acerca da adequação dos referenciais teóricos,
técnicos e políticos que norteiam as práticas, especialmente num contexto que busca mudar os padrões de acesso, atenção e participação popular,
como é o caso do SUS. Pretendeu-se, dessa forma,
contribuir para a capacitação dos profissionais que
atuam na saúde pública, bem como fomentar as
discussões sobre a formação e prática dos psicólogos, e sua adequação as demandas e necessidades da população brasileira.
A pesquisa foi realizada entre os anos de 2010
e 2012 em municípios escolhidos intencionalmente
de forma a contemplar oito das nove regiões de saúde do Rio Grande do Norte, excetuando-se a região
da capital do estado que, no momento da coleta de
dados, não possuía NASF funcionando. Além disso,
buscou-se o dispositivo mais antigo, que contava
com psicólogo trabalhando há mais tempo. À época do estudo havia 49 dispositivos no RN, com 39
psicólogos trabalhando. Desses, 18 participaram da
pesquisa (lotados em 16 NASF) por meio de uma entrevista semiestruturada contendo informações sobre
formação acadêmica, motivações para o trabalho,
atividades realizadas pelo NASF e as realizadas pelos psicólogos, dificuldades e desafios para o campo, entre outras informações. Em seguida apresentamos as principais discussões por blocos temáticos.
Entrada nos NASF
Os psicólogos entraram no serviço via análise
curricular ou indicação política. Apenas três dos 18
eram concursados. Isso revela uma precariedade de
vínculo de trabalho, característica da inserção desse
profissional no campo da política social, e também o
quanto a política partidária interfere na organização
dos serviços públicos nos municípios. Daí decorrem
as dificuldades de planejamento e de realização de
um trabalho de longa duração, sem falar na total captura de qualquer postura contrária ao gestor. Já existem algumas iniciativas para a realização de concursos públicos na área da saúde, mas elas ainda são
incipientes. O que tem ocorrido é que, muitas vezes
um profissional já pertencente ao quadro das secretarias municipais ou do estado ocupa dupla função,
ou, como visto nos dados aqui apresentados, os psicólogos são contratados temporariamente.
44 • Ciência Sempre 22
Formação para o trabalho
De forma geral, os psicólogos adentram no
trabalho da saúde pública sem preparo. E mais,
sem ter absoluta noção das discussões travadas
por ocasião da implementação de um novo dispositivo, como é o caso dos NASF. Apenas quatro profissionais referiram terem recebido capacitações em saúde e destacam importância do
espaço formativo, mas avaliaram as capacitações
como insuficientes. Oito psicólogos declararam
não ter recebido formação alguma para o trabalho
no NASF e 13 informaram que a formação que os
subsidia é alguma vertente da Psicologia clínica.
Depreende-se desses dados que não há um padrão de treinamento dos profissionais que compõem os NASF, que eles findam por basear sua
atuação em referenciais que não estão conectados
com as discussões sobre a atuação com comunidades, com prevenção e promoção de saúde, e
outros referenciais que têm norteado as práticas
nesses novos contextos.
Como espaço novo, que propõe um trabalho
essencialmente distinto do modelo interventivo
reinante na história da saúde brasileira, é compreensível que os espaços formativos sejam ainda
superficiais e mais informativos que formativos.
Entretanto, tais espaços, quando estruturados,
podem ser instrumentos potentes na proposição de um reordenamento das práticas em saúde, de forma que essas se voltem para o que
está disposto nas determinações mais gerais da
política de saúde.
Ressalta-se, daí, tanto a necessidade de as entidades representativas da Psicologia continuarem a
problematizar a atividade profissional do psicólogo,
e proporem novos caminhos para a atuação, como
também é preciso que os gestores dos serviços,
sejam do estado ou dos municípios, promovam espaços permanentes de capacitação e de reflexão
da prática de seus profissionais. Isso possivelmente
evitará uma atuação construída “no dia a dia”, como
referiu um dos entrevistados.
Ações NASF e atividades dos psicólogos
Para facilitar a compreensão, a tabela 1 apresenta a distribuição das atividades ofertadas pelos
NASF alvo da pesquisa e as ações em que os psicólogos se envolvem.
Tabela 1: Atividades NASF e ações dos psicólogos
BIBLIOGRAFIA
NASF
Psicólogos
Registro de atividades e planejamento
16
16
Atendimento clínico/ambulatorial
14
15
Grupos socioeducativos
16
12
Palestras
12
12
Visita domiciliar
15
11
Ações de apoio matricial
16
11
Programa Saúde na Escola
13
10
Visita a instituições
12
8
Visita às ESF (para atendimento)
8
6
Grupos terapêuticos
7
7
Brevemente, identifica-se que os NASF realizam
atividades de matriciamento, grupos socioeducativos e visitas domiciliares. Quase todos os NASF realizam tais ações e elas, de fato, são preconizadas
para o serviço, com destaque para o apoio matricial.
Por outro lado, esses mesmos dispositivos (14 dos
16) oferecem atendimento clínico/ambulatorial. Tal
atividade também é prevista, mas, de acordo com o
que preconiza os documentos que regem os NASF,
seu foco deve ser um trabalho fora de seus muros,
com a comunidade e, principalmente, com as equipes de saúde da família. Apesar disso, é possível
inferir que os NASF têm caminhado na direção da
construção de um trabalho de suporte à atenção
básica e às equipes de saúde da família, mas ainda há um longo percurso para que se transforme
a visão de saúde e de assistência que marcam a
história da saúde pública no Brasil.
Do leque de atividades realizadas pelos NASF,
os psicólogos se envolvem em todas elas, mas
destacam-se o planejamento e os atendimentos
clínicos. O planejamento é realizado em todos os
NASF e todos os psicólogos entrevistados participam dele. A questão que merece uma discussão
mais cuidadosa diz respeito aos atendimentos
clínicos realizados de forma maciça pelos psicólogos e com o aval do restante da equipe (já que
há um planejamento das atividades). Este tipo de
ação é permitido, entretanto, ações previstas para
os profissionais dos NASF realizarem, tornam necessária uma definição clara do foco que o ser-
viço deve ter, e que não é o de um ambulatório
de especialidades. O matriciamento, as ações de
articulação, as visitas, as atividades educativas,
entre outras, são tão ou mais importantes em termos de amplitude e objetivo do trabalho do que
os atendimentos clínicos. Esse tema é alvo de discussão há bastante tempo, seja por parte do Conselho Federal de Psicologia, ao discutir o trabalho
nas políticas públicas, seja por pesquisadores da
área. Os estudos têm em comum a constatação
de que a Psicologia ainda não conseguiu produzir
amplamente e com qualidade um arsenal teórico-técnico que seja eficaz no trato aos determinantes macroestruturais da saúde. Assim, resta aos
nossos profissionais psi o conhecimento que eles
acreditam ser o que melhor dominam, que são os
relativos à Psicologia clínica em sua vertente individual. Se considerarmos as inovações da política
de saúde que pouco a pouco tenta incorporar os
avanços alcançados em torno da redefinição do
conceito de saúde, de saúde mental, de promoção, prevenção e de assistência, e as práticas realizadas pelos psicólogos, muito ainda é necessário avançar quando se trata especialmente desses
últimos. Exemplo disso é que dos 18 psicólogos
entrevistados, 11 se envolvem no apoio matricial e
nas visitas domiciliares; e apenas oito visitam instituições para a realização de articulações. Curiosamente, essas são as atividades que exigem uma
mobilização do profissional, uma saída do espaço
institucional do NASF.
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Ciência Sempre 22 • 45
Sylara Silvério
Já os grupos socioeducativos, realizados na
própria instituição, recebem frequência maior dos
psicólogos. Parece haver uma dificuldade de os
profissionais de Psicologia realizarem seu trabalho
num espaço sem limites territoriais, como é o caso
das comunidades. Não é fato novo que esses mesmos profissionais, desde que adentraram o campo
da saúde pública, buscam reproduzir, na medida
do possível, seus settings terapêuticos. Com isso,
a reprodução do ideário do consultório privado nos
NASF se repete mais uma vez, tal como ocorreu
ainda na década de 1980 com as unidades básicas de saúde.
Há de se reconhecer que muito ainda precisa
ser feito no campo das políticas sociais e não é só
com relação à Psicologia. Vários são os entraves
em vários níveis (gestão, financiamento, intersetorialidade, capacitação dos servidores, entre outros),
que são determinantes de certa indefinição dos rumos da política de saúde. Esta última precisa ser
garantida como uma política de Estado, e não de
governo, de forma que seu acesso seja, realmente,
um direito, e que se caminhe para a sua efetivação.
46 • Ciência Sempre 22
Para isso, é preciso reconhecer a responsabilidade
do estado (leia-se, um estado burguês) que gera as
condições de vida da população que padece em
uma situação de saúde precária, e cuja assistência
é fragmentada, interventiva e pouco eficiente. Para a
Psicologia, o trabalho na saúde pública exige, como
um primeiro passo, um reconhecimento de que há
limites claros na ciência psicológica produzida até
hoje e que é necessário avançar.
As inovações já existem, a exemplo da clínica
ampliada, dos trabalhos educativos em grupos, das
oficinas, dentre vários outros que vêm sendo desenvolvidos sob as bases teóricas e técnicas da Saúde
Coletiva. Contudo, são necessárias novas produções, em diferentes níveis, que levem os psicólogos
a conhecer aspectos do cotidiano das pessoas que
estão fora do escopo do que tradicionalmente pertence à Psicologia. Esses avanços requerem a apropriação de saberes de outros campos e um trabalho
efetivamente em parceria com outras profissões; requerem a invenção de novos conhecimentos. Essas
mudanças deverão refletir uma postura diferente da
que marca historicamente a atuação dos psicólogos.
Sobre Os autorEs
Isabel Fernandes de Oliveira é
doutora
Oswaldo Hajime Yamamoto é
doutor
Candida Maria Bezerra Dantas é
doutoranda
Mariana Cela é mestranda
Nívia Lúcia de Andrade Oliveira é
mestranda
Marília Noronha é mestranda.
Durante a vigência do projeto ora
apresentado, foi bolsista Iniciação
Científica do PROPESQ/UFRN)
Rafaela Lopes Araújo é mestranda.
Durante a vigência do projeto, foi
bolsista Iniciação Científica PROPESQ/UFRN e, após o término
desta, foi Bolsista FAPERN/CNPq)
Thamires Pinto (Bolsista FAPERN)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Sylara Silvério
Papilomavírus
humano (HPV) e sua
relação com o câncer
José Veríssimo Fernandes
O papilomavírus humano (HPV) é uma das causas mais comuns de infecções sexualmente transmisíveis entre homens e mulheres de todo o mundo, especialmente nas regiões menos desenvolvidas. Em virtude da alta frequência
com que esse vírus circula nas populações humanas, considera-se que a maioria
dos indivíduos sexualmente ativos vai adquirir a infecção por este patógeno em
alguma fase de sua vida.
Ciência Sempre 22 • 47
O HPV é um vírus epiteliotrópico, com genoma
de DNA de cadeia dupla circular, protegido por
um capsídeo com simetria icosaedra, sem a presença de envelope, formando uma partícula com
cerca de 55 nm. O genoma do HPV contém aproximadamente 8000 pares de bases e oito genes,
e está dividido em três regiões: uma sequência
não codificante, a região longa de controle (LCR),
que tem função reguladora da transcrição dos
genes virais; uma região precoce (E) composta
pelos E1, E2, E4, E5, E6 e E7, que condificam proteínas não estruturais envolvidas com replicação,
persistência e imortalização da célula; e uma região tardia (L), composta pelos genes L1 e L2 que
codificam, respectivamente, as proteínas estuturais L1 e L2, que juntas formam o capsídio viral.
Os produtos dos genes da região precoce são as
proteínas E1, E2, E4, E5, E6 e E7. As proteínas E6
e E7 têm papéis críticos no processo de carcinogênes que leva ao desenvolvimento dos cânceres
associados ao HPV.
Os HPVs são classificados com base na identidade das sequências de nucleótidos do gene
L1, nas características filogenéticas e potencial
patogênico, sendo enumerados pela ordem de
descoberta. Existem atualmente mais de 150 tipos de HPVs catalogados, dos quais cerca de 40
podem infectar as mucosas do corpo humano,
especialmente a do trato anogenital, e por isso
são conhecidos como HPVs genitais. Os HPVs
genitais podem ser ainda classificados como de
baixo ou de alto risco, de acordo com seu potencial carcinogênico.
O grupo de baixo risco abrange os HPVs dos tipos: 6; 11; 13; 40; 42; 43; 44; 54; 61;70; 72; 81 e 89,
os quais possuem baixo potencial carcinogênico e
estão associados com lesões benignas conhecidas
como verrugas anogenitais, e apresentam tendência muito reduzida de progressão para lesão maligna. Neste grupo destacam-se os HPVs 6 e 11 por
serem os mais frequentes em verrugas anogenitais
em qualquer parte do mundo. O grupo de alto risco
é composto pelos HPVs dos tipos 16; 18; 31; 33; 35;
39; 45; 51; 52; 56; 58; e 59. São considerados como
provavelmente de alto risco os HPVs dos tipos 26;
53; 66; 68; 73 e HPV 82. Além disso, existem outros
tipos de HPVs genitais cujo potencial carcinogênico
ainda não foi estabelecido, os quais são referidos
com de risco indeterminado.
Os HPVs de alto risco estão fortemente associados a lesões pré-malignas e malignas da cérvice
48 • Ciência Sempre 22
uterina, com destaque para os HPVs 16 e 18, que
juntos são responsáveis pela maioria dos casos de
câncer de colo do útero (CCU), estando também
associados, em menor proporção, com outros tipos
de cânceres, tais como: o de pênis, de ânus, vulva, de cabeça e pescoço, e contribuir com cerca de
40% dos cânceres orais. A distribuição geográfica
dos diferentes tipos de HPVs apresenta variações
nas taxas de prevalência para cada tipo, conforme
fatores geográficos, demográficos, clínico-patológicos, e com o método usado para detecção e tipagem. Contudo, o HPV16 é o tipo mais frequente
em qualquer parte do mundo, embora se apresente
com taxas de prevalências variáveis.
Hoje não existem mais dúvidas de que a infecção por HPVs de alto risco é causa necessária,
embora não suficiente, do CCU, um dos maiores
problemas de saúde pública em todo o mundo, notadamente nas regiões menos desenvolvidas, onde
a incidência é duas vezes maior que nas regiões industrializadas. O CCU é o terceiro tipo mais comum,
excluindo-se o câncer de pele não-melanoma, e a
quarta causa de morte por câncer entre mulheres
de todo o mundo. Estima-se que cerca de 500.000
novos casos de CCU são notificados a cada ano,
com cerca de 230.000 mortes, a maioria nas regiões
mais pobres.
No Brasil, de acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), o CCU é o segundo tipo
de câncer mais comum em mulheres, excluindo-se
o câncer de pele não melanoma. As taxas brutas de
incidência por 100.000 mulheres estimadas para o
ano de 2012 foram de 17 para o país como um todo,
18 para a região Nordeste e 14 para o Estado do Rio
Grande do Norte. A doença tem início a partir dos
20 anos de idade, e o risco aumenta gradualmente
com a idade, atingindo o seu pico nas mulherers
com idade entre 50 e 60 anos.
A história natural do CCU mostra que, do ponto
de vista epidemiológico, ele se comporta como uma
doença sexualmente transmissível, apresentando
inclusive, os mesmos fatores de risco. Apesar da
alta incidência, o CCU se destaca como uma das
neoplasias malignas que apresentam maior potencial de prevenção e cura. Isso se deve à sua natureza infecciosa, o que permite fazer a prevenção
primária por meio da vacinação. Além disso, a sua
evolução lenta, passando por vários estágios, facilita a prevenção secundária pelo diagnóstico precoce e tratamento das lesões precursoras antes que
elas progridam para a forma maligna.
Sylara Silvério
A forma mais simples e viável de se fazer o
rastreamento para o controle do CCU é a análise
periódica de um esfregaço de células descamadas
do epitélio da cérvice uterina corado pelo método
de Papanicolaou. Este exame permite visualizar alterações celulares causadas pelo HPV e, por ser um
procedimento indolor, de fácil execução e baixo custo, permite a sua realização em larga escala, sendo
o método mais indicado na prevenção do CCU nos
países menos desenvolvidos.
