O Mobiliário do Antigo Egipto no Império Novo Análise Material e Simbólica André Henriques d’Almeida Garrido Patrício Dissertação de Mestrado em História – Especialização em Egiptologia Abril 2014 O Mobiliário do Antigo Egipto no Império Novo Análise Material e Simbólica André Henriques d’Almeida Garrido Patrício Dissertação de Mestrado em História – Especialização em Egiptologia Versão corrigida e melhorada após a sua defesa pública Abril 2014 Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História – Especialização em Egiptologia, realizada sob a orientação científica de Professora Doutora Maria Helena Trindade Lopes Em memória da minha sorellina Raquel Patrício e dos meus amados avós, que reencontrarei no Mundo dos Ocidentais. Para o Strauss, o meu eterno companheiro! To B.P. AGRADECIMENTOS À Professora Doutora Maria Helena Trindade Lopes pela sua enorme paciência, pela sua constante presença e total disponibilidade. Por nunca me ter deixado parar. Acima de tudo pelo seu génio e pelo seu amor pelo Egipto, que me inspirou mais do que quaisquer palavras conseguirão alguma vez exprimir. Ao Professor Doutor José das Candeias Sales pela sua visão do Egipto. Pelo seu conhecimento enciclopédico de todo o panteão egípcio e por estar sempre disponível a partilhá-lo. À Professora Doutora Victoria Asensi Amorós por me ter ajudado mesmo sem fazer ideia de quem eu era e por gentilmente me ter facultado acesso à sua Dissertação de Doutoramento, compilação máxima da madeira do antigo Egipto. À Senhora D. Lurdes Morgado pela sua disponibilidade e explicações dos aspectos burocráticos. Foi indispensável. À Susana Mota por nunca ter parado de “me dar na cabeça”, por ter sempre insistido que a perfeição era essencial. Por me ter lembrado constantemente das etapas que se seguem e do quão fascinantes são. Pela ajuda da sua incomparável mente sem paralelo. À Regina Carvalho pela paciência que sempre teve para as questões existenciais que surgem nos momentos menos apropriados. Ao Bernardo Neves por estar presente há tantos anos que se tornaram incontáveis. Pela sua enorme paciência em atender os meus pedidos de leitura a horas inadmissíveis e pela sua frase de assinatura “Só não consegues se não queres!”, algo que sempre muito me irritou mas que me obrigou a nunca parar. Desde o Técnico. Aos meus pais. À minha mãe por ter sempre acreditado que se eu amava Egiptologia devia seguir o “meu coração”. Por ter tido sempre a certeza de que eu completaria este trabalho e continuaria neste campo que sempre me fascinou. Ao meu pai por se ter apaixonado pelo Egipto quando eu decidi ir para Egiptologia e por a partir desse dia nunca mais ter parado de me questionar sobre os mais variados assuntos das Duas Terras. São os dois o exemplo máximo do que força, dignidade e resistência humana deve ser. O Mobiliário do Antigo Egipto no Império Novo Análise Material e Simbólica André Henriques d’Almeida Garrido Patrício A presente dissertação reflecte a compilação de um estudo essencialmente bibliográfico e iconográfico de doze peças de mobiliário do antigo Egipto, Império Novo. É primeiramente apresentado um breve estudo sobre materiais usados para a construção dos diversos objectos produzidos no referido período histórico e analisados os seus aspectos simbólicos. São também apresentadas sucintamente algumas técnicas de construção adoptadas durante as dinastias XVIII-XX para a construção de mobiliário doméstico e ritual. De seguida estes objectos são analisados material e simbolicamente em dois capítulos tendo como base a investigação efectuada. Colocam-se ao longo deste trabalho diversas questões, sendo as mais prementes “se terá havido transferência de mobiliário doméstico para o contexto funerário” e “Terão tido os espólios funerários mobiliário feito exclusivamente para esse fim”. As conclusões revelam dados comparativos do universo de peças de mobiliário recolhidas e apresentam algumas hipóteses explicativas sobre o assunto abordado. Palavras-chave: Mobiliário, Império Novo, Simbolismo. INTRODUÇÃO “Os antigos conheciam sete ramos do Nilo: como o Pitão mitológico, o Nilo mergulhava as suas sete cabeças no mar. [...] A vida do Egipto é o Nilo: sem o Nilo, o Egipto seria apenas a continuação do Deserto Líbico, até ao Mar Vermelho. Assim, é o país mais fecundo em que ao homem foi dado semear.” Eça de Queirós1 Egipto! A terra dos faraós! Estes são ainda hoje poderosos constructos inscritos na mente colectiva humana. Estão de tal forma enraizados que usualmente a própria Humanidade não se apercebe das suas presenças. Para muitos, o Egipto traduz-se num local quase mágico e repleto de segredos, num passado distante onde homens que eram considerados deuses reinavam. Para outros será uma realidade que nunca pode ter existido por ser tão surpreendente. Um facto é constante: o fascínio que o Antigo Egipto exerce sobre tantos é, cientificamente, inexplicável. A civilização faraónica surgiu em cerca de três mil antes de Cristo2 tendo-se mantido viável durante trinta Dinastias3 que se estenderam por mais de dois milénios e meio 4 . Foi contudo eventualmente forçada a adormecer por um mundo que observava o seu extenso oásis habitado por um povo complexo e antigo com olhares de inveja. Esse mesmo mundo actuou constantemente contra um povo que tinha como uma das suas centrais preocupações a manutenção de maat. O Egipto foi repetidas vezes invadido. Manteve-se sempre numa cerrada batalha pelo controlo do isefético e a sua manutenção fora das suas fronteiras. Todas as grandes civilizações, enfim, acabam por perceber quando é altura de, quase como se de um plano estratégico se tratasse, qual dentes de dragão, enterrar-se na profundeza da terra sobre a qual andou durante milénios. E esperar. Pacientemente esperar que o planeta venha a estar preparado para a voltar a receber. Há pouco mais de um século e meio esse momento 1 Queirós, E., O Egipto – Notas de Viagem, 43-44. Dinastia I, Faraó Aha. Cf. Shaw, I. (ed), The Oxford History of The Ancient Egypt, 480. 3 Consideram-se os Períodos Intermediários como mantendo o regime faraónico, independentemente das alterações políticas internas do Egipto nessas alturas. As trinta dinastias estenderam-se, sensivelmente por cerca 2657 anos, terminando com o início do segundo Período Persa. Cf. Shaw, I. (ed), Ibidem, 480-482. 4 Foi, até aos dias de hoje a única civilização que se estendeu no tempo por um período tão extenso. A nossa própria civilização dura há apenas dois milénios. 2 1 parece ter chegado. A extraordinária história desta civilização começou a ser conhecida e estudada com um cuidado e interesse inesperados. De certa forma, os antigos egípcios voltaram a andar uma vez mais no seu mundo. Os seus nomes recomeçaram a ser pronunciados e a sua eternidade foi, segundo os seus mais profundos costumes, assegurada. No século XVIII o Egipto começou a ser então revelado pelos olhos de uma nova civilização. Nos dias de hoje, em lentos passos vai-se tentando compreender aquele mistério que foi o mundo do Antigo Egipto. É essencial olhar com humildade e reverência para um povo cuja existência ainda é tão repleta de perguntas. Muito mais do que de respostas. É neste ponto que se introduz o presente estudo. Na tentativa de compreender mais um pequeno detalhe desta civilização que ainda se mantém longe de ser revelada na sua totalidade. Talvez ainda não confie nos que habitam este planeta! De uma forma reducionista pode-se começar a compreender os antigos egípcios com recurso a três aspectos básicos essenciais da sua cultura. O faraó, o Nilo e o seu complexo sistema de crenças religiosas e simbólicas. O Nilo era o coração do Egipto. Literalmente. Sem este rio nunca teria existido uma civilização. Os antigos egípcios tinham uma clara noção deste facto. Tudo o que era simbólico desde a fertilidade à cor natural do rio e mesmo à cor negra dos depósitos de detritos orgânicos das suas cheias tinha uma conotação extremamente positiva. Seria provavelmente uma forma de agradecimento pela vida que só este corpo de água tornava possível no meio de dois desertos inóspitos. O rio Nilo vem da África equatorial e desagua no Mar Mediterrâneo. Percorre um total de 6759.24 quilómetros. A riqueza orgânica deste rio deve o seu agradecimento às grandes monções na Etiópia que arrastam até ao Egipto um elevado volume de detritos altamente nutritivos que são depositados nas terras das suas margens5. É assim facilmente compreendido o papel central e a ligação deste rio a todo o sistema de crenças do antigo Egipto. Por certo que uma das suas mais importantes associações é feita ao grande Nun, a água primordial que cobria tudo e de onde surgiu a vida do primeiro dos deuses egípcios6, em mais do que uma cosmogonia. O faraó estava inevitavelmente ligado ao Nilo e era desta associação que uma das suas mais poderosas ferramentas surgia. Para todos os efeitos os seus ancestrais 5 6 Butzer, K. W., “Nile” in Redford, D. (ed), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, vol. 2, 343. Vd. Sales, J. C., As divindades Egípcias: uma chave para a compreensão do Egipto antigo, 66; 69. 2 haviam surgido do Nilo. Esta ligação directa entre o rio, fonte de vida, o faraó e os egípcios, que dependiam do rio para sobreviver, remetia para uma das eternas bases da realeza: a ligação única e transcendental de um individuo, o faraó, com todos os seus súbditos. Ao contrário de todos os outros membros da sociedade que apenas se ligam a alguns dos seus indivíduos, o faraó estava inquestionavelmente ligado a todos7. Por outro lado a sua ligação com o divino estava claramente estabelecida desde os primeiros tempos do Egipto. O faraó era8 divino. Mais, ele era um deus vivo que governava sobre os egípcios. Ele era Hórus, filho e neto de deuses. Estes dois pontos estabeleciam amplamente a legitimidade de um faraó como governante em vez de qualquer outro indivíduo. Este facto ajuda a perceber a aparentemente excessiva preocupação de tantos faraós usurpadores do trono de Hórus em estabelecer, sem margem para dúvidas, a sua linhagem divina. O sistema de crenças religiosas é certamente bastante mais complexo que os anteriores e acima de tudo, abrange-os. É necessário estabelecer que um sistema de crenças religiosas se refere a um tipo de informação que inclui qualquer objecto, ocorrência, gesto ou indivíduo que em determinado momento da história e em determinado lugar teve um significado fora do comum ou transcendente9. Entraremos aqui no domínio do simbólico, núcleo vivo da religião egípcia. O simbolismo, que deriva de uma crença tem como principal objectivo transportar o observador para uma concepção abstracta10. Muitos dos símbolos têm, na realidade, origem na natureza. Este é um aspecto central no sistema de crenças religioso-simbólicas de qualquer civilização11. É exatamente esta ligação ao natural que cria símbolos que não são mais do que representações das realidades da existência12 e do fundamento das estruturas religiosas da vida humana e do universo. Contudo o papel mais importante será a capacidade que retêm de serem reconhecíveis e de assim tornar possível ao indivíduo não apenas nomear mas também identificar determinados fenómenos cósmicos e acima de tudo penetrá-los com uma introspecção significativa. Desta forma, o individuo e a sua sociedade tornam-se capazes de elevar o natural e a si próprios 7 Cf. Quigley, D. (ed), The Character of Kingship, 5. Ou pelo menos foi durante quase toda a duração do Egipto faraónico. 9 Reno, S. J., “Religious Symbolism: A Plea for a Comparative Approach” in Folklore, 76. 10 Reno, S. J., Op. Cit., 77. 11 Ibidem. 12 Sendo estes símbolos representantes das preocupações básicas dos homens: necessidade de segurança, satisfação, medos... Cf. Ibidem,78. 8 3 acima do quotidiano, passando a pertencer a algo transcendental13. No caso dos antigos egípcios vê-se este processo na proximidade do individuo ao divino e ao seu próprio Egipto: as Duas Terras eram governadas por um deus vivo. O ciclo estava assim fechado e totalmente explicado. Certamente que uma abordagem possível para levantar o denso véu do antigo Egipto será compreender o indivíduo Sabe-se que a complexidade do ser humano apenas é rivalizada por duas questões. Pelo que consegue alcançar partindo de uma simples ideia abstracta. Por aquilo que escolhe para o acompanhar durante a sua existência. Desde os primórdios da humanidade até à actualidade, alguns aspectos têm sido comuns a todas as civilizações e, por correspondência, a todos14 os indivíduos. O primeiro é sem dúvida o aspecto genético. A sobrevivência da espécie associada à procriação individual. Está geneticamente determinado que um indivíduo fará tudo ao seu alcance para garantir o prolongamento da sua existência e na maioria dos casos, conseguir manter essa mesma existência ad aeternum com novas gerações portadoras do seu material genético. Um segundo aspecto é uma clara extensão do primeiro. A manutenção da existência individual, mesmo após a morte física. Neste ponto, o antigo Egipto e a sua civilização foram mestres. Tornaram uma realidade cruel numa crença e essa crença numa prática. Estabeleceram um elaborado conjunto de rituais que foram durante milénios meticulosamente seguidos. Pretendiam garantir a sua continuidade numa nova dimensão, o seu Mundo dos Ocidentais. Aqui, apenas seriam abraçados aqueles de coração puro. Os melhores de entre todos. O terceiro aspecto consistentemente detectado em todas as civilizações é na realidade aquele que torna possível conhecer os que passaram antes de nós pelo planeta Terra e permite que o estudo que aqui se apresenta exista: a eterna necessidade de representação não só do indivíduo como da sua civilização e das suas crenças, fazendo-o iconográfica e materialmente. Para os habitantes das Duas Terras, estas representações eram essenciais para a manutenção da sua existência no Egipto e para activar a eficácia dos seus portais para o Mundo dos Ocidentais. Hoje chamamos-lhes túmulos. Estes locais de descanso eterno encerraram esses dois elementos que são de extrema importância e que este estudo abordará. Um primeiro é a própria riqueza iconográfica que preenche as paredes dos túmulos privados. Esta 13 14 Ibidem. Ou talvez se deva dizer antes “Ou na maioria dos indivíduos”. 4 fabulosa técnica de representar uma realidade através de um complicado registo simbólico produziu não só imagens com profundas raízes no sistema de crenças desta civilização como também representações de actividades comuns do dia a dia15 que permitem fazer suposições educadas de como terá sido a vida entre 1550 e 1069 antes de Cristo16 assim como dos complexos sistemas de crenças e simbolismos em vigor nessa época histórica. O segundo elemento é uma consequência afortunada do mesmo sistema de crenças. A preservação, que pretendia ser eterna, de riquíssimos espólios funerários que acompanhavam o morto. Destes complexos recheios de túmulos tornase possível ver com que objectos viviam os antigos egípcios, nas Duas Terras e nos domínios de Osíris. Para compreender o que gerou estes repositórios arqueológicos, há que compreender quais as principais forças motrizes que moldavam a mente egípcia. É exactamente no mobiliário 17 descoberto que se encontrará muitos dos elementos necessários para algumas das respostas que se procuram com este estudo. Há um aspecto em especial que deverá ser de imediato retido: a existência de uma relação bilateral entre a vida antes e depois do Egipto reflectida nos espólios tumulares. A função do mobiliário na vida terrena influenciava a sua importância funerária e o contrário seria também válido. É então fulcral fazer quando possível uma análise desta relação e entender o papel do mobiliário doméstico. É ainda vital compreender a riquíssima fonte de informação das crenças dos habitantes do antigo Egipto que estas peças encerram em si. Será inevitável ver toda esta indústria como um enorme catalisador das muitas trocas comerciais, motor de desenvolvimento e aperfeiçoamento de técnicas e de especializações profissionais ao serviço da construção das mais refinadas peças de mobiliário. Assim esta tese, inserida no âmbito da História do Quotidiano da antiga civilização Egípcia faz uma análise focada no mobiliário do antigo Egipto no período especifico do Império Novo 18 com três focos distintos, organizados de forma a conduzir o leitor por um percurso lógico de sucessão de informação. No primeiro capítulo será fornecida informação referente aos materiais usados para a construção de mobiliário. A madeira será apresentada como a matéria básica dominante19 de 15 Um dos muitos exemplos mais completos neste aspecto será o Túmulo de Sennedjem (TT 1). Vd. Haring, B. J. J., The tomb of Sennedjem (TT1) in Deir el-Medina: palaeography .; e Hodel-Hoenes, S., Life and Death in Ancient Egypt. Scenes from Private Tombs in New Kingdom Thebes, 247-265. 16 Período estimado do Império Novo, Dinastias XVIII a XX. Cf. Shaw, I. (ed), Op. Cit., 480. 17 Leospo, H., “Le mobilier funéraire en Egypt ancienne”, in Dossiers d’Archeologie, 257, 68. 18 Período estimado do Império Novo, Dinastias XVIII a XX. Cf. Shaw, I. (ed), Ibidem, 480. 19 Com excepções devidamente assinaladas. 5 todas as peças de mobiliário. Os restantes materiais, metal, pedras semipreciosas, faiança e marfim serão igualmente apresentados como eventuais complementos das peças. A simbologia geral destes materiais será igualmente mencionada. Numa segunda parte do capítulo I serão apresentadas brevemente as técnicas de construção adoptadas nestas peças. No segundo capítulo far-se-á uma apresentação e estudo material de mobiliário doméstico encontrado em diversos túmulos. Serão apresentados dois exemplares de cada tipo de peça de mobiliário considerado para este estudo. São essencialmente peças de uso comum diário, pertencentes ao mobiliário designado como doméstico. No capítulo III será apresentada uma análise simbólica das peças do capítulo II. Para esta análise terá sido feita uma coordenação das informações apresentadas nos dois capítulos anteriores, tanto materiais como iconográficas. Num todo pretende também focar-se a importância do mobiliário no antigo Egipto e a forma como remete directamente para a importância e razão de existir de todas as estruturas construídas pelo Homem, desde uma simples cadeira a uma complexa pirâmide. Mostra-se como o mobiliário, as técnicas envolvidas na sua construção, o design e o seu significado tendem a acompanhar a própria evolução do Egipto e como estabelecem um paralelismo com as crenças, vivências e relação com o cosmos e eventualmente com a sua história. Para reunir a informação apresentada recorreu-se a pesquisa bibliográfica e deslocações in vivo pesquisando-se acervos museológicos a nível mundial numa metodologia focada nos objectos que se pretendiam apresentar e não em função de um museu, da sua importância ou do volume da sua colecção. De igual forma, a pesquisa iconográfica incide principalmente em reproduções de frescos de túmulos das Dinastias do Império Novo, tendo sido dada preferência à informação e nunca ao túmulo20. Foram no entanto igualmente incluídas reproduções esquemáticas e de frescos de túmulos de Dinastias anteriores ao período central, assim como de algumas peças para auxiliar na evolução da narrativa. Pretendeu-se essencialmente trazer algum do mobiliário raramente colocado em evidência, tendo contudo sido feitas referências a objectos amplamente reconhecíveis. 20 Vd. Lista de Museus, 94. 6 CAPÍTULO I OS MATERIAIS E TÉCNICAS USADOS NA CONSTRUÇÃO DE MOBILIÁRIO NO ANTIGO EGIPTO: IMPÉRIO NOVO Para a compreensão de qualquer aspecto de uma civilização com um elevado grau de especialização, como o desenvolvido pelo antigo Egipto nos mais diversos campos21, é exigida uma análise cuidada dos elementos arqueológicos que chegaram até à actualidade. Para a compreensão da construção de mobiliário durante o Império Novo é inevitável postular-se a existência de diversos trabalhadores envolvidos neste processo, desde o momento inicial aos últimos detalhes de cada peça que era produzida. Os elementos deste grupo específico eram globalmente referidos como artesãos22 . Pertenciam a uma classe extremamente bem organizada essencialmente assente na especialização dos seus membros nas mais diversas vertentes23. Por um lado existiam os carpinteiros 24 , os “trabalhadores de metal” 25 e restantes indivíduos de áreas responsáveis pela construção e acabamento de cada peça26. Por outro havia uma sequência de actividades levada a cabo por artesãos ou trabalhadores com diferentes qualificações que seriam os suportes básicos destes últimos. Forneciam as matérias primas. Entre elas, incluem-se as madeiras, cuja origem poderia ser do Egipto ou importada, os metais, as pedras preciosas ou semipreciosas, pastas de vidro, faiança e linho que poderiam ter as mesmas proveniências. 21 Campos que englobam esferas tão distintas como a política, arte e arquitectura ou religião, ver Morkot, R. G., The Egyptians – An Introduction, 200-221.; Política, arquitectura e religião são extremamente bem retratados em Shaw, I. (ed), The Oxford History of Ancient Egypt, 218-314.; Uma visão mais generalista pode ser encontrada na publicação de Strouhal, E., Life of the Ancient Egyptians; Uma descrição extremamente bem aprofundada de todas as esferas até agora estudadas pode ser encontrada em Sasson, J. M. (ed), Civilizations of the Ancient Near East, 273-395; 749-775; 13731387; 1623-1635; 1711-1815; 2223-2265; 2533-2569.; Erman, A., Life in Ancient Egypt, 259-305; 328-368; 446-478. 22 Para aprofundamento do grupo social do artesão, consultar Valbelle, D. “Craftsmen” in Donadoni, S., The Egyptians, 31-61. 23 Numa breve nota, interessa referir que o processo de escolha e recolha dos materiais para construção de mobiliário estava, no Império Novo, extremamente refinado, estando o primeiro ponto a cargo de elementos que detinham o título de Oficiais Responsáveis por Expedições e o segundo ponto nas mãos dos designados Operários, essencialmente dois polos dentro da estrutura social do mundo de Artesãos, Cf. Valbelle, D., Op. Cit., 31, 33, 46. 24 Davies, N. de G., The Tomb of Rekh-Mi-Ré’ at Thebes, 51. Vd. Anexo I, Figura 1 e 2, 1. 25 Vd. Anexo I, Figura 2, 1 e Figura 3, 2. 26 Ibidem, 52. Vd. Anexo I, Figura 4, 2. 7 1.1 OS MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO USADOS NO MOBILIÁRIO DO IMPÉRIO NOVO As actividades que permitiam recolher a matéria prima usada na construção das peças de mobiliário, tinham frequentemente lugar nos domínios longínquos do então Egipto imperial. Um dos mais conhecidos exemplos será a “Expedição a Punt27” no Faraonato de Hatchepsut28. Na sua representação é ilustrada a quantidade de matéria prima recolhida da longínqua terra. Compreende-se também a vasta distância percorria pelas expedições para trazerem até ao coração do Império Egípcio o material que tanto desejavam. Conhecida também é a razão da necessidade de tamanhos esforços: apesar da sua enorme riqueza, muitos dos elementos que os antigos egípcios mais apreciavam não existiam naturalmente na sua Kmt29. AS MADEIRAS Na construção de mobiliário no antigo Egipto, a matéria prima que servia como base da maioria das peças era a madeira30. A procura deste material encontrava sérias limitações dentro do país. Uma primeira relaciona-se com o facto de as fontes indígenas do território serem essencialmente ou de pequeno porte ou constituídas por espécies que apresentavam composições demasiado fibrosas e portadoras de imperfeições como um elevado número de nós 31 . Estes eram aspectos que as tornavam num pobre contributo para o nível de excelência procurado. As características das madeiras indígenas do antigo Egipto, no entanto, ajudaram ao desenvolvimento do engenho dos seus marceneiros. As dimensões reduzidas revelaram-se percussoras da criação de eficientes técnicas de junção de diversas peças de madeira. Muitas são ainda hoje usadas32. Apesar de terem, por seu lado, limitado a criação de um elevado número de peças de mobiliário de grandes 27 Vd. Anexo I, Mapa V, 54. Vd. Anexo I, Figura 5, 3. 29 Terra Negra, nome atribuído ao Egipto durante a civilização faraónica. . Cf. Gardiner, Sir A., Egyptian Grammar, 597. 30 Para este tema apenas serão referidas madeiras usadas na construção de mobiliário, sendo, no entanto, a lista de outras madeiras existentes no Egipto durante o Império Novo muito mais extensa. Vd. Asensi, V., La Madera en el Antiguo Egipto: Identificaciones, Usos Y Comercio. Reflexiones a partir de los Objectos de ças Colecciones Egipcias de Marsella, Amiens Y Dijon.; Loret, V., La Flore Pharaonique D'Apres Les Documents Hieroglyphiques Et Les Specimens Decouverts Dans Les Tombes. 31 Alfred, C., “Fine Wood-Work” in Singer, C., Holmyard, E. J., Hall, A. R., A History of Technology, 685. 32 Henriques, R. “A Técnica e o Objecto (Contraponto entre mobiliário egípcio e mobiliário português) in Lopes, M. H. T. (ed), Hathor – Estudos de Egiptologia, 85. 28 8 dimensões. As imperfeições naturais ajudam a perceber o desenvolvimento e aperfeiçoamento de diversas técnicas de revestimento das peças de mobiliário com materiais como o gesso, pedras semipreciosas, diversos metais, entre outros. A escolha do material de revestimento não era, no entanto, arbitrária. Pode-se então definir com base nas crenças e práticas dos antigos Egípcios que a escolha de determinado revestimento bem como o uso de certa madeira estaria eventualmente relacionado não só com aspectos estéticos33 como também com aspectos simbólicos fundamentados em elementos mitológicos, religiosos e mágicos. As árvores que povoavam as Duas Terras, no Império Novo, e eram usadas especialmente no fabrico de mobiliário podem ser resumidas a algumas espécies do género Acácia (Acacia), Figueira “sicómoro”34 (Ficus sycomorus), Pérsea (Mimusops laurifolia)35 e ainda espécies dos géneros Salgueiro (Salix), Tamareira (Tamarix) e Buxo (Buxos sempervirens L)36. A procura de maior quantidade deste material assim como de árvores de maior envergadura que fornecessem madeira de melhor qualidade e também mais duradoura37 apesar de ser já prática comum desde o Império Antigo, originou no Império Novo rotas comerciais constantes e expedições frequentes38. Do Líbano vinha, desde a Dinastia IV, Faraonato de Seneferu, Cedro (Cedrus libani) tendo os antigos egípcios viajado até ao Chipre, à Síria e à Turquia39 em busca desta madeira. O Freixo (Fraxinus excelsior) e o Ulmeiro (Ulmus campestres) eram importados de diversas regiões do Norte de África e foram especialmente usados durante o Império Novo40. Da Turquia vinham ainda diversas espécies de Carvalho (género Quercus). Da Etiópia, Ceilão e Índia eram trazidas variadas espécies do cobiçado Ébano (género Diospyros), extremamente apreciado devido às suas características específicas e inexistência natural no país das Duas Terras41. Desde o Faraonato de Tutmés III 33 Ou ligados ao valor material. Amorós, V., Op. Cit., 65. 35 Killen, G., Egyptian Woodworking and Furniture, 7 – 9. 36 São ainda referidas como árvores indígenas possivelmente usadas em mobiliário, apesar de não terem sido ainda identificadas em peças: dois tipos de palmeiras: a Phoenix dactylifera sendo a sua madeira fibrosa e mole; a Hyphoene thebaica de madeira bastante dura e o Álamo do Eufrates (Populous euphratica), que crescia no Delta do Nilo Cf. Killen, G., Ancient Egyptian Furniture, Vol. I – 4000-1300 BC, 1-6. 37 Por exemplo, a madeira de Figueira de “sicómoro” mantinha a sua qualidade apenas num espaço de tempo muito reduzido, Amorós, V., Ibidem, 81. 38 Vd. Anexo I, Mapa IV, 53. 39 Ibidem, 63. 40 Killen, G., Egyptian Woodworking and Furniture, 9. 41 Cf. Killen, G., Ancient Egyptian Furniture, Vol. I – 4000-1300 BC, 3. 34 9 passou a ser usada uma grande quantidade de madeira de Alfarrobeira42 (Ceratonia siliqua). Eram trazidas árvores da Ásia Ocidental e das zonas a sul do Mar Vermelho 43 . Do Líbano, Trípoli, Megiddo 44 e áreas circundantes do Mar Mediterrâneo foram saqueadas durante o vigésimo terceiro ano do seu Faraonato seis cadeiras, seis assentos de pés e seis mesas com esta madeira na sua composição45. Da Síria, da Palestina e da Núbia era trazido Teixo (Taxus baccata) e Pinho de diversas espécies (género Pinus)46 . Da Síria, do Líbano e do continente asiático era ainda trazido o Cipreste (Cupressus sempervirens L). Da Ásia Ocidental era importado o Abeto47 (Abies cilicica) Plátano48 (Platanus orientalis) e do Mar Cáspio a Árvore da Ameixa49 (Prunus domestica). Parecendo ser amplamente procurado ao ponto de a produção indígena não ser suficiente, era trazido também da Ásia e do norte de África o Buxo50 (Buxos sempervirens L.) muito usado para incrustações e produção de objectos musicais 51 . Dos mesmos locais vinha Nogueira (Juglans regia), extremamente dispendiosa e equivalentemente apreciada. Tanto da Ásia Ocidental como da Europa do Sul eram trazidos exemplares de Tília52 (Tilia europea) que atingia diâmetros de cerca de 1.3m e de Álamo-Branco (Carpinus betulus), uma madeira extremamente dura mas com excelente capacidade para dobragem com uso de vapor. ANÁLISE SIMBÓLICA DAS MADEIRAS A simbologia associada ás madeiras remonta a Dinastias anteriores ás do Império Novo. Este aspecto pode ser inferido pela análise e estudo iconográfico de diversas fontes53. É frequente a representação de madeiras (na sua forma natural - em 42 Cf. Amorós, V., Ibidem, 336. Cf. Killen, G., Ibidem, 2. 44 Actualmente localizado em Israel, a 30 km sudoeste de Haifa. 45 Outros materiais incluídos no mobiliário: marfim, ébano e ouro. Cf. Killen, G., Ibidem. 46 Alfred, C., Op. Cit., 685. 43 47 Cf. Amorós, V., Ibidem, 336. Cf. Killen, G., Ancient Egyptian Furniture, vol. I – 4000-1300 BC, 5. 49 Cf. Killen, G., Op. Cit., 5. 50 Podendo ainda vir de locais como Mitanni e Alashia, segundo interpretações de cartas de Amarna. Cf. Gale, R., Gasson, P., Hepper, N., “Wood: Botany” in Nicholson, P. T., Shaw, I. (eds), Ancient Egyptian Materials and Technology, 338. 51 Cf. Killen, G., Ibidem, 2. 52 Ibidem, 4. 53 Um exemplo do Império Médio: “Aves numa Acácia”, Beni Hasan, Túmulo de Khnemhotep, metade superior da parede de topo da câmara principal, Dinastia XII in Davies, N. M., Ancient Egyptian Paintings, vol. III, 22-23. Vd. Anexo I, Figura 6, 3. 