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de 12 a 18 de julho de 2012
editorial
A destruição da Síria
Os alardeados bombardeios aéreos do governo Kaddafi, que serviram de pretexto para a intervenção
militar da OTAN, comprovadamente jamais existiram. Silêncio total da
grande mídia que comoveu o mundo com as notícias de civis destroçados por bombas. Os desmentidos repousam na mesma gaveta onde está a
pasta “inexistência de armas de destruição em massa no Iraque”.
A invasão de tanques e tropas da
Arábia Saudita no pequeno Bahrein,
promovendo a repressão da luta popular, mereceu minúsculas linhas e
comentários de jornais. Poucos sabem de sua existência. Quase nada se
falou das torturas, desaparecimentos e assassinatos políticos no Iêmen.
Nada se fala dos presos políticos na
Arábia Saudita e Marrocos. Quantos
morreram nestes países? Quantos estão morrendo?
Diariamente, os jornais nos
mantém atualizados sobre as mortes e crimes na Síria. Uma crescente e macabra estatística, em todos
os telejornais.
É verdade. Ocorre uma verdadeira
matança neste país. E os EUA anunciam, abertamente, o fornecimento
de armas cada vez mais sofisticadas a
alguns seletos grupos de oposição ao
governo. Todas as mortes, ferimen-
tos, explosões de bombas, são creditadas à ditadura genocida e sanguinária. Cresce a tensão fronteiriça com
a Turquia, incondicional aliado dos
EUA. O polêmico episódio da derrubada de um avião turco no espaço aéreo sírio nos recorda as escaramuças
patrocinadas pelos EUA contra Cuba
e Nicarágua.
Vai se montando o cenário.
Estamos assistindo a destruição da
Síria. Querem derrubar o governo do
presidente Bashar Al-Assad, não pelos seus eventuais problemas, mas
por suas qualidades, por não ser submisso aos interesses do imperialismo na região. O objetivo é sangrar ao
máximo a Síria, para causar uma comoção que permita superar os vetos
da Rússia e da China e autorizar uma
nova intervenção militar.
País criado a partir dos interesses
do imperialismo inglês ao desmontar
o império otomano, as fronteiras sírias foram definidas a partir do traçado da linha férrea que ligava Istambul a Beirute. Por conta disso, até hoje guarda profundas contradições entre os grupos étnicos e religiosos que
permaneceram nas linhas traçadas
num gabinete de Londres. Permaneceu como colônia francesa até 1946.
Mas as tensões entre sunitas, xiitas,
alauitas, drusos, curdos, cristãos, ar-
O imperialismo
segue sendo o
principal inimigo
da humanidade.
Relativizar esse
conceito é o mais
grave dos erros
políticos
mênios e circassianos permanecem
latentes. Conhecemos a habilidade
dos estrategistas militares para fomentá-las, reavivá-las. Recordemos
como os ingleses agiram na independência da Índia, fomentando o Paquistão, os belgas reavivando tragicamente o conflito entre tutsis e hutus
para manter o controle sobre a atual Ruanda. E a forma como destruíram o perigoso Estado Iugoslavo que
ameaça sobreviver soberano na Europa do leste.
A máquina estatal, encontra-se
principalmente, no controle de uma
minoria alauita, representada politicamente pelo governo da família As-
crônica
opinião Emir Sader
Catrina
A volta do PRI
Como as pesquisas anunciaram desde o começo da campanha eleitoral, o PRI ganhou a eleição e volta a presidir o México por
seis anos. Peña Nieto saiu vencedor das eleições, derrotando López Obrador, o candidato da esquerda, e Josefina Vázquez, do
PAN, governante por 12 anos.
Favorito desde o começo, pela
força acumulada pelo PRI nas vitórias para governadores da grande maioria dos estados, além do
monopólio das duas maiores cadeias de televisão, cujo apoio ostensivo foi denunciado pelos estudantes, o que levou à perda de
uma porção da vantagem de Nieto, insuficiente para derrotá-lo.
Paralelamente, López Obrador
conseguiu diminuir boa parte da
rejeição que bloqueava seu crescimento no início da campanha,
cresceu, assumiu o segundo lugar, mas teve essa ascensão freada na fase final da campanha. López Obrador fez uma bela campanha, defendendo firmemente posições de esquerda.
A campanha se centrou mais
em torno do tema da violência do
que da economia, o que favoreceu os dois candidatos da direita.
O modelo neoliberal, que durante mais de duas décadas aumentou muito a exclusão social, a desigualdade, a miséria no México,
não esteve no centro dos debates,
poupando de certa forma os dois
partidos da direita, responsáveis
por essa política.
Há 6 anos o PRI ainda sofria os
desgastes das décadas de governo, depois da sua derrota, pela
primeira vez, em 2000, e o PAN
se ressentia do desgaste do governo Fox. A vitória de López Obrador foi impedida por fraudes evidentes, terminando a apuração
sad. Bashar al Assad herdou o poder
de seu pai, Hafez al Assad que, por
sua vez, era um dos principais herdeiros da principal corrente política
árabe dos anos 1940-50, o nacionalismo pan-arabista. O nome de seu
partido, que até hoje governa o país,
é Baath, o mesmo nome do partido
de Sadam no Iraque. O egípcio Gamal Abdel Nasser foi a principal liderança deste movimento.
Existe repressão efetiva e contradições populares com a ditadura Síria,
que potencializaram as primeiras manifestações, duramente reprimidas. A
grande diferença com as demais lutas
democráticas nos países vizinhos é a
presença direta dos interesses estadunidenses armando e financiando grupos interessados em ampliar a cifra
de mortos e feridos entre a população
civil. Curiosamente, as minorias armênias, cristãs e curdas temem muito
mais os “rebeldes fundamentalistas”
que o governo alauita de Assad.
As forças e movimentos populares
ficam atônitos com esta situação. Como posicionar-se?
A questão é simples. EUA e Israel
querem destruir o governo Sírio. Não
aceitam sua reivindicação histórica
pela devolução das colinas de Golan,
ocupadas militarmente pelo Estado
de Israel desde 1967. Não permitem
O maior problema
é conseguir
triunfar em um
país com grande
monopólio
privado da
mídia e com
dois partidos de
direita que estão
se alternando na
presidência
com um resultado que favoreceu
a Calderón por 0,5%. Não ficaram
dúvidas de que a vitória do PAN
se deveu à fraude.
Desta vez, o PRI chegou fortalecido pela recomposição da sua estrutura em nível nacional, reconquistando grande parte do governo dos estados, valendo-se do enfraquecimento do governo de Calderón, sobretudo pelo fracasso do
seu carro-chefe, a guerra contra o
narcotráfico. O PRD, por sua vez,
perdeu vários governos, como resultado de crises internas constantes, que foram superadas só no
começo da campanha, mas depois
de ter se enfraquecido como partido em nível nacional.
López Obrador fez uma longa campanha formando comitês
popular de um movimento novo,
confiando que seria a base fundamental da sua campanha. Conseguiu reunificar o partido e a es-
querda, contou com o excelente
governo que continuou tendo na
capital, onde elegeu, pela terceira
vez seguida, o governador.
Não foi suficiente, mas confirmou que a esquerda, quando consegue ganhar, governa muito bem.
O maior problema é conseguir
triunfar em um país com grande
monopólio privado da mídia e com
dois partidos de direita que estão se alternando na presidência.
Além disso, pode ter havido fraude, como acha a maioria dos mexicanos.
O sistema político mexicano
se baseia no estranho critério de
apenas um turno e o mandato de
seis anos. Em 2006, vencendo
com fraude, Calderón obteve seis
anos na presidência. Agora, o PRI
pode recomeçar um ciclo longo de
governo.
O maior obstáculo pode estar
no provável final do ciclo de López
Obrador e o começo da época de
liderança de Marcelo Ebrard, que
sai do governo da capital fortalecido por bom governo, e representa uma alternativa mais moderada
do que López Obrador.
Mas contará a favor da esquerda
a armadilha que o México armou
para si mesmo, quando assinou
o Tratado de Livre Comercio da
América do Norte, que bloqueia a
capacidade do país de sair do modelo neoliberal, sofrendo, ao contrário, de forma direta, os influxos
da recessão que continuará a afetar os países do centro do capitalismo, incluído os EUA, com quem
o México tem mais de 90% do seu
comércio exterior.
Emir Sader, sociólogo e cientista,
mestre em filosofia política e doutor
em ciência política pela Universidade
de São Paulo (USP).
a existência de um governo que além
de não se submeter a seus interesses,
preserva sua soberania nacional. Utilizam a influência de seu aliado incondicional Arábia Saudita, apostando em grupos fundamentalistas.
Uma guerra civil prolongada não
serve hoje aos interesses da classe
trabalhadora e das massas populares da Síria. Os que estimulam a continuidade da guerra civil agem como
aliados das forças da OTAN, que já
se posicionam na fronteira turca para um ataque contra mais esta nação
árabe.
Momentos como este não permitem vacilações. Não se trata de apoiar
o regime de Bashar Assad, mas de ter
claro que é preciso barrar as ações
do imperialismo na região. Aos que
se iludem com uma possível rebelião
popular em curso, basta recordar os
recentes resultados da Líbia.
O imperialismo segue sendo o principal inimigo da humanidade. Relativizar esse conceito é o mais grave dos
erros políticos.
Não à guerra civil prolongada! Basta de assassinatos da população civil! Que cessem os ataques de ambas
as partes e que seja construída uma
saída política democrática, popular,
progressista e anti-imperialista para a
crise na Síria!
Luiz Ricardo Leitão
No país dos “coronéis”
A literatura brasileira tem sido pródiga em revelar – sobretudo por
meio de sua prosa de ficção – a evolução da nossa sociedade, logrando realizar muitas vezes análises dignas das ciências sociais. O quanto se aprende sobre
o Brasil ao ler os grandes poetas e romancistas desta terra, desde o ferino Gregório de Matos (o Boca do Inferno), ainda no século 17, até o irônico Machado
de Assis, criador do cínico Brás Cubas, ou o sarcástico Lima Barreto, que satirizou à larga a vida de nababos dos poderosos fazendeiros da I República. Ao longo do século passado, esta missão continuaria a ser cumprida com notável apuro estético por nomes como Graciliano Ramos, o criador de São Bernardo e Vidas Secas, ou o poeta João Cabral de Melo Neto, que imortalizou a saga sertaneja nos versos de Morte e Vida Severina.
Todos eles nos ajudam a entender a gênese agrária do capital industrial e financeiro no país dos Bruzundangas. Na era colonial, o Brasil da casa-grande e
senzala abrigou a empresa agromercantil, que privilegiou a monocultura de exportação e consolidou a hegemonia do latifúndio na estrutura fundiária de Vera Cruz. Séculos se passaram, mas só a roupagem mudou: agora, somos a pátria
do agrobusiness; e os “coronéis” de antanho cedem passagem a outros monarcas, como os “reis” da soja e do gado que se espalham entre a Amazônia, o cerrado e outros grotões desta Bruzundanga.
Essa onipresença do latifúndio se traduz na força dos elementos agrários
no imaginário coletivo nacional. É curioso, inclusive, como nos anos 1930, em
meio à expansão da indústria e dos monopólios sob o governo de Getúlio, a presença dos coronéis não se atenua, seja na política (em que os capitães de indústria de São Paulo não logram impor-se às oligarquias nordestinas), seja nas letras, com o poderoso ciclo do romance regionalista (em que avultam os nomes
de Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e
Érico Veríssimo, entre outros).
A terra representa, em última instância, um ícone absoluto de poder. Não
por acaso, os maiores excluídos destas plagas são os nossos valorosos sem-terra, cuja luta por reforma agrária é vista como um autêntico crime pelas classes
dominantes do país. E tampouco é casual que as elites, em especial os grandes
banqueiros, ostentem com orgulho suas ociosas fazendas, como o faz o sinhô
baiano Daniel Dantas, o famigerado dono do banco Opportunity. Isso sem falar
no ex-presidente FHC, o sociólogo dos príncipes, que também comprou terras
lá em Minas e chamou o Exército para evitar uma ocupação...
Meio século se passou desde que Jorge
Amado publicou sua obra (1958) – e, afinal, o
que mudou no país dos coronéis?
A indústria cultural maneja muito bem esses signos da burguesia. Por isso,
em pleno séc. 21, o chamado “sertanejo universitário” agita as baladas dos filhos
de fazendeiros no interior paulista. E a própria teledramaturgia global se vale
do mundo rural para dramatizar a opressão de classe no Brasil. Em novelas como “O Rei do Gado” (1995), a primeira a exibir um estereótipo de sem-terra na
TV, o universo patriarcal agrário impõe-se com toda a força: os coronéis, inclusive, roubam literalmente a cena, conforme ocorreu com Mezenga (Antônio Fagundes) e Berdinazzi (Raul Cortez), cuja disputa deixou em segundo plano os
papéis femininos, como o da ingênua lavradora (Patrícia Pilar) e o da pérfida vilã (Glória Pires).
Agora, diante da luta acirrada pela audiência, a Globo reedita o sucesso de
“Gabriela”, inspirada no romance homônimo de Jorge Amado. De volta à tela, o poder patriarcal dos coronéis, ainda que, no atual roteiro, boa parte deles sejam apenas voyeurs, contemplando com pouca testosterona o desfile das
fêmeas do arraial. Nos primeiros capítulos, a heroína é somente um corpo em
close; a cena, até então, pertence ao coronel Ramiro Bastos (o mesmo Fagundes de “O Rei do Gado”), que dita com mão de ferro e voz bonachona as pautas da vida social.
Anuncia-se que o império do coronel do cacau será confrontado pelo magnata
da exportação, o jovem Mundinho Falcão. A arte e a vida, porém, nem sempre
seguem esses ditames – e a reação dos excluídos parece vislumbrar-se na emersão luminosa das figuras femininas, como a briosa Zarolhinha, a líder das quengas, uma das poucas a não se deixar cooptar pelo fazendeiro-intendente. Meio
século se passou desde que Jorge Amado publicou sua obra (1958) – e, afinal, o
que mudou no país dos coronéis?
Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista
do Brasil e de Lima Barreto – o rebelde imprescindível.
Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Aldo Gama, Cristiano Navarro, Renato Godoy de Toledo • Subeditor: Eduardo Sales de Lima • Repórteres: Aline Scarso, Michelle Amaral,
Patricia Benvenuti • Correspondentes nacionais: Joana Tavares (Belo Horizonte – MG), Pedro Carrano (Curitiba – PR) • Correspondentes internacionais: Achille Lollo (Roma –
Itália), Baby Siqueira Abrão (Oriente Médio), Claudia Jardim (Caracas – Venezuela), Marcio Zonta (Peru) • Fotógrafos: Carlos Ruggi (Curitiba – PR), Douglas Mansur (São Paulo – SP), Flávio Cannalonga (in memoriam), João
R. Ripper (Rio de Janeiro – RJ), João Zinclar (Campinas – SP), Joka Madruga (Curitiba – PR), Leonardo Melgarejo (Porto Alegre – RS), Maurício Scerni (Rio de Janeiro – RJ) • Ilustradores: Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni •
Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Marina Tavares Ferreira • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas
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de 12 a 18 de julho de 2012
instantâneo
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Frei Betto
Dahmer
Democracia
falsificada
Marcelo Barros
Depois da Rio 92+20
Já voltaram para casa as quase 100 mil pessoas que
ocuparam o Rio de Janeiro durante a Conferência da ONU
sobre Desenvolvimento Sustentável e a reunião paralela da
sociedade civil, intitulada de “Cúpula dos Povos”. Quem
julgou essa conferência da ONU pelo documento final ali
produzido pode pensar que as expectativas foram frustradas e que não houve avanços. Mesmo várias das propostas
e conquistas da Rio 92 (Agenda 21 e Metas do Milênio) ainda não foram completamente postas em prática. Entretanto, eventos desse porte cumprem um papel e deixam uma
herança para além de seus documentos finais.
Durante mais de uma semana, a população do Rio conviveu pacificamente com milhares de índios de todas as regiões do Brasil, com suas indumentárias e suas justas reivindicações. Testemunhou que as questões sociais, políticas e ambientais mobilizam a geração dos maiores de 40,
mas interessa também, e até principalmente, a juventude.
A Cúpula dos Povos significou um encontro multicolorido
de jovens do mundo inteiro. E a juventude protagonizou os
protestos contra o conceito de economia verde, grande novidade da Rio 92+20. Denunciou o capitalismo como sistema essencialmente predador. Afirmou que as guerras e a
política armamentista são graves obstáculos para a sustentabilidade e deixou claro que a energia nuclear, mesmo a
que tem como objetivo fins pacíficos, é sempre poluidora e
perigosa. Muitas das pessoas presentes eram crentes de diversas religiões e tradições espirituais. Ali houve uma vigília inter-religiosa pela paz e pela ecologia. Havia uma grande tenda, própria para o diálogo entre as religiões a serviço da paz, da justiça e da defesa da natureza, fruto constante do amor divino que a cada instante cria e recria a vida.
Durante séculos, a tradição cristã ocidental privilegiou
um olhar sobre a atuação divina na história e não valorizou tanto essa mesma presença amorosa de Deus na sua
criação. Hoje, recobra atualidade uma palavra que, no século 4, Santo Agostinho afirmou: “O que não é assumido
não pode ser redimido”. Por isso, hoje, a maioria das Igrejas tomam consciência de que esses assuntos da paz, da
justiça eco-social e da defesa da natureza são temas teológicos e nos desafiam como prioridades para a missão dos
cristãos no mundo. Outras tradições espirituais, como as
religiões orientais e os cultos indígenas e afrodescendentes sempre consideraram o cuidado com a natureza como elemento central de sua espiritualidade. Isso faz com
que crentes e não crentes possamos nos juntar em um fórum permanente de diálogo e trabalhos para reconstruir
uma cultura amorosa e de comunhão entre a humanidade e o universo.
Roberto Malvezzi (Gogó)
Um Mujica por metro quadrado
Diante de tantas palavras, propostas e manifestações
que não deram em nada, talvez tenha restado da Rio+20
um simples testemunho. Se a humanidade tivesse um Mujica por metro quadrado – atual presidente do Uruguai –
talvez não precisasse fazer cúpulas como a que fez no Rio
de Janeiro.
O atual presidente Uruguaio, ex-guerrilheiro, hoje um
homem com quase 80 anos, costuma ir ao trabalho num
velho fusca, mora só com a mulher, praticamente dispensa seguranças, não tem patrimônio e, para completar, ainda distribui parte de seu salário com quem precisa mais do
que ele.
