2 de 12 a 18 de julho de 2012 editorial A destruição da Síria Os alardeados bombardeios aéreos do governo Kaddafi, que serviram de pretexto para a intervenção militar da OTAN, comprovadamente jamais existiram. Silêncio total da grande mídia que comoveu o mundo com as notícias de civis destroçados por bombas. Os desmentidos repousam na mesma gaveta onde está a pasta “inexistência de armas de destruição em massa no Iraque”. A invasão de tanques e tropas da Arábia Saudita no pequeno Bahrein, promovendo a repressão da luta popular, mereceu minúsculas linhas e comentários de jornais. Poucos sabem de sua existência. Quase nada se falou das torturas, desaparecimentos e assassinatos políticos no Iêmen. Nada se fala dos presos políticos na Arábia Saudita e Marrocos. Quantos morreram nestes países? Quantos estão morrendo? Diariamente, os jornais nos mantém atualizados sobre as mortes e crimes na Síria. Uma crescente e macabra estatística, em todos os telejornais. É verdade. Ocorre uma verdadeira matança neste país. E os EUA anunciam, abertamente, o fornecimento de armas cada vez mais sofisticadas a alguns seletos grupos de oposição ao governo. Todas as mortes, ferimen- tos, explosões de bombas, são creditadas à ditadura genocida e sanguinária. Cresce a tensão fronteiriça com a Turquia, incondicional aliado dos EUA. O polêmico episódio da derrubada de um avião turco no espaço aéreo sírio nos recorda as escaramuças patrocinadas pelos EUA contra Cuba e Nicarágua. Vai se montando o cenário. Estamos assistindo a destruição da Síria. Querem derrubar o governo do presidente Bashar Al-Assad, não pelos seus eventuais problemas, mas por suas qualidades, por não ser submisso aos interesses do imperialismo na região. O objetivo é sangrar ao máximo a Síria, para causar uma comoção que permita superar os vetos da Rússia e da China e autorizar uma nova intervenção militar. País criado a partir dos interesses do imperialismo inglês ao desmontar o império otomano, as fronteiras sírias foram definidas a partir do traçado da linha férrea que ligava Istambul a Beirute. Por conta disso, até hoje guarda profundas contradições entre os grupos étnicos e religiosos que permaneceram nas linhas traçadas num gabinete de Londres. Permaneceu como colônia francesa até 1946. Mas as tensões entre sunitas, xiitas, alauitas, drusos, curdos, cristãos, ar- O imperialismo segue sendo o principal inimigo da humanidade. Relativizar esse conceito é o mais grave dos erros políticos mênios e circassianos permanecem latentes. Conhecemos a habilidade dos estrategistas militares para fomentá-las, reavivá-las. Recordemos como os ingleses agiram na independência da Índia, fomentando o Paquistão, os belgas reavivando tragicamente o conflito entre tutsis e hutus para manter o controle sobre a atual Ruanda. E a forma como destruíram o perigoso Estado Iugoslavo que ameaça sobreviver soberano na Europa do leste. A máquina estatal, encontra-se principalmente, no controle de uma minoria alauita, representada politicamente pelo governo da família As- crônica opinião Emir Sader Catrina A volta do PRI Como as pesquisas anunciaram desde o começo da campanha eleitoral, o PRI ganhou a eleição e volta a presidir o México por seis anos. Peña Nieto saiu vencedor das eleições, derrotando López Obrador, o candidato da esquerda, e Josefina Vázquez, do PAN, governante por 12 anos. Favorito desde o começo, pela força acumulada pelo PRI nas vitórias para governadores da grande maioria dos estados, além do monopólio das duas maiores cadeias de televisão, cujo apoio ostensivo foi denunciado pelos estudantes, o que levou à perda de uma porção da vantagem de Nieto, insuficiente para derrotá-lo. Paralelamente, López Obrador conseguiu diminuir boa parte da rejeição que bloqueava seu crescimento no início da campanha, cresceu, assumiu o segundo lugar, mas teve essa ascensão freada na fase final da campanha. López Obrador fez uma bela campanha, defendendo firmemente posições de esquerda. A campanha se centrou mais em torno do tema da violência do que da economia, o que favoreceu os dois candidatos da direita. O modelo neoliberal, que durante mais de duas décadas aumentou muito a exclusão social, a desigualdade, a miséria no México, não esteve no centro dos debates, poupando de certa forma os dois partidos da direita, responsáveis por essa política. Há 6 anos o PRI ainda sofria os desgastes das décadas de governo, depois da sua derrota, pela primeira vez, em 2000, e o PAN se ressentia do desgaste do governo Fox. A vitória de López Obrador foi impedida por fraudes evidentes, terminando a apuração sad. Bashar al Assad herdou o poder de seu pai, Hafez al Assad que, por sua vez, era um dos principais herdeiros da principal corrente política árabe dos anos 1940-50, o nacionalismo pan-arabista. O nome de seu partido, que até hoje governa o país, é Baath, o mesmo nome do partido de Sadam no Iraque. O egípcio Gamal Abdel Nasser foi a principal liderança deste movimento. Existe repressão efetiva e contradições populares com a ditadura Síria, que potencializaram as primeiras manifestações, duramente reprimidas. A grande diferença com as demais lutas democráticas nos países vizinhos é a presença direta dos interesses estadunidenses armando e financiando grupos interessados em ampliar a cifra de mortos e feridos entre a população civil. Curiosamente, as minorias armênias, cristãs e curdas temem muito mais os “rebeldes fundamentalistas” que o governo alauita de Assad. As forças e movimentos populares ficam atônitos com esta situação. Como posicionar-se? A questão é simples. EUA e Israel querem destruir o governo Sírio. Não aceitam sua reivindicação histórica pela devolução das colinas de Golan, ocupadas militarmente pelo Estado de Israel desde 1967. Não permitem O maior problema é conseguir triunfar em um país com grande monopólio privado da mídia e com dois partidos de direita que estão se alternando na presidência com um resultado que favoreceu a Calderón por 0,5%. Não ficaram dúvidas de que a vitória do PAN se deveu à fraude. Desta vez, o PRI chegou fortalecido pela recomposição da sua estrutura em nível nacional, reconquistando grande parte do governo dos estados, valendo-se do enfraquecimento do governo de Calderón, sobretudo pelo fracasso do seu carro-chefe, a guerra contra o narcotráfico. O PRD, por sua vez, perdeu vários governos, como resultado de crises internas constantes, que foram superadas só no começo da campanha, mas depois de ter se enfraquecido como partido em nível nacional. López Obrador fez uma longa campanha formando comitês popular de um movimento novo, confiando que seria a base fundamental da sua campanha. Conseguiu reunificar o partido e a es- querda, contou com o excelente governo que continuou tendo na capital, onde elegeu, pela terceira vez seguida, o governador. Não foi suficiente, mas confirmou que a esquerda, quando consegue ganhar, governa muito bem. O maior problema é conseguir triunfar em um país com grande monopólio privado da mídia e com dois partidos de direita que estão se alternando na presidência. Além disso, pode ter havido fraude, como acha a maioria dos mexicanos. O sistema político mexicano se baseia no estranho critério de apenas um turno e o mandato de seis anos. Em 2006, vencendo com fraude, Calderón obteve seis anos na presidência. Agora, o PRI pode recomeçar um ciclo longo de governo. O maior obstáculo pode estar no provável final do ciclo de López Obrador e o começo da época de liderança de Marcelo Ebrard, que sai do governo da capital fortalecido por bom governo, e representa uma alternativa mais moderada do que López Obrador. Mas contará a favor da esquerda a armadilha que o México armou para si mesmo, quando assinou o Tratado de Livre Comercio da América do Norte, que bloqueia a capacidade do país de sair do modelo neoliberal, sofrendo, ao contrário, de forma direta, os influxos da recessão que continuará a afetar os países do centro do capitalismo, incluído os EUA, com quem o México tem mais de 90% do seu comércio exterior. Emir Sader, sociólogo e cientista, mestre em filosofia política e doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP). a existência de um governo que além de não se submeter a seus interesses, preserva sua soberania nacional. Utilizam a influência de seu aliado incondicional Arábia Saudita, apostando em grupos fundamentalistas. Uma guerra civil prolongada não serve hoje aos interesses da classe trabalhadora e das massas populares da Síria. Os que estimulam a continuidade da guerra civil agem como aliados das forças da OTAN, que já se posicionam na fronteira turca para um ataque contra mais esta nação árabe. Momentos como este não permitem vacilações. Não se trata de apoiar o regime de Bashar Assad, mas de ter claro que é preciso barrar as ações do imperialismo na região. Aos que se iludem com uma possível rebelião popular em curso, basta recordar os recentes resultados da Líbia. O imperialismo segue sendo o principal inimigo da humanidade. Relativizar esse conceito é o mais grave dos erros políticos. Não à guerra civil prolongada! Basta de assassinatos da população civil! Que cessem os ataques de ambas as partes e que seja construída uma saída política democrática, popular, progressista e anti-imperialista para a crise na Síria! Luiz Ricardo Leitão No país dos “coronéis” A literatura brasileira tem sido pródiga em revelar – sobretudo por meio de sua prosa de ficção – a evolução da nossa sociedade, logrando realizar muitas vezes análises dignas das ciências sociais. O quanto se aprende sobre o Brasil ao ler os grandes poetas e romancistas desta terra, desde o ferino Gregório de Matos (o Boca do Inferno), ainda no século 17, até o irônico Machado de Assis, criador do cínico Brás Cubas, ou o sarcástico Lima Barreto, que satirizou à larga a vida de nababos dos poderosos fazendeiros da I República. Ao longo do século passado, esta missão continuaria a ser cumprida com notável apuro estético por nomes como Graciliano Ramos, o criador de São Bernardo e Vidas Secas, ou o poeta João Cabral de Melo Neto, que imortalizou a saga sertaneja nos versos de Morte e Vida Severina. Todos eles nos ajudam a entender a gênese agrária do capital industrial e financeiro no país dos Bruzundangas. Na era colonial, o Brasil da casa-grande e senzala abrigou a empresa agromercantil, que privilegiou a monocultura de exportação e consolidou a hegemonia do latifúndio na estrutura fundiária de Vera Cruz. Séculos se passaram, mas só a roupagem mudou: agora, somos a pátria do agrobusiness; e os “coronéis” de antanho cedem passagem a outros monarcas, como os “reis” da soja e do gado que se espalham entre a Amazônia, o cerrado e outros grotões desta Bruzundanga. Essa onipresença do latifúndio se traduz na força dos elementos agrários no imaginário coletivo nacional. É curioso, inclusive, como nos anos 1930, em meio à expansão da indústria e dos monopólios sob o governo de Getúlio, a presença dos coronéis não se atenua, seja na política (em que os capitães de indústria de São Paulo não logram impor-se às oligarquias nordestinas), seja nas letras, com o poderoso ciclo do romance regionalista (em que avultam os nomes de Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Érico Veríssimo, entre outros). A terra representa, em última instância, um ícone absoluto de poder. Não por acaso, os maiores excluídos destas plagas são os nossos valorosos sem-terra, cuja luta por reforma agrária é vista como um autêntico crime pelas classes dominantes do país. E tampouco é casual que as elites, em especial os grandes banqueiros, ostentem com orgulho suas ociosas fazendas, como o faz o sinhô baiano Daniel Dantas, o famigerado dono do banco Opportunity. Isso sem falar no ex-presidente FHC, o sociólogo dos príncipes, que também comprou terras lá em Minas e chamou o Exército para evitar uma ocupação... Meio século se passou desde que Jorge Amado publicou sua obra (1958) – e, afinal, o que mudou no país dos coronéis? A indústria cultural maneja muito bem esses signos da burguesia. Por isso, em pleno séc. 21, o chamado “sertanejo universitário” agita as baladas dos filhos de fazendeiros no interior paulista. E a própria teledramaturgia global se vale do mundo rural para dramatizar a opressão de classe no Brasil. Em novelas como “O Rei do Gado” (1995), a primeira a exibir um estereótipo de sem-terra na TV, o universo patriarcal agrário impõe-se com toda a força: os coronéis, inclusive, roubam literalmente a cena, conforme ocorreu com Mezenga (Antônio Fagundes) e Berdinazzi (Raul Cortez), cuja disputa deixou em segundo plano os papéis femininos, como o da ingênua lavradora (Patrícia Pilar) e o da pérfida vilã (Glória Pires). Agora, diante da luta acirrada pela audiência, a Globo reedita o sucesso de “Gabriela”, inspirada no romance homônimo de Jorge Amado. De volta à tela, o poder patriarcal dos coronéis, ainda que, no atual roteiro, boa parte deles sejam apenas voyeurs, contemplando com pouca testosterona o desfile das fêmeas do arraial. Nos primeiros capítulos, a heroína é somente um corpo em close; a cena, até então, pertence ao coronel Ramiro Bastos (o mesmo Fagundes de “O Rei do Gado”), que dita com mão de ferro e voz bonachona as pautas da vida social. Anuncia-se que o império do coronel do cacau será confrontado pelo magnata da exportação, o jovem Mundinho Falcão. A arte e a vida, porém, nem sempre seguem esses ditames – e a reação dos excluídos parece vislumbrar-se na emersão luminosa das figuras femininas, como a briosa Zarolhinha, a líder das quengas, uma das poucas a não se deixar cooptar pelo fazendeiro-intendente. Meio século se passou desde que Jorge Amado publicou sua obra (1958) – e, afinal, o que mudou no país dos coronéis? Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e de Lima Barreto – o rebelde imprescindível. Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Aldo Gama, Cristiano Navarro, Renato Godoy de Toledo • Subeditor: Eduardo Sales de Lima • Repórteres: Aline Scarso, Michelle Amaral, Patricia Benvenuti • Correspondentes nacionais: Joana Tavares (Belo Horizonte – MG), Pedro Carrano (Curitiba – PR) • Correspondentes internacionais: Achille Lollo (Roma – Itália), Baby Siqueira Abrão (Oriente Médio), Claudia Jardim (Caracas – Venezuela), Marcio Zonta (Peru) • Fotógrafos: Carlos Ruggi (Curitiba – PR), Douglas Mansur (São Paulo – SP), Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper (Rio de Janeiro – RJ), João Zinclar (Campinas – SP), Joka Madruga (Curitiba – PR), Leonardo Melgarejo (Porto Alegre – RS), Maurício Scerni (Rio de Janeiro – RJ) • Ilustradores: Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Marina Tavares Ferreira • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – [email protected] • Gráfica: Folha Gráfica • Conselho Editorial: Angélica Fernandes, Alipio Freire, Altamiro Borges, Aurelio Fernandes, Bernadete Monteiro, Beto Almeida, Camila Dinat, Cleyton W. Borges, Dora Martins, Frederico Santana Rick, Igor Fuser, José Antônio Moroni, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Marcelo Goulart, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Pinheiro, Neuri Rosseto, Paulo Roberto Fier, Pedro Ivo Batista, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Rosane Bertotti, Sávio Bones, Sergio Luiz Monteiro, Ulisses Kaniak, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou [email protected] • Para anunciar: (11) 2131-0800 de 12 a 18 de julho de 2012 instantâneo 3 Frei Betto Dahmer Democracia falsificada Marcelo Barros Depois da Rio 92+20 Já voltaram para casa as quase 100 mil pessoas que ocuparam o Rio de Janeiro durante a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável e a reunião paralela da sociedade civil, intitulada de “Cúpula dos Povos”. Quem julgou essa conferência da ONU pelo documento final ali produzido pode pensar que as expectativas foram frustradas e que não houve avanços. Mesmo várias das propostas e conquistas da Rio 92 (Agenda 21 e Metas do Milênio) ainda não foram completamente postas em prática. Entretanto, eventos desse porte cumprem um papel e deixam uma herança para além de seus documentos finais. Durante mais de uma semana, a população do Rio conviveu pacificamente com milhares de índios de todas as regiões do Brasil, com suas indumentárias e suas justas reivindicações. Testemunhou que as questões sociais, políticas e ambientais mobilizam a geração dos maiores de 40, mas interessa também, e até principalmente, a juventude. A Cúpula dos Povos significou um encontro multicolorido de jovens do mundo inteiro. E a juventude protagonizou os protestos contra o conceito de economia verde, grande novidade da Rio 92+20. Denunciou o capitalismo como sistema essencialmente predador. Afirmou que as guerras e a política armamentista são graves obstáculos para a sustentabilidade e deixou claro que a energia nuclear, mesmo a que tem como objetivo fins pacíficos, é sempre poluidora e perigosa. Muitas das pessoas presentes eram crentes de diversas religiões e tradições espirituais. Ali houve uma vigília inter-religiosa pela paz e pela ecologia. Havia uma grande tenda, própria para o diálogo entre as religiões a serviço da paz, da justiça e da defesa da natureza, fruto constante do amor divino que a cada instante cria e recria a vida. Durante séculos, a tradição cristã ocidental privilegiou um olhar sobre a atuação divina na história e não valorizou tanto essa mesma presença amorosa de Deus na sua criação. Hoje, recobra atualidade uma palavra que, no século 4, Santo Agostinho afirmou: “O que não é assumido não pode ser redimido”. Por isso, hoje, a maioria das Igrejas tomam consciência de que esses assuntos da paz, da justiça eco-social e da defesa da natureza são temas teológicos e nos desafiam como prioridades para a missão dos cristãos no mundo. Outras tradições espirituais, como as religiões orientais e os cultos indígenas e afrodescendentes sempre consideraram o cuidado com a natureza como elemento central de sua espiritualidade. Isso faz com que crentes e não crentes possamos nos juntar em um fórum permanente de diálogo e trabalhos para reconstruir uma cultura amorosa e de comunhão entre a humanidade