48 10 árvores54) em templos55 associadas a deuses56 ou figura mitológica, assim como a sua inclusão em diversos capítulos das várias composições literárias, ligando-as frequentemente a um relato mitológico-religioso57. Um dos exemplos mais conhecido deste tipo de representações será certamente o do deus inventor da arte da escrita, por excelência o que registava em árvores os longos Faraonatos para os próprios faraós, o deus lunar Tot58. Passar-se-á de seguida à análise das madeiras às quais foram atribuídas pelos egípcios características simbólicas ou papéis no seu sistema de crenças. A Acácia, 59 ou 60 (dependendo da espécie, Acacia nilótica ou Acacia tortilis, respectivamente), estava directamente associada aos mitos de criação. Sob a sagrada acácia de Iwnw da deusa Saosis61 nasceram os primeiros deuses62. Também Hórus emergira de uma acácia63. Por associação ao seu papel em Iwnw, árvore sob a qual decisões de vida ou morte eram tomadas64, compreende-se que simbolicamente a sua madeira estaria associada à possibilidade de escolha de vida (ou morte...), cuja dimensão aumentaria dependendo do contexto em que o mobiliário feito de ou com elementos de acácia estaria inserido. A Figueira “sicómoro”, 65 , tem um significado mitológico interessante. Era comummente associada às deusas Ísis, Nut66 e mais frequentemente 54 Vd. Anexo I, Figura 7, 4. Vd. Anexo I, Figura 8, 4 e Figura 9, 5. 56 Vd. Anexo I, Figura 10, 5. 57 Como exemplo encontra-se n’O Mito de Hórus de Behutet e do Disco Alado uma referência à árvore sagrada Acácia “The barque of Ré’ moored at the Town of Per-aha. Its prow was of iam and its stern of senedj, and they are sacred trees to this day.” Fairman, H. W. “The myth of Horus at Edfu – I” in The Journal of Egyptian Archaeology, 21 (1), 32. 58 A captação da Figura 8 omite-o, mas a Figura 9 mostra Tot esquematicamente na mesma representação do Ramesseum. Vd. Anexo I, Figuras 8 e 9, 4-5. 59 Cf. Asensi, V., Op. Cit., 336 e Gardiner, Sir A., Op. Cit., 695. Loret, V., La Flore Pharaonique d’Apres les Documents Hieroglyphiques et les Specimens Decouverts dans les Tombes, 84. refere para 55 a mesma espécie o nome hieroglífico , uma ligeira variação de um dos termos usados para a definição de árvore por Gardiner, Sir A., Ibidem. 60 Cf. Asensi, V., Ibidem. 61 Uma das quatro deusas comummente chamadas de deusas-árvores. A mais predominante sendo Hathor e as restantes duas Isis e Nut. Para melhor compreensão, Vd. Bleeker, C. J., Hathor and Thoth: Two Key Figures of the Ancient Egyptian Religion, 36. 62 Lurker, M., Lexikon de Götter und Symbole der alten Ägypter, 39. 63 Wilkinson, R. H., Symbol and Magic in Egyptian Art, 90. 64 Lurker, M., Op. Cit., 52. 65 Cf. Asensi, V., Ibidem. Enquanto que a Figueira da Síria (ou Figueira pseudo-Sicómoro) se chamava 66 . Vd. Anexo I, Figura 10a, 5. 11 à “Senhora do Sicómoro”, 68, Hathor 67 . Apresenta, tal como a Pérsea, uma importância simbólica de elevado relevo, também muito similar à da acácia, sendo os seus frutos e folhagens usados repetidamente em contextos funerários69. De salientar ainda que quando representada com uma gémea era estabelecida uma ligação directa com o horizonte e o sol nascente70, relembrando o hieróglifo akhet. Tinham inevitavelmente uma ligação solar e eram frequentemente plantadas em redor dos templos e representadas em túmulos 71 com detalhada precisão. A importância simbólica do Salgueiro, 72, remonta à cosmogonia de Iwnw, sendo sobre os seus ramos que o disco solar descansava sobre a forma de pássaro73 no início dos tempos74. Em outras situações o salgueiro era associado ao mito de Osíris, simbolicamente representando vida, fecundidade e renascimento. À Tamareira, 75, era associado o deus Upuaut, “Aquele que abre os caminhos”76, directamente ligado ao Mundo dos Ocidentais77, tornando a sua madeira numa escolha lógica para determinadas peças usadas em contexto funerário. As madeiras importadas devem ser compreendidas num registo ligeiramente diferente. Por virem de fora do Egipto, seriam possivelmente mais dispendiosas. O seu frequente aparecimento em escavações arqueológicas, surgindo essencialmente em mobiliário funerário78 das Dinastias XVIII e seguintes, provam contudo o seu uso bastante comum. O Cedro79, 80, era, por exemplo, uma madeira de elevada qualidade tornando-se numa árvore muito desejada para mobiliário da elite81. O seu 67 Wilkinson, R. H., Op. Cit., 91. Vd. Anexo I, Figura 10b, 5. Cf. Asensi, V., Ibidem. 69 Um exemplo praticamente intocado de cestos com os frutos de Persea residiu durante milénios no túmulo de Tutankhamon (KV 62). 70 Wilkinson, R. H., Ibidem, 90. 71 Vd. representação de um Jardim no Túmulo de Rekhmiré, Davies, N. De G. Op. Cit., pl. 79. 72 Cf. Asensi, V., Ibidem. 73 Fénix ou o seu antecessor, o pássaro Benu. 74 Keimer, L., “L'arbre “tjeret” est il réellement le saule égyptien (Salix safsaf Forsk.)?” in Bulletin de l’Institut Français d’Archéologie Orientale (31), 190. 75 Cf. Asensi, V., Ibidem. 76 Sales, J. C., As divindades Egípcias: uma chave para a compreensão do Egipto antigo, 151. 77 Facilmente se entende assim o uso do tamarisco na construção de ushabtis. 78 É importante referir que na sua maioria, o mobiliário funerário descoberto até à data era pertença da elite. 79 A maioria do mobiliário do KV 62 foi produzido com esta madeira. 80 Cf. Asensi, V., Ibidem. 81 O mesmo principio se aplicava ao ébano, hbn. Cf. Loret, V., La Flore Pharaonique D'Apres Les Documents Hieroglyphiques Et Les Specimens Decouverts Dans Les Tombes, 112. 68 12 uso parece ter sido no entanto bastante diversificado e aplicado em praticamente todos os campos imagináveis. A madeira importada era procurada pelas suas características específicas. Tendiam a originar mobiliário de elevada qualidade, produzidos por artesãos detentores de elevada perícia e técnica. A importância da madeira estrangeira estaria assim possivelmente mais ligada à qualidade82 dos objectos que com ela se produziam e consequentemente ao valor comercial que lhe era atribuído. Era possível que, talvez com a excepção da cor, não existisse um significado directamente ligado ao sistema de crenças do antigo Egipto. O Carvalho, 83, foi detectado nas junções de algumas peças de mobiliário encontradas no KV 6284 e nas camas rituais de Tutankhamon. É uma madeira dura e resistente o que certamente explica a sua utilização em juntas. O Freixo é uma madeira bastante elástica com uma dureza média, apesar de resistir com pouco sucesso ao passar do tempo. Era curiosamente usada para garantir a solidez de objectos85, servindo como reforço estrutural86. Tendo características semelhantes, o Ulmeiro era usado para as mesmas finalidades. O Teixo era utilizado em diversos contextos87. Tinha particular importância na construção do mobiliário uma vez que os cabos das ferramentas usadas para trabalhar a madeira eram frequentemente feitos de Teixo. O Cipreste, madeira bastante aromática, com um tom castanho-amarelado com reflexos rosa, era bastante resistente e facilmente trabalhada, sendo aplicada em diversos campos para além do mobiliário, como a produção de sarcófagos. O Freixo, o Ulmeiro, o Teixo e o Cipreste não têm vocábulos até agora conhecidos que os definissem no Antigo Egipto. O Ébano, 88, foi desde a sua introdução na produção de mobiliário, uma madeira muito cobiçada pela elite. A madeira apresenta uma enorme resistência ao passar do tempo e o elevado grau de mestria necessário para o entalhamento do 82 Apesar de ficar inevitavelmente ligada por consequência ao valor comercial que lhe era atribuído. Um exemplo do quão cobiçado o ébano era são as recorrentes peças de mobiliário onde o artesão escurecia a madeira de forma a tentar imitar a cor do ébano. 83 Cf. Asensi, V., Ibidem. 84 O seu uso principal era, contudo, nas construções arquitectónicas. Cf. Amorós, V., Op. Cit., 136. 85 O uso desta madeira não estava claramente ligado a qualquer função simbólica associada à sua cor que apresenta reflexos naturais que variavam entre o rosa e o verde. 86 O sarcófago de Ramsés II é um exemplo ideal onde o uso de freixo cumpria o seu papel estrutural. Cf. Amorós, V., Op. Cit., 144. 87 Sendo escultura um dos campos artísticos que mais usava esta madeira. Conhecesse uma cabeça da Rainha Tiyi esculpida nesta madeira. Cf. Gale, R., Gasson, P., Hepper, N., Op. Cit., 352. 88 Gardiner, Sir A., Op. Cit., 579. 13 ébano, devido à sua elevada dureza, foram factores determinante para se tornar numa madeira cara e desejada. O mobiliário que chegou até à actualidade exemplifica o cuidado com que o ébano era trabalhado. As suas cores mais comuns eram o castanho escuro e o preto. O seu uso era quase sempre exclusivo para mobiliário, sendo especialmente usado em embutidos, uma consequência do seu elevado custo. O Pinheiro, 89 (Pinus pinea L.) não era, à semelhança do cedro, usado apenas em mobiliário. Encontram-se dados que atestam a sua raridade como árvore no Egipto, tendo assim sido colocadas em jardins privados para efeitos decorativos, desde os tempos de Seneferu90 . Também para o Buxo não foi identificado um vocábulo específico91, pelo que a sua existência é apenas atestada por técnicas actuais de identificação de madeira. A sua madeira, bastante dura e resistente após secagem, tem dois tons dominantes, o verde escuro brilhante na parte superior e o verdeamarelado na parte inferior92, tornando-a simbolicamente ligada à vida e regeneração. De uma forma geral, a cor93 natural das madeiras, indígenas ou importadas, era inevitavelmente associada aos complexos sistemas de crenças do antigo Egipto. A escolha do artesão tendia a ser influenciada pelo significado que se pretendia associar à peça de mobiliário que iria construir. Madeiras avermelhadas e amareladas estabeleciam uma ligação simbólica com os dois tons de pele usados nas representações dos egípcios (pele masculina e feminina, respectivamente) e a madeira negra era usada para a representação de peles mais escuras, a pele dos estrangeiros. Madeiras com cores verdes extremamente definidas, como a do buxo, eram sempre associadas a vida e renascimento, sendo usadas em peças onde esse contexto fosse apropriado94. OS METAIS Sendo a madeira o material que servia de base para a criação de uma peça de mobiliário, a maioria das vezes não era o suficiente para transformar a simples criação 89 Cf. Amorós, V., Ibidem,336. Cf. Ibidem, 125. Um aspecto curioso, uma vez que era também uma árvore indígena. 91 Ibidem,140. 92 Ibidem, 141. 93 A simbologia das cores é analisada em conjunto com outros materiais, sendo o seu significado dependente na maioria dos casos da cor e não do material que originava o pigmento em si. 94 Faria todo o sentido usar madeira de buxo numa peça ligada a amamentação, como uma cadeira, por exemplo. Vd. Capítulo II, Objecto 2. 90 14 numa obra-prima. Para que o efeito fosse completo, diversos outros materiais eram cuidadosamente escolhidos e incluídos nas peças trabalhadas pelos artesão. Os metais tendiam a ser uma opção frequentemente seleccionada. Podiam ser aplicados sobre a peça, revestindo-a95 ou na peça, incrustados96. Em ambos os casos, quando o metal surgia no mobiliário do Império Novo, era sempre com objectivos decorativos e associativamente simbólicos. Podia sobre ele ser gravada por exemplo, uma cena da vida diária, um nome ou texto (Figura 11). Muitas vezes um metal era usado em conjunto com outros metais para originar uma composição elaborada de diversos elementos que formavam uma imagem. Este processo era feito com incrustação de diferentes metais ou incrustação de um metal noutro metal (Figura 12). O mais precioso de todos os metais, o ouro, existia em grandes quantidades no próprio Egipto e na Núbia97, território que durante o Império Novo foi anexado às Duas Terras98 com um carácter mais permanente. As suas características químicas colocavam-no no topo de todos os metais usados em mobiliário, ou em qualquer outra finalidade. O túmulo de Rekhmiré mostra exemplarmente o trabalho do ouro por artesãos. Este metal não era apenas usado com a finalidade de satisfazer necessidades decorativas e simbólicas do antigo Egipto. Era um bem extremamente valioso e como tal usado para trazer até ao coração do Império outros metais (e inúmeros bens) que nele não existiam99. Estava ligado praticamente a todas as esferas do mundo do antigo Egipto. A abundância de ouro nas Duas Terras ajuda a explicar a ascensão meteórica desta civilização como uma superpotência no mundo pré-clássico. Com o Egipto Imperial e o consequente aumento da produção de bens para uma elite cada vez mais exigente, a procura de ouro100 escalou para volumes nunca registados antes do Império Novo. Consequentemente, deixou de ser usado como 95 Vd. Anexo I, Figura 11, 6. Vd. Anexo I, Figura 12, 6. 97 Remete-se aqui para o documento onde se encontra o que é considerado o primeiro mapa topográfico da história, assinalando os locais de mineração de ouro no antigo Egipto, o Papiro de Turim. Localização actual: Museo delle Antichità Egizie di Torino, Objecto: Papiro delle miniere, Número de Inventário: Cat. 1879 +1969+1899 RCGE 17468. No Anexo apresenta-se um mapa mais recente. Vd. Anexo I, Mapa I, 50. 98 Acontecimento recorrente durante toda a história do Egipto Antigo, tendo conhecido o seu período de anexação mais durador e estável durante o Império Novo. Remete-se, como exemplo, para a larga escala de construção monumental de Templos pelo território Núbio durante o Faraonato de Ramsés II, Cf. James, T. G., Ramsès II. 99 Lacovara, P., Markowitz, Y. J., ”Gold” in Redford, D. B. (ed), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, vol. 2, 34. 100 E de outos metais. Vd. Anexo I, Mapa IV, 53. 96 15 elemento de troca para adquirir bens101. Para satisfazer a enorme procura de ouro, outros produtos passaram a ser trocados pelo metal dourado que nesta altura também era importado de forma a satisfazer a necessidade dos egípcios. Na realidade, o papel comercial do metal nobre inverteu-se. Foram construídas fortificações perto das segundas cataratas do Nilo102 que se tornaram não só em postos de defesa das minas de ouro da região, agora exploradas mais intensamente, mas também postos de trocas comerciais. Bens essenciais como vinho e grão egípcio eram trocados por ébano, marfim, gado e acima de tudo pelo amarelo ouro núbio. De uma forma geral, os restantes metais usados durante o Império Novo103 na construção de mobiliário eram importados, sendo na sua maioria trazidos de domínios egípcios do próximo Oriente. Numa leitura macroscópica, a prata 104 era de uma importância extrema. Apesar de os depósitos de ouro terem uma quantidade relativa de prata, a mesma não se encontrava em estado puro e o refinamento deste material apenas surgiu numa época mais tardia105 no Egipto faraónico. Assim a sua raridade era de tal forma considerável que, certamente, se não fossem as suas qualidades químicas negativas, como a inevitável oxidação, teria sido um metal incrivelmente mais adorado. Inicialmente, o “metal branco”106 valeria duas vezes mais do que o ouro107 . No entanto, simbolicamente, o seu estatuto era extremamente elevado. A Figura 12 exemplifica um dos usos da prata em incrustações, completando detalhes, neste caso, na roupa do casal faraónico. Entre a prata e o ouro encontra-se naturalmente no Egipto uma curiosa liga dos dois metais (com alguns vestígios de cobre na sua composição), o electrum. A sua coloração dependia directamente da quantidade dominante de metal na liga, podendo ir do pálido tom da prata ao intenso amarelo do ouro. O cobre, também incluído na 101 Porque na realidade a oferta não igualava a procura do Egipto do Império Novo. Lacovara, P., Markowitz, Y. J., Op. Cit., 36. 103 Ou durante todo o Egipto dinástico, sendo a época que se destaca como excepção à regra a do Terceiro Período Intermediário, em que as mais imediatas fontes de metais preciosos eram os túmulos dos antigos faraós do Império Novo. 104 Trazida do Levante, Turquia e Grécia, sob a forma de tributo ou como resultado de troca comercial, dependendo, claro, do local de origem. 105 Lacovara, P., Markowitz, Y. J., ”Silver” in Redford, D. B. (ed), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, vol. 3, 287. 106 Lacovara, P., Markowitz, Y. J., Op. Cit., 287. 107 Valor que foi alterado devido à quantidade introduzida pelo aumento do Império e rotas comerciais. Curiosamente, textos sumérios indicam que fora do Egipto, a prata valeria consideravelmente menos do que o cobre. 102 16 tabela periódica no mesmo grupo do ouro e da prata108, classificado como metal de transição, revelou-se essencial na construção de mobiliário requintado e especialmente delicado, pelas suas características especiais de maleabilidade e ductilidade. No Império Novo o cobre era principalmente trazido do Sinai, local explorado desde o Império Antigo109, de Timna no Negev110, da Síria e do Chipre. No Império Novo vê-se uma substituição do cobre por bronze na maioria dos seus usos mecânicos111. Mantinha apesar de tudo uma posição de elevado destaque nas trocas comerciais e surgem, datadas desta época, peças de mobiliário de elevada importância112 onde o cobre era usado como elemento decorativo. O Papiro Mayer B113 relata a pilhagem do túmulo de Ramsés VI, descrevendo entre outros objectos usurpados, oito camas, pertencentes ao faraó, ornamentadas com cobre114. Este metal tinha assim uma dupla importância115, como o bronze viria a ter numa época mais tardia. O bronze surge frequentemente em mobiliário do Império Novo. É uma liga metálica de cobre e estanho 116 , tendo ainda na sua constituição a presença em quantidades variáveis de outros metais como níquel, alumínio, zinco, chumbo, fósforo, entre outros. O estanho presente no bronze alterava essencialmente a resistência mecânica e a dureza do cobre117, não afectando a sua ductilidade118. 108 Grupo 11. Elementos incluídos no mesmo grupo da Tabela Periódica de Elementos têm comportamentos químicos semelhantes. 109 Lacovara, P., ”Copper” in Redford, D. B. (ed), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, vol. 1, 295. 110 Actualmente uma região de Israel. 111 Havia contudo um considerável de objetos feitos em cobre, desde representações de deuses a material para armazenamento de substâncias para uso cosmético, por exemplo. Arqueólogos notam que muitas vezes há uma certa indiscriminação no uso de cobre e bronze em peças similares, podendo ser um ou outro usado, provavelmente de acordo com a disponibilidade. Cf. Lacovara, P., Markowitz, Y. J., ”Bronze” in Redford, D. B. (ed), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, vol. 1, 201. 112 Exemplos mais conhecidos estão na colecção de Tutankhamon no The Egyptian Museum of Antiquities, Cairo. Peças de mobiliário considerado doméstico como a “Arca de Viagem com varas para transporte” (objecto JE 62722) ou um exemplo incontornável de mobiliário exclusivamente funerário ou ritual, “O dossel e santuário dos vasos canópicos” (objecto JE 60686). Para outros exemplos, neste ponto, na colecção Vd. Hawass, Z., King Tutankhamun: Treasures of the Tomb.; Carter, H., Mace, A., C., The Tomb of Tut.ankh.amen: Search, Discovery and Clearance of the Antechamber.; Carter, H., The Tomb of Tut.ankh.amen: The Annexe and Treasury.; Carter, H., The Tomb of Tut.ankh.amen: The Burial Chamber. 113 Localização actual: National Museums Liverpool (World Museum) e está registado sob o número de acesso M11186. 114 Reeves, N., Wilkinson, R. H., The Complete Valley of the Kings: The Tombs and Treasures of Egypt’s Greatest Pharaohs, 192. 115 Decorativa e económica. 116 Cf. Chang, Química, 526. 117 Que aumentava quando comparada á resistência do cobre puro. 17 Durante o antigo Egipto a sua utilidade estava também muito relacionada com a produção do mobiliário. As ferramentas usadas na transformação da madeira tinham, no Império Novo, inevitavelmente pelo menos um componente feito em bronze119, que proporcionava um nível de mestria excepcional no corte e restante trabalho de madeira 120 . Assim, as características físicas desta liga metálica tornavam-na duplamente valiosa: o bronze era perfeito para ser usado como ferramenta e por apresentar elevada maleabilidade121 era ideal para uso na decoração de peças de mobiliário. Um aspecto arqueológico importante a ter em atenção no que toca ao início do uso da liga metálica bronze em detrimento do metal cobre é o facto de este último raramente existir em estado puro na natureza, surgindo normalmente com impurezas que podem adulterar testes químicos usados na actualidade para identificar os constituintes de determinada peça. Assim, torna-se difícil estabelecer um momento determinado na história do antigo Egipto para a criação da liga metálica122. A diferença entre o metal puro cobre e a liga metálica bronze era bem conhecido pelos antigos egípcios, especialmente pelas similaridades que o último tinha com o ouro123. Assim, de uma forma geral, e por estarem inevitavelmente ligados, a proveniência do bronze coincidia com a do cobre. Os locais vitais de importação incluíam o Chipre, o Sinai, o sudoeste Asiático e a Núbia124. ANÁLISE SIMBÓLICA DOS METAIS A importância simbólica dos metais era extremamente detalhada e complexa. O ouro, 125 , gozava da mais significativa simbologia. Naturalmente perseverante era igualmente divino e logo estabelecia uma relação com a eternidade e o renascimento126 . Desde os primórdios da civilização egípcia, e muito provavelmente desde tempos anteriores, que a sua cor natural, o radiante dourado, 118 Este facto tornou o bronze no perfeito substituto do cobre em ferramentas, aspecto completamente generalizado durante o Império Novo. 119 Alguns instrumentos poderiam ter ainda elementos de cobre, metal que estava na base da precisão do corte e trabalho da madeira. 120 Killen, G., “Furniture” in Redford, D. B. (ed), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, vol. 1, 580. 121 Característica que advinha da sua ductibilidade. 122 Lacovara, P., Markowitz, Y. J., Op. Cit., 200. 123 Uma grande durabilidade e com um polimento extremo adquiria a tão desejada cor áurea. 124 Ibidem. 125 Cf. Gardiner, Sir A., Egyptian Grammar, 505. 126 Schorsch, D., “Precious-Metal Polychromy in Egypt in the Time of Tutankhamun” in The Journal of Egyptian Archaeology, 57 18 ajudou a estabelecer uma ligação com o sol e o deus que por ele era representado127, Ré. Os egípcios sempre tiveram esse dom, o de associar a sua mitologia à sua realidade. O que viam era magistralmente introduzido no seu sistema de crenças. Virá, portanto, sem surpresa, a associação entre carne dos deuses egípcios e o ouro, o amarelo do disco solar, a representação do deus primordial Ré. A prata, 128 , era associada à lua e à pureza. O deus lunar por excelência era Tot, mas Nefertem terá sido o deus mais representado num tom prateado129. É comum encontrar-se o disco lunar feito em prata, essencialmente em peças de joalharia130, representando claramente a cor da lua e por definição o material do qual era certamente feita. Mas de todas as simbologias associadas a este metal, a mais significativa era sem dúvida a sua associação aos ossos dos deuses. Frequentemente encontra-se prata dourada (coberta por ouro), em objectos como peitorais131, uma referencia quase anatómica da ligação entre o ouro e a prata na composição física dos deuses. Ao electrum, 132 , era atribuída uma simbologia que variava de acordo com a percentagem presente dos dois elementos que o constituíam e que alteravam o seu aspecto significativamente, podendo passar por ouro ou prata, sendo essa alteração definida pelo elemento dominante. No entanto, a existência natural deste metal prova um ponto importante, o ouro e a prata estavam inegavelmente ligados e as suas repercussões simbólicas eram inultrapassáveis. A explicação desenvolvida pelos antigos egípcios sobre a anatomia divina estava sem dúvida certa133. O cobre, 134, encontra a sua mais significativa simbologia na cor que varia de acordo com o tipo de impurezas que se introduziam na sua matriz135. O seu valor comercial era substancialmente inferior ao dos metais mais frequentemente 127 Wilkinson, R. H., Op. Cit., 82. Cf. Gardiner, Sir A., Ibidem. 129 Deuses solares como Hórus ou Hathor tinham também uma vertente lunar. Cf. Schorsch, D., Op. Cit., 57. 130 Lacovara, P., Markowitz, Y. J., Op. Cit., 287. 131 Cf. Ibidem. 132 Designado por bom ouro, um material precioso. Cf. Gardiner, Sir A., Op. Cit., 505. 133 Na realidade, a cor estava mais frequentemente ligada à escolha do metal que iria ser usado do que a sua facilidade em ser trabalhado. Cf. Schorsch, D., Op. Cit., 57. 134 Cf. Gardiner, Sir A., Ibidem, 564. 135 As impurezas produziam exemplos de cobre com variações de cor desde o vermelho, castanho ou alaranjado, regra geral com algumas manchas, até ao rosa, a cor do cobre mais puro. Por se apresentar com diversas cores, era um excelente material para complemento de peças de mobiliário quando se pretendia associar um papel simbólico dependente da cor. 128 19 utilizados, tornando-o assim uma presença rara no mobiliário da elite do Império Novo. O bronze, 136 , tem um simbologia importantíssima, que vinha directamente das suas características químicas que tornam esta liga num material que não só pouco sofria com o passar do tempo como se devidamente polido se tornava dourado, elevando-o ao nível do ouro. Transportava assim a mesma simbologia do amarelo, do dourado resplandecente mas a um preço bastante mais reduzido e a sua inclusão como adorno de peças de mobiliário ficou por este facto garantida. No Império Novo este aspecto foi importantíssimo pois com a exigência extrema de ouro pelo Império, o facto de outro material poder copiar a simbologia do mais nobre de todos os metais em peças de mobiliário era não só um achado como certamente um alívio. OUTROS MATERIAIS No mobiliário do Império Novo, encontram-se exemplos que percorrem todo o espectro de elementos desde minerais como pedras semipreciosas137, passando por exemplos como a complexa manipulação de minerais simples para obtenção de pasta de vidro colorido 138 , , até ao uso de gesso como base decorativa, podendo em alguns casos ser coberto por um metal nobre, o recorrente gesso dourado sendo aplicado de forma a servir de elemento de ligação dando forma à imagem que se pretendia desenhar139. MINERAIS A exploração da terra em busca de minerais pelos antigos Egípcios é amplamente conhecida 140 . Esta procura não era, como se poderia pensar, exclusivamente pelos minerais comummente referidos como pedras preciosas e semipreciosas mas também por minerais usados como matéria prima na produção de outros componentes de grande importância para o mobiliário. Um exemplo de 136 Cf. Ibidem, 582. Hawass, Z., King Tutankhamun: Treasures of the Tomb, 56. 138 Chamado de “A pedra que flui”. Cf. Wilkinson, R. H., Symbol and Magic in Egyptian Art, 88. 139 Vd. Anexo I, Figura 13, 7. 140 Vd. Anexo I, Mapa II e III, 51-52. 137 20 mineral 141 bastante simples cujo produto transformado era quase, senão sempre, aplicado em peças de mobiliário, era a gipsita cujo aquecimento, redução a pó e posterior união com água originava o gesso, indispensável para o acabamento da maioria das peças produzidas em madeira, e não apenas as exclusivamente feitas para mobiliário. Os minerais comummente designados como pedras preciosas por serem muito valorizados eram raramente usados em mobiliário. Por seu lado, os minerais semipreciosos são uma história completamente diferente, encontrando no mobiliário142 um parceiro adequado para serem expostos e devidamente valorizados, ao mesmo tempo que traziam para o objecto que adornavam toda a simbologia da sua cor143. Assim, as escavações144, muitas vezes afastadas do centro do antigo Império, eram em busca também destes minérios para acabamentos de peças de mobiliário que, eventualmente, se tornariam obras de arte com elementos dignos da joalharia faraónica. Um dos minerais abundantemente encontrado em mobiliário do Império Novo consiste numa variação da forma micro-cristalina e translúcida de quartzo sendo conhecida como calcedónia145. Esta pedra, como muitos outros minerais, vai variando de cor consoante o tipo de elementos impuros que naturalmente estão introduzidos na sua estrutura química. A cornalina, com uma cor que pode variar entre vermelho e um tom vermelho amarelado, a variedade mais usada146. Conhecido pela sua presença em joalharia e arte funerária, o lápis-lazúli147 é uma rocha complexa, de um azul hipnotizante proveniente da lazurita, um aluminosilicato, e pela sua extrema beleza e simbologia directamente ligada ao azul da abóboda celeste. 141 O Sílex merece uma menção especial, apesar de não ser usado como elemento decorativo em mobiliário, era sem dúvida essencial na construção de qualquer peça de mobiliário; devido à sua estrutura que origina pontos de ruptura através do grão de areia em vez de à volta do grão, tornou-se numa ferramenta de acabamento indispensável, produzindo uma superfície perfeita e totalmente lisa obtida pela raspagem de sílex nas superfícies de madeira cujo acabamento desejado era este. 142 E claro, na joalharia. 143 O uso de minerais estava essencialmente ligado à sua cor, mas em alguns casos a sua simbologia prendia-se a outros aspectos que serão oportunamente mencionados. 144 Não eram obtidos apenas através de escavações; muitas vezes, minerais semipreciosos eram obtidos através de trocas comerciais. Cf. Aston, B., Harrel, J., Shaw, I., “Stone” in Nicholson, P. T., Shaw, I. (eds), Ancient Egyptian Materials and Technology, 28. 145 Outros exemplos não usados em mobiliário mas em joalharia são a ágata, o crisoprásio, o ónix, e a sardónica. 146 Aston, B. G., Harrel, J. A. and Shaw, I. Op. Cit., 25. 147 Ibidem, 39. 