No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda
que as mulheres na faixa etária de 25-64 anos façam este exame anualmente, ou pelo menos uma
vez a cada três anos nas mulheres que tiveram dois
exames consecutivos com resultados normais, realizados com intervalo de um ano. Contudo, a cobertura do exame citológico de Papanicolaou não
tem alcançado os índices desejados (um mínimo
de 80%). Estima-se que cerca de 40% das mulheres
brasileiras nunca fizeram o exame ou o fizeram, mas
não com a frequência recomendada. Isto se deve a
vários fatores, dentre os quais se destaca a dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Contudo, a
falta de conhecimento sobre o CCU e os benefícios
do exame para a saúde da mulher, contribui para a
baixa adesão ao programa de rastreamento da doença no nosso país.
A história natural da infecção pelo HPV mostra que ela é mais prevalente em adolescentes e
adultos jovens, nos quais a atividade sexual é mais
intensa, observando-se uma redução nas taxas de
prevalência com o aumento da idade, provavelmente devido ao desenvolvimento de uma resposta imune contra o vírus e/ou a redução da atividade sexual.
Estudos mostram que adolescentes do sexo feminino se constituem um grupo vulnerável às infecções
por agentes sexualmente transmissíveis, incluindo o
HPV. As constantes mudanças no epitélio da cérviCiência Sempre 22 • 49
Sylara Silvério
ce uterina parece aumentar a vulnerabilidade para
ruptura da integridade da barreira epitelial, facilitando a invasão por patógenos. Estas conversões
metaplásicas do epitélio são influenciadas pela
acidificação do pH vaginal e por traumas causados pela atividade sexual. Acredita-se que o epitélio
metaplásico esteja associado com uma produção
desregulada de receptores, moléculas de adesão e
mediadores solúveis da resposta inflamatória, tais
como citocinas, quimiocinas, prostaglandinas e fatores de crescimento. Essas moléculas podem não
apenas exercer influência na diferenciação epitelial,
mas pode também alterar a resposta imune antiviral
local, favorecendo o estabelecimento do HPV.
Entre os fatores que podem aumentar o risco de
infecção pelo HPV, inclui-se a dinâmica da atividade da zona de transformação do epitélio da cérvice
uterina, que se encontra com sua fisiologia alterada devido a metaplasia escamosa ativa. A pequena espessura do epitélio colunar nas adolescentes
parece torná-las mais vulneráveis, porque permite o
acesso do vírus às células da camada basal através
50 • Ciência Sempre 22
de uma ferida ou abrasão. Esta imaturidade relativa
do epitélio do trato genital aumenta a sua propensão a traumas e inflamação, o que provavelmente
facilita a infecção.
Além das mudanças físicas, biológicas, emocionais e psicológicas experimentadas pelas mulheres
adolescentes, também existem os comportamentos de risco para a sua saúde. As maiores taxas de
prevalência e incidência da infecção pelo HPV nas
adolescentes sexalmente ativas se devem, provavelmente, ao comportamento sexual e vulnerabilidade biológica. Os riscos são maiores durante os
primeiros três anos de vida sexual ativa, ocorrendo
muitas vezes a aquisição da infecção nos primeiros
18 meses após a menarca. Os comportamentos de
risco e/ou vulnerabilidade biológica, tornam as adolescentes mais vulneráveis não apenas a infecção
pelo HPV, mas também para a ocorrência da persistência viral.
Contudo, ao mesmo tempo em que estão sob
maior risco de adquirir a infecção pelo HPV, as
adolescentes apresentam maior facilidade para
se curar dessas infecções. Estudos longitudinais
mostraram que quase todos os casos de infecção
por HPV de baixo risco e dois terços das infecções
por HPV de alto risco em adolescentes foram erradicadas no período de 24 meses, comprovado
por meio de testes repetidamente negativos para
HPV. Foi visto ainda que 92% dos casos de lesões de baixo grau em adolescentes regrediram
no prazo de 36 meses sem qualquer tratamento,
e apenas 3% dos casos evoluíram para lesões
de alto grau. Considerando-se que a maioria das
mulheres jovens que tiveram testes positivos para
HPV por vários anos não desenvolveram lesões
de alto grau, é provável que outros fatores, além
da de persistência viral, sejam importantes para a
progressão das lesões.
O HPV infecta inicialmente as células estaminais do epitélio da cévice uterina, as quais ao
se dividirem, passam uma cópia do genoma viral para as células filhas e estas, ao iniciarem o
processo de diferenciação, ativam a expressão
dos genes do vírus e inicia a replicação viral, que
é dependente do grau de diferenciação celular.
Deste modo, a montagem das partículas virais e
liberação dos vírions só vão ocorrer nas camadas
superiores do epitélio, onde as células atingiram
o grau máximo de diferenciação. Como ao completar o processo de diferenciação as células do
epitélio da cérvice uterina sofrem descamação, os
vírus produzidos são eliminados juntamente elas.
Assim, se a pessoa possui uma resposta imune
capaz de eliminar a célula basal que está infectada, ocorre a cura. Se, no entanto, a resposta imune apresentar alguma falha e essa célula não for
eliminada até no período máximo de dois anos, a
cura não ocorre mais, e este individuo desenvolve
a infecção persistente.
Durante a fase aguda da infecção pelo HPV, o
vírus se replica ativamente no epitélio da cérvice
uterina, podendo provocar lesões caracterizadas
como neoplasias intraepiteliais cervicais (NICs)
de grau leve (NIC-1), ou moderado (NIC-2) que,
na maioria das vezes, regridem espontaneamente, havendo resolução completa e eliminação do
vírus. Assim, na maioria dos casos, a infecção pelo
HPV é transitória, de pouca expressão clínica, e
cura sem qualquer tratamento. Contudo, em uma
parcela dos indivíduos as lesões regridem, mas
o vírus permanece latente em algumas células da
camada basal do epitélio, o que caracteriza a infecção persistente.
Na infecção persistente por HPVs de alto risco, o vírus pode se manter em estado de latência
por um longo período, sem apresentar qualquer
lesão ou manifestação de sintomas. Eventualmente, o vírus é reativado e volta ao ciclo produtivo. A
retomada da replicação viral no epitélio da cérvice
uterina leva ao desenvolvemento de lesões, inicialmente, NIC-1 e NIC-2, que ainda podem regredir
sem tratamento. No entanto, em algumas mulheres com NIC-2 a lesão progride para neoplasia intraepitelial cervical severa (NIC-3) que, se não for
tratada, evolui para câncer invasivo. Essa progressão se dá nos casos em que, durante o estágio
de NIC-2, ocorre a integração do DNA do vírus ao
genoma da célula, que representa o evento chave
da progressão para as lesões graves, incluindo as
malignas. Após a integração do vírus ao DNA célula, não haverá mais produção de vírus, mas ocorre
a perda do controle da expressão dos genes virais. Isso leva a uma superexpressão dos genes
E5, E6 e E7, cujos produtos irão desencadear alterações nas células infectadas, ativando mecanismos que resultam em descontrole do ciclo celular.
Isso acarreta instabilidade genômica na célula, o
que aumenta o risco de ocorrência e acúmulo de
mutações e, por consequência, de sofrer transformação maligna .
Desde o ano de 2004, nosso grupo se dedica a
estudar a prevalência do HPV em mulheres do Estado do Rio Grande do Norte, visando compreender a dinâmica da infecção por esse patógeno na
população feminina local, no sentido de contribuir
para a definição de políticas públicas voltadas para
a sua prevenção. Analisamos casos da infecção
genital pelo HPV em mulheres com citologia normal e com lesões da cérvice uterina de diferentes
graus, incluindo câncer. Foram encontradas taxas
globais de prevalência da infecção pelo HPV de
24,5% em mulheres com citologia normal, 58,5%
naquelas com lesões de baixo grau, 77,6% nas
que tinham lesões de alto grau, e de 87.8% nas
mulheres com câncer.
A maioria das mulheres infectadas que apresentava citologia normal ou lesão de baixo grau
tinha menos de 35 anos. Dentre as mulheres
com lesão de alto grau, a maioria tinha mais de
35 anos de idade. As maiores taxas de prevalência da infecção pelo HPV foram observadas nas
mulheres solteiras, tanto naquelas com citologia
normal, quanto nas que tinham lesões de baixo ou
de alto grau. Além disso, o HPV16 foi o tipo mais
Ciência Sempre 22 • 51
prevalente, independentemente da existência ou
não de lesão e do grau em que elas se apresentavam, seguido dos HPVs 18 e 58. Foi observada,
ainda, uma associação significativa entre HPV58
e lesões de baixo grau e entre HPVs 16 e 18 e
lesões de alto grau. A ocorrência de lesões de
alto grau mostrou-se associada, também, com a
idade mais avançada, o início precoce da atividade sexual, o relacionamento sexual com múltiplos
parceiros e tabagismo.
Quando se comparou mulheres com citologia
normal com aquelas que tinham alguma alteração
da cérvice uterina atribuída ao HPV, mas sem especificar o tipo de lesão, constatou-se que a infecção
por HPVs de alto risco aumentou quatro vezes o risco de ocorrência de lesão. O HPV16 foi o tipo mais
prevalente e o que apresentou maior risco de lesão,
seguido pelo HPV58. A ocorrência de lesões induzidas pelo HPV foi maior entre as mulheres solteiras
e naquelas que tiveram múltiplos parceiros sexuais
ao longo da vida. A infecção simultânea por mais
de um tipo de HPV foi encontrada com maior frequência nas mulheres que apresentavam alterações
citológicas, e a combinação mais frequente foi entre
o HPV56 + HPV57.
Comparando-se mulheres com citologia normal e com CCU, observou-se que a maioria das
mulheres com citologia normal que se apresentaram infectada pelo HPV tinha até 30 anos de idade,
era de etnia branca, casada, teve apenas um parceiro sexual e era não fumante. Entre as mulheres
com câncer, a maioria tinha mais de 40 anos, era
de etnia não branca, casada, teve múltiplos parceiros sexuais ao longo da vida e era fumante.
A presença de HPVs de alto risco foi fortemente
associada ao CCU. Constatou-se, ainda, que o risco de CCU era maior nas mulheres com mais de
50 anos, de etnia não branca, e que tiveram o primeiro intercurso sexual e a primeira gestação com
idade entre 14 e 17 anos. Foi observado, também,
que os HPVs dos tipos 16, 18 e 58 apresentaram
associação significativa com a ocorrência de CCU.
A infecção simultânia por HPV16 + HPV58 também
aumentou o risco para a doença. A distribuição
dos tipos de HPVs de alto risco, por ordem decrescente de prevalência foi HPV16 (58,5%), HPV58
(14,15), HPV18 (10,1%), HPV31 (5,8%), HPV45
(5,1%), HPV56 (4,3%) e HPV33 (3,6%).
Estudos mostram que as taxas de prevalência dos diferentes tipos de HPVs variam de acordo com a localização geográfica, características
52 • Ciência Sempre 22
sócio-demográficas da população, gravidade das
lesões e com o método utilizado para detecção
e tipagem. Contudo, o HPV16 é o tipo mais prevalente, em qualquer parte do mundo, independentemente dessas variáveis. Para os outros tipos
de HPVs, variações significativas são encontradas
nos perfis de distribuição por ordem de prevalência nas diferentes populações e localizações
geográficas. O conhecimento dos tipos de HPVs
mais prevalentes em uma deterninada região é de
fundamental importância para a análise do custo
benefício da implantação de programas de vacinação contra HPV, bem como para estimar o impacto esperado em termos de redução da incidência das doenças associadas ao HPV na população
após a vacinação.
Atualmente estão disponíveis duas vacinas
contra HPV. Uma bivalente para HPV16 e 18, que
são os tipos mais comuns nos casos de câncer, e
uma quadrivalente para os HPVs 6, 11, 16 e 18 que
contempla os dois tipos mais comuns, em verrugas anogenitais, e os dois mais comuns no CCU.
Considerando-se que os HPVs 16 e 18 juntos são
responsáveis por cerca de 70% dos casos de CCU,
deduz-se que embora seja muito eficiente, a vacina bivalente não protege contra todos cânceres
associado ao HPV. O mesmo raciocínio vale para a
vacina quadrivalente, mas com uma diferença: ela
também induz proteção para a maioria dos casos
de verrugas anogenitais. Portanto, nenhuma das
duas vacinas induz proteção total contra as doenças associadas ao HPV. Além disso, essas vacinas não oferecem proteção contra a reativação
do vírus nas pessoas que já tinham sido infectadas
antes de ser vacinada e são portadoras do vírus na
forma persistente.
Vale salientar que, embora as vacinas contra
HPV sejam capazes de induzir imunidade protetora contra os tipos do vírus que entram na sua
composição em virtualmente todos os indivíduos
vacinados, essa proteção é limitada para os tipos
de HPVs que não estão incluídos. Diante disso, é
importante enfatizar que, mesmo se sabendo da
eficiência das vacinas, é importante que as mulheres vacinadas continuem fazendo o teste de rastreamento do CCU. Por outro lado, as altas taxas
de prevalência do HPV58 encontradas em vários
estados do Brasil indicam que seria importante a
inclusão desse tipo de HPV na composição de futuras vacinas, especialmente aquelas direcionadas
para as mulheres brasileiras.
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Sobre O autorE
José Veríssimo Fernandes é doutor em Microbiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro;
professor associado do Departamento de Microbiologia e Parasitologia da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte e coordenador da pesquisa.
Magda Dimenstein
1. Pesquisa aprovada pelo CEP/
HUOL (protocolo 330/09) e financiada pelas agências de fomento
CNPq (Edital Ciências Humanas
e Sociais/2010) e FAPERN
(PPSUS III).
Introdução
O presente trabalho versa sobre a pesquisa
Rede de Atenção Integral à Crise e Estratégias
de Acolhimento com Classificação de Risco em
Saúde Mental 1 desenvolvida nas instituições de
saúde do município de Natal. No Brasil, o desafio
posto atualmente está não só na desconstrução
do paradigma manicomial que sustenta as práticas
de atenção em saúde mental, mas especialmente,
na reorganização de uma rede de cuidados a partir
de uma articulação da rede SUS como um todo e,
nesse sentido, o CAPS III, os hospitais gerais e de
emergência, bem como o Serviço de Atenção Móvel
de Urgência/SAMU e Pronto-Atendimentos/UPAs,
têm lugar de destaque.
A Organização Mundial da Saúde/OMS, na
65a Assembleia Mundial de Saúde, ocorrida em
maio de 2012, reconheceu que além dos danos
à saúde provocados pelas doenças crônicas não
transmissíveis, como os transtornos mentais, há
consequências sociais e econômicas de longo
alcance. Nesse contexto, a atenção à crise
psiquiátrica ganha bastante relevo. Diversos
países têm se preocupado em elaborar propostas
Ciência Sempre 22 • 53
Sylara Silvério
Rede de atenção integral
à crise e estratégias
de acolhimento
com classificação
de risco em
saúde mental
de intervenção para esses momentos críticos por
considerar que a rapidez da atenção e a forma de
manejo dessas situações são decisivas para dar
uma resposta eficaz e assim evitar hospitalizações,
sofrimento e, por consequência, cronificação.
Dessa forma, o tipo de abordagem dirigida à
crise pode ser um fator de proteção se “ayudar
al paciente a estabilizar y reajustar su situación
psicopatológica y a posibilitar la recuperación de
su nivel de funcionamento” (s/n) 2.