Um jornal fez uma reportagem sobre Mujica e o chamou
de “o presidente mais pobre do mundo”. Se formos considerar que em certos países paupérrimos, como muitos da
África abaixo do Saara, os presidentes estão entre os homens mais ricos do mundo, então Mujica realmente é uma
estrela solitária na constelação da política.
Acontece que ele não gostou de ser chamado de “o presidente mais pobre do mundo”. Criticou o conceito de pobre-
za que lhe atribuiu a reportagem. Simplesmente respondeu
que tem o necessário para viver com tranquilidade. Prefere
investir seu tempo em coisas que realmente gosta e fazem
sentido, não em ficar administrando riquezas e objetos.
Dessa forma, não se considera pobre, mas uma pessoa que
tem outros ideais na vida, sem ficar preso ao mundo do consumo e da fortuna para se realizar como pessoa humana.
Talvez nos falte um Mujica por metro quadrado na humanidade. Claro que vão dizer que não nos bastam atitudes pessoais para resolver os graves problemas da humanidade na sua relação consigo mesma e com a natureza.
Por outro lado, quando falamos em uma nova humanidade, não vai ser dentro dos padrões de produção e de consumo atuais que ela irá acontecer.
Atitudes humanas como contemplação, reflexão, estudo
profundo, caíram em desuso, mas são fundamentais para
criar pessoas.
Sem nenhum moralismo, só com um estilo de vida semelhante ao de Mujica será possível uma nova civilização planetária.
Você compraria uísque Blue Label ou bolsa Louis Vuitton contrabandeados do Paraguai? Com certeza desconfiaria da qualidade. Isso vale para a “nova democracia” imposta pelo golpe que derrubou o presidente Fernando Lugo.
O país foi governado, durante 61 anos, pelo Partido Colorado, ao qual pertencia o general Stroessner, e também se filia
o atual presidente golpista, Federico Franco. Após 35 anos
sob a ditadura Stroessner, o povo paraguaio elegeu Lugo presidente, em abril de 2008. Eu estava em Assunção e o acompanhei às urnas. Havia esperança de que o país, resgatada a
democracia, haveria de reduzir a desigualdade social.
O novo governo tornou-se vulnerável ao não cumprir importantes promessas de campanha, como a reforma agrária,
e ao se distanciar dos movimentos sociais. Apenas 20% dos
proprietários rurais do país são donos de 80% das terras. Há
que incluir na cota os “brasiguaios”, grileiros brasileiros que
expulsaram pequenos agricultores de suas terras para expandirem ali seus latifúndios.
Lugo errou ao aprovar a lei antiterrorista e a militarização
do norte do Paraguai, detendo lideranças camponesas e criminalizando movimentos sociais. Não soube depurar o aparelho policial, herança maldita de Stroessner.
Em rito sumaríssimo, a 22 de junho o Congresso paraguaio
destituiu Lugo, sem assegurar-lhe amplo direito de defesa.
É o chamado “golpe constitucional”, adotado pelos EUA em
Honduras e, agora, no Paraguai. Preocupa a Casa Branca o
progressivo número de países latino-americanos governados
por lideranças identificadas com os anseios populares e incômodas aos interesses da oligarquia.
Ao contrário de Zelaya, em Honduras, Lugo sequer pensou, ao ser derrubado, em convocar os movimentos sociais a
apresentar resistência, embora contasse com a unânime solidariedade dos governos da Unasul.
Receosos diante das elites, a quem
fizeram importantes concessões, não
confiaram nas organizações populares
É o segundo sacerdote católico eleito presidente de um
país no continente americano. O primeiro foi Jean-Bertrand
Aristide, que governou o Haiti em 1991, de 1994 a 1996, e de
2000 a 2004. Os dois decepcionaram suas bases de apoio.
Não souberam levar à prática o discurso da “opção pelos pobres”. Receosos diante das elites, a quem fizeram importantes concessões, não confiaram nas organizações populares.
Os bispos paraguaios apoiaram a destituição de Lugo. E
o Vaticano os respaldou. Isso não surpreende quem conhece a história da Igreja Católica no Paraguai e sua cumplicidade à ditadura Stroessner, enquanto camponeses eram massacrados e opositores políticos torturados, exilados e assassinados. A lógica institucional da Igreja Católica julga positivo
um governo que a favoreça, e não que favoreça o povo. Exatamente o contrário do que ensina o Evangelho, para o qual
o direito dos pobres é o critério prioritário na avaliação de
qualquer exercício de poder.
A derrubada de Zelaya e Lugo demonstra que a política intervencionista dos EUA prossegue. Agora em nova modalidade: valer-se de artimanhas legais para promover ritos sumários. Já que a última tentativa de golpe, em 2002, ao presidente Chávez, da Venezuela, não deu resultado. Ao contrário, toda a América Latina reagiu em defesa da legalidade e
da democracia.
Uma importante lição fica para os governos progressistas
de Brasil, Argentina, Venezuela, Uruguai, Bolívia, Equador,
Nicarágua, e vacilantes como El Salvador e Peru. Eleição não
é revolução. Muda dirigentes mas não a natureza do poder e
o caráter do Estado. Nem revoga a luta de classes. Portanto,
há que assegurar a governabilidade no bojo desse paradoxo.
Como fazê-lo? Há dois caminhos: através de alianças e concessões às forças oligárquicas ou mediante mobilização dos
movimentos sociais e implantação de políticas que se traduzam em mudanças estruturais.
A primeira opção é mais sedutora para quem se elegeu,
porém mais fácil de ficar vulnerável à “mosca azul” e acabar cooptado pelas mesmas forças políticas e econômicas
outrora identificadas como inimigas. A segunda via é mais
estreita e árdua, mas apresenta a vantagem de democratizar o poder e tornar os movimentos sociais sujeitos políticos.
A primavera democrática em que vive a América Latina pode, em breve, se transformar em longo inverno, caso os governos progressistas e suas instituições como Unasul, Mercosul e Alba não se convençam de que fora do povo mobilizado e organizado não há salvação.
Frei Betto é escritor, autor de A mosca azul – reflexão sobre o
poder (Rocco), entre outros livros.
Campanha vitoriosa!
Especial Privataria Tucana já está pronto
Após dois meses de campanha, o jornal Brasil de Fato encerrou, no dia 31 de maio, a arrecadação de fundos para levar o conteúdo do
livro A Privataria Tucana a todos os recantos do Brasil. Graças à colaboração de 497 pessoas e organizações, nos foi possível arrecadar
um total de R$ 56.883,13 - o que nos possibilitou a impressão de 400 mil jornais que já estão sendo distribuídos gratuitamente por várias regiões do país.
O jornal especial, obviamente, não reproduz todo o livro. Mas, com esta edição, o Brasil de Fato pretende somar-se ao corajoso
e incansável trabalho feito pela blogosfera (blogueiros progressistas) na tarefa de popularizar as denúncias feitas pelo jornalista
Amaury Ribeiro Jr. em seu livro. Mais do que isso, o especial conclama a população a pressionar os parlamentares para que instalem uma CPI da privataria tucana, no Congresso, em Brasília.
O PDF do especial poder ser visto e baixado em nossa página www.brasildefato.com.br. E você que contribuiu para a campanha e deseja receber alguns exemplares, por favor, entre em contato com o jornal pelo correio eletrônico
[email protected]
O jornal Brasil de Fato agradece a todos e todas na certeza de que a divulgação do conteúdo desse livro é um grande serviço à sociedade brasileira, pois, acreditamos ser necessário que a população brasileira saiba quem sucateou e roubou o patrimônio público desse
país, construído e legado pelas gerações que nos antecederam.
Circulação Nacional
Ano 10 • Número 484
Junho de 2012
Uma visão popular do Brasil e do mundo
EDIÇÃO ESPECIAL – PRIVATARIA TUCANA
www.brasildefato.com.br
E a CPI da privataria tucana?
Esta é a pergunta que o povo brasileiro faz. Afinal, graves denúncias - com farta documentação
obtida em juntas comerciais, cartórios, Ministério Público e Justiça – foram apresentadas no
livro A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr., que comprovam “o maior assalto ao
patrimônio público da história do Brasil”. Entre os beneficiários do saque, o livro desmascara
o falso ético José Serra, na época, ministro de FHC. O clã tucano e sua turma realizaram
movimentações financeiras sinistras com a grana das privatizações.
Maringoni
A lavanderia tucana
e o desmonte do país
pág. 3
Sociedade exige
apuração e punição págs. 2 e 3
editorial
É hora de prestar contas à nação
EM ABRIL DE 1999, o jornalista
Aloysio Biondi, ao publicar o
livro O Brasil privatizado, expôs
ao povo brasileiro a pilhagem
da riqueza nacional feita pelas
privatizações comandadas pelo
governo do tucano Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002).
Ao assumir o governo, FHC se
jactava de que iria “virar a página
da Era Vargas”. Foram pouco os
que viram na frase o prenúncio de
um conluio daquele governo com
o grande capital para se apropriar
das empresas estatais do país. O
livro de Biondi escancarou esse
conluio. A roubalheira foi tão
grande, descarada e imoral, que
motivou o jurista Fábio Konder
Comparato a fazer uma veemente defesa para que FHC fosse responsabilizado pelo crime de lesapátria. O aviltante governo que se
auto-proclamou, já nos primeiro
dias do seu reinado, como portador de uma nova era, entrou para
a história como um dos mais entreguistas e submissos ao capital
internacional.
Agora, o livro A Privataria
Tucana, do também jornalista
Amaury Ribeiro Jr., expõe a
outra face da privatização: não
foi apenas o grande capital que
se locupletou com a pilhagem
da riqueza pertencente ao povo
brasileiro. Pessoas que ocuparam
importantes cargos públicos no
governo tucano, seus amigos e
familiares, enriqueceram muito
e rapidamente. Escoaram fortunas para os paraísos fiscais, onde
estariam desobrigados de dar
explicações sobre as origens do
dinheiro. Fortunas provenientes
de atividades ilícitas, como das
máfias ou do tráfico de drogas, já
haviam ensinado o caminho dos
É necessário que a população brasileira
saiba quem sucateou e roubou o
patrimônio público desse país, construído
e legado pelas gerações que nos
antecederam
refúgios tidos como seguros. O
Privataria Tucana, após dez anos
de exaustivo trabalho investigativo do autor, apresenta provas
documentais da roubalheira praticada. Dá o nome dos surrupiadores, o método que utilizaram e
o caminho que percorreu a riqueza que açambarcaram.
A mídia burguesa silenciou
durante o processo da pilhagem
e silencia agora diante das provas
apresentadas. Entendem-se seus
motivos: ela também foi beneficiada com parte da riqueza priva-
tizada e deve obediência canina
ao grupo de políticos que deveriam prestar contas à Justiça.
A Procuradoria-Geral da República, o Ministério da Justiça,
com sua Policia Federal, fazemse de surdos e mudos, sem dar
importância à gravidade das
denúncias e as provas apresentadas. Posturas que os aproxima
ao nível da conivência com a
prática criminosa dessas pessoas
e consolida o sentimento que o
peso da espada da Justiça está
reservado apenas aos trabalha-
dores e aos pobres. Esta edição
especial do Brasil de Fato, ao
somar-se com o corajoso e incansável trabalho feito pela blogosfera (blogueiros progressistas),
pretende popularizar as denúncias feitas pelo livro A Privataria Tucana. É necessário que a
população brasileira saiba quem
sucateou e roubou o patrimônio
público desse país, construído e
legado pelas gerações que nos
antecederam.
Somente a mobilização popular
poderá romper com o boicote de
informações que nos impõe a mídia conivente com a roubalheira
e com silencio e inoperância
das autoridades do país. Logrados esses objetivos, teremos a
esperança de ver os larápios do
patrimônio público se sentarem
no banco dos réus para prestar
contas à nação.
4
brasil
de 12 a 18 de julho de 2012
Um longo caminho
Marcello Casal
EDUCAÇÃO Depois de
longa discussão, Câmara
aprova demanda dos
10% do PIB para o setor,
que ainda depende da
sanção da presidenta
Patrícia Benvenuti
da Redação
O debate sobre o volume de recursos destinados à educação pública ganhou novo impulso nas últimas semanas. Depois de 18 meses de tramitação, a
Comissão Especial do Plano Nacional de
Educação (PNE) aprovou, em 26 de junho, a aplicação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país em políticas
educacionais.
O projeto de lei 8035/10, que cria o
Plano Nacional de Educação (PNE), define as principais diretrizes para o setor
nos próximos dez anos. Presente na meta 20 do Plano, a proposta de investimento do PIB foi o ponto que mais causou divergências. Depois de muitas negociações, o relator da matéria, Ângelo
Vanhoni (PT-PR), apresentou um índice
de 8% do PIB, acordado com o governo.
Por fim, Vanhoni acatou um destaque do
deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE) que aumentava o patamar de 8%
para 10%, como reivindicavam alguns
parlamentares e organizações sociais.
De acordo com o texto aprovado, os
recursos serão ampliados dos atuais
5% para 7%, no prazo de cinco anos, até
atingir os 10% ao fim de vigência do plano em 2023. O texto segue agora para o
Senado e, na sequência, para a sanção da
presidenta Dilma Rousseff.
Repercussão
Ainda na Câmara, a decisão foi amplamente comemorada por deputados, e
parte de movimentos e organizações sociais também se mostraram satisfeitos.
“É uma grande vitória da sociedade brasileira, que há muitos anos vem reivindicando que o Brasil invista 10% do seu
Produto Interno Bruto em educação”,
afirma o presidente da Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Franklin Leão.
Para outras entidades, porém, a decisão está longe de merecer comemoração.
“Trabalhar com a ideia de que nós teremos 10% do PIB destinado à educação
em 2023 não pode ser considerada uma
vitória”, diz a secretária-geral do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) da Regional Rio de Janeiro, Sônia Lúcio Rodrigues de Lima.
Prazo
A principal crítica está relacionada ao
prazo de cumprimento do Plano, que
prevê a destinação de 10% a daqui somente uma década. “É um tempo absurdo porque o sistema vai aumentando cada vez mais sua demanda por educação”,
argumenta Sônia.
A reivindicação por mais investimentos do Produto Interno Bruto em educação é antiga e já estava prevista no Primeiro Plano Nacional de Educação, elaborado em 1996 por um conjunto de
movimentos sociais. Entretanto, o então presidente Fernando Henrique Cardoso vetou a meta que direcionaria 7%
do PIB. O veto foi mantido pelo presidente seguinte, Luiz Inácio Lula da Silva, ao contrário do que havia prometido
durante sua campanha eleitoral.
“É uma grande vitória
da sociedade brasileira,
que há muitos anos vem
reivindicando que o
Brasil invista 10% do seu
PIB em educação”
Para o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Roberto Leher a aprovação representa o reconhecimento, por
parte do Congresso, de que a educação
não recebe a quantidade suficiente de recursos. Entretanto, o prazo de dez anos
para se chegar à meta está longe de ser
um fato positivo.
“Apostar em dez anos é novamente jogar para um futuro indeterminado, tal
como queriam fazer no PNE de 2001.
Sempre há uma promessa de que o futuro será melhor, mas esse futuro nunca chega”, frisa.
Já o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (que reúne mais de 200 grupos e entidades), Daniel Cara, defende o prazo e garante que
o período de dez anos será necessário
para que a União se adeque à mudança.
Apesar de ser o ente que mais arrecada,
Protesto em Brasília de estudantes e professores reivindica 10% par educação
a União é o que menos investe em educação. Hoje, a cada real gasto no setor,
20 centavos vêm da União, enquanto os
outros 80 são divididos entre estados e
municípios. “Fizemos essa proposta dos
dez anos porque é aquilo que o Estado
consegue absorver. Nossa preocupação
é ser coerente com o ciclo orçamentário
brasileiro”, afirma.
“Acho que é um prazo que pode ser dado, é um prazo bom, de quem sabe que
você não muda as coisas de um dia para
o outro”, afirma Leão.
Sônia, porém, garante que continuará
a mobilização para a aplicação dos 10%
já no início do Plano. “Vamos continuar fazendo todo o esforço, em conjunto
com outros movimentos sociais, no sentido de antecipar ao máximo possível a
execução dessa meta, que no nosso ponto de vista, tem que ser para já”, afirma.
Para o professor do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Gaudêncio Frigotto, a gravidade da situação
educacional brasileira justifica a aplicação imediata dos 10%. “Nós deveríamos
ter um movimento inverso. Mais de 10%
no primeiro e segundo ano e, depois que
você venceu essa dívida enorme com a
educação, pode chegar ao patamar de 6
ou 7%”, diz.
Segundo dados do IBGE, o Brasil possui 14 milhões de analfabetos e 30 milhões de analfabetos funcionais.
Batalha
As próximas disputas prometem ser
duras, principalmente junto ao governo, que já tem dado mostras de insatisfação com a aprovação da proposta.
Em declaração à imprensa, o ministro
da Fazenda, Guido Mantega, disse que
o aumento de recursos para a educação
guerra agora entre educação e saúde,
ou educação e reforma agrária. Temos
que garantir que esses recursos adicionais tenham como origem essa imensa
sangria neocolonial da dívida”, diz. Atualmente, a União investe apenas 3% de
seu orçamento em educação.
Outro ponto sensível, para o professor
Gaudêncio Frigotto, será a distribuição
das verbas, sobretudo nos municípios.
Ele lembra que é comum, nas prefeituras, que as verbas para educação acabem em outras pastas. “Em muitos municípios, principalmente os pequenos, e
que são muitos no Brasil, o secretário de
Educação sequer assina o que vai gastar”, destaca.
pode “quebrar” o Estado. “É uma visão
de quem está preocupado única e exclusivamente em pagar os juros altíssimos
da dívida, em manter superávit primário à custa da sociedade”, critica o presidente da CNTE.
“Trabalhar com a ideia de que nós
teremos10% do PIB destinado à
educação em 2023 não pode ser
considerada uma vitória”
O próprio ministro da Educação, Aloizio Mercadante, deu sinais de descontentamento, ao afirmar que o aumento
do investimento será uma “tarefa política difícil de ser executada”.
“O governo perdeu na Câmara, e agora está tentando mobilizar a sociedade, via grande imprensa, contra o Plano Nacional de Educação, não é nem só
contra o investimento em educação. E
o próprio ministro Aloisio Mercadante tem se prestado a esse papel”, critica Daniel Cara.
Toda a movimentação, para Leher, dá
sinais de que o governo não aprovará o
texto. “Tudo indica que temos um veto à
vista”, projeta.