e o universo. Roberto Malvezzi (Gogó) Um Mujica por metro quadrado Diante de tantas palavras, propostas e manifestações que não deram em nada, talvez tenha restado da Rio+20 um simples testemunho. Se a humanidade tivesse um Mujica por metro quadrado – atual presidente do Uruguai – talvez não precisasse fazer cúpulas como a que fez no Rio de Janeiro. O atual presidente Uruguaio, ex-guerrilheiro, hoje um homem com quase 80 anos, costuma ir ao trabalho num velho fusca, mora só com a mulher, praticamente dispensa seguranças, não tem patrimônio e, para completar, ainda distribui parte de seu salário com quem precisa mais do que ele. Um jornal fez uma reportagem sobre Mujica e o chamou de “o presidente mais pobre do mundo”. Se formos considerar que em certos países paupérrimos, como muitos da África abaixo do Saara, os presidentes estão entre os homens mais ricos do mundo, então Mujica realmente é uma estrela solitária na constelação da política. Acontece que ele não gostou de ser chamado de “o presidente mais pobre do mundo”. Criticou o conceito de pobre- za que lhe atribuiu a reportagem. Simplesmente respondeu que tem o necessário para viver com tranquilidade. Prefere investir seu tempo em coisas que realmente gosta e fazem sentido, não em ficar administrando riquezas e objetos. Dessa forma, não se considera pobre, mas uma pessoa que tem outros ideais na vida, sem ficar preso ao mundo do consumo e da fortuna para se realizar como pessoa humana. Talvez nos falte um Mujica por metro quadrado na humanidade. Claro que vão dizer que não nos bastam atitudes pessoais para resolver os graves problemas da humanidade na sua relação consigo mesma e com a natureza. Por outro lado, quando falamos em uma nova humanidade, não vai ser dentro dos padrões de produção e de consumo atuais que ela irá acontecer. Atitudes humanas como contemplação, reflexão, estudo profundo, caíram em desuso, mas são fundamentais para criar pessoas. Sem nenhum moralismo, só com um estilo de vida semelhante ao de Mujica será possível uma nova civilização planetária. Você compraria uísque Blue Label ou bolsa Louis Vuitton contrabandeados do Paraguai? Com certeza desconfiaria da qualidade. Isso vale para a “nova democracia” imposta pelo golpe que derrubou o presidente Fernando Lugo. O país foi governado, durante 61 anos, pelo Partido Colorado, ao qual pertencia o general Stroessner, e também se filia o atual presidente golpista, Federico Franco. Após 35 anos sob a ditadura Stroessner, o povo paraguaio elegeu Lugo presidente, em abril de 2008. Eu estava em Assunção e o acompanhei às urnas. Havia esperança de que o país, resgatada a democracia, haveria de reduzir a desigualdade social. O novo governo tornou-se vulnerável ao não cumprir importantes promessas de campanha, como a reforma agrária, e ao se distanciar dos movimentos sociais. Apenas 20% dos proprietários rurais do país são donos de 80% das terras. Há que incluir na cota os “brasiguaios”, grileiros brasileiros que expulsaram pequenos agricultores de suas terras para expandirem ali seus latifúndios. Lugo errou ao aprovar a lei antiterrorista e a militarização do norte do Paraguai, detendo lideranças camponesas e criminalizando movimentos sociais. Não soube depurar o aparelho policial, herança maldita de Stroessner. Em rito sumaríssimo, a 22 de junho o Congresso paraguaio destituiu Lugo, sem assegurar-lhe amplo direito de defesa. É o chamado “golpe constitucional”, adotado pelos EUA em Honduras e, agora, no Paraguai. Preocupa a Casa Branca o progressivo número de países latino-americanos governados por lideranças identificadas com os anseios populares e incômodas aos interesses da oligarquia. Ao contrário de Zelaya, em Honduras, Lugo sequer pensou, ao ser derrubado, em convocar os movimentos sociais a apresentar resistência, embora contasse com a unânime solidariedade dos governos da Unasul. Receosos diante das elites, a quem fizeram importantes concessões, não confiaram nas organizações populares É o segundo sacerdote católico eleito presidente de um país no continente americano. O primeiro foi Jean-Bertrand Aristide, que governou o Haiti em 1991, de 1994 a 1996, e de 2000 a 2004. Os dois decepcionaram suas bases de apoio. Não souberam levar à prática o discurso da “opção pelos pobres”. Receosos diante das elites, a quem fizeram importantes concessões, não confiaram nas organizações populares. Os bispos paraguaios apoiaram a destituição de Lugo. E o Vaticano os respaldou. Isso não surpreende quem conhece a história da Igreja Católica no Paraguai e sua cumplicidade à ditadura Stroessner, enquanto camponeses eram massacrados e opositores políticos torturados, exilados e assassinados. A lógica institucional da Igreja Católica julga positivo um governo que a favoreça, e não que favoreça o povo. Exatamente o contrário do que ensina o Evangelho, para o qual o direito dos pobres é o critério prioritário na avaliação de qualquer exercício de poder. A derrubada de Zelaya e Lugo demonstra que a política intervencionista dos EUA prossegue. Agora em nova modalidade: valer-se de artimanhas legais para promover ritos sumários. Já que a última tentativa de golpe, em 2002, ao presidente Chávez, da Venezuela, não deu resultado. Ao contrário, toda a América Latina reagiu em defesa da legalidade e da democracia. Uma importante lição fica para os governos progressistas de Brasil, Argentina, Venezuela, Uruguai, Bolívia, Equador, Nicarágua, e vacilantes como El Salvador e Peru. Eleição não é revolução. Muda dirigentes mas não a natureza do poder e o caráter do Estado. Nem revoga a luta de classes. Portanto, há que assegurar a governabilidade no bojo desse paradoxo. Como fazê-lo? Há dois caminhos: através de alianças e concessões às forças oligárquicas ou mediante mobilização dos movimentos sociais e implantação de políticas que se traduzam em mudanças estruturais. A primeira opção é mais sedutora para quem se elegeu, porém mais fácil de ficar vulnerável à “mosca azul” e acabar cooptado pelas mesmas forças políticas e econômicas outrora identificadas como inimigas. A segunda via é mais estreita e árdua, mas apresenta a vantagem de democratizar o poder e tornar os movimentos sociais sujeitos políticos. A primavera democrática em que vive a América Latina pode, em breve, se transformar em longo inverno, caso os governos progressistas e suas instituições como Unasul, Mercosul e Alba não se convençam de que fora do povo mobilizado e organizado não há salvação. Frei Betto é escritor, autor de A mosca azul – reflexão sobre o poder (Rocco), entre outros livros. Campanha vitoriosa! Especial Privataria Tucana já está pronto Após dois meses de campanha, o jornal Brasil de Fato encerrou, no dia 31 de maio, a arrecadação de fundos para levar o conteúdo do livro A Privataria Tucana a todos os recantos do Brasil. Graças à colaboração de 497 pessoas e organizações, nos foi possível arrecadar um total de R$ 56.883,13 - o que nos possibilitou a impressão de 400 mil jornais que já estão sendo distribuídos gratuitamente por várias regiões do país. O jornal especial, obviamente, não reproduz todo o livro. Mas, com esta edição, o Brasil de Fato pretende somar-se ao corajoso e incansável trabalho feito pela blogosfera (blogueiros progressistas) na tarefa de popularizar as denúncias feitas pelo jornalista Amaury Ribeiro Jr. em seu livro. Mais do que isso, o especial conclama a população a pressionar os parlamentares para que instalem uma CPI da privataria tucana, no Congresso, em Brasília. O PDF do especial poder ser visto e baixado em nossa página www.brasildefato.com.br. E você que contribuiu para a campanha e deseja receber alguns exemplares, por favor, entre em contato com o jornal pelo correio eletrônico [email protected] O jornal Brasil de Fato agradece a todos e todas na certeza de que a divulgação do conteúdo desse livro é um grande serviço à sociedade brasileira, pois, acreditamos ser necessário que a população brasileira saiba quem sucateou e roubou o patrimônio público desse país, construído e legado pelas gerações que nos antecederam. Circulação Nacional Ano 10 • Número 484 Junho de 2012 Uma visão popular do Brasil e do mundo EDIÇÃO ESPECIAL – PRIVATARIA TUCANA www.brasildefato.com.br E a CPI da privataria tucana? Esta é a pergunta que o povo brasileiro faz. Afinal, graves denúncias - com farta documentação obtida em juntas comerciais, cartórios, Ministério Público e Justiça – foram apresentadas no livro A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr., que comprovam “o maior assalto ao patrimônio público da história do Brasil”. Entre os beneficiários do saque, o livro desmascara o falso ético José Serra, na época, ministro de FHC. O clã tucano e sua turma realizaram movimentações financeiras sinistras com a grana das privatizações. Maringoni A lavanderia tucana e o desmonte do país pág. 3 Sociedade exige apuração e punição págs. 2 e 3 editorial É hora de prestar contas à nação EM ABRIL DE 1999, o jornalista Aloysio Biondi, ao publicar o livro O Brasil privatizado, expôs ao povo brasileiro a pilhagem da riqueza nacional feita pelas privatizações comandadas pelo governo do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Ao assumir o governo, FHC se jactava de que iria “virar a página da Era Vargas”. Foram pouco os que viram na frase o prenúncio de um conluio daquele governo com o grande capital para se apropriar das empresas estatais do país. O livro de Biondi escancarou esse conluio. A roubalheira foi tão grande, descarada e imoral, que motivou o jurista Fábio Konder Comparato a fazer uma veemente defesa para que FHC fosse responsabilizado pelo crime de lesapátria. O aviltante governo que se auto-proclamou, já nos primeiro dias do seu reinado, como portador de uma nova era, entrou para a história como um dos mais entreguistas e submissos ao capital internacional. Agora, o livro A Privataria Tucana, do também jornalista Amaury Ribeiro Jr., expõe a outra face da privatização: não foi apenas o grande capital que se locupletou com a pilhagem da riqueza pertencente ao povo brasileiro. Pessoas que ocuparam importantes cargos públicos no governo tucano, seus amigos e familiares, enriqueceram muito e rapidamente. Escoaram fortunas para os paraísos fiscais, onde estariam desobrigados de dar explicações sobre as origens do dinheiro. Fortunas provenientes de atividades ilícitas, como das máfias ou do tráfico de drogas, já haviam ensinado o caminho dos É necessário que a população brasileira saiba quem sucateou e roubou o patrimônio público desse país, construído e legado pelas gerações que nos antecederam refúgios tidos como seguros. O Privataria Tucana, após dez anos de exaustivo trabalho investigativo do autor, apresenta provas documentais da roubalheira praticada. Dá o nome dos surrupiadores, o método que utilizaram e o caminho que percorreu a riqueza que açambarcaram. A mídia burguesa silenciou durante o processo da pilhagem e silencia agora diante das provas apresentadas. Entendem-se seus motivos: ela também foi beneficiada com parte da riqueza priva- tizada e deve obediência canina ao grupo de políticos que deveriam prestar contas à Justiça. A Procuradoria-Geral da República, o Ministério da Justiça, com sua Policia Federal, fazemse de surdos e mudos, sem dar importância à gravidade das denúncias e as provas apresentadas. Posturas que os aproxima ao nível da conivência com a prática criminosa dessas pessoas e consolida o sentimento que o peso da espada da Justiça está reservado apenas aos trabalha- dores e aos pobres. Esta edição especial do Brasil de Fato, ao somar-se com o corajoso e incansável trabalho feito pela blogosfera (blogueiros progressistas), pretende popularizar as denúncias feitas pelo livro A Privataria Tucana. É necessário que a população brasileira saiba quem sucateou e roubou o patrimônio público desse país, construído e legado pelas gerações que nos antecederam. Somente a mobilização popular poderá romper com o boicote de informações que nos impõe a mídia conivente com a roubalheira e com silencio e inoperância das autoridades do país. Logrados esses objetivos, teremos a esperança de ver os larápios do patrimônio público se sentarem no banco dos réus para prestar contas à nação. 4 brasil de 12 a 18 de julho de 2012 Um longo caminho Marcello Casal EDUCAÇÃO Depois de longa discussão, Câmara aprova demanda dos 10% do PIB para o setor, que ainda depende da sanção da presidenta Patrícia Benvenuti da Redação O debate sobre o volume de recursos destinados à educação pública ganhou novo impulso nas últimas semanas. Depois de 18 meses de tramitação, a Comissão Especial do Plano Nacional de Educação (PNE) aprovou, em 26 de junho, a aplicação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país em políticas educacionais. O projeto de lei 8035/10, que cria o Plano Nacional de Educação (PNE), define as principais diretrizes para o setor nos próximos dez anos. Presente na meta 20 do Plano, a proposta de investimento do PIB foi o ponto que mais causou divergências. Depois de muitas negociações, o relator da matéria, Ângelo Vanhoni (PT-PR), apresentou um índice de 8% do PIB, acordado com o governo. Por fim, Vanhoni acatou um destaque do deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE) que aumentava o patamar de 8% para 10%, como reivindicavam alguns parlamentares e organizações sociais. De acordo com o texto aprovado, os recursos serão ampliados dos atuais 5% para 7%, no prazo de cinco anos, até atingir os 10% ao fim de vigência do plano em 2023. O texto segue agora para o Senado e, na sequência, para a sanção da presidenta Dilma Rousseff. Repercussão Ainda na Câmara, a decisão foi amplamente comemorada por deputados, e parte de movimentos e organizações sociais também se mostraram satisfeitos. “É uma grande vitória da sociedade brasileira, que há muitos anos vem reivindicando que o Brasil invista 10% do seu Produto Interno Bruto em educação”, afirma o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Franklin Leão. Para outras entidades, porém, a decisão está longe de merecer comemoração. “Trabalhar com a ideia de que nós teremos 10% do PIB destinado à educação em 2023 não pode ser considerada uma vitória”, diz a secretária-geral do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) da Regional Rio de Janeiro, Sônia Lúcio Rodrigues de Lima. Prazo A principal crítica está relacionada ao prazo de cumprimento do Plano, que prevê a destinação de 10% a daqui somente uma década. “É um tempo absurdo porque o sistema vai aumentando cada vez mais sua demanda por educação”, argumenta Sônia. A reivindicação por mais investimentos do Produto Interno Bruto em educação é antiga e já estava prevista no Primeiro Plano Nacional de Educação, elaborado em 1996 por um conjunto de movimentos sociais. Entretanto, o então presidente Fernando Henrique Cardoso vetou a meta que direcionaria 7% do PIB. O veto foi mantido pelo presidente seguinte, Luiz Inácio Lula da Silva, ao contrário do que havia prometido durante sua campanha eleitoral. “É uma grande vitória da sociedade brasileira, que há muitos anos vem reivindicando que o Brasil invista 10% do seu PIB em educação” Para o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher a aprovação representa o reconhecimento, por parte do Congresso, de que a educação não recebe a quantidade suficiente de recursos. Entretanto, o prazo de dez anos para se chegar à meta está longe de ser um fato positivo. “Apostar em dez anos é novamente jogar para um futuro indeterminado, tal como queriam fazer no PNE de 2001. Sempre há uma promessa de que o futuro será melhor, mas esse futuro nunca chega”, frisa. Já o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (que reúne mais de 200 grupos e entidades), Daniel Cara, defende o prazo e garante que o período de dez anos será necessário para que a União se adeque à mudança. Apesar de ser o ente que mais arrecada, Protesto em Brasília de estudantes e professores reivindica 10% par educação a União é o que menos investe em educação. Hoje, a cada real gasto no setor, 20 centavos vêm da União, enquanto os outros 80 são divididos entre estados e municípios. “Fizemos essa proposta dos dez anos porque é aquilo que o Estado consegue absorver. Nossa preocupação é ser coerente com o ciclo orçamentário brasileiro”, afirma. “Acho que é um prazo que pode ser dado, é um prazo bom, de quem sabe que você não muda as coisas de um dia para o outro”, afirma Leão. Sônia, porém, garante que continuará a mobilização para a aplicação dos 10% já no início do Plano. “Vamos continuar fazendo todo o esforço, em conjunto com outros movimentos sociais, no sentido de antecipar ao máximo possível a execução dessa meta, que no nosso ponto de vista, tem que ser para já”, afirma. Para o professor do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Gaudêncio Frigotto, a gravidade da situação educacional brasileira justifica a aplicação imediata dos 10%. “Nós deveríamos ter um movimento inverso. Mais de 10% no primeiro e segundo ano e, depois que você venceu essa dívida enorme com a educação, pode chegar ao patamar de 6 ou 7%”, diz. Segundo dados do IBGE, o Brasil possui 14 milhões de analfabetos e 30 milhões de analfabetos funcionais. Batalha As próximas disputas prometem ser duras, principalmente junto ao governo, que já tem dado mostras de insatisfação com a aprovação da proposta. Em declaração à imprensa, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o aumento de recursos para a educação guerra agora entre educação e saúde, ou educação e reforma agrária. Temos que garantir que esses recursos adicionais tenham como origem essa imensa sangria neocolonial da dívida”, diz. Atualmente, a União investe apenas 3% de seu orçamento em educação. Outro ponto sensível, para o professor Gaudêncio Frigotto, será a distribuição das verbas, sobretudo nos municípios. Ele lembra que é comum, nas prefeituras, que as verbas para educação acabem em outras pastas. “Em muitos municípios, principalmente os pequenos, e que são muitos no Brasil, o secretário de Educação sequer assina o que vai gastar”, destaca. pode “quebrar” o Estado. “É uma visão de quem está preocupado única e exclusivamente em pagar os juros altíssimos da dívida, em manter superávit primário à custa da sociedade”, critica o presidente da CNTE. “Trabalhar com a ideia de que nós teremos10% do PIB destinado à educação em 2023 não pode ser considerada uma vitória” O próprio ministro da Educação, Aloizio Mercadante, deu sinais de descontentamento, ao afirmar que o aumento do investimento será uma “tarefa política difícil de ser executada”. “O governo perdeu na Câmara, e agora está tentando mobilizar a sociedade, via grande imprensa, contra o Plano Nacional de Educação, não é nem só contra o investimento em educação. E o próprio ministro Aloisio Mercadante tem se prestado a esse papel”, critica Daniel Cara. Toda a movimentação, para Leher, dá sinais de que o governo não aprovará o texto. “Tudo indica que temos um veto à vista”, projeta. “Apostar em dez anos é novamente jogar para um futuro indeterminado, tal como queriam fazer no PNE de 2001” Preocupação A aprovação da proposta junto ao Executivo, no entanto, não é a única preocupação.Para Leher, será necessário que o governo federal sinalize de onde sairão os recursos para investimentos. De acordo com ele, o mais justo é que seja utilizado o dinheiro que, atualmente, é utilizado para pagamento dos juros da dívida pública. “Não pode haver uma Outro ponto problemático, segundo Leher, é o fato de o texto não especificar que o investimento deve ser direcionado à educação pública.