Conforme a Política Nacional de Saúde Mental
move-se em direção ao fornecimento de cuidados
integrais a usuários em sofrimento psíquico
agudo, tornam-se necessários a ampliação dos
entendimentos acerca da crise psiquiátrica e a
elaboração de formas eficazes para seu manejo
nos hospitais gerais e de emergência, ProntoAtendimentos, CAPS III e SAMU. Nesse sentido,
ETAPAS DA COLETA DE DADOS
realizamos uma pesquisa com o intuito de investigar
a configuração e funcionamento da rede assistencial
de atenção à crise psiquiátrica em Natal. Tal
estudo buscou identificar os fatores associados às
barreiras em termos de implantação e expansão
dessa rede que envolve CAPS III, SAMU, ProntoAtendimentos, Leitos de atenção integral em saúde
mental em hospitais gerais e de emergência, bem
como a relação desses dispositivos com o Hospital
Psiquiátrico João Machado. Além disso, identificar
os modos de acolhimento atuais dados ao paciente
psiquiátrico nos diversos serviços que compõem
a rede local. Participaram da investigação 137
profissionais de saúde (16 gestores e 121 técnicos)
vinculados aos CAPS, Serviço de Atendimento
Móvel de Urgência (SAMU), Unidades de ProntoAtendimento (UPA), Hospitais Gerais e Hospital
Psiquiátrico, assim distribuídos:
SERVIÇOS PESQUISADOS
ENTREVISTAS
REALIZADAS
(n = 137)
ETAPA I (n = 63)
Serviços da rede substitutiva de
saúde mental
01 CAPS III,
01 CAPS II/Oeste
01 CAPS ad/Norte
01 CAPS ad/Leste
27
13
12
11
ETAPA II (n = 41)
Rede de Pronto-Atendimento 3
e SAMU
UPA- Pajuçara
UPA- Mãe Luísa
UPA- Satélite
SAMU
12
11
12
06
ETAPA III (n = 33)
Rede hospitalar de urgência e
emergência e Hospital psiquiátrico
Hosp. Universitário Onofre Lopes/HUOL
Hosp. Pedro Bezerra/Santa Catarina
Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel
Hosp. Psiquiát. Dr. João Machado/HJM
09
10
05
09
PERFIL DOS técnicos E GESTORES de
saúde participantes da investigação
A maioria dos nossos participantes é de
mulheres, jovens, com média de idade entre 33
e 40 anos, concursada e com vários vínculos
empregatícios. Estudos nacionais 4 demonstram
que a saúde pública tem se tornado um espaço
de concentração de trabalho feminino e
assalariado 5. Ou seja, temos observado no país
uma feminização do cuidado em saúde, bem
como o fato do trabalho assalariado se constituir a
54 • Ciência Sempre 22
principal forma de inserção de muitas categorias,
dentre as quais destacamos a enfermagem e a
psicologia, tradicionalmente femininas. Esses
estudos também mostram que pelo fato da
precariedade ter sempre estado associada ao
trabalho feminino, nota-se que questões como
remuneração, condições de trabalho, dentre
outras, apresentam-se problemáticas quando se
trata da saúde pública. Em função disso, observase a busca por mais de um vínculo de trabalho,
de forma a garantir uma remuneração considerada
justa e adequada às necessidades.
2. Plan de Atención Social a
personas con enfermedad mental
grave y crónica. Comunidad de
Madrid. http://www.madrid.org/cs/
Satellite?blobcol=urldata&blobh
eader=application%2Fpdf&blob
headername1=Content-Disposit
ion&blobheadervalue1=filename
%3DPresent + Resumen + EVA
LUACION+FINAL+PLAN+AT+
SOC+2003+2007.pdf&blobkey
=id&blobtable=MungoBlobs&bl
obwhere=1271763073967&ssbi
nary=true
3. UPA – Unidade de Pronto
Atendimento: são estruturas
intermediárias entre atenção primária e hospitais em municípios
maiores.
4. Brito, Jussara Cruz de. (2000).
Enfoque de gênero e relação
saúde/trabalho no contexto
de reestruturação produtiva e
precarização do trabalho. Cadernos de Saúde Pública, 16(1),
195-204. Recuperado em 16 de
setembro de 2012, de http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0102-311X2000
000100020&lng=pt&tlng=pt.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2000000100020.
Silva, Amanda Aparecida,
Rotenberg, Lúcia, & Fischer,
Frida Marina. (2011). Jornadas
de trabalho na enfermagem:
entre necessidades individuais e
condições de trabalho. Revista
de Saúde Pública, 45(6), 11171126. Recuperado em 16 de
setembro de 2012, de http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0034-89102011000600014&lng=pt&tl
ng=pt. http://dx.doi.org/10.1590/
S0034-89102011000600014.
LUIZ, Ronir Raggio; BAHIA, Lígia.
Renda e inserção profissional
dos médicos brasileiros após
instituição do Sistema Único de
Saúde. Rev. Saúde Pública, São
Paulo, v. 43, n. 4, ago. 2009.
Disponível em <http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_
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t&nrm=iso>. acessos em 16
set. 2012. Epub 17-Jul-2009.
http://dx.doi.org/10.1590/S003489102009005000045.
5. Lopes, Marta Júlia Marques, &
Leal, Sandra Maria Cezar. (2005).
A feminização persistente na qualificação profissional da enfermagem brasileira. Cadernos Pagu,
PRINCIPAIS ACHADOS DA INVESTIGAÇÃO
1. Configuração e Funcionamento da Rede de
Atenção à Crise Psiquiátrica
Há na capital potiguar uma concentração dos
componentes que compõem a rede de atenção à
crise em uma área determinada da capital: zona
leste. Essa área é a menos populosa de Natal, a
que apresenta melhores condições de infraestrutura
urbana, transporte, de saneamento básico, índices
epidemiológicos, serviços de saúde público e privados, ou seja, é a que é ocupada pelas classes
média-alta e alta de Natal. Isso tem consequências
importantes. A modelagem das redes de atenção à
saúde, segundo Mendes (2007)6, precisa levar em
consideração alguns elementos. Em primeiro lugar,
deve-se ter clara a população usuária, em seguida,
os serviços disponíveis e, por fim, o modelo de atenção à saúde que articula pessoas e equipamentos.
Para esse autor, é necessário utilizar variáveis como
perfil demográfico e epidemiológico da população
para a definição do modelo de atenção e para a estruturação das redes de atenção à saúde.
A configuração observada em Natal demonstra
alguns pontos de estrangulamento. Em primeiro lugar, há um reduzido número de serviços que prestam
atenção à crise psiquiátrica. Segundo, a estruturação
da rede não levou em conta o perfil demográfico e
epidemiológico da população para a abertura dos
serviços substitutivos em saúde mental e das UPAS.
Assim, a localização geográfica de quase todos os
serviços dificulta o acesso para a maioria dos usuários que frequenta os serviços de saúde mental
do SUS, os quais são oriundos, principalmente, da
zona norte da cidade. Isso significa que se trabalha
por oferta e não de acordo com as necessidades da
população, aspecto que vai totalmente de encontro
ao princípio de construir redes integradas, solidárias,
responsivas e resolutivas. Em terceiro lugar, não existem de unidades de saúde tipo CAPS III nas demais
regiões da cidade, deixando essa população sem
retaguarda, obrigada a recorrer ao hospital psiquiátrico, que é o centro de comunicação da rede e concentra as demandas de todas as áreas da cidade.
Mesmo com a existência de um hospital geral e uma UPA na zona norte, esses serviços não
atendem situações de crise psiquiátrica como deveriam operar, redirecionando os casos para o HJM.
A função de atendimento dos casos graves e das
crises pelos CAPS II, ainda não foi incorporada ou
não tem o consenso em muitos locais e serviços. Se
as redes são constituídas para produzir resultados
sanitários, funcionando de acordo com um sistema
lógico, com a situação demográfica e epidemiológica, nota-se que o desenho em curso em Natal, tem
produzido resultados insatisfatórios.
Outro aspecto identificado é que há problemas
com relação às definições das demandas atendidas
por cada um, sobretudo no tocante à diferenciação
entre “dependência química” e “transtorno mental”,
bem como em relação à territorialidade no sentido
puramente geográfico. Identificamos, portanto, três
grandes problemas na articulação entre esses serviços: 1) Falta de acordos no sentido do que deve
ou não ser encaminhado pelo SAMU para o CAPS
III; 2) Falta de acordos acerca do encaminhamento
do usuário que não possui informações, contato ou
presença de familiares; 3) Equívocos em relação ao
aspecto territorial.
Tais questões implicam em restrição da demanda e consequente fragmentação das respostas.
Detectamos propostas terapêuticas desconectadas entre si e não eficazes no acolhimento e sustentação da crise. Quais as consequências disso?
O CAPS III, único em Natal, não atende a cidade
como um todo, apenas os distritos leste e sul, além
dos usuários do CAPS Oeste. Assim, não há atendimento de urgência para residentes do Distrito Norte,
parte da população que mais busca os serviços de
atenção à crise. Para eles resta o atendimento na
Unidade de Pronto-atendimento deste distrito e o
próprio Hospital Psiquiátrico. Além disso, os casos
de abuso de álcool e outras drogas são encaminhados para o CAPSad, em função da diferenciação entre esses casos e os de transtornos mentais
graves e persistentes. Nota-se, dessa forma, que há
no CAPS III uma restrição importante em relação à
demanda que pode ser atendida.
Logo, o lugar que a crise psiquiátrica ocupa na
assistência revela uma crise nela própria no sentido
de confrontar o limite de cada serviço em responder
de forma resolutiva e eficiente a algo que demanda
a criação de uma complexidade de instrumentos e
ações por parte das equipes. Em outras palavras,
observamos que o Hospital Psiquiátrico é o ponto
de atenção mais requisitado da rede. Ele recebe casos oriundos de todos os outros serviços, na maior
parte das vezes através do SAMU. O CAPS III, que
deveria estar fortalecido nessa rede, ainda não tem
conseguido atender uma demanda considerável
de casos de urgência e produzir uma assistência
(24), 105-125. Recuperado em 16
de setembro de 2012. http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0104-83332005000100006&lng=pt&
tlng=pt.
http://dx.doi.org/10.1590/S010483332005000100006.
6. Mendes, E.V. (2007). Modelagem das redes de atenção à
saúde. Belo Horizonte: secretaria
de Estado de Saúde de Minas
Gerais.
http://www.saude.es.gov.br/
download/A_MODELAGEM_DAS_
REDES_DE_ATENCAO_A_SAUDE.pdf
Ciência Sempre 22 • 55
diferenciada, com curta internação e continuidade
de cuidados. Atuar como principal porta de entrada
para casos de crise e diminuir o número de internações, iniciando um processo paulatino de substituição do hospital psiquiátrico, ainda não é uma
realidade no município de Natal. O CAPS III tem
conseguido, no máximo, ser uma estrutura acoplada ao hospital psiquiátrico, diminuindo sua superlotação e, portanto, colaborando na disponibilização
de vagas. “Convivem com a internação, sem substituí-la, e acabam por confirmar sua necessidade”
(Costa, 2007, p.97).
Em relação ao cuidado prestado pelo SAMU,
observamos que há uma enorme resistência em
atender os casos de pessoas em sofrimento mental
agudo e, atrelado a isto, há em geral a utilização
corrente de procedimentos que trazem a marca dos
métodos clássicos empregados costumeiramente
pelos hospitais psiquiátricos, bastante semelhantes à tortura, como a imobilização mecânica usada
como punição. Em Natal, para atender urgências
psiquiátricas, foi criada uma equipe específica para
atender casos de saúde mental, ao invés de qualificar a equipe já existente no SAMU. Entretanto,
funciona em horário (apenas à noite e em finais de
semana) e em condições restritas (número reduzido
de ambulâncias).
2. Formas de acolhimento e cuidado ao usuário
em crise
Em relação ao acolhimento ao usuário em crise
psiquiátrica confirmamos a ausência de condutas
claras e distribuição de responsabilidades na rede,
contrariando todas as diretrizes internacionais. Percebemos diferenças no modo de conceber e realizar o acolhimento à crise psiquiátrica nos diferentes
serviços pesquisados, seja em função do perfil do
serviço, seja em função do papel que este desempenha na rede de saúde local. Nos CAPS II, o discurso da crise como uma situação que necessita
de cuidados médicos intensivos justifica a conduta
de não receber usuários em crise principalmente se
ainda não é usuário do serviço.
Tanto nos pronto-atendimentos quanto nos
hospitais gerais, os usuários em crise psiquiátrica são sempre vistos como aqueles que geram
tumulto no ambiente e na própria equipe, precisam de mais atenção, gerando a necessidade
de um profissional para uma observação mais
56 • Ciência Sempre 22
constante. Predomina o discurso de que o pronto-atendimento não é o local ideal para o atendimento da crise psiquiátrica por não contar com
um especialista dessa área, dispor de poucos
medicamentos injetáveis e de local adequado
para o atendimento. A conduta é baseada, sobretudo, na contenção e sedação para estabilizar
a pessoa de forma imediata para posterior encaminhamento. Os vários serviços de urgência de
hoje herdaram a herança manicomial dos hospitais psiquiátricos, especialmente no que diz respeito à organização do trabalho e das condutas
terapêuticas centradas na figura do psiquiatra.
Assim como nas unidades de pronto-atendimento, nos hospitais gerais não há atendimento apropriado à crise psiquiátrica. O fato dos hospitais
não se responsabilizarem pelo manejo da crise
aponta para problemas da rede assistencial local
em relação às propostas da Política Nacional de
Saúde Mental, embora não destoem da realidade
nacional. A escassez de estudos acerca de modalidades de atenção às urgências/emergências
psiquiátricas denota uma histórica negligência
que o processo de reorientação da assistência
designou aos usuários em situação de crise (Barros et al, 2010). Não houve, no caso específico
das emergências, uma preocupação em formar
equipes e espaços de atendimento agregados a
serviços de saúde pública e consoantes aos princípios da reforma, tampouco integrados aos serviços extra hospitalares, relegando os usuários
em crise às unidades de emergência localizadas
em hospitais psiquiátricos.
Já os hospitais gerais, que deveriam atender urgência das mais variadas especialidades, não o fazem porque primeiramente não possuem estrutura
mínima que garanta o suporte à crise. Em segundo
lugar, porque há o entendimento pelos profissionais
de que tais recursos não devem se destinar ao acolhimento integral e intensivo de crise. Por fim, não há
na política de saúde mental local um planejamento de rede que reoriente as urgências psiquiátricas
para esses lugares, os quais deveriam ser dotados
de Leitos de Atenção Integral específicos para a
saúde mental.
3. Critérios diagnósticos para a crise psiquiátrica
Não há, dentre os profissionais dos hospitais
investigados, concordância quanto à definição de
crise. Observa-se que os modos de reconhecimento dos quadros de urgência psiquiátrica derivam
das diferentes definições de crise assumidas na
prática de cada profissional. Apresentar grave sintomatologia psiquiátrica foi o ponto destacado pelos profissionais como critério de definição da crise
psiquiátrica, concepção que redunda em formas
de acolhimento que visem à atenuação de episódios agressivos e de agitação psicomotora.
Observou-se a ausência nos serviços investigados de protocolos organizados de atenção à crise.
Há poucas concordâncias nas respostas obtidas
quanto às formas de acolhimento, os critérios diagnósticos para identificação dos quadros de agudização do sofrimento psíquico e a aferição dos riscos apresentados pelos usuários com transtornos
mentais. Além disso, a maioria dos entrevistados
relata a necessidade do médico como figura essencial para fazer a avaliação da crise psiquiátrica e
decidir quais condutas serão realizadas, indicando
a presença de referências próprias ao modelo asilar
em que o médico é o protagonista da atenção em
detrimento da atenção em equipe interdisciplinar.
De modo geral, também fica evidente a resposta
padronizada diante da crise tão distinta em cada
usuário e a cada momento, sem que esteja explicita a existência de um protocolo específico para a
conduta.
4. dificuldades apontadas pelos profissionais
• Serviços substitutivos: falta de capacitação continuada e de supervisão. Além disso, muitos profissionais são contratados sem qualquer contato
prévio com a saúde mental.
• Nas UPAs, a chegada do usuário em crise psiquiátrica gera tumulto no ambiente e na própria equipe. Há carência de recursos materiais, os quais
contemplam desde leitos que permitam contenção até medicamentos psicotrópicos.
• Em relação ao HJM, a quantidade de internações
realizadas ultrapassa a capacidade de atendimento do hospital, produzindo um descompasso, que
vem se ampliando continuamente, na adequação dos recursos humanos e materiais às crescentes solicitações de internação. As insalubres
condições de tratamento que daí decorrem são
apontadas por todos os entrevistados: pacientes
são internados em leitos-chão e na ausência de
equipamento apropriado, utilizam-se lençóis rasgados na contenção; no pronto-socorro o número de técnicos é desproporcional ao de pacientes
(cabendo a 3 ou 4 profissionais o cuidado de 70
pessoas em intensa fragilidade subjetiva); os leitos não contam com aparelhagem requerida aos
demais hospitais para o atendimento emergencial
de intercorrências clínicas; inexiste local para a
acomodação dos acompanhantes, e o pouco e
desorganizado espaço dificulta a circulação.