“Apostar em dez anos é
novamente jogar para um
futuro indeterminado, tal como
queriam fazer no PNE de 2001”
Preocupação
A aprovação da proposta junto ao Executivo, no entanto, não é a única preocupação.Para Leher, será necessário que
o governo federal sinalize de onde sairão os recursos para investimentos. De
acordo com ele, o mais justo é que seja utilizado o dinheiro que, atualmente, é utilizado para pagamento dos juros
da dívida pública. “Não pode haver uma
Outro ponto problemático, segundo
Leher, é o fato de o texto não especificar
que o investimento deve ser direcionado à educação pública.“Não adianta passar para 7% do PIB e passar tudo para
a Fundação Oi, Fundação Roberto Marinho. Temos que garantir que esses recursos tenham de fato destinação pública”, aponta.
Tantas fragilidades, para Frigotto, indicam que a efetividade da aplicação dos
10% do PIB em políticas educacionais
deve ir além da aprovação do texto. “A
lei é uma primeira etapa. Mas a lei só se
aplica se existir força social de manejo e
controle desse fundo público destinado à
educação”, diz.
Setor ainda tenta se firmar como prioridade
Resistência em investir no
setor, para especialistas,
mostra opção das
elites em modelo
econômico exportador de
commodities
da Redação
As discussões em torno da aplicação
de recursos do Produto Interno Bruto
(PIB) em educação, previsto no Plano
Nacional de Educação, evidenciam a dificuldade e a resistência para uma maior
aplicação de recursos no setor.
A falta de interesse nesse tipo de investimento, para o coordenador da
Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, pode ser explicada
pela “resposta clássica” de que o acesso à educação representa mais autonomia para o cidadão. “Mas acho que não
é só isso. O fato é que o Brasil não tem
um Estado justo e não investe em políticas sociais. O Estado é hoje muito mais
um auxiliar da elite no apoio aos gran-
des bancos e aos empresários”, afirma.
É justamente a questão econômica, na
avaliação do professor da Faculdade de
Educação da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher,
a resposta para a questão. Para ele, os
parcos investimentos em políticas educacionais são reflexo de um modelo de
desenvolvimento focado na exportação
de commodities, que não necessita de
uma mão de obra mais qualificada.
“Para tudo que é política
social que precisa de
recursos, como é o caso
da educação e da saúde,
o governo se arvora
e afirma que isso vai
quebrar o Estado”
“É um bloco de poder que está feliz
com o setor econômico e com a maneira como o Brasil se estruturou nas relações sociais. E uma educação minimalista e simples, de pouca sofisticação
científica e cultural, dá conta das necessidades”, diz.
Prova disso, segundo ele, foi o crescimento econômico vivenciado pelo país a
partir da década de 1940. “O Brasil crescia a padrões que são, hoje, os padrões
chineses, com uma população praticamente semiletrada. E nem por isso o
Brasil deixou de crescer”, ressalta.
“É uma visão estreita, produtivista, que não é de educação para a cidadania”, agrega o professor do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Gaudêncio Frigotto, que vai
além: “É uma resistência de classe, de
uma classe opaca, com estigma escravocrata”, afirma.
Na opinião de Cara, a afirmação do ministro Guido Mantega, para quem o aumento de investimentos para 10% do
PIB pode “quebrar” o Estado, ilustra
toda a dificuldade.
“Para tudo que é política social que
precisa de recursos, como é o caso da
educação e da saúde, o governo se arvora e afirma que isso vai quebrar o Estado. Vai quebrar, de fato, o Estado de poder que prejudica a maior parte da população em favor de uma elite minoritária”, afirma. (PB)
brasil
de 12 a 18 de julho de 2012
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Greves expõem descaso com campo
Marcello Casal
Mobilização
Servidores criticam
intransigência do governo
e descaso com políticas
sociais no setor
Pedro Rafael Ferreira,
de Brasília (DF)
O atual movimento grevista no serviço público brasileiro é particularmente dramático nas instituições que lidam
com a problemática da terra. Além das
condições salariais e trabalhistas reprimidas frente às outras categorias, servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra),
da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e da estatal Embrapa
cobram do governo a efetiva execução
de políticas públicas consideradas estratégicas para o desenvolvimento social do país, como a reforma agrária, a
demarcação de terras indígenas e a pesquisa agropecuária.
Alguns sindicalistas avaliam como erro político a postura “intransigente” do
governo em relação aos servidores federais. “Há uma contradição. De um lado, abre-se mão de um alto volume de
arrecadação, liberando empresários do
pagamento de impostos, como é o caso
IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), enquanto de outro se promove uma política de contenção de salários
e até de retração”, comenta Vicente Almeida, presidente do Sindicato Nacional
dos Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf).
Há um discurso de
austeridade por parte do
governo comprado pela
própria mídia. Mas qual o
recurso destinado ao setor
público?
Segundo o Ministério do Planejamento, o volume de reajuste salarial pedido
pelas categorias em greve pode superar
os R$ 90 bilhões, o que afetaria as contas do Estado. “Há um discurso de austeridade por parte do governo comprado pela própria mídia. Mas qual o recurso destinado ao setor público? Já se sabe
que a relação entre servidor e população,
no Brasil, ainda está aquém das necessidades reais. Especialistas já demonstraram que temos um Estado ‘raquítico’.
Além disso, como explicar que gastamos
algo como 40% do nosso PIB (Produto
Interno Bruto) em pagamento de dívida,
uma bolsa-banqueiro que só remunera o
capital rentista?”, critica Marcius Crispim, da Associação Nacional dos Servidores do MDA.
No cálculo de Vicente Almeida, para
combater os efeitos da crise econômica,
o crescimento da massa salarial do trabalhadores deveria ser estratégia, não
o contrário. “A gente já sente um certo
esgotamento da política de transferência sem que haja um enfrentamento de
questões estruturais, como a concentração de renda, a necessidade de um imposto sobre grandes fortunas, a democratização dos meios de comunicação, a
reforma agrária, entre outras”, diz.
No campo
Na maior paralisação dos últimos cinco anos, servidores do Incra estão em
greve desde o dia 16 de junho. No total,
27 das 30 superintendências regionais
tem adesão média de 80% dos funcionários. “A gente tinha muita esperança
[no governo Dilma] de que as coisas andariam e nada se concretizou. A reforma
agrária continua parada, não houve nenhuma mudança institucional e o Incra
permanece na periferia do Poder Executivo”, afirma Acácio Leite, perito federal
agrário e membro do comando de greve
na autarquia.
O servidor exemplifica a situação lembrando que, até agora, a presidenta publicou somente 60 decretos de desapropriação de terras, tudo no fim do ano
passado. O resultado pífio pôde ser percebido no número de famílias assentadas – cerca de 21 mil – , o pior rendimento ao longo dos últimos 16 anos. Para piorar, este ano nenhuma área foi decretada até agora. “Vai ser o pior ano para o assentamento de famílias, além de
ser um dos intervalos mais longos da
história do Incra sem a emissão de um
único decreto de desapropriação de terras”, lamenta Acácio.
Retrocesso
Para um órgão que tem sob sua responsabilidade o atendimento direto de
cerca de dez milhões de pessoas que vivem nas cerca de nove mil áreas de as-
Funcionários do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Incra fazem manifestação em frente ao Palácio do Planalto
sentamento da reforma agrária por todo o país, os números da atual estrutura são alarmantes. Segundo a Confederação Nacional dos Servidores do Incra
(Cnasi), o corte no orçamento do instituto, em 2012, chegou a R$ 540 milhões
de um total de R$ 1,7 bilhão reservados,
inicialmente, justamente os recursos para aquisição de novas áreas.
No MDA, a questão começa na própria estrutura do órgão. Apenas 17% dos
funcionários da pasta são servidores de
carreira, que somam 127 funções. Desde
sua criação, em 1999, o ministério só realizou um único concurso público. Não
há plano de carreira e a massa funcional
é composta, na sua imensa maioria, por
profissionais de vínculo provisório. “Há
um perda de conhecimento institucional, porque esses funcionários deixam o
órgão e levam as experiências de execução das políticas públicas”, adverte Marcius Crispim, da Associação Nacional
dos Servidores do MDA.
O quadro de servidores do Incra também está ameaçado. Dos atuais 5,5 mil
funcionários de carreira, cerca de dois
mil devem se aposentar até 2014. O último concurso público, realizado há dois
anos, até agora não convocou os 400
aprovados.
Em relação à Embrapa, a luta dos trabalhadores da estatal tem se fortalecido após a deflagração da greve, em 25
de junho. A categoria rejeitou por 98%
dos votos a proposta de Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) apresentado pela
empresa para 2012-2013. A negociação
já dura quatro meses, sem sucesso. “Os
trabalhadores se uniram para expressar
sua insatisfação em relação à tentativa
de retirada, por parte da empresa, de direitos conquistados com a luta da categoria, além da inexpressiva proposta de
reajuste salarial sem ganho real”, confirma Vicente Almeida, do Sinpaf.
Outra preocupação é a prioridade que
a Embrapa confere ao agronegócio em
detrimento da agricultura camponesa.
Apenas 4% dos recursos de pesquisa são
canalizados para esse segmento, responsável pela produção de 70% dos alimentos consumidos no país. “A leitura política de tudo isso é que o governo tem
seu projeto estratégico definido, que não
aposta na reforma agrária, nos investimentos em tecnologia para o pequeno
agricultor. Por causa disso, os movimentos sociais se juntam à pauta dos servidores cuja finalidade é a mesma”, avalia Rosângela Piovizani, do Movimento
de Mulheres Camponesas (MMC) e Via
Campesina Brasil.
delação do órgão, apenas 700 foram contratados. “Boa parte desse novos servidores foi lotada na sede da Funai, em Brasília, especificamente no setor que trata de
licenciamento”, acrescenta.
Em contrapartida, o atendimento na
ponta continua precarizado. Mônica Carneiro, indigenista especializada da Funai
em Palmas (TO), unidade que atende 22
etnias em seis estados, é uma das servidoras que entrou no último concurso público de 2010. “Nunca recebemos qualquer tipo de qualificação para exercer as
funções do órgão”, observa. O Regimento Interno também não foi aprovado, denuncia a servidora, que ainda critica a
inexistência de “participação efetiva de
No MDA, a questão começa
na própria estrutura do órgão.
Apenas 17% dos funcionários da
pasta são servidores de carreira,
que somam 127 funções
Indígenas
Na Funai, o problema de quadro funcional reduzido é parecido, mas esconde uma realidade ainda mais grave. Para Fernando Schiavini, indigenista com
37 anos de carreira, a recente reestruturação sofrida pelo órgão, em 2009, parece ter sido pensada para atender tão somente a sanha desenvolvimentista que
hegemoniza o centro decisório do Poder
Executivo. “O governo promoveu essa
falsa reestruturação apenas para facilitar
os licenciamentos e autorizações da Funai para realização de obras do Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC) em
terras indígenas”, critica. Dos 3,1 mil novos servidores prometidos após a remo-
servidores e indígenas nas decisões sobre as atribuições” da autarquia.
Na reestruturação, as unidades da Funai localizadas em terras indígenas seriam extintas e reinstaladas em cidades
próximas. “O argumento era bom, prestar atendimento sem interferir na cultura. O problema é que essas unidades, na
maioria, ainda não foram criadas e os
indígenas ficaram completamente desassistidos pelo Estado”, afirma Schiavini. Segundo o Comando Nacional de
greve, pelo menos 22 das 36 Coordenações Regionais da Funai, mais a sede, em Brasília, estão paradas. A adesão
atinge em torno de 70% dos servidores,
informa a categoria.
Antonio Cruz
Em greve, servidores federais reclamam de política salarial e da precarização do ensino público superior
Educação é estratégica
para o governo?
Greve nas Universidades
Federais refletem políticas
salariais desiguais no
setor público, sobrecarga
de trabalho, ambientes
precários e salas
superlotadas
de Brasília (DF)
A greve nas Instituições Federais de
Ensino Superior (Ifes) já está sendo considerada a maior de todos os tempos.
Em 58 das 59 instituições espalhadas
pelo país, entre universidades federais e
institutos técnicos de educação, os professores pararam. O movimento, que começou em maio e já supera os 50 dias,
foi ganhando a adesão de estudantes e
técnicos administrativos em pelo menos
31 instituições.
Com as negociações congeladas pelo
governo, que informou que só voltará à
mesa depois de 31 de julho, professores
buscam resposta para entender o pouco
interesse em enfrentar o problema. “No
caso das universidades, a raiz dessa greve é reflexo de uma política salarial do
setor público com tratamento desigual,
fato que criou um nó difícil de resolver”,
explica Sadi dal Rosso, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB).
Para Sadi, a insatisfação da categoria
tem origem na reforma administrativa
executada no fim dos anos 1990 pelo governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “Naquele momento, foram estabelecidas as atividades típicas de Estado,
como a constituição dos aparato repressivo, jurídico, de planejamento e de coleta de impostos”, diz. Educação, saúde,
reforma agrária foram deixadas de lado. “Além de terem categorias de servidores muito grandes, essas áreas foram
sendo desenvolvidas pelo setor privado
com estímulo do próprio Estado. O problema é que isso foi feito em detrimento
da população porque as pessoas não tem
dinheiro para acessar boa educação, boa
saúde e terra para trabalhar. Há uma
frente empresarial investindo em educação, saúde e produção agrícola em um
jogo muito pesado”, completa.
Mesmo no governo Lula, apesar do
aumento nos investimentos em infraestrutura das universidades e expansão do acesso ao ensino superior, alguns dilemas permanecem. Na Universidade Federal Fluminense (UFF), por
exemplo, onde leciona a professora Sônia Lucia, diretora do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de
Ensino Superior (Andes), o crescimento aprofundou problemas de precarização. “Na UFF, tínhamos dois mil professores para 2,1 mil alunos, em 2006.
Agora, em 2012, são 2,9 mil docentes
para 44,5 mil alunos. Isso gera sobrecarga de trabalho, ambientes precários,
salas superlotadas, improvisação de espaços em contêiner etc”. (PRF)
8
brasil
de 12 a 18 de julho de 2012
“Fator previdenciário é uma
injustiça contra os mais pobres”
Valter Campanato
ENTREVISTA
Para o professor
Eduardo Fagnani, uma
alternativa ao fator
previdenciário é manter a
contribuição e estabelecer
uma idade mínima para
a aposentadoria.
Mas essa idade não pode
ser 65 anos, porque é
muito rígida
do IHU On-Line
A discussão sobre o fim do fator previdenciário, lançada pelas centrais sindicais, pede o fim de um mecanismo
criado após a reforma previdenciária de
1998, e que tem prejudicado os trabalhadores que ingressaram no mercado
de trabalho antes dos 18 anos. Na avaliação do economista Eduardo Fagnani,
a iniciativa é válida, porque o “fator previdenciário é uma das injustiças introduzidas pela emenda constitucional n.
20, de 1998”. Em concedida à IHU On-Line, ele explica que o fator previdenciário “impõe uma perda para quem tem
35 anos de contribuição, mas não tem
65 anos de idade”.
Como o senhor avalia o
projeto de acabar com o fator
previdenciário? O que mudaria
em relação à aposentadoria?
Eduardo Fagnani – O fator previdenciário é uma das injustiças introduzidas pela emenda constitucional n. 20, de
1998, da reforma previdenciária do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Na época, pretendia-se tornar as
regras de acesso à previdência Social extremamente rígidas. Assim, a proposta do governo era de que, para se aposentar, a pessoa deveria ter condições. A
primeira, 65 anos de idade, se homem,
e 60, se mulher, mais 35 anos de contribuição. Essa fórmula é mais rígida do
que a praticada na Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na Europa. O Congresso
vetou essa possibilidade e adotou duas
formas para a aposentadoria: ou por idade (65 anos, homem; 60, mulher) mais
15 anos de contribuição; ou por tempo de serviço (35 anos de contribuição).
No ano seguinte, o governo criou o fator
previdenciário, que impõe uma perda
para quem tem 35 anos de contribuição,
mas não tem 65 anos de idade. Então, a
pessoa que contribuiu durante 35 anos,
mas tem, por exemplo, 55 anos de idade, é penalizada. Isso é injusto porque,
em geral, a população de baixa renda entra no mercado de trabalho mais cedo, e
a população mais rica entra no mercado
de trabalho mais tarde, porque tem condições de estudar. O pobre não, e começa a trabalhar com 16 anos, em média.
Então, uma pessoa que começa a trabalhar com 16 anos, quando tiver 57, tem
condições de se aposentar por tempo de
contribuição. Só que se ele não tiver 65
anos, será penalizado. É injusto exatamente por isso, por incidir mais sobre a
camada mais pobre, que começa a trabalhar mais cedo.
O que difere a proposta do
governo e a proposta das
centrais sindicais em relação ao
fator previdenciário?
A diferença básica é a seguinte: tanto o
governo como as centrais sindicais propõem um fórmula que combine tempo
de contribuição, os 35 anos, e uma idade
mínima. As centrais sindicais propõem
uma idade menor, e o governo propõe
uma idade maior.
Que modelo seria alternativo ao
fator previdenciário?
Uma alternativa é manter a contribuição e estabelecer uma idade mínima para a aposentadoria, mas essa idade não
pode ser 65 anos, porque é muito rígida.
Tem que ser uma idade menor, em torno dos 60 anos.
Mas há uma cultura de que as
pessoas devem trabalhar mais
tempo antes de se aposentar,
devido ao aumento da
expectativa de vida?
As centrais sindicais, muitas vezes,
não levam em conta esse aspecto. Então se se estabelecesse uma idade muito baixa, essa questão demográfica não
estaria de acordo com o crescimento da
expectativa de vida. Mas minha posição
é a de que a idade mínima não pode ser
65 anos. Veja, a média de aposentadorias na Europa é 60 anos. Agora, com a
crise europeia, estão querendo aumen-
Aposentados e pensionistas de todo o Brasil fazem ato religioso no Salão Verde da Câmara dos Deputados
tar a idade mínima na França de 60 para
62 anos. Portanto, não pode ter, em um
país de capitalismo tardio como o Brasil, uma regra de idade mínima como a
atual, implantada em 1998.
Há ou não necessidade de
reformar a previdência?
Essa discussão de reformar a previdência é uma bobagem. Isso por várias razões. Primeiro, porque a reforma
da previdência já foi feita em 1998 pelo
FHC, e tornou as regras brasileiras mais
exigentes em relação à idade mínima para se aposentar e estabeleceu um tempo
de contribuição.
