1 Avaliação externa do curso de Educação na Irlanda Jesus Maria Sousa Professora Universitária Decorrida mais uma semana de trabalho na Universidade de Limerick, semana essa que tenho vindo a dedicar à avaliação externa do seu curso de Educação todos os meses de Dezembro nos últimos três anos, questiono-me se não haverá interesse em partilhar um pouco desta experiência magnífica a todos aqueles que, na Madeira, se interessam pelas questões da formação de professores. Nasceu esta ideia de uma amena conversa com o meu anfitrião, James Deegan, Head of Department of Education do MIC, enquanto saboreávamos o crepitar da lareira de um dos salões magníficos do imponente Dromoland Castle Hotel, um 5 estrelas instalado num castelo do século XVIII, no meio dum parque irlandês onde cavalos e faisões circulavam livremente. Já antes, porém, o Luís Calisto, que sabia das minhas andanças, me desafiara a aqui relatar essa vivência. O conceito de avaliação externa na Irlanda Para nos situarmos melhor, importa esclarecer a minha relação com a Universidade de Limerick, pois daí se extrai de imediato uma das mais-valias que caracteriza o ensino superior irlandês, ou seja, a avaliação externa das suas universidades. Na verdade, todos os cursos do ensino superior público na Irlanda são anualmente objecto de uma avaliação externa. Quer isto dizer que para tal convidam, por um período de três anos, três académicos de outras universidades, professores e/ou investigadores, pressupostamente independentes, que, depois de um contacto mais próximo com a realidade a observar, se pronunciam, através de relatório minucioso, sobre a qualidade do ensino aí ministrado. No caso particular do curso de Educação da Universidade de Limerick, os responsáveis têm procurado constituir equipas de avaliação com um elemento de Dublin (Profª Caoimhe Máirtín, de Coláiste Mhuire, Marino), um do Reino Unido (conheci o Prof. Charly Ryan, do King Alfred College, mas agora está o Prof. Chris White, da Universidade de Bath) e um que consideram da “Europa”, de forma a colher perspectivas não só nacionais como também internacionais. Julgo que o facto de eu ter sido coordenadora-geral da Avaliação da Universidade da Madeira, para além do cargo de direcção da ATEE (Association for Teacher Education in Europe) terá pesado bastante na análise do meu currículo para a atribuição das funções de “external examiner” na Irlanda. Naturalmente também, com muita sorte à mistura. Eire, Ilha Esmeralda A República da Irlanda, a que chamamos vulgarmente de Irlanda, cobre mais de 80% da ilha (não nos esqueçamos da Northern Ireland sob a administração britânica, onde 2 vive uma população de cerca de 1,5 milhão de pessoas). A Irlanda impressiona sobretudo pelo ar que nos enche os pulmões, os campos a perder de vista, os verdes que nos inebriam… É por isso que o seu antigo nome celta é Eire, a Ilha Esmeralda. De facto, este país tem uma baixa densidade populacional de apenas 3,5 milhões de habitantes para uma superfície de 70.000 km2. Para além da área metropolitana de Dublin, sua capital, localizada na costa oriental (fundada pelos Vikings há 1000 anos atrás), onde se concentra um milhão de pessoas, as outras cidades como Cork e Waterford na costa sul, ou Limerick e Galway na costa oeste não são assim tão populosas. No entanto, há que contar com cerca de 17 milhões de irlandeses (emigrantes e seus descendentes) fora da Irlanda, nomeadamente nos Estados Unidos da América. Todos sabemos da ascendência irlandesa dos antigos presidentes americanos John F. Kennedy e Ronald Reagan. Relativamente à especificidade de que tanto se orgulham, o facto de os Romanos não terem atravessado o mar até à ilha fez com que se preservasse, mais do que noutros países europeus ocidentais, a cultura céltica na sua forma mais pura, não obstante as hordas de invasores vindos de regiões variadas, de que os Vikings são o expoente máximo, nos primórdios da era medieval. No entanto, foi apenas com a invasão dos Normandos no século XII (com