“Não adianta passar para 7% do PIB e passar tudo para a Fundação Oi, Fundação Roberto Marinho. Temos que garantir que esses recursos tenham de fato destinação pública”, aponta. Tantas fragilidades, para Frigotto, indicam que a efetividade da aplicação dos 10% do PIB em políticas educacionais deve ir além da aprovação do texto. “A lei é uma primeira etapa. Mas a lei só se aplica se existir força social de manejo e controle desse fundo público destinado à educação”, diz. Setor ainda tenta se firmar como prioridade Resistência em investir no setor, para especialistas, mostra opção das elites em modelo econômico exportador de commodities da Redação As discussões em torno da aplicação de recursos do Produto Interno Bruto (PIB) em educação, previsto no Plano Nacional de Educação, evidenciam a dificuldade e a resistência para uma maior aplicação de recursos no setor. A falta de interesse nesse tipo de investimento, para o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, pode ser explicada pela “resposta clássica” de que o acesso à educação representa mais autonomia para o cidadão. “Mas acho que não é só isso. O fato é que o Brasil não tem um Estado justo e não investe em políticas sociais. O Estado é hoje muito mais um auxiliar da elite no apoio aos gran- des bancos e aos empresários”, afirma. É justamente a questão econômica, na avaliação do professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, a resposta para a questão. Para ele, os parcos investimentos em políticas educacionais são reflexo de um modelo de desenvolvimento focado na exportação de commodities, que não necessita de uma mão de obra mais qualificada. “Para tudo que é política social que precisa de recursos, como é o caso da educação e da saúde, o governo se arvora e afirma que isso vai quebrar o Estado” “É um bloco de poder que está feliz com o setor econômico e com a maneira como o Brasil se estruturou nas relações sociais. E uma educação minimalista e simples, de pouca sofisticação científica e cultural, dá conta das necessidades”, diz. Prova disso, segundo ele, foi o crescimento econômico vivenciado pelo país a partir da década de 1940. “O Brasil crescia a padrões que são, hoje, os padrões chineses, com uma população praticamente semiletrada. E nem por isso o Brasil deixou de crescer”, ressalta. “É uma visão estreita, produtivista, que não é de educação para a cidadania”, agrega o professor do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Gaudêncio Frigotto, que vai além: “É uma resistência de classe, de uma classe opaca, com estigma escravocrata”, afirma. Na opinião de Cara, a afirmação do ministro Guido Mantega, para quem o aumento de investimentos para 10% do PIB pode “quebrar” o Estado, ilustra toda a dificuldade. “Para tudo que é política social que precisa de recursos, como é o caso da educação e da saúde, o governo se arvora e afirma que isso vai quebrar o Estado. Vai quebrar, de fato, o Estado de poder que prejudica a maior parte da população em favor de uma elite minoritária”, afirma. (PB) brasil de 12 a 18 de julho de 2012 5 Greves expõem descaso com campo Marcello Casal Mobilização Servidores criticam intransigência do governo e descaso com políticas sociais no setor Pedro Rafael Ferreira, de Brasília (DF) O atual movimento grevista no serviço público brasileiro é particularmente dramático nas instituições que lidam com a problemática da terra. Além das condições salariais e trabalhistas reprimidas frente às outras categorias, servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e da estatal Embrapa cobram do governo a efetiva execução de políticas públicas consideradas estratégicas para o desenvolvimento social do país, como a reforma agrária, a demarcação de terras indígenas e a pesquisa agropecuária. Alguns sindicalistas avaliam como erro político a postura “intransigente” do governo em relação aos servidores federais. “Há uma contradição. De um lado, abre-se mão de um alto volume de arrecadação, liberando empresários do pagamento de impostos, como é o caso IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), enquanto de outro se promove uma política de contenção de salários e até de retração”, comenta Vicente Almeida, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf). Há um discurso de austeridade por parte do governo comprado pela própria mídia. Mas qual o recurso destinado ao setor público? Segundo o Ministério do Planejamento, o volume de reajuste salarial pedido pelas categorias em greve pode superar os R$ 90 bilhões, o que afetaria as contas do Estado. “Há um discurso de austeridade por parte do governo comprado pela própria mídia. Mas qual o recurso destinado ao setor público? Já se sabe que a relação entre servidor e população, no Brasil, ainda está aquém das necessidades reais. Especialistas já demonstraram que temos um Estado ‘raquítico’. Além disso, como explicar que gastamos algo como 40% do nosso PIB (Produto Interno Bruto) em pagamento de dívida, uma bolsa-banqueiro que só remunera o capital rentista?”, critica Marcius Crispim, da Associação Nacional dos Servidores do MDA. No cálculo de Vicente Almeida, para combater os efeitos da crise econômica, o crescimento da massa salarial do trabalhadores deveria ser estratégia, não o contrário. “A gente já sente um certo esgotamento da política de transferência sem que haja um enfrentamento de questões estruturais, como a concentração de renda, a necessidade de um imposto sobre grandes fortunas, a democratização dos meios de comunicação, a reforma agrária, entre outras”, diz. No campo Na maior paralisação dos últimos cinco anos, servidores do Incra estão em greve desde o dia 16 de junho. No total, 27 das 30 superintendências regionais tem adesão média de 80% dos funcionários. “A gente tinha muita esperança [no governo Dilma] de que as coisas andariam e nada se concretizou. A reforma agrária continua parada, não houve nenhuma mudança institucional e o Incra permanece na periferia do Poder Executivo”, afirma Acácio Leite, perito federal agrário e membro do comando de greve na autarquia. O servidor exemplifica a situação lembrando que, até agora, a presidenta publicou somente 60 decretos de desapropriação de terras, tudo no fim do ano passado. O resultado pífio pôde ser percebido no número de famílias assentadas – cerca de 21 mil – , o pior rendimento ao longo dos últimos 16 anos. Para piorar, este ano nenhuma área foi decretada até agora. “Vai ser o pior ano para o assentamento de famílias, além de ser um dos intervalos mais longos da história do Incra sem a emissão de um único decreto de desapropriação de terras”, lamenta Acácio. Retrocesso Para um órgão que tem sob sua responsabilidade o atendimento direto de cerca de dez milhões de pessoas que vivem nas cerca de nove mil áreas de as- Funcionários do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Incra fazem manifestação em frente ao Palácio do Planalto sentamento da reforma agrária por todo o país, os números da atual estrutura são alarmantes. Segundo a Confederação Nacional dos Servidores do Incra (Cnasi), o corte no orçamento do instituto, em 2012, chegou a R$ 540 milhões de um total de R$ 1,7 bilhão reservados, inicialmente, justamente os recursos para aquisição de novas áreas. No MDA, a questão começa na própria estrutura do órgão. Apenas 17% dos funcionários da pasta são servidores de carreira, que somam 127 funções. Desde sua criação, em 1999, o ministério só realizou um único concurso público. Não há plano de carreira e a massa funcional é composta, na sua imensa maioria, por profissionais de vínculo provisório. “Há um perda de conhecimento institucional, porque esses funcionários deixam o órgão e levam as experiências de execução das políticas públicas”, adverte Marcius Crispim, da Associação Nacional dos Servidores do MDA. O quadro de servidores do Incra também está ameaçado. Dos atuais 5,5 mil funcionários de carreira, cerca de dois mil devem se aposentar até 2014. O último concurso público, realizado há dois anos, até agora não convocou os 400 aprovados. Em relação à Embrapa, a luta dos trabalhadores da estatal tem se fortalecido após a deflagração da greve, em 25 de junho. A categoria rejeitou por 98% dos votos a proposta de Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) apresentado pela empresa para 2012-2013. A negociação já dura quatro meses, sem sucesso. “Os trabalhadores se uniram para expressar sua insatisfação em relação à tentativa de retirada, por parte da empresa, de direitos conquistados com a luta da categoria, além da inexpressiva proposta de reajuste salarial sem ganho real”, confirma Vicente Almeida, do Sinpaf. Outra preocupação é a prioridade que a Embrapa confere ao agronegócio em detrimento da agricultura camponesa. Apenas 4% dos recursos de pesquisa são canalizados para esse segmento, responsável pela produção de 70% dos alimentos consumidos no país. “A leitura política de tudo isso é que o governo tem seu projeto estratégico definido, que não aposta na reforma agrária, nos investimentos em tecnologia para o pequeno agricultor. Por causa disso, os movimentos sociais se juntam à pauta dos servidores cuja finalidade é a mesma”, avalia Rosângela Piovizani, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) e Via Campesina Brasil. delação do órgão, apenas 700 foram contratados. “Boa parte desse novos servidores foi lotada na sede da Funai, em Brasília, especificamente no setor que trata de licenciamento”, acrescenta. Em contrapartida, o atendimento na ponta continua precarizado. Mônica Carneiro, indigenista especializada da Funai em Palmas (TO), unidade que atende 22 etnias em seis estados, é uma das servidoras que entrou no último concurso público de 2010. “Nunca recebemos qualquer tipo de qualificação para exercer as funções do órgão”, observa. O Regimento Interno também não foi aprovado, denuncia a servidora, que ainda critica a inexistência de “participação efetiva de No MDA, a questão começa na própria estrutura do órgão. Apenas 17% dos funcionários da pasta são servidores de carreira, que somam 127 funções Indígenas Na Funai, o problema de quadro funcional reduzido é parecido, mas esconde uma realidade ainda mais grave. Para Fernando Schiavini, indigenista com 37 anos de carreira, a recente reestruturação sofrida pelo órgão, em 2009, parece ter sido pensada para atender tão somente a sanha desenvolvimentista que hegemoniza o centro decisório do Poder Executivo. “O governo promoveu essa falsa reestruturação apenas para facilitar os licenciamentos e autorizações da Funai para realização de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em terras indígenas”, critica. Dos 3,1 mil novos servidores prometidos após a remo- servidores e indígenas nas decisões sobre as atribuições” da autarquia. Na reestruturação, as unidades da Funai localizadas em terras indígenas seriam extintas e reinstaladas em cidades próximas. “O argumento era bom, prestar atendimento sem interferir na cultura. O problema é que essas unidades, na maioria, ainda não foram criadas e os indígenas ficaram completamente desassistidos pelo Estado”, afirma Schiavini. Segundo o Comando Nacional de greve, pelo menos 22 das 36 Coordenações Regionais da Funai, mais a sede, em Brasília, estão paradas. A adesão atinge em torno de 70% dos servidores, informa a categoria. Antonio Cruz Em greve, servidores federais reclamam de política salarial e da precarização do ensino público superior Educação é estratégica para o governo? Greve nas Universidades Federais refletem políticas salariais desiguais no setor público, sobrecarga de trabalho, ambientes precários e salas superlotadas de Brasília (DF) A greve nas Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) já está sendo considerada a maior de todos os tempos. Em 58 das 59 instituições espalhadas pelo país, entre universidades federais e institutos técnicos de educação, os professores pararam. O movimento, que começou em maio e já supera os 50 dias, foi ganhando a adesão de estudantes e técnicos administrativos em pelo menos 31 instituições. Com as negociações congeladas pelo governo, que informou que só voltará à mesa depois de 31 de julho, professores buscam resposta para entender o pouco interesse em enfrentar o problema. “No caso das universidades, a raiz dessa greve é reflexo de uma política salarial do setor público com tratamento desigual, fato que criou um nó difícil de resolver”, explica Sadi dal Rosso, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB). Para Sadi, a insatisfação da categoria tem origem na reforma administrativa executada no fim dos anos 1990 pelo governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “Naquele momento, foram estabelecidas as atividades típicas de Estado, como a constituição dos aparato repressivo, jurídico, de planejamento e de coleta de impostos”, diz. Educação, saúde, reforma agrária foram deixadas de lado. “Além de terem categorias de servidores muito grandes, essas áreas foram sendo desenvolvidas pelo setor privado com estímulo do próprio Estado. O problema é que isso foi feito em detrimento da população porque as pessoas não tem dinheiro para acessar boa educação, boa saúde e terra para trabalhar. Há uma frente empresarial investindo em educação, saúde e produção agrícola em um jogo muito pesado”, completa. Mesmo no governo Lula, apesar do aumento nos investimentos em infraestrutura das universidades e expansão do acesso ao ensino superior, alguns dilemas permanecem. Na Universidade Federal Fluminense (UFF), por exemplo, onde leciona a professora Sônia Lucia, diretora do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), o crescimento aprofundou problemas de precarização. “Na UFF, tínhamos dois mil professores para 2,1 mil alunos, em 2006. Agora, em 2012, são 2,9 mil docentes para 44,5 mil alunos. Isso gera sobrecarga de trabalho, ambientes precários, salas superlotadas, improvisação de espaços em contêiner etc”. (PRF) 8 brasil de 12 a 18 de julho de 2012 “Fator previdenciário é uma injustiça contra os mais pobres” Valter Campanato ENTREVISTA Para o professor Eduardo Fagnani, uma alternativa ao fator previdenciário é manter a contribuição e estabelecer uma idade mínima para a aposentadoria. Mas essa idade não pode ser 65 anos, porque é muito rígida do IHU On-Line A discussão sobre o fim do fator previdenciário, lançada pelas centrais sindicais, pede o fim de um mecanismo criado após a reforma previdenciária de 1998, e que tem prejudicado os trabalhadores que ingressaram no mercado de trabalho antes dos 18 anos. Na avaliação do economista Eduardo Fagnani, a iniciativa é válida, porque o “fator previdenciário é uma das injustiças introduzidas pela emenda constitucional n. 20, de 1998”. Em concedida à IHU On-Line, ele explica que o fator previdenciário “impõe uma perda para quem tem 35 anos de contribuição, mas não tem 65 anos de idade”. Como o senhor avalia o projeto de acabar com o fator previdenciário? O que mudaria em relação à aposentadoria? Eduardo Fagnani – O fator previdenciário é uma das injustiças introduzidas pela emenda constitucional n. 20, de 1998, da reforma previdenciária do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Na época, pretendia-se tornar as regras de acesso à previdência Social extremamente rígidas. Assim, a proposta do governo era de que, para se aposentar, a pessoa deveria ter condições. A primeira, 65 anos de idade, se homem, e 60, se mulher, mais 35 anos de contribuição. Essa fórmula é mais rígida do que a praticada na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na Europa. O Congresso vetou essa possibilidade e adotou duas formas para a aposentadoria: ou por idade (65 anos, homem; 60, mulher) mais 15 anos de contribuição; ou por tempo de serviço (35 anos de contribuição). No ano seguinte, o governo criou o fator previdenciário, que impõe uma perda para quem tem 35 anos de contribuição, mas não tem 65 anos de idade. Então, a pessoa que contribuiu durante 35 anos, mas tem, por exemplo, 55 anos de idade, é penalizada. Isso é injusto porque, em geral, a população de baixa renda entra no mercado de trabalho mais cedo, e a população mais rica entra no mercado de trabalho mais tarde, porque tem condições de estudar. O pobre não, e começa a trabalhar com 16 anos, em média. Então, uma pessoa que começa a trabalhar com 16 anos, quando tiver 57, tem condições de se aposentar por tempo de contribuição. Só que se ele não tiver 65 anos, será penalizado. É injusto exatamente por isso, por incidir mais sobre a camada mais pobre, que começa a trabalhar mais cedo. O que difere a proposta do governo e a proposta das centrais sindicais em relação ao fator previdenciário? A diferença básica é a seguinte: tanto o governo como as centrais sindicais propõem um