Não há como comparar as realidades socioeconômicas e demográficas do
Brasil com os países da comunidade europeia. A renda per capita e a expectativa de vida lá são muito maiores, e a realidade social é muito melhor. No entanto, as regras brasileiras são maiores. O
que os conservadores querem? Querem
passar a idade mínima para 70 anos?
Sendo assim, o Brasil será o campeão
mundial de idade mínima. O que eles
querem fazer, na verdade, é desvincular
o piso do mínimo, aumentar a idade de
trabalho das mulheres. Enfim, a questão
aí é judicial.
O problema da previdência, ao contrário do que dizem os conservadores,
não está relacionado apenas com o crescimento da despesa, mas também com
a redução das receitas. Eles dizem que
a previdência tem um problema financeiro, visto que a despesa cresceu muito, continuará crescendo e, portanto, vai
“tornar o país ingovernável”. Isso é uma
estultice. O problema da previdência,
desde os anos de 1990, não é só de aumento da despesa; trata-se de um problema de redução das receitas.
E por que houve redução das
receitas?
Porque a economia ficou praticamente
estagnada desde 1990. O Brasil cresceu,
em média, menos que 2% ao ano. Quando o país tem um baixo crescimento econômico, tem desemprego, redução de
salário etc. e, portanto, cai a massa salarial – e as fontes de financiamento da
previdência são baseadas na massa salarial. Resumindo: quando a economia está estagnada, a receita cai.
O que aconteceu de 2007 para cá?
A previdência urbana passou a ser superavitária. No ano passado, ela foi superavitária em 40 bilhões. E passou a ser
superavitária porque a economia voltou
a crescer 4% ao ano. Quando se fala que
é preciso fazer uma reforma da questão
financeira, diz-se que o problema da previdência é a previdência. Eu estou dizendo que o problema da previdência não
está nela própria; está nas opções macroeconômicas que o país faz. Se a economia crescer, não haverá problema na
previdência.
A partir do sistema
previdenciário, que avaliação
faz das finanças do Estado?
De 2007 para cá, houve um crescimento econômico e a geração de mais
de 20 milhões de empregos. Além dis-
so, o desemprego caiu de 13% para 5%.
Qual o efeito disso? Mais pessoas passaram a ser incluídas, mais pessoas passaram a contribuir com a previdência, e
aumentou a arrecadação. Então, a previdência urbana em 2011 teve um superávit de mais de 40 bilhões. Portanto, a
solução da previdência não está em fazer mais reformas para cortar os direitos
conquistados, para tornar as regras mais
exigentes. A opção é ter um modelo macroeconômico que não leve à estagnação
da economia, ao desemprego, à precarização do trabalho.
“Se tiver uma política econômica
que garanta o emprego, o
rendimento etc., haverá também
a oportunidade de que esta
população tenha escolaridade,
renda, educação, ou seja, passe
por uma fase de enriquecimento
relativo antes de se aposentar”
Que expectativa os jovens
podem ter de se aposentar
pelo INSS? Isso vai depender
dos rumos da economia nos
próximos anos?
Em relação a essa questão, os conservadores dizem que existe a bomba demográfica, ou seja, em 2050 haverá um
aumento da população idosa. Mas têm
duas coisas que eles não falam. A primeira delas é a redução do número de
jovens até 15 anos. Só para se ter uma
ideia, hoje existem 46 milhões de crianças em idade escolar. Em 2040, existirão
20 milhões de crianças na escola. Portanto, em tese, vai se reduzir a pressão
para a educação. A segunda questão importante é que, até 2050, a população de
15 a 60 anos aumentará, que é a população em idade de trabalho.
Então, se tiver uma política econômica que garanta o emprego, o rendimento etc., haverá também a oportunidade
de que esta população tenha escolaridade, renda, educação, ou seja, passe por
uma fase de enriquecimento relativo antes de se aposentar. Portanto, ela irá depender menos da previdência pública.
Então, existe uma janela de oportunidade demográfica, e isso pode ser positivo se a economia crescer 4% ao ano, ou
pode ser um ônus, nos próximos 20 ou
30 anos, caso o Brasil continue a ter um
crescimento baixo.
Qual a importância da
previdência como um
instrumento de seguridade
social e, nesse sentido, quais
as implicações da previdência
privada para os investimentos em
seguridade social?
O Brasil teve uma sorte histórica, porque as pessoas que lutaram contra a Ditadura Militar na década de 1970 pensaram em uma agenda democrática que
incluía a democracia, a redistribuição
da renda e um sistema de proteção social inspirado na social-democracia europeia. Essa agenda, com uma dificuldade enorme, conseguiu ser aprovada na
Constituição de 1988, que foi inspirada
na ideia de direitos sociais, de seguridade social, ou seja, na concepção de que
todas as pessoas têm direito ao mínimo,
mesmo não tendo contribuído. Quer dizer, trata-se de princípios de valores que
têm a ver com a Declaração dos Direitos
Humanos de 1948. Entretanto, a partir
dos anos 1980, o neoliberalismo passou
a ser o paradigma hegemônico, mas ele
não entrou no Brasil até 1988, porque
o país estava tratando as contas com a
Ditadura Militar, e na agenda brasileira predominava a reforma tributária, os
direitos trabalhistas, a seguridade social, o sistema único de saúde, o direito de greve etc. Ou seja, não era a agenda do neoliberalismo.
É evidente que desde os anos 1990 há
uma tentativa de retroceder a Constituição de 1988, mas bem ou mal o Brasil tem uma seguridade social e uma previdência social, que é o maior mecanismo de proteção social do país. A seguridade social beneficia diretamente 33 milhões de pessoas: 17 milhões do INSS urbano, oito milhões do INSS rural, mais
quatro milhões do benefício de prestação continuada, e mais sete milhões de
seguro desemprego. 90% desses benefícios equivalem a um salário mínimo. E,
atualmente, quase 90 milhões de pessoas recebem pelo menos um salário mínimo, ou seja, trata-se de quase a metade
da população brasileira.
Nos últimos anos, o salário mínimo
cresceu mais de 60% em termos reais, e
90% desses benefícios equivalem ao piso do salário mínimo. Logo, a renda dessas transferências para a seguridade social aumentou 60%, aumentando o poder de compra das pessoas. Esse é um
dos fatores, junto com o crescimento do
emprego, que têm sustentado o ciclo recente de crescimento, baseado no mercado interno.
QUEM É
Eduardo Fagnani possui graduação em Economia pela Universidade de São Paulo (USP),
mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e
doutorado em Ciência Econômica pela mesma
instituição, onde leciona atualmente.
brasil
de 12 a 18 de julho de 2012
9
CPMI escancara o feminicídio no país
Marcello Casal
Gênero
Nas últimas três décadas,
foram assassinadas
aproximadamente
91 mil mulheres no
Brasil, 7º lugar entre os
países onde há mais
assassinatos de mulheres
Terezinha Vicente
de São Paulo (SP)
Embora as mulheres brasileiras tenham conquistado uma das leis mais
avançadas para a superação da violência
de gênero – a Lei Maria da Penha –, cresce o feminicídio no país. Esses dados estão sendo discutidos em uma Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI).
Nas últimas três décadas, foram assassinadas aproximadamente 91 mil
mulheres no Brasil, 7º lugar entre os
países onde há mais assassinatos de
mulheres. O que mais assusta estudiosos do tema e feministas é o progressivo crescimento desse tipo de crime, que
vitimou 43,5 mil mulheres só nesta última década, passando de 1.353 para
4.297 mortes por ano, um aumento de
217,6%. Os dados são do Mapa da Violência 2012, estudo do Instituto Sangari, baseado em dados do Sistema de
Informações de Mortalidade – SIM –
da Secretaria de Vigilância em Saúde
(SVS), do Ministério da Saúde e do Ministério da Justiça. Outra confirmação
deste último Mapa, que traz um balanço da violência desde 1980, é a de que
os homens morrem na rua, as mulheres
morrem dentro de casa. Isso acontece
em todas as regiões brasileiras e em todas as classes sociais.
Acontece que o Brasil tem também
uma das leis mais avançadas para a superação da violência contra a mulher
– a Lei Maria da Penha. Reconhecida
e “invejada” internacionalmente, a lei
que completa seis anos em agosto não
tem conseguido diminuir os índices do
feminicídio brasileiro. Questionada e
desrespeitada pelo machismo institucionalizado em nosso Judiciário, o Supremo precisou legislar positivamente sobre sua constitucionalidade e aplicação pelo Ministério Público, em fevereiro deste ano, para dirimir possíveis dúvidas de governadores, secretários de segurança e Justiça, delegados
e juízes.
Ativista chama atenção para as violências geradas pelo machismo
4297
“As delegacias não
funcionam 24h, nem
nos feriados. As medidas
protetivas aqui no Estado
são rejeitadas pelo
Judiciário”
No Congresso, foi constituída uma
comissã0 para verificar o que acontece
com a aplicação da Lei Maria da Penha,
e também com os recursos do Pacto Nacional contra a Violência à Mulher, programa da SPM (Secretaria Nacional de
Políticas para as Mulheres), distribuídos aos governos estaduais. “O relatório
será publicado para amplo conhecimento, inclusive de órgãos internacionais
que olham para o Brasil e nos cobram,
devido à Lei Maria da Penha, exemplar
em outros países”, disse a senadora Ana
Rita, relatora da CPMI, na última sexta-feira, 29. A senadora, junto com parlamentares paulistas membros da Comissão, como a senadora Marta Suplicy, as
deputadas federais Janete Pietá (PT-SP) e Keiko Ota (PSB-SP), concederam
entrevista coletiva à imprensa. Audiência Pública na Assembleia Legislativa
de São Paulo (Alesp) foi realizada nesse dia, para inquirir gestores do Estado,
coroando uma série de diligências feitas
pelas parlamentares em órgãos de governo, equipamentos sociais e ouvindo
as mulheres.
Descaso em São Paulo
Estado mais populoso do país, São
Paulo tem também o maior índice em
números absolutos de feminicídio. Só
no ano de 2010, foram 663 assassinatos de mulheres, 3,1 mortes por ano
em cada grupo de 100 mil, segundo o
Mapa da Violência 2012. Na cidade de
São Paulo o índice é maior – 4,8 mortes/100 mil habitantes. Entretanto, o
governo do Estado de São Paulo foi o
último a assinar o Pacto contra a Violência do governo federal, só o fazendo
depois de muita pressão dos movimentos feministas e com dois anos de atraso. Estado econômica e culturalmente
mais forte do país, não tem no seu governo estadual qualquer órgão voltado
às políticas públicas dirigidas às mulhe-
.
é o número de feminícidios por ano
43,5
mil mulheres foram
assassinadas na última década
res, o que dificulta ainda mais qualquer
controle social dos recursos vindos para tal. São escandalosos também os ínfimos números de equipamentos como
delegacias da mulher, casas de acolhimento às vítimas de violência, juizados
e outros previstos pela legislação para
a prevenção e combate da violência doméstica.
“A maleabilidade da lei, que é dura,
rígida, forte, não existe mais depois da
declaração do Supremo”, disse a senadora Marta Suplicy, que considera a Lei
Maria da Penha uma conquista tão importante para as mulheres como o direito ao voto. Ela denunciou que o número de processos abertos no Estado representa metade do número de queixas
apresentadas, devido à incompetência
do atendimento nas delegacias, de pro-
cessos mal formulados, de falhas no encaminhamento da queixa. Marta chama
a atenção para outro aspecto da violência doméstica, que é a sua interiorização; conforme dados da Secretaria de
Segurança Pública – de setembro de
2011 a maio deste ano, tivemos 55.174
casos de mulheres vítimas de lesão corporal dolosa e, destes, 34.906 casos foram no interior. “Exigimos o cumprimento da Lei Maria da Penha na sua totalidade. Lei novinha, conhecida pela
população, só que precisa de estrutura
para ser cumprida e exercida!” Segundo
a senadora, muitas vezes o MP não pode atuar devido ao mau preenchimento do inquérito, que é mandado de volta para a delegacia. “Para o Estado tanto, faz a maneira como a mulher é tratada, fica clara a não importância do estado de SP com as mulheres que sofrem
violência!”
Retrocesso
São Paulo foi pioneiro nas políticas
para as mulheres ao criar a primeira
Delegacia da Mulher, o primeiro serviço de abortamento legal do país (hoje desativado), a primeira casa de acolhimento à mulher vítima de violência
– Casa Eliane de Grammont, graças à
luta incansável das feministas nos anos
de 1970 e 1980. Entretanto, hoje está na
vanguarda do atraso em relação a outros estados, não existindo sequer organismo nem rubrica para políticas de
gênero. Dos 645 municípios, apenas 121
têm delegacias, apenas um juizado especializado para todo o Estado; os funcionários não estão capacitados para
atender a situação, gerando ainda mais
humilhação e violência, segundo a experiência narrada pelas representantes
das organizações não governamentais
que atendem as mulheres. Enfim, diversas exigências previstas na Lei Maria da Penha para que tenha eficiência
são desrespeitadas, particularmente em
São Paulo. “As delegacias e os juizados
especiais são condições fundamentais
para a aplicação da lei”, falou a deputada Janete Pietá. “As delegacias não funcionam 24h, nem nos feriados, não há
capacitação, nem multidisciplinaridade, as medidas protetivas aqui no Estado são rejeitadas pelo Judiciário”.
“O Estado de São Paulo
tem responsabilidade
maior porque ao invés de
avançar, retrocedeu”
A relatora da CPMI explica que audiências e diligências estão sendo realizadas em vários estados, a começar dos
mais violentos. “O Estado de São Paulo tem responsabilidade maior porque
ao invés de avançar, retrocedeu”, falou a senadora, “o que acontece aqui repercute nos demais estados brasileiros
e se aqui retrocede repercute negativamente “. Coordenando a mesa da audiência, a Senadora Ana Rita relembrou
os casos emblemáticos de assassinatos
de mulheres ocorridos em São Paulo e
bastante explorados pela mídia, antes
de iniciar o questionamento dos representantes das Secretarias estaduais responsáveis na questão. Nenhum secretário compareceu.
10
brasil
de 12 a 18 de julho de 2012
A Voz do Brasil ameaçada
ENTREVISTA Para o
jornalista Beto Almeida,
programa de rádio
mais antigo do mundo
pode sair do ar, caso
as emissoras recebam
autorização para escolher
horário de transmissão
espaço sindical
da Redação
Reprodução
A Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) 478/10, que aumenta os direitos
trabalhistas dos empregados domésticos,
está pronta para ser votada na Comissão
Especial sobre Igualdade de Direitos
Trabalhistas, que analisa o tema. A relatora, deputada Benedita da Silva (PT-RJ)
decidiu acrescentar 16 direitos para a categoria, entre eles Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço (FGTS), remuneração
do trabalho noturno superior ao diurno,
jornada de 44 horas semanais, hora extra,
salário-família e igualdade de direitos
entre trabalhador com vínculo e avulso.
Alguns direitos trabalhistas garantidos
pela Constituição não são aplicáveis aos
trabalhadores domésticos.
Daniele Silveira
de São Paulo (SP)
O Projeto de Lei (PL) que propõe a
flexibilização do horário de veiculação do
programa A Voz do Brasil pode resultar
no fim do mais antigo programa de rádio
do mundo. A proposta pretende deixar as
emissoras de rádio comercias e comunitárias livres para escolher entre 19h e 22h
o horário de transmissão.
O projeto, aprovado em 2006 pelos
deputados, foi alterado no Senado e retornou à Câmara Federal em dezembro
de 2010. Na semana passada, o PL entraria em votação, mas foi retirado da
pauta. Há mais de 70 anos no ar, A Voz
do Brasil é transmitida obrigatoriamente às 19h.
Diante do conflito de interesses que
envolve a proposta, a RadioagênciaNP,
do grupo Brasil de Fato, entrevistou
o jornalista e presidente da TV Cidade Livre de Brasília, Beto Almeida. Ele
aponta que houve falta de discussão no
plenário da Câmara e a tramitação no
Senado ocorreu durante período esvaziado.
Almeida ainda chama atenção para a
importância do programa como meio
de acesso a informação para muitos cidadãos do interior do país. Para ele,
existe uma evidente articulação das rádios comerciais para tornar o programa
inviável.
“A informação se revela
como fator de missão
social muito importante
para integrar o país
como um todo”
Como você avalia o projeto
que pretende flexibilizar os
horários de transmissão do
programa A Voz do Brasil?
Beto Almeida – A flexibilização do
programa A Voz do Brasil é, na verdade, um cavalo de troia que traz dentro
de si a ideia de extinção da Voz do Brasil. Tal como a ideia da flexibilização da
CLT dos direitos trabalhistas é ruim para os trabalhadores, a flexibilização da
Voz do Brasil é muito ruim para a população em geral porque as sete mil rádios hoje existentes no Brasil, a esmagadora maioria delas, não consegue
produzir jornalismo. Então, elas têm
programas sofríveis, precários do ponto de vista jornalístico, e não fazem integração nacional via informação. A informação se revela como fator de missão social muito importante para integrar o país como um todo.
A quem interessa o projeto?
Flexibilizar é você dar às rádios a possibilidade de escolherem o horário em
que o programa será veiculado. Mas aí
quem é que vai fiscalizar? Hoje, sendo
obrigatória A Voz do Brasil, você já não
tem condição de fiscalizar sete mil rádios. Imagine se você flexibilizar o horário. É, na verdade, um truque que os
Direitos dos domésticos
PEC precisa ser aprovada
Há mais de 70 anos no ar, A voz do Brasil conecta ouvintes de todas as regiões do país
oligarcas da informação estão utilizando para tornar infiscalizável.
Qual a importância da Voz do
Brasil?
O rádio é o grande fator de informação, juntamente com a televisão obviamente, mas o rádio pode dar uma informação, por exemplo, sobre o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)
do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Agrário que o jornal da Globo não tem interesse em dar. Ou, por
exemplo, medidas do Ministério da
Pesca para as colônias de pescadores e
A Voz do Brasil alcança as embarcações
onde elas estiverem, as colônias de pescadores, os ribeirinhos, o que muitas
vezes não vai acontecer pela televisão.
O preço mínimo da borracha, por exemplo, através de um radinho, o seringueiro que fica três, quatro, dias pela floresta trabalhando ele recebe essa informação pela A Voz do Brasil. E os deputados sabendo disso passam a informação
do preço da borracha na Tribuna da Câmara porque sabem que A Voz do Brasil
vai transmitir essa informação.
