PROPOSTA PEDAGÓGICA PARA O USO DO REDU
ARTICULADO À TFC: INVESTIGANDO SUA
POTENCIALIDADE PARA O ESTUDO DE CONCEITOS
BIOLÓGICOS COMPLEXOS
Sílvia Cardoso1 (SEDUC-PE / UFRPE)
Zélia Jófili 2 (UFRPE)
Ana Maria Carneiro-Leão3 (UFRPE)
Fernanda Brayner-Lopes4 (SEDUC-PE / UFRPE)
Resumo:
A Rede Social Educacional (REDU) é favorecedora do processo ensinoaprendizagem por superar os limites do presencial permitindo que
professores e alunos discutam e compartilhem conhecimentos além dos
muros das instituições. Entretanto, sabe-se que sozinha a tecnologia não
garante inovação na educação, pois é preciso estar associada a uma
proposta pedagógica que propicie a construção significativa do
conhecimento. Este artigo teve como objetivo fazer uma análise teórica da
proposta que articula o uso da REDU aos pressupostos da Teoria da
Flexibilidade Cognitiva (TFC), do Paradigma Sistêmico e do Construtivismo
Crítico visando promover a apropriação de conteúdos complexos e poucoestruturados da Biologia.
Palavras-chave: REDU, TFC, Biologia, Construtivismo crítico, Paradigma
sistêmico.
Abstract:
The Educational Social Network (REDU) is favoring the teaching-learning
process by overcoming the limits of the classroom allowing teachers and
students to discuss and share knowledge beyond the walls of institutions.
However, we know that technology alone does not guarantee innovation in
education, because it has to be associated with an educational project that
provides meaningful construction of knowledge. This article aims to make a
theoretical analysis of the proposal that articulates the use of REDU to the
assumptions of the Cognitive Flexibility Theory, the Systemic Paradigm and
the Critical Constructivism aiming to promote ownership of complex and illstructured contents of biology.
Keywords: REDU, Cognitive Flexibility Theory, Biology, Critical
constructivism, Systemic paradigm.
Introdução
O desenvolvimento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e a introdução desses
recursos no cotidiano vêm colaborando para o surgimento de uma nova forma de organização da
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sociedade denominada “cibersociedade”. Esse conceito refere-se à ideia de “sociedade globalizada
por meio de redes de computação, na qual seres humanos, máquinas e programas computacionais
interagem” (NICOLA, 2005, p. 2). Assim, iniciamos o século XXI nesse contexto social, porém as
instituições educacionais ainda não estão plenamente inseridas nesse processo permanecendo,
ainda, norteadas por fragmentação dos saberes, organização disciplinar e prática docente
tradicional.
Em pesquisas realizadas sobre o Ensino de Biologia, constatamos que os cursos
de licenciatura ainda apresentam propostas curriculares fragmentadas e prática
docente desarticulada (TERRAZAN, 2007; CARNEIRO-LEÃO et al., 2010). Dessa
maneira, os licenciandos têm dificuldades de compreender e articular conceitos
biológicos e a aprendizagem é pautada na memorização dos conteúdos (JÓFILI et
al., 2010; CARNEIRO-LEÃO et al., 2010). Os egressos desses cursos irão atuar na
educação básica, porém com despreparo conceitual e metodológico (MAYER et al.,
2001). Como consequência, os alunos da educação básica também apresentam
dificuldades para compreender e articular conceitos biológicos (BRAYNER, et al.,
2010; SÁ et al., 2010; FABRÍCIO et al., 2010). Esses alunos, ao concluírem o ciclo
básico, ingressarão no Ensino Superior, fechando o ciclo que retroalimenta e
reforça os problemas da Educação.