Henry II da Inglaterra, em 1168), que a Irlanda passou para o domínio inglês. O Celtic Tiger Após vários séculos de colonização e agitação, onde a par de situações de penúria e miséria (de 1848 a 1845 – era da Grande Fome – a população perdeu um milhão de pessoas) e luta constante pela dominação religiosa (a título de exemplo, a perseguição feroz aos católicos movida por Oliver Cromwell), a Irlanda ganhou a sua independência em 1921, tendo-se tornado uma República em 1949. Os primeiros tempos continuaram a ser muito duros, tendo levado muitos a emigrar para o Novo Mundo, como tão bem nos retrata Frank McCourt no seu “Angela’s Ashes”. Efectivamente, chegaram a emigrar, na década de 1950, cerca de 40.000 pessoas por ano, provocando uma razia na população e o abandono dos campos. Face a este passado essencialmente marcado por situações ancestrais de pobreza, ostracismo e intolerância religiosa, como se compreende o salto qualitativo de que tem dado provas ultimamente? Tendo por rampa de lançamento as novas tecnologias de informação e comunicação, os Irlandeses estão a apostar seriamente no seu recurso natural: a educação do seu povo. É aí que pretende assentar o desenvolvimento e o progresso do país. Vemos de facto como paulatinamente têm vindo a ocupar os lugares cimeiros nos rankings das análises comparativas ao nível da União Europeia. É a dinâmica do “Celtic Tiger” de que tanto aí se fala, como aquele espírito de vitória e de iniciativa que se quer em cada Irlandês. Neste contexto, a educação é assumida pelos políticos como o motor de desenvolvimento do país, registando altos níveis de investimento como passarei a descrever. O sistema educativo irlandês Tal como em Portugal existem três níveis de ensino (Básico, com três ciclos, Secundário e Superior), também na Irlanda eles se distribuem pela “Primary Education”, “Secondary Education” e “Tertiary Education”. Varia, no entanto, a sua concepção. O ensino primário, ao contrário do nosso ensino básico, vai dos 4 aos 12 anos. Já existe 3 ensino propriamente dito no “infant level” que é ministrado pelo professor numa escola e não pelo educador num jardim de infância, como acontece no nosso país. As escolas primárias não são escolas do Estado, apesar de serem por ele subsidiadas. O ensino secundário tem 3 ciclos: ciclo júnior (3 anos), ano de transição e ciclo sénior (2 anos). O ensino superior tem o “primary degree”, chamado “bachelor”, com 3 ou 4 anos, e o “postgraduate degree”, correspondente ao mestrado e ao doutoramento. Tendo em conta a população reduzida que detêm, não podem ser muitas as Universidades na Irlanda: existem 3 em Dublin (University College Dublin, Trinity College e Dublin City University), para além das Universidades de Cork, Galway e Limerick. Contam também com 23 Technical Colleges do ensino politécnico. O curso de Educação da Universidade de Limerick Assim como em Portugal as Universidades se organizam por Faculdades e Departamentos, também na Irlanda elas são constituídas pelos chamados Colleges. O Mary Immaculate College, vulgarmente conhecido por MIC, é uma instituição já centenária, fortemente marcada pela sua tradição católica. De facto, quando foi fundada em 1898, tinha em vista a formação profissional apenas de professores primários católicos. Só em 1974 passou a ser reconhecida pela National University of Ireland, sendo integrada na Universidade de Limerick, em 1991. São duas as áreas de especialização deste College: Educação e Letras. No que diz respeito ao curso de Educação que tenho vindo a avaliar, este é um curso com um programa de três anos, tendo em vista a preparação para a tal educação primária, que vai dos 4 aos 12 anos de idade, como referi atrás. Em termos de objectivos gerais, o Bachelor of Education (B.Ed.) propõe-se promover o desenvolvimento pessoal e intelectual dos alunos à medida que lhes são fornecidas as bases profissionais e académicas necessárias para a carreira docente. É interessante notar como se salienta a formação do aluno como