• Os hospitais gerais indicam a falta de recursos e
condições de segurança requeridas ao tratamento e à realização dos procedimentos emergenciais de contenção.
• Em toda a rede falta capacitação e treinamento
profissional para qualificar o trabalho frente aos
casos de crise psiquiátrica. Há dificuldades no
emprego adequado das técnicas de contenção e
na condução emergencial em termos farmacológico. Não há conhecimento acerca dos critérios
clínicos para o diagnóstico e caracterização dos
quadros psicopatológicos, bem como sobre etiologia, disfunções decorrentes, possíveis efeitos
comórbidos e prognósticos.
Considerações Finais
O cenário atual da assistência em saúde mental
no país, de forma geral, revela os seguintes problemas: (1) dificuldades na integração social da população com transtornos mentais graves e crônicos; (2)
sobrecarga de atribuições, acompanhada da consequente deterioração dos vínculos de cuidado produzida nas famílias que deveriam receber os egressos
pela falta de preparo prévio e suporte comunitário; (3)
insuficiente repasse de recursos financeiros, humanos e materiais para o desenvolvimento satisfatório
da rede substitutiva e dos leitos de atenção integral
em hospitais gerais, somado à falta de capacitação das equipes de saúde e à baixa interação dos
serviços comunitários e hospitalares de assistência
com os setores culturais, políticos e educacionais da
sociedade.
Tais fatos vêm produzindo espaços lacunares
na atenção ao usuário em crise, vazios para os
quais a principal resposta da rede de saúde, especialmente em Natal, tem sido o encaminhamento ao
hospital psiquiátrico. As dificuldades de fechamento de hospitais psiquiátricos no país devem-se, em
grande parte, à ineficiência de serviços que deem
suporte à crise. Assim, os manicômios continuam
ocupando um lugar central em função na inexistência desses dispositivos e tendo sua existência justificada socialmente.
Ciência Sempre 22 • 57
58 • Ciência Sempre 22
rante e após episódio de crise e hospitalização.
Portanto, a precariedade e desarticulação da rede assistencial em saúde mental no
município são uma evidência e um problema
com o qual precisamos nos preocupar e investir na formulação de estratégias visando
à efetivação dos princípios da integralidade,
resolutividade, a intersetorialidade das políticas e uma atuação territorial. Isso nos leva a
concluir que Natal não apresenta, no momento, “capacidade de responder às situações de
crise e demandas emergenciais - dependente
de uma boa articulação da SM com os demais
serviços de saúde, especialmente de urgência e emergência e a presença efetiva de leitos
de atenção integral em saúde mental (LAISM
– CAPS III, HG, emergência em HG) - além de
integração eficaz com rede de suporte social”
(MS, 2009, p.25)8.
7. Estratégia de Saúde da Família
e Núcleo de Apoio à Estratégia de
Saúde da Família
8. Brasil. Ministério da Saúde
(2009). Secretaria de Atenção à
Saúde. Saúde mental no SUS:
acesso, eqüidade, qualidade. Desafios para consolidar a mudança
do modelo. Relatório de gestão
2008. Coordenação Nacional de
Saúde Mental, Álcool & Outras
Drogas. Brasília, janeiro de 2009
(versão preliminar 1, fechada em
09/01/2009). 58p.
http://portal.saude.gov.br/portal/
arquivos/pdf/relatorio_gestao_
sas_2008.pdf
Sobre a autora
Magda Dimenstein é professora
Titular da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte/UFRN. Está
vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia/UFRN,
orientando alunos de Mestrado e
Doutorado. Bolsista 1B do CNPq.
É membro do GT/ANPEPP - Políticas de Subjetivação e Invenção
do Cotidiano.
Sylara Silvério
Hoje, em Natal, dispomos de uma Rede de
Atenção Psicossocial/RAPS claramente precarizada. A pesquisa mostrou que há diversos pontos de
estrangulamento na rede local, a saber:
a. Número limitado de serviços que atendem urgências psiquiátricas;
b. Número restrito de leitos de atenção integral nos
hospitais gerais;
c. A estruturação da rede local não levou em conta
o perfil demográfico e epidemiológico da população para a abertura dos serviços substitutivos em
saúde mental e das UPAS;
d. Há concentração de serviços no Distrito Sanitário
Leste da cidade;
e. A rede local de atenção à crise está constituída
fundamentalmente pelo CAPS III, SAMU e Hospital
Psiquiátrico. Apesar da expansão observada na
cobertura do CAPS III fica evidente que o HJM é
o polo mais forte, reforçando a atual configuração
hospital-centrada. Esse quadro se agrava pela falta de co responsabilização dos CAPS II, CAPSad e
UPAs que trabalham na lógica do encaminhamento para o HJM via SAMU ou familiares;
f. A função de atendimento dos casos graves e das
crises pelos CAPS II ainda não foi incorporada ou
não tem o consenso por parte das equipes em
muitos locais e serviços;
g. Nos Hospitais Gerais não há leitos adequados
para o atendimento à crise, além de escassez de
psicofármacos, falta de clareza quanto aos critérios clínicos de diagnóstico e desarticulação com
a rede de saúde;
h. Observou-se fragmentação do processo de trabalho com centralidade do médico na construção
das propostas de cuidado e manejo terapêutico
da crise e encaminhamento sistemático dos pacientes para o HJM;
i. Falta de comunicação entre equipes dos diferentes serviços que compõem essa rede impedindo
o acompanhamento do paciente na rede;
j. São precárias as ações de matriciamento com a
atenção primária (ESF e NASF17);
k. Não há diretrizes claras visando orientar as equipes quanto ao acolhimento, transporte adequado, critérios de hospitalização voluntária e involuntária, procedimentos durante a internação,
orientação para contenção mecânica e farmacológica, critérios de alta, orientação à família du-
Perfil Multidimensional
de Idosos Atendidos por
Equipes de Saúde da
Família em Natal-RN
Maria Célia de Carvalho Formiga
Nilma Dias Leão Costa
Kalline Fabiana Silveira
Paulo César Formiga Ramos
INTRODUÇÃO
Sylara Silvério
O envelhecimento populacional é uma conquista das novas gerações brasileiras nas últimas décadas, ocorrida como consequência do chamado processo de transição demográfica. Tal processo consiste numa recomposição etária
da população pela redução dos grupos etários jovens (menores de 15 anos de
idade) em decorrência da queda da fecundidade e aumento relativo do grupo
mais idoso (60 anos e mais de idade). Um efeito positivo e inquestionável da
transição demográfica é a redução no nível da mortalidade infantil e elevação na
expectativa de vida ao nascer. Porém, o fator que mais contribui com o processo
de envelhecimento da população é a queda da fecundidade (ALVES, 2002, 2008;
WONG e CARVALHO, 2005).
Ciência Sempre 22 • 59
Sylara Silvério
A população brasileira de 60 anos ou mais, aumentou de 5,1%, em 1970, para 10,8%, em 2010.
Tal percentual, segundo critério da OMS, a classifica como população envelhecida (superior a 7%).
FORMIGA et al ( 2012), analisando a concentração
de idosos segundo UF da região Nordeste, observa que é o estado da Paraíba que mais concentra
pessoas idosas, 12,0% do total da UF, seguido
pelos estados do Rio Grande do Norte, Ceará,
Piauí, Pernambuco e Bahia, com os valores percentuais de 10,8%, 10,8%, 10,6%, 10,6% e 10,3%,
respectivamente.
Esse rápido processo de envelhecimento tem
gerado uma importante demanda para o sistema de
saúde, configurando-se em grande desafio para as
autoridades sanitárias, particularmente para a implantação de novos modelos e métodos de enfrentamento do problema (WONG e CARVALHO, 2006,
GUEDES, 2006; BANDEIRA et al., 2006; CAMARANO, SMU/IPP/SMS, 2008; NASRI, 2008; MOSER,
2010; Brasil, 2010). Em vez de processos agudos
que se resolvem pela cura ou pelo óbito, o que
acontece é a predominância de doenças crônicas,
acarretando custos elevados.
Uma das mais importantes consequências do
envelhecimento é a limitação na capacidade funcional da pessoa idosa, ou seja, na condição do indivíduo realizar com autonomia e/ou independência as
tarefas diárias, condições estas fundamentais para
o bem-estar do idoso (SANTOS et al., 2008).
O envelhecimento bem sucedido, aquele com
saúde geral, bem estar e autonomia preservada,
tem se tornado um objetivo perseguido pela população (HELUANY, 2007). O Ministério da Saúde
recentemente incluiu a saúde do idoso como item
prioritário na agenda de saúde do país, promulgando uma nova política nacional de saúde da pessoa
idosa, baseada no paradigma da capacidade funcional, que é abordada de maneira multidimensional (VERAS, 2009).
Essa política objetiva, no âmbito do SUS, garantir atenção integral à saúde da população idosa, enfatizando o envelhecimento saudável e ativo
e fortalecendo o protagonismo das pessoas idosas
no Brasil (BRASIL, 2006). Cabe à gestão municipal
da saúde desenvolver ações que objetivem a construção de uma atenção integral à saúde dos idosos.
É fundamental organizar as equipes de Saúde da
Família e a atenção básica, incluindo a população
idosa em suas ações (por exemplo: atividades de
grupo, promoção da saúde, hipertensão arterial e
60 • Ciência Sempre 22
diabetes mellitus, sexualidade, DST/AIDS). Seus
profissionais devem estar sensibilizados e capacitados a identificar e atender às necessidades de
saúde dessa população.
O envelhecimento ativo e saudável compreende
ações que promovem modos de viver favoráveis à
saúde e à qualidade de vida, orientados pelo desenvolvimento de hábitos como alimentação adequada
e balanceada, prática regular de exercícios físicos,
convivência social estimulante, busca de atividades
prazerosas e/ou que atenuem o estresse, redução
dos danos decorrentes do consumo de álcool e
tabaco e diminuição significativa da automedicação. Muitos destes pontos são abordados neste
estudo, que teve por objetivo estabelecer um perfil
multidimensional da população idosa atendida por
equipes de saúde da família (ESF) em Natal-RN,
estabelecendo associação entre variáveis sociodemográficas, epidemiológicas e as atividades da vida
diária, mensuradas pela escala de avaliação funcional de Lawton, conforme apresentado a seguir.
MATERIAL E MÉTODO
A fonte de dados deste estudo foi oriunda da
pesquisa “Perfil multidimensional da população
idosa atendida nas unidades de saúde da família
do distrito Oeste do município de Natal: uma contribuição para a atenção básica de saúde”, realizada em janeiro e fevereiro de 2011, em Natal-RN. A
coordenação da pesquisa foi realizada por docente
do Departamento de Estatística, pesquisadores do
Grupo de Estudos Demográficos da UFRN e docente do Deptamento de Saúde Coletiva, atuante no
do município de Natal, região Nordeste do Brasil.
A entrevista foi realizada usando um questionário de múltiplas respostas, abrangendo variáveis
sociodemográficas, socioeconômicas, hábitos de
vida, dados relativos ao estado de saúde geral, nível de independência do idoso, avaliação cognitiva
e testes de equilíbrio e marcha, utilizando escalas
reconhecidas nacionalmente e indicadas no “Caderno de Atenção Básica – Envelhecimento e Saúde
da Pessoa Idosa”, disponibilizado pelo Ministério da
Saúde (2006). Este questionário incorporou o “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”, exigido
pelo Comitê de Ética.
O nível de independência do idoso foi avaliado
através das escalas de Katz e Lawton, averiguando
as atividades básicas e instrumentais da vida diária, respectivamente. Para identificação dos sinais
de deficiência ou falência de memória, utilizou-se
testes cognitivos que constam do mini exame do
estado mental e da escala de depressão geriátrica abreviada. A avaliação do equilíbrio e da marcha foi realizada através de testes de equilíbrio ao
caminhar. Foram analisadas, também, as medidas antropométricas relativas ao peso e à altura e
aferição da pressão arterial.
Os dados foram submetidos à uma análise
descritiva exploratória, empregando-se testes de
Hana Dourado
PET/Saúde/UFRN. A pesquisa teve aprovação do
Comitê de Ética da UFRN e recebeu financiamento através do edital pesquisa para o SUS: gestão
compartilhada em saúde – PPSUS III MS/CNPq/FAPERN/SESAP – Nº 011/2009.
Trata-se de um estudo transversal de base populacional, que incluiu, em sua área geográfica de
abrangência, idosos atendidos em Unidades de
Saúde da Família (USF) dos distritos Oeste, Norte e
Leste. Contou com uma amostra não probabilística,
totalizando 1068 idosos, dimensionada proporcionalmente ao total de idosos atendidos em cada uma
das USF de cada distrito.
Os idosos foram entrevistados em sua própria
residência, por estudantes bolsistas (regulares e voluntários) da área da saúde, devidamente treinados.
Usou-se como fatores de inclusão o fato dos
idosos terem 60 anos ou mais, serem inscritos nas
áreas de abrangência das Unidades de Saúde da
Família localizadas nos distritos especificados
(Oeste - Cidade Nova, Nova Cidade, Nazaré, Felipe
Camarão II, Felipe Camarão III e Guarapes; Norte
-: Santarém, Vale Dourado, Cidade Praia e Leste:
Aparecida), desde que fossem moradores do bairro
há mais de um ano e que tivessem sob acompanhamento dos profissionais de saúde das Unidades Básica de Saúde (UBS), com atuação do PET-Saúde
Ciência Sempre 22 • 61
associação de qui-quadrado de Pearson, com um
nível de significância de 5%. A variável dependente ou desfecho foi a escala de avaliação funcional de Lawton (classificada em duas categorias:
Dependente ou Independente), investigando-se
sua associação com as variáveis que formararam o perfil sociodemográfico e epidemiológico,
quais sejam: perfil sociodemográfico (sexo, idade - idosos Jovens: 60-69, idosos Médios: 70-79
anos e idosos Velhos: 80 anos e mais), estado
civil (casado/unido, viúvo, solteiro, separado),
escolaridade (alfabetizado ou não alfabetizado),
cor da pele (branca, preta ou parda); perfil epidemiológico: sinais de depressão (sim ou não), distúrbios visuais (sim ou não), doença crônica (sim
ou não), risco de queda (sim ou não), fumo (sim,
não, parou), bebida.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O perfil sócio demográfico dos 1068 idosos
entrevistados mostrou que 70% eram do sexo feminino, proporção expressiva, explicada pela mortalidade diferencial por sexo, contribuindo para o
aumento da expectativa de vida ao nascer da população feminina. Resultado esperado, levando-se em
consideração que a razão de sexo idosa, no município de Natal, é em torno de 60%, fato explicado pela
prevalência de mulheres ter se tornado mais expressiva ao longo das décadas (CAMARANO, 2004).
Quanto à idade, percebeu-se que 53,3% dos
idosos entrevistados são considerados idosos jovens, mostrando uma distribuição etária rejuvenescida para esses idosos, predominando as idosas do
sexo feminino em todos os grupos etários (Gráfico 1).
Gráfico 1
Distribuição dos idosos entrevistados, segundo faixa etária e sexo, 2010.
Masc
Fem
73,4%
71,6%
28,4%
60 - 70
67,1%
32,9%
26,6%
71 - 80
81 e mais
Fonte: Pesquisa Grupo PET-Saúde/UFRN, GED/DEST/UFRN
Com relação à raça/cor dos entrevistados, 37%
se declararam como brancos, 50% pardos e o restante negros, mostrando que a população atendida
pelas ESF de Natal apresenta maior número de pardos, que pode ser explicado pelo fato de a população que utiliza esse tipo de serviço ser mais carente,
62 • Ciência Sempre 22
característica que sofre grande influência da raça/cor.
Com respeito à escolaridade, percebeu-se que
a maioria dos idosos (34,7%) tem entre 2-4 anos de
estudo e 16% menos de um ano, mostrando um
baixo índice de escolaridade entre esses idosos,
uma vez que 50,7% são considerados analfabetos
Sylara Silvério
BIBLIOGRAFIA
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versus Condorcet reavaliada à luz
da transição demográfica. Rio de
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Saúde. Belo Horizonte: SAS/MG,
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www.saude.mg.gov.br [Acesso em
29.07.2011].
funcionais. É interessante salientar a existência de
idosos com 9 anos ou mais de estudo, que representa cerca de 30% do total.