“Mas aí quem é que
vai fiscalizar? Hoje,
sendo obrigatória
A Voz do Brasil, você
já não tem condição de
fiscalizar sete mil rádios”
Muitos críticos dizem que o
programa é um resquício da
“ditadura Vargas”. Como você
avalia esse posicionamento?
Eu colocaria resquício entre aspas,
muitas aspas, porque na era Vargas o
povo brasileiro conquistou muitas coisas. Por exemplo, a empresa de petróleo, a Petrobras, a Vale do Rio Doce, os
direitos trabalhistas, a licença maternidade, tudo isso é resquício entre aspas da era Vargas. E A Voz do Brasil
veio naquela época, quando o mundo
se preparava para a guerra, havia uma
ameaça de guerra, que depois aconteceu, e havia ideias de fragmentação do
país. Essas ideias de dividir, fragmentar, o país como nós vemos hoje são
ameaças que continuam existindo. Há
um intervencionismo crescente do im-
perialismo sobre ou contra os países
que têm riqueza mineral e o Brasil as
tem. Então, nós devemos manter sempre atentos instrumentos de integração
nacional até como capacidade de defesa. E o povo precisa estar informado sobre os atos do governo, sobre os atos do
legislativo, sobre os atos do executivo,
e isso não acontece hoje se você olhar o
rádio comercial na sua grande maioria
ou a TV na sua grande maioria.
“Há um intervencionismo
crescente do imperialismo sobre
ou contra os países que têm
riqueza mineral e o Brasil as tem”
A suposição de que o programa
não dá audiência tem
fundamento?
Usam-se argumentos de que ele não
tem audiência, mas as pesquisas que
os empresários fizeram e escondem,
por que eles não as divulgam? Porque
os resultados são contra eles. Uma delas, feita pelo Ibope, dizia que no horário de 19h às 20h dois terços dos rádios
nas cidades permaneciam ligados. Ora,
19h às 20h é A Voz do Brasil, então não
existe aquela ideia de que todo mundo
desliga o rádio.
“Rito sumário significa
que ele não vai a plenário,
então, ele não foi
aprovado pela maioria”
Quais os problemas relacionados
à tramitação desse projeto?
Primeiro, ele passou sem ter grandes
audiências públicas na Câmara, sem
ter ido a plenário. Ele não foi colocado
a plenário, porque foi feito um acordo
com os empresários da Abert [Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e
Televisão] para que o projeto tivesse rito sumário. Rito sumário significa que
ele não vai a plenário, então, ele não
foi aprovado pela maioria. Quando ele
chegou no senado havia esvaziamento
eleitoral porque era ano eleitoral, 2010.
(RadioagênciaNP – www.radioagencianp.com.br)
Arquivo pessoal
Para que os cerca de 7,2 milhões de
trabalhadores domésticos tenham os
mesmos direitos trabalhistas dos demais
trabalhadores, é preciso que a PEC seja
aprovada na comissão especial, depois
passe por duas votações no Plenário da
Câmara, com no mínimo 308 votos favoráveis, em cada uma delas. Após isso segue para o Senado, também para votação
em dois turnos. O trabalho doméstico representa 15,8% do total dos ocupados no
Brasil, segundo dados PNAD-2008. Destes, 93,6% são mulheres, 61% são negras
e 26,8% não têm carteira assinada.
Mundo do trabalho
O ministro do Trabalho e Emprego,
Brizola Neto, pretende consolidar com
as centrais sindicais uma agenda a ser
executada pelo ministério sobre temas
relacionados ao mundo do trabalho. No
dia 29 de junho, o ministro esteve com
dirigentes das centrais, em São Paulo,
durante visitas que fez às sedes da Força
Sindical, CTGB, UGT e CUT. O ministro
destacou que pretende fazer um regramento claro sobre o registro sindical, para
não deixar subjetividade. “Importante
é garantir sindicatos representativos”,
enfatizou Brizola Neto. Sobre o fator
previdenciário, ele disse que o ministério
deve assumir o processo de intermediação entre os trabalhadores e o governo.
Brizola Neto visitou a sede nacional da
Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), onde foi recebido
pela executiva nacional e presidentes de
sindicatos filiados à central.
Metalúrgicos do RJ
“É hora de Brasília ouvir nossa voz”.
Com esse lema, os metalúrgicos da Emgepron, no Rio de Janeiro, realizaram nova
manifestação na porta do Ministério do
Trabalho, no dia 9, quando houve mais
uma audiência de conciliação entre o
Sindicato e a empresa. Os trabalhadores
exigem o cumprimento da convenção
coletiva de 2011 da categoria metalúrgica,
que estabelece o piso profissional de R$
1.800,00; e para os trabalhadores não
qualificados de R$ 1.080,00. Os trabalhadores realizaram uma grande assembleia
no dia 5, na sede do Sindicato, onde decidiram rejeitar a proposta de aumento de
6,5% apresentada pela empresa e cobram
o enquadramento dos trabalhadores na
convenção coletiva de 2011 dos metalúrgicos.
Juventude sindical
Nos dias 17 e 18, Manágua, capital da
Nicarágua, sediará o III Encontro da
Juventude Sindical da América Central.
O evento, promovido pela Federação Sindical Mundial (FSM) da América Central,
pretende reunir jovens da região para
discutir as problemáticas atuais da juventude trabalhadora. A partir do tema “Juventude Trabalhadora Diante dos Novos
Desafios”, os participantes discutirão problemas como: pobreza, desemprego, violência, e drogas. A ideia, de acordo com
o convite para o encontro, é “construir
consensos sobre o tema da juventude
trabalhadora na região” a respeito dessas
questões e seguir a “construção de uma
sociedade em benefício de todas e todos,
incluindo os jovens e as jovens”.
Vitória dos trabalhadores do ES
O programa
A Voz do Brasil
Beto Almeida, presidente da TV Cidade Livre
A Voz do Brasil está no ar há mais
de 70 anos. O objetivo é levar informação aos cidadãos dos mais distantes pontos do país. O programa
tem uma hora de duração. Os primeiros 25 minutos são produzidos
pela EBC – Empresa Brasil de Comunicação e levam aos cidadãos as
notícias, de seu interesse, sobre o
Poder executivo. Os demais 35 minutos são divididos e de responsabilidade dos Poderes Judiciário e
Legislativo.
Mais uma vez, a mobilização, a organização e a capacidade de pressão do Sindicato dos Trabalhadores da Construção
Civil do Espírito Santo (Sintraconst-ES)
resultaram em uma grande vitória. No dia
4, em decisão unânime, os desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho
local julgaram o dissídio coletivo da categoria e estabeleceram um aumento de
14% nos salários para todos os operários
do estado. Era exatamente o que exigia
o Sintraconst-ES, que, até então, havia
arrancado o índice para os operários das
grandes empresas, como Mendes Júnior,
as empreiteiras da Samarco e da 8ª Usina da Vale. Agora, o benefício é geral,
tanto para o pessoal da indústria quanto
da construção. No caso da construção,
serão 12% de aumento retroativos a maio
e mais 2% em novembro. A cesta básica
será de R$ 170, com outros R$ 80 de gratificação para os trabalhadores que não
apresentarem faltas injustificadas no mês.
As empresas também arcarão com R$ 60
do valor do plano de saúde. Já na área industrial, serão 14% de aumento, R$ 400
de cesta básica e plano de saúde gratuito e
extensivo à família.
cultura
de 12 a 18 de julho de 2012
11
Go, Brazil, Go
FILME O Brasil pelo
olhar black de Spike
Lee; filme chegará às
telas brasileiras no ano
da Copa do Mundo
e pretende mostrar
algumas de nossas
qualidades e defeitos,
alegrias e desalentos
Divulgação
Maria do Rosário Caetano
de São Paulo (SP)
Spike Lee se ocupará, nos próximos 18
meses, de construir, com calma e reflexão, um olhar (com recorte black?) sobre o Brasil, em documentário de nome
empolgante: Go, Brazil, Go. O novo longa-metragem, cujas filmagens ele iniciou
em abril último, chegará às telas brasileiras no ano da Copa do Mundo (2014)
e pretende mostrar algumas de nossas
qualidades e defeitos, alegrias e desalentos. E, claro, nossa “cordialidade” e nosso racismo. Afinal, Lee, um militante da
causa black, externou em sua estada de
uma semana no país – durante coletiva
à imprensa – enorme espanto pela “ausência de negros na mídia brasileira”.
Em especial na TV.
Go, Brazil, Go só encontrará sua forma final, depois de mais “sete visitas”
de Lee ao país que conheceu quando subiu o Morro Dona Marta, no Rio (depois
foi ao Pelourinho baiano) com Michael Jackson (1958-2009), para gravar o
clip de They Don’t Care About Us. Um
clip que conheceu sucesso planetário e
no qual o astro estadunidense cantava,
vestido com uma camiseta do bloco afro
Olodum, ao som ritmado de tambores
baianos.
Spike Lee gravou
depoimentos dos
compositores Gilberto
Gil e Caetano Veloso e
conversou com o cineasta
Joel Zito Araújo. Jantou
com os atores Lázaro
Ramos e Wagner Moura
A produção do novo documentário
de Spike Lee traz a assinatura de José
Ibañez, espanhol nascido na Argentina, responsável por longas-metragens
como Maradona por Emir Kusturica, e
Fidel e Ao Sul da Fronteira, ambos de
Presidenta Dilma recebe cineasta em Brasília (DF)
Oliver Stone. Para garantir sólida retaguarda cinematográfica brasileira ao
cineasta afro-americano, Ibañez convocou Heitor Dhalia e Tatiana Quintella, sócios na produtora Paranoid
(que em breve começará a filmar o épico Serra Pelada).
Na primeira etapa de filmagens, Spike
Lee colheu imagens e depoimentos para
Go, Brazil, Go na companhia do fotógrafo César Charlone (indicado ao Oscar por
Cidade de Deus e parceiro de Lee no piloto da série Sucker Free City). Juntos, e
com Tatiana & Dhalia na produção, eles
estiverem com a presidente Dilma Roussef e com o ministro Joaquim Barbosa
(no dia em que o STF votou a permanência das Cotas para afrodescendentes em
universidades brasileiras) e visitaram a
sede do Afro-Reggae. Spike Lee gravou
depoimentos dos compositores Gilberto
Gil e Caetano Veloso e conversou com o
cineasta Joel Zito Araújo. Jantou com os
atores Lázaro Ramos e Wagner Moura.
O escritor Fernando Morais, autor de A
Ilha e Chatô presta consultoria ao filme.
Como fizera, antes, em outras produções
de José Ibañez.
Tatiana Quintella não esconde o orgulho de ver a Paranoid na função de “produtora brasileira escolhida para realizar
o novo documentário do aclamado diretor Spike Lee”. Afinal, acrescenta, “este
projeto vai retratar nosso país, que hoje,
além de chamar atenção por sua economia aquecida (apesar da crise europeia),
nos orgulha por fato único em nossa história política: temos Dilma Roussef como a primeira mulher brasileira a ocupar a presidência da República”.
“Além do mais” – destaca Tatiana – “o
mundo todo está com os olhos voltados
para cá, pois vamos receber dois grandes
eventos esportivos: a Copa do Mundo de
Futebol e as Olimpíadas”. É claro – pondera – “que o documentário Go, Brasil,
Go vai retratar também os problemas e
os desafios que se nos apresentam e necessitam ser superados”.
As filmagens de Go, Brazil, Go, que foram iniciadas em abril, cumpriram uma
primeira etapa em São Paulo, Rio, Salvador e Brasília. Spike Lee entrevistou,
“além de personalidades marcantes nestas quatro grandes cidades, pessoas comuns, gente das ruas”. A produtora avisa que “ele deve retomar mais sete vezes
ao Brasil”.
Admiradora do trabalho de Lee, Tatiana cita seus títulos preferidos: Faça
a Coisa Certa e Malcolm X. E destaca:
“além de um grande diretor, Spike Lee
é um ativista social contra o racismo e,
com seu trabalho, colabora para a inclusão dos afro-americanos em posições de
destaque”. Na esfera pessoal – arrisca-se – “pelo que pudemos perceber nestes primeiros contatos, ele é também um
homem muito curioso, simpático, objetivo e um fanático por esportes em geral”.
Spike Lee estreou no longa-metragem
em 1986, com She’s Gotta Have It, que
se fez seguir de School Daze (1988). Mas
a fama, para valer, chegou com o seu terceiro longa, Faça a Coisa Certa, de 1989.
Nesta colorida e vibrante narrativa, ambientada num Brooklin sufocado por
temperaturas altíssimas, o cineasta-ator
antagonizou pizzaiolos ítalo-americanos
a empregados e clientes afro-americanos. E problematizou os caminhos apontados por duas lideranças negras: o pacifismo de Martin Luther King e o ativismo de Malcolm X. O filme correu mundo. E revelou Spike Lee como diretor e
ator (na pele de um abusado entregador de pizzas) ao público brasileiro. Dali em diante, seus filmes – Mais e Melhores Blues, Febre na Selva e o épico Malcolm X – tiveram distribuição garantida
em nossas telas e fizeram relativo sucesso. Isto foi de 1990 a 1992.
Ao longo da década de 1990, o interesse do mercado por seus filmes começou
a diminuir. A maior parte dos trabalhos
do jovem cineasta não chegou a nossas
telas. O argumento para tal desaparecimento é de dolorosa constatação: “o público não se interessaria por filmes protagonizados por atores negros”.
Spike Lee entrevistou, “além de
personalidades marcantes nestas
quatro grandes cidades, pessoas
comuns, gente das ruas”
Em 2006, um milagre: o longa-metragem O Plano Perfeito, um thriller de
excepcional qualidade, com elenco majoritariamente branco (embora Denzel
Washington nele desempenhe papel de
um dos protagonistas, coadjuvado por
Chiwetel Ejiofor), trouxe Spike Lee de novo às páginas nobres da imprensa brasileira (Inácio Araújo, um dos críticos mais
respeitados do país, recebeu o filme com
imenso entusiasmo). O Plano Perfeito alcançou um milhão de espectadores, feito notável para um cineasta afro-americano. Tal sucesso comercial e artístico
abriu espaço para o lançamento do épico
Milagre em Santa Anna, ambientado na
Segunda Guerra Mundial e em solo italiano. Com soldados negros ocupando o
relevo merecido. O filme não fez sucesso.
E não tinha, há que se registrar, a ousadia e qualidade das obras maiores do realizador nascido em Atlanta, na Geórgia.
A começar pelo perturbador Bamboozled – A Hora do Show, de 2000. Quem
quiser ir à essência do cinema black de
Lee não pode deixar de ver este filme.
Nele estão sintetizadas todas as questões
que alimentam a criação artística deste
cineasta que nunca idealizou os negros.
Sempre os valorizou, mas de forma matizada. Mostrando suas qualidades e defeitos. Pois destas matérias, afinal, todos
nós somos feitos.
“O documentário Go, Brazil, Go vai
retratar também os problemas e os
desafios que se nos apresentam e
necessitam ser superados”
Bamboozled
O diretor de Faça a Coisa Certa, Malcolm X, e Bamboozled é o mais conhecido, e produtivo, dos cineastas blacks atuantes na indústria do cinema, dominada
historicamente pelos anglo-saxões. Nascido em 1957, ele soma mais de trinta filmes para cinema e TV em seu currículo.
Um feito para um cineasta afro-americano. Além de trabalhar sem descanso, ela
dá aulas de Cinema na NYU (New York
University), onde se formou e foi aluno
de, entre outros, Martin Scorsese.
Joel Zito Araújo
Divulgação
“O Spike Lee Brasileiro” vai dar
um curso na Nova York a convite
do autor de Bamboozled
de São Paulo (SP)
O escritor e cineasta Joel Zito Araújo, autor do livro A Negação do Brasil – O Negro na Telenovela Brasileira (Editora Senac, 2000), e diretor dos
filmes A Negação do Brasil, Filhas do
Vento e Cinderelas, Lobos e Um Príncipe Encantado, é fã assumido de Spike Lee. E orgulha-se de ser comparado
a ele. Gosta de ser chamado de “o Spike
Lee brasileiro”.
Em depoimento ao Brasil de Fato,
Joel Zito, um dos artistas ouvidos por
Spike Lee para seu Go, Brazil, Go, fala
de sua relação com o diretor de Faça a
Coisa Certa e Bamboozled.
“Como não é difícil imaginar, Spike
Lee é um dos cineastas fundamentais no
cinema que faço. Obviamente, antes do
seu aparecimento eu já estava profundamente marcado pelos grandes dos anos
de 1960 e 1970. Cito especialmente Fellini, Truffaut e Bergman, que foram muito
além do entretenimento e falaram profundamente da condição humana, dos
sonhos, dos imaginários, dos desejos, e
trabalharam com uma alternativa narrativa que sempre admirei.
Spike Lee faz parte de uma segunda geração que me impressionou, com
narrativas e temáticas diferentes. E ele
Spike Lee em encontro com os atores Wagner Moura e Lázaro Ramos
“Amei o seu momento de ouro, aquele
em que fez um filme atrás do outro,
sempre se superando, desde Faça a
Coisa Certa até Malcolm X”
se destaca por fazer um cinema norte-americano de boa qualidade, e por
dialogar com aquilo que mexia profun-
damente comigo, e continua mexendo,
que são as relações raciais e a questão
da identidade negra. Amei o seu momento de ouro, aquele em que fez um
filme atrás do outro, sempre se superando, desde Faça a Coisa Certa até
Malcolm X. Naquele momento, considero que ele se tornou em um dos grandes da cinematografia mundial. Após
aquela fase, ele teve uma carreira irregular. Não entendo o porquê. Mas adorei vários filmes que vieram depois, como Verão de Sam, Bamboozled, A Últi-
ma Noite e o Plano Perfeito. Neste último nós podemos ver claramente a mão
de um diretor que tem um olhar muito original e provocativo comentando
um roteiro comercial. A crônica racial
de Nova York, o entorno do fato central, constitui, seguramente, uma das
melhores coisas do filme. Vemos ali o
Spike Lee influenciado e, até mesmo,
recriando um roteiro que não é dele.
Até mesmo o personagem do Denzel
Washington espelha uma parceria dos
dois na criação do mundo, da personalidade e irreverência do detetive. É maravilhoso ver tudo aquilo. Este filme,
sem Spike Lee, poderia contar com um
bom condutor de thrillers, ou de atores,
mas nunca teria o acento que torna esse trabalho grande e original. Sei que,
infelizmente, no Brasil, uma parcela de
nossos críticos age dentro dos limites
de nossa cultura e pouco valoriza o aspecto das tensões raciais existente em
várias culturas.