Diante do exposto, nossa impressão é que a vida se processa em mundos ainda distantes: a
sociedade globalizada e interconectada e as instituições de ensino com saberes isolados em
compartimentos estanques. O que sustenta esse paradoxo entre o que fazemos dentro e fora do
ambiente escolar? Por que as organizações educacionais apresentam dificuldades para inserir-se
nesse novo modelo de sociedade? Sem dúvida esses questionamentos envolvem uma série de
implicações políticas, culturais, econômicas, entre outras. Neste artigo, discutiremos os aspectos
relacionados aos paradigmas científicos que determinam a forma como enxergamos a realidade e
agimos no mundo.
Segundo Mariotti (2000), nossa mente está formatada pelo modelo linear-cartesiano de
raciocínio, o qual por definição é simplificador e excludente. Assim, é eficaz para lidar com as
partes separadas, mas insuficiente para compreender o todo. Assim, torna-se necessário refletir
criticamente sobre os fatores condicionantes da mente humana (teorias, ideologias, modismos),
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como também exercitar a busca pela integração dos modos linear e sistêmico de perceber e pensar
o mundo e sua complexidade.
Nesta perspectiva, discorremos sobre a necessidade de organizar novas propostas de formação de
professores que favoreçam a aproximação e integração entre as disciplinas da Biologia. Para tanto,
a organização de ambientes colaborativos torna-se um elemento fundamental, visto que poderá
favorecer a interação, o diálogo e a reflexão entre os docentes sobre suas crenças, valores e formas
de abordagem dos conteúdos. Nesta proposta de ensino, que visa a integração entre os conceitos
biológicos, destacamos a importância da interação social que implica em, no mínimo, duas pessoas
intercambiando informações, como também, certo grau de reciprocidade, bidirecionalidade e
envolvimento ativo entre ambos (MOREIRA, 1999).
As redes sociais oferecem meios para que esse fenômeno interativo ocorra de maneira mais efetiva,
visto que é possível superar os limites de tempo e espaço físico. O censo de 2010 realizado pelo
IBGE mostrou que 51% dos usuários brasileiros utilizam alguma rede social, indicando o surgimento
de novos hábitos culturais (ABREU et al., 2011) e da cibersociedade, como citamos anteriormente.
Buscando beneficiar-se das potencialidades desse sistema computacional, estão sendo desenvolvidas
redes sociais voltadas para a educação, cujo uso ampliará o tempo pedagógico e a interação entre
educadores e alunos, a exemplo da Rede Social Educacional (LIMA, 2011). Assim percebe-se que, “o
uso de redes sociais na educação vem sendo apontado como uma tendência para impulsionar
transformações nos paradigmas educacionais e ampliar a adesão à formação a distância” (GOMES et
al., 2012, p. 6).
A Rede Social Educacional (REDU) apresenta um novo conceito de plataforma de ensino por
buscar aproximações com o cotidiano dos usuários, oferecendo uma interface com acesso
simplificado e intuitivo. Com finalidade educativa dispõe de ferramentas para mediar a
comunicação e a colaboração em rede, como também, oferecer recursos para planejamento de
atividades,
compartilhamento
de
materiais
didáticos,
coordenação,
(auto)avaliação
e
(auto)regulação da aprendizagem (GOMES et al., 2012). Nesse âmbito, consideramos que a REDU
dispõe de grande potencial para a formação dos sujeitos numa perspectiva construtivista do
conhecimento. Contudo, devemos levar em conta que nenhum recurso tecnológico por si próprio
garantirá inovações na Educação.
Historicamente, a introdução de tecnologias no contexto do processo de
ensino e aprendizagem é visto como um favorecedor do mesmo, mas nunca
como o fator determinante de progresso e sucesso. São sempre as
propostas e as práticas pedagógicas que vão promover, em maior ou menor
grau, o acesso aos conhecimentos. A interação entre as pessoas, engajadas
em intensas negociações, é que, portanto, caracteriza e completa a
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problemática do uso de tecnologia educacional enquanto recurso didático
no ensino e mesmo na formação (GOMES et al., 2012, p.12).