Quanto ao estado civil, percebe-se que 49,1%
dos idosos são casados ou unidos e 31% estão no
grupo viúvos, caracterizado como o grupo que vive
sozinho e, desse total, apenas 8% são efetivamente
solteiros, ou seja, nunca casaram.
O perfil da avaliação funcional do idoso mostrou
que, quando questionados sobre seu estado de espírito, 70% deles não se sentem tristes ou desanimados, características de sintomas depressivos.
Quando se trata da existência de alguma doença crônica que tenha durado ou vai durar mais de 1
ano, 88% responderam que possuem ou já tiveram
alguma, 11% disseram que não e o restante respondeu que não sabe ou não lembram. Corroborando
com WU et al, 2003, que mostra que grande parte
dos idosos apresenta, pelo menos, uma doença
crônica, embora isso não signifique limitação ou
dependência. A presença de doenças crônicas, seu
controle e inúmeros fatores podem ser determinantes da qualidade de vida.
Dentre os entrevistados, as principais queixas
de doenças foram hipertensão (76%), dor nas costas (47%), colesterol elevado (35%), catarata (32%)
e diabetes (31%).
A pesquisa mostrou que, quanto ao fumo, o total
dos que assumem que fumam é relativamente baixo
entre os entrevistados (17,9%) e 38% disseram que
fumavam, mas pararam.
A grande maioria dos idosos afirma que não fi-
zeram uso de bebida alcoólica (64,4%), enquanto
que os que afirmaram que bebiam, mas pararam
de beber corresponde a 23,7%, sendo 11,3% o total
dos que se assumiram usuários do álcool.
Estudos apontam que os riscos do consumo do
álcool no organismo são diversos, desde perda de
massa muscular, prejuízos ao cérebro, hipertensão,
comprometimento do fígado, predispondo o indivíduo a importantes alterações na capacidade visual
e cognitiva, causando sofrimento pessoal, familiar e
alto custo social (SENGER et. al., 2009). Além disso,
exacerbam as doenças crônicas mais comuns no
idoso, como problemas no coração, diabetes, artrite
e câncer. (LEITE, 2010).
A Escala de Lawton (EL) é um instrumento de
avaliação das Atividades Instrumentais da Vida
Diária/AIVD, que analisa a capacidade funcional
da pessoa idosa, enquanto indicador de saúde e
bem-estar, sendo possível determinar se o indivíduo pode viver sozinho. Neste estudo, o idoso
foi considerado independente quando o valor da
escala foi maior ou igual a 22. A mediana do grupo ficou em 26, mostrando que os idosos entrevistados apresentavam independência na realização de atividades cotidianas, pois o valor máximo
da escala é 27.
Um total de 648 idosos responderam o questionário avaliativo da EL - 75% desses apresentando
independência, fato muito positivo para os idosos
entrevistados, uma vez que a mobilidade é muito importante para a manutenção e autonomia do idoso
e influencia diretamente em sua qualidade de vida.
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Ciência Sempre 22 • 63
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64 • Ciência Sempre 22
Tabela 1
Distribuição dos idosos por grau de independência na escala de Lawton, segundo variável
sociodemográficas e de avaliação funcional, Natal, 2011.
DEPENDENTE
INDEPENDENTE
TOTAL
N
%
N
%
N
%
Sexo
161
100,0
484
100,0
645
100,0
Masculino
40
24,8
149
30,8
189
29,3
Feminino
121
75,2
335
69,2
456
70,7
Raça
162
100,0
486
100,0
648
100,0
Branco
68
42,0
193
39,7
261
40,3
Pardo
77
47,5
215
44,2
292
45,1
Preto
17
10,5
78
16,0
95
14,7
Situação Conjugal
162
100,0
486
100,0
648
100,0
Casado
64
39,5
251
51,6
315
48,6
Viuvo
70
43,2
129
26,5
199
30,7
Separado
16
9,9
49
10,1
65
10,0
Solteiro
9
5,6
47
9,7
56
8,6
Amasiado
3
1,9
10
2,1
13
2,0
Alfabetização
162
100,0
483
100,0
645
100,0
Alfabetizado
60
37,0
290
60,0
350
54,3
Não alfabetizado
102
63,0
193
40,0
295
45,7
Idade
156
100,0
475
100,0
631
100,0
Idoso jovem
46
29,5
281
59,2
327
51,8
Idoso velho
110
70,5
194
40,8
304
48,2
Status Depressivo
160
100,0
484
100,0
644
100,0
Depressão
67
41,9
125
25,8
192
29,8
Não depressão
93
58,1
359
74,2
452
70,2
Doença Crônica
162
100,0
481
100,0
643
100,0
Sim
150
92,6
420
87,3
570
88,6
Não
12
7,4
53
11,0
65
10,1
Não sabe/não lembra
0
0,0
8
1,7
8
1,2
Problema de visão
160
100,0
641
100,0
641
100,0
Sim
73
45,6
232
36,2
305
47,6
Não
87
54,4
249
38,8
336
52,4
Queda
157
100,0
465
100,0
622
100,0
Sim
56
35,7
167
35,9
223
35,9
Não
101
64,3
298
64,1
399
64,1
Fumo
162
100,0
477
100,0
639
100,0
Sim
39
24,1
77
16,1
116
18,2
Não
72
44,4
210
44,0
282
44,1
Parou
51
31,5
190
39,8
241
37,7
Bebiba
161
100,0
483
100,0
644
100,0
Sim
18
11,2
51
10,6
69
10,7
Não
102
63,4
322
66,7
424
65,8
Parou
41
25,5
110
22,8
151
23,4
p-valor
0,15142
0,22262
0,00186
0,00000
0,00000
0,00012
0,09837
0,56721
0,95583
0,07934
0,73425
Fonte: Pesquisa Grupo PET-Saúde/UFRN, GED/DEST/UFRN
Hana Dourado
A existência de associação entre as variáveis
sociodemográficas e epidemiológicas, foi medida
através de um teste qui-quadrado. Os resultados
apontaram para uma associação entre a variável
funcional, que mede a autonomia do idoso nas
atividades da vida diária – AVDs, condição de
dependência ou independência, pela escala de
Lawton e algumas variáveis sociodemográficas e
de avaliação funcional (Tabela 1). As associações
estatisticamente significantes (p-valor<5%) ocorreram para as variáveis Idade (p-valor< 0,0001),
Estado Civil (p-valor=0,0019), Alfabetização (p-valor<0,0001) e Depressão (p-valor=0,0001). Resumindo, o fato de ser um idoso jovem (menor de
70 anos), alfabetizado e não depressivo mostrou
proteção contra a dependência funcional. Ser casado também apresentou associação, o que pode
refletir a existência de um suporte familiar para o
alcance dessa condição. Idosos com sinais de depressão apresentaram chance quase duas vezes
maior de dependência funcional do que aqueles
não depressivos, conforme mostrado por SILVEIRA
et al (2012) trabalhando esses mesmos dados com
ajuste de um modelo logístico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebeu-se que os idosos entrevistados são,
em sua maioria, do sexo feminino, considerados
idosas jovens (menor de 70 anos de idade), que são
casadas, de raça/cor parda e são alfabetizadas, sabendo ler e escrever.
No que se refere ao quadro epidemiológico e
funcional, constatou-se que, em sua maioria, os
idosos não apresentaram quadro de depressão.
Porém, a grande maioria apresentou doenças crônicas, necessitando de maiores investimentos em
saúde, a grande maioria alega não ter o hábito de
beber e de fumar.
Os resultados mostraram algumas condições
esperadas, como uma maior autonomia funcional
nas AVDs para os idosos jovens, alfabetizados e
não tendo sinais de depressão, assim como o fato
de ser casado também mostrou uma associação
significante com a Escala de Lawton, na condição
de maior grau de independência, o que pode refletir
a existência de um suporte familiar para o alcance
dessa condição.
Sinais de depressão, apesar de haver sido referido para um menor número de idosos, demandam
atenção especializada, a fim de propiciar melhor
qualidade de vida a esse grupo populacional. As
doenças crônicas, comuns na velhice, também precisam de orientação adequada para minimizar os
efeitos danosos à saúde dos idosos.
Por fim, espera-se que os resultados dessa pesquisa possam ser aproveitados para potencializar
os benefícios de uma velhice saudável, através de
um acompanhamento eficaz pela ESF dos distritos
sanitários de residência desses idosos, trazendo
uma política de saúde preventiva e que os subsídios
apontados com esses resultados contribuam para
a implementação de melhor qualidade nos serviços
da atenção em saúde dos idosos, com profissionais
mais preparados, humanizados e conhecedores do
processo da velhice.
Também como sugestão fica a ampliação desse
estudo para os acamados e ou aqueles mais debilitados, para que, dessa forma, a UBS possa trabalhar com mais realismo para melhoria da condição
de saúde de sua população idosa.
WU, JH; HAAN, MN; LIANG, J;
GHOSH, D; GONZALEZ, HM;
HERMAN, WH. Impact of antidiabetic medications on physical
and cognitive functioning of older
Mexican Americans with diabetes
mellitus: a population-based cohort study. Ann Epidemiol, v.13(5),
p.369-76. 2003.
Sobre os autores
Maria Célia de Carvalho Formiga é
professora-doutora do Programa
de Pós-Graduação em Demografia
– Programa de pós Graduação em
Demografia do Centro de Ciências
Extas e da Terra da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte
Nilma Dias Leão Costa é professora-doutora do Departamento de
Saúde Coletiva da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte
Kalline Fabiana Silveira é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Demografia do Centro de
Ciências Extas e da Terra da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte
Paulo César Formiga Ramos é
professor-doutor do Programa de
Pós-Graduação em Demografia
do Centro de Ciências Extas e da
Terra da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte
Ciência Sempre 22 • 65
Ricardo Oliveira Guerra
Aline do Nascimento Falcão Freire
Fragilidade em Idosos: conceito e considerações de
importância para a prática clínica
O termo Fragilidade foi comumente utilizado na prática clínica em geriatria
com diferentes e complexos significados, sendo inicialmente confundida com
incapacidade, comorbidade e idade avançada. Devido a sua complexidade e a
falta de definição, fragilidade tornou-se alvo de crescentes pesquisas nos últimos
30 anos. Atualmente o termo Fragilidade tem sido usado para caracterizar um
estado de fraqueza e vulnerabilidade aos estressores em idosos. Na tentativa
de descrever esse fenômeno, diferentes conceitos e definições foram propostos
incluindo uma variedade de domínios tais como: funções e características físicas,
funções cognitivas, características psicológicas e fatores psicossociais.
66 • Ciência Sempre 22
Sylara Silvério
Fragilidade e
Carga Alostática
em Idosos
AVALIAÇÃO DA SÍNDROME DE FRAGILIDADE:
Perda de Peso no Último Ano;
Exaustão / Fadiga;
Fraqueza Muscular;
Baixo Nível da Atividade Física;
Em 2004, a American Geriatrics Society e o
National Institute on Aging (AGS/NIA) realizaram
uma conferência em pesquisas sobre a Fragilidade, com o objetivo de investigar a etiologia e novas
modalidades de tratamento. A partir do consenso
alcançado no referido encontro de pesquisadores,
a fragilidade é identificada atualmente apenas por
características que estão diretamente relacionadas
à função física, e que são ao mesmo tempo conseqüências de acúmulos de condições subclínicas,
doenças agudas e crônicas e fatores de risco comportamentais e sociais.
A associação entre fragilidade, idade avançada,
sexo feminino, dependência funcional e doenças
crônicas está bem definida. Porém, o entendimento
do modo como a fragilidade se desenvolve ainda
não está claro. No envelhecimento humano, a redução nos hormônios sexuais e de crescimento
está associada ao aumento nos níveis de proteínas
inflamatórias, criando uma condição de inflamação
crônica que pode contribuir para o aumento de
morbidade e mortalidade com o avançar da idade.
Indivíduos considerados frágeis apresentam funcionalidade precária e aumento do risco de morte. Assim, a associação entre inflamação e incapacidade
e risco de mortalidade suportaria a relação existente
entre inflamação e fragilidade. Considerando que a
Fragilidade é definida clinicamente através dos cinco critérios que compõem seu fenótipo, evidências
sugerem que suas manifestações clínicas possuem
associações e podem ser organizadas em um ciclo de eventos que progridem naturalmente. Desse
modo, na gênese do ciclo de fragilidade está à fraqueza muscular, a perda de peso e exaustão, sendo
expressa num ciclo de desregulação energética,
que inclui sarcopenia, estresse oxidativo, desregulação de citocinas inflamatórias e hormônios, má
nutrição e inatividade física.
Hana Dourado
Em 2001, Fried et al. definiu Fragilidade como
uma síndrome biológica de diminuição da reserva
e resistência aos estressores, resultando de declínio acumulativo em múltiplos sistemas fisiológicos
e causando vulnerabilidade a desfechos adversos.
A partir desse conceito, foi proposto um conjunto de marcadores para definir um fenótipo, o qual
inclui múltiplos componentes que se relacionam
clinicamente para constituir a Fragilidade. A operacionalização desse fenótipo inclui cinco critérios,
os quais são:
1) Perda de peso não-intencional, no último ano,
igual ou superior 4,5 kg (equivalente a ≥ 5% do
peso corporal);
2) Fraqueza muscular mensurada através da força
de preensão palmar com dinamômetro de preensão;
3) Fadiga/Exaustão indicada por duas questões da
Center for Epidemiological Studies- Depression
(CES-D);
4) Lentidão da marcha medida pelo tempo de execução da caminhada de uma distancia de 4,6m;
5) Baixo nível de atividade física, indicada pelo dispêndio semanal de energia em kilocalorias (medido com base no auto-relato das atividades e
exercícios físicos realizados, através do Minnesota Leisure Time Activities Questionnaire).
Lenta Velocidade da Marcha.
Desde modo, aqueles indivíduos com três
ou mais critérios positivos são considerados frágeis; com um ou dois critérios positivos como
intermediários ou pré-frágeis; e aqueles com nenhum critério positivo considerado não-frágil ou
robusto. Esses cinco critérios foram identificados
como preditores do risco de desfechos clínicos
como quedas, incapacidade, hospitalização e
mortalidade.
Ciência Sempre 22 • 67
Evidências Clínicas da Síndrome de
Fragilidade em Idosos
Estado de Alta
Vulnerabilidade para
resultados adversos
Declínio no Metabolismo
Energético, ocasionando
deterioração em
múltiplos sistemas
Diminuição do
Funcionamento
Musculoesquelético
e Neurológico
Estado de
Inflamação crônica
Baixa Atividade
Imuno-Endócrina
Aumento IL-6 e
Cortisol Diurno
(FRIED, 2001; WALTSON, atal., LENG, 2002; PEREIRE, 2005; VARADHAN, 2008)
Carga Alostática em idosos: conceito
e considerações para a pesquisa em
Gerontologia
A habilidade para alcançar estabilidade após mudanças é crítica para sobrevivência. Esta habilidade
em respostas a situações de estresse é conhecida
como alostasia. Nela há ativação de múltiplos sistemas
fisiológicos para proteger o corpo em resposta a situações de estresse interno ou externo. Porém, o preço
dessa acomodação em resposta a mudanças pode
nem sempre proteger o corpo, mas também causar
danos influenciando a patogênese de doenças. O
efeito em longo prazo dessas respostas fisiológicas
pode ser referido como Carga Alostática, que leva a
uma superativação crônica dos Sistemas Alostáticos.
Assim, a Carga Alostática representa um desgaste experimentado pelo corpo quando repetidas respostas
alostáticas são ativadas em situações de estresse.
Dois fatores determinam as respostas individuais a eventos potencialmente estressantes: o modo
como a pessoa percebe a situação e o estado de
saúde físico geral, o qual é determinado não somente por fatores genéticos, mas também comportamentais e de estilos de vida. Quando o cérebro
percebe uma situação como estressante, respostas
fisiológicas e comportamentais são iniciadas, levando a alostasia e adaptação. Com o tempo, a Carga
68 • Ciência Sempre 22
Alostática pode se acumular, e a superexposição aos
mediadores neurais, endócrinos e imunes do estresse, pode ter efeitos adversos em vários órgãos do
corpo possibilitando o surgimento de doenças.