Quanto ao seu novo filme, o documentário Go, Brazil, Go, ele me procurou
porque os seus consultores me apontaram como um cara que poderia comentar as relações da mídia e o contexto racial brasileiro. Antes disso eu já tinha
tentando encontrá-lo, mas nunca tinha
dado certo. Temos amigos em comum
que fazem circular nossos comentários
e trabalhos. Imagino que havia, da parte dele, interesse também em me conhecer, como naturalmente eu tinha em relação a ele. No final da entrevista, ele me
convidou para dar um pequeno curso
em sua cadeira na Universidade de Nova York. Cool, man!”
12
cultura
de 12 a 18 de julho de 2012
Consciência de
mídia, isso existe?
CRÔNICA Um país e um
povo que não conhece
as intenções de sua
própria mídia dominante,
nunca conseguirá sair
desse redemoinho de
mentiras, opressões e
desigualdades
CarlosCarlos
Quando eu vejo um microfone de
qualquer veículo das Organizações Globo no meio de uma manifestação popular legítima e organizada, fico com a sensação de que a consciência em relação à
grande velha mídia em nosso país ainda
está muito longe do que necessitamos,
inclusive dentro de setores ligados à militância social e política.
Me pergunto quando os movimentos
sociais e seus manifestantes vão entender que a luta não deve se vincular a esses tipos de veículos, simplesmente pelo fato deles utilizarem e editarem esses
materiais audiovisuais segundo os seus
princípios elitistas e concentradores, e
como se não bastasse, depois nem são
cobrados por isso.
Se é esse o curso do seu
cotidiano, com certeza
ainda não percebeu o
quanto esse processo
midiático monopolizado
faz mal a todos nós
Se eles tem a intenção de deturpar e
produzir matérias mentirosas e tendenciosas a respeito das lutas sociais, que as
façam com os seus próprios métodos, mas
nós não podemos dar o aval nem contribuir para eles estarem em nosso meio registrando nossas falas e atos como se isso
fosse inofensivo… Não!!! Consciência de
mídia já, é disso que precisamos!!!
www.malvados.com. br
Será que eu preciso relembrar sobre o
surgimento da Rede Globo, na época da
ditadura e financiada pelos Estados Unidos? Será que eu terei que, novamente,
enumerar aqui todo o mal que essa emissora causa ao povo brasileiro, com seu
monopólio tacanho e suas formas mesquinhas e cínicas de manipulação? Sinceramente, espero que vocês já estejam
a par disso tudo. Ou você ainda está naquela de dizer que “assiste novela pra se
distrair”? Se é esse o curso do seu cotidiano, com certeza ainda não percebeu o
quanto esse processo midiático monopolizado faz mal a todos nós, pois é justamente através de pequenos símbolos, referências sociais, signos, que eles adentram os corações e mentes de milhares de
pessoas, causando um estrago que interfere realmente nos rumos do país. A função da Rede Globo é conformar, e a nossa é abrir clarões!
É fato que a Rede Globo foi expulsa de
algumas manifestações Brasil afora, mas
ainda é muito pouco! Não basta expulsar
e não autorizar, tem que se saber os exatos motivos e porquês da efetivação dessas expulsões, tem que se discutir dentro
dos movimentos o que cada mídia representa em e ao nosso país. As pessoas precisam saber com o que e com quem estão
lidando. Um país e um povo que não conhece as intenções de sua própria mídia
dominante, nunca conseguirá sair desse
redemoinho de mentiras, opressões e desigualdades. Afinal, o movimento nazista na Alemanha tinha uma mídia organizada que não era questionada por grande
parte da população. Será que esse triste
momento da história se relaciona com o
que vivemos ainda nos dias de hoje?
Ou nós aprendemos quem são os
nossos reais opressores ou passaremos
séculos e séculos assistindo novelas
“inofensivas” e telejornais absolutos
nos conduzindo às trevas da ignorância
antilibertária!!!
Decidi escrever esse texto após assistir
a um vídeo na web que mostra a coletiva que estudantes da Unifesp de Guarulhos concederam à imprensa, por conta
de ataques antidemocráticos que o Estado e a Polícia praticaram contra eles.
o balcão
dahmer
Havia três microfones na mesa da coletiva: um era da TVT – Tv dos Trabalhadores, que hoje atua como um dos
veículos da contramídia organizada em
nosso país, logo, estava no local correto
– o outro era o microfone da Tv Cultura,
que apesar de ser uma emissora “dita
pública”, costuma reproduzir com afinco os vícios e objetivos da velha mídia, e
o outro, o que chamava realmente a minha atenção, era o microfone da velha e
esperta Rede Globo, sempre dando um
jeitinho pra estar onde não deveria estar… E aí eu me pergunto: por quê? Será que os estudantes da Unifesp não estão por dentro dos objetivos que a Globo tem ao estar lá? Será que eles ainda
não pararam pra pensar mais profundamente sobre o panorama da mídia
no Brasil? Acredito, sinceramente, que
eles sabem que a Globo não é “amiga”,
mas também cheguei a me perguntar se
num caso desse, o ego não fala mais alto, e aparecer na Globo torna-se sedutor demais...
Definitivamente, essa não é uma crítica aos estudantes da Unifesp nem a qualquer manifestante, mas é um apelo latente e um grito de alerta aos nossos: Rede Globo não! Não os autorize a gravar a
sua imagem, em nenhuma circunstância.
E isso vale para toda e qualquer emissora que funcione na sintonia da Rede
Globo, que foi enfocada aqui como principal pelo simples fato de ser o carro-chefe da mídia brasileira. Ou seja, está
no ar na Globo, está em todas as emissoras comerciais!
Esse é um manifesto e um grito por
consciência midiática no Brasil, com a
certeza de que ou nós aprendemos quem
são os nossos reais opressores ou passaremos séculos e séculos assistindo novelas “inofensivas” e telejornais absolutos
nos conduzindo às trevas da ignorância
antilibertária!!! Olho vivo e luta no coração e nas ruas!!!
CarlosCarlos é vídeo-ativista, blogueiro
(bolaearte.wordpress.com), criador, diretor
e apresentador do programa Bola e Arte
(Futebol, Arte e TransformaçãoSocial),
veiculado via FizTv em 2008/2009 e exapresentador do “ProgramaNovo” da Tv
Cultura. Formado em Rádio e Tv desde 2005,
e principalmente nas ruas e botecos das
cidades, também é escritor, músico, pintor
e documentarista. Atualmente é repórter
da TVT – Tv dos Trabalhadores, colunista da
Revista Fórum no projeto “Jornalismo em
Quadrinhos” e oficineiro em audiovisual,
cultura digital e jornalismo ativista. Correio
eletrônico: [email protected].
gama
Palavras Cruzadas
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Horizontais – 1.Bóson de Higgs – Co. 2.Oco – Aborto. 3.Balé – Cláudio Assis. 4.Batom. 5.MA –
Élan. 6.Creer – Odin – RJ. 7.Âmnio – Deusas. 8.ET – Madri – PAC. 9.Uca – Larica – Islã. 10.Chile
– Távola. 11.África – Nísio – Alado.
Verticais – 1.(?) Marley, ícone do reggae – Filme chileno do mesmo diretor de “Violeta foi para o céu”.
2.“Palco” ou “terreiro”, em tupi – Símbolo da moeda oficial da Suíça. 3.Cerveja mexicana – “(?) Play”, jogo limpo no meio esportivo. 4.Cólera – Medida chinesa que equivale a 500 metros. 5.Time de futebol
do Equador. 6.Exposição de arte que acontece a cada cinco anos na cidade de Kassel, Alemanha. 7.Ele
acha graça; ele (?). 8. “Obrigado”, em esloveno – Átomo gasoso eletrizado sob a ação de certas radiações. 10.Cineasta franco-suíço, principal nome da Nouvelle Vague – (?) de Maio, movimento de mulheres que perderam seus filhos assassinados pela polícia. 11.Viagem para outra parte. 12.Padroeiro
dos negros, nascido na Sicília em 1526, descendente de escravos vindos da Etiópia. 13.Principal deus
pagão dos fenícios – Grande constelação vista no hemisfério Norte 14.Ditador brasileiro que dá nome
ao “Minhocão” 15.(?) Welles, diretor do filme “Cidadão Kane” – Provedor de internet estadunidense.
16.Uma das operadoras de celular – Sigla de São Paulo – Naquele lugar. 17.Chamado de socorro –
Abreviatura em latim para d.C. (depois de Cristo). 18.José (?), presidente do Uruguai.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 101112131415161718
Verticais – 1.Bob – Machuca. 2.Ocara – CHF. 3.Sol – Fair. 4.Ira – Li. 5.Emelec. 6.Documenta.
7.Ri. 8.Hvala – Íon. 10.Godard – Mães. 11.Ida. 12.São Benedito. 13.Baal – Ursa. 14.Costa e Silva.
15.Orson – Aol. 16.Tim – SP – Lá. 17.SOS – AD. 18.Mujica.
Horizontais – 1.Chamado também de “partícula de Deus” – Sigla de cobalto. 2.Que não tem nada
dentro – Prática ainda considerada crime no Brasil, com pena de até seis anos. 3. Forma de expressão
artística em que se executa uma coreografia sobre um tema musical – Cineasta brasileiro, diretor de
Amarelo Manga, Baixio das Bestas e Febre do Rato. 4.Cosmético que se aplica nos lábios. 5.Sigla de
Maranhão – Impulso, sentimento de energia e entusiasmo. 6.Verbo “crer”, em espanhol – Principal
deus da mitologia nórdica – Sigla de Rio de Janeiro. 7.Membrana que envolve o feto – Divindades
como Artêmis, Atenas e Afrodite. 8.Alienígena – Capital da Espanha – Programa de Aceleração do
Crescimento, lançado em 2007. 9.Aguardente de cana – Maneira popular de chamar a vontade desenfreada de comer que surge após fumar maconha – Religião monoteísta baseada no Alcorão. 10.País
latino-americano que, a partir do dia 5 de abril, conta com uma base militar dos Estados Unidos no
seu território – Segundo a lenda, os “Cavaleiros da (?) Redonda” reuniam-se em volta dessa espécie de
mesa, propositalmente sem cabeceira, para representar a igualdade de seus membros. 11.Continente
com 54 países – (?) Gomes, cacique Guarani-Kaiowá, que teve seu corpo levado por pistoleiros, após
ser executado em novembro de 2011, durante ataque ao Tekoha Guaiviry, no Mato Grosso do Sul –
Que tem asas.
américa latina
de 12 a 18 de julho de 2012
“Não há nenhuma intenção de
regressar ao capitalismo”
ENTREVISTA Deputado e pastor cubano
comenta o momento de mudanças e o
papel da religiosidade na ilha
13
Pepe Lopex/cc
Renato Godoy de Toledo
da Redação
O reverendo Raúl Súarez, 77 anos, é
um dos principais personagens ecumênicos da Revolução Cubana. O pastor batista – membro do parlamento cubano desde 1993 – é considerado um dos responsáveis pela flexibilização do Estado cubano em relação à religiosidade. Por um
longo período, desde 1959, os dirigentes
do Partido Comunista não admitiam as
práticas religiosas no país, muito menos
a presença de religiosos na agremiação.
Súarez participou de conversas com Fidel Castro, que foi se convencendo do poder de mobilização da religião, sobretudo
após visita a um encontro das Comunidade Eclesiais de Base no Brasil, em 1990.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Súarez relata como sua trajetória religiosa
encontrou-se com os ideais políticos da
revolução cubana. O pastor também comenta o momento atual de Cuba, que
passa por mudanças para “aperfeiçoar o
socialismo”.
“Não tenho contradição entre
ser um pastor ativo, fiel à minha
vocação pastoral, e em me
posicionar ao lado da revolução”
Como foi a evolução da relação
entre a revolução cubana e a
religiosidade no país?
A partir de 1984, a história me proporcionou um encontro com Fidel Castro.
Ali se inicia uma plena consciência de
que unidos à revolução, poderíamos superar as contradições entre marxistas e
cristãos, tudo pela unidade nacional.
Nesse ano, preparei uma atividade
em homenagem a Martin Luther King,
como secretário-executivo do Conselho
Ecumênico de Cuba, em que defendemos a candidatura do Reverendo Jesse
Jackson à presidência dos Estados Unidos. Nesse ato, Fidel compareceu. Participei do jantar que Fidel ofereceu a Jackson e tive uma conversa de três horas com ambos. Fidel nos presenteou
com o livro “Fidel e a Religião”, de Frei
Betto, que ainda não havia sido publicado. Com o propósito de que percebêssemos qual era seu pensamento em relação à religião, que não era um dogmático. Foi um reconhecimento de que não
tinha nenhuma restrição com o símbolo, como ele disse, que é Jesus Cristo. Após esse encontro, iniciou-se uma
nova etapa entre a revolução e a igreja.
Walfrido Lopez Rodriguez/cc
Brasil de Fato – Para iniciar,
poderia contar um pouco sua
trajetória como pastor batista e
o seu encontro com os ideais da
revolução de 1959?
Raúl Súarez – Vivi 24 anos no sistema capitalista de Cuba. Em 1953, com
18 anos, pela primeira vez ouvi o nome
de Fidel Castro, quando do assalto ao
Quartel de Moncada. Desde então, minha simpatia por seus ideais se iniciou
e permanece até hoje. Quando a revolução triunfa em 1959, iniciei minhas atividades como pastor, em um setor bastante pobre do país, a Península de Zapata. Participei da ajuda aos feridos da
invasão mercenária do país, na Baía dos
Porcos. Posso dizer que não estava preparado bíblica e politicamente para viver uma revolução comandada por pessoas que não eram da igreja e, em sua
maioria, eram marxistas que queriam
implementar o socialismo.
No entanto, por minha origem social,
em meio aos trabalhadores rurais, algo como os sem-terra do Brasil, um setor muito pobre, meu coração sempre esteve ao lado da revolução, pela obra humanitária de justiça social para todos os
cubanos.
Então, havia uma contradição entre
um coração que respondia à minha origem social e uma racionalidade que respondia à formação teológica por missionários estadunidenses. Foi um processo agônico, conflituoso, tenso. Mas,
em 1971, senti a necessidade de mudar
de minha pastoral para iniciar uma nova pastoral com uma base bíblica e teológica mais fortalecida e aberta, contextualizada. Por outra parte, a interpretação que alguns setores da revolução faziam do marxismo-leninismo, criava dificuldades para se tomar uma consciência. Era muito dogmática e sectária, influenciada pelos manuais soviéticos sobre o tema da fé cristã e da revolução.
Por um longo período, desde 1959, os dirigentes do partido comunista não admitiam as práticas religiosas no país
lismo do Estado. Não houve críticas ao
socialismo e à revolução.
Então surge uma proposta de alinhamento econômico e social. Agora estamos em fase de implementação dessas
demandas apontadas no processo de discussão. Por outro parte, se leva a cabo a
descentralização do Estado, com menos
ministérios, menos burocracia. E a eliminação de algumas decisões verticais e a
atribuição de mais poder aos municípios
e comunidades, que terão mais autonomia e responsabilidades.
É uma reconsideração do projeto socialista e do projeto econômico.
“Por ser globalizado, o
capitalismo atinge os
países pobres e Cuba não
está imune a isso. Temos
poucos recursos”
Em 1990, Fidel vem ao Brasil na posse de Fernando Collor e se impressiona com um encontro com cerca de 4 mil
delegados de Comunidades Eclesiais
de Base. Nessa época, a União Soviética já dava indícios de que desapareceria, e amigos e inimigos da revolução
pediam que Fidel fizesse o mesmo movimento que se desenhava no Leste Europeu, ou seja, uma transição ao capitalismo. Nesse encontro, as canções, consignas e as leituras da bíblia eram solidárias com Cuba e pediam a Fidel que
se mantivesse firme com a revolução e
o socialismo.
Após seu regresso a Cuba, reunimo-nos com muito mais pessoas, por nove
horas e, a partir dessa reunião, o Partido Comunista fez uma nova interpretação em relação à política. Em seu 4º Congresso, em relação à igreja, eliminou os
impedimentos à religiosidade no país e
as barreiras para que os religiosos fossem membros do Partido.
Formulou-se também uma nova lei
eleitoral e, em 1993, a Central do Trabalhadores de Cuba me indicou como deputado, pelo papel que o movimento ecumênico estava desempenhando na unidade dos cubanos. Então, desde lá até
hoje, sou membro do parlamento cubano
e da comissão de relações internacionais.
Não tenho contradição entre ser um
pastor ativo, fiel à minha vocação pastoral, e em me posicionar ao lado da revolução e um sentimento de pertencimento
ao processo revolucionário.
Cubadebate
Reverendo Raul Suaréz, deputado cubano
Como o senhor avalia o processo
de mudanças que Cuba vive no
momento. Com a renovação
dos quadros e a chamada
atualização do socialismo?
Eu creio que a situação atual de Cuba
e sua definitiva convicção de que se deve reorientar a política e a economia é
parte de um processo revolucionário.
A revolução não é um projeto petrificado, congelado no passado, não é um
museu, mas um movimento. A situação que vive a humanidade, com crises
econômicas, ecológicas, é resultado de
um sistema globalizado capitalista, que
não é mais sustentável. Por ser globalizado, o capitalismo atinge os países pobres, e Cuba não está imune a isso. Temos poucos recursos. As conquistas sociais de Cuba foram alcançadas em um
momento propício.
“A revolução não é um
projeto petrificado,
congelado no passado,
não é um museu, mas um
movimento”
Fidel, antes da doença, disse: “não há
bloqueio estadunidense que possa derrotar a revolução, só nós mesmos podemos o fazer”. Aí ele desenvolve um
resumo do que é a revolução, como um
decálogo, que reflete a essência do pensamento de Fidel e do pensamento ético revolucionário do povo cubano.
Ele afirma que temos que mudar tudo
o que deve ser mudado, sem pular etapas e sem copiar qualquer modelo estrangeiro. Não levamos a cabo o modelo chinês, soviético, vietnamita. Estamos dispostos a aprender com todos,
como disse Raúl Castro, mas o nosso
projeto deve nascer do contexto cubano, caribenho e latino-americano. Esse
processo se leva a cabo com a participação ativa do povo. Iniciou-se um debate em toda a sociedade, incluso as igrejas. Mais de 7 milhões de pessoas participaram, sendo que 1,5 milhão expuseram suas demandas. Disso, criou-se um diagnóstico em que apareceu a
angústia, as críticas e as esperanças do
povo. As principais críticas eram referentes à burocracia do país, o centra-
Há uma leitura feita pela
imprensa internacional de
que essas transformações
seriam parte de uma
transição ao capitalismo. O
que o senhor pensa desta
avaliação?