21 Um interessante mineral, composto por fluoreto de cálcio, na sua forma pura transparente e cristalina, fluorite148, é usualmente encontrado em diversas cores na natureza devido a impurezas na estrutura molecular. A sua característica mais fascinante é a fluorescência, que ocorria na maioria dos exemplares. Era usado, raramente 149 , devido ás suas complexas características físicas, sendo no entanto adequado para incrustação não apenas em mobiliário como também em peças de joalharia150. Amazonita, uma das pedras mais preciosas dos antigos Egípcios 151 , certamente pela sua cor esverdeada, remetendo para a regeneração da terra, a vida e a Osíris, pertence a um enorme grupo de minerais, as microclinas. Quando encontrada em mobiliário está incrustada em pequenos detalhes. Sendo especialmente usados em joalharia, encontram-se também vários objectos de madeira com incrustações de quartzo que tendia a ser usado como substituto de cornalina152. Esta prática deve-se provavelmente ao facto de quartzo ser o mineral mais abundante no planeta, tornando-o num substituto lógico para determinado mobiliário. A estrutura química deste mineral é extremamente simples, baseada apenas em dióxido de silício. A cor, que provém das impurezas químicas presentes na estrutura do mineral origina uma alargada família com diversas tonalidades que permitiam assim uma variada escolha, de acordo com a simbologia que se pretendia dar a à peça para a qual o mineral era escolhido como complemento. Os mais usados em mobiliário no Império Novo foram o quartzo leitoso e o quartzo hialino153. Embora alguns minerais fossem usados exclusivamente na sua forma natural, como pedra preciosa ou semipreciosa, alguns era ainda usados para a produção de pigmentos, como a amazonita que poderia ser reduzida a pó para originar o pigmento amarelo e outros, como o sílex, eram exclusivamente usados para polimento de 148 Ibidem, 31. O Egipto tinha este mineral em elevadas quantidades, apesar de o parecer usar comparativamente pouco. Actualmente é considerado que a presença fluorite na joalharia micénica provinha de trocas comerciais entre estes dois povos. Cf. Ibidem, 32. 150 Ibidem, 31. 151 Ibidem, 46. 152 Ibidem, 51-54. 153 Usado especialmente para incrustação. Era aproveitado muito especificamente como córnea em estátuas e sarcófagos antropoides por ser transparente, dando a sensação de vitalidade e profundidade que ainda hoje se sente quando se observam objectos com este elemento na sua estrutura. 149 22 superfícies de madeira, como acabamento. Os minerais intervinham, indisputavelmente, de diversas formas na produção do mobiliário do antigo Egipto. FAIANÇA EGÍPCIA A faiança Egípcia154 , 155 , elemento recorrente na maioria das peças de mobiliário do Império Novo, é por definição um material não argiloso de cerâmica vidrada156. O seu uso era, no entanto, extensíssimo e aplicado aos mais diversos campos artísticos157. As Figuras 14158 e 15159 ilustram interiores do Palácio de Amenhotep III onde, pela informação arqueológica recolhida, se conclui que pelo menos algumas paredes e cornijas foram decoradas com faiança egípcia. A Figura 14 recria uma cornija feita em madeira, com incrustações de faiança verde e azul; a Figura 15 retrata a aplicação directa de faiança azul sobre gesso dourado, numa parede. O Império Novo foi o período onde a produção de faiança e a sua exportação atingiu os números mais elevados do período faraónico160 . Quimicamente, a faiança é composta por um corpo de quartzo ou areia, cal, natrão ou cinzas de plantas coberto por brilho que derivava da mistura de sílica, cal e carbonato de sódio, usualmente originando um brilhante azul esverdeado derivado da comum adição de cobre à mistura, aspecto detectado no extraordinário exemplo da Figura 16161 onde se mostra uma pouco comum peça em faiança, sendo este tipo de caixas de jogo fabricadas usualmente em madeira ou marfim162. As Figuras 9 e 10 ilustram exemplarmente a extensão do uso de faiança egípcia nos ambientes da elite, provando o quão exclusivo era este material, usado para ornamentar o próprio palácio faraónico. 154 Assim definida para ser diferenciada de um tipo de cerâmica actualmente designada majólica, Cf. Nicholson, P. T. with Peltenburg, E., “Egyptian faience” in Nicholson, P. T., Shaw, I. (eds), Op. Cit., 177. 155 Cf. Gardiner, Sir A., Egyptian Grammar, 601. 156 Nicholson, P. T. with Peltenburg, E., Op. Cit., 177. 157 Material para especial uso da elite egípcia. 158 Vd. Anexo I, Figura 14, 7. 159 Vd. Anexo I, Figura 15, 7. 160 Ibidem, 182. 161 Vd. Anexo I, Figura 16, 8. 162 Vd. Anexo I, Figuras 17 e 18, 8. 23 O MARFIM O marfim, grande porte 164 163 , é um material orgânico recolhido de animais de e as suas características físicas tornam-no num elemento extremamente fácil de trabalhar, seja para ser transformado em placas ou para ser esculpido. Encontram-se exemplares de mobiliário com elementos deste material desde a Dinastia I165 do Egipto faraónico. Por ser obtido de animais aos quais era associada uma enorme força física, o marfim encontrava a sua simbologia no campo da protecção contra forças iseféticas. Um exemplo adequado para ilustrar esta associação é encontrado na produção de objectos em marfim de hipopótamo que eram colocados à volta da cama como forma de proteger quem dormia166. A simbologia está, claro, ligada ao animal na sua forma feminina que era associada a divindades167 com enorme força e poder destrutivo ao mesmo tempo que detinha uma grande capacidade protectora e eram vistas como um símbolo de maternidade, de certa forma uma visão bastante dual168 das capacidades deste animal, comum em diversos aspectos da vida dos antigos egípcios. 1.2 A COR USADA NO MOBILIÁRIO DO IMPÉRIO NOVO Desde muito cedo que a cor se tornou num elemento central no campo decorativo do mobiliário do antigo Egipto. Não só por acrescentar um elegante detalhe estético, mas por ajudar a canalizar para uma determinada peça todo o poder que estava associado a uma cor e cujas raízes partiam do mais profundo sistema de crenças e simbologia do antigo Egipto. Certamente que um dos melhores exemplos que ilustram a importância da cor para os antigo egípcios se encontra nos túmulos do Império Novo. Neles, as suas câmaras, muitas vezes também corredores e antecâmaras estavam preenchidos com detalhadas imagens, cuidadosamente pintadas de forma a ajudar o ritual funerário a 163 Cf. Gardiner, Sir A., Op. Cit., 514. Hipopótamo ou Elefante, Cf. Killen, G., Egyptian Woodworking and Furniture, 10. 165 Túmulo de Djer, Umm el-Qa’ab, Abidos; Diversos exemplars de pernas esculpidas provavelmente para suporte de arcas. Cf. Killen, G., Op. Cit., 9. 166 Wilkinson, R. H., Symbol and Magic in Egyptian Art, 92. 167 Como Ipet, Reret, Shepet e Taueret. Cf. Wilkinson, R. H., The Complete Gods and Goddesses of Ancient Egypt, 183-186. 168 O aspecto dual mais significativo encontra-se entre a simbologia ligada ao género do hipopótamo. Ao género masculino era também associada força e poder destrutivo, mas era vista como algo perigoso e associado a Set, uma oposição radical à da simbologia associada aos elementos femininos destes animais. Cf. Wilkinson, R. H., Op. Cit., 183. 164 24 prosseguir como planeado, na transmutação das imagens representadas. Se alguma dúvida restar no quão importante era o papel da cor e na sua utilização correcta na quadrícula devida, será talvez importante relembrar as condições extremas a que os pintores estavam sujeitos durante a sua complexa tarefa. No Império Novo, dentro dos túmulos que se prolongavam longos metros para o interior da montanha tebana, a iluminação não natural era um problema real. A única solução seria o uso de candeias169 para fornecer iluminação artificial, num local onde o oxigénio era por natureza já bastante limitado. AS MATÉRIAS USADAS E OS PROCESSOS QUÍMICOS QUE ORIGINAVAM AS CORES NO ANTIGO EGIPTO A obtenção do equilíbrio perfeito de cada elemento que constitui uma cor é, claro, um processo complexo. Como em muitas outras civilizações, também na do Egipto Faraónico, foi sendo aperfeiçoado. Este aspecto é indispensável para compreender a evolução e as alterações na produção da cor. Os processos foram sendo graduais, inicialmente partindo de elementos simples presentes na natureza. No Império Novo, este era já um aspecto ultrapassado em alguns casos. Haviam sido desenvolvidas técnicas sintéticas para a obtenção de algumas cores. Nesta altura também os materiais usados para a produção de pigmentos eram bem conhecidos. A passagem geracional da informação era perpetuada pelo artesão que ensinava o seu aprendiz. No caso de misturas demasiadamente complexas, eram escritas fórmulas como no caso de pigmentos obtidos de forma sintética que precisavam de seguir processos meticulosos para terem sucesso. Também a simbologia da cor, nesta época, estava claramente definida e ramificava-se nas mais diversas atribuições. AS DUAS CORES OPOSTAS Pelas suas características químicas extremas, o branco e o preto não são incluídas em nenhum grupo de cores, formando antes os dois um grupo por si só. Eram as duas cores inquestionavelmente mais simples de obter. O pigmento preto, 170 , era obtido pela simples combustão de material orgânico vegetal, 169 Que libertavam gases nocivos que se tornavam mais perigosos conforme se passavam mais horas a inspirá-los. 170 Cf. Faulkner, R., O., A Concise Dictionary of Middle Egyptian,286. Deriva da sua associação com “Egipto - Kmt”. Cf. Baines, J., “Color Terminology and Color Classification: Ancient Egyptian Color Terminology and Polychromy” in American Anthropologist, 284. 25 reduzindo-o a carbono171 e o branco, 172 , poderia ser obtido pela redução a pó de gipsita pura, carbonato de cálcio ou de um carbonato mineral, a huntite 173 , composto por cálcio e magnésio. AS CORES PRIMÁRIAS A obtenção de cores é um processo não muito complexo, essencialmente baseado na observação de materiais e das suas cores naturais. A transformação dos materiais certos em pigmentos capazes de produzir as cores que eram desejadas foi um processo ligeiramente complicado. Era no entanto suficientemente rápido e a aprendizagem foi certamente feita numa dinâmica de tentativa e erro. A matéria prima para se conseguir produzir pigmentos estava presente em abundância no antigo Egipto e a observação desses materiais esteve no centro do sucesso que esta civilização alcançou desde momentos tão iniciais. As cores mais rapidamente replicadas terão sido as primárias: azul, vermelho e amarelo, por serem originadas com misturas simples e intuitivas. O amarelo, 174, conseguia-se pela redução a pó de goethita 175 e limonite, posteriormente misturado com barro e matéria silícica 176 . Inicialmente, no período pré-dinástico o pigmento amarelo era simplesmente obtido do pó do Auripigmento. O vermelho, 177 , cor que surge num período inicial da história bastante anterior à formação do Egipto dinástico, era obtido do óxido de ferro anidro (hematite) ou óxido hidratado de ferro (limonite)178, ambos os óxidos presentes em forma mineral na natureza. A obtenção do azul, 179 , teve uma curiosa evolução ao longo do tempo. Inicialmente era obtido simplesmente com óxido de cobalto. Contudo, no Império Novo 180 foi desenvolvido um pigmento sintético composto por sílica, cobre e cálcio 181 . O 171 Lee, L. and Quirke, S., “Painting Materials” in Nicholson, P. T., Shaw, I. (ed), Ancient Egyptian Materials and Technology, 108. 172 Cf. Faulkner, O., Op. Cit.,181. Deriva da sua associação com “prata”. Cf. Baines, J., Op. Cit., 284. 173 Lee, L. and Quirke, S., Op. Cit., 114. 174 A tradução mais correcta será “pigmento amarelo”. Cf. Faulkner, O., Op. Cit., 280. 175 Fórmula química α- FeO(OH) (unidade de repetição) 176 Lee, L. and Quirke, S., Op. Cit., 115. Deriva da sua associação com “deserto”. Cf. Baines, J., Ibidem. 177 Cf. Faulkner, O., Op. Cit., 316. Sir A. Gardiner discorda, introduzindo para vermelho . Cf. . Gardiner, Sir A., Egyptian Grammar, 622. Parece ambos uma variação da mesma palavra. 178 Ibidem. 179 Cf. Faulkner, O., Op. Cit., 28. 180 Exceptuando o caso de Amarna que regista o uso do pigmento azul directamente obtido da forma primordial. 181 Lee, L. and Quirke, S., Op. Cit., 108. 26 pigmento era obtido através do aquecimento de sílica, filamentos de uma liga de cobre ou um minério de cobre (malaquite ou óxido de cálcio) e um elemento alcalino como potássio ou natrão. A este novo pigmento deu-se o nome de azul egípcio, assim designado pela sua cor tão distinta. Tornou-se na única cor primária a ser obtida artificialmente. Este pigmento sintético tinha uma cor mais intensa e profunda, simbolicamente intensificando a ligação que já tinha com o céu e o seu espelho, o Nilo. As cores consideradas mais complexas, secundárias e terciárias terão sido certamente originadas por simples misturas intuitiva de pigmentos, por certo com recurso a tentativa e erro até terem sido atingidos os objectivos pretendidos. AS CORES SECUNDÁRIAS E TERCIÁRIAS O verde, 182 , já uma cor secundária, não era, no Império Novo, obtido pela união de cores primárias. Era igualmente conseguido com recurso a uma técnica artificial183. Produzido sinteticamente com recurso a um processo de redução dos mesmos elementos usados para o azul egípcio era incluída uma excepção para a diferenciação da cor: introduzia-se na mistura uma maior quantidade de óxido de cálcio e uma menor de cobre184. Os pigmentos compostos eram obtidos com a junção de vários pigmentos simples. O cinzento era formado através da mistura dos pigmentos que originavam o preto e dos que originavam o branco185. O castanho, surgia de uma de duas formas ou através de uma mistura de carbono (preto) com óxido de ferro III186 e sulfeto de arsénio187 ou recorrendo a uma técnica bastante curiosa, pintando com pigmento vermelho sobre pigmento preto já seco188. O cor de laranja podia ser obtido de quatro formas distintas: aplicando tinta vermelha sobre tinta amarela seca; misturando simplesmente as duas tintas na proporção adequada; através do uso de sulfeto de arsénio ou ainda recorrendo a um outro sulfureto de arsénio, o realgar189. Por último, 182 Cf. Faulkner, O., Op. Cit., 55. Originalmente obtido pela redução a pó de malaquite. 184 Lee, L. and Quirke, S., Op. Cit., 112. 185 Ibidem, 113. 186 A comum ferrugem. 187 Um mineral com uma cor amarelo-alaranjada. 188 Ibidem, 111. 189 Ibidem. 183 27 o cor de rosa era conseguido graças a uma elaborada mistura de dois elementos, a gipsita, o branco, e óxido hidratado de ferro190, o vermelho. Nota-se claramente que o balanço exacto dos componentes de cada pigmento foi sendo aperfeiçoado ao longo do tempo. Não há, infelizmente, relatos destes trabalhos mas verifica-se um aumento não só da variedade de cores como também da intensidade das próprias cores que foram sendo encontradas em túmulos do Império Novo. Tem-se, por correcção científica, de salvaguardar algum efeito da acção do tempo nas variações de cor hoje em dia encontradas em amostras do antigo Egipto, podendo, no entanto, também atribuí-la a uma certa liberdade artística de quem as preparava, à insuficiência de determinados elementos que as compunham ou à não uniformização das metodologias usadas para a obtenção da cor. Num todo, um aspecto é fundamentalmente aceite, a civilização egípcia usava a cor abundantemente e, analisando do ponto de vista meramente artístico, as conjugações eram frequentemente felizes, mas certamente também este foi um processo aprimorado durante milénios com constantes tentativas... e erros191. A SIMBOLOGIA DAS CORES A cor ocupava um papel tão central no sistema simbólico dos antigos egípcios que a sua associação com importantes deuses do panteão foi estabelecida de uma forma natural. De igual modo, a obtenção da cor veio revelar-se uma actividade quase instintiva para um povo que tendia a observar o ambiente que o rodeava, o absorvia e introduzia nas suas crenças. Copiava-o e adaptava-o. Às três cores principais, actualmente designadas por cores primárias, foram associados elementos centrais da vida no Egipto. O amarelo foi ligado a Ré, o deus primordial de Iwnw, dando a esta cor uma pesada simbologia não só associada a um deus, como às suas características, sendo a mais relevante a eternidade. Ao azul duas correspondências pareciam igualmente naturais, o céu e o Nilo. Na abóbada celeste encontrava-se a casa do panteão, as estrelas, o ciclo nocturno. Amon era recorrentemente representado também nesta cor. Também o Nilo, o coração das Duas Terras era azul. Esta cor primária incorporava assim simbologias associadas à regeneração, aos ciclos anuais e ao complexo aspecto divino. Na mesma linha, o vermelho estabelecia uma associação 190 Ibidem. Um aspecto assinalável: apesar da complexidade da análise química actual, na realidade a obtenção de cores parece ser um processo bastante natural para qualquer civilização, baseado primeiramente na junção de cores primárias e secundárias para obtenção de resultados. 191 28 às forças regeneradoras, às terras vermelhas e férteis à energia, ao poder e à sexualidade. Será possível que estas atribuições advenham da observação directa do sangue e de uma compreensão primitiva, mas acertada, da sua importância.. Dualmente o vermelho era também associado a Set, o eterno usurpador e ao seu domínio, o deserto. Pode-se ver que com apenas as cores primárias se conseguia definir todo o complexo cosmos de crenças do antigo Egipto, desde os deuses protectores de maat, dos ciclos de regeneração e vida, até ao deus isefético, habitante do mais temido e estéril lugar das Duas Terras. Não existem duas cores simbolicamente tão antagónicas, em características químicas e em efeito visual, como o branco e o preto. Enquanto que a noite e a morte eram inevitavelmente ligadas à cor preta192, a pureza e a verdade eram associações feitas ao branco. Existe neste caso um aspecto dual, quase primário e natural, muito característico do pensamento dicotómico egípcio. O verde, uma cor secundária, tinha igualmente uma complexa simbologia associada, estabelecendo uma ligação à regeneração, à vida e a Osíris, o primeiro dos faraós e senhor do Mundo dos Ocidentais, frequentemente representado nesta cor. 1.3 AS TÉCNICAS DE CONSTRUÇÃO USADAS NO MOBILIÁRIO DO IMPÉRIO NOVO TÉCNICAS DE PRODUÇÃO DE MOBILIÁRIO EM MADEIRA Para compreender o mobiliário do antigo Egipto é fundamental conhecer o complexo processo de obtenção da matéria prima, sua transformação e técnicas de construção utilizadas na concretização de cada objecto. Quando se analisa uma peça de mobiliário do antigo Egipto, compreende-se de imediato que a sua construção é na realidade uma associação do trabalho em diversos domínios artísticos para a obtenção do elemento final. Num todo, a visão do artesão que idealizou o objecto só se tornava realidade com o esforço colectivo de artesãos com especializações diferentes a trabalhar nesse mesmo projecto. Existem assim diversas técnicas que eram usadas no Império Novo para a concretização de um objecto e que importam referir como as técnicas aplicadas à madeira, ao metal, aos minerais e ainda outros materiais que apenas numa conjugação perfeita atingiam o objectivo final. Estas técnicas, desenvolvidas para que o 192 Apesar de ao mesmo tempo ter uma simbologia ligada à fertilidade e regeneração certamente por observação directa da cor dos detritos orgânicos deixados nas terras após a cheia anual do Nilo. 29 mobiliário conseguisse atingir o projecto imaginado, foram essencialmente uma conjugação de necessidade193, provocada pela limitação material, com engenho. Existem exemplos de mobiliário que remonta aos primeiros tempos dinásticos do antigo Egipto. Compreende-se então que o processamento da madeira já estava, no Império Novo, bastante refinado, tendo, apesar de tudo, evoluído muito pouco no que toca à introdução de novas ferramentas194 ou novas técnicas195. De uma forma sistemática, o processo de transformação da madeira pode ser dividido em quatro fases: Escolha e abatimento da árvore, Corte e Secagem, Transformação para Construção Efectiva do Mobiliário e Técnicas de Produção e Acabamento de Mobiliário. ESCOLHA E CORTE DA ÁRVORE A árvore escolhida tinha de ser adequada à peça que se pretendia construir. A madeira indígena poderia ser demasiadamente fibrosa, macia ou com inúmeros nós, pelo que a sua escolha era metódica. Igualmente importante era o facto de não danificar a madeira com a queda da árvore. Era assim prática comum, para as espécies de maior envergadura, usar técnicas para contrariar a queda e corrigir o ângulo. Recorria-se para este fim ao uso de cordas manejadas por ajudantes dos operários que abatiam a árvore. A árvore era cortada com recurso a machados de cobre 196 . Após o abatimento, a árvore tinha de ser preparada para o transporte até à oficina do artesão que iria processar a madeira. Assim, o tronco principal era totalmente limpo de ramos e folhagens e cortado em intervalos de 1,70m197. CORTE EM PLACAS E SECAGEM A transformação da árvore continuava, já nos complexos das oficinas, com a serração dos troncos em diversas placas198. Para reduzir a perda de matéria prima a 193 Pelas limitações do material em si, reflectido em 1.1, capítulo I. Tendo a maior alteração sido a referida substituição do cobre por bronze nas ferramentas de trabalho. Vd. Anexo I, Figuras 19-25, 9-10. 195 Claramente muitos dos processos construtivos e decorativos não só se mantiveram imutáveis durante todo Egipto dinástico como sobreviveram até aos nossos dias. É quase como se a perfeição revelada pela eficácia destas técnicas tivesse sido atingida há milénios e portanto a sua alteração é em absoluto desnecessária. Cf. Henriques, R., Op. Cit., 84. 196 Killen, G., “Wood: Technology” in Nicholson, P. T., Shaw, I. (eds), Ancient Egyptian Materials and Technology, 353. 197 Medida que facilitava bastante o transporte. 198 Vd. Anexo I, Figuras 26 e 27, 11. 194 30 um mínimo os troncos eram inteiramente convertidos em placas cortadas paralelamente199. Os antigos egípcios pareciam ter uma preferência em cortar madeira ainda verde200, talvez pela sua maleabilidade ser superior e o esforço envolvido na serração inferior. Desta forma o passo seguinte no processamento da madeira teria de passar inevitavelmente por um período de amadurecimento e secagem201. Uma das mais valias deste passo era aumentar a resistência da madeira202 contra infestações de fungos ou insectos da madeira203 . CONSTRUÇÃO DO MOBILIÁRIO. A questão central mais pertinente no aspecto das técnicas de construção de mobiliário em madeira não se prende nem com a escolha da árvore nem com o melhor ou mais bem cortado material mas sim com o desenvolvimento de junções para manter diversas peças unidas dando origem ao objecto204. Este é um aspecto que esteve sempre presente na mente do artesão marceneiro desde os momentos anteriores ao início do Egipto dinástico, como o comprova o tipo de junta de canto rabo de andorinha205, encontradas na moldura da cama da Rainha Heteperes, Dinastia IV. Um outro tipo de junta, tendo sido encontrado exemplares de épocas pré-dinásticas, é a junta de canto com furos206. Este modelo é composto por dois componentes de madeira colocados num ângulo de 90º fixados com pequenas estacas de madeira ou simplesmente atadas com correias de couro207. Apesar destes tipos de junta serem recorrentes ao longo de todo o período dinástico, outras mais práticas e especialmente mais eficazes vieram substitui-las. 199 Vd. Anexo I, Figura 28, 11. Muitas vezes a madeira era submetida a três técnicas designadas laminagem, dobragem e viragem, apenas executadas na perfeição neste momento de maior maleabilidade da matéria. Cf. Killen, G., Op. Cit., 358. 201 Através de um simples método, ainda hoje usado: secagem ao ar onde as placas são encostadas a uma parede verticalmente. 202 Este passo exigia uma hábil precisão, pois uma redução excessiva do nível de humidade da madeira levaria a que se tornasse inviável para ser trabalhada. 203 Ibidem, 14. 204 Vd. Anexo I, Figura 29, 12. 205 Vd. Anexo I, Figura 30, 12. 206 Encontrado no caixão da sepultura N 7531 do cemitério pré-dinástico de Nag el-Deir. Cf. Killen, G., Op. Cit., 359. 207 Vd. Anexo I, Figura 31, 12. 200 31 AS JUNTAS EM MOBILIÁRIO Com o desenvolvimento de mobiliário mais refinado e de maiores dimensões, surgiram novas necessidades na união das diversas peças de madeira. Esta necessidade reflectiu-se na criação de junções que produziam cantos perfeitamente desenhados e bem reforçados208 ou aumentavam a extensão em comprimento de uma peça, com as chamadas junções de aresta209. Este tipo de juntas não conheceu um grande desenvolvimento, sendo a razão mais provável o facto de o mobiliário ao longo do período dinástico não tender a ser demasiadamente grande, com excepção de alguns exemplos de arcas e certamente as camas. Outras juntas de aresta também usadas para aumentar o comprimento de peças foram a de gancho simples210, de gancho simples com encaixe de bloqueio de borboleta211 e a junta de banda em forma de gancho atada212. As juntas de canto mais usadas foram as de furo e respiga213, com algumas variantes, a junta de meia-esquadria214 com ombro ou duplo ombro e a junta de canto com longo plano de meia-esquadria215. Apesar de parecer extraordinário, na realidade, este avanço tecnológico foi vital para a criação do mobiliário que se conhece do Antigo Egipto e, de facto, para qualquer mobiliário ainda hoje em dia produzido. Em relação a formas usadas para fixar os diversos elementos de uma peça foi desenvolvido também muito cedo no percurso da civilização Egípcia o uso de cavilhas de madeira (ou pregos de metal, no caso de se pretender fixar folhas de ouro ou prata) e de colas, essencialmente de origem vegetal, com base no uso de resinas naturais. TÉCNICAS DE PRODUÇÃO E ACABAMENTO DE MOBILIÁRIO O mobiliário do antigo Egipto não era, no entanto, um aglomerado de tábuas 208 O tipo de juntas de escarva com secções redondas ou quadrangulares desenvolveram-se com o objectivo de aumentar a resistência do móvel. 209 Servindo para aumentar a largura dos tampos, como o exemplo do Vd. Anexo I, Figura 25, 11. 210 Vd. Anexo I, Figura 32, 13. 211 Vd. Anexo I, Figura 33, 13. 212 Vd. Anexo I, Figura 34, 13. 213 Vd. Anexo I, Figura 35, 14. 214 Vd. Anexo I, Figura 36, 14. 215 Diversas variações das juntas mencionadas foram desenvolvidas. Vd. Anexo I, Figuras 37-41, 1416. 32 unidas por junções complexas já que muitas outras técnicas eram usadas como acabamento para garantir que a criação do artesão marceneiro se tornava na obra de arte digna do seu destinatário. Uma das técnicas preferencialmente usadas na produção das mais elegantes peças de mobiliário, servindo como complemento do objecto e evidenciando aspectos do seu simbolismo, era o entalhamento 216 . Os exemplos mais conhecidos são naturalmente os pés em forma leonina ou bovina e os bustos que adornavam os tronos e cadeiras pertencentes à elite217. Havia ainda um outro aspecto do entalhamento que se reflectia nas imagens que adornavam comummente o mobiliário e que muitas vezes se revelavam perfeitas esculturas inseridas no corpo do móvel. Absolutamente essencial no acabamento de qualquer móvel era o alisamento da sua superfície. Este passo tinha duas finalidades assinaláveis: em primeiro lugar, diminuía a porosidade da madeira, tornando-a mais resistente, por outro lado, servia como preparação para os acabamentos que se baseavam na aplicação de gesso ou folha de ouro ou prata. Assim, nomeadamente com o uso de Sílex, a superfície era lixada e estava preparada para a parte final da decoração. Existiam diversos métodos usados para o acabamento, sendo todos ainda hoje replicados e frequentemente usados, e a sua escolha estava inteiramente ligada a dois factores, custo e simbologia. O acabamento mais comum recorria à aplicação de gesso que ou cobria toda a superfície do objecto homogeneamente ou era moldado num delicado trabalho de baixo relevo e posteriormente coberto por um metal. No primeiro caso, posteriormente poder-se-ia recorrer ao uso de cor para atingir aspectos simbólicos desejados, como no caso da Mesa de Pa-per-pa, analisada neste estudo. Folhear ou faixear uma parte ou a totalidade de uma peça de mobiliário era também uma prática comum quando se pretendia esconder o uso de uma madeira de qualidade inferior na produção do corpo do objecto218. A aplicação do folheado era feita com cola quente e em alguns casos, nomeadamente quando o folheado tivesse grande espessura, eram ainda usados pregos de madeira para fixação219. Com este 216 Também usada em marfim, com uma definição diferente, esculpido. Vd. Anexo I, Figura 42, 16. 218 Cf. Killen, G., Op. Cit., 366. 219 Regra geral uma cola produzida com recurso a produtos de origem animal produzida pela fervura da mistura de ossos e peles de animais jovens, como coelhos cabritos e cordeiros. Após a evaporação da água a mistura era armazenada. Para recuperar a viscosidade a mistura era novamente aquecida. Cf. Henriques, R., Op. Cit., 89. 217 33 método podia obter-se, com um custo muito menos elevado, um resultado igualmente perfeito. No entanto é de notar que nem sempre a razão para o uso de madeira folheada era uma questão económica, podendo estar relacionada com outras causas como a escassez da matéria prima, principalmente se fosse madeira importada, ou com a dificuldade em trabalhar a própria madeira. O marchetado 220 consistia na colagem de diversas peças de diferentes madeiras sobre o móvel, formando imagens ou padrões, que poderiam ser extremamente complexos. Um outro acabamento, geralmente dispendioso, mas muito recorrente pela enorme simbologia que trazia associado, era a colocação de folha de ouro, prata, electrum e por vezes bronze sobre a madeira coberta por argila branca221. A aplicação consistia em bater o metal escolhido até se tornar numa folha de espessura muito reduzida que era facilmente moldada sobre a peça. No entanto, por nem sempre ficarem suficientemente finas, era recorrentemente necessário fixar as folhas ao móvel com uso de pregos, feitos usualmente do mesmo material da folha a aplicar222. Para todos os efeitos, o resultado final era absolutamente perfeito e sobre este tipo de acabamento eram dados os últimos retoques, recorrendo à técnica de incrustação de minerais, faiança ou pasta de vidro223 que, tal como na joalharia, era sempre feita sobre metal. A incrustação pretendia não só aumentar o status do mobiliário em si, como ampliar o seu significado simbólico. O uso da incrustação aperfeiçoava a peça do ponto de vista estético e era frequentemente este acabamento que a tornava numa obra inesquecível. Era comum o uso de minerais ser ainda feito para preencher os hieróglifos que nomeavam o dono da cadeira, como se vê no Trono Dourado de Tutankhamon. TÉCNICAS DE PRODUÇÃO DE MOBILIÁRIO EM FAIANÇA EGÍPCIA Com Império Novo veio o aperfeiçoamento de diversas técnicas de produção de bens considerados raros e de difícil obtenção. O fabrico da faiança, sempre um bem dispendioso, encontra-se claramente neste grupo. Peças totalmente produzidos 220 Diversas peças com este acabamento foram encontradas no túmulo de Tutankhamon. Em alguns casos, sobre a aplicação de uma folha de um metal aplicava-se outra folha de outro metal para salientar detalhes. Vd. Anexo I, Figura 12, 6. 