O conceito de alostasia parece muito similar a
homeostasia. Na homeostasia, o mecanismo de
feedback objetiva a redução na variabilidade e a
manutenção da constância dos sistemas corporais.
Já na alostasia, que se refere a um processo dinâmico, mais variabilidade é favorável, pois isto significa
que o ambiente interno, ou seja, o organismo tem
a capacidade de se adaptar as demandas do ambiente para suportar os sistemas corporais.
O conceito de alostasia e Carga Alostática prevê
uma cascata de causa e efeito (Figura 1) que inicia
com os mediadores primários do estresse, como as
catecolaminas e o cortisol, que levam a respostas
secundárias como aumento da pressão sanguínea,
alterações nos níveis de hemoglobina glicada e nos
níveis de colesterol HDL (lipoproteína de alta-densidade) e LDL (lipoproteína de baixa densidade), obesidade abdominal, culminando com respostas terciárias
como surgimento de doenças cardiovasculares e
outras. Com isso, a superexposição aos mediadores
do estresse que são regulados via eixo Hipotálamo-Pituitária-Adrenal (HPA) e Sistema Nervoso Simpático
(SNS) culminam com respostas adversas em múltiplos sistemas do organismo, resultando em doenças.
MEDIDAS DE CARGA ALOSTÁTICA
Biomarcadores Neuroendocrinos
mediadores
primários
Biomarcadores Imunológicos
mediadores
SECUNDários
DESFECHOS
TERCIÁRIOS
Biomarcadores Metabólicos
Medidas cardiovasculares
e antropométricas
Cortisol
DHEA-S
(Dehidroepiandosterona)
Epinefrina
Norepinefrina
IL-6
TNF Proteína - Creatina
Colesterol HDL
Colesterol LDL
Triglicerídeos
Hemoglobina glicada
Creatina
Albumina
Pressão Arterial
IMC
Relação Cintura-quadril
Figura 1. Medidas de Carga alostática
Carga Alostática em idosos: novas
perspectivas metodologias na
Epidemiologia do Envelhecimento
Humano
A ideia de que níveis acumulativos de estresse
podem ter efeitos deletérios na saúde e longevidade, com consequências patológicas de excessiva
ativação fisiológica, tem levado pesquisadores a
discutirem diferenças individuais de acúmulo de
Carga Alostática sobre a temática do Curso de Vida.
Desse modo, tem se discutido a influência de fatores ambientais, relações interpessoais, sociais, psicológicas e estilo de vida no modo como a pessoa
percebe as situações como potencialmente estressantes e desafiadoras.
Pessoas de baixo status socioeconômico experimentam ao longo do curso de vida mais situações
de estresse agudo e crônico que levam a respostas autonômicas e neuroendócrinas, com elevação
crônica nos níveis de cortisol. Desde modo, vários
trabalhos têm investigado a relação entre baixo
status socioeconômico a vários fatores de risco de
doenças cardiovasculares como pressão sanguínea, relação cintura-quadril e marcadores neuroendócrinos de estresse. Há um consenso da literatura
que baixo status socioeconômico, medido através
da renda, educação, e outros indicadores, está associado ao aumento na morbidade e mortalidade.
Desta forma, a Carga Alostática como uma expressão do desgaste experimentado pelo organismo diante das situações estressoras, vivenciadas ao
longo do curso da vida, têm merecido destaque nas
pesquisas mais recentes. Há um crescente interesse
no envolvimento da desregulação multisistêmica na
saúde e longevidade de populações idosas. Sabe-se que a liberação dos biomarcadores do estresse
está relacionada a desfechos adversos de saúde
como hipertensão, obesidade abdominal, diabetes,
depressão, dentre outros problemas de saúde.
Trabalhos anteriores têm mostrado que aspectos
da Carga Alostática estão relacionados à fragilidade,
incapacidade e maior mortalidade, que tem implicações na saúde física de populações geriátricas. No
entanto, muitos trabalhos têm mostrado a associação entre a Carga Alostática e seus componentes
com fatores individuais, ambientais e sociais sob
a perspectiva do curso de vida. Porém essas relações não estão bem estabelecidas. Além disso, nenhum estudo tem observado o comportamento dos
biomarcadores do estresse e Carga Alostática no
contexto populacional de idosos brasileiros residentes na comunidade, bem como se essas relações
mostram-se diferenciadas entre homens e mulheres.
Ciência Sempre 22 • 69
Sylara Silvério
Desta forma, pelo exposto na literatura, apresentamos como hipótese de trabalho a proposição
de que a Carga Alostática, como uma expressão
fisiológica do acúmulo de experiências estressoras vivenciadas ao longo do curso de vida, estaria
relacionada com a Síndrome da Fragilidade. Consideramos ainda que as mulheres mostram níveis
mais elevados de fragilidade que os homens com o
mesmo nível de Carga Alostática.
Fragilidade e Carga Alostática em
Idosos da Cidade do Natal-RN
Através do financiamento pelo Programa PPS
III-FAPERN, foi desenvolvido o projeto de pesquisa
Carga alostática e Fragilidade em idosos em uma
amostra de idosos residentes na cidade do Natal-RN.
A coleta de dados foi realizada em três etapas.
A primeira etapa constituiu-se da entrevista, realizada pelo entrevistador no domicílio do participante, através da qual o mesmo respondeu ao ques-
tionário sobre informações sócio-demográficas,
clinicas e dados antropométricos. Na segunda
visita ao domicilio do participante o entrevistador
fornecia as instruções para realização do protocolo
para coleta de saliva, urina e sangue. O participante recebia os coletores para coleta de urina (um coletor de 1,6 L para a coleta de 12 horas de urina noturna e um coletor de 10 mL para a amostra isolada
de urina diurna) e cinco SALIVETES® para coleta
de saliva. A terceira etapa da coleta constitui-se na
coleta dos biomarcadores, que era realizada no 6º
ou 7ª dia após a primeira visita do entrevistador. O
participante iniciava a coleta da saliva usando os
SALIVETES®. A saliva foi coletada em cinco momentos do dia: ao acordar; 30 minutos após acordar; 60 minutos após acordar; às 15 horas; e antes
de dormir. Nesse mesmo dia o participante coletava a urina. A amostra isolada foi coleta durante o
dia, próximo ao meio-dia, e a coleta das 12 horas
de urina noturna foi iniciada às 18 horas até às 6
horas da manhã do dia seguinte.
3º - 5º dia: instruções
para os procedimentos
da coleta dos
biomarcadores
Figura 3: Procedimentos da coleta de dados
70 • Ciência Sempre 22
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Total idosos
> 65 ans = 1.056
Amostra (n = 279)
1º dia: Aplicação do
Questionário, medidas
antropométricas e SPPB.
BIBLIOGRAFIA
Diminuição do
Funcionamento
Musculoesquelético
e Neurológico
Sarkisian, C. A., T. L. Gruenewald,
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Sylara Silvério
Resultados
Foram avaliados 313 idosos, dos quais 57
foram excluídos, pois não completaram todas as
fases da pesquisa, ficando nossa amostra final
constituída de 256 idosos, sendo 88 homens e 168
mulheres. A maioria dos homens (79,5%) eram casados, enquanto que a maioria das mulheres eram
viúvas (41,7%). Quanto ao arranjo familiar, tanto os
homens quanto as mulheres viviam com cônjuge
ou algum parente, sendo que apenas cinco homens e dez mulheres viviam sozinhos. Em relação
à renda mensal, a maior parte da amostra recebiam entre 1 e 3 salários mínimos, consideraram
sua renda insuficiente para suas necessidades e
tinha como fonte de renda a aposentadoria, sendo que as mulheres possuíam renda inferior a dos
homens. Quanto à escolaridade, observamos também que os homens tinham mais anos de estudos
que as mulheres.
A Tabela 1 mostra a distribuição dos Critérios de
Fragilidade na amostra estudada. Apenas o critério
fadiga/exaustão mostrou diferença significativa entre homens e mulheres.
Tabela 1. Distribuição dos Critérios de Fragilidade na Amostra Estudada
Walston, J., E. C. Hadley, et al.
(2006). "Research agenda for frailty in older adults: toward a better
understanding of physiology and
etiology: summary from the American Geriatrics Society/National
Institute on Aging Research Conference on Frailty in Older Adults."
J Am Geriatr Soc 54(6): 991-1001.
Critérios Fragilidade
Total
(n=256)
n (%)
Homens
(n=88)
n (%)
Mulheres
(n=168)
n (%)
p-valor
Perda de Peso
81 (31,6)
25 (28,4)
56 (33,3)
p=0,42
Fadiga/Exaustão
96 (37,5)
25 (28,4)
71 (42,3)
p=0,03
Fraqueza Muscular
80 (31,3)
30 (34,1)
50 (29,8)
p=0,47
Lentidão na Marcha
57 (23,2)
16 (18,2)
41 (25,2)
p=0,30
Baixo Nível de Atividade Física
64 (25,0)
18 (20,5)
46 (27,4)
p=0,22
Não-frágil
51 (19,9)
24 (27,3)
27 (16,1)
Xue, Q. L., K. Bandeen-Roche, et
al. (2008). "Initial manifestations of
frailty criteria and the development
of frailty phenotype in the Women's
Health and Aging Study II." J Gerontol A Biol Sci Med Sci 63(9): 984-90.
Pré-frágil
158(61,7)
48 (54,5)
110(65,5)
Sobre os autores
Frágil
47 (18,4)
16 (18,2)
31 (18,5)
Ricardo Oliveira Guerra é professor-doutor do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte
na maioria dos biomarcadores da Carga Alostática,
com exceção da Relação Cintura-Quadril e do Colesterol HDL, bem como quanto ao Índice Total da
Carga Alostática.
Aline do Nascimento Falcão Freire
é doutora em Ciências da Saúde
pelo Departamento de Fisioterapia
da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte
Na tabela 2 estão apresentados os dados sobre os itens que compõem os critérios de avaliação
da Fragilidade em idosos. Foi observado que não
houve diferença significativa quanto ao sexo/gênero
Ciência Sempre 22 • 71
Tabela 2. Distribuição dos Biomarcadores da Carga Alostática na Amostra Estudada
Variáveis Biomarcadores
Total
(n=256)
n (%)
Homens
(n=88)
n (%)
Mulheres
(n=168)
n (%)
p-valor
Pressão Arterial Sistólica, mmHg
66 (25,8)
22 (25)
44 (26,2)
0,83
Pressão Arterial Diastólica, mmHg
65 (25,4)
24 (27,3)
41 (24,4)
0,61
Colesterol HDL, mg/dL
62 (24,2)
31 (35,2)
31 (18,5)
0,003
Colesterol total/HDL
66 (25,8)
24 (27,3)
42 (25,0)
0,69
Hemoglobina Glicada,%
62 (24,2)
18 (20,5)
44 (26,2)
0,83
Relação cintura-quadril
70 (27,3)
34 (38,6)
36 (21,4)
0,003
DHEA-S salivar, ug/dL
5 (2,0)
1 (1,1)
4 (2,4)
0,49
Cortisol salivar, ug/dL
65 (25,4)
22 (25,0)
43 (25,6)
0,49
Epinefrina urinária, ug/12h
66 (25,8)
24 (27,3)
42 (25,0)
0,69
Norepinefrina urinária, ug/12h
64 (25,0)
18 (20,5)
46 (27,4)
0,22
Média (DP)
Média (DP)
Média (DP)
p-valor
2,30 (1,68)
2,47 (1,67)
2,22 (1,68)
0,24
O Índice de Carga Alostática observado, de forma geral, mostrou-se baixo comparado aos demais
estudos com populações de idosos. O Índice de
Carga Alostática (0-10) foi 2,30 (±1,68) sem diferença significativa entre os gêneros, sendo apenas
número de doenças crônicas associado aos níveis
de Carga Alostática. Os perfis diferenciados encontrados na amostra dos Índices de Carga Alostática
podem estar sendo influenciados por outras variáveis tais como redes de apoio familiar e social. A influência de fatores sociais e comportamentais estaria mediando as respostas dos Sistemas Alostáticos
mediante situações potencialmente estressoras em
sociedades com características sociais distintas.
Diversos fatores contribuem nas diferenças nos
níveis de Carga Alostática entre diferentes sociedades
e entre o gênero. Fatores psicosociais, como suporte emocional, relações familiares positivas e relações
harmoniosas em idosos foram relacionados à baixa
Carga Alostática em homens. Estudos já mostraram
um impacto positivo que fatores emocionais, espirituais e recursos pessoais podem ter na saúde, bem-estar e na resiliência aos estressores e carga alostática.
Considerando o contexto social evidenciado
pela população de idosos que vivem no nordeste
brasileiro, embora sejam esses de uma classe social baixa, onde a grande maioria dos idosos recebe
de 1 a 3 salários mínimos, tem pouca escolaridade,
72 • Ciência Sempre 22
as redes de apoio social, o estado civil e o arranjo familiar podem exercer influencias positivas sobre a saúde desta população. Em nossa amostra,
a grande maioria dos homens é casado, apenas
6% da amostra total (homens e mulheres) moram
sozinhos, onde os demais vivem com parentes e/
ou amigos. Deve-se também levar em consideração
que as características dos idosos residentes nessa
comunidade são de idosos que fixaram residência
neste bairro e vivem lá há muitos anos.
Assim, embora o conceito de Carga Alostática
como um índice que representa o desgaste vivenciado mediante situações estressoras tenha sido
observado em populações idosas em países desenvolvidos, como fator preditor a desfechos adversos de saúde, dentre eles a Fragilidade, pode haver
fatores que dependendo do contexto social e cultural agiriam como protetores, levando a menor perfis
de risco com baixos níveis de Carga Alostática.
Sylara Silvério
Índice Carga Alostática (0-10)
Érica Cristina de Sales Vaz
Ana Celly Souza dos Santos
Nayara Perreira Soares
George Dantas Azevedo
Telma Maria Araújo Moura Lemos
INTRODUÇÃO
A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é um distúrbio endócrino complexo
de etiologia ainda desconhecida que atinge 8 a 12% das mulheres em idade fértil
(1). Segundo o consenso de Rotterdam ESHRE/ASRM-Sponsored PCOS Consensus Workshop Group, realizado em 2003, para diagnóstico de SOP as pacientes devem apresentar pelo menos dois dos três seguintes critérios: (a) oligo e/
ou anovulação, (b) sinais clínicos e/ou bioquímicos de hiperandrogenismo e (c)
ovários policísticos na ultrassonografia, além da exclusão de outras causas de
irregularidade menstrual e hiperandrogenismo (2,3).
Ciência Sempre 22 • 73
Sylara Silvério
Avaliação do Índice Lap
e Intolerância a Glicose
na Síndrome dos Ovários
Policísticos
Em associação com estas características, observa-se ainda a ocorrência de distúrbios metabólicos como, intolerância à glicose (IG), dislipidemia,
resistência à insulina (RI), hiperinsulinemia compensatória e obesidade, principalmente central, que
contribuiem diretamente para a presença do diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e das doenças cardiovasculares na SOP (4,5). A RI atua como um importante
agente de integração entre estas anormalidades
metabólicas e androgênicas, sendo, portanto, um
elemento extremamente relevante na fisiopatologia
da síndrome (6).
Descrito pela primeira vez por Kahn (7), o índice
LAP (lipid accumulation product) é um importante indicador para avaliação do risco cardiovascular, pois
ele determina a acumulação de lipídios em adultos
e tem como base a relação entre uma medida antropométrica, a circunferência da cintura, e um parâmetro bioquímico, os níveis de triglicerídeos de
jejum (8). Alterações no índice LAP, também estão
associadas ao DM2 e ao aumento da mortalidade
por insuficiência cardíaca.
Wiltgen e cols. relataram a associação do índice
LAP com o modelo de avaliação homeostática da RI
(HOMA -IR) em uma pequena população de mulheres com SOP (9). No entanto, a associação deste
índice com a tolerância à glicose diminuída, que é
comum na SOP, foi pouco investigada. Sendo assim,
o objetivo deste estudo foi investigar a correlação
entre o índice LAP e os níveis de glicemia durante
o teste de tolerância à glicose oral (TTGO) em pacientes com SOP em diferentes estados nutricionais.