pessoa, com tanta ou mais força que a sua formação académica. Neste momento, conta com 1200 estudantes, 400 por cada ano. O seu plano de estudos organiza-se ao longo de seis semestres. Para além do peso das disciplinas da Educação, que compreendem a teoria da educação (1), a metodologia de todas as áreas curriculares da educação primária (2) e a prática pedagógica (3), os alunos-futuros professores têm também obrigatoriamente a disciplina de “Gaeilge” (a língua que pretendem preservar a todo o custo) e duas outras disciplinas académicas, no 1º ano, das quais se escolherá apenas uma nos 2º e 3º anos, para aprofundamento. Essa(s) disciplina(s) devem ser seleccionada(s) de entre as seguintes: Inglês, Francês, Alemão, Geografia, História, Matemática, Música e Filosofia. A Educação Religiosa é ensinada em 5 dos 6 semestres. A Teoria da Educação tem os seguintes módulos: História da Educação, Filosofia da Educação, Psicologia da Educação e Sociologia da Educação. As Metodologias, ou os Ensinos-aprendizagens das áreas curriculares, a que eles chamam de “Pedagogy of Curricular Areas” cobrem as seguintes disciplinas: Artes Visuais, Educação Física, Educação Religiosa, Estudo do Meio Social, Educação para a Ciência, Expressão Oral e Dramática, Gaeilge, Inglês, Matemática e Música. A Prática Pedagógica (Teaching Practice) funciona duma maneira completamente diferente do desenho português. 4 Como está organizada a Prática Pedagógica? Logo no 1º semestre do 1º ano, os alunos têm uma disciplina de General Methodology and Micro-teaching que visa introduzi-los nos meandros do ensino. Cada aluno tem a oportunidade de treinar “teaching skills” com pequenos grupos de crianças num estúdio, tipo laboratório de ensino. No 2º semestre, começam já a contactar com uma “junior classroom” (crianças de 6 até 10 anos), durante um dia por semana. A partir do 2º ano, a prática pedagógica decorre por blocos, durante os quais são suspensas as aulas teóricas. No 1º semestre, têm um bloco de duas semanas consecutivas de estágio numa “infant classroom” (crianças de 4 e 5 anos), precedidas de uma outra de intensa preparação sob a orientação dos professores das restantes disciplinas. No 1º semestre do 3º ano, acentua-se o peso da prática pedagógica, organizada em três blocos: ao nível da pré-adolescência, ao nível duma classe à sua escolha e ao nível duma experiência alternativa de educação. Assim, todos os alunos arrancam o ano com uma semana de preparação para um bloco de duas semanas a dedicar a uma “senior classroom” (pré-adolescentes de 11 e 12 anos), seguindo o mesmo esquema de apoio que havia sido concedido por todos os docentes para a “infant classroom”… Só depois de se proporcionarem, como vimos, várias experiências pedagógicas ao estudante (infant, junior e senior classes), surge aquilo que considero como a grande originalidade deste sistema, só suportável por um forte apoio económico do Estado. O aluno-futuro professor pode escolher a classe e a escola, seja ela qual for, na Irlanda, para fazer o seu estágio de 5 semanas consecutivas. Pode-se fazer uma ideia dos custos que daí decorrem, se tivermos em conta que os professores titulares da classe não intervêm na formação do aluno (podem fazê-lo mas apenas duma maneira informal), implicando portanto a deslocação dos orientadores (supervisors) e coordenadores dos orientadores (consultant supervisors) do College, para além dos “external examiners”, para observação de aulas e consulta dos dossiers de programação, a regiões tão distantes que exigem alojamento em hotéis ou viagens de avião, quando decorrem em escolas sedeadas nas suas pequenas ilhas. Há também que fazer referência às duas semanas intensivas de trabalho de preparação que têm lugar num hotel vocacionado para colóquios, com imensas salas de reuniões, nos arredores de Limerick, para a qual o College assegura transporte e alimentação a todos os 400 alunos que se encontram no 3º ano. A ideia é a de lhes proporcionar as melhores condições de trabalho, com