fórmula que combine tempo de contribuição, os 35 anos, e uma idade mínima. As centrais sindicais propõem uma idade menor, e o governo propõe uma idade maior. Que modelo seria alternativo ao fator previdenciário? Uma alternativa é manter a contribuição e estabelecer uma idade mínima para a aposentadoria, mas essa idade não pode ser 65 anos, porque é muito rígida. Tem que ser uma idade menor, em torno dos 60 anos. Mas há uma cultura de que as pessoas devem trabalhar mais tempo antes de se aposentar, devido ao aumento da expectativa de vida? As centrais sindicais, muitas vezes, não levam em conta esse aspecto. Então se se estabelecesse uma idade muito baixa, essa questão demográfica não estaria de acordo com o crescimento da expectativa de vida. Mas minha posição é a de que a idade mínima não pode ser 65 anos. Veja, a média de aposentadorias na Europa é 60 anos. Agora, com a crise europeia, estão querendo aumen- Aposentados e pensionistas de todo o Brasil fazem ato religioso no Salão Verde da Câmara dos Deputados tar a idade mínima na França de 60 para 62 anos. Portanto, não pode ter, em um país de capitalismo tardio como o Brasil, uma regra de idade mínima como a atual, implantada em 1998. Há ou não necessidade de reformar a previdência? Essa discussão de reformar a previdência é uma bobagem. Isso por várias razões. Primeiro, porque a reforma da previdência já foi feita em 1998 pelo FHC, e tornou as regras brasileiras mais exigentes em relação à idade mínima para se aposentar e estabeleceu um tempo de contribuição. Não há como comparar as realidades socioeconômicas e demográficas do Brasil com os países da comunidade europeia. A renda per capita e a expectativa de vida lá são muito maiores, e a realidade social é muito melhor. No entanto, as regras brasileiras são maiores. O que os conservadores querem? Querem passar a idade mínima para 70 anos? Sendo assim, o Brasil será o campeão mundial de idade mínima. O que eles querem fazer, na verdade, é desvincular o piso do mínimo, aumentar a idade de trabalho das mulheres. Enfim, a questão aí é judicial. O problema da previdência, ao contrário do que dizem os conservadores, não está relacionado apenas com o crescimento da despesa, mas também com a redução das receitas. Eles dizem que a previdência tem um problema financeiro, visto que a despesa cresceu muito, continuará crescendo e, portanto, vai “tornar o país ingovernável”. Isso é uma estultice. O problema da previdência, desde os anos de 1990, não é só de aumento da despesa; trata-se de um problema de redução das receitas. E por que houve redução das receitas? Porque a economia ficou praticamente estagnada desde 1990. O Brasil cresceu, em média, menos que 2% ao ano. Quando o país tem um baixo crescimento econômico, tem desemprego, redução de salário etc. e, portanto, cai a massa salarial – e as fontes de financiamento da previdência são baseadas na massa salarial. Resumindo: quando a economia está estagnada, a receita cai. O que aconteceu de 2007 para cá? A previdência urbana passou a ser superavitária. No ano passado, ela foi superavitária em 40 bilhões. E passou a ser superavitária porque a economia voltou a crescer 4% ao ano. Quando se fala que é preciso fazer uma reforma da questão financeira, diz-se que o problema da previdência é a previdência. Eu estou dizendo que o problema da previdência não está nela própria; está nas opções macroeconômicas que o país faz. Se a economia crescer, não haverá problema na previdência. A partir do sistema previdenciário, que avaliação faz das finanças do Estado? De 2007 para cá, houve um crescimento econômico e a geração de mais de 20 milhões de empregos. Além dis- so, o desemprego caiu de 13% para 5%. Qual o efeito disso? Mais pessoas passaram a ser incluídas, mais pessoas passaram a contribuir com a previdência, e aumentou a arrecadação. Então, a previdência urbana em 2011 teve um superávit de mais de 40 bilhões. Portanto, a solução da previdência não está em fazer mais reformas para cortar os direitos conquistados, para tornar as regras mais exigentes. A opção é ter um modelo macroeconômico que não leve à estagnação da economia, ao desemprego, à precarização do trabalho. “Se tiver uma política econômica que garanta o emprego, o rendimento etc., haverá também a oportunidade de que esta população tenha escolaridade, renda, educação, ou seja, passe por uma fase de enriquecimento relativo antes de se aposentar” Que expectativa os jovens podem ter de se aposentar pelo INSS? Isso vai depender dos rumos da economia nos próximos anos? Em relação a essa questão, os conservadores dizem que existe a bomba demográfica, ou seja, em 2050 haverá um aumento da população idosa. Mas têm duas coisas que eles não falam. A primeira delas é a redução do número de jovens até 15 anos. Só para se ter uma ideia, hoje existem 46 milhões de crianças em idade escolar. Em 2040, existirão 20 milhões de crianças na escola. Portanto, em tese, vai se reduzir a pressão para a educação. A segunda questão importante é que, até 2050, a população de 15 a 60 anos aumentará, que é a população em idade de trabalho. Então, se tiver uma política econômica que garanta o emprego, o rendimento etc., haverá também a oportunidade de que esta população tenha escolaridade, renda, educação, ou seja, passe por uma fase de enriquecimento relativo antes de se aposentar. Portanto, ela irá depender menos da previdência pública. Então, existe uma janela de oportunidade demográfica, e isso pode ser positivo se a economia crescer 4% ao ano, ou pode ser um ônus, nos próximos 20 ou 30 anos, caso o Brasil continue a ter um crescimento baixo. Qual a importância da previdência como um instrumento de seguridade social e, nesse sentido, quais as implicações da previdência privada para os investimentos em seguridade social? O Brasil teve uma sorte histórica, porque as pessoas que lutaram contra a Ditadura Militar na década de 1970 pensaram em uma agenda democrática que incluía a democracia, a redistribuição da renda e um sistema de proteção social inspirado na social-democracia europeia. Essa agenda, com uma dificuldade enorme, conseguiu ser aprovada na Constituição de 1988, que foi inspirada na ideia de direitos sociais, de seguridade social, ou seja, na concepção de que todas as pessoas têm direito ao mínimo, mesmo não tendo contribuído. Quer dizer, trata-se de princípios de valores que têm a ver com a Declaração dos Direitos Humanos de 1948. Entretanto, a partir dos anos 1980, o neoliberalismo passou a ser o paradigma hegemônico, mas ele não entrou no Brasil até 1988, porque o país estava tratando as contas com a Ditadura Militar, e na agenda brasileira predominava a reforma tributária, os direitos trabalhistas, a seguridade social, o sistema único de saúde, o direito de greve etc. Ou seja, não era a agenda do neoliberalismo. É evidente que desde os anos 1990 há uma tentativa de retroceder a Constituição de 1988, mas bem ou mal o Brasil tem uma seguridade social e uma previdência social, que é o maior mecanismo de proteção social do país. A seguridade social beneficia diretamente 33 milhões de pessoas: 17 milhões do INSS urbano, oito milhões do INSS rural, mais quatro milhões do benefício de prestação continuada, e mais sete milhões de seguro desemprego. 90% desses benefícios equivalem a um salário mínimo. E, atualmente, quase 90 milhões de pessoas recebem pelo menos um salário mínimo, ou seja, trata-se de quase a metade da população brasileira. Nos últimos anos, o salário mínimo cresceu mais de 60% em termos reais, e 90% desses benefícios equivalem ao piso do salário mínimo. Logo, a renda dessas transferências para a seguridade social aumentou 60%, aumentando o poder de compra das pessoas. Esse é um dos fatores, junto com o crescimento do emprego, que têm sustentado o ciclo recente de crescimento, baseado no mercado interno. QUEM É Eduardo Fagnani possui graduação em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutorado em Ciência Econômica pela mesma instituição, onde leciona atualmente. brasil de 12 a 18 de julho de 2012 9 CPMI escancara o feminicídio no país Marcello Casal Gênero Nas últimas três décadas, foram assassinadas aproximadamente 91 mil mulheres no Brasil, 7º lugar entre os países onde há mais assassinatos de mulheres Terezinha Vicente de São Paulo (SP) Embora as mulheres brasileiras tenham conquistado uma das leis mais avançadas para a superação da violência de gênero – a Lei Maria da Penha –, cresce o feminicídio no país. Esses dados estão sendo discutidos em uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Nas últimas três décadas, foram assassinadas aproximadamente 91 mil mulheres no Brasil, 7º lugar entre os países onde há mais assassinatos de mulheres. O que mais assusta estudiosos do tema e feministas é o progressivo crescimento desse tipo de crime, que vitimou 43,5 mil mulheres só nesta última década, passando de 1.353 para 4.297 mortes por ano, um aumento de 217,6%. Os dados são do Mapa da Violência 2012, estudo do Instituto Sangari, baseado em dados do Sistema de Informações de Mortalidade – SIM – da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), do Ministério da Saúde e do Ministério da Justiça. Outra confirmação deste último Mapa, que traz um balanço da violência desde 1980, é a de que os homens morrem na rua, as mulheres morrem dentro de casa. Isso acontece em todas as regiões brasileiras e em todas as classes sociais. Acontece que o Brasil tem também uma das leis mais avançadas para a superação da violência contra a mulher – a Lei Maria da Penha. Reconhecida e “invejada” internacionalmente, a lei que completa seis anos em agosto não tem conseguido diminuir os índices do feminicídio brasileiro. Questionada e desrespeitada pelo machismo institucionalizado em nosso Judiciário, o Supremo precisou legislar positivamente sobre sua constitucionalidade e aplicação pelo Ministério Público, em fevereiro deste ano, para dirimir possíveis dúvidas de governadores, secretários de segurança e Justiça, delegados e juízes. Ativista chama atenção para as violências geradas pelo machismo 4297 “As delegacias não funcionam 24h, nem nos feriados. As medidas protetivas aqui no Estado são rejeitadas pelo Judiciário” No Congresso, foi constituída uma comissã0 para verificar o que acontece com a aplicação da Lei Maria da Penha, e também com os recursos do Pacto Nacional contra a Violência à Mulher, programa da SPM (Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres), distribuídos aos governos estaduais. “O relatório será publicado para amplo conhecimento, inclusive de órgãos internacionais que olham para o Brasil e nos cobram, devido à Lei Maria da Penha, exemplar em outros países”, disse a senadora Ana Rita, relatora da CPMI, na última sexta-feira, 29. A senadora, junto com parlamentares paulistas membros da Comissão, como a senadora Marta Suplicy, as deputadas federais Janete Pietá (PT-SP) e Keiko Ota (PSB-SP), concederam entrevista coletiva à imprensa. Audiência Pública na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) foi realizada nesse dia, para inquirir gestores do Estado, coroando uma série de diligências feitas pelas parlamentares em órgãos de governo, equipamentos sociais e ouvindo as mulheres. Descaso em São Paulo Estado mais populoso do país, São Paulo tem também o maior índice em números absolutos de feminicídio. Só no ano de 2010, foram 663 assassinatos de mulheres, 3,1 mortes por ano em cada grupo de 100 mil, segundo o Mapa da Violência 2012. Na cidade de São Paulo o índice é maior – 4,8 mortes/100 mil habitantes. Entretanto, o governo do Estado de São Paulo foi o último a assinar o Pacto contra a Violência do governo federal, só o fazendo depois de muita pressão dos movimentos feministas e com dois anos de atraso. Estado econômica e culturalmente mais forte do país, não tem no seu governo estadual qualquer órgão voltado às políticas públicas dirigidas às mulhe- . é o número de feminícidios por ano 43,5 mil mulheres foram assassinadas na última década res, o que dificulta ainda mais qualquer controle social dos recursos vindos para tal. São escandalosos também os ínfimos números de equipamentos como delegacias da mulher, casas de acolhimento às vítimas de violência, juizados e outros previstos pela legislação para a prevenção e combate da violência doméstica. “A maleabilidade da lei, que é dura, rígida, forte, não existe mais depois da declaração do Supremo”, disse a senadora Marta Suplicy, que considera a Lei Maria da Penha uma conquista tão importante para as mulheres como o direito ao voto. Ela denunciou que o número de processos abertos no Estado representa metade do número de queixas apresentadas, devido à incompetência do atendimento nas delegacias, de pro- cessos mal formulados, de falhas no encaminhamento da queixa. Marta chama a atenção para outro aspecto da violência doméstica, que é a sua interiorização; conforme dados da Secretaria de Segurança Pública – de setembro de 2011 a maio deste ano, tivemos 55.174 casos de mulheres vítimas de lesão corporal dolosa e, destes, 34.906 casos foram no interior. “Exigimos o cumprimento da Lei Maria da Penha na sua totalidade. Lei novinha, conhecida pela população, só que precisa de estrutura para ser cumprida e exercida!” Segundo a senadora, muitas vezes o MP não pode atuar devido ao mau preenchimento do inquérito, que é mandado de volta para a delegacia. “Para o Estado tanto, faz a maneira como a mulher é tratada, fica clara a não importância do estado de SP com as mulheres que sofrem violência!” Retrocesso São Paulo foi pioneiro nas políticas para as mulheres ao criar a primeira Delegacia da Mulher, o primeiro serviço de abortamento legal do país (hoje desativado), a primeira casa de acolhimento à mulher vítima de violência – Casa Eliane de Grammont, graças à luta incansável das feministas nos anos de 1970 e 1980. Entretanto, hoje está na vanguarda do atraso em relação a outros estados, não existindo sequer organismo nem rubrica para políticas de gênero. Dos 645 municípios, apenas 121 têm delegacias, apenas um juizado especializado para todo o Estado; os funcionários não estão capacitados para atender a situação, gerando ainda mais humilhação e violência, segundo a experiência narrada pelas representantes das organizações não governamentais que atendem as mulheres. Enfim, diversas exigências previstas na Lei Maria da Penha para que tenha eficiência são desrespeitadas, particularmente em São Paulo. “As delegacias e os juizados especiais são condições fundamentais para a aplicação da lei”, falou a deputada Janete Pietá. “As delegacias não funcionam 24h, nem nos feriados, não há capacitação, nem multidisciplinaridade, as medidas protetivas aqui no Estado são rejeitadas pelo Judiciário”. “O Estado de São Paulo tem responsabilidade maior porque ao invés de avançar, retrocedeu” A relatora da CPMI explica que audiências e diligências estão sendo realizadas em vários estados, a começar dos mais violentos. “O Estado de São Paulo tem responsabilidade maior porque ao invés de avançar, retrocedeu”, falou a senadora, “o que acontece aqui repercute nos demais estados brasileiros e se aqui retrocede repercute negativamente “. Coordenando a mesa da audiência, a Senadora Ana Rita relembrou os casos emblemáticos de assassinatos de mulheres ocorridos em São Paulo e bastante explorados pela mídia, antes de iniciar o questionamento dos representantes das Secretarias estaduais responsáveis na questão. Nenhum secretário compareceu. 