CASUÍSTICA E METODOLOGIA
Casuística
A população em estudo foi composta por 50 mulheres, apresentando média etária de 26,68 ± 5,88
anos, recrutadas no ambulatório de Ginecologia e
Endocrinologia da Maternidade Escola Januário
Cicco (MEJC), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal-RN. Foram incluídas as
pacientes que receberam o diagnóstico de SOP de
acordo com os critérios definidos pelo consenso de
Rotterdam, em 2003 (2), e excluídas aquelas que
apresentaram outras causas de hiperandrogenismo e de irregularidades menstruais, que simulem o
quadro clínico da SOP, como hiperprolactinemia, falência ovariana prematura, hipotireoidismo primário,
grávidas, diabéticas e mulheres que faziam o uso
74 • Ciência Sempre 22
crônico de alguns medicamentos, dentre eles contraceptivos orais, agentes sensibilizadores da insulina, antilipêmicos e qualquer outro agente hormonal
nos últimos três meses.
Para análise comparativa as pacientes foram
divididas em dois grupos: Grupo I (SOP não obesas- n = 19) e Grupo II (SOP obesas - n = 31). A
categorização dos grupos foi realizada de acordo
com o índice de massa corpórea (IMC), estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (10),
cujo valor é obtido pela razão peso/estatura². Foram
classificadas como não obesas as que possuíam
IMC entre 18,5- 29,9 kg/m² e como obesas as que
possuíam IMC ≥ 30 kg/m². O estudo foi aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRN com
número de protocolo 400/09, e todas as participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).
METODOLOGIA
Avaliação Antropométrica
As pacientes foram submetidas a exame clínico constando de medida da massa corporal (kg),
estatura (m) e circunferência da cintura (cm). O
peso das voluntárias foi aferido com estas utilizando
roupas leves e estando descalças, foram utilizadas
balanças eletrônicas da marca Kratos®, com capacidade de 150Kg e precisão de 50g. A voluntária
permaneceu reta, no centro da balança e imóvel.
A medida da estatura foi realizada numa superfície
plana com o auxílio de uma fita métrica de escala de
0,1 centímetro, fixa verticalmente em uma parede,
onde as voluntárias ficaram na posição vertical, respirando profundamente, eretas, com os pés e calcanhares paralelos, ombros e nádegas encostados
na parede, na forma recomendada (11). As medidas
de peso e estatura foram realizadas três vezes seguidas, e o resultado final foi obtido pela média dos
três valores. A medida da circunferência da cintura
foi mensurada no ponto médio entre a última costela
e a crista ilíaca, onde foi solicitado que a paciente
levantasse a blusa e estirasse os braços sobre o
corpo. Da mesma forma que as medidas de peso e
estatura, foi feita uma média de três medições. O índice de massa corpórea (IMC) foi determinado pela
divisão do peso (quilogramas) pela altura (metros)
ao quadrado e a classificação foi realizada através
dos critérios estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) (10).
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Avaliação Bioquímica e Calculo do Índice LAP
Após jejum prévio de no mínimo 8 e no máximo
12 horas, a coleta de amostra de sangue periférico sem anticoagulante foi realizada nas pacientes,
para a determinação das concentrações séricas de
glicose de jejum e pós teste de tolerância à glicose
oral (TTGO) de duas horas e triglicerídeos, que foram realizadas por ensaios enzimático-colorimétricos e os resultados foram expressos em mg/dL. O
teste de tolerância à glicose oral (TTGO) foi realizado com 75 gramas de glicose anidra, sem restrição
calórica, por via oral, dissolvida em 300 mL de água,
onde a solução foi ingerida em um tempo máximo
de cinco minutos. Amostras de sangue para dosagem de glicemia foram obtidas antes e após 30, 60,
90 e 120 minutos da ingestão de glicose por via oral.
De acordo com os critérios do World Health Organization (WHO) (12), a intolerância à glicose é caracterizada pela glicemia plasmática aos 120 minutos
≥140 e <200 mg/dL. As dosagens foram realizadas
com kits comerciais (Labtest Diagnóstica-SA®) no
equipamento Bio 2000 (Bioplus®, Barueri/SP). O
índice LAP foi determinado pela equação descrita
por Kahn: (circunferência da cintura [cm] – 58) x
(triglicerídeos [mmol/L]) (7). Wiltgen et al avaliaram
este índice em mulheres com SOP e determinaram
o valor do ponto de corte de 34,5 cm.mmol/L (9).
Análise estatística dos resultados
A distribuição de dados foi avaliada pelo teste
de Kolmogorov - Smirnov e estatística descritiva foi
realizada para observação das medidas de tendência central e de dispersão como média, desvio
padrão, mediana, e valores mínimos e máximos.
Também foi aplicado o teste t de Student para
amostras independentes para avaliar diferenças
entre as médias nos dois grupos, SOP não obeso
e SOP obeso. As correlações entre os parâmetros
avaliados foram analisadas utilizando o teste de
correlação de Pearson. O pacote estatístico SPSS
® versão 17.0 para Windows (SPSS, Inc., Chicago
IL) foi utilizado para esses fins. Em todos os casos,
foi considerado estatisticamente significativo um
valor de p < 0,05.
RESULTADOS
A tabela 1 apresenta as características antropométricas e bioquímicas dos grupos I (SOP não
obesas) e II (SOP obesas), no que se refere à idade,
IMC, triglicerídeos, índice LAP e valores de glicemia
obtidos no TTGO. O grupo II apresentou valores
significativamente superiores para as variáveis IMC,
triglicerídeos, índice LAP e glicemia de 120 minutos.
Tabela 1. Parâmetros antropométricos e bioquímicos das pacientes
com SOP obesas e não obesas.
SOP
Variáveis
Grupo I
Não Obesas (n=19)
Grupo II
Obesas (n=31)
Idade
25,7 ± 5,57
27,33 ± 6,08
IMC
25,93 ± 2,74
34,60 ± 3,08
0,0001*
Triglicerídeos
84,58 ± 36,72
153,03 ± 72,86
0,0001*
LAP
23,62 ± 14,91
71,76 ± 40,04
0,0001*
GLIC.J
72,63 ± 6,78
77,90 ± 12,35
0,095
GLIC30
122,95 ± 29,52
126,16 ± 31,14
0,720
GLIC60
126,89 ± 39,87
133,36 ± 34,70
0,555
GLIC90
111,63 ± 30,29
126,06 ± 35,64
0,148
GLIC120
99,42 ± 23,57
119,58 ± 32,95
0,024*
p-valor
Valores expressos em média ± desvio padrão; *p<0,05 comparando grupo SOP obesas X grupo SOP não obesas
pelo teste T Student para amostras independentes.
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Ciência Sempre 22 • 75
A figura 1 demonstra a prevalência de alteração do índice LAP nas pacientes com SOP estratificadas por IMC. Observa-se que nas pacientes
obesas houve uma maior porcentagem de alteração no índice LAP (90,3%), quando comparada as
não obesas (21,1%).
obesas
não obesas
9,7%
21,1%
78,9%
90,3%
LAP Normal
LAP Alterado
LAP Normal
LAP Alterado
Figura 1. Gráfico da prevalência do índice LAP alterado nas SOP obesas e não obesas.
A figura 2 apresenta o resultado do TTGO realizado nas pacientes com SOP obesas e não obesas.
Considerando que a intolerância à glicose é determinada pela glicemia plasmática ≥140 e < 200 mg/dL
aos 120 minutos, 78,9% das pacientes não obesas
apresentaram TTGO normal e 21,1% apresentaram
IG. Dentre as pacientes obesas, 64,5% apresentaram TTGO normal e 35,5% são intolerantes a glicose.
Glic. Jej
GLIC30
GLIC60
GLIC90
GLIC120
250
200
18. VAN PELT RE, EVANS EM,
SCHECHTMAN KB, EHSANI AA,
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and regional fat mass to risk for
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150
24. CARMINA E, BUCCHIERI S,
ESPOSITO A, DEL PUENTE A,
MANSUETO P, ORIO F, et al. Abdominal fat quantity and distribution
in women with polycystic ovary
syndrome and extent of its relation
to insulin resistance. J Clin Endocrinol Metab. 92(7):2500-5, 2007.
100
50
Não obesos
GRUPOS
Obesos
Figura 2. Box-plot do teste de tolerância à glicose oral em pacientes com SOP obesas e não obesas.
76 • Ciência Sempre 22
25. DIAMANTI-KANDARAKIS E.
Role of obesity and adiposity in
polycystic ovary syndrome. Int
J Obes (Lond). 2007;31(Suppl.
2):S8-S13 Chapman MJ, Sposito
A tabela 2 demonstra a correlação existente entre
o índice LAP e os valores de glicemia apresentados
durante o TTGO, sendo significativas na glicemia de
jejum, 60 e 120 minutos.
AC. Hypertension and dyslipidaemia in obesity and insulin resistance: pathophysiology, impact on
atherosclerotic disease and pharmacotherapy. Pharmacol Ther.
117(3):354-73, 2008.
Tabela 2. Correlação entre o índice LAP e o TTGO em paciente com SOP
GLIC.J
GLIC30
GLIC60
GLIC90
GLIC120
Correlação de Pearson
0,338*
0,271
0,285*
0,245
0,302*
Significância
0,016
0,059
0,045
0,086
0,033
N
50
50
50
50
50
LAP
26. CHAPMAN MJ, SPOSITO AC.
Hypertension and dyslipidaemia
in obesity and insulin resistance: pathophysiology, impact on
atherosclerotic disease and pharmacotherapy. Pharmacol Ther.
117(3):354-73, 2008.
*Correlação de Pearson é significante ao nível de 0,05.
O índice LAP, além de ser um parâmetro importante para a avaliação do risco cardiovascular,
simples e de baixo custo (14), também é um indicador relevante para RI, DM2 e mortalidade por insuficiência cardíaca em mulheres com peso normal
(7,9,15,16). A alta sensibilidade e especificidade
deste índice indicam que o mesmo pode ser um
marcador útil para prever a IG na SOP (17,18). Wehr
et al demonstraram pela primeira vez que níveis
elevados de LAP estão associados a um aumento significativo da prevalência de IG, bem como a
ocorrência de distúrbios metabólicos na SOP (13),
achado semelhante ao de nosso estudo, que mostra uma correlação significativa entre o índice LAP e
os valores de glicemia de jejum, 60 e 120 minutos
nas pacientes com SOP avaliadas, independente do
estado nutricional das mesmas.
Alguns estudos sugerem que a glicemia de jejum
não é um parâmetro confiável para o diagnóstico da
IG na SOP (19). De acordo com Legro e cols. a maioria das mulheres com SOP e intolerantes à glicose
apresentam glicemia de jejum normal (20), esta afirmação corrobora os nossos achados, pois todas as
pacientes avaliadas apresentaram-se nesta condição.
No entanto, algumas ainda apresentaram intolerância
a glicose, o que comprova a ineficiência da glicemia
de jejum para a caracterização desta alteração.
A obesidade é um elemento importante no desenvolvimento de intolerância à glicose, decorrente da intensificação da resistência à insulina que
predispõe ao aparecimento das anormalidades do
metabolismo da glicose (21; 22). Nesse estudo,
as pacientes obesas e não obesas apresentaram
porcentagem de IG distintas, 35,5% e, 21,1%, respectivamente. Esses resultados indicam que, pro-
vavelmente, a obesidade influencia para uma maior
prevalência de intolerância à glicose, porém o papel
da SOP nas alterações metabólicas também pode
ser observado quando consideramos que houve a
presença de uma porcentagem considerável de IG
nas pacientes não obesas.
As mulheres com SOP apresentam maior quantidade de gordura abdominal e perfil lipídico alterado
(23,29), e o grupo II possui mais um agravante, a obesidade. Portanto, é de se esperar que estas pacientes apresentem valores superiores para o índice LAP,
glicemia, IMC e triglicerídeos. Algumas pacientes do
grupo I (21,1%) também apresentaram índice LAP elevado, que evidencia o papel da SOP nesta alteração.
A correlação existente entre o índice LAP e os
valores de glicemia de jejum, 60 e 120 minutos
possivelmente indica que este índice pode ser um
importante método de rastreio para identificar a
intolerância à glicose na SOP, independente do estado nutricional, sendo mais um parâmetro para a
definição de estratégias de prevenção e tratamento,
como hábitos alimentares saudáveis e práticas de
exercícios físicos regulamente, que devem ser adotados pelas pacientes na tentativa de adquirir uma
melhor qualidade de vida e, consequentemente,
reduzir o risco de doença cardiovascular no futuro.
28. MARTINS WP, SOARES GM,
VIEIRA CS, REIS RM, SILVA DE
SÁ MF, FERRIANI RA. Resistência à insulina em mulheres com
síndrome dos ovários policísticos
modifica fatores de risco cardiovascular. Rev Bras Ginecol Obstet.
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Sobre os autores
Sylara Silvério
DISCUSSÃO
27. PREMOLI, ANA CRISTINA
GOMES et al. Perfil Lipídico em
Pacientes Portadoras da Síndrome
dos Ovários Policísticos. Rev. Bras.
Ginecol. Obstet., vol.22, no.2, p.8994. ISSN 0100-7203, Mar 2000.
Érica Cristina de Sales Vaz é
graduanda no Departamento de
Análises Clinicas e Toxicológicas,
Centro de Biociências, UFRN,
Ana Celly Souza dos Santos é
mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas – CCS da UFRN, Nayara
Perreira Soares é doutoranda no
Programa de Pós-Graduação Desenvolvimento e Inovação Tecnológica em Medicamentos- PPDITM
(UFRN), George Dantas Azevedo
é pós doutorando no Departamento de Morfologia, no Centro
de Biociências e no Programa de
Pós Graduação em Ciências da
Saúde, ambos na UFRN, Telma
Maria Araújo Moura Lemos é pós
doutorando no Departamento de
Análises Clinicas e Toxicológicas,
Centro de Biociências, Programa
de Pós-Graduação em Ciências
Farmacêuticas – CCS e Programa
de Pós-Graduação Desenvolvimento e Inovação Tecnológica em
Medicamentos- PPDITM da UFRN
Ciência Sempre 22 • 77
Valéria Rodrigues Leite
Maria Dalva Horácio da Costa
Anailson Marcio Gomes
INTRODUÇÃO
O Sistema Único de Saúde (SUS) é constituído pelo conjunto de ações e dos
serviços de saúde sob gestão pública. Está organizado em redes regionalizadas
e hierarquizada e atua em todo o território nacional, com direção única em cada
esfera de governo (PEREIRA et al, 2004). De acordo com Silva et al (2007), esta
participação adquiriu a característica de controle social na medida em que foi
sendo exercida por setores progressista da sociedade. Ou seja, a participação
em saúde não se deu somente como ações de colaboração e cooperação, mas
pelo exercício do controle por parte dos seguimentos organizados da sociedade
sobre as ações do Estado; no sentido deste, cada vez mais, atender aos interesses da maioria da população.
78 • Ciência Sempre 22
Sylara Silvério
Avaliação
da efetivação
do controle
social sobre
os mecanismos
de planejamento, previsão
orçamentária e prestação
de contas da saúde no Estado
do Rio Grande do Norte
Com o intuito de regulamentar o controle social
do SUS, foi criado a Lei nº 8.142/90 que define o
papel da sociedade na gestão do serviço de saúde
onde os sujeitos ou atores sociais participam ativamente, por meios democráticos, da formulação das
políticas públicas de saúde. Neste sentido, o usuário do serviço passa a ter o direito, bem como o dever de deliberar sobre o planejamento, formulação,
execução e fiscalização das ações de saúde, assim
como da gestão financeira e administrativa do SUS.
Nessa perspectiva, é possível entender a participação popular como decorrente da participação
efetiva da população organizada. A participação
somente é efetiva quando pretende ou consegue
modificar o orçamento e investimentos estatais, de
modo a oferecer os serviços básicos de qualidade
para a população (VALLA, 1992).
