Universidade Estadual de Maringá Departamento de Ciências Morfofisiológicas ANATOMIA HUMANA Breve histórico, questões éticas e legais na utilização do cadáver. Profa. Ms Juliana V. C. Martins Perles jvcmperles2 jvcmperles [email protected] ou jjvcm77 [email protected] @gmail.com Anatomia Significado de termos: Anatomia e Dissecação Anatomia origina-se do grego antigo => ana: em partes; tomnein: cortar, incisar. Significa separar ou isolar naturalmente as estruturas das várias regiões do corpo para estudo pelo método de dissecação. Dissecação (ou dissecção) provém do termo latino dissecare => dis: em partes;secar: cortar, incisar. É termo empregado para designar a técnica mais comum e tradicional utilizada no estudo de anatomia.(Freitas, 2004). O termo cadáver é proveniente do acróstico latino “Caro Data Vermibus”, que significa “carne dada aos vermes”. Anatomia Conceito de Anatomia: È empregado para designar o ramo da ciência que se ocupa do estudo da morfologia, da estrutura e da arquitetura do corpo humano”. (Freitas, 2004) Anatomia é a ciência que estuda, macro e microscopicamente, a constituição e o desenvolvimento dos seres organizados (Ezequiel Rubinstein). Conceito de Anatomia proposto em 1981 pela American Association of Anatomists: Anatomia é a análise da estrutura biológica, sua correlação com a função e com as modulações de estrutura em resposta a fatores temporais, genéticos e ambientais. História da Anatomia Seu estudo tem uma longa e interessante história, desde os primórdios da civilização humana. Inicialmente limitada ao observável a olho nu e pela manipulação dos corpos, expandiuse, ao longo do tempo, graças a aquisição de tecnologias inovadoras. OSSOS ARTICULADOS: figura do livro De humani corporis fabrica, de ANDREAS VESALIUS, 1543 (gravura 22). História da Anatomia Observação: Início da civilização – o homem observa outros homens e animais. Representação de caça encontrada no Rio Grande do Norte: uma das mais antigas pinturas rupestres do mundo História da Anatomia Egípcios: Técnicas de conservação do corpo humano: - Mumificação (natural) - Embalsamamento (química) Para os egípcios a imortalidade da alma se conservava no corpo, o coração raramente era retirado do cadáver, por se acreditar que ele era a sede da alma. (Rodrigues) História da Anatomia A anatomia Humana é considerada a matéria mais antiga da Medicina, tanto que, inicialmente, ambas se confundiam. (“Nulla Medicina sine Anatomia!” =>Não há medicina sem anatomia) (Di Dio, www.sbanatomia.com.br) Grécia e Egito (1000 anos a.C.): conceitos de medicina racional e ética médica – busca do homem pela verdade objetiva. História da Anatomia Grécia antiga: Maior aceitação como ciência. • Hipócrates de Cós (460-377 a.C.) : um dos fundadores da ciência; “pai da medicina”; 72 textos, "Teoria Humoral da Enfermidade" ; juramentos e ensimamentos – código moral e ético. • Aristóteles (após Hipócrates, 384 a 322 a.C.): coração como centro das emoções; anatomia humana comparativa. Não usou cadáver humano. História da Anatomia Escola de Alexandria (século III a.C.): dissecava cadáveres de condenados a morte. X Herófilo da Calcedônia (300 a.C.): primeiro a dissecar cadáver humano (vasos contém sangue e não ar); “pai da Anatomia” David Jacques-Louis (1774): Erasístrato descobre a causa da enfermidade do rei sírio Antiochus. Erasístrato de Quios (290 a.C.): descreveu o sistema nervos (cérebro e cerebelo) História da Anatomia Dissecação: (proibida em 150 a.C.; retornou muitos anos mais tarde, mais por questões práticas que intelectuais). Galeno de Pérgamo (130 a 200 d.C.): retrocesso, aliado a igreja => animais; Até 1400 seus “ensimamentos” foram utilizados. História da Anatomia Idade média: A Sacralidade do corpo impediu o progresso da anatomia (considerada crime cujo castigo era a fogueira) Universidade de Bolonha (1315): Mondino fez a primeira vez dissecções de cadáveres humanos, com finalidade de ensino. (obrigatório uso de cadáver para cirurgiões Universidades). Anatomia como Arte Leonardo da Vinci (1452-1519): “arte e ciência caminham de mãos dadas” O Homem de Vitrúvio (1492): simetria Anatomia como Arte Michelangelo Buonarotti: ápice; 20 anos adquirindo conhecimentos do corpo humano num convento. Obras de Michelangelo Criação do Homem – Capela Sistina David Moisés História da Anatomia Arte => difusão