o apoio de todos os docentes, sem serem perturbados. Pode-se questionar quanto pagará o aluno de propinas para esta formação?! Sendo a propina anual no valor de 2700 Euros, correspondentes a cerca de 540.000$00, fiquei a saber que o Estado assegura o seu pagamento integral. Os alunos pagam apenas uma quantia simbólica referente aos “student services fees”, para um depósito na biblioteca (que depois lhes é devolvido), para o traje académico, material de artes visuais e despesas com a prática pedagógica. No entanto, há uma condição “sine qua non” para fruir desta situação especial: a condição de passar o ano. Porque, em caso de reprovação, o aluno passa imediatamente a assumir todas as despesas com a sua formação. Finalmente o terceiro bloco de estágio, com a duração de duas semanas, as últimas do semestre, deixou-me também extasiada: o aluno pode igualmente escolher um local educativo que saia do “mainstream” da escola nacional irlandesa. O College fornece aos alunos uma lista exaustiva de lugares que contempla desde escolas de educação especial, 5 unidades de terapia da fala, programas para “crianças em risco”, educação às comunidades ciganas (evitam chamá-las de “gipsies”, por não ser politicamente correcto, preferindo a denominação de “travellers”), educação através dos media, com programas de televisão, e… outra originalidade: a possibilidade de fazerem este estágio no estrangeiro, nos países subdesenvolvidos em África, na Ásia e na América Latina, junto de missionários, mas não só… Soube que dos 400 alunos do 3º ano, 30 irão, este ano, fazê-lo fora da Irlanda. Pode-se fazer uma ideia de quanto esta experiência será enriquecedora, em termos de abertura e humanização, para um jovem que vai ser professor. A visita às escolas Os avaliadores externos (como é o meu caso), ao se deslocarem a Limerick no mês de Dezembro, apanham a última semana do estágio - “home-based teaching practice”, tendo a oportunidade de observar aulas de alguns alunos, pressupostamente os melhores e os piores, de forma a ajudar os orientadores a aferirem os seus critérios de avaliação a partir de outros padrões. É por isso que tenho tido a oportunidade de percorrer quase o país todo, de norte a sul, de costa a costa, nestes últimos três anos, sendo acompanhada por um dos 5 “consultant supervisors” que me conduz por estradas sem iluminação pública, que nada têm a ver com as nossas, para chegar aos sítios mais recônditos, mas ao mesmo tempo mais bucólicos e paradisíacos, onde se encontra a escolinha que o aluno escolheu para seu estágio. Dingle e Tralee, na costa sudoeste, Galway, Ballina e Sligo, mais a norte, Gorey e Wexford, o grande porto de ligação com a Grã-Bretanha e continente europeu, na costa oriental, onde as escolas, por isso mesmo, são multiculturais, passando por Tipperary, têm sido alguns dos lugares que tenho vindo a conhecer. Uma razão muito simples apresentam para justificar essa oportunidade que dão ao aluno: procurar que ele se instale na escola do seu local de nascimento, prevenindo desse modo a tentação de se radicar junto das grandes cidades. Pude ver escolas só masculinas, só femininas ou mistas, escolas com ou sem exigência de farda, escolas rurais ou urbanas, confessionais ou laicas… Interessante foi ver, numa escola urbana, uma quinta ambulatória, tipo caravana, com toda a espécie de animais com que as crianças duma cidade normalmente não estão habituadas a conviver. Os pequenos faziam festas a coelhos, patos e pintos, corriam atrás das galinhas, enfim, era uma festa… Mal chegávamos a uma escola, a primeira coisa a fazer era apresentar cumprimentos ao “principal”, geralmente um homem, num mundo profissional dominado por mulheres. A partir daí, tudo se tornava familiar: o acolhimento irlandês foi sempre inexcedível com o seu “coffee or tea, and biscuits”, à volta duma mesa com os restantes professores… O aluno estagiário, em princípio, ficava a saber só naquele momento que iria ser observado pelo “consultant supervisor” e por um “external