10 brasil de 12 a 18 de julho de 2012 A Voz do Brasil ameaçada ENTREVISTA Para o jornalista Beto Almeida, programa de rádio mais antigo do mundo pode sair do ar, caso as emissoras recebam autorização para escolher horário de transmissão espaço sindical da Redação Reprodução A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 478/10, que aumenta os direitos trabalhistas dos empregados domésticos, está pronta para ser votada na Comissão Especial sobre Igualdade de Direitos Trabalhistas, que analisa o tema. A relatora, deputada Benedita da Silva (PT-RJ) decidiu acrescentar 16 direitos para a categoria, entre eles Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), remuneração do trabalho noturno superior ao diurno, jornada de 44 horas semanais, hora extra, salário-família e igualdade de direitos entre trabalhador com vínculo e avulso. Alguns direitos trabalhistas garantidos pela Constituição não são aplicáveis aos trabalhadores domésticos. Daniele Silveira de São Paulo (SP) O Projeto de Lei (PL) que propõe a flexibilização do horário de veiculação do programa A Voz do Brasil pode resultar no fim do mais antigo programa de rádio do mundo. A proposta pretende deixar as emissoras de rádio comercias e comunitárias livres para escolher entre 19h e 22h o horário de transmissão. O projeto, aprovado em 2006 pelos deputados, foi alterado no Senado e retornou à Câmara Federal em dezembro de 2010. Na semana passada, o PL entraria em votação, mas foi retirado da pauta. Há mais de 70 anos no ar, A Voz do Brasil é transmitida obrigatoriamente às 19h. Diante do conflito de interesses que envolve a proposta, a RadioagênciaNP, do grupo Brasil de Fato, entrevistou o jornalista e presidente da TV Cidade Livre de Brasília, Beto Almeida. Ele aponta que houve falta de discussão no plenário da Câmara e a tramitação no Senado ocorreu durante período esvaziado. Almeida ainda chama atenção para a importância do programa como meio de acesso a informação para muitos cidadãos do interior do país. Para ele, existe uma evidente articulação das rádios comerciais para tornar o programa inviável. “A informação se revela como fator de missão social muito importante para integrar o país como um todo” Como você avalia o projeto que pretende flexibilizar os horários de transmissão do programa A Voz do Brasil? Beto Almeida – A flexibilização do programa A Voz do Brasil é, na verdade, um cavalo de troia que traz dentro de si a ideia de extinção da Voz do Brasil. Tal como a ideia da flexibilização da CLT dos direitos trabalhistas é ruim para os trabalhadores, a flexibilização da Voz do Brasil é muito ruim para a população em geral porque as sete mil rádios hoje existentes no Brasil, a esmagadora maioria delas, não consegue produzir jornalismo. Então, elas têm programas sofríveis, precários do ponto de vista jornalístico, e não fazem integração nacional via informação. A informação se revela como fator de missão social muito importante para integrar o país como um todo. A quem interessa o projeto? Flexibilizar é você dar às rádios a possibilidade de escolherem o horário em que o programa será veiculado. Mas aí quem é que vai fiscalizar? Hoje, sendo obrigatória A Voz do Brasil, você já não tem condição de fiscalizar sete mil rádios. Imagine se você flexibilizar o horário. É, na verdade, um truque que os Direitos dos domésticos PEC precisa ser aprovada Há mais de 70 anos no ar, A voz do Brasil conecta ouvintes de todas as regiões do país oligarcas da informação estão utilizando para tornar infiscalizável. Qual a importância da Voz do Brasil? O rádio é o grande fator de informação, juntamente com a televisão obviamente, mas o rádio pode dar uma informação, por exemplo, sobre o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Agrário que o jornal da Globo não tem interesse em dar. Ou, por exemplo, medidas do Ministério da Pesca para as colônias de pescadores e A Voz do Brasil alcança as embarcações onde elas estiverem, as colônias de pescadores, os ribeirinhos, o que muitas vezes não vai acontecer pela televisão. O preço mínimo da borracha, por exemplo, através de um radinho, o seringueiro que fica três, quatro, dias pela floresta trabalhando ele recebe essa informação pela A Voz do Brasil. E os deputados sabendo disso passam a informação do preço da borracha na Tribuna da Câmara porque sabem que A Voz do Brasil vai transmitir essa informação. “Mas aí quem é que vai fiscalizar? Hoje, sendo obrigatória A Voz do Brasil, você já não tem condição de fiscalizar sete mil rádios” Muitos críticos dizem que o programa é um resquício da “ditadura Vargas”. Como você avalia esse posicionamento? Eu colocaria resquício entre aspas, muitas aspas, porque na era Vargas o povo brasileiro conquistou muitas coisas. Por exemplo, a empresa de petróleo, a Petrobras, a Vale do Rio Doce, os direitos trabalhistas, a licença maternidade, tudo isso é resquício entre aspas da era Vargas. E A Voz do Brasil veio naquela época, quando o mundo se preparava para a guerra, havia uma ameaça de guerra, que depois aconteceu, e havia ideias de fragmentação do país. Essas ideias de dividir, fragmentar, o país como nós vemos hoje são ameaças que continuam existindo. Há um intervencionismo crescente do im- perialismo sobre ou contra os países que têm riqueza mineral e o Brasil as tem. Então, nós devemos manter sempre atentos instrumentos de integração nacional até como capacidade de defesa. E o povo precisa estar informado sobre os atos do governo, sobre os atos do legislativo, sobre os atos do executivo, e isso não acontece hoje se você olhar o rádio comercial na sua grande maioria ou a TV na sua grande maioria. “Há um intervencionismo crescente do imperialismo sobre ou contra os países que têm riqueza mineral e o Brasil as tem” A suposição de que o programa não dá audiência tem fundamento? Usam-se argumentos de que ele não tem audiência, mas as pesquisas que os empresários fizeram e escondem, por que eles não as divulgam? Porque os resultados são contra eles. Uma delas, feita pelo Ibope, dizia que no horário de 19h às 20h dois terços dos rádios nas cidades permaneciam ligados. Ora, 19h às 20h é A Voz do Brasil, então não existe aquela ideia de que todo mundo desliga o rádio. “Rito sumário significa que ele não vai a plenário, então, ele não foi aprovado pela maioria” Quais os problemas relacionados à tramitação desse projeto? Primeiro, ele passou sem ter grandes audiências públicas na Câmara, sem ter ido a plenário. Ele não foi colocado a plenário, porque foi feito um acordo com os empresários da Abert [Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão] para que o projeto tivesse rito sumário. Rito sumário significa que ele não vai a plenário, então, ele não foi aprovado pela maioria. Quando ele chegou no senado havia esvaziamento eleitoral porque era ano eleitoral, 2010. (RadioagênciaNP – www.radioagencianp.com.br) Arquivo pessoal Para que os cerca de 7,2 milhões de trabalhadores domésticos tenham os mesmos direitos trabalhistas dos demais trabalhadores, é preciso que a PEC seja aprovada na comissão especial, depois passe por duas votações no Plenário da Câmara, com no mínimo 308 votos favoráveis, em cada uma delas. Após isso segue para o Senado, também para votação em dois turnos. O trabalho doméstico representa 15,8% do total dos ocupados no Brasil, segundo dados PNAD-2008. Destes, 93,6% são mulheres, 61% são negras e 26,8% não têm carteira assinada. Mundo do trabalho O ministro do Trabalho e Emprego, Brizola Neto, pretende consolidar com as centrais sindicais uma agenda a ser executada pelo ministério sobre temas relacionados ao mundo do trabalho. No dia 29 de junho, o ministro esteve com dirigentes das centrais, em São Paulo, durante visitas que fez às sedes da Força Sindical, CTGB, UGT e CUT. O ministro destacou que pretende fazer um regramento claro sobre o registro sindical, para não deixar subjetividade. “Importante é garantir sindicatos representativos”, enfatizou Brizola Neto. Sobre o fator previdenciário, ele disse que o ministério deve assumir o processo de intermediação entre os trabalhadores e o governo. Brizola Neto visitou a sede nacional da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), onde foi recebido pela executiva nacional e presidentes de sindicatos filiados à central. Metalúrgicos do RJ “É hora de Brasília ouvir nossa voz”. Com esse lema, os metalúrgicos da Emgepron, no Rio de Janeiro, realizaram nova manifestação na porta do Ministério do Trabalho, no dia 9, quando houve mais uma audiência de conciliação entre o Sindicato e a empresa. Os trabalhadores exigem o cumprimento da convenção coletiva de 2011 da categoria metalúrgica, que estabelece o piso profissional de R$ 1.800,00; e para os trabalhadores não qualificados de R$ 1.080,00. Os trabalhadores realizaram uma grande assembleia no dia 5, na sede do Sindicato, onde decidiram rejeitar a proposta de aumento de 6,5% apresentada pela empresa e cobram o enquadramento dos trabalhadores na convenção coletiva de 2011 dos metalúrgicos. Juventude sindical Nos dias 17 e 18, Manágua, capital da Nicarágua, sediará o III Encontro da Juventude Sindical da América Central. O evento, promovido pela Federação Sindical Mundial (FSM) da América Central, pretende reunir jovens da região para discutir as problemáticas atuais da juventude trabalhadora. A partir do tema “Juventude Trabalhadora Diante dos Novos Desafios”, os participantes discutirão problemas como: pobreza, desemprego, violência, e drogas. A ideia, de acordo com o convite para o encontro, é “construir consensos sobre o tema da juventude trabalhadora na região” a respeito dessas questões e seguir a “construção de uma sociedade em benefício de todas e todos, incluindo os jovens e as jovens”. Vitória dos trabalhadores do ES O programa A Voz do Brasil Beto Almeida, presidente da TV Cidade Livre A Voz do Brasil está no ar há mais de 70 anos. O objetivo é levar informação aos cidadãos dos mais distantes pontos do país. O programa tem uma hora de duração. Os primeiros 25 minutos são produzidos pela EBC – Empresa Brasil de Comunicação e levam aos cidadãos as notícias, de seu interesse, sobre o Poder executivo. Os demais 35 minutos são divididos e de responsabilidade dos Poderes Judiciário e Legislativo. Mais uma vez, a mobilização, a organização e a capacidade de pressão do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil do Espírito Santo (Sintraconst-ES) resultaram em uma grande vitória. No dia 4, em decisão unânime, os desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho local julgaram o dissídio coletivo da categoria e estabeleceram um aumento de 14% nos salários para todos os operários do estado. Era exatamente o que exigia o Sintraconst-ES, que, até então, havia arrancado o índice para os operários das grandes empresas, como Mendes Júnior, as empreiteiras da Samarco e da 8ª Usina da Vale. Agora, o benefício é geral, tanto para o pessoal da indústria quanto da construção. No caso da construção, serão 12% de aumento retroativos a maio e mais 2% em novembro. A cesta básica será de R$ 170, com outros R$ 80 de gratificação para os trabalhadores que não apresentarem faltas injustificadas no mês. As empresas também arcarão com R$ 60 do valor do plano de saúde. Já na área industrial, serão 14% de aumento, R$ 400 de cesta básica e plano de saúde gratuito e extensivo à família. cultura de 12 a 18 de julho de 2012 11 Go, Brazil, Go FILME O Brasil pelo olhar black de Spike Lee; filme chegará às telas brasileiras no ano da Copa do Mundo e pretende mostrar algumas de nossas qualidades e defeitos, alegrias e desalentos Divulgação Maria do Rosário Caetano de São Paulo (SP) Spike Lee se ocupará, nos próximos 18 meses, de construir, com calma e reflexão, um olhar (com recorte black?) sobre o Brasil, em documentário de nome empolgante: Go, Brazil, Go. O novo longa-metragem, cujas filmagens ele iniciou em abril último, chegará às telas brasileiras no ano da Copa do Mundo (2014) e pretende mostrar algumas de nossas qualidades e defeitos, alegrias e desalentos. E, claro, nossa “cordialidade” e nosso racismo. Afinal, Lee, um militante da causa black, externou em sua estada de uma semana no país – durante coletiva à imprensa – enorme espanto pela “ausência de negros na mídia brasileira”. Em especial na TV. Go, Brazil, Go só encontrará sua forma final, depois de mais “sete visitas” de Lee ao país que conheceu quando subiu o Morro Dona Marta, no Rio (depois foi ao Pelourinho baiano) com Michael Jackson (1958-2009), para gravar o clip de They Don’t Care About Us. Um clip que conheceu sucesso planetário e no qual o astro estadunidense cantava, vestido com uma camiseta do bloco afro Olodum, ao som ritmado de tambores baianos. Spike Lee gravou depoimentos dos compositores Gilberto Gil e Caetano Veloso e conversou com o cineasta Joel Zito Araújo. Jantou com os atores Lázaro Ramos e Wagner Moura A produção do novo documentário de Spike Lee traz a assinatura de José Ibañez, espanhol nascido na Argentina, responsável por longas-metragens como Maradona por Emir Kusturica, e Fidel e Ao Sul da Fronteira, ambos de Presidenta Dilma recebe cineasta em Brasília (DF) Oliver Stone. Para garantir sólida retaguarda cinematográfica brasileira ao cineasta afro-americano, Ibañez convocou Heitor Dhalia e Tatiana Quintella, sócios na produtora Paranoid (que em breve começará a filmar o épico Serra Pelada). Na primeira etapa de filmagens, Spike Lee colheu imagens e depoimentos para Go, Brazil, Go na companhia do fotógrafo César Charlone (indicado ao Oscar por Cidade de Deus e parceiro de Lee no piloto da série Sucker Free City). Juntos, e com Tatiana & Dhalia na produção, eles estiverem com a presidente Dilma Roussef e com o ministro Joaquim Barbosa (no dia em que o STF votou a permanência das Cotas para afrodescendentes em universidades brasileiras) e visitaram a sede do Afro-Reggae. Spike Lee gravou depoimentos dos compositores Gilberto Gil e Caetano Veloso e conversou com o cineasta Joel Zito Araújo. Jantou com os atores Lázaro Ramos e Wagner Moura. O escritor Fernando Morais, autor de A Ilha e Chatô presta consultoria ao filme. Como fizera, antes, em outras produções de José Ibañez. Tatiana Quintella não esconde o orgulho de ver a Paranoid na função de “produtora brasileira escolhida para realizar o novo documentário do aclamado diretor Spike Lee”. Afinal, acrescenta, “este projeto vai retratar nosso país, que hoje, além de chamar atenção por sua economia aquecida (apesar da crise europeia), nos orgulha por fato único em nossa história política: temos Dilma Roussef como a primeira mulher brasileira a ocupar a presidência da República”. “Além do mais” – destaca Tatiana – “o mundo todo está com os olhos voltados para cá, pois vamos receber dois grandes eventos esportivos: a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas”. É claro – pondera – “que o documentário Go, Brasil, Go vai retratar também os problemas e os desafios que se nos apresentam e necessitam ser superados”. As filmagens de Go, Brazil, Go, que foram iniciadas em abril, cumpriram uma primeira etapa em São Paulo, Rio, Salvador e Brasília. Spike Lee entrevistou, “além de personalidades marcantes nestas quatro grandes cidades, pessoas comuns, gente das ruas”. A produtora avisa que “ele deve retomar mais sete vezes ao Brasil”. Admiradora do trabalho de Lee, Tatiana cita seus títulos preferidos: Faça a Coisa Certa e Malcolm X. E destaca: “além de um grande diretor, Spike Lee é um ativista social contra o racismo e, com seu trabalho, colabora para a inclusão dos afro-americanos em posições de destaque”. Na esfera pessoal – arrisca-se – “pelo que pudemos perceber nestes primeiros contatos, ele é também um homem muito curioso, simpático, objetivo e um fanático por esportes em geral”. Spike Lee estreou no longa-metragem em 1986, com She’s Gotta Have It, que se fez seguir de School Daze (1988). Mas a fama, para valer, chegou com o seu terceiro longa, Faça a Coisa Certa, de 1989. Nesta colorida e vibrante narrativa, ambientada num Brooklin sufocado por temperaturas altíssimas, o cineasta-ator antagonizou pizzaiolos ítalo-americanos a empregados e clientes afro-americanos. E problematizou os caminhos apontados por duas lideranças negras: o pacifismo de Martin Luther King e o ativismo de Malcolm X. O filme correu mundo. E revelou Spike Lee como diretor e ator (na pele de um abusado entregador de pizzas) ao público brasileiro. Dali em diante, seus filmes – Mais e Melhores Blues, Febre na Selva e o épico Malcolm X – tiveram distribuição garantida em nossas telas e fizeram relativo sucesso. Isto foi de 1990 a 1992. Ao longo da década de 1990, o interesse do mercado por seus filmes começou a diminuir. A maior parte dos trabalhos do jovem cineasta não chegou a nossas telas. O argumento para tal desaparecimento é de dolorosa constatação: “o público não se interessaria por filmes protagonizados por atores negros”. Spike Lee entrevistou, “além de personalidades marcantes nestas quatro grandes cidades, pessoas comuns, gente das ruas” Em 2006, um milagre: o longa-metragem O Plano Perfeito, um thriller de excepcional qualidade, com elenco majoritariamente branco (embora Denzel Washington nele desempenhe papel de um dos protagonistas, coadjuvado por Chiwetel Ejiofor), trouxe Spike Lee de novo às páginas nobres da imprensa brasileira (Inácio Araújo, um dos críticos mais respeitados do país, recebeu o filme com imenso entusiasmo). O Plano Perfeito alcançou um milhão de espectadores, feito notável para um cineasta afro-americano. Tal sucesso comercial e artístico abriu espaço para o lançamento do épico Milagre em Santa Anna, ambientado na Segunda Guerra Mundial e em solo italiano. Com soldados negros ocupando o relevo merecido. O filme não fez sucesso. E não tinha, há que se registrar, a ousadia e qualidade das obras maiores do realizador nascido em Atlanta, na Geórgia. A começar pelo perturbador Bamboozled – A Hora do Show, de 2000. Quem quiser ir à essência do cinema black de Lee não pode deixar de ver este filme. Nele estão sintetizadas todas as questões que alimentam a criação artística deste cineasta que nunca idealizou os negros. Sempre os valorizou, mas de forma matizada. Mostrando suas qualidades e defeitos. Pois destas matérias, afinal, todos nós somos feitos. “O documentário Go, Brazil, Go vai retratar também os problemas e os desafios que se nos apresentam e necessitam ser superados” Bamboozled O diretor de Faça a Coisa Certa, Malcolm X, e Bamboozled é o mais conhecido, e produtivo, dos cineastas blacks atuantes na indústria do cinema, dominada historicamente pelos anglo-saxões. Nascido em 1957, ele soma mais de trinta filmes para cinema e TV em seu currículo. Um feito para um cineasta afro-americano. Além de trabalhar sem descanso, ela dá aulas de Cinema na NYU (New York University), onde se formou e foi aluno de, entre outros, Martin Scorsese. Joel Zito Araújo Divulgação “O Spike Lee Brasileiro” vai dar um curso na Nova York a convite do autor de Bamboozled de São Paulo (SP) O escritor e cineasta Joel Zito Araújo, autor do livro A Negação do Brasil – O Negro na Telenovela Brasileira (Editora Senac, 2000), e diretor dos filmes A Negação do Brasil, Filhas do Vento e Cinderelas, Lobos e Um Príncipe Encantado, é fã assumido de Spike Lee. E orgulha-se de ser comparado a ele. Gosta de ser chamado de “o Spike Lee brasileiro”. Em depoimento ao Brasil de Fato, Joel Zito, um dos artistas ouvidos por Spike Lee para seu Go, Brazil, Go, fala de sua relação com o diretor de Faça a Coisa Certa e Bamboozled. “Como não é difícil imaginar, Spike Lee é um dos cineastas fundamentais no cinema que faço. Obviamente, antes do seu aparecimento eu já estava profundamente marcado pelos grandes dos anos de 1960 e 1970. Cito especialmente Fellini, Truffaut e Bergman, que foram muito além do entretenimento e falaram profundamente da condição humana, dos sonhos, dos imaginários, dos desejos, e trabalharam com uma alternativa narrativa que sempre admirei. Spike Lee faz parte de uma segunda geração que me impressionou, com narrativas e temáticas diferentes. E ele Spike Lee em encontro com os atores Wagner Moura e Lázaro Ramos “Amei o seu momento de ouro, aquele em que fez um filme atrás do outro, sempre se superando, desde Faça a Coisa Certa até Malcolm X” se destaca por fazer um cinema norte-americano de boa qualidade, e por dialogar com aquilo que mexia profun- damente comigo, e continua mexendo, que são as relações raciais e a questão da identidade negra. Amei o seu momento de ouro, aquele em que fez um filme atrás do outro, sempre se superando, desde Faça a Coisa Certa até Malcolm X. Naquele momento, considero que ele se tornou em um dos grandes da cinematografia mundial. Após aquela fase, ele teve uma carreira irregular. Não entendo o porquê. Mas adorei vários filmes que vieram depois, como