222 Ibidem, 88. 223 Por vezes era aplicada madeira, numa técnica parecida designada por embutido, feita com um propósito similar ao da incrustação mas na maioria das vezes directamente sobre a madeira e não sobre uma folha de metal. 221 34 em faiança eram raros e apenas se encontravam ao alcance da elite224. Contudo, o melhoramento das técnicas de produção permitiu o fabrico de maiores quantidades e de peças mais requintadas225. A faiança egípcia, que sempre fora usada de forma a impressionar o observador, podia ser agora usada em quantidades ainda mais elevadas e as novas técnicas de produção incluíam ainda o desenvolvimento de um novo e variado leque de cores disponíveis226. Esta novidade deveu-se a uma simples introdução de vidro na matriz da faiança. O vidro alterou positivamente a resistência da faiança e os corantes usados para o colorir, o antimónio, o cobalto e o chumbo proporcionaram a alteração estética necessária para que este material encontrasse aplicações em campos artísticos mais distintos. Esta alteração na faiança egípcia tornou-a no Império Novo num bem largamente procurado pelo exterior, sendo exportada para todo o Mediterrâneo227. Para responder ao que parecia ser um novo elemento para trocas comerciais, a maioria da faiança era produzida em fábricas localizadas em Amarna ou Qantir228, e a introdução do uso de moldes como prática comum, especialmente para produção de elementos usados em joalharia, aumentou o ritmo desta industria significativamente. Elementos de maiores dimensões eram, no entanto, bastante dispendiosos e exigiam um cuidado elevado, principalmente quando continham os níveis de requinte que se encontram em objectos faraónicos para os quais uma outra inovação na produção da faiança iria gerar exemplares dignos de nota: a incrustação parecia estar de tal forma introduzida no inconsciente artístico dos artesãos do antigo Egipto que se desenvolveu uma técnica para introduzir aplicações de materiais na pasta de faiança durante o fabrico da peça. Juntamente com a produção de vidro, a faiança egípcia a partir do Faraonato de Tutmés III pareceu não conhecer limites criativos. 224 Vd. Anexo I, Figura 16, 8. Um exemplo de novos campos em que a faiança começou a ser usada é o tabuleiro de jogo com o nome de Amenhotep III, sendo este tipo de peças usualmente produzidas em madeira ou marfim. Vd. Anexo I, Figuras 17 e 18, 8. 226 Importa referir que a faiança egípcia continuava a ser um material extremamente dispendioso. 227 Nicholson, P. T. with Peltenburg, E., Op. Cit., 183. 228 Locais onde se encontraram evidências arqueológicas destes complexos. Cf. Nicholson, P. T. with Peltenburg, E., Op. Cit., 183-184. 225 35 CAPÍTULO II O MOBILIÁRIO DO ANTIGO EGIPTO: IMPÉRIO NOVO ANÁLISE MATERIAL Num exercício académico onde se analisa com um olhar inevitavelmente moldado pelos tempos actuais o mobiliário de uma civilização que terminou a maioria dos seus costumes e construções há quase dois milénios, é necessário separar o essencial do acessório. Encontra-se então a constante que se poderá usar como ponto de partida para catalogar as diversas peças escolhidas: a função229. Este é o elemento inalterado e visível que estabelece a base para as correspondências entre uma peça de mobiliário do Império Novo do antigo Egipto a um exemplar do século XXI da era actual. É na realidade esta constante que torna possível não só a identificação das diferentes peças como o desenvolvimento de teorias que derivam de observação e estudo dos diferentes elementos que compõem cada objecto. A riqueza material que chegou até aos dias de hoje é imensa. Nenhuma outra civilização conseguiu projectar tão longe no tempo uma tão elevada quantidade de peças domésticas. Muitos delas em excelente estado de conservação. Muitas destas peças são internacionalmente reconhecidas. Na sua maioria pertencem a uma colecção em especial, a de Tutankhamon. Existe, contudo, uma infinidade de outros objectos de qualidade equivalente pertencentes a outras personalidades que caminharam nas Duas Terras antes e depois deste faraó. Algumas pertencem a faraós, outras a familiares reais. Muitas a grandes oficiais e uma ou outra a totais desconhecidos que são relembrados pelas peças que um dia mandaram fazer. Este capítulo está assim dedicado à análise material de peças de mobiliário, situadas cronologicamente no Império Novo e encontradas em diversos túmulos de habitantes deste período. Pretende-se aqui estabelecer uma análise detalhada dos objectos de forma a catalisar uma compreensão do uso individual num contexto doméstico, claramente anterior à última utilização que cada peça aqui escolhida teve: a de acompanhar o morto na sua última e aventurosa jornada pelo temível percurso até ao Mundo dos Ocidentais. Por uma questão de método e organização interna, diversos subcapítulos foram estabelecidos de forma a estruturar e facilitar a compreensão do material 229 Blackemore, R. G., History of Interior Design & Furniture: From Ancient Egypt to NineteenthCentury Europe, 3. 36 descrito. Onde considerado oportuno foi inserida uma breve introdução para localizar historicamente o objecto descrito. 1. A CADEIRA A cadeira, 230 , origina por si só amplos debates231. Usada recorrentemente durante milénios como um símbolo de poder, é na actualidade, quase sempre vista na sua perspectiva meramente utilitária. Raros são os que ainda atribuem o simbólico poder a algumas cadeiras que inquestionavelmente o possuem 232 , mantendo não só as características simbólicas associadas aos rituais para que são usadas, mas tornando-se ocasionalmente em objectos quase mágicos. Existem indicações de que a noção do poder da cadeira, não só do ponto de vista de representação de status como no aspecto mágico e simbólico, se tornou bastante evidente muito antes do Império Novo233 no antigo Egipto. Um de muitos exemplos ilustrativos de como a cadeira indicava o grau de importância do indivíduo encontrase nas representações de diversas cenas domésticas no túmulo de Amenemopet (TT 297), Dinastia XVIII 234 , onde o membro mais importante se encontra sentado, respeitando este exemplo as normas estéticas usualmente adoptadas na arte egípcia235. Num outro exemplo, encontrado nas pinturas do túmulo de Sennefer (TT 96), 230 Cf. Janssen, J. J., Furniture at Deir el-Medina, 20. As peças de mobiliário egípcio tinham, usualmente, mais do que uma definição. A palavra para cadeira passou a estar em uso mais frequente a partir da Dinastia XIX. Vd. Gardiner, Sir A., Egyptian Grammar, 500. A titulo de curiosidade, refere-se que ao hieróglifo Q 1 é dado o nome “cadeira”. 231 Relativamente à importância global da cadeira, é interessante a leitura de Tenner, E., “How the Chair Conquered the World” in The Wilson Quaterly, 21 (2), 64-70. 232 Como exemplos, “King Edward’s Chair” usada há oito século para a coroação dos Monarcas Britânicos, localizado na Abadia de Westminster, Londres, Reino Unido; “Chair for the State Opening of Parliament”, onde é proferido pelo Monarca Britânico o conhecido “Speech from the Throne” localizado no Palácio de Westminster, Londres, Reino Unido; “The Throne of Charlemagne”, localizado na Catedral de Aachen, Alemanha; “Queen Christina’s Silver Throne” localizado no Palácio Real em Estocolmo, Suécia. Em todos os exemplos se nota um aspecto interessante. As cadeiras são na realidade tronos, símbolos de soberania. 233 De facto, estes aspectos específicos e a importância da cadeira foram estabelecidos muito mais cedo na história Egípcia. Um exemplo pode ser ilustrado com a estela do Túmulo 2146E de Saqqara que mostra Sehefner, Dinastia II, sentado numa cadeira, onde são visíveis tanto os detalhes da cadeira como a importância que alguém sentado numa cadeira tinha, Cf., Quibell, J. E., Excavations at Sakara (19121914): Archaic Mastabas, plates XXVI-XXVII. 234 Amenemopet também chamado Thonefer ou Djehutynefer. Cf. Kampp, F., Die thebanischen Nekropole: Zum Wandel des Grabgedankens von der XVIII bis zur XX Dynastie 567-568. Vd. Anexo I, Figura 43, 17. 235 A dimensão superior da figura sentada, o estrado que o torna ainda mais elevado relembram a sempre presente premissa de que quem está sentado tem uma maior importância hierárquica na cena. 37 Dinastia XVIII, vêmo-lo sentado numa cadeira com a sua mulher, Merit ajoelhada ao seu lado representada numa escala mais pequena236. Um detalhe que se manteve constante nas representações iconográficas de cadeiras durante todo o período dinástico foi a existência de almofadas sobre o assento de madeira237, tornando os objectos muito mais confortáveis. OBJECTO 1 – A CADEIRA DE SAT-AMON, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE AMENHOTEP III Sat-Amon, filha de Amenhotep III e da não menos historicamente importante Rainha Tiy é hoje relembrada pelos os itens que deixou no túmulo dos seus avós maternos, Iuya e Tuya, entre eles a famosa cadeira que detém o seu nome238. O KV 46239, situado entre o KV 11 pertencente a Ramsés III e o KV 4, atribuído a Ramsés XI, foi descoberto em 1905 por T. M. Davis. O seu interior continha diversos exemplares de mobiliário em excelente estado de conservação que compunham um importante espólio funerário240. Iuya e Tuya, não eram originalmente membros da nobreza, tendo ascendido socialmente após o casamento da sua filha Tiy que se tornaria Rainha e grande esposa principal de Amenhotep III, bem como mãe do sucessor241 Amenhotep IV, mantendo assim uma activa intervenção e influência242 na história e política da Dinastia XVIII durante dois Faraonatos. 236 Vd. Anexo I, Figura 44, 17. Vd. Anexo I, Figuras 45 e 46 , 18. 238 Localizada actualmente no The Egyptian Museum of Antiquities, Cairo. Objecto CG 51113. Vd. Anexo I, Figura 47, 19. 239 Davis, T. M., The Tomb of Iouiya and Touiyou with The Funeral Papyrus of Iouiya,i. 240 Serão analisados neste estudo a chamada Cadeira de Sat-Amon e a Arca contendo o nome de Amenhotep III. 241 Assim como de pelo menos mais cinco das filhas de Amenhotep III, entre elas Sat-Amon. 242 A sua influência estendeu-se, na realidade, a três Faraonatos, se for considerado o de Ay, sucessor de Tutankhamon. Ay é actualmente identificado como irmão de Tîyi, devendo a sua ascensão social à sua irmã. Cf. Eaton-Krauss, M, “Tiye” in Redford, D. B. (ed), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, 1, 411. 237 38 ANÁLISE MATERIAL Dimensões243: Altura total 0,77m Altura do assento 0,34m Largura 0,52m Profundidade 0,54m O aspecto que sobressai em primeiro lugar na análise visual da cadeira244 é a atenção dispensada pelos artesãos ao detalhe. A fineza e o cuidado na elaboração de todos os elementos que a compõem tornam-na num caso exemplar de trabalho de marcenaria, incluindo o uso folheado e entalhamento de nogueira, uma madeira muito pouco frequente em mobiliário. Na mesma linha, o recurso ao uso de ouro, prata e gesso modelado ajuda a criar um objecto com uma forte presença física e inevitavelmente simbólica. As costas e o perfil do assento são construídos presumivelmente de uma madeira mais comum 245 , coberta por um folheado de nogueira com cerca de 3,175mm de espessura246 , fixado por respigas de secção circular, visíveis 247 , na união das pernas com o topo da cadeira. O assento propriamente dito é fabricado em linho entrançado em diagonal partindo dos quatro lados do perfil em madeira, que o emoldura. Esta cadeira aparenta ter sido desenhada já com uma perspectiva de conforto incluída na sua concepção. Às costas foi dada uma posição menos rígida que a encontrada em cadeiras que a antecedem, sendo neste exemplo o ângulo de inclinação superior a 90º. Para suportar esta alteração tornou-se necessária a introdução de traves verticais na estrutura, nas traseiras das costas 248 , originando um perfil bastante familiar das cadeiras da segunda metade da Dinastia XVIII. Este é assim um modelo técnica e cronologicamente mais avançado que o da cadeira de Hatnofer, infra analisado. 243 Davis, T. M., The Tomb of Iouiya and Touiyou with The Funeral Papyrus of Iouiya, 37. Vd. Anexo I, Figura 48, 19. 245 O folheado tornou impossível, até à actualidade de efectuar testes para verificar a madeira sob a nogueira.. 246 Ibidem. 247 Vd. Anexo I, Figura 49a, 20. 248 Vd. Anexo I, Figura 49a, 20. 244 39 Sobre o assento estão dois blocos de madeira com cerca de 0,030m de espessura dando forma aos braços. Do lado interior ambos os braços mostram um prolongamento da cena representada nas costas. Do lado exterior apresentam uma sucessão de deuses Bes e Taueret. A reforçar toda a parte superior da cadeira encontra-se uma elegante régua de madeira dourada que desce pelas costas, passando sobre os braços e terminando nos pescoços dos bustos femininos esculpidos em nogueira que encimam cada uma das pernas da frente da cadeira. Os dois bustos possivelmente representam Sat-Amon, não havendo, no entanto, nenhum indicador a favor ou contra esta afirmação. A decoração da parte central superior249 é feita por imagens que recriam um episódio especifico das funções oficiais da princesa, legendadas por escrita hieroglífica250. Toda a composição foi modelada em gesso e dourada251, num cuidado trabalho de baixo relevo. As quatro pernas foram esculpidas em madeira de nogueira252 na forma de patas dianteiras e traseiras de leão253. Estão apoiadas em pequenas estruturas em forma de tambor revestidas por uma fina folha de prata. Estas estruturas elevam ligeiramente todo o corpo da cadeira. Unindo as pernas da frente uma à outra e as de trás também entre si estão duas traves cilíndricas de madeira, com aplicações de ouro em cada extremo. Os diversos elementos que compõem a cadeira mantêm a sua coesão estrutural graças às juntas de furo e respiga, fixadas com cavilhas254. OBJECTO 2 – A CADEIRA DE HATNOFER, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE HATCHEPSUT Esta cadeira é um exemplar mais simples do ponto de vista estético e simbólico, quando comparado ao anterior, mas igualmente bem construído, do ponto de vista técnico. Neste objecto255 detecta-se igualmente um grau de mestria elevado 249 Vd. Anexo I, Figura 13, 7. Com excepção da parte de trás das costas da cadeira. Vd. Anexo I, Figura 50, 20. 251 Ibidem, 38. 252 Davis, T. M., Op. Cit.,37. 253 Este tipo de design em forma leonina não é de todo raro nem novo no Antigo Egipto, antes pelo contrário, era amplamente usado e não apenas em cadeiras. 254 Um exemplo das diversas juntas usadas em cadeiras pode ser visto no Anexo I, Figura 49b, 20. 255 Localizado actualmente no The Metropolitan Museum of Art, Rogers Fund, New York. Objecto 36.3.152. 250 40 na sua concepção. Da mesma forma os materiais foram selecionados cuidadosamente por quem a concebeu. Hatnofer, a proprietária da cadeira, viveu uma não muito comum história de ascensão social no ramo mais elitista da sociedade do Antigo Egipto: a corte. No entanto, o seu espólio funerário e a existência de um túmulo privado atestam o sucesso da escalada hierárquica a que a sua família se propôs. E foi exactamente neste derradeiro lugar que o objecto 2 foi encontrado. No final do ano de 1935, em Sheik el-Qurna foi descoberto, sob o terraço artificial de TT 71, um dos túmulos de Senenmut 256 . De menores dimensões e mandado escavar também por si, este pequeno espaço pretendia de forma respeitosa acolher uma parte da sua família257. Encontrariam ali o seu per djet258. Entre os ocupantes do túmulo, estavam os seus pais, Ramose e Hatnofer. Ramose parece ter tido um funeral mais simples, reflexo da posição social que o seu filho detinha na altura da sua morte259 , mas a sua mãe, a nebet per260 da casa, morreu anos mais tarde261 tendo a honra de levar consigo um espólio funerário, sinónimo da elevada posição social de Senenmut. Talvez o item mais reconhecível encontrado neste túmulo seja a máscara funerária de Hatnofer, considerada uma das mais belas desta Dinastia262. Em vida, no seio da sua família, Hatnofer era chamada Tju-Tju e foi exactamente este nome que foi encontrado no seu túmulo263. A cadeira a par de diversos outros itens encontrados no seu túmulo parecem ter pertencido ao mobiliário doméstico da sua vida no Egipto264 . A viagem desta cadeira no tempo não foi 256 Preferido de Hatchepsut e grande camareiro de Amon. “The great Steward of Amun”, Cf. Reeves, N. “Ancient Egypt: The Great Discoveries. A year-by-year Chronicle”, 184. 257 Como a sua irmã, Ahhotep e seus pais Ramose e Hatnofer. Um aspecto importante a sublinhar é que TT 71 parece ter sido um túmulo escavado para Senenmut, mas o seu corpo nunca lá foi colocado. Numa época mais tardia do Faraonato de Hatchepsut, Senenmut havia iniciado escavações em Deir elBahri (TT 353), pretendendo criar um túmulo mais extravagante, que equivalesse á sua posição, mas acabou por nunca ser usado. Os restos mortais de Senenmut ainda não foram localizado. Para todos os efeitos, parece que a sua família próxima beneficiou de um local adequado, segundo as crenças do antigo Egipto, no TT 71 e lá se mantiveram por 3500 anos. 258 A Casa da Eternidade. 259 Tendo depois trazido o pai para o TT 71, supostamente após a sua conclusão. 260 “A senhora da casa”, Cf. Roehrig, C. H., "Life along the Nile: Three Egyptians of Ancient Thebes." in The Metropolitan Museum of Art Bulletin, 26. 261 Reeves, N., Op. Cit., 184. 262 Vd. Anexo I, Figura 51, 21. 263 Sendo um gesto “anormalmente” pessoal. 264 Roehrig, C. H., Op. Cit. 26. 41 certamente fácil. Colocada num apertado túmulo265 totalmente desmontada, resistiu estoicamente aos milénios e foi reconstruída na actualidade com os elementos originais que, extraordinariamente, sobreviveram em bom estado de conservação. ANÁLISE MATERIAL Dimensões266: Altura total 0,53m Altura do assento 0,245 m Largura 0,50m Profundidade 0,42m A cadeira de Hatnofer267 pode ser imediatamente associada ao uso doméstico feminino devido ao seu modelo tão caracteristicamente dotado de um assento bastante baixo268. O aspecto que sobressai imediatamente na análise material é o acabamento cuidado da madeira de cipreste, primorosamente polida até obter o ligeiro brilho que apresenta. As costas e assento fazem um agressivo ângulo de 90º269. A estrutura das costas engloba dois painéis distintos. Um numa posição mais baixa preenchido com uma justaposição de ébano e buxo, criando um padrão geométrico e outro por cima apresentando um entalhamento preciso que contém ao centro uma representação do deus Bes ladeado por pilares djed270 e amuletos tyet271. O assento é composto por uma moldura de cipreste com entrançado de linho fixado a quatro traves que se assemelham ao hieróglifo N1, pt, céu272, e fazem a união às patas leoninas talhadas, sobre as quais a restante estrutura assenta. 265 Vd. Anexo I, Figura 52, 21. Informação fornecida por Heather Masciandaro (Associate Administrator), Department of Egyptian Art, The Metropolitan Museum of Art, New York. 267 Vd. Anexo I, Figura 53a, 22. 268 Ibidem, 26. 269 O ângulo de 90º entre as costas e o assento foi abandonado num período mais tardio da Dinastia XVIII. 270 Vd. Anexo I, Figura 90, 38. 266 271 Roehrig, C. H., Op. Cit., 27. Hieróglifo V 39, Grammar, 508. Vd. Anexo I, Figura 53b, 22. . . Vd. Gardiner, Sir A., Egyptian 272 Inicialmente p, “base ou pedestal” . Na época ptolomaica evoluiu para p “assento” . Interessa ainda referir o hieróglifo Q 2, assento portátil, st “assento”, raramente encontrado. Cf. Gardiner, Sir A., Op. Cit.,, 500. 42 A reforçar a união entre costas e assento vêm-se dois elementos de madeira em forma de “L”, fixados com cavilhas de madeira. A junção usada para a união dos cantos é a recorrente furo e respiga reforçada com cola de origem vegetal e com cavilhas de madeira273. 2. O BANCO Pela informação arqueológica de que actualmente se dispõe, o uso do banco, 274 , no Egipto parece remontar ao período pré-dinástico. A primeira representação deste objecto num contexto funerário foi encontrada em túmulos reais da Dinastia II 275 . Nestas primeiras Dinastias os bancos foram frequentemente desenhados e produzidos com pernas de bovino. Esta era uma imagem associada ao faraó, com maior representação nas primeiras Dinastias. A analogia era simples e clara, transportava as características do animal para o deus, simbolizando poder, força e superioridade. O recorrente uso desta representação no mobiliário e iconografia tumular fornece uma importante pista de como o faraó era visto pelos seus súbditos nas primeiras Dinastias e revela a influência e reverência que a sua figura exercia sobre quem o rodeava276. De um ponto de vista evolutivo, faz todo o sentido pensar que o aumento da complexidade do mobiliário foi paralelo à evolução da civilização, ao seu refinamento de técnicas e de simbologias. O banco era sobretudo um objecto de uso prático, talvez por ser facilmente transportável ou por ser relativamente fácil de fabricar associado a um custo reduzido277. É pois compreensível o seu aparente uso globalizado e acima de tudo a existência de inúmeros exemplares278. O elevado número destas peças que chegaram até aos dias de hoje parecem apontar para um número de bancos criados muito superior ao números de cadeiras produzidas no Antigo Egipto. 273 274 Roehrig, C. H., Op. Cit., 32. Cf. Janssen, J. J., Furniture at Deir el-Medina, 77. As peças de mobiliário egípcio tinham, usualmente, mais do que uma definição. Banco também era referido como assento, . Vd. Gardiner, Sir A., Op. Cit., 500. A titulo de curiosidade, refere-se que ao hieróglifo Q 3 é dado o nome “banco”. 275 Em Helwan, nas designadas “Estelas de Tecto”. Cf. Killen, G., “Furniture” in Redford, D. B. (ed), Op. Cit., 580. Vd. Anexo I, Figura 54, 22. 276 O Faraó era frequentemente associado desde a primeira Dinastia ao touro. Cf. Ibidem. 277 Cf. Baker, H. S., Furniture in the ancient world: Origins & evolution 3100-457 B.C, 128. 278 É considerado o objecto universal para sentar. Cf. Baker, H. S., Op. Cit., 133. 43 Existiam essencialmente dois modelos de bancos, fixos e dobráveis com enormes variantes entre si. Um interessante exemplo foi construído na Dinastia III e encontrado no túmulo de Hesire279 . Este banco é especialmente notável por ser acompanhado de uma cadeira com um design muito similar. Este exemplo parece estabelecer que a cadeira fora inicialmente um banco “que evoluiu”. O acrescento das costas poderá ter estado simplesmente relacionado com uma tentativa de aumentar o conforto do assento. De certa forma, o banco poderá ter sido o antepassado próximo da cadeira. As associações simbólicas ao banco e por consequência ao mobiliário em geral parecem ter começado neste princípio dinástico, logicamente ligadas ao aparecimento de uma figura com poder centralizado, unificadora dos dois Egiptos. Desde cedo aspectos simbólicos passaram a ser representados no mobiliário, como sugere a cadeira da Rainha Heteperes280, da Dinastia IV. Neste estudo foram escolhidos dois bancos de um período cronologicamente bastante afastado das Dinastias iniciais. São exemplares que carregam uma forte mensagem simbólica, não sendo claramente a função utilitária a única preocupação do artesão marceneiro. Pertencem a uma das mais conhecidas descobertas arqueológicas do século passado e devem o seu ressurgimento à luz do dia a Howard Carter e Lord George, Earl of Carnarvon. Fazem parte, com algumas outras peças analisadas neste estudo, do espólio funerário de Tutankhamon descoberto em 1922 no escondido KV 62. OBJECTO 3 – O BANCO BRANCO DE TUTANKHAMON, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE TUTANKHAMON Os objectos da colecção de Tutankhamon tornaram possível, pela primeira vez na história, a observação de diversos exemplares tridimensionais produzidos durante o Império Novo que até à data apenas se haviam visto em pinturas murais. Esta descoberta abriu um novo capitulo arqueológico com elevado potencial na análise material e simbólica não só de mobiliário doméstico como também de objectos rituais. Do ponto de vista técnico a maioria das peças do KV 62 são sinónimo de um elaborado trabalho artístico que deixa ao mesmo tempo transparecer uma preocupação 279 280 Vd. Anexo I, Figura 55, 23. Vd. Anexo I, Figura 56, 23. 44 extrema com o detalhe. Certamente um dos aspectos mais importantes encontrado em algumas peças de mobiliário do KV 62 é o eco dos tempos conturbados em que Tutankhamon viveu. Com estes objectos consegue traçar-se um mapa da atribulação política deste Faraonato. Desde os seus momentos iniciais em Akhetaton, onde mudou o seu nome Tutankhaton, até aos últimos anos quando governava o Egipto longe da cidade que o vira nascer, mas onde o jovem faraó continuou a ter de provar constantemente que era fiel ao Egipto do seu avô. Um dos melhores exemplos que reflectem esta jornada será talvez o famoso trono dourado. Construído em Akhetaton, repleto de imagens que respeitavam as normas artísticas implementadas nesta cidade, guarda o nome inicial do faraó sob aquele mais tarde imposto para atestar a sua aliança com Amon. Quase tudo durante este Faraonato parece ter sido orientado para uma missão propagandística com a finalidade de estabelecer uma cisão absoluta com a visão política, religiosa e administrativa de Amenhotep IV, o Faraó herege. Esta elaborada missão ultrapassou claramente o espaço do palácio, onde o mobiliário fornecia informações aos visitantes do faraó. Um dos melhores exemplos será o comummente considerado mais importante documento do Faraonato de Tutankhamon: a “Estela da Restauração”. Nela lê-se o desagrado do faraó com as alterações politicas de seu pai e o estado em que o Egipto havia sido deixado, com especial ênfase, uma menção aos danos provocados nos diversos cultos e templos281. É curioso, no entanto, verificar como mobiliário e documentos oficiais trabalhavam em conjunto para passar uma mesma mensagem que garantia a sobrevivência de um faraó no trono de Hórus. ANÁLISE MATERIAL Dimensões282: Altura total 0,45m Altura do assento 0,45 m Largura 0,45m Profundidade 0,431m 281 Dijk, J., “The Amarna Period and the Later New Kingdom” in Shaw, I. (ed), The Oxford History of Ancient Egypt, 291. 282 Killen, G., Ancient Egyptian Furniture, Vol. I – 4000-1300 BC, 47. 45 Mantendo a tradição do Império Novo também esta peça de mobiliário283 apresenta quatro pernas com forma leonina, finamente talhadas e assentes em quatro tambores de madeira revestidos com cobre284 e calçados com placas de bronze. O assento é composto por cinco placas285 de madeira curva unidas por juntas de aresta simples. O ângulo da madeira dá ao banco esta interessante forma 286 designada como assento de “dupla enseada”287. As juntas que unem os diversos elementos da peça, furo e respiga, estão fixadas com cavilhas com um pequena revestimento dourado288. Imediatamente sob o assento, nas quatro frentes do banco, um intrincado trabalho de talha coberta por fina folha de ouro dá forma às flores heráldicas do Alto e Baixo Egipto, entrelaçadas289. Tanto as pernas como o assento são alegadamente de Cedro e estão pintados de branco290. OBJECTO 4 – O FALSO BANCO DOBRÁVEL DE TUTANKHAMON, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE TUTANKHAMON ANÁLISE MATERIAL Dimensões291: Altura total 0,342 m Altura do assento 0,342 m Largura 0,317 m Profundidade 0,47 m 283 Localização actual: The Egyptian Museum of Antiquities, Cairo. Objecto JE 62038.Vd. Anexo I, Figura 57,23. 284 Killen, G., Ibidem. 285 Carter, H., The Handlist description of object 78. www.griffith.ox.ac.uk. 286 Não rara de todo, outros exemplos com a mesma forma de assento podem ser vistos no Vd. Anexo I, Figuras 58-60, 24. 287 Outro tipo de assento era também comum, actualmente designado por “côncavo”. Vd. Anexo I, Figura 61, 25. 288 Killen, G., Ibidem, 48. 289 Ibidem. 290 Este exemplar não foi ainda estudado relativamente à madeira que o compõe, sendo, no entanto, muito provável tratar-se de Cedro uma vez que a maioria dos objectos do KV 62 foram produzidos com esta madeira. 291 Killen, G., Ancient Egyptian Furniture, Vol. I – 4000-1300 BC, 42. 46 Este banco 292 , aparentemente dobrável, uma das mais interessantes características293 usadas no mobiliário é um claro exemplo do engenho dos antigos egípcios. Esta técnica parece ter sido bastante explorada especialmente em bancos, camas e até descansos de cabeça no Império Novo294. Contudo, e este é certamente um detalhe singular, apesar de construído para ser dobrável, o seu assento, um trabalho elaborado de embutidos sobre placas rijas de ébano295, está fixo, tornando-o na essência num banco de estilo, pretendendo imitar os exemplares dobráveis cujo assento era em pele animal296 . Este aspecto torna o banco não só numa peça ainda mais interessante como também mais dispendiosa. Para criar a ilusão de pele animal o ébano, madeira com a qual todo o banco foi produzido, não só estava incrustado com marfim esculpido para mimicar a pele de vaca297, como foi cuidadosamente esculpido e dobrado, ficando com a forma de assento de dupla enseada. No centro, uma incrustação de ébano pintado de vermelho percorre em linha recta todo o comprimento do banco, terminando numa cauda pendente de ébano. Este detalhe ilustra a coluna vertebral do animal298. Cada canto tem igualmente uma talha que relembra os quatro membros, dando uma noção de realismo arrebatadora. As quatro pernas, cruzadas em “X” duas a duas, estão fixadas no centro com uma cavilha em ouro sobre braçadeiras cilíndricas, com os topos finamente trabalhados, igualmente em ouro, reforçando o ponto de sobreposição. A completar as pernas de ébano, quatro cabeças de pato, ou ganço, cujos detalhes foram conseguidos com a fina incrustação de elementos de marfim, terminam num bico aberto a agarrar ferozmente os cilindros de ouro que compreendem o limite das duas traves cilíndricas em ébano que assentam no chão. 292 Localização actual: The Egyptian Museum of Antiquities, Cairo. Objecto JE 62035. Vd. Anexo I, Figura 62, 25. 