examiner”. Depois de uma breve troca de palavras, passava-nos para as mãos todos os dossiers de planificação, que verificávamos enquanto assistíamos a uma parte razoável da aula. Há que ressaltar igualmente que o orçamento da Universidade tem em conta, sem falsos pudores, toda uma parte social durante a nossa estada. O alojamento foi sempre em hotéis de primeira categoria e a alimentação nos melhores restaurantes. O penúltimo dia contempla um jantar de gala (tem sido no célebre “Mustard Seed”, em Ballingarry, a poucos quilómetros de Limerick), com o Presidente do Departamento, a Directora da 6 Prática Pedagógica, os Consultant Supervisors, dois representantes do pessoal administrativo, para além dos três “external examiners”. Finalmente, no último dia, tem lugar a Reunião Geral de Professores, no próprio College, onde são discutidos os padrões de qualidade do curso, a partir do que se observou, reunião essa precedida pelo “coffe or tea”, como não podia deixar de ser, acompanhado de “scones” irlandeses bem quentinhos. Finalmente, é já no local de trabalho de cada um que os três “external examiners” redigem o seu relatório sobre o curso, seguindo quatro parâmetros: Aspectos a salientar (1); Comentários sobre os padrões de ensino, organização, relevância dos programas, estrutura do curso e adequabilidade dos processos de avaliação e exame (2); Sugestões de alterações (3); e Comentários Gerais. Alguns aspectos distintivos Tendo observado uma média de oito alunos, por ano, cada qual na sua escola, consigo já deter uma ideia do funcionamento do sistema de ensino a este nível, da qual vou destacar os que mais me impressionaram pelo contraponto com a situação portuguesa: 1. O reconhecimento da profissão de professor A profissão docente é extremamente considerada na Irlanda, mas ainda mais o professor do ensino primário do que o do secundário. As candidaturas a este curso são tantas como as para medicina, havendo da parte das famílias uma enorme pressão sobre os jovens para seguirem este curso. É que, para além de o professor ser bem remunerado, existe um forte reconhecimento social. É interessante notar, por exemplo, que 7 ministros são professores. 2. O grau de exigência Esse reconhecimento tem naturalmente de estar assente num elevado nível de exigência. Os alunos reprovam no último ano. Não basta só o esforço e o trabalho disponibilizados e que é muito como pude observar. Se não atingem o que se considera mínimo exigível, pura e simplesmente não passam. É impensável dar-se um erro na escrita: os alunos têm muito treino de redacção e exposição de ideias. Fazem planos descritivos de 4 ou 5 páginas de um dia para outro, constróem material, redigem as suas auto-avaliações, etc., etc. São volumosos os dossiers que consultei. 3. Ordem e disciplina Não assisti nunca a problemas de indisciplina ao longo destes três anos. Os alunos levantam-se à entrada dos adultos estranhos que nós éramos, cumprimentam e despedem-se. Os horários são cumpridos à risca, sendo os intervalos bastante curtos porque não existem tempos mortos. 4. A compartimentação dos saberes As disciplinas não são dadas de uma forma integrada em torno de problemas gerais ou núcleos de interesse, como cá. São 20 minutos de Matemática, 20 de Educação Física, 15 de Inglês e por aí em diante, previstos no plano e executados na prática. Os alunos saltam de uma disciplina para outra a um ritmo razoável. Tiram material das pastas, 7 guardam material, arrumam a sala, vão para o ginásio, tiram o comer das suas rancheiras, almoçam, tudo num ritmo cronometrado… Como dizia atrás, não há perda de tempo. 