Verão de Sam, Bamboozled, A Últi- ma Noite e o Plano Perfeito. Neste último nós podemos ver claramente a mão de um diretor que tem um olhar muito original e provocativo comentando um roteiro comercial. A crônica racial de Nova York, o entorno do fato central, constitui, seguramente, uma das melhores coisas do filme. Vemos ali o Spike Lee influenciado e, até mesmo, recriando um roteiro que não é dele. Até mesmo o personagem do Denzel Washington espelha uma parceria dos dois na criação do mundo, da personalidade e irreverência do detetive. É maravilhoso ver tudo aquilo. Este filme, sem Spike Lee, poderia contar com um bom condutor de thrillers, ou de atores, mas nunca teria o acento que torna esse trabalho grande e original. Sei que, infelizmente, no Brasil, uma parcela de nossos críticos age dentro dos limites de nossa cultura e pouco valoriza o aspecto das tensões raciais existente em várias culturas. Quanto ao seu novo filme, o documentário Go, Brazil, Go, ele me procurou porque os seus consultores me apontaram como um cara que poderia comentar as relações da mídia e o contexto racial brasileiro. Antes disso eu já tinha tentando encontrá-lo, mas nunca tinha dado certo. Temos amigos em comum que fazem circular nossos comentários e trabalhos. Imagino que havia, da parte dele, interesse também em me conhecer, como naturalmente eu tinha em relação a ele. No final da entrevista, ele me convidou para dar um pequeno curso em sua cadeira na Universidade de Nova York. Cool, man!” 12 cultura de 12 a 18 de julho de 2012 Consciência de mídia, isso existe? CRÔNICA Um país e um povo que não conhece as intenções de sua própria mídia dominante, nunca conseguirá sair desse redemoinho de mentiras, opressões e desigualdades CarlosCarlos Quando eu vejo um microfone de qualquer veículo das Organizações Globo no meio de uma manifestação popular legítima e organizada, fico com a sensação de que a consciência em relação à grande velha mídia em nosso país ainda está muito longe do que necessitamos, inclusive dentro de setores ligados à militância social e política. Me pergunto quando os movimentos sociais e seus manifestantes vão entender que a luta não deve se vincular a esses tipos de veículos, simplesmente pelo fato deles utilizarem e editarem esses materiais audiovisuais segundo os seus princípios elitistas e concentradores, e como se não bastasse, depois nem são cobrados por isso. Se é esse o curso do seu cotidiano, com certeza ainda não percebeu o quanto esse processo midiático monopolizado faz mal a todos nós Se eles tem a intenção de deturpar e produzir matérias mentirosas e tendenciosas a respeito das lutas sociais, que as façam com os seus próprios métodos, mas nós não podemos dar o aval nem contribuir para eles estarem em nosso meio registrando nossas falas e atos como se isso fosse inofensivo… Não!!! Consciência de mídia já, é disso que precisamos!!! www.malvados.com. br Será que eu preciso relembrar sobre o surgimento da Rede Globo, na época da ditadura e financiada pelos Estados Unidos? Será que eu terei que, novamente, enumerar aqui todo o mal que essa emissora causa ao povo brasileiro, com seu monopólio tacanho e suas formas mesquinhas e cínicas de manipulação? Sinceramente, espero que vocês já estejam a par disso tudo. Ou você ainda está naquela de dizer que “assiste novela pra se distrair”? Se é esse o curso do seu cotidiano, com certeza ainda não percebeu o quanto esse processo midiático monopolizado faz mal a todos nós, pois é justamente através de pequenos símbolos, referências sociais, signos, que eles adentram os corações e mentes de milhares de pessoas, causando um estrago que interfere realmente nos rumos do país. A função da Rede Globo é conformar, e a nossa é abrir clarões! É fato que a Rede Globo foi expulsa de algumas manifestações Brasil afora, mas ainda é muito pouco! Não basta expulsar e não autorizar, tem que se saber os exatos motivos e porquês da efetivação dessas expulsões, tem que se discutir dentro dos movimentos o que cada mídia representa em e ao nosso país. As pessoas precisam saber com o que e com quem estão lidando. Um país e um povo que não conhece as intenções de sua própria mídia dominante, nunca conseguirá sair desse redemoinho de mentiras, opressões e desigualdades. Afinal, o movimento nazista na Alemanha tinha uma mídia organizada que não era questionada por grande parte da população. Será que esse triste momento da história se relaciona com o que vivemos ainda nos dias de hoje? Ou nós aprendemos quem são os nossos reais opressores ou passaremos séculos e séculos assistindo novelas “inofensivas” e telejornais absolutos nos conduzindo às trevas da ignorância antilibertária!!! Decidi escrever esse texto após assistir a um vídeo na web que mostra a coletiva que estudantes da Unifesp de Guarulhos concederam à imprensa, por conta de ataques antidemocráticos que o Estado e a Polícia praticaram contra eles. o balcão dahmer Havia três microfones na mesa da coletiva: um era da TVT – Tv dos Trabalhadores, que hoje atua como um dos veículos da contramídia organizada em nosso país, logo, estava no local correto – o outro era o microfone da Tv Cultura, que apesar de ser uma emissora “dita pública”, costuma reproduzir com afinco os vícios e objetivos da velha mídia, e o outro, o que chamava realmente a minha atenção, era o microfone da velha e esperta Rede Globo, sempre dando um jeitinho pra estar onde não deveria estar… E aí eu me pergunto: por quê? Será que os estudantes da Unifesp não estão por dentro dos objetivos que a Globo tem ao estar lá? Será que eles ainda não pararam pra pensar mais profundamente sobre o panorama da mídia no Brasil? Acredito, sinceramente, que eles sabem que a Globo não é “amiga”, mas também cheguei a me perguntar se num caso desse, o ego não fala mais alto, e aparecer na Globo torna-se sedutor demais... Definitivamente, essa não é uma crítica aos estudantes da Unifesp nem a qualquer manifestante, mas é um apelo latente e um grito de alerta aos nossos: Rede Globo não! Não os autorize a gravar a sua imagem, em nenhuma circunstância. E isso vale para toda e qualquer emissora que funcione na sintonia da Rede Globo, que foi enfocada aqui como principal pelo simples fato de ser o carro-chefe da mídia brasileira. Ou seja, está no ar na Globo, está em todas as emissoras comerciais! Esse é um manifesto e um grito por consciência midiática no Brasil, com a certeza de que ou nós aprendemos quem são os nossos reais opressores ou passaremos séculos e séculos assistindo novelas “inofensivas” e telejornais absolutos nos conduzindo às trevas da ignorância antilibertária!!! Olho vivo e luta no coração e nas ruas!!! CarlosCarlos é vídeo-ativista, blogueiro (bolaearte.wordpress.com), criador, diretor e apresentador do programa Bola e Arte (Futebol, Arte e TransformaçãoSocial), veiculado via FizTv em 2008/2009 e exapresentador do “ProgramaNovo” da Tv Cultura. Formado em Rádio e Tv desde 2005, e principalmente nas ruas e botecos das cidades, também é escritor, músico, pintor e documentarista. Atualmente é repórter da TVT – Tv dos Trabalhadores, colunista da Revista Fórum no projeto “Jornalismo em Quadrinhos” e oficineiro em audiovisual, cultura digital e jornalismo ativista. Correio eletrônico: [email protected]. gama Palavras Cruzadas 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Horizontais – 1.Bóson de Higgs – Co. 2.Oco – Aborto. 3.Balé – Cláudio Assis. 4.Batom. 5.MA – Élan. 6.Creer – Odin – RJ. 7.Âmnio – Deusas. 8.ET – Madri – PAC. 9.Uca – Larica – Islã. 10.Chile – Távola. 11.África – Nísio – Alado. Verticais – 1.(?) Marley, ícone do reggae – Filme chileno do mesmo diretor de “Violeta foi para o céu”. 2.“Palco” ou “terreiro”, em tupi – Símbolo da moeda oficial da Suíça. 3.Cerveja mexicana – “(?) Play”, jogo limpo no meio esportivo. 4.Cólera – Medida chinesa que equivale a 500 metros. 5.Time de futebol do Equador. 6.Exposição de arte que acontece a cada cinco anos na cidade de Kassel, Alemanha. 7.Ele acha graça; ele (?). 8. “Obrigado”, em esloveno – Átomo gasoso eletrizado sob a ação de certas radiações. 10.Cineasta franco-suíço, principal nome da Nouvelle Vague – (?) de Maio, movimento de mulheres que perderam seus filhos assassinados pela polícia. 11.Viagem para outra parte. 12.Padroeiro dos negros, nascido na Sicília em 1526, descendente de escravos vindos da Etiópia. 13.Principal deus pagão dos fenícios – Grande constelação vista no hemisfério Norte 14.Ditador brasileiro que dá nome ao “Minhocão” 15.(?) Welles, diretor do filme “Cidadão Kane” – Provedor de internet estadunidense. 16.Uma das operadoras de celular – Sigla de São Paulo – Naquele lugar. 17.Chamado de socorro – Abreviatura em latim para d.C. (depois de Cristo). 18.José (?), presidente do Uruguai. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 101112131415161718 Verticais – 1.Bob – Machuca. 2.Ocara – CHF. 3.Sol – Fair. 4.Ira – Li. 5.Emelec. 6.Documenta. 7.Ri. 8.Hvala – Íon. 10.Godard – Mães. 11.Ida. 12.São Benedito. 13.Baal – Ursa. 14.Costa e Silva. 15.Orson – Aol. 16.Tim – SP – Lá. 17.SOS – AD. 18.Mujica. Horizontais – 1.Chamado também de “partícula de Deus” – Sigla de cobalto. 2.Que não tem nada dentro – Prática ainda considerada crime no Brasil, com pena de até seis anos. 3. Forma de expressão artística em que se executa uma coreografia sobre um tema musical – Cineasta brasileiro, diretor de Amarelo Manga, Baixio das Bestas e Febre do Rato. 4.Cosmético que se aplica nos lábios. 5.Sigla de Maranhão – Impulso, sentimento de energia e entusiasmo. 6.Verbo “crer”, em espanhol – Principal deus da mitologia nórdica – Sigla de Rio de Janeiro. 7.Membrana que envolve o feto – Divindades como Artêmis, Atenas e Afrodite. 8.Alienígena – Capital da Espanha – Programa de Aceleração do Crescimento, lançado em 2007. 9.Aguardente de cana – Maneira popular de chamar a vontade desenfreada de comer que surge após fumar maconha – Religião monoteísta baseada no Alcorão. 10.País latino-americano que, a partir do dia 5 de abril, conta com uma base militar dos Estados Unidos no seu território – Segundo a lenda, os “Cavaleiros da (?) Redonda” reuniam-se em volta dessa espécie de mesa, propositalmente sem cabeceira, para representar a igualdade de seus membros. 11.Continente com 54 países – (?) Gomes, cacique Guarani-Kaiowá, que teve seu corpo levado por pistoleiros, após ser executado em novembro de 2011, durante ataque ao Tekoha Guaiviry, no Mato Grosso do Sul – Que tem asas. américa latina de 12 a 18 de julho de 2012 “Não há nenhuma intenção de regressar ao capitalismo” ENTREVISTA Deputado e pastor cubano comenta o momento de mudanças e o papel da religiosidade na ilha 13 Pepe Lopex/cc Renato Godoy de Toledo da Redação O reverendo Raúl Súarez, 77 anos, é um dos principais personagens ecumênicos da Revolução Cubana. O pastor batista – membro do parlamento cubano desde 1993 – é considerado um dos responsáveis pela flexibilização do Estado cubano em relação à religiosidade. Por um longo período, desde 1959, os dirigentes do Partido Comunista não admitiam as práticas religiosas no país, muito menos a presença de religiosos na agremiação. Súarez participou de conversas com Fidel Castro, que foi se convencendo do poder de mobilização da religião, sobretudo após visita a um encontro das Comunidade Eclesiais de Base no Brasil, em 1990. Em entrevista ao Brasil de Fato, Súarez relata como sua trajetória religiosa encontrou-se com os ideais políticos da revolução cubana. O pastor também comenta o momento atual de Cuba, que passa por mudanças para “aperfeiçoar o socialismo”. “Não tenho contradição entre ser um pastor ativo, fiel à minha vocação pastoral, e em me posicionar ao lado da revolução” Como foi a evolução da relação entre a revolução cubana e a religiosidade no país? A partir de 1984, a história me proporcionou um encontro com Fidel Castro. Ali se inicia uma plena consciência de que unidos à revolução, poderíamos superar as contradições entre marxistas e cristãos, tudo pela unidade nacional. Nesse ano, preparei uma atividade em homenagem a Martin Luther King, como secretário-executivo do Conselho Ecumênico de Cuba, em que defendemos a candidatura do Reverendo Jesse Jackson à presidência dos Estados Unidos. Nesse ato, Fidel compareceu. Participei do jantar que Fidel ofereceu a Jackson e tive uma conversa de três horas com ambos. Fidel nos presenteou com o livro “Fidel e a Religião”, de Frei Betto, que ainda não havia sido publicado. Com o propósito de que percebêssemos qual era seu pensamento em relação à religião, que não era um dogmático. Foi um reconhecimento de que não tinha nenhuma restrição com o símbolo, como ele disse, que é Jesus Cristo. Após esse encontro, iniciou-se uma nova etapa entre a revolução e a igreja. Walfrido Lopez Rodriguez/cc Brasil de Fato – Para iniciar, poderia contar um pouco sua trajetória como pastor batista e o seu encontro com os ideais da revolução de 1959? Raúl Súarez – Vivi 24 anos no sistema capitalista de Cuba. Em 1953, com 18 anos, pela primeira vez ouvi o nome de Fidel Castro, quando do assalto ao Quartel de Moncada. Desde então, minha simpatia por seus ideais se iniciou e permanece até hoje. Quando a revolução triunfa em 1959, iniciei minhas atividades como pastor, em um setor bastante pobre do país, a Península de Zapata. Participei da ajuda aos feridos da invasão mercenária do país, na Baía dos Porcos. Posso dizer que não estava preparado bíblica e politicamente para viver uma revolução comandada por pessoas que não eram da igreja e, em sua maioria, eram marxistas que queriam implementar o socialismo. No entanto, por minha origem social, em meio aos trabalhadores rurais, algo como os sem-terra do Brasil, um setor muito pobre, meu coração sempre esteve ao lado da revolução, pela obra humanitária de justiça social para todos os cubanos. Então, havia uma contradição entre um coração que respondia à minha origem social e uma racionalidade que respondia à formação teológica por missionários estadunidenses. Foi um processo agônico, conflituoso, tenso. Mas, em 1971, senti a necessidade de mudar de minha pastoral para iniciar uma nova pastoral com uma base bíblica e teológica mais fortalecida e aberta, contextualizada. Por outra parte, a interpretação que alguns setores da revolução faziam do marxismo-leninismo, criava dificuldades para se tomar uma consciência. Era muito dogmática e sectária, influenciada pelos manuais soviéticos sobre o tema da fé cristã e da revolução. Por um longo período, desde 1959, os dirigentes do partido comunista não admitiam as práticas religiosas no país lismo do Estado. Não houve críticas ao socialismo e à revolução. Então surge uma proposta de alinhamento econômico e social. Agora estamos em fase de implementação dessas demandas apontadas no processo de discussão. Por outro parte, se leva a cabo a descentralização do Estado, com menos ministérios, menos burocracia. E a eliminação de algumas decisões verticais e a atribuição de mais poder aos municípios e comunidades, que terão mais autonomia e responsabilidades. É uma reconsideração do projeto socialista e do projeto econômico. “Por ser globalizado, o capitalismo atinge os países pobres e Cuba não está imune a isso. Temos poucos recursos” Em 1990, Fidel vem ao Brasil na posse de Fernando Collor e se impressiona com um encontro com cerca de 4 mil delegados de Comunidades Eclesiais de Base. Nessa época, a União Soviética já dava indícios de que desapareceria, e amigos e inimigos da revolução pediam que Fidel fizesse o mesmo movimento que se desenhava no Leste Europeu, ou seja, uma transição ao capitalismo. Nesse encontro, as canções, consignas e as leituras da bíblia eram solidárias com Cuba e pediam a Fidel que se mantivesse firme com a revolução e o socialismo. Após seu regresso a Cuba, reunimo-nos com muito mais pessoas, por nove horas e, a partir dessa reunião, o Partido Comunista fez uma nova interpretação em relação à política. Em seu 4º Congresso, em relação à igreja, eliminou os impedimentos à religiosidade no país e as barreiras para que os religiosos fossem membros do Partido. Formulou-se também uma nova lei eleitoral e, em 1993, a Central do Trabalhadores de Cuba me indicou como deputado, pelo papel que o movimento ecumênico estava desempenhando na unidade dos cubanos. Então, desde lá até hoje, sou membro do parlamento cubano e da comissão de relações internacionais. Não tenho contradição entre ser um pastor ativo, fiel à minha vocação pastoral, e em me posicionar ao lado da revolução e um sentimento de pertencimento ao processo revolucionário. Cubadebate Reverendo Raul Suaréz, deputado cubano Como o senhor avalia o processo de mudanças que Cuba vive no momento. Com a renovação dos quadros e a chamada atualização do socialismo? Eu creio que a situação atual de Cuba e sua definitiva convicção de que se deve reorientar a política e a economia é parte de um processo revolucionário. A revolução não é um projeto petrificado, congelado no passado, não é um museu, mas um movimento. A situação que vive a humanidade, com crises econômicas, ecológicas, é resultado de um sistema globalizado capitalista, que não é mais sustentável. Por ser globalizado, o capitalismo atinge os países pobres, e Cuba não está imune a isso. Temos poucos recursos. As conquistas sociais de Cuba foram alcançadas em um momento propício. “A revolução não é um projeto petrificado, congelado no passado, não é um museu, mas um movimento” Fidel, antes da doença, disse: “não há bloqueio estadunidense que possa derrotar a revolução, só nós mesmos podemos o fazer”. Aí ele desenvolve um resumo do que é a revolução, como um decálogo, que reflete a essência do pensamento de Fidel e do pensamento ético revolucionário do povo cubano. Ele afirma que temos que mudar tudo o que deve ser mudado, sem pular etapas e sem copiar qualquer modelo estrangeiro. Não levamos a cabo o modelo chinês, soviético, vietnamita. Estamos dispostos a aprender com todos, como disse Raúl Castro, mas o nosso projeto deve nascer do contexto cubano, caribenho e latino-americano. Esse processo se leva a cabo com a participação ativa do povo. Iniciou-se um debate em toda a sociedade, incluso as igrejas. Mais de 7 milhões de pessoas participaram, sendo que 1,5 milhão expuseram suas demandas. Disso, criou-se um diagnóstico em que apareceu a angústia, as críticas e as esperanças do povo. As principais críticas eram referentes à burocracia do país, o centra- Há uma leitura feita pela imprensa internacional de que essas transformações seriam parte de uma transição ao capitalismo. O que o senhor pensa desta avaliação? Foi interessante o discurso de Raúl Castro quando tomou posse. “Não fui eleito para destruir o socialismo, mas para aperfeiçoá-lo”. A intenção é essa, colocá-lo em seu tempo e espaço sobre uma base econômica que sustente e que se siga adiante o processo ético de igualdade e justiça. Não há nenhuma intenção de regressar ao capitalismo. O povo, nos debates, nunca critica o socialismo. Critica os erros que se cometem na construção do socialismo. Como membro da Comissão de Relações Internacionais do parlamento cubano, como o senhor avalia o atual momento da América Latina? Depois de um período de surgimento de governos mais à esquerda, parece que há uma interrupção dessa tendência, com o golpe de Estado no Paraguai, a eleição de Piñera no Chile e a volta do PRI ao poder no México... O governo de Bush foi bruto, torpe. Com os problemas internos e as guerras, deu pouca importância para a situação da América Latina. Mas Obama é um presidente astuto e inteligente. É um filho do sistema. Mudou o motorista, mas o carro segue sendo o mesmo. Continua sob o controle da indústria bélica e das grandes transnacionais. Continuam as demandas de construção de bases militares em regiões estratégicas de fonte de água e petróleo. Iniciaram, em Honduras, uma nova maneira de retomar a América Latina como quintal dos Estados Unidos. Tentaram dar um aspecto legal ao golpe. Agora, no caso do Paraguai, está comprovado que militares dos EUA conversaram com políticos paraguaios sobre a possibilidade de se instalar uma base militar na região do Chaco, uma região miserável, mas estratégica. Há uma política imperialista que visa impor eleitoralmente, com fraudes ou sem fraudes, governos de direita. 