293 Do ponto de vista prático pois tornava o transporte de objetos eventualmente de difícil armazenamento, como camas e certamente elevado números de bancos, em algo simples e certamente fazível com menor esforço. 294 Vd. Anexo I, Figuras 63-65, 26. 295 Uma das mais complicadas madeiras de trabalhar, pela sua dureza. Vd. Capítulo I. 296 Hawass, Z., King Tutankhamun: Treasures of the Tomb, 54. 297 Ibidem. 298 Vd. Killen, G., Op. Cit., 43. 47 3. A CAMA A cama, 299 é um objecto que acompanha a civilização egípcia desde pelo menos o seu início dinástico. Prova-o o exemplar descoberto em Gebelein300 datada da Dinastia I301, com as características de estilo dessa época. A cama é um tipo de mobiliário muito particular. Transmite uma noção de evolução da própria civilização. Apesar de se supor que uma elevada porção da população não usava camas, o simples facto delas existirem prova que, como civilização, os antigos egípcios contemplavam desde muito cedo questões mínimas de conforto, higiene e de certa forma de segurança. O desenvolvimento desta peça estará, quase garantidamente, associado à necessidade de manter uma distância recomendada durante o sono de cordados rastejantes ou de pequena estatura e de artrópodes típicos da fauna do Antigo Egipto com tendência a aproximação nocturna. Aliás, é possível que a mesma linha de pensamento tenha sido seguida na criação do descanso de cabeça egípcio. As camas eram complementadas com o uso de colchões, para um aumento de conforto. É neste tipo de objecto que se encontra uma variação que prova a existência de mobiliário feito exclusivamente para rituais funerários: as camas funerárias. Três dos melhores exemplos foram encontrados no Túmulo de Tutankhamon, KV 62, sendo um deles aqui analisado. OBJECTO 5 – A CAMA DOURADA DE TUTANKHAMON, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE TUTANKHAMON ANÁLISE MATERIAL Dimensões302: Altura máxima 0,690 m Largura 0,835 m Profundidade 1,750 m 299 Cf. Janssen, J. J., Furniture at Deir el-Medina, 16. Cama é na realidade uma das palavras mais frequentes relativamente a mobiliário. 300 A egípcia Inerty, cemitério que reúne túmulos desde o período pré-dinástico até ao Império Médio. Cf. Killen, G. Egyptian Woodworking and Furniture, 26. 301 Vd. Anexo I, Figura 66, 27. 302 Killen, G., Op. Cit., 32. 48 Este objecto303 é particularmente fascinante não só pela qualidade do seu trabalho mas também pelas representações em baixo relevo sobre o painel. A madeira escolhida foi ébano304. A coesão da estrutura é mantida por juntas de furo e respiga cavilhadas. O primeiro aspecto a criar impacto no observador são as folhas de ouro que cobrem todo o objecto. A espessura do metal varia entre 3,5mm e 4,0mm305 , estando preso à madeira com cola de origem vegetal e pequenos pregos de ouro. O estrado é feito por um complexo padrão de linho conseguido por um entrançado de oito fios em diagonal306 que partem dos furos dispostos ao longo da moldura da cama em madeira ligeiramente curva. Sob este estrado encontram-se dois tensores que não só conferem e aumentam a solidez da estrutura como ajudariam a que o estrado mantivesse uma deformação confortável307. A cama está apoiada sobre quatro pernas leoninas, duas traseiras e duas dianteiras unidas em pares por traves cilíndricas, estando as últimas sob a zona da cabeça. O painel dos pés da cama está reforçado por dois ângulos de madeira folheada a ouro, fixados com pregos308. Apresenta quatro papiros em baixo relevo que se unem harmoniosamente dois a dois, originando três pequenos painéis contendo cada um detalhadas imagens em baixo relevo. Tecnicamente, as representações dos painéis foram primeiro talhadas na madeira e depois cobertas por folha de ouro, pressionadas e gravadas com pequenas ferramentas até se conseguir o impecável efeito que este exemplar ilustra309 . A imagem central do painel mostra o simbólico sema-tawy310, a união do Alto e Baixo Egipto representado aqui pelo entrelace das duas plantas heráldicas. A qualidade dos detalhes neste painel parece ser inferior quando comparada comparada à dos dois painéis exteriores 311 . Nos painéis exteriores encontram-se detalhadas 303 Localização actual: The Egyptian Museum of Antiquities, Cairo. Objecto JE 62015. Vd. Anexo I, Figura 67, 27. 304 Reeves, N., The Complete Tutankhamun: The King. The Tomb. The Royal Treasure, 181. 305 Ibidem. 306 Ibidem. 307 Ibidem. Vd. Anexo I, Figura 68, 27. 308 Vd. Anexo I, Figura 69, 28. 309 Baker, H. S., Furniture in the ancient world: Origins & evolution 3100-457 B.C., 103. 310 Reeves, N., Op. Cit., 181. Vd. Anexo I, Figura 70, 28. 311 Killen, G., Op. Cit., 32. 49 representação de plantas de papiro312 . Os três painéis são emoldurados por delicados frisos313. Os horizontais são simétricos, enquanto que os verticais exteriores têm ligeiras diferenças. O detalhe final foi dado pelo polimento a que todo o ouro foi submetido, tendo mantido um brilho intenso até aos dias de hoje. OBJECTO 6 – A CAMA RITUAL DE TUTANKHAMON, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE TUTANKHAMON ANÁLISE MATERIAL Dimensões314: Altura máxima 1,41 m Largura 2,34 m Profundidade 0,913 m Este exemplar é um claro elemento a provar que a construção de mobiliário exclusivamente para fins rituais funerários era uma realidade no Antigo Egipto. No caso do espólio funerário de Tutankhamon 315 foram encontrados três camas rituais, tendo, supõem-se, cada uma a sua função específica316. A primeira cama, adornada com duas cabeças de leão estabelece a ligação com deusa ÍsisMehetet317, enquanto que a segunda, com duas cabeças de vacas coroadas pelo disco 312 De notar os pregos que fixam a folha de ouro à estrutura de madeira da cama. Vd. Anexo I, Figura 69, 28. 314 Hawass, Z., King Tutankhamun: Treasures of the Tomb, 32. 315 Na realidade foi a descoberta do KV 62 que quebrou o mito, que surgiu com as investigações napoleónicas, de que estas camas rituais eram meramente um constructo mitológico do antigo Egipto faraónico representadas em pinturas funerárias. Vd. Anexo I, Figura 73, 30. Cf. Baker, H. S., Op. Cit., 107. Esta noção não se limitava a este tipo de camas. Também outros objectos que se viam representados nos túmulos eram interpretados como imaginários. O túmulo de Tutankhamon provou como erradas muitas postulações. Vd. Anexo I, Figuras 71 e 72, 29. 316 Curiosamente, o hieróglifo A 55, “Múmia deitada numa cama” assemelha-se bastante a este 313 objecto. Surgia em palavras relacionadas com cama, sendo os seus usos mais comuns “Deitar” ou “Passar toda a noite” . , “Morto”. Egyptian Grammar, 447. 317 Hawass, Z., Op. Cit.,32. Vd. Anexo I, Figura 74, 30. , , “Cadáver” . Cf. Gardiner, Sir A., 50 solar estabelecem a importante ligação a Mehit-Weret318 e ao seu papel simbólico no renascimento, muito adequado para uma cama ritual funerária. O objecto que se analisará de seguida é a terceira cama ritual, a que apresenta duas temíveis Amut319. A base da cama é constituída por uma moldura de madeira e assim como o corpo da cama foi produzida em carvalho320 . A moldura é composta por quatro tábuas unidas entre si por uma junta de furo e respiga. De cada um dos cantos da moldura sobem as pernas que suportam a cama. As pernas de trás estão esculpidas com forma de hipopótamo. As da frente têm a forma leonina321. Cada perna encaixa uma cavilha na moldura de suporte. A flanquear os dois lados mais longos da cama estão dois corpos de crocodilo que se unem aos respectivos pares de pernas. O lombo das duas figuras apresenta uma sucessão de traços diagonais em baixo relevo conferindo uma elegante textura. Os dois elaborados compósitos de leão, hipopótamo e crocodilo dão em conjunto a forma imaginada de uma criatura mitológica vendo-se ainda as caudas de hipopótamo na posição oposta às duas magníficas cabeças esculpidas com forma de hipopótamo322 rodeadas por juba e pescoço de leão. A cama apresenta os corpos completos de duas Amut 323 . O trabalho de talha num todo é cuidadoso mas certamente que os dois componentes mais impressionantes são as cabeças. Talhadas a partir de um bloco de madeira, apresentam inúmeros detalhes. As bocas estão abertas, deixando vislumbrar os dentes em marfim e a língua também em marfim pintado de vermelho324, parecendo ter ficado suspensas num rosnar eterno. Os olhos são de pasta de vidro, conferindo um olhar profundo e consciente. As traves de perfil do estrado saem dos corpos laterais das deusas, suportados por juntas de furo e respiga. O estrado da cama é, como nas camas de uso doméstico, feito com um elaborado entrançado de linho. O painel dos pés ergue-se da trave anterior do estrado e está suportado por dois ângulos de madeira curvada em forma de 318 Ibidem. Vd. Anexo I, Figura 75, 31. Localização actual: The Egyptian Museum of Antiquities, Cairo. Objecto JE 62015. Vd. Anexo Figura 76, 31. 320 Vd. Descrição de Carter, H., The Handlist description of object 137. www.griffith.ox.ac.uk. 321 Vd. Anexo I, Figura 77, 32. 322 Curiosamente, esta representação de Amut não se encontrava totalmente dentro dos parâmetros estabelecidos para esta deusa, pois a sua cabeça deveria ter a forma de crocodilo. No entanto, os diversos elementos essenciais de Amut estão aqui representados e a inscrição hieroglífica na base nomeia-a. Cf. Baker, H. S., Op. Cit., 108. 323 Cf. Wilkinson, R. H., The Complete Gods and Goddesses of Ancient Egypt, 218. e Sales, J. C., As divindades Egípcias: uma chave para a compreensão do Egipto antigo, 358. 324 Vd. Descrição de Carter, H., The Handlist description of object 137. www.griffith.ox.ac.uk. 319 51 “L” fixados por agrafes de cobre325. À semelhança do da cama anterior, também este painel se encontrava dividido em três painéis. Neste exemplo estão separados por flores de lótus que se juntam duas a duas, ladeando o painel central. Toda a peça, exceptuando a moldura da base, foi meticulosamente coberta por gesso dourado. No perfil do estrado encontra-se entre as duas cabeças das deusas uma inscrição contendo o nome do faraó, a fórmula “verdadeiro de voz” e “amado de [...]”, dentro de uma cartela326. 4. O DESCANSO DE CABEÇA Provavelmente um dos objectos mais curiosos do mobiliário doméstico do Antigo Egipto327, talvez por serem tão distantes da realidade actual, são os descansos de cabeça. O seu nome em egípcio antigo é 328 . À primeira vista a sua estrutura rígida transmite uma noção de desconforto. Apesar de se saber que era colocado linho na superfície que entrava em contacto com a cabeça, numa tentativa de tornar o objecto mais cómodo329, porque seriam os descansos de cabeça realmente usados? Uma primeira explicação para a altura e rigidez destes objectos está relacionada com a já referida segurança 330 . Era uma extensão da protecção proporcionada pela cama elevada do chão331. A segunda explicação está relacionada com a esfera mágico-simbólica. Na sua maioria, os descanso de cabeça eram complexos amuletos, repletos de simbologia que tinha como única função proteger o individuo durante o seu sono. Um excelente exemplo é o descanso de cabeça dobrável de Tutankhamon. Encontrado no KV 62 tinha nas duas vistas laterais uma temível cara do deus Bes332. Esta representação associada à função primeiramente protectora deste deus tornava este objecto num importante e interessante companheiro de sono. 325 Vd. Descrição de Carter, H., The Handlist description of object 137. www.griffith.ox.ac.uk. Hawass, Z., Op. Cit.,32. Cartela, hieróglifo V 10, chenw. Vd. Gardiner, Sir A., Egyptian Grammar, 522. 327 E certamente um dos mais característicos desta civilização. 326 328 Vd. Gardiner, Sir A., Op. Cit., 500. A titulo de curiosidade, refere-se que ao hieróglifo Q 4 se atribui o nome “descanso de cabeça”. 329 Reeves, N., Op. Cit., 182. 330 Vd. Ponto 4. Camas. 331 Cf. Ruiz, A., The Spirit of Ancient Egypt, 36. 332 Localização actual: The Egyptian Museum of Antiquities, Cairo. Objectos JE 62020. Vd. Anexo I, Figura 65, 26. 52 Outros exemplares mostravam leões a flanquear a cabeça e adquiriam assim um simbolismo diferente que se discutirá em baixo. Para uma civilização que descartava o encéfalo durante a mumificação é curioso ver como havia um entendimento quase instintivo da protecção que era conveniente proporcionar à cabeça. OBJECTO 7 – O DESCANSO DE CABEÇA EM MARFIM DE TUTANKHAMON, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE TUTANKHAMON ANÁLISE MATERIAL Dimensões333: Altura máxima 0,175 m Comprimento 0,291 m Largura 0,090 m Este descanso de cabeça334 apresenta um primoroso trabalho de talha em marfim. É composto por duas partes distintas e unidas sob o peito de Shu. A união é feita por uma peça rectangular de madeira dentro do corpo oco do deus. As três peças são fixadas por quatro pregos de ouro335. A figura central representa o deus Shu, de joelhos336, a sustentar uma estrutura semicircular, o lado superior do descanso de cabeça. De cada lado da figura do deus está um leão deitado, olhando o infinito, também esculpido no mesmo pedaço de marfim337. Os detalhes em baixo relevo são acentuados por um pigmento preto que confere à peça um acabamento de extremo requinte. Nas costas da peça uma inscrição hieroglífica gravada e igualmente tingida a negro, traduz-se aproximadamente em: “O bom deus, filho de Amon, Rei do Alto e do Baixo Egipto, Senhor das Duas Terras, Nebkheperure, a quem foi dada vida como a Ré para sempre.”338. 333 Descrição de Carter, H., The Handlist description of object 403c-1. www.griffith.ox.ac.uk. Vd. Anexo I, Figura 78, 32. 335 Cf. Descrição de Carter, H., The Handlist description of object 403c-2. www.griffith.ox.ac.uk. 336 Reeves, N., Op. Cit., 182. 337 Cf. Descrição de Carter, H., The Handlist description of object 403c-1. www.griffith.ox.ac.uk. 338 Tradução executada com recurso a Gardiner, Sir A., Egyptian Grammar. Vd. Anexo I, Figura 79 e 80, 33. 334 53 OBJECTO 8 – O DESCANSO DE CABEÇA EM FAIANÇA DE TUTANKHAMON, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE TUTANKHAMON ANÁLISE MATERIAL Dimensões339: Altura máxima 0,90 m Comprimento 0,279m Largura 0,100 m Este descanso de cabeça340 é notável pelo material usado na sua construção. Relembra o avanço tecnológico que se iniciara alguns Faraonatos antes na produção de elaborados objectos de faiança para uso diário das elites. É composto por duas partes341 unidas por um elemento de madeira no interior da coluna em formato octogonal. Apresenta uma elegante tira de ouro com incrustações alternadas de pasta de vidro com tom vermelho, azul-egípcio e azulturquesa342 que cobre a união central das duas metades de faiança. A sua forma é muito simples, lisa e adequada. A coluna termina num suporte semicircular. Exceptuando a decoração proporcionada pelo elemento em ouro no centro da coluna, apenas duas outras pequenas inscrições estão presentes nesta parte do objecto. As duas cartelas esculpidas anunciam o proprietário desta peça. Simetricamente encontra-se de um lado o prenome Nebkhperure 343 e do outro o nome Tutankhamon344. Cada cartela está sobre um símbolo nbw e é coroada por duas plumas com um disco solar ao centro. A ladeá-las a antiga e eterna dupla protectora da monarquia, a cobra Uadjet e o abutre Nekhbet345. 339 Descrição de Carter, H., The Handlist description of object 403b-1. www.griffith.ox.ac.uk. Localização actual: The Egyptian Museum of Antiquities, Cairo. Objectos JE 62021. Vd. Anexo I, Figura 81, 34. 341 Ibidem. 342 Vd. Anexo I, Figura 82, 34. 343 “A manifestação [humana] de Ré”. Cf. Reeves, N., Op. Cit., 25. 343 O nome de coroação precedido comummente pela expressão neswbit “o que pertence ao junco e à abelha – O Rei do Alto e do Baixo Egipto” . Cf. Sales, J. C., Poder e Iconografia no Antigo Egipto, 16. Vd. Anexo I, Figura 83, 35. 344 “Imagem viva de Amon” (Governante de Heliópolis do Alto Egipto). Cf. Ibidem. O nome pessoal, o nome de nascimento. Usualmente precedido pela designação Sa Ré. Cf. Sales, J. C., Op. Cit., 16. Vd. Anexo I, Figura 84, 35. 345 Lopes, M. H. T., O Egipto Faraónico: Guia de Estudo, 103. 340 54 Por último, um elaborado padrão geométrico rectangular346 adorna a parte inferior da base e a parte superior do descanso347 , tendo 0,030 m por 0,020m. Diversos materiais compõem este padrão, sendo o rectângulo central uma incrustação de calcite emoldurada por um fino embutido de ouro. Segue-se uma moldura de pasta de vidro com tom lápis-lazúli. Outra incrustação de ouro. Uma nova moldura de pasta de vidro azul-turquesa e uma final incrustação de ouro. 5. A ARCA O termo arca, 348 engloba uma enorme variedade de peças de mobiliário do Antigo Egipto, desde os cofres até às simples caixas e arcas. É um termo generalista e não convém ser interpretado com base na definição actual de arca. Os primeiros exemplares encontrados no Egipto surgem no período prédinástico, tendo os melhores modelos relativos a esta fase sido descobertos entre 1901-1904 perto de Abidos, em Nag el-Deir349. Referem-se claro ao que actualmente designamos por caixões. O primeiro exemplar de caixa doméstica encontrado intacto pertencem à Dinastia I e foram encontrados em Saqqara, no túmulo S 3504350. O aspecto decorativo e simbólico parece ter sido incluído na construção destes objectos deste os primeiros exemplares dinásticos. Ilustra-o como exemplos a caixa , do túmulo S 3504 ou os painéis das caixas de Hesire descobertas em Saqqara (túmulo S 2405 [A]) datados da Dinastia III, Faraonato de Djoser 351 . As semelhanças decorativas com objectos de dinastas mais tardias são evidentes352. Os princípios simbólicos que seriam futuramente associados a este conjunto de peças foram assim estabelecidos bastante cedo na história do Egipto. 346 Vd. Anexo I, Figura 85, 36. Descrição de Carter, H., The Handlist description of object 403b-2. www.griffith.ox.ac.uk. Não existe nenhuma imagem da parte inferior. 348 Cf. Janssen, J. J., Furniture at Deir el-Medina, 14. Arca, caixa e cofre são as palavras com mais definições diferentes em egípcio antigo. Supõem-se que esta variedade esteja relacionada com a 347 finalidade do objecto em si. , ou seriam outras definições possíveis para arcas ou caixas. Cama é na realidade uma das palavras mais frequentes relativamente a mobiliário. A titulo de curiosidade refere-se que ao Hieróglifo Q 5 é dado o nome arca (ou caixa). Cf. Gardiner, Sir A., Ibidem. 349 Killen, G., Ancient Egyptian Furniture: Boxes, Chests and Footstools, 1. 350 Killen, G., Op. Cit., 2. Vd. Anexo I, Figura 86, 36. 351 Killen, G., Ibidem, 7. 352 Vd. Anexo I, Figura 87, 37. 55 As caixas, cofres e arcas eram, claro, usadas com uma finalidade específica: a de armazenar objectos353. O cuidado de organizar conteúdos pessoais ilustra uma extensão de ordem que aqui passa do nível político e Universal, para o nível individual e diário dos antigos egípcios. É uma associação do conceito de maat ao próprio ambiente doméstico. Toda a vida no Egipto parecia estar orientada para um claro equilíbrio dominado por uma substancial dose de superstição e de crenças simbólicas, míticas e mágicas. Será impossível não se tentar imaginar o quão importante todos os rituais e seus simbolismos eram na vida diária de um egípcio, independentemente da sua posição social. OBJECTO 9 – A ARCA CONTENDO O NOME DE AMENHOTEP III, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE AMENHOTEP III ANÁLISE MATERIAL Dimensões354: Altura máxima 0,510 m Comprimento 0,530 m Largura 0,420 m A arca apresentada 355 contém uma elaborada conjugação de técnicas e materiais que se traduzem numa sensível e imaginativa mestria dos artesãos do Império Novo. A primeira imagem que este objecto fornece é a associação à fachada de uma casa. As suas pernas assemelham-se a elegantes colunas que terminam numa delicada cornija de caveto, típica dos edifícios do Antigo Egipto356. As pernas da arca têm uma base quadrangular e apresentam uma inclinação ligeiramente oblíqua. As duas faces interiores das pernas estão pintadas com pigmento amarelo. Sensivelmente a meio-altura traves horizontais unem as pernas duas a duas, estando fixadas com juntas de furo e respiga não cavilhadas357. Entre as traves e o corpo da arca, em cada 353 Ibidem. Killen, G., Op. Cit., 49. 355 Localização actual: The Egyptian Museum of Antiquities, Cairo. Objecto JE 69077. Vd. Anexo I, Figuras 88 e 89, 37-38. 356 Burden, E., Illustrated Dictionary of Architecture, 111. 357 Davis, T. M., The Tomb of Iouiya and Touiyou with The Funeral Papyrus of Iouiya,46. 354 56 face, dois suportes oblíquos unem-se a um ou dois perpendiculares que sustentam os painéis que decoram a arca. Exceptuando as faces interiores das pernas, toda a madeira foi coberta com gesso dourado358. O corpo da arca é composto por quatro painéis extraordinariamente trabalhado fixados às pernas por juntas de furo e respiga359. A madeira foi cuidadosamente talhada numa sequência de pilares djed, amuletos ankh e was360 . Entre cada símbolo foi incrustada faiança azul, primorosamente recortada de forma a preencher o restante espaço dos painéis. A moldura de madeira dourada que rodeia os painéis assim como a cornija estão ornamentadas com finos traços esculpidos, criando um padrão geométrico bastante sóbrio e elegante. A tampa é composta por duas folhas com abertura ao centro. Estão ligadas à estrutura com espigões de madeira introduzidos em encaixes na parte interior da cornija361. As duas folhas fixam-se uma à outra através de um par de linguetas que passam por arcos em bronze. São abertas com o auxilio de dois puxadores em madeira com forma de cogumelo e pintados de preto362. O trabalho que adorna a tampa é semelhante ao dos painéis, um minucioso entalhamento dourado, com incrustação de faiança azul. As molduras das tampas têm o mesmo efeito das vistas laterais, uma delicada sucessão de entalhamentos paralelos. Nas tampas estão também talhadas as duas cartelas de Amenhotep III. Estão suportadas pelo deus Heh na sua típica posição com um joelho sobre o símbolo nbw. Segura em cada mão o símbolo do ano, que rodeia a cartela. O interior da arca foi totalmente pintado com pigmento amarelo. 358 Killen, G., Op. Cit., 49. Ibidem. 360 Vd. Anexo I, Figura 90, 38. 361 Ibidem. 362 Ibidem. 359 57 OBJECTO 10 – A CAIXA RECTANGULAR DE TUTANKHAMON, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE TUTANKHAMON ANÁLISE MATERIAL Dimensões363: Altura máxima 0,700 m Largura 0,435 m Profundidade 0,400 m Esta caixa364 elevada por quatro pernas de secção quadrangular terá sido meticulosamente desenhada e concebida para transportar uma importante mensagem simbólica. A estrutura da caixa, composta pelas quatro pernas, as traves horizontais que as unem entre si e as traves que compõem o corpo da caixa em si são feitas de ébano365, cortado com cuidada precisão. Os painéis laterais, superiores e inferiores são feitos em cedro366. A arquitectura da caixa é bastante simples. As juntas de furo e respiga unem as diversas partes da moldura de ébano entre si. Os painéis de cedro maciço são fixados à estrutura com espigões367. Sob o fundo da caixa surge um elegante friso nas quatro frentes do objecto composto por uma sucessão de símbolos ankh e was sobre o símbolo neb 368 entalhados em ébano, tendo sido os dois últimos dourados. A tampa é composta por duas placas de cedro encaixadas numa moldura de ébano, fixadas a dobradiças de bronze369. No centro foi colocada uma maçaneta em forma de cogumelo, dourado. Faz par com uma outra de igual forma colocada no painel frontal da caixa. Ambas as maçanetas têm talhadas cartelas de Tutankhamon. A da tampa encerra o prenome Nebkheperure e a lateral o nome Tutankhamon. Ambas as cartelas estão sob o símbolo nbw e são flanqueadas com uraei simbolicamente coroados 363 Killen, G., Op. Cit., 60. Localização actual: The Egyptian Museum of Antiquities, Cairo. Objecto JE 61446. Vd. Anexo I, Figuras 91 e 92, 39. 365 Killen, G., Op. Cit., 62. 366 Ibidem. 367 Ibidem. 368 Vd. Anexo I, Figura 90, 38. 369 Ibidem. 364 58 Internamente a caixa encontra-se dividida em diversos compartimentos. O detalhe mais extraordinário da caixa será as inscrições hieroglíficas que percorrem todos os elementos em ébano a partir da trave do friso, incluindo a moldura da tampa. Esculpidos na madeira e pintados com um vibrante amarelo dourado, traduzem-se nas comuns fórmulas de auto-glorificação militar faraónica370. 6. A MESA É referido que a mesa de madeira, 371 , era como objecto de uso doméstico menos frequente numa casa egípcia do que uma cama ou uma cadeira 372 . Existem na realidade poucos exemplares actualmente. Uma explicação possível poderá estar relacionado com o facto de serem colocadas fora dos túmulos para os familiares depositarem oferendas regularmente. Seriam assim ou destruída pelos elementos ou possivelmente roubadas373. Em Tarkhan, num túmulo datado dos tempos da distante Dinastia I, foi encontrado o mais antigo exemplar de mesa374, até à data. O seu design é ligeiramente diferente375 dos usados na Dinastia XVIII, mostrando uma evolução da estética e da técnica na construção de mobiliário. A presença de mesas em túmulos com mais de cinco milénios poderá estar relacionada com a função de altar de oferendas. É possível que tenha havido uma evolução do tipo de altar pré-dinástico, de superfície natural para uma artificial. Num contexto doméstico o uso de uma mesa como altar de oferendas seria um uso lógico e prático destes objecto. A passagem para o contexto funerário terá sido um passo 370 “Filho de Amon, gerado pelo Touro de sua Mãe, aquele que Mut, Senhora dos céus, criou e amamentou com o seu próprio leite, aquele que o Senhor dos Tronos das Duas Terras criou para ser governante daquilo que o sol engloba, Amon atribuí-lhe o trono de Geb e o poderoso gabinete de Atum.”; “Construtor de monumentos, para que eles se tornassem existentes de uma só vez, para os seus pais e todos os deuses. Ele construiu os seus templos de novo, fez as suas estátuas do melhor ouro, ele providenciou as suas oferendas na terra.”; “Rei poderoso que subjugou terras estrangeiras, capturando aqueles do sul e atropelando os do norte e chacinando os seus inimigos.”; “Ele é Ré-Atum e o que afugentou o mal do templo de Ré em Heliópolis, purificando-o como era no principio dos tempos”. Cf. Desroches-Noublecourt, C. Life and death of a Pharaoh - Tutankhamen, 93 371 Cf. Janssen, J. J., Furniture at Deir el-Medina, 12. 372 Cf. Janssen, J. J., Op. Cit., 12. 373 Cf. Baker, H. S., Furniture in the ancient world: Origins & evolution 3100-457 B.C., 150. 374 Não é atribuído a nenhum hieróglifo o significado “mesa de madeira” (para um contexto doméstico). Existem, no entanto, três hieróglifos que nomeiam “Mesa de oferendas”. R 1 , numa expressão , ”Mesa com pães e jarro”; R 2 , numa expressão , “Mesa com fatias de pão convencionadas” e R 3 , numa expressão , “Mesa de quatro pernas com pães e vaso de libação”. Cf. Gardiner, Sir A., Egyptian Grammar, 501. 375 Tratam-se das chamadas “Low-Tables”. Cf. Killen, G. Egyptian Woodworking and Furniture, 26. Vd. Anexo I, Figura 93, 40 59 natural, uma vez que o túmulo tendia a copiar os hábitos domésticos. Inúmeros registos iconográficos mostram o uso da mesa recheada de alimentos como oferenda aos deuses376 ao longo de todo o período dinástico. A mesa, como a cama ou a arca, é também sinónimo de civilização, mais do que qualquer outro objecto de mobiliário. Este tipo de peças mostram uma mudança de hábitos e costumes de um povo, quase como que se um acordar repentino tivesse ocorrido num determinado momento da história desta civilização. Aliás, mais correctamente pode ser dito que este momento teria sido exactamente o inicio da civilização egípcia. A etimologia de civilização civilis (relativo a um cidadão) com origem em civis (aquele que vive numa cidade [civita]) parece fornecer uma boa indicação de quando a mente egípcia começou a ser modificada. Coincide com a altura em que os dois Egiptos foram unidos sob a mesma coroa. A partir deste momentos quase todos os costumes, ideias e comportamentos perante o mundo, o religioso e o simbólico passaram a estar enquadrados num completamente novo ponto de vista. OBJECTO 11 – O PAR DE MESAS BRANCAS DE KHA, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE AMENHOTEP III Muitos túmulos podem ter revelado artefactos de incalculável valor mas poucos partilharam a sorte do TT 8377. Selado durante o Faraonato de Amenhotep III manteve-se trinta e quatro séculos inviolado 378 . Em 1906 Ernesto Schiaparelli reabriu-o. Foi possível ver então um túmulo exactamente como fora deixado milénios antes. Todos os detalhes rituais e todos os objectos tinham ficado parados no tempo. No TT 8, ainda se vivia no tempo dos grandes Faraós. No seu interior repousavam Kha e sua esposa, Merit. A organização do espaço e dos seus artefactos era cuidada e detalhada. Este túmulo fornece uma excelente ferramenta para a compreensão do ritual funerário do Antigo Egipto. Kha fora no Império Novo arquitecto do faraó. O seu túmulo e espólio funerário são um monumento ao seu sucesso como oficial do Palácio de Hórus. O arquitecto manteve as suas funções durante quatro Faraonatos, de Tutmés III a 376 Vd. Anexo I, Figuras 94-96, 40-41. Outros dois túmulos foram descobertos absolutamente intocados: “Túmulo de um desconhecido” do Império Antigo e “Túmulo de Ini” do Império Médio, ambos em Gebelein. 378 Reeves, N., Ancient Egypt: The Great Discoveries. A year-by-year Chronicle”, 126. 