Foi interessante o discurso de Raúl
Castro quando tomou posse. “Não fui
eleito para destruir o socialismo, mas para aperfeiçoá-lo”. A intenção é essa, colocá-lo em seu tempo e espaço sobre uma
base econômica que sustente e que se siga adiante o processo ético de igualdade
e justiça.
Não há nenhuma intenção de regressar ao capitalismo. O povo, nos debates,
nunca critica o socialismo. Critica os erros que se cometem na construção do socialismo.
Como membro da Comissão
de Relações Internacionais do
parlamento cubano, como o
senhor avalia o atual momento
da América Latina? Depois
de um período de surgimento
de governos mais à esquerda,
parece que há uma interrupção
dessa tendência, com o golpe
de Estado no Paraguai, a
eleição de Piñera no Chile e
a volta do PRI ao poder no
México...
O governo de Bush foi bruto, torpe.
Com os problemas internos e as guerras, deu pouca importância para a situação da América Latina. Mas Obama é um
presidente astuto e inteligente. É um filho do sistema. Mudou o motorista, mas
o carro segue sendo o mesmo. Continua
sob o controle da indústria bélica e das
grandes transnacionais. Continuam as
demandas de construção de bases militares em regiões estratégicas de fonte de
água e petróleo.
Iniciaram, em Honduras, uma nova
maneira de retomar a América Latina como quintal dos Estados Unidos. Tentaram dar um aspecto legal ao golpe. Agora, no caso do Paraguai, está comprovado que militares dos EUA conversaram
com políticos paraguaios sobre a possibilidade de se instalar uma base militar na
região do Chaco, uma região miserável,
mas estratégica.
Há uma política imperialista que visa impor eleitoralmente, com fraudes ou
sem fraudes, governos de direita.
14
américa latina
de 12 a 18 de julho de 2012
Três anos do Golpe de Estado
Honduras Cerca de
um milhão e meio de
pessoas saíram às ruas de
Honduras em reivindicação
ao regresso da democracia,
no terceiro aniversário do
golpe que derrubou o expresidente Manuel Zelaya
Ignacia Lemur
Julia Nassif e Ignacio Lemus
de Tegucigalpa (Honduras)
No dia 28 de junho, 18 estados de Honduras foram testemunhas da maior manifestação desde o golpe de Estado nesse
país. Em meio a uma crise em relação aos
direitos humanos, organizações sociais e
partidos opositores ao golpe insistem na
ilegitimidade do atual governo de Porfirio Lobo Sosa, denunciam a contínua
perseguição e crimes de Estado e confiam que, nas eleições presidenciais do
próximo ano, a articulação da resistência derrotará a ditadura político-militar.
“Éramos cerca de um milhão e meio
de pessoas nas ruas, foi excepcional em
nível nacional. Nunca tinha visto tanta
gente em uma mobilização, fiquei emocionado por todo esse apoio”, relata Gilberto Rios Munguía, secretário internacional da Frente Nacional de Resistência Popular, partido opositor ao governo golpista.
Entre as reivindicações, os manifestantes também expressaram seu repúdio à
recente assinatura do Acordo de Associação (ADA), tratado de livre comércio entre América Central e a União Europeia,
e não esqueceram o golpe de Estado que
teve lugar no Paraguai nos últimos dias:
“Já tínhamos advertido que, em Honduras, estava em jogo a saúde da América
Latina”, lamentou Ríos Munguía.
Por sua parte, Xiomara Castro, candidata do partido Liberdade e Refundação
(LIBRE) rumo às eleições presidenciais
no próximo ano e esposa de Manuel Zelaya, presidente deposto pelo golpe militar em Honduras, reafirmou no aniversário do do golpe, a importância da mobilização no caminho ao regresso da democracia no país: “Honduras virou exportador do sistema de golpe de Estado e demostrou que não existem organismos internacionais multilaterais que possam
garantir a democracia. Por isso, é importante que a população faça força”.
Honduras virou exportador
do sistema de golpe de
Estado e demostrou que
não existem organismos
internacionais multilaterais
que possam garantir a
democracia
Ditadura
Em 2008, Honduras, o segundo país
mais pobre da América Latina passava a integrar a Aliança Bolivariana para
as Américas (Alba), uma plataforma na
qual o país poderia impulsionar os projetos de desenvolvimento endógeno que
lhe permitissem sair da subordinação às
políticas neoliberais dos bancos internacionais.
Porém, um golpe de Estado estimulado pelas Forças Armadas hondurenhas,
em cumplicidade com a oligarquia nacional e a embaixada dos Estados Unidos, interrompeu o projeto político de
Manuel Zelaya e, apesar do amplo repúdio da diplomacia internacional, o então
presidente do Congresso, Roberto Micheletti, tomou o poder.
Cinco meses depois, o atual presidente Porfirio Lobo Sosa assumiu a presidência como consequência de uma eleição administrada pelas mesmas figuras que tinham iniciado o golpe de Estado. Em protesto, a maioria dos candidatos da oposição não participou da eleição, enquanto os observadores internacionais, com exceção do Instituto Democrático Nacional e o Instituto Republicano Internacional (ambos financiados pelos Estados Unidos), boicotaram
o processo.
Hoje, os países que fazem parte da Alba não reconhecem o novo governo. Por
outro lado a OEA (Organização dos Estados Americanos), a quem o cubano Fidel Castro define como “o ministério de
colônias dos Estados Unidos”, deu seu
apoio à gestão do Porfirio Lobo Sosa.
A União Europeia também mostra indiferença pelos crimes de Estado em
Honduras e longe de se distanciar do
governo de Porfirio Lobo, assinou um
tratado de livre comércio com a América Central, justamente no dia do aniversário do rompimento da institucionalidade democrática hondurenha por meio
do golpe de Estado.
ras: “Quando se casaram os filhos do rei
da Espanha, Freddy Nasser lhes emprestou seu grande iate nas Bahamas. Ele é o
genro de Miguel Facussé, o maior empresário de hidroelétricas na América Central. Por algumas coisas de magia, esses
empreendimentos impulsionados desde
o exterior, sempre caem nas mãos dele”.
E agrega: “É uma rede articulada entre militares mafiosos da Escola das
Américas, empresários, a Igreja Católica e políticos mafiosos e narcotraficantes, a serviço do império: transnacionais
como Burguer King que não pagam impostos, empresas de combustíveis, empresas de turismo. Honduras é Open for
bussiness! Um país prostituído e presenteado para os grupos estrangeiros do
jeito mais canalha e selvagem, tirando
os Garifunas, indígenas e camponeses
de suas terras”.
Plano Colômbia
No final de junho uma manifestação que reuniu centenas de pessoas demonstrou o repúdio da população contra três anos de golpe
Desaparecimentos e assassinatos
Hoje, Honduras é o segundo país mais
violento do mundo, somente atrás do
Iraque, invadido por tropas dos Estados
Unidos. Em 2011, segundo o Observatório da Violência, o país de América Central registrou 7,104 homicídios: 86,5 entre cada 100 mil habitantes.
A COFADEH (Comitê de Familiares
Desaparecidos em Honduras, tradução
livre), principal organização de Direitos
Humanos no país, confirma que no mínimo 34 membros da oposição desapareceram ou foram assassinados, enquanto
que 300 pessoas foram mortas pelas forças de segurança do Estado, a maioria no
golpe, e logo com o aumento da violência de Estado.
Movimentos sociais, organizações e
partidos políticos da oposição afirmam
que as vítimas excedem esses números
e denunciam a contínua perseguição por
parte do governo de Porfirio Lobo.
Já são 29 os jornalistas assassinados
desde o golpe, 24 durante o regime de
Porfirio Lobo. Um episódio significativo é a recente aparição do corpo morto
do jornalista Alfredo Villantoro, com os
olhos vendados com um lenço vermelho
e vestindo um uniforme do Esquadrão
Cobra da Polícia Nacional. Até o momento, nenhum desses crimes foi resolvido
pela justiça hondurenha.
Outro caso paradigmático é a morte de
361 detentos no presídio de Comayagua,
a 90 quilômetros ao norte de Tegucigalpa, também durante o governo de Porfirio Lobo. As responsabilidades do Estado hondurenho não se resumem somente à manutenção dos presídios, já que a
maioria dos detidos não tem sentença.
Apesar dos fatos, a Corte Suprema
hondurenha suprimiu a responsabilidade dos militares golpistas que derrotaram o ex-presidente Manuel Zelaya,
mesmo tendo sido reconhecidas oficialmente pela Comissão da Verdade no
país. Guillermo Ríos Munguía comenta que não há nenhum avanço em matéria de direitos humanos e de democracia
com o novo governante Porfirio Lobo: “A
Comissão da Verdade deu mais de 87 recomendações à República, mas o Estado
se omitiu, mesmo que esta comissão haja denunciado, além de golpe de estado,
assassinatos políticos ocorridos durante
a ditatura de Micheletti e de Porfirio Lobo. Não há nenhum processo legal contra os assassinos ou contra as pessoas assinaladas pela Comissão”.
Já são 29 os jornalistas
assassinados desde o golpe,
24 durante o regime de
Porfirio Lobo
Golpe neoliberal
O Programa Mundial de Alimentos (PMA) registrou que, em Honduras,
24,7% (300 mil) das crianças sofre de
desnutrição. Rene Amador, dirigente sindical exiliado depois do golpe de Estado,
confronta a estatística: “Eles repartem
o queijo como querem. Acreditam que
as condições de pobreza têm diminuído com o golpe? Nem no governo de Mel
Zelaya aconteceu isso, com 5% de crescimento econômico e medidas assistencialistas”, explica.
Segundo ele, o modelo econômico
do atual governo sempre vai aprofundar as crises alimentícias: “Honduras é
uma fábula para aquele que investe, hoje você investe 100 lempiras e amanhã
você terá 10 ou 15 vezes mais. O sistema de exploração capitalista é um problema de raiz. Em países como Colômbia e Honduras, se semeia o capitalismo
mais selvagem. Matam a quem tiverem
que matar!”, denuncia.
Os grandes beneficiados do modelo
econômico hondurenho são umas poucas famílias de origem judaica que chegaram a Honduras desde os países árabes durante os anos de 1940 e 1950.
Elas controlam o 40% do PIB em um
país com 70% da população em situação de pobreza.
Amador adverte que não é por acaso
que essas famílias estejam vinculadas a
interesses do neoliberalismo em Hondu-
“Bem-vindos sejam os soldados estadunidenses”, declarou em 2011 o general René Osorio, chefe do Estado Maior
Conjunto das Forças Armadas de Honduras, elogiando, os Estados Unidos por
manter centenas dos seus soldados no
território hondurenho.
Meses depois, durante uma “operação antidrogas”, uma flotilha de helicópteros das tropas estadunidenses
disparou com metralhadoras sobre um
grupo de pescadores indígenas da etnia
Misquita, que habita no departamento
de Gracias a Dios. Sete pessoas foram
feridas e quatro mortas, duas delas estavam grávidas.
Por sua parte, no aniversário do golpe militar, ao lembrar sua saída de Honduras, Manuel Zelaya insistiu na participação dos Estados Unidos: “Otto Reich, Robert Carmona e Washington planejaram o golpe. Quando eu tentei solucionar os problemas ancestrais do país,
eles criaram a crise. Fizeram o mesmo
com [Fernando] Lugo!”, denunciou o
ex-presidente.
Israel capacita a polícia nacional
na sua organização doutrinária e
ideológica, para confrontar com o
processo bolivariano de liberação pela
democracia latino-americana
Os estadunidenses aproveitam a ocasião. Gilberto Ríos Munguía explica que
o narcotráfico colombiano tem uma incidência política muito importante no seu
país. Para ele se trata de uma “Uribização” do processo político hondurenho,
porque faz lembrar o fenômeno da violência e assassinatos de dirigentes políticos na Colômbia e têm as mesmas características de tráfico de drogas e sicários controlados pelo Estado e cartéis colombianos.
“Os cartéis têm uma função geopolítica mundial. Israel capacita a polícia nacional na sua organização doutrinária e
ideológica, para confrontar com o processo bolivariano de liberação pela democracia latino-americana. Aqueles cartéis representam a direita internacional”,
agrega Ríos Munguía.
Resistência popular aumenta no país
Hablaguete/cc
Novo cenário
gera expectativas
para as eleições
de 2013
de Tegucigalpa (Honduras)
A Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP), coalizão opositora ao governo golpista nascida imediatamente a
partir do golpe de Estado, não admite
como legítima a eleição de Porfirio Lobo, mas escolheu o caminho democrático e pacífico para retomar o governo.
O avanço das políticas neoliberais sobre os direitos dos trabalhadores, a perseguição, repressão e assassinato de líderes políticos e jornalistas levados a
cabo pelo atual governo, em lugar de assustar a população, geraram uma polarização em sua consciência.
Sem esquecer a dureza do golpe para
Honduras, o secretário internacional do
FNRP, Gilberto Rios Munguía assegura
que a atuação do Estado acaba “jogando em nosso favor (do FNRP), já que a
grande maioria da população hoje faz
parte da Frente Nacional de Resistência Popular e essa é sua opção política”.
Eleições 2013
Em 2013, acontecerá a eleição geral em
Honduras, onde se enfrentarão o Parti-
Xiomara Castro, esposa de Mel Zelaya, lança sua candidatura pelo Partido Liberdade e Refundação (LIBRE)
do Liberdade e Refundação (Libre), coalizão da resistência, em disputa com os
dois partidos da oligarquia hondurenha:
Partido Nacional e Partido Liberal.
O Libre se caracteriza por reunir as
diversas forças de oposição ao golpe de
Estado, agrupando distintas ideologias
do setor progressista em busca de alcançar o reestabelecimento de um governo democrático. Para a eleição presidencial, foi lançada a candidatura de
Xiomara Castro, esposa de Mel Zelaya.
Para Gilberto Ríos Munguía, sua candidatura tem grande importância no
país, também pelo fato de ser uma mulher, representante de um setor historicamente excluído. O Partido Libre garante em seu estatuto 50% de cargos femininos apresentados à eleição, além
de 25% de cargos para jovens.
O amplo apoio popular à articulação
da oposição à ditadura em Honduras,
no terceiro aniversário do golpe militar,
gera expectativas rumo às eleições de
2013, vistas como ponto mais significativo do “processo revolucionário pacífico” pelo regresso à democracia no país.
(JN e IL)
américa latina
de 12 a 18 de julho de 2012
15
“Dói ver o que aconteceu lá dentro”
Ignacia Lemur
Exílio hondurenho
Cerca de 300 pessoas
tiveram que deixar o
país hondurenho para
proteger suas vidas
Julia Nassif e Ignacia Lemur,
de Tegucigalpa (Honduras)
Em três anos de ditadura político-militar, já se confirmaram 300 pessoas
que tiveram que deixar o país para proteger suas vidas. Esse é o caso de Rene
Amador, militante da organização política Los Necios, envolvida com a formação
de jovens em sindicatos e com representação no Bloco Popular, que era uma das
instâncias mais perseguidas em Honduras. Além disso, estava organizado com
o projeto de Manuel Zelaya e a Frente
de Resistência Popular, que esteve com
força nas manifestações populares pré e
pós-golpe.
Juntamente com seu irmão gêmeo,
Guillermo, desempenhava duas funções
no Bloco. A primeira estava relacionada
ao sistema de segurança, no qual rastreava a existência de policiais infiltrados
que pudessem, de alguma forma, sufocar
ou evitar a organização das mobilizações
populares. Por outro lado, também distribuía panfletos nas manifestações.
“E então começaram a colocar estas
pessoas sem piedade nas listas. Como
Honduras é um país pequeno, de alguma maneira familiar, nos chegou a informação de que estávamos em uma lista, junto a mais 200 pessoas, para serem
assassinadas”.
Rene Amador, militante da organização política Los Necios, que envolve formação de jovens em sindicatos
Rene conta como, depois do golpe,
se viu obrigado a sair de Honduras,
principalmente após a conclusão do
documentário “Quem disse medo?”
A cara de Rene ficou conhecida depois de participar de spots publicitários da Cuarta Urna – a consulta popular do então presidente Zelaya sobre
a instalação da Assembleia Nacional
Constituinte para a criação de uma nova Constituição. A partir desse episódio
foi perseguido e teve seu carro quitado.
Cometeram crimes na tentativa de incriminar a Rene, as quais mais tarde,
foram rebatidas pela Defensoria de direitos humanos. Chegou a fugir de uma
operação policial dentro da capital Tegucigalpa, com medo de ser detido ou
mesmo morto.
Rene conta como, depois do golpe, se
viu obrigado a sair de Honduras, principalmente após a conclusão do documentário “Quem disse medo?” – disponível
na internet – da diretora Katia Lara, de
2010, que tem como protagonista Rene,
acompanhando as manifestações públicas de resistência ao Golpe. “Saí de Honduras três meses depois do Golpe. Já era
irrespirável, nos tinham na mira. Minha
família vivia praticamente na região do
distrito policial, onde estava a máfia mais
crua que descobriram há pouco tempo.
Esta máfia pratica extorsões, esta que sequestra, esta que tortura, esta que assassina.” Era o limite. Rene Amador saiu de
Honduras e foi acolhido por companheiros em El Salvador e, em seguida, Ams-
terdã, Holanda. Hoje vive em Madri, Espanha, na condição de exilado político.
Guillermo, seu irmão gêmeo, seguiu outro caminho, e desde sua partida luta para conseguir o status de exilado político
na Argentina.
Saí de Honduras três
meses depois do Golpe.
Já era irrespirável, nos
tinham na mira
Sem trabalho e com pouca ajuda, Rene
tenta encontrar parceiros para difundir
a realidade do povo hondurenho e também denuncia o abandono aos exilados.
Ele conta que até hoje não foi possível criar uma rede ou mesmo uma estatística real sobre a quantidade de compatriotas que se sentiram obrigados a
deixar o país: “Houve um esquecimento dos exilados e nessa questão faço
um chamado à parte internacional da
Frente Nacional de Resistência Popular
(FNRP), para que direcione alianças políticas e sociais com outros países, com
as organizações que estão em cada país,
para que possam dar uma mão aos companheiros exilados”. Para ele, a união e
o contato entre os exilados é uma ferramenta importante para a restauração da
justiça, da paz e do esclarecimento da
verdade em Honduras.
“Não estou dentro [dessa luta] porque não há condições para que me permitam. Mas o povo tampouco as tem.