14 américa latina de 12 a 18 de julho de 2012 Três anos do Golpe de Estado Honduras Cerca de um milhão e meio de pessoas saíram às ruas de Honduras em reivindicação ao regresso da democracia, no terceiro aniversário do golpe que derrubou o expresidente Manuel Zelaya Ignacia Lemur Julia Nassif e Ignacio Lemus de Tegucigalpa (Honduras) No dia 28 de junho, 18 estados de Honduras foram testemunhas da maior manifestação desde o golpe de Estado nesse país. Em meio a uma crise em relação aos direitos humanos, organizações sociais e partidos opositores ao golpe insistem na ilegitimidade do atual governo de Porfirio Lobo Sosa, denunciam a contínua perseguição e crimes de Estado e confiam que, nas eleições presidenciais do próximo ano, a articulação da resistência derrotará a ditadura político-militar. “Éramos cerca de um milhão e meio de pessoas nas ruas, foi excepcional em nível nacional. Nunca tinha visto tanta gente em uma mobilização, fiquei emocionado por todo esse apoio”, relata Gilberto Rios Munguía, secretário internacional da Frente Nacional de Resistência Popular, partido opositor ao governo golpista. Entre as reivindicações, os manifestantes também expressaram seu repúdio à recente assinatura do Acordo de Associação (ADA), tratado de livre comércio entre América Central e a União Europeia, e não esqueceram o golpe de Estado que teve lugar no Paraguai nos últimos dias: “Já tínhamos advertido que, em Honduras, estava em jogo a saúde da América Latina”, lamentou Ríos Munguía. Por sua parte, Xiomara Castro, candidata do partido Liberdade e Refundação (LIBRE) rumo às eleições presidenciais no próximo ano e esposa de Manuel Zelaya, presidente deposto pelo golpe militar em Honduras, reafirmou no aniversário do do golpe, a importância da mobilização no caminho ao regresso da democracia no país: “Honduras virou exportador do sistema de golpe de Estado e demostrou que não existem organismos internacionais multilaterais que possam garantir a democracia. Por isso, é importante que a população faça força”. Honduras virou exportador do sistema de golpe de Estado e demostrou que não existem organismos internacionais multilaterais que possam garantir a democracia Ditadura Em 2008, Honduras, o segundo país mais pobre da América Latina passava a integrar a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), uma plataforma na qual o país poderia impulsionar os projetos de desenvolvimento endógeno que lhe permitissem sair da subordinação às políticas neoliberais dos bancos internacionais. Porém, um golpe de Estado estimulado pelas Forças Armadas hondurenhas, em cumplicidade com a oligarquia nacional e a embaixada dos Estados Unidos, interrompeu o projeto político de Manuel Zelaya e, apesar do amplo repúdio da diplomacia internacional, o então presidente do Congresso, Roberto Micheletti, tomou o poder. Cinco meses depois, o atual presidente Porfirio Lobo Sosa assumiu a presidência como consequência de uma eleição administrada pelas mesmas figuras que tinham iniciado o golpe de Estado. Em protesto, a maioria dos candidatos da oposição não participou da eleição, enquanto os observadores internacionais, com exceção do Instituto Democrático Nacional e o Instituto Republicano Internacional (ambos financiados pelos Estados Unidos), boicotaram o processo. Hoje, os países que fazem parte da Alba não reconhecem o novo governo. Por outro lado a OEA (Organização dos Estados Americanos), a quem o cubano Fidel Castro define como “o ministério de colônias dos Estados Unidos”, deu seu apoio à gestão do Porfirio Lobo Sosa. A União Europeia também mostra indiferença pelos crimes de Estado em Honduras e longe de se distanciar do governo de Porfirio Lobo, assinou um tratado de livre comércio com a América Central, justamente no dia do aniversário do rompimento da institucionalidade democrática hondurenha por meio do golpe de Estado. ras: “Quando se casaram os filhos do rei da Espanha, Freddy Nasser lhes emprestou seu grande iate nas Bahamas. Ele é o genro de Miguel Facussé, o maior empresário de hidroelétricas na América Central. Por algumas coisas de magia, esses empreendimentos impulsionados desde o exterior, sempre caem nas mãos dele”. E agrega: “É uma rede articulada entre militares mafiosos da Escola das Américas, empresários, a Igreja Católica e políticos mafiosos e narcotraficantes, a serviço do império: transnacionais como Burguer King que não pagam impostos, empresas de combustíveis, empresas de turismo. Honduras é Open for bussiness! Um país prostituído e presenteado para os grupos estrangeiros do jeito mais canalha e selvagem, tirando os Garifunas, indígenas e camponeses de suas terras”. Plano Colômbia No final de junho uma manifestação que reuniu centenas de pessoas demonstrou o repúdio da população contra três anos de golpe Desaparecimentos e assassinatos Hoje, Honduras é o segundo país mais violento do mundo, somente atrás do Iraque, invadido por tropas dos Estados Unidos. Em 2011, segundo o Observatório da Violência, o país de América Central registrou 7,104 homicídios: 86,5 entre cada 100 mil habitantes. A COFADEH (Comitê de Familiares Desaparecidos em Honduras, tradução livre), principal organização de Direitos Humanos no país, confirma que no mínimo 34 membros da oposição desapareceram ou foram assassinados, enquanto que 300 pessoas foram mortas pelas forças de segurança do Estado, a maioria no golpe, e logo com o aumento da violência de Estado. Movimentos sociais, organizações e partidos políticos da oposição afirmam que as vítimas excedem esses números e denunciam a contínua perseguição por parte do governo de Porfirio Lobo. Já são 29 os jornalistas assassinados desde o golpe, 24 durante o regime de Porfirio Lobo. Um episódio significativo é a recente aparição do corpo morto do jornalista Alfredo Villantoro, com os olhos vendados com um lenço vermelho e vestindo um uniforme do Esquadrão Cobra da Polícia Nacional. Até o momento, nenhum desses crimes foi resolvido pela justiça hondurenha. Outro caso paradigmático é a morte de 361 detentos no presídio de Comayagua, a 90 quilômetros ao norte de Tegucigalpa, também durante o governo de Porfirio Lobo. As responsabilidades do Estado hondurenho não se resumem somente à manutenção dos presídios, já que a maioria dos detidos não tem sentença. Apesar dos fatos, a Corte Suprema hondurenha suprimiu a responsabilidade dos militares golpistas que derrotaram o ex-presidente Manuel Zelaya, mesmo tendo sido reconhecidas oficialmente pela Comissão da Verdade no país. Guillermo Ríos Munguía comenta que não há nenhum avanço em matéria de direitos humanos e de democracia com o novo governante Porfirio Lobo: “A Comissão da Verdade deu mais de 87 recomendações à República, mas o Estado se omitiu, mesmo que esta comissão haja denunciado, além de golpe de estado, assassinatos políticos ocorridos durante a ditatura de Micheletti e de Porfirio Lobo. Não há nenhum processo legal contra os assassinos ou contra as pessoas assinaladas pela Comissão”. Já são 29 os jornalistas assassinados desde o golpe, 24 durante o regime de Porfirio Lobo Golpe neoliberal O Programa Mundial de Alimentos (PMA) registrou que, em Honduras, 24,7% (300 mil) das crianças sofre de desnutrição. Rene Amador, dirigente sindical exiliado depois do golpe de Estado, confronta a estatística: “Eles repartem o queijo como querem. Acreditam que as condições de pobreza têm diminuído com o golpe? Nem no governo de Mel Zelaya aconteceu isso, com 5% de crescimento econômico e medidas assistencialistas”, explica. Segundo ele, o modelo econômico do atual governo sempre vai aprofundar as crises alimentícias: “Honduras é uma fábula para aquele que investe, hoje você investe 100 lempiras e amanhã você terá 10 ou 15 vezes mais. O sistema de exploração capitalista é um problema de raiz. Em países como Colômbia e Honduras, se semeia o capitalismo mais selvagem. Matam a quem tiverem que matar!”, denuncia. Os grandes beneficiados do modelo econômico hondurenho são umas poucas famílias de origem judaica que chegaram a Honduras desde os países árabes durante os anos de 1940 e 1950. Elas controlam o 40% do PIB em um país com 70% da população em situação de pobreza. Amador adverte que não é por acaso que essas famílias estejam vinculadas a interesses do neoliberalismo em Hondu- “Bem-vindos sejam os soldados estadunidenses”, declarou em 2011 o general René Osorio, chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas de Honduras, elogiando, os Estados Unidos por manter centenas dos seus soldados no território hondurenho. Meses depois, durante uma “operação antidrogas”, uma flotilha de helicópteros das tropas estadunidenses disparou com metralhadoras sobre um grupo de pescadores indígenas da etnia Misquita, que habita no departamento de Gracias a Dios. Sete pessoas foram feridas e quatro mortas, duas delas estavam grávidas. Por sua parte, no aniversário do golpe militar, ao lembrar sua saída de Honduras, Manuel Zelaya insistiu na participação dos Estados Unidos: “Otto Reich, Robert Carmona e Washington planejaram o golpe. Quando eu tentei solucionar os problemas ancestrais do país, eles criaram a crise. Fizeram o mesmo com [Fernando] Lugo!”, denunciou o ex-presidente. Israel capacita a polícia nacional na sua organização doutrinária e ideológica, para confrontar com o processo bolivariano de liberação pela democracia latino-americana Os estadunidenses aproveitam a ocasião. Gilberto Ríos Munguía explica que o narcotráfico colombiano tem uma incidência política muito importante no seu país. Para ele se trata de uma “Uribização” do processo político hondurenho, porque faz lembrar o fenômeno da violência e assassinatos de dirigentes políticos na Colômbia e têm as mesmas características de tráfico de drogas e sicários controlados pelo Estado e cartéis colombianos. “Os cartéis têm uma função geopolítica mundial. Israel capacita a polícia nacional na sua organização doutrinária e ideológica, para confrontar com o processo bolivariano de liberação pela democracia latino-americana. Aqueles cartéis representam a direita internacional”, agrega Ríos Munguía. Resistência popular aumenta no país Hablaguete/cc Novo cenário gera expectativas para as eleições de 2013 de Tegucigalpa (Honduras) A Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP), coalizão opositora ao governo golpista nascida imediatamente a partir do golpe de Estado, não admite como legítima a eleição de Porfirio Lobo, mas escolheu o caminho democrático e pacífico para retomar o governo. O avanço das políticas neoliberais sobre os direitos dos trabalhadores, a perseguição, repressão e assassinato de líderes políticos e jornalistas levados a cabo pelo atual governo, em lugar de assustar a população, geraram uma polarização em sua consciência. Sem esquecer a dureza do golpe para Honduras, o secretário internacional do FNRP, Gilberto Rios Munguía assegura que a atuação do Estado acaba “jogando em nosso favor (do FNRP), já que a grande maioria da população hoje faz parte da Frente Nacional de Resistência Popular e essa é sua opção política”. Eleições 2013 Em 2013, acontecerá a eleição geral em Honduras, onde se enfrentarão o Parti- Xiomara Castro, esposa de Mel Zelaya, lança sua candidatura pelo Partido Liberdade e Refundação (LIBRE) do Liberdade e Refundação (Libre), coalizão da resistência, em disputa com os dois partidos da oligarquia hondurenha: Partido Nacional e Partido Liberal. O Libre se caracteriza por reunir as diversas forças de oposição ao golpe de Estado, agrupando distintas ideologias do setor progressista em busca de alcançar o reestabelecimento de um governo democrático. Para a eleição presidencial, foi lançada a candidatura de Xiomara Castro, esposa de Mel Zelaya. Para Gilberto Ríos Munguía, sua candidatura tem grande importância no país, também pelo fato de ser uma mulher, representante de um setor historicamente excluído. O Partido Libre garante em seu estatuto 50% de cargos femininos apresentados à eleição, além de 25% de cargos para jovens. O amplo apoio popular à articulação da oposição à ditadura em Honduras, no terceiro aniversário do golpe militar, gera expectativas rumo às eleições de 2013, vistas como ponto mais significativo do “processo revolucionário pacífico” pelo regresso à democracia no país. (JN e IL) américa latina de 12 a 18 de julho de 2012 15 “Dói ver o que aconteceu lá dentro” Ignacia Lemur Exílio hondurenho Cerca de 300 pessoas tiveram que deixar o país hondurenho para proteger suas vidas Julia Nassif e Ignacia Lemur, de Tegucigalpa (Honduras) Em três anos de ditadura político-militar, já se confirmaram 300 pessoas que tiveram que deixar o país para proteger suas vidas. Esse é o caso de Rene Amador, militante da organização política Los Necios, envolvida com a formação de jovens em sindicatos e com representação no Bloco Popular, que era uma das instâncias mais perseguidas em Honduras. Além disso, estava organizado com o projeto de Manuel Zelaya e a Frente de Resistência Popular, que esteve com força nas manifestações populares pré e pós-golpe. Juntamente com seu irmão gêmeo, Guillermo, desempenhava duas funções no Bloco. A primeira estava relacionada ao sistema de segurança, no qual rastreava a existência de policiais infiltrados que pudessem, de alguma forma, sufocar ou evitar a organização das mobilizações populares. Por outro lado, também distribuía panfletos nas manifestações. “E então começaram a colocar estas pessoas sem piedade nas listas. Como Honduras é um país pequeno, de alguma maneira familiar, nos chegou a informação de que estávamos em uma lista, junto a mais 200 pessoas, para serem assassinadas”. Rene Amador, militante da organização política Los Necios, que envolve formação de jovens em sindicatos Rene conta como, depois do golpe, se viu obrigado a sair de Honduras, principalmente após a conclusão do documentário “Quem disse medo?” A cara de Rene ficou conhecida depois de participar de spots publicitários da Cuarta Urna – a consulta popular do então presidente Zelaya sobre a instalação da Assembleia Nacional Constituinte para a criação de uma nova Constituição. A partir desse episódio foi perseguido e teve seu carro quitado. Cometeram crimes na tentativa de incriminar a Rene, as quais mais tarde, foram rebatidas pela Defensoria de direitos humanos. Chegou a fugir de uma operação policial dentro da capital Tegucigalpa, com medo de ser detido ou mesmo morto. Rene conta como, depois do golpe, se viu obrigado a sair de Honduras, principalmente após a conclusão do documentário “Quem disse medo?” – disponível na internet – da diretora Katia Lara, de 2010, que tem como protagonista Rene, acompanhando as manifestações públicas de resistência ao Golpe. “Saí de Honduras três meses depois do Golpe. Já era irrespirável, nos tinham na mira. Minha família vivia praticamente na região do distrito policial, onde estava a máfia mais crua que descobriram há pouco tempo. Esta máfia pratica extorsões, esta que sequestra, esta que tortura, esta que assassina.” Era o limite. Rene Amador saiu de Honduras e foi acolhido por companheiros em El Salvador e, em seguida, Ams- terdã, Holanda. Hoje vive em Madri, Espanha, na condição de exilado político. Guillermo, seu irmão gêmeo, seguiu outro caminho, e desde sua partida luta para conseguir o status de exilado político na Argentina. Saí de Honduras três meses depois do Golpe. Já era irrespirável, nos tinham na mira Sem trabalho e com pouca ajuda, Rene tenta encontrar parceiros para difundir a realidade do povo hondurenho e também denuncia o abandono aos exilados. Ele conta que até hoje não foi possível criar uma rede ou mesmo uma estatística real sobre a quantidade de compatriotas que se sentiram obrigados a deixar o país: “Houve um esquecimento dos exilados e nessa questão faço um chamado à parte internacional da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP), para que direcione alianças políticas e sociais com outros países, com as organizações que estão em cada país, para que possam dar uma mão aos companheiros exilados”. Para ele, a união e o contato entre os exilados é uma ferramenta importante para a restauração da justiça, da paz e do esclarecimento da verdade em Honduras. “Não estou dentro [dessa luta] porque não há condições para que me permitam. Mas o povo tampouco as tem. O exílio é duro e isso me atingiu. Eu tive a sorte de ter muitos companheiros e companheiras que me deram uma mão, sem isso eu estaria vivendo na rua. Mas dói ver nossa terra, dói ver o que acontece lá dentro e nós estamos do lado de fora. Alguém nesse país tem que dar um belo exemplo de justiça, por favor, já não podemos seguir nisso!”