Determinada pela Constituição e pela Lei complementar nº 8.142/1990, a participação popular
busca instituir na gestão do SUS realismo, transparência, comprometimento coletivo e efetividade
de resultados. Entretanto, esta participação está
diretamente relacionada com o grau de educação
política e de organização da própria sociedade civil
(PEREIRA et al, 2004).
Assim, mesmo que nos textos legais esteja garantida a participação da população, denominada
controle social, através da integração em órgãos
colegiados deliberativos, como os Conselhos de
Saúde, ou de outros espaços institucionalizados,
como as Conferencias de Saúde, ainda falta muito
para uma prática participativa eficiente, comprometida e isenta (VÁZQUEZ et al, 2003).
No campo da saúde e na conjuntura da transição à democracia, essa noção indicava uma nova
modalidade de relacionamento da sociedade com
o Estado. O controle social foi concebido como a
fiscalização direta da sociedade civil nos processos
de gestão da coisa pública e consistiria na apropriação, pela sociedade organizada, dos meios e instrumentos de planejamento, fiscalização e análise das
ações e serviços de saúde (BERGMA, 1992 apud
CORREIA, 2000).
Os mecanismos de controle social seriam, ao
mesmo tempo, resultado do processo de democratização do país e pressupostos para a consolidação
dessa democracia. O fortalecimento do exercício do
controle social sobre o Estado contribuiria, assim,
para o alargamento da esfera pública. Neste sentido, a viabilidade do controle social seria condicionada à existência de uma democracia participativa e
à institucionalização dos canais de participação em
Conselhos setoriais.
Dessa forma, esse estudo se propõe a contribuir
com essa discussão, tendo como objetivo geral colaborar com o fortalecimento da atuação dos conselhos municipais no processo de gestão da saúde, no
Estado do Rio Grande do Norte-RN, e como objetivos específicos: a) avaliar o nível de controle social
exercido pelos conselhos municipais de saúde no
que se refere ao fiel cumprimento da legislação brasileira dos instrumentos de planejamento, orçamento
e gestão da saúde, b) verificar o processo de tramitação e deliberações acerca dos Planos Anual e Plurinaual de Saúde, Previsão e Programação Orçamentária, Prestação de Contas e Relatórios de Gestão; c)
Oferecer subsídios para que o poder executivo e os
conselhos de saúde conheçam melhor as questões
que envolvem o processo de formulação do plano
de saúde, a previsão orçamentária, prestação de
contas e a elaboração e apreciação dos relatórios de
gestão, enquanto instrumentos de aperfeiçoamento
da gestão pública da política de saúde no Estado; e
d) identificar o nível de articulação entre os principais
atores e instituições na área da saúde.
JUSTIFICATIVA
Um dos principais problemas vivenciados no processo de implantação e consolidação do SUS no RN
tem sido a capacidade de apreensão e utilização das
ferramentas de gestão e avaliação da política de saúde prevista na legislação vigente, especialmente no
Plano Plurianual, na Lei de Diretrizes Orçamentárias
e na Lei Orçamentária Anual, por parte dos gestores
e conselheiros de saúde. Nesse sentido, este estudo
se justifica pela necessidade de apresentar subsídios
referentes aos instrumentos de planejamento, gestão
e orçamento dos recursos aplicados nos programas
de saúde, verificando a relação das metas com os resultados, e consequentemente o fortalecimento dos
conselhos municipais de saúde.
METÓDOS
A amostra foi constituída por municípios das
macrorregiões de saúde previstas no Plano de Desenvolvimento Regional-PDR da Secretaria Estadual
de Saúde do RN (SESAP-RN), dentre os quais foram
escolhidos 02 (dois), o maior e o menor. Dessa forCiência Sempre 22 • 79
condução da política de saúde dos municípios.
f) Identificar a compatibilidade entre os três instrumentos do processo orçamentário (PPA, LDO e
LOA), tendo como referência a LRF como precondição para a disciplina fiscal.
g) Realizar uma análise da gestão dos recursos
do Fundo de Saúde, verificando os demonstrativos
orçamentário-financeiros e a sua compatibilidade
com a prestação de contas.
A pesquisa combinou dois recursos metodológicos: a pesquisa de campo, realizada no primeiro
semestre de 2012, e a aplicação de um questionário
no momento da reunião.
O questionário contemplou questões abertas
e fechadas, na perspectiva de identificar o cumprimento da legislação do SUS relativa à participação dos conselhos no processo de formulação
do Plano Municipal de Saúde, e o processo de
tramitação e apreciação da previsão orçamentária, prestação de contas e relatórios de gestão. A
análise dos dados envolveu uma combinação de
reflexões acerca dos dados coletados no questionário e na observação realizada no momento
da reunião com os representantes dos conselhos durante as visitas aos 12 (doze) municípios
selecionados.
A partir dos resultados, foi realizada uma análise
dos dados articulando teoria, métodos e técnicas na
perspectiva de apreensão da totalidade da realidade sócio-institucional em que circunscreve o exercício do controle social do SUS.
Sylara Silvério
ma, os municípios selecionados foram Caíco, Timbaúba dos Batistas, Viçosa, Pau dos Ferros, Tibau,
Extremoz, João Câmara, Pedra Preta, Lagoa dos
Velhos, Santa Cruz, Mossoró e Natal.
Realizou-se uma pesquisa de campo qualitativa, exploratória e descritiva, junto aos representantes dos Conselhos Municipais de Saúde, acerca da
efetivação do controle social sobre os principais
mecanismos de gestão, especialmente os instrumentos de planejamento, orçamento e gestão, do
período de 2005 a 2009, conforme o seguinte roteiro
de procedimentos:
a) Verificar na Agenda de Prioridades de Saúde,
destacando-se os eixos prioritários de intervenção,
seus objetivos e metas da política de saúde;
b) Analisar os Planos de Saúde identificando as
prioridades e metas da política de saúde, e sua relação com o diagnóstico, as estratégias, programas
de atuação, objetivos e indicadores de avaliação,
considerando que o PPA e Plano Anual (PA) de saúde devem conter o Quadro de Metas inspirado na
Agenda de Saúde. Esse Quadro de Metas se transforma na principal referência para orientar a elaboração da gestão.
c) Examinar a coerência entre Plano de Saúde,
Previsão Orçamentária e Relatórios de Gestão;
d) Verificar se os Planos de Saúde, anual e plurianual, bem como os Relatórios de Gestão constituíram a base para a elaboração dos instrumentos do
processo orçamentário — PPA, LDO e LOA .
e) Investigar o PPA como instrumento central na
80 • Ciência Sempre 22
Sylara Silvério
RESULTADOS
ANÁLISE DOS DADOS
Na dinâmica de funcionamento dos conselhos,
percebe-se uma frustração dos resultados obtidos (a
resolutividade de suas atividades) diante da ausência
do envio, por parte das secretarias municipais, dos
principais instrumentos de planejamento e gestão.
Não se trata apenas de atrasos, mas sim do envio para
que os conselheiros possam analisar e se posicionar.
Na verdade, no atual cenário apresenta-se um
descaso maior, uma vez que ocorre o descumprimento dos órgãos gestores com relação à lei que determina que o gestor municipal deva prestar contas
perante o Conselho Municipal de Saúde e em audiência pública na Câmara Municipal a cada trimestre,
independentemente da prestação de contas prevista
no § 2º do artigo 31 da Constituição Federal.
Com relação ao processo de deliberação dos
conselhos, cabe mencionar a inexistência de câmaras ou comissões técnicas e permanentes, que elaboram pareceres para instruir a tomada de posição
pela plenária e que poderão ampliar este processo.
Nos encaminhamentos das deliberações realizadas
nas reuniões do conselho ficou bastante claro, a partir
da análise das atas e das entrevistas realizadas com
os conselheiros, que nem sempre houve encaminhamento das deliberações; e, nos momentos em que
ocorreu, não se observou uma avaliação de sua resolutividade e homologação pelos órgãos competentes.
Essa deficiência é percebida pelos conselheiros
através de suas críticas quanto ao caráter puramente formal e instrumental do conselho. Alguns deles
admitem que participam pouco e que não têm preocupação com o retorno das deliberações. Além disso, como vimos, há conselheiros que desconhecem
as bases das políticas públicas, o regimento interno
do Conselho Municipal de Saúde e mesmo o papel
de representante no conselho. Praticamente inexiste
uma discussão mais profunda sobre o que é o Conselho, sobre suas atribuições e limites, temas estes
que possibilitariam aos conselheiros uma atuação
mais consciente e eficaz.
Ressalta-se que a atuação dos Conselhos de
Saúde como órgãos deliberativos, tanto no que diz
respeito ao planejamento quanto à execução das
ações do SUS, mostra-se de fundamental importância no dimensionamento das dificuldades e possibilidades de efetivação das políticas de saúde voltadas para a cidadania, sobretudo nos momentos em
que se discute a ampliação da participação social
nas instâncias de governo.
No entanto, os Conselhos não estão contribuindo para um processo de reestruturação do sistema
de saúde e promovendo um sistema de saúde mais
eficiente. As bases do controle social e da gestão
participativa ainda são frágeis, mas não meras ilusões, já que sempre há possibilidade de renovação,
pois, a qualquer momento, poderão surgir novos
padrões de interação e comunicação.
Nesse sentido o resultado possibilitou constatar
que:
1) 100% dos municípios enviaram o Plano Municipal de Saúde ao respectivo conselho de saúde,
elaborado para deliberação, não incorporando
os conselheiros no processo de sua formulação;
2) 90% dos municípios não realiza prestação de
contas trimestral ou quadrimestral;
3) 100% dos municípios encaminharam relatórios de
gestão trimestral e anual para a Câmara de Vereadores sem ter enviado para o conselho de saúde;
4) 100% dos conselhos de saúde não tiveram acesso aos extratos do Fundo Municipal de Saúde
e efetivamente não exercem o controle sobre a
aplicação dos recursos. Dentre os 12 municípios, apenas o Conselho Municipal de Saúde de
Natal informa ter solicitado o extrato e a gestão
ignorou a solicitação.
5) Onze municípios enviaram um resumo da prestação de contas dentro do relatório de gestão,
no entanto não realizam prestação de contas
trimestral ou anual ao conselho de saúde. Apenas a Secretaria Municipal de Saúde/Natal, em
função de exigências formais do CMS/Natal,
realizou prestação de contas anual nos exercícios 2005 a 2009. Havendo registros no referido
conselho de que por várias vezes acionou o Ministério Público requisitando auditorias externas
para averiguar irregularidades na aplicação dos
recursos no período de 2005 a 2009;
6) Dos doze municípios pesquisados, apenas o
CMS/Natal deliberou exclusivamente sobre presCiência Sempre 22 • 81
tação de contas, solicitou e examinou contratos,
privilegiando a investigação nos contratos com
maior volume de recursos envolvidos e maior número de denúncias. Não houve, inclusive, aprovação da prestação de contas dos exercícios 2005,
2006, 2007, 2008 e 2009, solicitando as providências cabíveis junto ao Ministério Público Federal e
Estadual, DENASUS e Tribunais de Contas.
A pesquisa documental privilegiou a análise comparativa entre as metas previstas nos Planos Municipais de Saúde e as metas alcançadas ou não nos Relatórios de Gestão Anual. Constatando-se o seguinte:
1) Em geral, os Relatórios de Gestão apresentam
uma descrição quantitativa do número de procedimentos realizados.
2) Três municípios mencionam alguma meta prevista no plano.
3) Três só mencionam alguma meta prevista no
plano de saúde quando apresentam um bom
desempenho, ou seja quando alcançam aproximadamente 100%. Assim, não mencionam a
maioria das metas previstas nos planos e sequer explicam as dificuldades encontradas que
concorreram para que não tenham conseguido
alcançá-las. Nesse sentido não apontam caminhos para superar os problemas.
4) Um município (Paus dos Ferros) buscou assessoria no processo de elaboração dos relatórios de
gestão e consegue tornar transparente a realidade do município, de modo que o referido documento realmente constitui-se em um instrumento
de gestão capaz de subsidiar o planejamento
em saúde do exercício seguinte.
5) Apenas um conselho de saúde (CMS/Natal) relata em suas atas que solicita documentos e
informações complementares, com vistas a averiguar a veracidade das informações contidas
nos Relatórios de Gestão, realiza visitas de fiscalização e produz relatórios acerca da realidade
como mecanismos para coletar subsídios sua
análise e parecer sobre os relatórios de gestão e
prestação de contas;
6) No período examinado, apenas o CMS/Natal buscou articulação intersetorial e com movimentos
sociais e populares no processo de discussão
do PMS (2005-2009) e na análise dos relatórios de gestão, havendo registro de resoluções
com vistas a articular saúde e assistência social,
reuniões com promotoria da saúde, promotoria
do idoso, movimentos de mulheres, ONGs que
combatem a AIDS e movimentos comunitários.
82 • Ciência Sempre 22
No geral, a análise dos dados da pesquisa de
campo e pesquisa documental revelam que, com
exceção do CMS/Natal, os demais Conselhos de
Saúde, tanto dos maiores quanto dos menores municípios de cada região, encontram-se em situação
semelhante, apresentando enormes dificuldades de
exercer o seu papel. Eles têm sido desrespeitados
em várias de suas prerrogativas, tais como participar do processo de formulação do plano de saúde,
controle do fundo municipal de saúde inclusive tendo ficado evidente que a maioria ainda desconhecia
os prazos de tramitação da LDO e LOA, bem como
dos relatórios de gestão e prestação de contas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise aqui empreendida sugere que os Conselhos encontram dificuldades para exercer suas
atribuições, definidas e garantidas pela legislação. A
restrição à participação tem afastado os conselhos
do seu projeto inicial, qual seja o de se tornar um
espaço de negociação e discussão entre grupos de
interesse, com a promessa de tornar as políticas de
saúde mais responsivas aos interesses dos usuários.
No entanto, ao mesmo tempo, os conselhos continuam sendo um espaço onde se encontram atores
que, antes, estavam totalmente excluídos do processo de tomada de decisão. E, mesmo se burocratizando, os conselhos não têm esgotado seu potencial de
promover controle social sobre a gestão do SUS e de
tomar decisões legitimadas pela consonância com o
discurso do SUS. Entretanto, o conselho não se efetiva quando se encontra desarticulado com gestores.
As dificuldades para que os Conselhos de Saúde exerçam suas atribuições, definidas e garantidas
pela legislação, têm sido ressaltadas e debatidas por
organizações governamentais, não-governamentais
e pelos próprios Conselhos de Saúde. Essas iniciativas resultam no desenvolvimento de experiências
que contribuem para a atuação na formulação de estratégias, de diretrizes, no controle da execução das
políticas e nas deliberações acatadas pelo gestor.
Nesse sentido, é oportuno desencadear processos de educação permanente para o controle social
no SUS envolvendo conselheiros, gestores, parlamentares, movimentos sociais, sindicais e populares,
que possibilitem à sociedade, além da compreensão
da estrutura e funcionamento do SUS, compreender
também o processo de construção do modelo assistencial voltado aos seus princípios e diretrizes.
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VÁZQUEZ, M. L. et al. Participação social nos serviços de saúde:
concepções dos usuários e líderes
comunitários em dois municípios
do Nordeste do Brasil. Caderno de
Saúde Pública, v. 19, n. 2, p. 579591, 2003.
WENDHAUSEN, Á.; CAPONI, S.
O diálogo e a participação em um
conselho
de saúde em Santa Catarina, Brasil. Cadernos de Saúde Pública,
Rio de Janeiro,
v. 18, n. 6, p. 1621-1628, 2002.
Sobre os autores:
Valéria Rodrigues Leite é professora-doutora do Departamento de
Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. É coordenadora da pesquisa.
Maria Dalva Horácio da Costa é
professora-doutora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte
Anailson Marcio Gomes é professor-doutor do Departamento de Ciências Contábeis da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte.
Encontrado em zonas costeiras do Oceano Atlântico, o manguezal é um ecossistema de transição entre os ambientes terrestre e marinho. É berço e habitat
sazonal de diversas espécies de animais como peixes, crustáceos, moluscos e aves, entre outros. Em Natal/RN, podem ser observados manguezais
margeando o Estuário do Rio Potengi. Foto de Karl Leite e texto de Samira Silva, tecnóloga em Gestão Ambiental pelo IFRN.
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Pesquisas apoiadas pelo PPSUS no Rio Grande