377 60 Amenhotep IV379. Kha não se tornou, no entanto, conhecido pelo seu túmulo. No século XIX a sua capela funerária havia já sido descoberta380 e o seu nome era desde então conhecido. Quando foi aberto o TT 8 encontrou-se no meio do vasto espólio de Kha um par de mesas idênticas. Sobre elas estava um repasto com três mil anos deixado para os deuses do panteão egípcio381. ANÁLISE MATERIAL Dimensões382: Altura máxima 0,476 m Comprimento 0,749 m Largura 0,381 m Em termos técnicos o par de mesas de Kha 383 apresenta um design extremamente simples. As pernas e as traves de sustentação têm secção quadrangular. Estão unidas com juntas de furo e respiga384. O tampo das mesas é composto por tábuas unidas com juntas de aresta simples e assenta sobre respigas que saem das pernas. As tábuas do tampo estão decoradas com inscrições hieroglíficas desenhadas a preto em duas colunas, uma em cada ponta. A emoldurar as inscrições estão quatro linhas, duas a duas, desenhadas com tinta preta com a inscrição repetida “Uma oferta é feita a Amon” 385 . No centro do tampo, paralelamente, uma outra inscrição emoldurada com linhas pretas exibe o nome e título principal de Kha. As mesas foram produzida com madeira de cedro386 e pintadas de branco387. 379 Reeves, N., Op. Cit., 127. A localização da sua capela na colina oposta ao TT 8 terá sido um dos factores que contribuíram para que o túmulo se tivesse mantido intocado. 381 Vd. Anexo I, Figura 97, 42 382 Killen, G., Ancient Egyptian Furniture, Vol. I – 4000-1300 BC, 65. 383 Localização actual: Museo delle Antichità Egizie di Torino. Objecto 8258. Vd. Anexo I, Figuras 98100, 42-43. 384 Killen, G., Op. Cit., 65. 385 Cf. Schiaparelli, E., La Tomba Intatta Dell’Architetto Kha Nella Necropole di Tebe, 118. 386 Svarth, D., Egyptisk Møbelkunst fra Faraotiden, 107 387 Killen, G., Op. Cit., 66. 380 61 OBJECTO 12 – A MESA DE PA-PER-PA, DINASTIA XVIII, FARAONATO DESCONHECIDO ANÁLISE MATERIAL Dimensões388: Altura máxima 0,490 m Comprimento 0,680 m Largura 0,460 m A mesa de Pa-per-pa389 é bastante característica do período helenístico. Uma vez que a sua datação a coloca inquestionavelmente no Império Antigo, o modelo desta peça viria a ressurgir num revivalismo helenístico, séculos mais tarde. O nome do proprietário está escrito em egípcio hieroglífico no tampo da mesa390. Tem apenas três pernas sendo cada uma esculpida de um único tronco de madeira. A forma é ligeiramente cilíndrica. Este tipo de mesas têm uma mais valia sobre as versões com quatro pernas: conseguem manter-se estáveis em superfícies pouco regulares391. O tampo é de formato rectangular e é composto por três tábuas unidas lado a lado reforçadas por baixo por duas ripas. Apresenta três encaixes visíveis recortados. Dois estão num dos lado, um em cada canto. O terceiro está no centro do lado oposto. Os encaixes acomodam as respigas envaziadas que saem das pernas 392 . As respigas das pernas atravessam também as ripas de madeira que reforçam o tampo. A peça é, num todo, uma engenhosa e sólida construção. Decorativamente, o tampo apresenta-se coberto por gesso sobre o qual foi pintada uma cena actualmente quase apagada. A figura central está, contudo, ainda ligeiramente perceptível e revela uma cobra a sair de um cesto, neb393, em frente a uma mesa de oferendas. 388 Ibidem. Localização actual: The British Museum. Objecto 2469. Vd. Anexo I, Figuras 101-103, 43-44. 390 Ibidem, 67 391 Ibidem. 392 Ibidem. 393 Vd. Anexo I, Figura 90, 38. 389 62 CAPÍTULO III O SIMBOLISMO DO MOBILIÁRIO NO ANTIGO EGIPTO: IMPÉRIO NOVO A antiga civilização do vale do Nilo é conhecida, entre muitas outras razões, por atribuir uma elevada importância ao detalhe do que construía, desde o cuidado dedicado aos seus monumentos colossais até ao dispensado nas peças de uso diário. Pode quase afirmar, alguém que não conheça profundamente esta civilização, que os antigos egípcios pertenciam a uma cultura essencialmente materialista. É neste ponto que impera a necessidade de introduzir na equação as acima referidas crenças e valores: o que estava por detrás de tudo o que era construído. Aqui entra assim o mais importante aspecto para a compreensão do que era produzido no Império Novo: o valor simbólico de cada elemento que era incluído no todo de cada objecto. Na realidade os antigos egípcios eram, como Heródoto tão bem compreendera, uma sociedade intrinsecamente espiritual e não material. Assim estabelece-se como facto fulcral que para os antigos egípcios o material servia decididamente o espiritual. Partindo desta afirmação, será postulado que o uso de bens móveis, como o mobiliário, serviriam uma função não apenas utilitária, mas também simbólica. Sendo os antigos egípcios um povo especialmente complexo, o que os servia e protegia durante a sua vida em Kemet, servi-los-ia e protegê-los-ia na sua vida no Mundo de Osíris. Os objectos que eram colocados com o morto no seu epicentro de transição entre mundos, o seu túmulo, transportariam para a eternidade toda a simbologia que os artesãos haviam esculpido, incrustado e desenhado ainda na realidade das Duas Terras. Para compreender claramente este ponto, o recurso às pinturas e inscrições deixadas em diversos monumentos do Egipto antigo serão de enorme valor. Esta riqueza iconográfica ajuda na análise e compreensão de diversos aspectos da vida egípcia, acima de tudo no domínio doméstico e do dia a dia. O papel do mobiliário foi sempre central na vida dos habitantes das Duas Terras. Por associação, o seu papel seria igualmente importante na vida no Reino de Osíris. Assim, num túmulo, por excelência o portal de passagem entre os dois mundos, todos os elementos relevantes tinham de estar presentes. Os antigos egípcios acreditavam no poder do simbolismo e sabiam que nem sempre era necessário introduzir num túmulo todos os objectos indispensáveis. Aliás, mesmo no maior dos túmulos seria impossível introduzir uma casa, matadouros ou celeiros. Nas casas da eternidade do Império Médio começaram a surgir modelos detalhados que copiavam estruturas grandes demais para serem 63 acomodadas no interior dos túmulos394. No Império Novo este hábito parece ter continuado, como o ilustra um conhecido exemplo encontrado no interior do KV 62395. Estas miniaturas396 aludem assim ao principio da transformação de elementos simbólicos em elementos reais, noutra dimensão. Um modelo de uma casa originaria uma casa real no Mundo dos Ocidentais. Os estábulos, matadouros e celeiros transmutar-se-iam da mesma forma. Não era, contudo, exclusivo dos modelos tridimensionais a capacidade de realizar esta tarefa. Também as pinturas murais, sempre carregadas de simbologia e muitas vezes acompanhadas de diversos feitiços de reanimação, o podiam fazer. Então o melhor modelo de representação seria uma cópia da vida terrena, do dia a dia e dos bens mais estimados que ecoariam para e pela eternidade. É exactamente nesta iconografia que se encontra uma inesgotável fonte de informação sobre o mobiliário doméstico que, ao passar com o morto o limiar das duas vidas passava a ser considerado mobiliário funerário. Há, claro, a excepção já mencionada de mobiliário e de uma elaborada quantidade de elementos exclusivamente rituais397, mas a sua presença no espólio funerário tinha também a já discutida forte componente simbólica. Certamente a distinção entre quais as peças que foram na realidade fabricadas exclusivamente como mobiliário funerário e quais haviam servido também como mobiliário doméstico será perto de impossível de distinguir398 . Esta prática estará certamente baseada em dois aspectos: pretendia replicar objectos dos quais os familiares não faziam intenções de se separar mas que haviam sido importantes para o que morrera ou continham fortes elementos simbólicos; ou os objectos eram exclusivamente criados para serem introduzidos no túmulo, não sendo copiados mas sim originalmente criados. Este capítulo está assim dedicado à análise simbólica das peças de mobiliário do capitulo anterior. Pretende fornecer-se uma interpretação pessoal baseada na pesquisa bibliográfica e iconográfica de forma a proporcionar um entendimento da integração das crenças, mitologias e superstições num complexo sistema simbólico aplicado ao mobiliário doméstico e ritual escolhido para este estudo. 394 Vd. Anexo I, Figuras 104-109, 45-47. Vd. Anexo I, Figura 111, 47. 396 Que não se resumiam a fábricas, celeiros ou casas. Podiam incluir barcos, canoas ou outros tipos de meio de transporte. Vd. Anexo I, Figura 110, 47. 397 Sendo as ferramentas para a abertura da boca as mais comumente encontradas. 398 Cf. Killen, G., “Furniture” in Redford, D. B. (ed), Op Cit., 580. 395 64 Por uma questão de método e organização interna, segue-se a divisão escolhida para o capítulo II. 1. A CADEIRA OBJECTO 1 – A CADEIRA DE SAT-AMON, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE AMENHOTEP III ANÁLISE SIMBÓLICA À cadeira de Sat-Amon399 tem inevitavelmente de atribuir-se um significado muito particular por ter sido encontrada no túmulo dos seus avós e não no da sua proprietária, como parece ser usualmente o caso. Na realidade, uma importante parte do espólio funerário do KV 46 parece ter sido oferecido por membros da família de Iuya e Tuya, tendo possivelmente ido directamente para o seu túmulo400 . Deste objecto pode ser interpretada uma complexa simbologia que transportará para aspectos distintos: a vida diária oficial e pessoal de Sat-Amon e o aspecto mágico-simbólico que foi deliberadamente introduzido no corpo da cadeira com a recorrente finalidade protectora. Pelas inscrições e imagens das costas e do interior dos braços vê-se que foi recriado um momento onde a princesa desempenhava funções oficiais. Recebe uma comitiva “...das Terras do Sul...”401 com oferendas de ouro. As inscrições fornecem no entanto outra informação de elevada importância: a protagonista das imagens não era só uma princesa, era a Princesa Real, “... filha mais velha do Rei,...”402. Ocuparia então uma posição importante na corte, tendo funções de Estado como a retratada. Sobre as inscrições e imagens403 das costas um disco solar alado com dois uraei parece proteger Sat-Amon durante as suas actividades de estado, que exerce sentada num trono muito semelhante a esta cadeira. A princesa está coroada com flores de lótus, remetendo para o Alto Egipto. À esquerda e direita do disco alado a palavra Edfu fazendo uma referência à capital do segundo nomo do Alto 399 Vd. Anexo I, Figura 13, 7; e Figuras 47-50b, 19-20. Fornecendo uma indicação de que existe uma ligação directa entre o mobiliário doméstico e a sua transição para mobiliário funerário. 401 Ibidem, 38. 402 Ibidem. 403 As imagens são na realidade uma mesma imagem duplicada em espelho. Uma técnica usada para transmitir equilíbrio à composição. Cf. Robins, G., Egyptian Painting and Relief, 27. 400 65 Egipto onde existiu uma forte adoração de Hórus durante o período faraónico, havendo atingido o seu expoente máximo na época ptolomaica. Esta cadeira parece ter sido então na realidade um trono. Percebe-se assim o porquê da escolha de certos materiais como o ouro e a nogueira e de igual modo entende-se o uso de certos elementos simbólicos. Talvez um dos mais recorrentemente usados sejam as patas leoninas, que remetem para uma mensagem de poder. É interessante verificar que neste exemplo se encontram outros elementos que repetem esta mensagem. O ouro aplicado no baixo relevo transporta para a noção não apenas de divino mas também para a do astro solar, representando um dos mais poderosos e antigos deuses do panteão egípcio. Esta mesma ideia ecoa ainda num outro detalhe. Quando Sat-Amon se sentava na cadeira, tinha à sua esquerda e à sua direita um busto com pernas de leão. É uma clara analogia a uma das mais antigas imagens do sistema de crenças do Antigo Egipto: os dois leões, o de ontem e o de amanhã, que guardam o horizonte404. À princesa caberia o papel quase mágico de se transformar em disco solar completando a imagem da famosa composição representada pelo símbolo akhet405, numa metáfora bastante forte. É uma ferramenta simbólica usada nos mais variados campos da arte do Antigo Egipto tendo encontrado a sua mais grandiosa representação em Akhetaton e na sua muito específica localização geográfica. Encontram-se depois mensagens de um cariz mais pessoal406. Nas inscrições das costa lê-se ainda “A filha mais velha do rei a quem ele ama, Sat-amon”407. Esta inscrição fornece uma informação pessoal, de afecto de Amenhotep III não apenas como faraó mas também como pai. Mas também a mãe da princesa deixara a sua marca neste objecto, nos painéis exteriores dos braços. O do lado direito mostra numa estranha sequência o deus Bes com duas facas, Taueret no centro e Bes tocando tamborim. O painel do lado esquerdo mostra uma sequência de dois Bes a dançar enquanto tocam tamborim e um terceiro com duas facas. É importante mencionar neste ponto a pouco comum associação que a Rainha Tiy estabeleceu entre si e Taueret408, encontrando nesta deusa uma forma de se fazer 404 Wilkinson, R. H., Symbol and Magic in Egyptian Art, 158. Wilkinson, R. H., Reeading Egyptian Art. A Hieroglyphic Guide to Ancient Egyptian Painting and Sculpture, 68 406 Mas curiosamente vê-se um Sistrum na mão da Princesa, quase como que uma referência pessoal das actividades de Sat-Amon. 407 Davis, T. M., Op. Cit.,37. 408 Wilkinson, R. H., The Complete Gods and Goddesses of Ancient Egypt, 185. 405 66 representada na cadeira de Sat-Amon. Taueret era frequentemente associada a Hathor e idealizada como tendo uma função protectora e ligada à procriação. Certamente duas excelentes razões para a rainha se fazer representar sob esta forma na cadeira da sua filha mais velha. Bes era também um deus protector, aliás, as suas representações com facas parecem enfatizar esse papel409. Neste caso específico a presença deste deus é um reflexo de crenças pessoais do faraó e não apenas da simbologia do sistema de crenças do Antigo Egipto. Encontra-se a associação que Amenhotep III pretendeu fazer entre si e Bes no seu palácio em Malqata410. O faraó venerava e possivelmente identificava-se com este deus. Para todos os efeitos, considerava-o suficientemente poderoso para o querer a proteger a sua filha, Sat-Amon. Vemos então nesta cadeira uma forma simbólica de representação do faraó e a sua Rainha411 no papel duplo de protectores e de pais. Curiosamente, Bes e Taueret eram frequentemente mitologicamente vistos como esposos412. Durante o Faraonato de Amenhotep III o Egipto era claramente próspero e um sinónimo de poder. Por consequência é natural que existisse um constante receio isefético. Esta cadeira tentava proteger Sat-Amon do mal que a poderia eventualmente rodear. No entanto, retoma-se o ponto inicial: o local onde foi encontrada a cadeira. Porque estaria no KV 46? Uma hipótese pode ser avançada. Fora uma oferenda de Sat-Amon para o funeral dos seus avós. Mas porquê uma cadeira com tamanha importância? Fora oferecida pelos seus pais, isso tornava-a certamente valiosa. E esta cadeira tinha um aspecto utilitário, era um trono para funções de estado... Uma questão interessante prende-se com o que a cadeira por si só diz de Sat-Amon. Não só a identifica como a preferida de Hórus, Amenhotep III, como a mostra numa função oficial, digna e capaz, cumprindo um ritual faraónico e portanto divino. Uma conclusão possível poderá ser que a princesa honrou os seus avós deixando no interior do KV 46, um portal para o Mundo dos 409 As versões de Bes como dançarino supõem-se que tenham tido uma introdução no antigo Egipto vinda do estrangeiro provavelmente pelo Delta e eram, na altura de Amenhotep III, já bastante conhecidas. Cf. Davis, T.M., Op. Cit., 40. 410 Wilkinson, R. H., Op. Cit., 104. 411 Bes e Taueret eram frequentemente vistos em conjunto, sendo a sua função máxima a proteção da vida familiar. Cf. Sales, J. C., Op. Cit., 319. É interessante estabelecer uma associação destes deuses com Amenhotep III e Tiy, a “mãe e pai do Império” enquanto reinaram as Duas Terras. 412 Cf. Ibidem. 67 Ocidentais, algo que fosse sempre identificado como pertencente a Sat-Amon413 e que inquestionavelmente a caracterizasse, uma espécie de... carta de apresentação. OBJECTO 2 – A CADEIRA DE HATNOFER, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE HATCHEPSUT ANÁLISE SIMBÓLICA Pelas suas dimensões e forma característica, esta cadeira parece ter sido parte do mobiliário doméstico, tendo sido transportada para o túmulo após a morte de Hatnofer414. A fortalecer esta afirmação surgem ainda as indicações de que este objecto foi desmontado para entrar no túmulo. Qualquer peça produzida exclusivamente para espólio funerário não seria logicamente montado, tendo em consideração o tamanho do túmulo para onde estava a ser encomendado. Este detalhe estabelece de forma clara que pelo menos algum mobiliário usado durante a vida no Antigo Egipto, Império Novo, tendia eventualmente a pertencer aos dois planos existenciais. Mais se estabelece que o papel desta cadeira havia sido de significativa relevância na vida quotidiana de Hatnofer. O cuidado que exigiu o seu desmantelamento para ser colocada no túmulo de reduzidas dimensões415 é um claro sinónimo de que aquela cadeira tinha realmente de acompanhar a sua proprietária, conferindo-lhe uma importância acrescida. Simbolicamente, neste objecto 416 encontram-se diversas mensagens. O já discutido aspecto das patas leoninas que tendiam a atribuir poder e importância assim como protecção volta novamente a ecoar nesta cadeira. Tornava-a assim num objecto adequado para a nebet per, detentora do direito (adquirido) de ser respeitada na sua casa. De Hatnofer dependera a organização da economia doméstica, o armazenamento de mantimentos e toda a supervisão das tarefas da casa417. Num misto de simbolismo 413 Resta saber se o objectivo de Sat-Amon era apenas que os seus avós a relembrassem ou se pretendeu ser uma forma de antecipadamente se apresentar ao mundo que inevitavelmente a esperaria. Numa nota de interesse a Rainha Tiy fez exactamente o mesmo, em reverência aos seus pais, ofereceu uma cadeira com o seu nome que depositou no KV 46. Sat-Amon, curiosamente, também é mencionada nessa cadeira. Hoje é conhecida como a cadeira de Sat-Amon e Tiy. 414 Por oposição à premissa de que o mobiliário funerário era uma cópia do mobiliário doméstico produzido apenas para esta ocasião. 415 Vd. Anexo I, Figura 52, 21. 416 Vd. Anexo I, Figura 53a, 22. 417 Cf. Roehrig, C. H. "Life along the Nile: Three Egyptians of Ancient Thebes." in The Metropolitan Museum of Art Bulletin, 26. 68 e pensamento mágico os pilares djed418 entalhados, representando a estabilidade e poder com associação a Osíris e os amuletos tyet419, também conhecidos por nó de Ísis, transpunham a relação matrimonial dos dois deuses para o patamar doméstico dos mortais. Estes dois elementos repetidos nas costas da cadeira estavam orientados para a manutenção da estabilidade matrimonial da casa. No centro, o deus Bes ampliava esta intenção, estendendo a sua magia protectora às mulheres e crianças da casa e reforçando a preservação da vida familiar e o papel da mulher nesse equilíbrio. A escolha das madeiras não foi certamente arbitrária. Estava em mente muito possivelmente a simbologia associada à cor da madeira: ao verde do buxo a regeneração e a vida, a eterna ligação a Osíris, similar à do negro do ébano cuja associação mais provável neste caso seria a da regeneração e da fertilidade. Mas o que as três madeiras tinham realmente em comum era o facto de serem importadas, sendo portanto dispendiosas. É provável que a sua escolha estivesse aqui também ligada a uma demonstração de estatuto social. O ébano, particularmente, era extremamente difícil de trabalhar e especialmente caro e imensamente cobiçado. Pode-se facilmente imaginar o mobiliário doméstico rico e confortável da casa de Hatnofer, certamente um monumento à ascensão social da sua família. 2. O BANCO OBJECTO 3 – O BANCO BRANCO DE TUTANKHAMON, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE TUTANKHAMON ANÁLISE SIMBÓLICA Não é conhecido qual seria exactamente o momento adequado para o uso de um banco no Antigo Egipto. Seria um objecto usado em algumas funções de estado ou estaria apenas reservado para uso privado? As representações iconográficas parecem informar que a cadeira era o objecto preferido em funções oficiais. É interessante então fazer-se a pergunta: qual a razão para introduzir numa peça de uso privado tanta carga simbólica? Uma resposta provável poderá ser encontrada no incrivelmente denso sistema de crenças do Antigo Egipto. A mensagem não era direccionada apenas para alguns em determinados momentos, era para todos. Sempre. 418 419 Vd. Anexo I, Figura 90, 38. Vd. Anexo I, Figura 53b, 22. 69 Assim, independentemente do local em que determinada peça de mobiliário era usada, sendo num contexto público ou familiar, a mensagem que o faraó pretendia passar tinha de estar presente. Era um motor de propaganda incansável, sempre presente. No caso de Tutankhamon, o seu Faraonato e muito possivelmente a sua vida, dependeram sempre da clara passagem da mensagem de poder e estabilidade e acima de tudo do papel do faraó na sua manutenção. Há dois aspectos visualmente marcantes neste banco420. O primeiro é a cor. O contraste entre o branco da madeira e o dourado da folha que cobre a zona entalhada. O segundo é a talha em si. A inquestionável e importante simbologia do sema-tawi bem estabelecida não só pelo trabalho que lhe foi dispensado, mas também pela relevância que o artesão lhe deu ao cobri-la com o mais nobre de todos os metais, ouro, ligado em diversos níveis ao divino e à eternidade. Por certo este foi um projecto pensado cuidadosamente a nível simbólico. Colocando este banco no contexto político do Faraonato de Tutankhamon, torna-se bastante compreensível a mensagem calculada: o branco, hdj, símbolo da pureza e da verdade, o osso dos deuses, pretendia clarificar todas as dúvidas sobre o faraó que levava a cabo uma reforma que pretendia restaurar a velha ordem política e religiosa do Império. As duas flores heráldicas entrelaçadas, representam não só a conhecida união dos dois Egiptos421 como o amarelo, ktj, do ouro que as revestia fazia uma clara alusão à eternidade e claro, à carne divina. O ouro e a prata (o branco) poderiam ser assim vistos como uma relembrança do faraó deus. A composição parece querer transmitir tanto que os dois Egiptos estarão eternamente unidos como que a sua união será mantida e dependerá do faraó. Por último, as pernas leoninas, reforçam a mensagem fornecendo o tão respeitado poder. Estes simples aspectos combinados davam a Tutankhamon uma ferramenta simbólica que informava quem observava o banco, e o faraó sentado nele, da base de acção política no palco em que fora forçado a viver: o político poderoso, mas puro e verdadeiro de intenções, que existia para manter as Duas Terras unidas... para a eternidade. A necessidade de passar esta mensagem foi uma constante para a maioria dos faraós e não exclusiva de Tutankhamon. Esta é uma afirmação facilmente compreendida. O trono de Hórus mantinha-se estável devido a uma complexa conjugação de factores. A legitimidade de quem se sentava nele tendia a advir 420 421 Vd. Anexo I, Figura 57, 23. Cf. Araújo, L. M. (dir.), Dicionário do Antigo Egipto, 772. 70 directamente da genealogia422 e consequentemente da protecção divina, essencial para garantir a boa relação dos egípcios com os seus deuses 423 e a manutenção de maat nas Duas Terras. Estas seriam as bases que justificariam a ascensão de um faraó ao trono. Diversas outras questões estavam ligadas a um outro detalhe igualmente importante, a manutenção deste lugar. Este aspecto era ajudado pela eficácia da constante propaganda política. O triunfo militar, a liturgia, as insígnias do poder, os festivais sed e a indispensável divinização do faraó424 seriam a faceta pública de uma bem orquestrada propaganda. Para garantir a estabilidade durante o seu Faraonato Tutankhamon, como muitos outros faraós, usou as ferramentas que conseguiu e que tinha ao seu dispor. O mobiliário era uma delas, infelizmente um festival sed não terá estado entre as suas celebrações como deus. O simbolismo em mobiliário é na realidade um excelente uso de objectos que de outra forma seriam apenas telas em branco. OBJECTO 4 – O FALSO BANCO DOBRÁVEL DE TUTANKHAMON, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE TUTANKHAMON ANÁLISE SIMBÓLICA O falso banco dobrável de Tutankhamon425 é um objecto curioso quando se pretende fazer uma análise simbólica. Assemelha-se talvez mais a uma obra de arte426 do que a uma peça de mobiliário de uso doméstico. A alteração deliberada da função com um assento duro que o impedia de ser dobrado em conjunto com a madeira cara e de difícil trabalho quase que parece remeter para a possibilidade de que este banco não fora feito para ser usado. Teria sido uma peça criada para o espólio funerário encontrado no KV 62? Talvez a resposta possa ser encontrada na componente simbólica deste objecto. A primeira mensagem apreendida quando se olha para este banco é fornecida pelo intenso contraste entre o negro do ébano e o branco do marfim, a regeneração e a pureza. Uma importante informação sobre o dono do banco 422 Apesar de diversas excepções serem conhecidas. Sales, J. C., Poder e Iconografia no Antigo Egipto, 25. 424 Sendo estas estratégias usadas em diferentes combinações pela maioria dos faraós, foram todas conjugadas e especialmente eficazes no caso de Ramsés II. Cf. Sales, J. C., “Os Fundamentos do Poder Faraónico- O caso paradigmático de Ramsés II” in Sales, J. C., Poder e Iconografia no Antigo Egipto, 12-43. 425 Vd. Anexo I, Figura 62, 25. 426 Entenda-se como um objeto construído para ser apreciado e não usado. 423 71 que certamente se quereria incluída na sua última morada. Analisando os outros componentes encontra-se, como nos exemplares anteriores, elementos do reino animal. Detectam-se neste banco dois animais especialmente importantes na mitologia egípcia: a vaca e o pato. A associação imediata feita à vaca no universo do Antigo Egipto está repetidamente ligada à vaca sagrada ou às sete vacas427, divindades associadas a Hathor e ao seu lado benéfico, protector428. Na sua forma animal, Hathor era a enfermeira real, protectora do faraó. No Império Novo esta deusa já não seria primeiramente associada à sua mítica função de olho de Ré, numa perspectiva mais vingativa que surgira em Iwnw. As cabeças de pato, terminais das pernas do banco, são um outro animal amplamente usado pelo seu simbolismo. O pato é comummente associado à água, como o são as rãs ou os peixes e, inerentemente, estabelece uma relação com o renascimento e curiosamente com a sexualidade feminina429. De certa forma, os dois animais cujo simbolismo está acima descrito levantam uma interessante questão: Será possível que este banco tenha afinal pertencido a Ankhesenamon ou a outra mulher da vida de Tutankhamon? O objecto 1 estabelece que aparentemente não era fora do comum a cedência de presentes para o espólio funerário de um ente querido e, este banco, certamente parece ter uma simbologia mais associada ao feminino do que ao masculino. Há, portanto, duas hipóteses que poderão nunca vir a ser comprovadas ou refutadas. Terá este banco sido uma oferenda para o espólio do faraó ou terá sido feito exclusivamente para esta finalidade? Um ponto é comum às duas hipóteses, há uma forte possibilidade de este banco nunca ter sido usado por Tutankhamon. 427 As sete vacas divinas ou as sete Hathor. Cf. Wilkinson, R. H., The Complete Gods and Goddesses of Ancient Egypt, 141. 428 O papel de protectora de Hórus, por associação de Hathor ao céu, local onde o falcão reside, é um detalhe importante e provavelmente pensado para este banco. Vd. Wilkinson, R. H., Op. Cit., 140. 429 Wilkinson, R. H., Symbol & Magic in Egyptian Art, 20. É também impossível, no entanto, não referir a prática comum na qual Tutankhamon foi também representado da caça ao pato, sendo assim uma aspecto simbólico suficientemente ambíguo para permitir especulação. Vd. Wilkinson, R. H., Op. Cit., 182. 72 3. A CAMA OBJECTO 5 – A CAMA DOURADA DE TUTANKHAMON, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE TUTANKHAMON ANÁLISE SIMBÓLICA Segundo Carter os estragos na folha de ouro que reveste a cama430 não haviam sido provocados pelos actos de vandalismo que danificaram algumas outras peças do espólio do KV 62. Em alternativa foi avançado que o uso normal do dia a dia teria sido o causador dos estragos. Seguindo esta linha de pensamento, esta teria sido uma cama usada em vida por Tutankhamon. Simbolicamente, o elemento com maior força será inevitavelmente o ouro, por si só como metal e pela cor amarela. Surge a imediata ligação à eternidade, à imortalidade, ao divino e ao sol. A mensagem inicial poderá ser entendida como um misto de simbologia e de magia. Classificava o faraó como divino e eterno ao mesmo tempo que estas características o protegiam durante o seu sono, como se magicamente o faraó se tornasse intocável devido à influência protectora do ouro amarelo. As patas leoninas, que auxiliam na questão prática da orientação da cama431, parecem aumentar as noções poder e de protecção. De certa forma, a imagem de um corpo deitado sobre estas quatro patas transmite uma potente imagem, novamente, quase que uma transmutação. Neste caso, o poderoso leão dormia, mas o seu poder mantinha-se inalterado. Aos seus pés, o painel em baixo relevo trazia uma carga simbólica extra para a composição. No centro, o sema-tawy ilustrava um conceito através de uma representação, uma prática comum no sistema de representações do Antigo Egipto. A mensagem era clara. O Alto e o Baixo Egipto, outrora separados, unidos como um, sob o poder [as pernas de leão] divino [a pele divina – o ouro] do faraó. Os pés de Tutankhamon ao tocarem o painel central faziam ressoar esta tão importante mitologia que era há milénios um dos vários papéis cruciais do faraó: o de unificador. Enquanto dormia, a cama relembrava a importância do deus, sublinhando o seu papel na manutenção de maat. 430 431 Vd. Anexo I, Figuras 67-70, 27-28. As patas dianteiras teriam sobre si os pés do faraó e as traseiras a cabeça. 