. Golpe no Paraguai Três motivos, um indício. E depois? OPINIÃO A receita batida para derrubar um governo democrático latinoamericano: articulação do imperialismo via Washington e grandes corporações Silvia Beatriz Adoue Em setembro de 2009, o presidente paraguaio Fernando Lugo rompeu o convênio que mantinha 500 militares dos Estados Unidos desde 2006, numa base militar no território do país, com imunidade semelhante à dos diplomatas. Em agosto de 2011, houve uma reunião entre 21 generais estadunidenses e a Comissão de Defesa Nacional, Segurança e Ordem Interna da Câmara dos Deputados. E o presidente da Comissão, o deputado José López Chávez, se manifestou publicamente a favor da instalação de uma base militar na região do Chaco paraguaio. O argumento do parlamentar é que a Bolívia ameaçaria a segurança do Paraguai “com sua carreira armamentista”. Em outubro de 2011, a Monsanto conseguiu que o Ministro de Agricultura e Pecuária, Enzo Cardoso, liberasse uma semente de algodão transgênico. Mas Miguel Lovera, chefe do Serviço Nacional de Qualidade e Saúde Vegetal de Sementes (Senave), recusou seu registro. Desde 2009, a empresa canadense Rio Tinto Alcán vem pressionando o governo paraguaio para que este lhe venda energia a preço subsidiado, como condição para instalar uma planta de produção de alumínio no país. O Ministro de Indústria e Comércio, Francisco Rivas, se manifestou favorável ao acordo. O presidente Lugo era contrário. O golpe no Paraguai se inscreve den- tro desse marco. Depois do golpe: Francisco Rivas foi confirmado no seu cargo por Federico Franco, presidente empossado após a derrubada de Lugo. Miguel Lovera foi destituído e uma nova equipe ocupa o Senave. Indício A burguesia paraguaia, carente de “solidariedade orgânica”, demonstrou-se incapaz, desde o pós-guerra da Tríplice Aliança até agora, de renunciar a seus interesses de setor em função do interesse comum como classe. Não tem capacidade operativa para agir no sigilo, de maneira sincronizada e com coesão interna. Desde o fim da ditadura de Alfredo Stroessner, não tem centro político próprio com tradição e com autoridade suficiente para se impor ao resto dos grupos políticos e econômicos. E o presidente da Comissão, o deputado José López Chávez, se manifestou publicamente a favor da instalação de uma base militar na região do Chaco paraguaio Que mágica fez com que organizasse uma operação como a matança de Curuguaty, levasse adiante a campanha midiática para apontar o presidente Lugo como responsável e conseguisse destituí-lo em 30 horas de ação parlamentar? É um curioso mecanismo de relojoaria, sem contradições internas, sem desvios, sem demoras, sem passos em falso. E nos faz pensar que havia um plano bem definido e um operador externo com autoridade suficiente para levá-lo adiante. Para identificar esse operador, talvez seja suficiente olhar para os primeiros governos que reconheceram o resultado do processo sumário: o Vaticano, Alemanha, Canadá, Estados Unidos. Solidão Dos governos que vêm tentando integrar econômica e politicamente a região de maneira mais ou menos autônoma dos países centrais, o de Fernando Lugo tem sido o mais timorato. Vindo das fileiras da igreja católica e vinculado aos movimentos populares do campo, Lugo não conseguiu articular alianças estáveis dentro das instituições. E lhe faltou ousadia para agir para além das articulações palacianas, se apoiando na mobilização popular que as organizações camponesas desenvolveram durante todo o período do seu governo. Acenou-se com a reforma agrária, cedeu terreno institucional aos inimigos declarados dos camponeses e desencorajou a ação direta dos trabalhadores. Isolado dentro das instituições, sem disposição de governar se apoiando na mobilização popular, sem qualidades de organizador político, ficou no meio do caminho. Foi só depois do aceno dos governos da região que Fernando Lugo se animou a formar um gabinete paralelo, mais atento aos aliados externos do que aos movimentos populares, para quem não ofereceu qualquer papel protagonista em seus anos de mandato. Articulações A ação política dos países do Mercosul que suspende o Paraguai terá efeitos amortecidos, sem a contundência imediata que teriam medidas de bloqueio econômico, pela estreita relação comercial do país com a região. Por outro lado, no dia 6 de junho foi lançada a Aliança do Pacífico, que reúne México, Colômbia, Peru e Chile. A ausência do Equador aponta para o alinhamento geopolítico desse acordo. É uma articulação que pretende recuperar a iniciativa depois do fracasso da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e dos esforços da integração por fora dos interesses dos países centrais como o Mercosul ou os que surgiram no seio do bloco da Aliança Bolivariana pelos Povos de Nossa América (Alba), como a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Cúpula da Unida- de da América Latina (Celac) e do Caribe. Esta nova articulação econômica caminha no mesmo sentido que o governo golpista. E coincide com os planos de articulação militar alinhavados pelos Estados Unidos. Há mais de 20 bases militares do Comando Sul dos Estados Unidos, das quais três estão na Colômbia. No Cone Sul possui apenas uma, que foi aberta recentemente em território chileno. Houve uma iniciativa para instalar uma “base de atendimento a emergências” no aeroporto da província de Chaco, na Argentina, perto da Tríplice Fronteira. A tentativa foi um acordo entre o Coronel Edwin Passmoore com o governador provincial, Jorge Capitanich. Desde o fim da ditadura de Alfredo Stroessner, não tem centro político próprio com tradição e com autoridade o suficiente para se impor ao resto dos grupos políticos e econômicos A presidenta Cristina Kirchner interveio para abortá-la. O lugar apontado para instalar uma base militar do Comando Sul no Paraguai é o município de Mariscal José Félix Estigarribia, no Chaco paraguaio, onde já há infraestrutura construída. O local fica a 300 km da fronteira com Brasil, e a 200 km da Argentina e da Bolívia. E o povo paraguaio? Durante todo o período do governo Lugo, os camponeses paraguaios não deixaram de lutar. Ocuparam terras, resistiram nos seus territórios, se articularam nacionalmente, constituíram redes de comunicação comunitária. Não encontraram em Lugo um centro organizador que catalizasse a experiência que estavam fazendo. Agora, precisam dobrar os esforços para defender o conquistado, não dar brechas para golpearem suas organizações, e agir de maneira articulada. 16 internacional de 12 a 18 de julho de 2012 Yasser Arafat foi envenenado? oriente médio Um elemento altamente radioativo, o polônio 210, foi encontrado nas roupas usadas pelo líder palestino pouco antes de sua morte. A descoberta vem provocando indignação e revolta no mundo árabe World Forum Economic/cc Bernadette Siqueira Abrão Correspondente no Oriente Médio A rede de televisão Al-Jazeera, sediada no Qatar e líder de audiência nos países árabes, revelou em 3 de julho o resultado de nove meses de investigações sigilosas que envolveram a viúva de Arafat, Suha, e pesquisadores do Instituto de Radiofísica de Lausane, na Suíça. A revelação caiu como uma bomba – e poucas vezes esse jargão correspondeu tanto à realidade – no Oriente Médio, causando uma onda de revolta, indignação e acusações. A Tunísia, em 4 de julho, propôs à Liga Árabe uma reunião de urgência para analisar as circunstâncias da morte de Arafat. No mesmo dia, o secretário-geral da organização, Ahmed Ben Helli, reuniu a mídia para dizer que a proposta fora repassada aos Estados-membros, que devem determinar como tratar do caso, “em coordenação com os palestinos”. Em Ramala, Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), solicitou à comissão palestina que há anos investiga as causas da doença e da morte de Arafat, que “acompanhe todos os relatórios e informações e procure ajuda entre especialistas árabes e estrangeiros para descobrir a verdade”, segundo Nabil Abu Rudeineh, porta-voz de Abbas. O diretor da comissão, Tawfik Tirawi, declarou que sua equipe já encontrara “inconsistências sobre a causa da morte de Arafat”, mas que não conseguiu ir adiante porque “trabalhar sob ocupação limita nossa capacidade investigativa”. De acordo com ele, a Al-Jazeera facilitou a tarefa da comissão ao trazer à luz a substância, o polônio 210, que possivelmente matou o líder palestino. Uma autópsia, diz Turawi, pode estabelecer o nível do envenenamento, para confirmar a causa da morte. “É preciso apurar quem foi o responsável [pelo crime], envolver instituições internacionais e exumar o corpo, se for necessário” A suspeita de envenenamento do líder palestino, Yasser Arafat, pioram ainda mais a imagem dos governantes de Israel Uma autópsia, diz Turawi, pode estabelecer o nível do envenenamento, para confirmar a causa da morte François Bochud, diretor do Instituto de Radiofísica de Lausane, confirmou à Al-Jazeera, no documentário levado ao ar em 3 de julho, “uma elevada, inexplicável e insuportável quantidade de polônio 210 nos fluidos biológicos encontrados nos objetos pessoais do sr. Arafat”. Essa declaração levou Suha Arafat, 48 anos, a pedir a exumação dos restos mortais do marido, guardados num tranquilo mausoléu coberto de calcário ao lado da Muqata, a sede da ANP em Ramala. “Não há nenhum motivo político ou religioso que impeça novas investigações, incluindo a exumação do corpo [de Arafat] por grupos especializados e de confiança, e com aprovação da família Arafat”, declarou Abu Rudeineh, o porta-voz de Abbas, acrescentando que a ANP tomará todas as medidas necessárias para descobrir a verdade. A primeira dessas medidas dá a dimensão da fragilidade das autoridades palestinas dentro de seu próprio país. Ciente das dificuldades criadas pela ocupação sionista, Abbas pediu, em 4 de julho, uma “investigação internacional” sobre o caso. Ele espera apoio de outros países e de organizações estrangeiras para a exumação e o envio de fragmentos do corpo de Arafat ao mesmo instituto que descobriu a presença do polônio 210 em roupas e objetos do líder morto. Oito anos de mistério Yasser Arafat faleceu em 11 de novembro de 2004, aos 75 anos, em consequência de uma doença misteriosa que, o abateu em menos de um mês. À época, cogitou-se que ele talvez estivesse com câncer no estômago, leucemia ou cirrose não alcoólica (como muçulmano, ele não consumia álcool). Também se falou em envenenamento, e essa foi, e é, a possibilidade mais defendida pelos palestinos. O sionista canadense David Frum, diretor da Republican Jewish Coalition (Coalisão Republicana Judaica), ex-autor dos discursos econômicos de George Bush e recusaram-se a cooperar com a investigação”, afirma Hasan Khreishesh, membro do Conselho Legislativo Palestino e seu líder em 2004. Ele ajudou a formar uma comissão especial para levantar informações sobre a doença e a morte de Arafat. Foram dois meses de sindicância, chefiada por Abdul Jawad Saleh, e nenhum resultado. O fracasso se deveu ao fato de que “as autoridades, a família de Arafat e os amigos mais próximos recusaram-se a fornecer informações à comissão”, acusa Khreishesh. “Ashraf Kurd, médico de Arafat, nada disse, e os médicos egípcio e tunisiano que cuidaram dele não fizeram declarações porque estavam sob pressão dos governos de seus países”, completa ele. De acordo com Khreishesh, esses fatos sugerem que houve um acordo entre as autoridades da região para esconder os fatos, levando a investigação a dar em nada. apoiador confesso do ataque militar ao Iraque, levantou a hipótese de Arafat ter sido contaminado com o HIV, o vírus da AIDS, mas os exames feitos na França deram resultado negativo. Os médicos que atenderam Arafat no hospital militar de Percy, na França – para onde ele foi levado num avião francês, depois de passar três anos sob o cerco do exército sionista – não foram capazes, segundo a versão oficial, de diagnosticar a doença que o vitimou. Declararam apenas que ele sofria de uma “misteriosa desordem” no sangue. Os primeiros sintomas apareceram em 25 de outubro de 2004 (mal-estar e vômitos) e em poucos dias provocaram uma alteração radical em seu estado de saúde. No hospital francês, ele entrou em coma profundo, com uma hemorragia cerebral que o levou à morte. O xeque Taysir Tamimi, chefe do tribunal islâmico da Palestina ocupada, que se manteve à cabeceira de Arafat e o viu falecer, afirmou que, ao lavá-lo, quatro horas depois de morto, percebeu que ele ainda sangrava, “na cabeça e em várias partes do corpo”. Um dos médicos que cuidavam de Arafat, segundo Tamimi, disseram-lhe que a hemorragia era um sintoma do envenenamento, que impedia a coagulação do sangue. As ameaças feitas por Ariel Sharon e outras autoridades israelenses a Arafat levaram à conclusão de que o líder palestino foi envenenado por Israel. Essa conclusão é compartilhada por muita gente, dentro e fora da Palestina. Bassam Abu Sharif, que foi advogado de Arafat, acusou a ANP de “não cumprir sua responsabilidade” em determinar as causas da morte do líder. “Houve muitas falhas que considero suspeitas, como não considerar as ameaças de morte que ele recebeu e não realizar autópsia”, declarou Sharif. Ele acusa a ex-equipe que negociava com Ariel Sharon, primeiro ministro de Israel no início dos anos 2000, de calar sobre as ameaças feitas por autoridades sionistas, e pediu ao Judiciário palestino a abertura de uma investigação sobre a morte do antigo cliente. O pacto de silêncio A verdade é que, além da dificuldade de trabalhar sob a pressão dos ocupantes sionistas, apontada por Tawfik Tirawi, à época houve um pacto de silêncio que impediu o levantamento da situação. “As autoridades palestinas e árabes A legislação francesa não permite a divulgação de informações sobre pacientes em estado grave, nem sobre as causas de seus possíveis óbitos. Apenas os familiares mais próximos da vítima recebem esse tipo de explicação. Suha, não se sabe se sob pressão, costumava filtrar as notícias sobre a saúde do marido até mesmo para a ANP. Nasser Al-Qudwa, sobrinho de Arafat, foi quem recebeu as mais de 500 páginas produzidas pelos médicos do hospital militar de Percy sobre o tio famoso, mas nunca revelou o conteúdo do documento que lhe foi entregue pelo Ministério da Defesa francês. Presidente da Fundação Yasser Arafat, em 5 de julho, Al-Qudwa reuniu-se com Mahmoud Abbas na França. Depois do encontro, ele declarou que o corpo do tio deve ser exumado para o esclarecimento das verdadeiras causas de sua morte. Também afirmou que tanto a família como o povo palestino têm certeza de que Yasser Arafat foi assassinado. E, como depositário do documento oficial produzido pelos médicos franceses, Al-Qudwa sabe do que fala. “É preciso apurar quem foi o responsável [pelo crime], envolver instituições internacionais e exumar o corpo, se for necessário”, completou ele. Quem matou Arafat? Para os palestinos, não há dúvidas: foram os israelenses. Estes, porém, negam participação no possível envenenamento e na morte de Yasser Arafat. Avi Dichter, que dirigia o Shin Bet, o serviço de inteligência de Israel, em 2004, deu uma entrevista à Rádio do Exército israelense em 4 de julho, e repudiou as suspeitas de que autoridades sionistas pudessem estar envolvidas no caso. “Arafat tinha muitos inimigos, dentro e fora daqui. Os palestinos sabem investigar o que acontece em sua casa. Deixe que eles investiguem e descubram”, declarou Dichter. Silvan Shalom, ministro do Exterior de Israel em 2004, negou, à época, que seu país tivesse algo a ver com a morte do líder palestino, chamando as suspeitas de “escandalosas e falsas”. Ambos parecem ter se esquecido de que, em setembro de 2003, depois de um ataque suicida que matou 15 cidadãos israelenses, as autoridades de segurança de Israel decidiram “remover” Arafat, sem dizer publicamente de que maneira fariam isso. Na mesma época, um jornal israelense publicou uma afirmação do próprio Avi Dichter de que era melhor “matar Arafat” do que mandá-lo para o exílio. Há mais. Em 31 de janeiro de 2002, numa entrevista ao jornal israelense Ma’ariv, o então primeiro ministro israelense Ariel Sharon declarou estar arrependido de não ter “matado Arafat” quando teve essa chance. Sharon explicou que havia um acordo para não “liquidar” o líder palestino em 1982, quando Israel invadiu o Líbano e manteve Arafat sob cerco em Beirute. “Pena que não fizemos isso”, disse Sharon, à época ministro da Defesa e um dos responsáveis, segundo o direito internacional, pela segurança dos moradores dos campos de refugiados de Sabra e Chatila, no Líbano. Ele não impediu, porém, que mais de mil palestinos fossem massacrados, ali, por milícias libanesas cristãs. Em setembro de 2004, já como primeiro ministro, Sharon afirmou que Arafat teria o mesmo destino de dois líderes do Hamas assassinados naquele mesmo ano. “Agimos contra Ahmed Yassin e Abdel-Aziz al-Rantissi quando percebemos que a hora certa tinha chegado. Vamos operar do mesmo modo em relação a Yasser Arafat, quando sentirmos que é hora. É preciso saber a hora e fazer o que deve ser feito”, Sharon afirmou. “O grande beneficiário do crime foram os ocupantes, que visavam punir o presidente Arafat por sua posição em relação às colônias judaicas, considerada radical”, disse Salah al-Bardawill, um dos líderes do Hamas. “Descobrir a verdade sobre a morte de Arafat é um dever nacional e árabe”, ele afirmou, acrescentando que é preciso saber a verdade para que esse tipo de crime não se repita mais, e pedindo aos países árabes cooperação para a formação de um processo legal conjunto contra Israel. (BSA)