da anatomia nas universidades, tornando as dissecações humanas parte integrante do currículo médico. Entretanto: número insuficiente e rápida putrefação dos cadáveres – violação de sepulturas; Decreto oficial foi emitido permitindo o uso de cadáveres de criminosos e ladrões. História da Anatomia Andreas Vesalius (1514-1564): “De humani corporis fabrica”. Corrigiu erros de outros anatomistas, expôs esqueleto do corpo humano. “Pai da Anatomia” Vesálio (1514 (1514--1564) 1564) Vesálio (1514 (1514--1564) 1564) •Foi responsável por uma revolução: •Monumental obra intitulada “De Humani Corporis Fabrica Libri Septem” (1543). •Corrigiu erros da Anatomia Galênica, •Fez contribuições em: osteologia e miologia e rejeitou, em cardiologia, a noção de Galeno do septo pérvio (intercomunicante). • A revolução contra Galeno e sua Anatomia provocou ondas de críticas que o conduziram à Espanha, onde foi escolhido como médico do Imperador Carlos V. Pupilo e Sucessor: Gabriel Fallopius (1523 – 1564) Inimigo : Bartholomeus Eustachius (-1570) => “Tabulae Anatomicae” (dissecações e descobertas). História da Anatomia Escola de Salermo: Primeira escola de Anatomia a se destacar na Europa – dissecação de animais. (Italia, França e Alemanha) William Harvey (1578-1657): marco histórico com seu livro “Exercitatio Anatomica de Motu Cordis et Sanguinis in Animalibus” (1628). Primeira dissecação humana na América: Massachusetts (1638) História da Anatomia Na Holanda tem destaque Frederik Ruysch (1638-1731); aperfeiçoou as injeções vasculares inventadas por Leonardo da Víncí, estudou os vasos coronários, plexos corioides, artérias brônquicas e a estrutura vascular da placenta. Alcançou quase a perfeição nas técnicas de embalsamento (“VII maravilha do mundo”). História da Anatomia Renascimento: perda das supertições e medos – evolução de várias ciências. Uso do álcool para conservação (1660) Anatomia microscópica: Macelo Malpighi (até 1694) História da Anatomia Formalina utilizada com fixador (1890) Raios X (1985) Secúlo XX: intensificação das pesquisas, descobertas de curas de doenças, antibióticos – qualidade de vida. Anatomia como arte Rembrandt – grandes obras de pintura: A lição de anatomia do Dr. Tulp Atualidades Gunther von Hagens Plastinação Atualidades – Von Hagens Atualidades – Von Hagens Atualidades – Von Hagens 1808 - Primeira escola de medicina no Brasil (Bahia); A SBA foi fundada em 31 de julho de 1952 no Departamento de Anatomia Descritiva e Topográfica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo na cidade de São Paulo, durante a 1ª Reunião Brasileira de Anatomia, sob a Presidência do Prof. Álvaro Fróes da Fonseca. (estatuto social); 05 a 08 de julho de 1954 => 1º Reunião da Sociedade Brasileira de Anatomia – Curitiba-Pr (XXIII-Congresso Brasileiro de Anatomia, 2008). História da Anatomia Conhecimento do corpo humano: - Criar métodos de estudos na busca do conhecimento morfológico => uso de cadáveres (Necessidade de manter o corpo íntegro). Cadáver como material de estudo Anatomia LEGISLAÇÃO Lei n° 8.501, de 30 de novembro de 1992 Dispõe sobre a utilização de cadáver não reclamado, para fins de estudos ou pesquisas científicas O que diz a lei federal 8.501 Ela disciplina exclusivamente a doação dos cadáveres não-reclamados, ou seja, aqueles em que não se encontraram familiares da vítima. É necessário esperar um período de no mínimo 30 dias para que o corpo possa ser doado. Durante esse tempo o cadáver fica sob responsabilidade da autoridade pública que o acolheu. A autoridade competente deve publicar nos principais jornais da cidade, durante pelo menos dez dias, a notícia do falecimento. A instituição deve manter informações relativas ao corpo como características gerais, fotos do corpo, ficha datiloscópica e resultado de autópsia, entre outros mais que julgar necessário. A família pode, a qualquer tempo, reaver o corpo do familiar. LEGISLAÇÃO Art. 2° O cadáver não reclamado junto às autoridades públicas, no prazo de trinta dias, poderá ser destinado às escolas de medicina, para fins de ensino e de pesquisa de caráter científico. Art. 3° Será destinado para estudo, na forma do artigo anterior, o cadáver: I sem qualquer documentação; II - identificado, sobre o qual inexistem informações relativas a endereços de parentes ou responsáveis legais. LEGISLAÇÃO § 1° Na hipótese