73 OBJECTO 6 – A CAMA RITUAL DE TUTANKHAMON, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE TUTANKHAMON ANÁLISE SIMBÓLICA As três camas referidas, a de Ísis-Mehtet, de Mehit-weret e de Amut432, estavam certamente ligadas e eram usadas em sequência como parte do ritual funerário, provavelmente durante a mumificação. É neste momento que se tem de procurar a eventual função destes objectos. Hipoteticamente a primeira cama a receber o corpo teria simbolicamente de ser a que conferisse uma maior protecção e estivesse orientada para o renascimento. Apesar do conceito de morte no Antigo Egipto ser complexo, era compreendido que algo mudava no comportamento do corpo físico no momento do último suspiro. Assim, Ísis-Mehtet seria a deusa que dispunha de maior capacidade para exercer funções de protecção do morto durante os primeiros estágios do embalsamento433, a sua forma leonina elevava o poder do morto, neste caso de Tutankhamon. Seria certamente entendido que este momento inicial era de extrema vulnerabilidade e a ajuda de uma deusa protectora seria indispensável para o sucesso de todo o longo processo de mumificação. Há ainda a importante mensagem da composição akhet, as duas deusas leoninas a flanquear o corpo reforçavam a crença de renascimento434. Esta seria uma cama muito adequada para os primeiros momentos rituais. O segundo momento ritual da jornada seria o do julgamento no tribunal de Osíris. Neste cenário Amut tinha um papel central. Era ela quem devorava os que não tinham um coração puro435 . De certa forma, usar da sua protecção durante este percurso seria uma afirmação de que nada havia a temer, pois a grande devoradora era inclusivamente a sua companheira. O último momento estaria naturalmente reservado para o renascimento. Apesar de parecer repetir o primeiro momento, na realidade faria sentido que uma nova cama fosse usada para o renascimento do morto após justificação no tribunal de Osíris. Este renascimento teria um carácter mais definitivo, aliás, pretendia ser eterno. Mehit-Weret, sinónimo da grande cheia, a deusa vaca que nos seus chifres liriformes incorporava o disco solar e se torna no símbolo do ciclo de 432 Vd. Anexo I, Figuras 74-76, 30-31. Esta suposição encontra eco na representação encontrada no túmulo de Sennedjem, onde se vê uma cama ritual semelhante à aqui mencionada. Vd. Anexo I, Figura 73, 30. 434 Hawass, Z., King Tutankhamun: Treasures of the Tomb, 32. 435 Cf. Sales, J. C., As divindades Egípcias: uma chave para a compreensão do Egipto antigo, 358-360. 433 74 renascimento diário e de ressurreição 436 . Esta seria a personagem certa para acompanhar o faraó neste momento. Na realidade, esta é a única cama ritual que parece ter um significado conhecido descrita no Livro da Vaca Divina como sendo a ferramenta do faraó para seguir das Duas Terras para os céus437, transportado nas costas da vaca sagrada, na tão esperada união entre o Faraó-Osíris com Ré. Esta possível sequência pretendia reproduzir os acontecimentos que se iriam seguir após o encerramento do túmulo, funcionando como uma garantia de sucesso do percurso do morto completando assim o ciclo que permitia o início da nova etapa. O dourado que cobre toda a cama de Amut438 relembra a recorrente noção de eternidade que o resplandecente amarelo do nbw para sempre transmitia no sistema simbólico egípcio. Encontra-se neste objecto um outro detalhe de suma importância: as gravações no painel sobre as patas dianteiras. A figura central mostra duas representações do nó de Ísis, tyet439. As duas representações exteriores apresentavam dois pilares djed440, cada um. A simbologia neste caso pode ser ambígua. Por um lado, transmite a noção de equilíbrio e união entre o feminino e o masculino, certamente um simbolismo louvável para transportar para tribunal de Osíris. Sabe-se contudo que o pilar djed e o amuleto tyet unidos podem pretender significar vida ou bem estar441, dois elementos de suma importância durante o ritual funerário. Uma última interpretação poderá estar relacionado com a satisfação dos deuses que o faraó iria encontrar após a sua partida. Era certo que nesse tribunal, tanto Ísis como Osíris estariam presentes, sendo aliás, figuras centrais no processo. Teriam estes símbolos sido introduzidos nesta cama como uma alusão à primeira hipótese ou como uma tentativa de garantir uma melhor aceitação do morto pelo juiz supremo e a sua esposa? Será uma questão interessante provavelmente sem resposta certa. Algo parece ser, não obstante, comum no mobiliário que fazia parte do espólio funerário: tendia sempre a estender a mão para a realidade que aguardava o morto na sua jornada até ao Mundo dos Ocidentais. 436 Hawass, Z., Ibidem, 32. Reeves, N., The Complete Tutankhamun: The King. The Tomb. The Royal Treasure, 148. 438 Vd. Anexo I, Figura 76, 31. 439 Vd. Anexo I, Figura 53b, 22. 440 Vd. Anexo I, Figura 90, 38. 441 Gardiner, Sir A., Egyptian Grammar, 508. 437 75 4. O DESCANSO DE CABEÇA OBJECTO 7 – O DESCANSO DE CABEÇA EM MARFIM DE TUTANKHAMON, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE TUTANKHAMON ANÁLISE SIMBÓLICA Este descanso de cabeça442 introduz uma questão bastante interessante. A sua inscrição hieroglífica parece indicar que se pode tratar de um objecto feito para o espólio funerário. No entanto é igualmente fácil disputar esta questão com a simples noção de que um egípcio, principalmente um deus filho de outro deus não morreria, apenas faria uma viagem. Este descanso de cabeça não apresenta nenhum dano o que parece indicar que nunca fora usado. Isto não é por si só, contudo, uma prova de nunca ter sido usado por Tutankhamon em vida. Por seu lado também a inscrição não parece oferecer como facto incontestável que este havia sido um objecto do espólio funerário. Sabe-se que a vida no Antigo Egipto estava cheia de crenças, superstições e rituais que podem muito bem abranger um ritual de preparação para dormir e garantir que se acordava. Estas palavras fariam sentido num cenário destes. O seu simbolismo é muito particular. Começa por remeter para o já várias vezes mencionado akhet que neste caso se mostra representado de uma forma clara e indubitável. Os leões laterais tinham então uma dupla função simbólica. Representavam as montanhas ocidental e oriental e o leão de ontem e o de amanhã443 cabendo à cabeça de Tutankhamon o papel de sol nascente, garantindo assim magicamente o renascimento diário444. O acordar era assim uma certeza. Ao mesmo tempo os leões, na mesma linha dos deuses Bes, protegiam a esquerda e a direita do faraó. Pode dizer-se que Shu protegeria o terceiro lado. A existência de Shu, um deus de Iwnw, na composição tinha ainda diversas outras funções, indispensáveis para o sono. Ele era o ar, o deus que mantinha os seus dois filhos, Geb, a terra, e Tefnut, o céu, afastados um do outro garantindo desta forma a existência de vida no Egipto. Era visto como um elemento calmante e pacificador. Uma das suas formas de representação mais comuns incluíam uma pena, estabelecendo uma ligação directa a Maat. Shu tornava-se assim num poderoso aliado 442 Vd. Anexo I, Figuras 78-80, 32-33. Reeves, N., Op. Cit., 182. 444 Wilkinson, R. H., The Complete Gods and Goddesses of Ancient Egypt, 130 443 76 para garantir uma boa e pacifica noite, mantendo incansavelmente todos os terrores e medos à distância. Esta linha de pensamento é extremamente importante no que toca ao elevado número de descansos de cabeça encontrados no KV 62. Quatro em tamanho real e um modelo feito em ferro e acondicionado entre os diversos amuletos presentes entre as ligaduras da sua múmia. Ao descanso de cabeça não só era atribuído um papel protector durante o sono como era igualmente estabelecida uma associação entre este objecto e a capacidade de voltar a acordar. O renascimento era sem dúvida essencial para alguém a caminho do Mundo dos Ocidentais. O simbolismo associado ao descanso de cabeça tornava-o numa presença indispensável num espólio funerário. OBJECTO 8 – O DESCANSO DE CABEÇA EM FAIANÇA DE TUTANKHAMON, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE TUTANKHAMON ANÁLISE SIMBÓLICA Esta peça445 é estruturalmente mais simples que o anterior, mas facilita a compreensão do significado original atribuído a estas peças. Exemplares do Império Antigo mostram duas mãos a suportar a cabeça durante o seu sono446. As duas palmas fariam o movimento da parte superior dos descansos de cabeça. Estes exemplares eram, como o sema-tawy, uma representação da chamada fusão linear de elementos onde diferentes elementos se fundiam originando um símbolo que, apesar de diferente, era composto por duas partes que mesmo unidas eram distinguíveis447. Há uma interessante informação a reter desta peça: a redução da carga simbólica atribuída pela decoração permite rever a ideia inicial associada à concepção deste tipo de peças. Prova ainda que simbologias incorporadas séculos antes em determinados objectos não desapareciam, apenas eram “escondidas” por outras que lhes eram associadas. As duas mãos a suportar uma cabeça parecem indicar que inicialmente a ideia de protecção já estava associada aos descansos de cabeça e a sua necessidade era vital durante o sono. Ao longo dos anos a evolução artística destes objectos está associada certamente à complexa teia simbólica que foi surgindo com o 445 Vd. Anexo I, Figuras 81-85, 34-36. Vd. Anexo I, Figura 112, 48. I,. 447 Ward, W. A., “The Origin of Egyptian Design-Amulets ('Button Seals')” in The Journal of Egyptian Archaeology, 76. 446 77 desenvolvimento da mitologia egípcia e também pelo refinamento artístico de cada época. Observando esta peça, a cor é o primeiro elemento a chamar a atenção. A faiança foi produzida num tom lápis-lazúli 448 numa tentativa de remeter para o simbolismo do precioso e dispendioso mineral. Produziu-se assim uma associação deste objecto à abóbada celeste, ao Nilo, o coração das Duas Terras e a Amon, o grande deus do antigo panteão egípcio. A trabalhada faixa de ouro com incrustação de pasta de vidro com diferentes cores foi desenhada num padrão geométrico sugerindo que tinha uma finalidade estética não associada a um simbolismo. Os elementos incrustados usados para a decoração, contudo, remetem para diversos significados. O simbolismo conseguido com a repetição das cores da pasta de vidro, o azul-turquesa e azul lápis-lazúli associado ao vermelho, que encontra o seu significado na regeneração, remete para o descanso e a regeneração, para a reposição de energia. Encontra-se o mais importante aspecto simbólico desta peça na inscrição das cartelas. A cartela é, no Império Novo, uma reminiscência do princípio que a originou. Era a forma comum de registar os nomes do faraó. Aparentemente uma convenção. No entanto, a sua origem é profundamente simbólica: trata-se de uma alteração à corda circular amarrada, o hieróglifo shen, que representava o circuito solar. A cartela é alongada para conter no seu interior o nome desejado. Simbolicamente tenta transmitir ao faraó o poder do astro solar sobre todo o seu domínio. Ao mesmo tempo, magicamente, conferia protecção e vida eterna ao nome e à pessoa que continha nos seus limites449. Estas duas cartelas ampliam ainda o seu simbolismo com as duas plumas que ladeiam o disco solar. Reforçam a ligação do faraó a Ré450. A proteger o nome estão ainda as duas deusas tutelares do Alto e Baixo Egipto, Uadjete e Nekhbet, protectoras da monarquia. As duas pequenas inscrições tornam-se assim em dois poderosos amuletos, bastante adequados para o estado mais vulnerável do ciclo diário humano, o sono. 448 Descrição de Carter, H., The Handlist description of object 403b-1. www.griffith.ox.ac.uk. Hawass, Z., Op. Cit.,27. 450 Ecoando em certa medida, pelo uso das mesmas insígnias, os mesmos princípios associados a alguns deuses, como Bukhis, por exemplo. Cf. Sales, J. C., Op. Cit., 397. 449 78 5. A ARCA OBJECTO 9 – A ARCA CONTENDO O NOME DE AMENHOTEP III, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE AMENHOTEP III ANÁLISE SIMBÓLICA Quando foi aberto o KV 46 na nossa era, imediatamente se verificou que milénios antes os chamados assaltantes de túmulos haviam passado por ali. Todas as arcas, caixas e recipientes tinham sido abertos atirados ao acaso e os seus conteúdos roubados451. É portanto pertinente assumir a possibilidade de nesta arca terem sido guardados objectos de valor quando se recheara o túmulo com o espólio funerário. O primeiro detalhe curioso desta arca452 é o nome gravado na sua tampa. As cartelas são de Amenhotep III. Isto sugere uma de duas hipóteses. Esta arca foi oferecida em vida a Iuya e Tuya ou cedida para o KV 46 por Amenhotep III453. Pode levantar-se a questão de poder ser comum membros da nobreza egípcia possuírem objectos com as cartelas faraónicas. Neste caso específico, contudo, a relação familiar de Iuya e Tuya com o faraó sugere uma das primeiras duas hipóteses. As representações têm um significado muito claro. Heh, deus da eternidade, sob um símbolo nbw segura em cada mão o símbolo do ano, comummente associado ao numeral um milhão454. Faz uma clara alusão ao desejo de um longo Faraonato. Este desejo é reforçado pelo ouro que cobre todas as superfícies visíveis da caixa e o azul da faiança. Amenhotep é elevado para os domínios do céu, do divino e da eternidade com referência ao Nilo a fonte de vida e regeneração. Os símbolos dos painéis laterais reforçam esta ideia. Poder, equilíbrio e novamente vida. Esta arca não é só uma compilação de desejos para um faraó. É um poderoso amuleto para o garantir. Isto sugere então que esta arca terá sido feita para Amenhotep III. Ter aparecido no KV 46 é antes de mais um indicador da relação entre o palácio, Iuya e Tuya. 451 Killen, G., Op. Cit., 46. Vd. Anexo I, Figuras 88 e 89, 37-38. 453 Ou a sua rainha. 454 Sales, J. C., Op. Cit., 418. 452 79 OBJECTO 10 – A CAIXA RECTANGULAR DE TUTANKHAMON, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE TUTANKHAMON ANÁLISE SIMBÓLICA De todos os elementos analisados neste estudo, esta caixa455 é eventualmente o maior monumento ao seu proprietário. Segue os padrões da típica propaganda faraónica. Encontra-se um ponto comum em quase todos os objectos descritos neste estudo456: foram incluídos no espólio funerário por sublinharem ou o carácter sobrehumano do seu proprietário ou o papel que ele desempenhou nos eventos do Egipto. Acima de tudo o papel que iria ou pretenderia continuar a desempenhar no Mundo dos Ocidentais 457 . Os objectos não pertenciam necessariamente ao habitante do túmulo. No caso específico desta caixa de Tutankhamon, toda a mensagem era clara, directa. Não foi usado nenhum artifício simbólico para transmitir o que era intencionado. O friso com os símbolos ankh, was e neb458 repetiam a mensagem “Vida Eterna e Boa Fortuna 459 [poder e domínio]”, As inscrições hieroglíficas tornavam conhecidos feitos relevantes do faraó. Mostrando ao mesmo tempo a sua relação especial com o panteão de Iwnw, um dos mais antigos do Egipto vincando firmemente que os velhos cultos e costumes haviam voltado às Duas Terras no Faraonato de Tutankhamon. É interessante notar que, apesar de tudo, num dos lados da caixa está mencionado o nome de Aton. Não é referido contudo como deus único mas como um de entre a vasta listagem de deuses da caixa. Esta poderá ter sido uma forma de manter viva em Tutankhamon a lembrança de Amenhotep IV ou apenas uma maneira de resolver o problema de Aton, absorvendo quase por osmose a religião de Akhetaton no secular sistema religioso do Egipto460 . A religião das Duas Terras era tolerante e permitia estrategicamente a inclusão de um novo deus com alguma facilidade. Era acima de tudo uma religião soberbamente adaptativa. 455 Vd. Anexo I, Figuras 91 e 92, 39. Exceptuando talvez a Cama Ritual de Tutankhamon. 457 Yoyotte, J., Treasures of the Pharaohs : the Early Period, the New Kingdom, the Late Period, 128. 458 Vd. Anexo I, Figura 90, 38. 459 Cf. Carter, H., The Tomb of Tut.ankh.amen: The Annexe and Treasury, 116. 460 Para todos os efeitos, Aton existira durante mais de duas décadas. Era complicado matar ou fazer desaparecer um deus, principalmente numa altura em que toda a realidade de Akhetaton ainda estava bem presente no consciente egípcio. 456 80 A maçaneta da tampa apresenta o prenome461 ladeado por uraei com as coroas do Alto462 e do Baixo Egipto463. A lateral apresenta o mesmo esquema simbólico a rodear a cartela com o nome464. Esta mensagem repete uma das mais importantes funções das incansáveis uraei, a protecção de quem está nomeado, tipicamente do faraó. 6. A MESA OBJECTO 11 – O PAR DE MESAS BRANCAS DE KHA, DINASTIA XVIII, FARAONATO DE AMENHOTEP III ANÁLISE SIMBÓLICA Este par de mesas465 apresenta um design e decoração raramente encontrado no mobiliário do Império Novo. Tinham um desenho simples e sólido466. Na verdade, mesmo fontes iconográficas tendiam a mostrar mesas bem mais complexas. As inscrições hieroglíficas presentes nos tampos parecem indicar que estas mesas haviam sido feitas exclusivamente como mesas de oferendas. Terão possivelmente sido construídas directamente para o espólio funerário do arquitecto e de Merit467. Há, contudo, uma degradação da tinta branca. Por o túmulo se ter mantido fechado desde que as mesas foram lá colocadas, poderá sugerir que as mesas teriam sido usadas pelos seu proprietários em vida. Nesse caso, a sua função teria sido igualmente a de mesas de oferendas, pelas inscrições, ao deus Amon468 . Simbolicamente, a cor branca revela-se uma escolha adequada para uma mesa ritual. Transmite a mensagem de pureza e é comummente associada ao sagrado. Eram conceitos essenciais quando se estava a lidar com o divino. Existe um último detalhe interessante e certamente raro associado a este par de mesas. Quando Kha desenhou o seu túmulo incluiu a sua esposa no projecto. Este par de objectos, um para si, outro para Merit, mostra acima 461 O nome de coroação precedido comumente pela expressão neswbit “o que pertence ao junco e à abelha – O Rei do Alto e do Baixo Egipto” . Cf. Sales, J. C., Poder e Iconografia no Antigo Egipto, 16. 462 , “Coroa do Alto Egipto”. Vd. Gardiner, Sir A., Egyptian Grammar, 504. 463 , “Coroa do Baixo Egipto”. Vd. Ibidem. O nome pessoal, o nome de nascimento. Usualmente precedido pela designação Sa Ré. Cf. Sales, J. C., Op. Cit., 16. 465 Vd. Anexo I, Figuras 98-100, 42-43. 466 Schiaparelli, E., Op. Cit., 118. 467 Ibidem. 468 Svarth, D., Egyptisk Møbelkunst fra Faraotiden, 107. 464 81 de tudo que o tipo de relação do casal fora vivido em igualdade. Essa era uma poderosa mensagem de carácter a ser levada para o Mundo dos Ocidentais. OBJECTO 12 – A MESA DE PA-PER-PA, DINASTIA XVIII, FARAONATO DESCONHECIDO ANÁLISE SIMBÓLICA Pa-per-pa469 é uma personalidade absolutamente desconhecida. Não fosse a peculiar mesa470, o seu nome poderia nunca mais ter sido pronunciado. Este detalhe é importantíssimo. No centro da crença da vida eterna estava a repetição do nome para sempre pelos que habitavam este plano de existência. Um nome esquecido era um dos maiores, senão o maior, medo dos antigos egípcios. Personalidades como Ramsés II, Amenhotep III, Hatchepsut, Tutmés IV entre tantos garantiram a repetição do seu nome com os seus templos e estelas. Uma personalidade com menos poder recorreria a monumentos menores, regra geral aos seus túmulos. Numa escala abaixo às ferramentas do oficio que exerceram no Egipto ou peças de mobiliário teriam de cumprir esta função. O detalhe realmente importante era usar de todas as estratégias ao alcance para não ser esquecido. Pa-per-pa pode eventualmente até ter sido uma personagem com relevo histórico no antigo passado egípcio. Pode também não ter sido. O que interessa é que hoje milénios após a sua passagem por Kmt o seu nome ainda é proferido e escrito. A mesa, tenha ela pertencido a um enorme espólio funerário ou seja ela o único objecto que o acompanhou na morte, cumpriu a sua missão. Pa-per-pa tornou-se eterno, afinal. Uma análise da mesa mostra-a como sendo uma peça para uso ritual. Seguindo o exemplo anterior, dedicado a Amon, também este está dedicado a Renenutet471. A deusa está retratada a sair de um cesto, neb472 , colocado à frente de uma mesa recheada de oferendas. Assume a sua forma de serpente. Renenutet fora associada no Império Antigo com Uadjet e desde essa altura era vista como uma entidade benéfica e protectora. No Império Novo, a sua mitologia já incluía uma associação entre a 469 Na realidade, a proveniência original da mesa é também desconhecida. Segundo o British Museum apenas pertence ao seu espólio desde que foi adquirida num leilão da Sotheby’s, em 1835, tendo sido comprada a Henry Salt, arqueólogo, diplomata e coleccionador britânico que a par das escavações para aumentar a colecção do British Museum, também aumentava a sua própria colecção privada. O preço da mesa em leilão foi de £ 9.5s. Cf. D’Althanasi, G., A Brief Account of the Researches and Discoveries in Upper Egypt made under the direction of Henry Salt Esq., 203. 470 Vd. Anexo I, Figuras 101-103, 43-44. 471 Cf. Baker, H. S., Furniture in the ancient world: Origins & evolution 3100-457 B.C., 153. 472 Vd. Anexo I, Figura 90, 38. 82 deusa e as ligaduras das múmias 473 . Era também um símbolo de fertilidade e frequentemente associada à colheita. As suas funções encontravam-se reflectidas nos epítetos da deusa, “Senhora da terra fértil” e “Senhora dos Celeiros”. A associação à actividade agrícola fora certamente estabelecida devido à sua forma de serpente, a devoradora de ratos que infestariam as colheitas armazenadas nos celeiros. As identificações da deusa com a casa e como protectora da família era igualmente uma importante função. Contudo havia uma associação directa ao mundo dos mortos. Na Litania de Ré, Renenutet era chamada de “Senhora da Justificação” estando ligada a Maat474. Este terá sido o ponto simbólico que a pintura da deusa tentava garantir. Era uma poderosa aliada na passagem pelo tribunal de Osíris. Seria uma preciosa ajuda no processo de justificação de Pa-per-pa e uma garantia da sua entrada no Mundo dos Ocidentais. É curioso como esta mesa se torna num objecto versátil, com um complexo universo de significados e ao mesmo tempo se mantém uma peça enigmática. Pode ter sido criada exclusivamente para um espólio funerário, cumprindo a sua função de Senhora da Justificação. Em tom de agradecimento a mesa de oferendas em frente a Renenutet manter-se-ia eternamente recheada dentro de um túmulo selado. Por outro lado pode ter feito parte do mobiliário doméstico de Pa-per-pa, cumprindo a sua função de protectora da casa e da família. A sua verdadeira história será, como tantas outras, mais um mistério do Antigo Egipto, como aliás o é Pa-per-pa. 473 474 Wilkinson, R. H., The Complete Gods and Goddesses of Ancient Egypt, 225. Wilkinson, R. H., Ibidem. 83 CONCLUSÃO A primeira questão a surgir da análise bibliográfica feita para este estudo será qual a real extensão e importância do uso de mobiliário no Antigo Egipto? Alguns autores defendem a ideia de que os antigos egípcios, como muitas outras civilizações, se sentavam, deitavam e reclinavam no chão475. É importante aqui referir que esta afirmação provavelmente estará fundamentada no crença de que a maioria da população não teria acesso a meios para adquirir, ou produzir, mobiliário476. As peças de mobiliário como camas, cadeiras ou arcas elaboradas parecem assim inexistentes para a maioria da população. Da mesma forma o reduzido número de mesas encontraria uma outra forma de ficar igualmente explicado, para além da já referida: apenas seriam pertença de alguns. Ao analisar-se contudo as reproduções de frescos de alguns túmulos 477 verifica-se que a maioria das personagens, mesmo os trabalhadores, estão sentados. Pelo menos num tipo simples de banco. Sendo um banco uma peça de mobiliário, mesmo que simples, este detalhe não parece adequar-se à suposição acima referida. Talvez o problema esteja na generalização da afirmação. As casas mais simples teriam certamente alguns elementos de mobiliário doméstico. Por certo um outro exemplo, para além de bancos, seriam os cestos ou pequenas arcas para armazenamento. Mas será que as representações tumulares seriam uma cópia da realidade ou estarão baseadas nos princípios da representação artística do Antigo Egipto? Estarão estes objectos presentes em frescos para servirem como indicadores de estatuto e dignidade478? Sabe-se que a pessoa mais importante estará sempre sentada numa posição mais elevada, numa cadeira maior ou terá simplesmente dimensões superiores479, sendo o banco simples então o outro extremo. Em muitos casos, como no túmulo de Rekhmiré a figura principal é uma dezena de vezes maior que o maior dos seus funcionários 480. Assim na essência é aceitável propor-se que peças de mobiliário em representações, seguindo as premissas das concepções e determinações 475 Cf. Manuelian, P., "Furniture in Ancient Egypt" in Sasson, J. M. (ed.), Civilizations of the Ancient Near East, vol. III, 1623; El-Gabry, D., Chairs, Stools, and Footstools in the New Kingdom. 92. 476 Será aqui, mais do que qualquer outro aspecto, uma referencia às discrepâncias sociais. Cf. Manuelian, P., Op. Cit., 1623. 477 Vd. Anexo I, Figuras 1-4, 1-2. 478 Wanscher, O., Sella curulis, The Folding Stool: An Ancient Symbol of Dignity, 12 479 Wilkinson, R. H., Symbol & Magic in Egyptian Art, 39. 480 Vd. Anexo I, Figura 113, 48. 84 artísticas desta civilização, seriam dispensáveis. A representação em frescos tumulares de trabalhadores a usarem pequenos bancos poderia, ou não, servir um propósito simbólico podendo ser assim uma cópia, ou não, da realidade. Será uma questão sobre a vida quotidiana que ficará sem uma resposta definitiva, como geralmente acontece quando se começa a questionar o quão fiel à realidade é uma determinada representação de uma civilização tão distante da actual. egípcio. A questão da importância do mobiliário como representante de estatuto permite avançar para um outro ponto de interesse. Todos as peças analisadas neste estudo, por serem provenientes de túmulos, o que por si só significa que pertenceram a membros da elite481, mostram-se como exemplares fabricados com uma qualidade excelente ou pelo menos acima da média482. Inicialmente supor-se-ia este facto ligado directamente à questão do poder económico de cada indivíduo. Surge agora outra hipótese, que ficará igualmente sem uma resposta definitiva. A qualidade do trabalho e os materiais envolvidos poderiam estar primeiramente relacionados não com o nível económico do indivíduo mas com a vontade, ou necessidade, de projectar o seu status? Por outras palavras, era mais importante a demonstração de estatuto ou o simbolismo da peça em si? Analise-se, sucintamente, os materiais utilizados483. As madeiras são essencialmente todas de importação484. Tal não significa uma imediata relação entre tipo de madeira e custo associado. Sat-Amon tinha uma cadeira com diversos componentes de nogueira e Hatnofer uma cadeira de cipreste, ébano e buxo. Apenas o buxo existia também nas Duas Terras, mas a sua aplicação nesta peça foi meramente um apontamento. O mobiliário de Tutankhamon fora também produzido com madeira importada. Os seus bancos um de cedro485 e outro de ébano. De igual modo também o ébano foi usado na sua cama dourada. Para a sua caixa rectangular foi seleccionada uma combinação de ébano e cedro. Para as suas camas rituais foi escolhido carvalho. Até Kha escolheu para as suas mesas de oferendas cedro. Sendo o cedro a madeira mais presente, qual poderá ter sido a razão da sua repetida escolha para mobiliário? Seria efectivamente dispendiosa como o ébano? Sabe-se que o cedro era amplamente usado em contexto funerário. Na mumificação 481 Sendo talvez a única excepção a mesa de Pa-per-pa. Os túmulos são, aliás, como já referido, as pequenas cápsulas de tempo que permitem à actualidade ver mobiliário fabricado em madeira com mais de três milénios. 483 Vd. Anexo I, Tabela I, 55-58. 484 Com a provável excepção do buxo usado na cadeira de Hatnofer. Poderia no entanto ter sido usado Buxo trazido do Norte de África ou da Ásia. 485 Como aliás, a maioria do mobiliário do seu espólio funerário. 482 85 resinas e azeites provinham de cedro e nos túmulos a sua madeira era queimada. Era ao mesmo tempo uma madeira resistente ao ponto de ser múltiplas vezes usada para sarcófagos. Dele emanavam também odores que Surpreendentemente o seu uso frequente em diversos campos repeliam 486 insectos. é um forte indicador de que o cedro não era uma madeira demasiadamente dispendiosa487. Poderá ter sido a conjugação das suas positivas características que a tornaram numa árvore tão recorrentemente escolhida. Por outro lado, poderia haver também uma presença constantemente activa no inconsciente egípcio das duas dimensões que os acompanhavam, o Egipto e o Mundo dos Ocidentais. Faria algum sentido procurar para uso doméstico uma madeira resistente, que afastasse insectos e que tivesse de alguma forma ligada ao uso funerário. Será impossível determinar qual terá sido o seu uso inicial, apesar de ser indicado que na construção dos túmulos faraónicos de Abidos o cedro poderia ter sido usado488. Sabe-se contudo que estas duas vertente pelo menos terão ficado interligadas em algum nível. Relativamente ao buxo, a sua cor verde poderá ter estado na origem da sua escolha. O ébano era, como o cedro, uma madeira extremamente resistente, mas contudo muito dispendiosa. O seu negro remetia para a fertilidade, olhando para o seu lado simbólico positivo. Num todo uma conclusão pode ser postulada no que diz respeito às madeiras usadas: as suas características estão quase certamente na origem da sua escolha. A simbologia poderá igualmente ter influenciado esta escolha. A procura de uma demonstração de estatuto não parece ter tido exactamente peso na escolha destas madeiras, na sua generalidade, apesar de exemplares que incluam nogueira ou ébano poderem ser discutíveis. É um aspecto inconclusivo. Analisando-se de seguida os metais presentes, vemos que essencialmente foi usado o ouro. Outros metais estão presentes nestes exemplos, mas não em quantidades verdadeiramente significativas, exceptuando o uso de prata em determinados apontamentos. No Império Novo o ouro era extremamente cobiçado. Era raro e dispendioso. As minas nos domínios do Império eram exploradas até à exaustão e mesmo assim havia a necessidade de recorrer à importação deste metal. Como se verificou neste estudo o ouro era usado em mobiliário de duas formas: em 486 Incluindo na construção. Cf. Asensi, V., La Madera en el Antiguo Egipto: Identificaciones, Usos Y Comercio. Reflexiones a partir de los Objectos de ças Colecciones Egipcias de Marsella, Amiens Y Dijon, 118. 