O exílio é duro e isso me atingiu. Eu tive a sorte de ter muitos companheiros e
companheiras que me deram uma mão,
sem isso eu estaria vivendo na rua. Mas
dói ver nossa terra, dói ver o que acontece lá dentro e nós estamos do lado de
fora. Alguém nesse país tem que dar um
belo exemplo de justiça, por favor, já
não podemos seguir nisso!”.
Golpe no Paraguai
Três motivos, um indício. E depois?
OPINIÃO A receita
batida para derrubar
um governo
democrático latinoamericano: articulação
do imperialismo via
Washington e grandes
corporações
Silvia Beatriz Adoue
Em setembro de 2009, o presidente paraguaio Fernando Lugo rompeu o
convênio que mantinha 500 militares
dos Estados Unidos desde 2006, numa
base militar no território do país, com
imunidade semelhante à dos diplomatas. Em agosto de 2011, houve uma reunião entre 21 generais estadunidenses
e a Comissão de Defesa Nacional, Segurança e Ordem Interna da Câmara
dos Deputados. E o presidente da Comissão, o deputado José López Chávez,
se manifestou publicamente a favor da
instalação de uma base militar na região do Chaco paraguaio. O argumento do parlamentar é que a Bolívia ameaçaria a segurança do Paraguai “com sua
carreira armamentista”.
Em outubro de 2011, a Monsanto
conseguiu que o Ministro de Agricultura e Pecuária, Enzo Cardoso, liberasse uma semente de algodão transgênico. Mas Miguel Lovera, chefe do Serviço Nacional de Qualidade e Saúde Vegetal de Sementes (Senave), recusou
seu registro.
Desde 2009, a empresa canadense Rio Tinto Alcán vem pressionando
o governo paraguaio para que este lhe
venda energia a preço subsidiado, como
condição para instalar uma planta de
produção de alumínio no país. O Ministro de Indústria e Comércio, Francisco
Rivas, se manifestou favorável ao acordo. O presidente Lugo era contrário.
O golpe no Paraguai se inscreve den-
tro desse marco. Depois do golpe: Francisco Rivas foi confirmado no seu cargo por Federico Franco, presidente empossado após a derrubada de Lugo. Miguel Lovera foi destituído e uma nova
equipe ocupa o Senave.
Indício
A burguesia paraguaia, carente de
“solidariedade orgânica”, demonstrou-se incapaz, desde o pós-guerra da Tríplice Aliança até agora, de renunciar a
seus interesses de setor em função do
interesse comum como classe. Não tem
capacidade operativa para agir no sigilo,
de maneira sincronizada e com coesão
interna. Desde o fim da ditadura de Alfredo Stroessner, não tem centro político próprio com tradição e com autoridade suficiente para se impor ao resto dos
grupos políticos e econômicos.
E o presidente da
Comissão, o deputado
José López Chávez, se
manifestou publicamente a
favor da instalação de uma
base militar na região do
Chaco paraguaio
Que mágica fez com que organizasse
uma operação como a matança de Curuguaty, levasse adiante a campanha midiática para apontar o presidente Lugo como responsável e conseguisse destituí-lo em 30 horas de ação parlamentar? É um curioso mecanismo de relojoaria, sem contradições internas, sem desvios, sem demoras, sem passos em falso.
E nos faz pensar que havia um plano bem
definido e um operador externo com autoridade suficiente para levá-lo adiante.
Para identificar esse operador, talvez
seja suficiente olhar para os primeiros
governos que reconheceram o resultado
do processo sumário: o Vaticano, Alemanha, Canadá, Estados Unidos.
Solidão
Dos governos que vêm tentando integrar econômica e politicamente a região de maneira mais ou menos autônoma dos países centrais, o de Fernando
Lugo tem sido o mais timorato. Vindo
das fileiras da igreja católica e vinculado aos movimentos populares do campo, Lugo não conseguiu articular alianças estáveis dentro das instituições. E
lhe faltou ousadia para agir para além
das articulações palacianas, se apoiando na mobilização popular que as organizações camponesas desenvolveram
durante todo o período do seu governo.
Acenou-se com a reforma agrária, cedeu terreno institucional aos inimigos declarados dos camponeses e desencorajou a ação direta dos trabalhadores. Isolado dentro das instituições,
sem disposição de governar se apoiando na mobilização popular, sem qualidades de organizador político, ficou no
meio do caminho.
Foi só depois do aceno dos governos
da região que Fernando Lugo se animou a formar um gabinete paralelo,
mais atento aos aliados externos do que
aos movimentos populares, para quem
não ofereceu qualquer papel protagonista em seus anos de mandato.
Articulações
A ação política dos países do Mercosul que suspende o Paraguai terá efeitos
amortecidos, sem a contundência imediata que teriam medidas de bloqueio
econômico, pela estreita relação comercial do país com a região.
Por outro lado, no dia 6 de junho foi
lançada a Aliança do Pacífico, que reúne México, Colômbia, Peru e Chile. A ausência do Equador aponta para
o alinhamento geopolítico desse acordo. É uma articulação que pretende recuperar a iniciativa depois do fracasso
da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e dos esforços da integração
por fora dos interesses dos países centrais como o Mercosul ou os que surgiram no seio do bloco da Aliança Bolivariana pelos Povos de Nossa América (Alba), como a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Cúpula da Unida-
de da América Latina (Celac) e do Caribe. Esta nova articulação econômica caminha no mesmo sentido que o governo
golpista. E coincide com os planos de articulação militar alinhavados pelos Estados Unidos. Há mais de 20 bases militares do Comando Sul dos Estados Unidos, das quais três estão na Colômbia.
No Cone Sul possui apenas uma, que foi
aberta recentemente em território chileno. Houve uma iniciativa para instalar
uma “base de atendimento a emergências” no aeroporto da província de Chaco, na Argentina, perto da Tríplice Fronteira. A tentativa foi um acordo entre o
Coronel Edwin Passmoore com o governador provincial, Jorge Capitanich.
Desde o fim da ditadura de Alfredo
Stroessner, não tem centro político
próprio com tradição e com autoridade
o suficiente para se impor ao resto dos
grupos políticos e econômicos
A presidenta Cristina Kirchner interveio para abortá-la. O lugar apontado
para instalar uma base militar do Comando Sul no Paraguai é o município de
Mariscal José Félix Estigarribia, no Chaco paraguaio, onde já há infraestrutura construída. O local fica a 300 km da
fronteira com Brasil, e a 200 km da Argentina e da Bolívia.
E o povo paraguaio?
Durante todo o período do governo
Lugo, os camponeses paraguaios não
deixaram de lutar. Ocuparam terras, resistiram nos seus territórios, se articularam nacionalmente, constituíram redes
de comunicação comunitária. Não encontraram em Lugo um centro organizador que catalizasse a experiência que
estavam fazendo. Agora, precisam dobrar os esforços para defender o conquistado, não dar brechas para golpearem suas organizações, e agir de maneira articulada.
16
internacional
de 12 a 18 de julho de 2012
Yasser Arafat foi envenenado?
oriente médio
Um elemento altamente
radioativo, o polônio
210, foi encontrado nas
roupas usadas pelo líder
palestino pouco antes de
sua morte. A descoberta
vem provocando
indignação e revolta no
mundo árabe
World Forum Economic/cc
Bernadette Siqueira Abrão
Correspondente no Oriente Médio
A rede de televisão Al-Jazeera, sediada no Qatar e líder de audiência nos países árabes, revelou em 3 de julho o resultado de nove meses de investigações sigilosas que envolveram a viúva de Arafat, Suha, e pesquisadores do Instituto de Radiofísica de Lausane, na Suíça.
A revelação caiu como uma bomba – e
poucas vezes esse jargão correspondeu
tanto à realidade – no Oriente Médio,
causando uma onda de revolta, indignação e acusações.
A Tunísia, em 4 de julho, propôs à Liga Árabe uma reunião de urgência para
analisar as circunstâncias da morte de
Arafat. No mesmo dia, o secretário-geral
da organização, Ahmed Ben Helli, reuniu a mídia para dizer que a proposta fora repassada aos Estados-membros, que
devem determinar como tratar do caso, “em coordenação com os palestinos”.
Em Ramala, Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), solicitou à comissão palestina
que há anos investiga as causas da doença e da morte de Arafat, que “acompanhe todos os relatórios e informações e
procure ajuda entre especialistas árabes
e estrangeiros para descobrir a verdade”,
segundo Nabil Abu Rudeineh, porta-voz
de Abbas.
O diretor da comissão, Tawfik Tirawi,
declarou que sua equipe já encontrara
“inconsistências sobre a causa da morte de Arafat”, mas que não conseguiu ir
adiante porque “trabalhar sob ocupação
limita nossa capacidade investigativa”.
De acordo com ele, a Al-Jazeera facilitou a tarefa da comissão ao trazer à luz a
substância, o polônio 210, que possivelmente matou o líder palestino. Uma autópsia, diz Turawi, pode estabelecer o nível do envenenamento, para confirmar a
causa da morte.
“É preciso apurar quem
foi o responsável [pelo
crime], envolver instituições
internacionais e exumar o
corpo, se for necessário”
A suspeita de envenenamento do líder palestino, Yasser Arafat, pioram ainda mais a imagem dos governantes de Israel
Uma autópsia, diz Turawi,
pode estabelecer o nível
do envenenamento, para
confirmar a causa da morte
François Bochud, diretor do Instituto
de Radiofísica de Lausane, confirmou à
Al-Jazeera, no documentário levado ao
ar em 3 de julho, “uma elevada, inexplicável e insuportável quantidade de polônio 210 nos fluidos biológicos encontrados nos objetos pessoais do sr. Arafat”. Essa declaração levou Suha Arafat, 48 anos, a pedir a exumação dos restos mortais do marido, guardados num
tranquilo mausoléu coberto de calcário
ao lado da Muqata, a sede da ANP em
Ramala.
“Não há nenhum motivo político ou
religioso que impeça novas investigações, incluindo a exumação do corpo [de
Arafat] por grupos especializados e de
confiança, e com aprovação da família
Arafat”, declarou Abu Rudeineh, o porta-voz de Abbas, acrescentando que a
ANP tomará todas as medidas necessárias para descobrir a verdade.
A primeira dessas medidas dá a dimensão da fragilidade das autoridades
palestinas dentro de seu próprio país.
Ciente das dificuldades criadas pela ocupação sionista, Abbas pediu, em 4 de julho, uma “investigação internacional”
sobre o caso. Ele espera apoio de outros
países e de organizações estrangeiras para a exumação e o envio de fragmentos
do corpo de Arafat ao mesmo instituto
que descobriu a presença do polônio 210
em roupas e objetos do líder morto.
Oito anos de mistério
Yasser Arafat faleceu em 11 de novembro de 2004, aos 75 anos, em consequência de uma doença misteriosa
que, o abateu em menos de um mês. À
época, cogitou-se que ele talvez estivesse com câncer no estômago, leucemia
ou cirrose não alcoólica (como muçulmano, ele não consumia álcool). Também se falou em envenenamento, e essa foi, e é, a possibilidade mais defendida pelos palestinos. O sionista canadense David Frum, diretor da Republican Jewish Coalition (Coalisão Republicana Judaica), ex-autor dos discursos econômicos de George Bush e
recusaram-se a cooperar com a investigação”, afirma Hasan Khreishesh, membro do Conselho Legislativo Palestino e
seu líder em 2004. Ele ajudou a formar
uma comissão especial para levantar informações sobre a doença e a morte de
Arafat. Foram dois meses de sindicância, chefiada por Abdul Jawad Saleh, e
nenhum resultado.
O fracasso se deveu ao fato de que
“as autoridades, a família de Arafat e os
amigos mais próximos recusaram-se a
fornecer informações à comissão”, acusa Khreishesh. “Ashraf Kurd, médico de
Arafat, nada disse, e os médicos egípcio
e tunisiano que cuidaram dele não fizeram declarações porque estavam sob
pressão dos governos de seus países”,
completa ele. De acordo com Khreishesh, esses fatos sugerem que houve
um acordo entre as autoridades da região para esconder os fatos, levando a
investigação a dar em nada.
apoiador confesso do ataque militar ao
Iraque, levantou a hipótese de Arafat
ter sido contaminado com o HIV, o vírus da AIDS, mas os exames feitos na
França deram resultado negativo.
Os médicos que atenderam Arafat no
hospital militar de Percy, na França –
para onde ele foi levado num avião francês, depois de passar três anos sob o cerco do exército sionista – não foram capazes, segundo a versão oficial, de diagnosticar a doença que o vitimou. Declararam apenas que ele sofria de uma
“misteriosa desordem” no sangue. Os
primeiros sintomas apareceram em 25
de outubro de 2004 (mal-estar e vômitos) e em poucos dias provocaram uma
alteração radical em seu estado de saúde. No hospital francês, ele entrou em
coma profundo, com uma hemorragia
cerebral que o levou à morte.
O xeque Taysir Tamimi, chefe do tribunal islâmico da Palestina ocupada,
que se manteve à cabeceira de Arafat e o
viu falecer, afirmou que, ao lavá-lo, quatro horas depois de morto, percebeu que
ele ainda sangrava, “na cabeça e em várias partes do corpo”. Um dos médicos
que cuidavam de Arafat, segundo Tamimi, disseram-lhe que a hemorragia era
um sintoma do envenenamento, que impedia a coagulação do sangue. As ameaças feitas por Ariel Sharon e outras autoridades israelenses a Arafat levaram à
conclusão de que o líder palestino foi envenenado por Israel.
Essa conclusão é compartilhada por
muita gente, dentro e fora da Palestina.
Bassam Abu Sharif, que foi advogado de
Arafat, acusou a ANP de “não cumprir
sua responsabilidade” em determinar as
causas da morte do líder. “Houve muitas
falhas que considero suspeitas, como não
considerar as ameaças de morte que ele
recebeu e não realizar autópsia”, declarou Sharif. Ele acusa a ex-equipe que negociava com Ariel Sharon, primeiro ministro de Israel no início dos anos 2000,
de calar sobre as ameaças feitas por autoridades sionistas, e pediu ao Judiciário
palestino a abertura de uma investigação
sobre a morte do antigo cliente.
O pacto de silêncio
A verdade é que, além da dificuldade
de trabalhar sob a pressão dos ocupantes sionistas, apontada por Tawfik Tirawi, à época houve um pacto de silêncio
que impediu o levantamento da situação. “As autoridades palestinas e árabes
A legislação francesa não permite a divulgação de informações sobre pacientes
em estado grave, nem sobre as causas de
seus possíveis óbitos. Apenas os familiares mais próximos da vítima recebem esse tipo de explicação. Suha, não se sabe
se sob pressão, costumava filtrar as notícias sobre a saúde do marido até mesmo
para a ANP. Nasser Al-Qudwa, sobrinho
de Arafat, foi quem recebeu as mais de
500 páginas produzidas pelos médicos
do hospital militar de Percy sobre o tio
famoso, mas nunca revelou o conteúdo
do documento que lhe foi entregue pelo
Ministério da Defesa francês.
Presidente da Fundação Yasser Arafat, em 5 de julho, Al-Qudwa reuniu-se
com Mahmoud Abbas na França. Depois do encontro, ele declarou que o corpo do tio deve ser exumado para o esclarecimento das verdadeiras causas de
sua morte. Também afirmou que tanto a
família como o povo palestino têm certeza de que Yasser Arafat foi assassinado. E, como depositário do documento
oficial produzido pelos médicos franceses, Al-Qudwa sabe do que fala. “É preciso apurar quem foi o responsável [pelo crime], envolver instituições internacionais e exumar o corpo, se for necessário”, completou ele.
Quem matou Arafat?
Para os palestinos, não há dúvidas: foram os israelenses. Estes, porém, negam
participação no possível envenenamento e na morte de Yasser Arafat. Avi Dichter, que dirigia o Shin Bet, o serviço de inteligência de Israel, em 2004, deu
uma entrevista à Rádio do Exército israelense em 4 de julho, e repudiou as suspeitas de que autoridades sionistas pudessem estar envolvidas no caso. “Arafat tinha muitos inimigos, dentro e fora daqui. Os palestinos sabem investigar
o que acontece em sua casa. Deixe que eles investiguem e descubram”, declarou
Dichter. Silvan Shalom, ministro do Exterior de Israel em 2004, negou, à época,
que seu país tivesse algo a ver com a morte do líder palestino, chamando as suspeitas de “escandalosas e falsas”.
Ambos parecem ter se esquecido de que, em setembro de 2003, depois de um
ataque suicida que matou 15 cidadãos israelenses, as autoridades de segurança de Israel decidiram “remover” Arafat, sem dizer publicamente de que maneira fariam isso. Na mesma época, um jornal israelense publicou uma afirmação
do próprio Avi Dichter de que era melhor “matar Arafat” do que mandá-lo para
o exílio.
Há mais. Em 31 de janeiro de 2002, numa entrevista ao jornal israelense
Ma’ariv, o então primeiro ministro israelense Ariel Sharon declarou estar arrependido de não ter “matado Arafat” quando teve essa chance. Sharon explicou
que havia um acordo para não “liquidar” o líder palestino em 1982, quando Israel invadiu o Líbano e manteve Arafat sob cerco em Beirute. “Pena que não fizemos isso”, disse Sharon, à época ministro da Defesa e um dos responsáveis, segundo o direito internacional, pela segurança dos moradores dos campos de refugiados de Sabra e Chatila, no Líbano. Ele não impediu, porém, que mais de
mil palestinos fossem massacrados, ali, por milícias libanesas cristãs.
Em setembro de 2004, já como primeiro ministro, Sharon afirmou que Arafat teria o mesmo destino de dois líderes do Hamas assassinados naquele mesmo ano. “Agimos contra Ahmed Yassin e Abdel-Aziz al-Rantissi quando percebemos que a hora certa tinha chegado. Vamos operar do mesmo modo em relação a Yasser Arafat, quando sentirmos que é hora. É preciso saber a hora e fazer
o que deve ser feito”, Sharon afirmou.
“O grande beneficiário do crime foram os ocupantes, que visavam punir o presidente Arafat por sua posição em relação às colônias judaicas, considerada radical”, disse Salah al-Bardawill, um dos líderes do Hamas. “Descobrir a verdade
sobre a morte de Arafat é um dever nacional e árabe”, ele afirmou, acrescentando que é preciso saber a verdade para que esse tipo de crime não se repita mais,
e pedindo aos países árabes cooperação para a formação de um processo legal
conjunto contra Israel. (BSA)
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edição 489 do Brasil de Fato