do inciso II deste artigo, a autoridade competente fará publicar, nos principais jornais da cidade, a título de utilidade pública, pelo menos dez dias, a notícia do falecimento. § 2° Se a morte resultar de causa não natural, o corpo será, obrigatoriamente, submetido à necropsia no órgão competente. § 4° Para fins de reconhecimento, a autoridade ou instituição responsável manterá, sobre o falecido: os dados relativos às características gerais; a identificação; as fotos do corpo; a ficha datiloscópica; o resultado da necropsia, se efetuada; e outros dados e documentos julgados pertinentes. LEGISLAÇÃO Art. 4° Cumpridas as exigências estabelecidas nos artigos anteriores, o cadáver poderá ser liberado para fins de estudo. Art. 5° A qualquer tempo, os familiares ou representantes legais terão acesso aos elementos de que trata o § 4° do art. 3º desta Lei. LEGISLAÇÃO O modo de proceder: Estabelecida a existência de cadáver de pessoa não identificada ou, identificada, sem que os AssistentesSociais consigam localizar seus parentes ou responsáveis, vítimas de morte natural: a) A instituição de ensino interessada no cadáver deve promover a publicação de editais "em jornal de grande circulação, em dez dias alternados e pelo prazo de trinta dias, onde deverão constar todos os dados identificatórios disponíveis do cadáver e a possibilidade de serem dirigidas reclamações de familiares ou responsáveis legais ao oficial delegado"; b) Passado esse período, a escola envia essa documentação ao cartório, que por sua vez encaminha ao juiz, que emitirá uma certidão de óbito e autorizará o uso do corpo. No lugar do nome do cemitério, constará o nome da faculdade. A Sociedade Brasileira de Anatomia e bons professores do ramo dizem que o ideal é que se tenha um cadáver inteiro – também chamado de “fresco” ou “novo”, isto é, não trabalhado por turmas anteriores – para cada grupo de seis alunos. Melhor seria um cadáver para cada dois alunos, porque cada corpo tem duas pernas, dois braços, o que daria um membro para cada estudante.” LEGISLAÇÃO 1997 => Dirigentes das IES públicas + ministério público => comissão de distribuição de cadáveres do Paraná (sem caráter jurídico para ordenar as doações entre as universidades); 2007 => Criação do Conselho Estadual de Distribuição de Cadáveres, instituído pela Assembléia Legislativa do Estado do Paraná. => A aprovação do Conselho, foi feita simultaneamente à da Lei Estadual 15.471. O documento amplia a norma Federal de 1992 estabelecendo os critérios legais para a doação voluntária e estendendo-as para as escolas que necessitam de aulas de anatomia, mas não possuem o curso de medicina. LEGISLAÇÃO LEI Nº 15471 - 10 10/ /04 04/ /2007 Publicado no Diário Oficial Nº 7451 de 16 16/ /04 04/ /2007 Súmula: Autoriza o Poder Executivo a instituir o "Conselho Estadual de Distribuição de Cadáveres", no Estado do Paraná. LEGISLAÇÃO Art. 1° Fica o Poder Executivo, através da Secretaria de Estado de Ensino Superior, Ciência e Tecnologia, autorizado a instituir o “Conselho Estadual de Distribuição de Cadáveres”, que terá a finalidade de fazer a distribuição de cadáveres não identificados, não reclamados ou doados, para todas as Instituições de Ensino Superior Estaduais e Particulares, que possuam em seus currículos as disciplinas de Anatomia e/ou Pesquisas Científicas em Cadáveres. LEGISLAÇÃO Art. 2° O Poder Executivo designará a composição do Conselho que será formado por representantes das instituições de Ensino Superior que tenham em seus currículos a disciplina de Anatomia e/ou Pesquisas Científicas em Cadáveres. 10/03/2009 => O governador Roberto Requião nomeou os integrantes do Conselho Estadual de Distribuição de Cadáveres, conforme solicitação feita pela Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia. Representantes do Conselho Estadual de Distribuição de Cadáveres: Representante: JOSÉ GERALDO Suplente: MÁRCIO MOURA Universidade Federal do Paraná – UFPR AUERSWALD CALOMENO Representante: EDSON SCOLIN Suplente: EDUARDO RAFAEL DA VEIGA NETO Universidade Estadual de Londrina –UEL Representante: SÔNIA TRANINN DE MELLO Suplente: TÂNIA REGINA SOARES Universidade Estadual de Maringá – UEM Representante: LUCINÉIA DE FÁTIMA CHASKO RIBEIRO Suplente: THEREZINHA MARLENE ALONSO DOS REIS Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE Representante: JEIEL