488 Apesar de não existir nenhuma prova arqueológica que suporte esta afirmação. Cf. Asensi, V., Op. Cit., 119. 487 86 folha, com uma espessura delicada mas considerável, directamente sobre a madeira ou sobre gesso, anteriormente moldado. A questão do nbw é complexa. Surge novamente a questão da demonstração de posição social com o seu uso em mobiliário. Existe contudo um aspecto importante que deverá ser tomado em conta. Qualquer análise ou interpretação feita na actualidade de um passado distante está inevitavelmente contaminada pelo presente. Hoje em dia, de facto, vive-se uma realidade onde a primazia do estatuto é suprema. Se se fizer contudo um esforço de abstracção e se tentar retornar a uma época com um sistema de crenças extremamente poderosa, talvez se encontrem outras possibilidades. O ouro, como qualquer outro material, usado pelos antigos egípcios pode não estar de todo relacionado com o factor económico. Nunca pode ser ignorada a ligação no seu sistema de crenças entre este metal e o sol, a demonstração física e diária de Ré. Ao ouro também era associada a carne dos deuses. Simbolizava assim eternidade e renascimento graças à sua associação a este astro. Será por certo seguro afirmar-se que existe uma elevadíssima probabilidade de ao sol ter sido atribuída importância antes de esta ter sido atribuída ao ouro. Não é complicado imaginar que quando o ouro foi pela primeira vez encontrado o seu descobridor imaginou estar com um pedaço do sol nas suas mãos. Deste ponto à complexa criação mitológica que envolve o ouro terá sido um passo489. O mesmo se terá passado com a prata. A sua associação à lua poderá ter seguido um caminho semelhante e a sua inclusão no corpo divino poderá estar associada à existência natural de electrum no Egipto. É importante nunca ser esquecido que para os antigos egípcios o que era observado era aquilo que posteriormente era divinizado. Se o ouro e a prata existiam naturalmente unidas no Egipto [como electrum], fariam certamente parte do mesmo conjunto no panteão divino. Se o que era visto era a carne, o ouro, o que não era visível teria de ser a prata, o interior – os ossos. Talvez um detalhe final traga uma luz adicional à verdadeira razão do uso do ouro. A cor que lhe estava inevitavelmente associada, o amarelo. Nem todos os objectos aqui apresentados estavam cobertos por ouro ou prata. A caixa de Tutankhamon ou de Amenhotep III tinham partes cobertas com pigmento amarelo. As mesas de Kha e um banco de Tutankhamon estavam pintados de branco, a cor da prata, da pureza e da verdade. Não parecerá razoável afirmar que dois faraós e um alto funcionário tenham decidido cortar em despesas de custo na produção de mobiliário tão meticulosamente 489 De igual modo é fácil extrapolar que o uso comercial do ouro para pagamento de bens de consumo entre o Egipto e o exterior pode ter sido estimulado pelo exterior e não pelo próprio Egipto... 87 trabalhado em todos os restantes detalhes. Parece sim razoável afirmar que a importância estava na simbologia da cor, o pigmento amarelo ou o branco. Por isso se usava ouro ou se pintava de amarelo. Se usava prata ou se pintava de branco. Certamente que a selecção do material dependeria não só de gostos pessoais como de questões utilitárias e eventualmente mesmo de opções dos próprios artesãos. A simbologia era o aspecto que parece que nunca era esquecido. Fica então estabelecido que o aspecto material possa estar relacionado preferencialmente com elementos simbólicos. Nesta linha de pensamento também os descansos de cabeça parecem encaixar sem qualquer dificuldade. O marfim, branco e puro e a faiança azul parecem encontrar um eco superior no sistema simbólico do que num outro qualquer. O trabalho do material desenvolve-se, parece, no domínio do simbólico. O primeiro detalhe curioso é notar-se que existe uma ténue diferença entre o simbolismo inserido no mobiliário feminino e no masculino490. No caso das cadeira de Sat-Amon encontram-se símbolos directamente ligados à procriação e à protecção das mulheres e crianças491. Surge o deus Bes e a sua esposa, Taueret492. Neste ponto será curioso introduzir o descanso de cabeça de Tutankhamon 493 com as duas caras de Bes. Reforça o papel protector do deus, neste caso aplicado a uma criança. Aqui é-se no entanto obrigado a recolocar a possibilidade de ou ter sido uma peça usada pelo faraó durante a sua infância ou uma outra; de tal como foi sugerido para o seu falso banco dobrável também este descanso de cabeça ter pertencido a uma mulher da sua vida que decidiu incluir esta peça no espólio funerário do seu faraó. No caso da cadeira de Hatnofer a representação de Bes com a alternância de pilares djed e símbolos tyet transportam novamente para o domínio do ambiente doméstico. Unindo Bes aos símbolos que o rodeiam nesta cadeira parece que se encontra uma mensagem que para além de reforçar a união de Hatnofer e Ramose, o masculino e o feminino, sob o mesmo tecto remete para a estabilidade tão associada ao pilar djed, aqui analisado no seu duplo significado494. Seria interessante uma exploração académica do símbolo tyet, ainda relativamente pouco aprofundado na literatura sobre a matéria, havendo apenas uma ligação estabelecida com o ciclo 490 Existe também uma diferença estrutural que aqui apenas é verificada na cadeira de Hatnofer: as cadeiras para uso doméstico feminino costumavam ter assentos mais baixos, possivelmente para facilitar em períodos de gravidez, por exemplo. 491 Apesar de se encontrarem ainda uraei e o disco solar. 492 Cf. Sales, J. C., As divindades Egípcias: uma chave para a compreensão do Egipto antigo, 318. 493 Vd. Anexo I, Figura 65, 26. 494 O masculino e o símbolo de estabilidade. 88 menstrual feminino e uma hipotética semelhança com o símbolo ankh. Pode-se, contudo, recorrer ao nome da deusa a quem este nó é atribuído, Ísis. Assim tem-se um aspecto simbólico muito mais profundo e que encaixa perfeitamente na sociedade do Antigo Egipto. A mulher era na verdade o pilar da casa495 . Todos os aspectos administrativos e práticos eram delegados à nebet per. Esse era o título de Hatnofer. Esta função administrativa relembra tão bem a mitológica história de Osíris e Ísis e do papel que a esposa divina foi obrigada a desempenhar na ausência do seu marido. Será então possível estabelecer a possibilidade de, no Antigo Egipto, djed e tyet terem um significado ao mesmo tempo semelhante e complementar. Ambos simbolizavam a manutenção do equilíbrio e estabilidade que o feminino e o masculino traziam ao ambiente doméstico. Os pilares djed não eram no entanto usados exclusivamente no contexto doméstico ou em objectos femininos. A sua associação a Osíris torna este símbolo num dos mais reconhecíveis do sistema simbólico do Antigo Egipto e o seu uso era misto. Surge inclusivamente em diversas outras peças deste estudo, pertencentes a membros do sexo masculino. Por seu lado o simbolismo presente em objectos supostamente pertencentes a indivíduos do género masculino apresenta um elemento que não se tenderia a ver comummente reproduzida no contexto feminino: o sema-tawi. Encontram-se neste estudo exemplos assinaláveis portadores deste símbolo como o banco branco e a cama dourada de Tutankhamon. Na mesma linha, surgem elementos como uraei ou as deusas protectoras do Alto e Baixo Egipto. Estes detalhes são no entanto verdade apenas pelo tipo de sucessão do Faraonato. Existiram certamente excepções bem conhecidas a esta regra mas o trono de Hórus era preferencialmente passado entre membros do sexo masculino. Assim, a simbologia do sema-tawi e de elementos associados ao faraó não estariam directamente ligados ao género mas sim a quem detinha a coroa de Hórus496. Era ele o detentor da função de manter unidos os dois Egiptos e toda a protecção lhe deveria ser proporcionada. Ainda no domínio de símbolos usados para protecção e prolongamento de vida, encontramos os mais significativos, a associação ankh, was e neb, numa repetição infinita na arca de Amenhotep III e na caixa rectangular de Tutankhamon. Na caixa de Tutankhamon vemos ainda uraei coroados a proteger as suas cartelas. 495 Cf. Roehrig, C. H., "Life along the Nile: Three Egyptians of Ancient Thebes." in The Metropolitan Museum of Art Bulletin, 26. 496 Ou à sua família, como se verifica com a presença de elementos faraónicos na cadeira de Sat-Amon. 89 Enquanto que no seu descanso de cabeça de faiança se vêm representadas as duas deusas protectoras da monarquia a desempenharem o mesmo papel de defensoras das cartelas. Tutankhamon era definitivamente um faraó em busca de toda a protecção possível. Amenhotep III, por seu lado, usou na sua arca sob as cartelas uma outra representação frequentemente usada pelos faraós: Heh sobre o símbolo de ouro. Um desejo gravado de um Faraonato eterno. Surge agora o mais recorrente símbolo de todo o estudo. O leão. Seja sobre a forma de patas leoninas ou na sua forma real como no descanso de cabeça de marfim de Tutankhamon. Poucos pareciam ser os objectos feitos para uso diário497 que não usassem o poder associado ao leão. O seu simbolismo estava sempre ligado ao aumento de poder, como numa cadeira ou banco, ou no uso desse poder para protecção durante momentos mais frágeis, como em camas ou descansos de cabeça. A recorrência da associação entre as peças com características leoninas e a transmutação no símbolo akhet quando estavam a ser usados é algo que não pode ser ignorado. Este simbolismo transportava constantemente para a ideia de imortalidade e de renascimento diário. Apesar de ser compreensível numa cama ou num descanso de cabeça torna-se curioso quando usado numa cadeira. Talvez o objectivo fosse realmente transformar o humano no deus solar, tornando-o ainda mais poderoso. Seriam assim elementos que confeririam uma elevadíssima protecção e enorme poder. O seu uso em cadeiras como a de Sat-Amon ou o trono dourado de Tutankhamon faria então absoluto sentido. Uma das questões iniciais deste estudo era tentar verificar se haveriam peças de mobiliário exclusivamente feitas para o contexto fúnebre e se esses objectos imitavam os usados em contexto doméstico. A primeira parte da questão é facilmente respondida. Sim. Peças de mobiliário exclusivamente ritual foram feitas no Egipto antigo. O exemplo ideal são as três camas rituais de Tutankhamon. Mais apoiada esta certeza fica na pesquisa iconográfica onde foram detectados diversos frescos de túmulos diferentes onde camas rituais semelhantes às do KV 62 estavam representadas. Isto permite estimar que eram objectos frequentemente usados. A segunda parte da questão é ligeiramente mais complicada. Se mobiliário era produzido exclusivamente para o túmulo tornando-se assim em mobiliário fúnebre é uma possibilidade, mas nunca será certo. Sabe-se contudo que mobiliário doméstico 497 Curiosamente os mesmo que Manuelian afirma serem objetos de luxo. Cf. Manuelian, P., Op. Cit., 1623. 90 era levado para ser introduzido no espólio funerário. Parecem prova-lo dois tipos de dados. Frescos de túmulos com representações de procissões funerárias498 onde são retratadas peças de mobiliário doméstico a ser transportado em grandes quantidades para o túmulo. A chave para esta suposição estará na quantidade e variedade de material transportado. Supondo que Ramose, o caso aqui referido, tivera uma mumificação de setenta dias, a quantidade de artesãos que se teriam de ter dedicado exclusivamente à produção do elevado volume de artigos para o túmulo era incalculável assim como a quantidade de matéria prima que seria precisa com disponibilidade imediata tornava todo o processo inviável. Assim é seguro avançar-se com a hipótese de que certamente muitas peças foram trazidas de sua casa. O mesmo parece ter acontecido com algumas das peças analisadas neste estudo. O segundo aspecto que parece apoiar a ideia anterior é exactamente a presença de mobiliário com nomes de membros da família do morto no seu túmulo. Neste estudo encontram-se como exemplos a cadeira de Sat-Amon e a arca de Amenhotep III. São dois objectos cuja única explicação para estarem no KV 46 é terem sido ofertas dos familiares próximos. A possibilidade de serem objectos de uso doméstico será neste caso também realmente elevada. Esta suposição levanta uma outra questão inerentemente associada. Existiria uma espécie de prática ritualística na qual familiares davam objectos com significado especial aos que partiam antes deles? Em caso afirmativo, faria parte do socialmente esperado serem peças de qualidade elevada ou dependeria do estatuto de quem dava? Seriam as oferendas de objectos pessoais, neste caso peças de mobiliário, uma estratégia propagandística para o Mundo dos Ocidentais? São questões interessantes e cuja resposta este estudo não consegue fornecer. Um aspecto é factual. Os antigos egípcios dispensavam um cuidado extremo com a preparação da sua casa da eternidade. Os seus frescos, os seus espólios, os seus corpos, tudo era cuidadosamente pensado para continuar a existência numa realidade extremamente semelhante à deixada para trás. Muitas vezes tentava-se incrementar as hipóteses de entrada no Mundo dos Ocidentais. O exemplo mais adequado será talvez a caixa rectangular de Tutankhamon com todas as suas inscrições recitando os seus grandes feitos militares e a sua adoração aos deuses do panteão egípcio. O mesmo se pode aplicar à cadeira de Sat-Amon, com as suas inscrições mais pessoais mas decididamente a mostrá-la como uma preferida do seu faraó e pai. Se os túmulos 498 Vd. Anexo I, Figura 114, 49. 91 eram feitos para nunca mais serem abertos, aquela informação apenas se poderia dirigir para aqueles com quem o faraó se iria cruzar, tal como tinha servido para aqueles com quem Tutankhamon se havia cruzado no Egipto. Sabe-se que existia uma noção de elevada pureza no que tocava à passagem pelo Tribunal de Osíris. A exaltação dos feitos de um individuo por terceiros, neste caso por quem havia gravado as inscrições, seria extremamente mais benéfico do que se fosse recitada pelo próprio. Também os frescos dos túmulos tinham um papel semelhante ao desta caixa. Muitos relatavam detalhadamente os grandes feitos dos seus donos na administração do Egipto, como o fez Rekhmiré499. Outros escolhiam inscrições que se traduziam em feitiços acompanhados por imagens da vida que esperava no Ocidente500. Os mesmos frescos onde os egípcios se representavam a agradar os seus deuses com mesas repletas de alimentos. Kha usara modelos tridimensionais para deixar um repasto para os seus deuses de eleição. Era claramente uma outra técnica de transmitir a intenção desejada. No entanto os frescos podiam ainda transmitir na forma de imagem, repetindo para a eternidade o poder, os feitos e os desejos dos donos dos túmulos. Talvez os frescos de Rekhmiré sejam também um exemplo supremo desta prática. O túmulo de Sennedjem ou Nefertari,, entre tantos incluem-se naqueles onde se mandou pintar um ideal de si e dos seus feitos que os representariam tanto no Egipto como no Mundo dos Ocidentais. O Antigo Egipto no alto do seu esplendor, durante o Império Novo, foi palco de um refinamento supremo não só dos seus sistemas de crenças como das técnicas que melhor o ajudariam a respeitá-las, a mostrá-las e algumas vezes a contorná-las. Era uma civilização com uma complexidade tão profunda que só se poderá assemelhar à daquilo que começaram por copiar nos seus inícios pré-dinásticos e que esteve na base de todos os seus mitos, crenças e religião: a natureza. Contudo, infelizmente, saberemos sempre apenas uma ínfima parte de uma enorme história. Esta é a limitação maior deste estudo. As informações materiais e iconográficas que chegaram até à actualidade tendem a representar aquela ínfima parte da população que conseguiu perpetuar a sua existência e projectar o seu nome até à eternidade. É, no entanto, uma limitação recorrente em Egiptologia e antecipadamente prevista por qualquer estudioso desta civilização. Não deixa de ser, no entanto, o terrível espinho 499 Cf. Hodel-Hoenes, Life and Death in Ancient Egypt. Scenes from Private Tombs in New Kingdom, Thebes 151-155. 500 Muitas vezes um reflexo da que tiveram no Egipto. 92 numa rosa que nasceu e desapareceu num deserto há milénios atrás e que conseguirá manter para sempre, apenas para si , a maioria dos seus segredos. O povo do Nilo... 93 LISTA DE MUSEUS: Ägyptisches Museum, Berlin. Fitzwilliam Museum, Cambrige. Metropolitan Museum of Art, New York. Musée Calvet, Vaucluse. Musée du Louvre, Paris. Museo delle Antichità Egizie di Torino Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa. Museum of Fine Arts, Massachusetts. Rosicrucian Egyptian Museum and Art Gallery, San Jose. The British Museum, London. The Egyptian Museum of Antiquities, Cairo. INSTITUTOS E SOCIEDADES CIENTÍFICAS Aigyptos, Instituts für Ägyptologie der Ludwig-Maximilians-Universität München. Egypt Exploration Society, London. OEB, International Association of Egyptologists. The Griffith Institute, Oxford. 94 BIBLIOGRAFIA DICIONÁRIOS, ENCICLOPÉDIAS ARAÚJO, L. M. 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It is also summarily presented some of the construction techniques adopted for the construction of ritual and domestic furniture during the dynasties XVIII -XX. One then follows to the analyses of these twelve objects regarding its material composition and eventual symbolic meaning, based on the prior conducted research. This part is presented in two chapters. Several questions are raised throughout this study, being the pressing "Has there been transfer of home furnishings to the funerary context " and "Would the funerary contents have had furniture exclusively made for this purpose”. The findings will show compared data from the universe of the chosen furniture and will offer some explanatory hypotheses regarding the present subject. Keywords: Furniture, New Kingdom, Symbolism. ÍNDICE Introdução.......................................................................................................................... 1 Capítulo I - Os Materiais e Técnicas usados na construção de mobiliário no Antigo Egipto: Império Novo. ...................................................................................................... 7 1.1 Os Materiais de Construção usados no Mobiliário do Império Novo........................ 8 As Madeiras................................................................................................................ 8 Análise Simbólica das Madeiras............................................................................ 10 Os Metais.................................................................................................................... 14 Análise Simbólica dos Metais................................................................................ 18 Outros Materiais......................................................................................................... 20 Minerais................................................................................................................... 20 Faiança Egípcia........................................................................................................ 23 O Marfim................................................................................................................. 24 1.2 A Cor usada no Mobiliário do Império Novo.............................................................. 24 As Matérias Usadas e os Processos Químicos que originavam as cores no antigo Egipto......................................................................................................... 25 As duas Cores Opostas........................................................................................... 25 As Cores Primárias................................................................................................. 26 As Cores Secundárias e Terciárias......................................................................... 27 A simbologia das Cores......................................................................................... 28 1.3 As Técnicas de Construção usadas no Mobiliário do Império Novo........................ 29 Técnicas de Produção de Mobiliário em Madeira.......................................................... 29 Escolha e corte da árvore............................................................................................ 30 Corte em placas e Secagem........................................................................................ 30 Construção do mobiliário........................................................................................... 31 As Juntas em Mobiliário............................................................................................. 32 Técnicas de Produção e Acabamento de Mobiliário.................................................. 32 Técnicas de Produção de Mobiliário em Faiança Egípcia................................................. 34 Capítulo II - O Mobiliário do Antigo Egipto: Império Novo. Análise Material............... 36 1. A Cadeira....................................................................................................................... 37 Objecto 1 – A Cadeira de Sat-Amon, Dinastia XVIII, Faraonato de Amenhotep III................................................................................................................................ 38 Objecto 2 – A Cadeira de Hatnofer, Dinastia XVIII, Faraonato de Hatchepsut......... 40 2. O Banco......................................................................................................................... 43 Objecto 3 – O Banco Branco de Tutankhamon, Dinastia XVIII, Faraonato de Tutankhamon.............................................................................................................. 44 Objecto 4 – O Falso Banco dobrável de Tutankhamon, Dinastia XVIII, Faraonato de Tutankhamon......................................................................................................... 46 3. A Cama.......................................................................................................................... 48 Objecto 5 – A Cama Dourada de Tutankhamon, Dinastia XVIII, Faraonato de Tutankhamon.............................................................................................................. 48 Objecto 6 – A Cama Ritual de Tutankhamon, Dinastia XVIII, Faraonato de Tutankhamon.............................................................................................................. 50 4. O Descanso de Cabeça................................................................................................... 52 Objecto 7 – O Descanso de Cabeça em marfim de Tutankhamon, Dinastia XVIII, Faraonato de Tutankhamon........................................................................................ 53 Objecto 8 – O Descanso de Cabeça em Faiança de Tutankhamon, Dinastia XVIII, Faraonato de Tutankhamon........................................................................................ 54 5. A Arca............................................................................................................................ 55 Objecto 9 – A Arca contendo o Nome de Amenhotep III, Dinastia XVIII, Faraonato de Amenhotep III....................................................................................... 56 Objecto 10 – A Caixa Rectangular de Tutankhamon, Dinastia XVIII, Faraonato de Tutankhamon.............................................................................................................. 58 6. A Mesa........................................................................................................................... 59 Objecto 11 – O Par de Mesas Brancas de Kha, Dinastia XVIII, Faraonato de Amenhotep III............................................................................................................. 60 Objecto 12 – A Mesa de Pa-per-pa, Dinastia XVIII, Faraonato Desconhecido........ 62 Capítulo III - O Simbolismo do Mobiliário no Antigo Egipto: Império Novo.................. 63 1. A Cadeira....................................................................................................................... 65 Objecto 1 – A Cadeira de Sat-Amon, Dinastia XVIII, Faraonato de Amenhotep III................................................................................................................................ 65 Objecto 2 – A Cadeira de Hatnofer, Dinastia XVIII, Faraonato de Hatchepsut......... 68 2. O Banco......................................................................................................................... 69 Objecto 3 – O Banco Branco de Tutankhamon, Dinastia XVIII, Faraonato de Tutankhamon.............................................................................................................. 69 Objecto 4 – O Falso Banco dobrável de Tutankhamon, Dinastia XVIII, Faraonato de Tutankhamon......................................................................................................... 71 3. A Cama.......................................................................................................................... 73 Objecto 5 – A Cama Dourada de Tutankhamon, Dinastia XVIII, Faraonato de Tutankhamon.............................................................................................................. 73 Objecto 6 – A Cama Ritual de Tutankhamon, Dinastia XVIII, Faraonato de Tutankhamon.............................................................................................................. 74 4. O Descanso de Cabeça................................................................................................... 76 Objecto 7 – O Descanso de Cabeça em marfim de Tutankhamon, Dinastia XVIII, Faraonato de Tutankhamon........................................................................................ 76 Objecto 8 – O Descanso de Cabeça em Faiança de Tutankhamon, Dinastia XVIII, Faraonato de Tutankhamon........................................................................................ 77 5. A Arca............................................................................................................................ 79 Objecto 9 – A Arca contendo o Nome de Amenhotep III, Dinastia XVIII, Faraonato de Amenhotep III....................................................................................... 79 Objecto 10 – A Caixa Rectangular de Tutankhamon, Dinastia XVIII, Faraonato de Tutankhamon.............................................................................................................. 80 6. A Mesa........................................................................................................................... 81 Objecto 11 – O Par de Mesas Brancas de Kha, Dinastia XVIII, Faraonato de Amenhotep III............................................................................................................. 81 Objecto 12 – A Mesa de Pa-per-pa, Dinastia XVIII, Faraonato Desconhecido........ 82 Conclusão........................................................................................................................... 84 Lista de Museus................................................................................................................. 94 Institutos e Sociedades Científicas.................................................................................... 94 Bibliografia........................................................................................................................ 95 Anexo I – Imagens, Mapas e Tabelas................................................................................ i Madeiras Metais Minerais Marfim Faiança Outros Pigmentos Divindades Materiais Utilizados Representadas 1 Nogueira Ouro Gesso Bes Cadeira de Sat- Outra Prata Linho Taueret Amon desconhecida Símbolos Hieroglíficas Uraei; Disco Solar alado; Patas Leoninas Linho Bes 2 Cipreste Cadeira de Buxo tyet; Hatnofer Ébano pt; djed; Patas Leoninas 3 Cedro Cobre Banco Branco Bronze de Ouro Branco Patas Leoninas Tutankhamon 4 Presente, Apontamento Falso Banco talhado e Vermelho dobrável de incrustado. Tutankhamon Ébano Ouro Inscrições Cabeças de Pato ou Ganso Presentes Madeiras 5 Ébano Metais Minerais Marfim Ouro Faiança Outros Pigmentos Divindades Materiais Utilizados Representadas Linho Símbolos Inscrições Hieroglificas Patas Cama de Leoninas; Tutankhamon Papiros; Sema-tawy 6 Carvalho Pasta de Presentes Linho Vermelho na Cama Ritual de vidro nos dentes Gesso língua de Tutankhamon (olhos de e língua de Amut; Amut) Amut Preto para Amut Flores de Presentes Lótus acentuar detalhes de forma 7 Objecto Preto para Descanso de completo acentuar Cabeça em detalhes de marfim de forma e Tutankhamon hieróglifos Shu Dois Leões deitados Presentes Madeiras 8 Madeira Descanso de Metais Marfim Faiança Outros Pigmentos Divindades Materiais Utilizados Representadas Símbolos Objecto Uadjet nbw sob desconhecida a vidro em completo Nekhbet Cartelas Cabeça em unir as duas três cores Faiança de partes do Tutankhamon objecto 9 Madeira não Bronze Presente em Arca contendo o conhecida Ouro incrustações Amenhotep III Inscrições Hieroglíficas Pasta de Nome de Ouro Minerais Presentes com plumas a rodear disco solar Gesso Amarelo; Heh djed; Preto nas ankh; maçanetas was; nbw; Simbolo de ano a rodear cartelas Presentes Madeiras Metais Minerais Marfim Faiança Outros Pigmentos Divindades Materiais Utilizados Representadas Símbolos Inscrições Hieroglificas 10 Cedro Ouro ankh; Caixa Ébano Bronze was; Rectangular de neb; Tutankhamon nbw sob Presentes Cartelas; Uraei coroadas 11 Cedro Preto para Par de Mesas inscrições Brancas de Kha hieroglíficas; Presentes Branco 12 Gesso Mesa de Pa-per- pintado pa Diversas Renenutet neb; Presentes Mesa de oferendas Tabela I – Esquematização dos materiais usados nas peças de mobiliário estudadas.