5. A impregnação da religião católica A fé católica está consagrada na Constituição da República, fazendo parte do quotidiano dos Irlandeses. Não nos esqueçamos que a maioria dos cidadãos votou contra a entrada do divórcio em 1986. O primeiro-ministro, por exemplo, separado da esposa por mútuo acordo, não pode (ou não quer) se casar com a sua actual companheira, se bem que a leve a todas as cerimónias oficiais. Achei interessante a forma como mencionam o companheiro(a) não legalizado(a): é politicamente correcto dizer-se “partner”. Relativamente às minhas visitas às escolas, pude assistir a vários pedaços de aula dedicados à Educação Religiosa, relacionados com o Natal, o Menino Jesus, São João Baptista, etc. Pude constatar que se respira um ambiente religioso mesmo nas escolas laicas. Valerá a pena contar este pequeno episódio ocorrido numa escola primária liderada por uma religiosa: a determinada altura, no meio duma unidade relacionada com as Ciências, as crianças fazem notar à estagiária: “Miss, Miss, it’s noon!” (“Senhora, Senhora, é meiodia!”) De imediato, a turma toda levantou-se e, voltada para uma pequena imagem de Nossa Senhora, começou a rezar, de forma cadenciada, uma oração memorizada.. 6. A preservação da língua Tenho vindo a notar, de ano para ano, uma maior atenção à língua “Gaeilge” (se bem que me digam que não é intencional) tanto nas planificações como na própria realização das aulas. É preciso não nos esquecermos que muitos dos estagiários não dominam muito bem a língua. No entanto, o Estado determinou a obrigatoriedade de aprendizagem da mesma, levando a que antes de mais, os professores a aprendam de facto. Todos os dias, as aulas iniciam com uns 10 minutos de conversação em “Gaeilge” sobre o que se passou no dia anterior, em casa, ou na comunidade. A ideia é a de associar essa língua ao quotidiano, ao momento presente. 7. A formalidade no trato Os estagiários de quem tive a oportunidade de assistir a aulas, estavam todos formalmente vestidos. Não vi nenhum sem gravata, ao contrário das estagiárias, muitas com calças de ganga e sapatilhas. Também no College, todos os professores se apresentaram na Reunião-geral vestidos com formalidade. Em momentos sociais, pelo contrário, apreciei o grau de informalidade dos homens (talvez por estarem cansados das exigências do dia-a-dia de trabalho) que contrastava, no entanto, com os vestidos quase de cerimónia das senhoras. Porque seria? 8. Sobrevalorização da técnica em detrimento da investigação A inexistência de disciplinas ou módulos de formação relacionados com a teoria crítica do currículo, a política educativa e a investigação na educação tendem a formar um professor mais técnico de ensino do que um profissional crítico e reflexivo, consciente do sistema em que se insere. Os alunos são pouco reivindicativos (as condições de trabalho, talvez por serem tão boas não dão também muita margem para reivindicações), não perturbam o “status quo” institucional nem social. Eles estão para cumprir os programas e dar a matéria o melhor que puderem. Dos relatórios que tenho vindo a elaborar nesse sentido, pareceu-me haver abertura para dois aspectos propostos por mim, na linha do modelo de formação de professores em 8 Portugal: a passagem de três para quatro anos e o enriquecimento dos conteúdos com disciplinas do Currículo e da Investigação em Educação. Enfim, estas são as minhas leituras pessoais, talvez por demais impressionistas, mas que poderão em certa medida fazer-nos reflectir sobre onde estará o modelo ideal de formação de professores. O leitor sabe? Agradecimentos Peadar Cremin, Mary Immaculate College President James Deegan, Head of Department of Education Eileen O’Sullivan, Director of Teaching Practice Siobhán Ní Mhuirthile, Acting Director of Teacher Practice Noreen O’ Loughlin, Consultant Supervisor Martin Gleeson, Consultant Supervisor Sheyla Ryan, Higher Executive Officer for Administration Sheila Kent, Higher Executive Officer for Administration Bibliografia CREMIN, P. (1999). (Org.). “Yearbook 1999-2000. Mary Immaculate College. University of Limerick”. Limerick: MIC. CREMIN, P. (2001). (Org.). Mary Immaculate College. University of Limerick. Prospectus 2002-2003”. Limerick: MIC. ENCICLOPÉDIA GEOGRÁFICA. (1988). Lisboa: Selecção do Readers’ Digest. FORMOSINHO, J. (2000). “Teacher Education in Portugal. 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