MARQUES PINTO Suplente: GIOVANI MARINO FÁVERO Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG Representante: ROSINEI DO VALE Suplente: DIRCEU DOMINGUES DA SILVA Faculdade Evangélica do Paraná O trabalho consiste em organizar a distribuição dos corpos de forma democrática e, ainda, promover a campanha pela doação voluntária.. voluntária Anatomia e Bioética A utilização do cadáver é uma tríplice lição educativa : a. Instrutiva ou informativa informativa,, como meio de conhecimento da organização do corpo humano,precedendo ao estudo no vivo; vivo; b. Normativa, disciplinadora do estudo, estudo, pelo seu caráter metodológico e de precisão de linguagem;; linguagem c. Estético Estético--moral, pela natureza do material de estudo, o cadáver, e pelo método de aprendizado, a dissecação, que é experiência e fuga repousante na contemplação da beleza e harmonia de construção do organismo humano. humano. O Professor Renato Locchi, já falecido, foi Professor Catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e da Escola Paulista de Medicina. Bioética – significado Bioética “bios” = vida “ethos” = ambiente, comportamento, ética É uma ciência da vida. Uma ciência nova (1991-Van Rensselaer Potter– oncologista norte americano) que une a reflexão moral, a biologia, a medicina, a sociologia, etc. 21/03/09 É uma associação de diversas disciplinas, comprometidas com a vida: humana, vegetal, animal. Participam: biólogos, botânicos, veterinários, médicos, enfermeiros, psicólogos, advogados, assistentes sociais, filósofos, teólogos, sociólogos, teólogos. HISTÓRICO – Bioética Código de Nuremberg, 1947 (2a Guerra Mundial – holocausto mundo ocidental cria um código para limitar estudos com seres humanos) Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948 Declaração de Helsinque, 1964; 1975; 1983; 1989; 1996; 2000; 2002 Bioética início em 1970 Van Rensselaer Potter =>criou a palavra Bioética Brasil 1988 - 96=> Comissão Nacional de Ética em Pesquisa CONEP (é uma comissão do Conselho Nacional de Saúde): função cunsoltiva, deliberativa, normativa e educativa. (CEP- Comitês de Ética em Pesquisa): Bioética – princípios básicos Principialismo: o desenvolvimento da bioética a partir de quatro princípios básicos (70-80) 2 de caráter deontológico : não maleficência e justiça; 2 de caráter teológico : beneficência e autonomia; Contextualismo (cada caso analisado individualmente dentro de contextos sociais, econômico, e cultural), feminismo, naturalismo, etc. Princípios da beneficência e não maleficência , da autonomia e o consentimento livre e esclarecido; da justiça. 21/03/09 Bioética Bios (vida) + ethos (conduta) Ética da vida Crise da razão cientificismo Ética Justificativa Ação Moral Voluntária Direito Regras Obrigatória Bioética Interação entre a vida e o universo das normas e valores morais; Ela reflete a tensão entre ética e técnica, entre ciência e consciência. Anatomia Cadáver como material de estudo Anatomia Conjunto de estruturas biológicas Valores e comportamentos humanos envolvidos na observação e manipulação do cadáver. Anatomia - Dilemas Primeiro dia de aula: Misto de curiosidade, ansiedade e medo repugnância, pesar, Como lidar com esta situação????? Lembrando que é um público com: - diversicade cultural; - diversicade religiosa; - diversicade biográfica. Cuidado técnico e ético Falar sobre ações: - não estrague a peça; - Não faça brincadeiras com o cadáver, etc. X Falar sobre sentimentos e valores: - não relacione seu medo da morte com o cadáver; - Não lembre do velório do seu pai, etc. “Ao te curvares com a rígida lâmina de teu bisturi sobre o cadáver desconhecido, lembra-te que este corpo nasceu do amor de duas almas, cresceu embalado pela fé e pela esperança daquela que em seu seio agasalhou. Sorriu e sonhou os mesmos sonhos das crianças e dos jovens. Por certo amou e foi amado e sentiu saudades de outros que partiram. Acalentou e esperou um amanhã feliz, e agora jaz na fria lousa, sem que por ele se tivesse derramado uma lágrima sequer, sem que tivesse uma só prece. Seu nome, só Deus sabe. Mas o destino inexorável deu-lhe o poder e a grandeza de servir à humanidade. A humanidade que por ele passou indiferente. Este é o lugar onde se ufana de socorrer a vida.” Rokitansky (1876). “Não importa o que se fez do homem, mas o que iremos fazer com o que fizeram dele” Sartre