Seguindo essa linha, Jonassen (1996, p. 70) explica que “as tecnologias
devem preferencialmente ser usadas para proporcionar aos estudantes a
oportunidade
de
interagir e
trabalhar juntos em
problemas e
projetos
significativos”. Assim, propõe a organização de propostas construtivistas que
busquem apoiar e estimular o pensamento reflexivo, conversacional, contextual,
complexo, construtivo e ativo dos estudantes. Quando se trata da construção de
conhecimentos no Ensino de Ciências, além dos pressupostos básicos do
construtivismo, outra preocupação deve ser com a natureza do conhecimento
científico. Nesse caso, um questionamento é crucial: que tipo de conhecimento se
espera que o aluno construa?
De acordo com as visões científicas, o conhecimento pode ser construído segundo uma
perspectiva linear-cartesiana, sistêmica ou complexa. Segundo Mariotti (2000), o modelo
Aristotélico (forma e substância) e o Cartesiano (objetos fragmentáveis e simplificáveis) formam a
base do pensamento linear, hegemônico entre as organizações educacionais. Em contrapartida, para
o pensamento sistêmico o que realmente importa não são as partes do sistema em si, mas os modos
como elas se inter-relacionam. Uma terceira visão, que é a do pensamento complexo, busca a
complementaridade através do abraço entre o linear e o sistêmico.
Devemos levar em conta essas noções em qualquer programa de ensino, especialmente quando
envolve o uso das TIC, visto que estas, devido ao seu potencial comunicativo poderá reforçar um dos
paradigmas científicos descritos. Portanto, este artigo apresenta uma análise teórica a respeito de
uma proposta pedagógica que pretende associar uso da REDU aos pressupostos da Teoria da
Flexibilidade Cognitiva (TFC), do Construtivismo Crítico e do Paradigma Sistêmico como alicerces
para propiciar a apropriação de conteúdos complexos e pouco-estruturados da Biologia.
Conceitos complexos e pouco estruturados e pressupostos da TFC
Iniciamos este texto apresentando um exemplo do que poderia ser um conceito complexo e
pouco estruturado no contexto da Biologia. Para tanto, discutiremos noções sobre o conceito de
Glicemia e seu controle pelo organismo, considerando suas abordagens no contexto cartesiano e
complexo. O controle da glicemia (comumente referida como “taxa de glicose no sangue”),
geralmente é abordado durante o estudo do sistema endócrino, como podemos observar em Amabis
e Martho (2004, p. 570):
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O nível normal de glicose no sangue, chamado normoglicemia, situa-se em
torno de 90 mg de glicose por 10mL de sangue (0,9mg/mL). Esse valor é
mantido pela ação conjunta da insulina e glucagon. Após uma refeição, a
concentração de glicose no sangue aumenta, como resultado da absorção
de açúcar do alimento pelas células intestinais. Esse aumento da glicemia
estimula as células beta das ilhotas de Langerhans a secretar insulina. Sob
a ação desse hormônio, todas as células passam a absorver mais glicose,
ocorrendo uma diminuição do concentração desse açúcar no sangue até os
níveis normais. Se a pessoa passa muitas horas sem alimentar-se, a
concentração de glicose em seu sangue diminui, e as células alfa das
ilhotas de Langerhans são estimuladas a secretar glucagon. Sob a ação
desse hormônio, o fígado passa a converter glicogênio em glicose,
liberando açúcar na corrente sanguínea.
Nesse trecho, observa-se a ideia de que a manutenção dos níveis glicêmicos parece estar
relacionada à atuação antagônica dos hormônios insulina e glucagon. O professor de biologia, por
sua vez, transmite para os alunos as informações contidas nos livros didáticos, desconsiderando a
articulação deste tema com outros aspectos importantes, como por exemplo, as estratégias de
reserva energética e respiração celular.
Essa desarticulação pode ser claramente observada no capítulo sobre nutrição, no qual
Amabis e Martho (2004) discutem as estratégias corporais de reservas energéticas.Ao descrever esse
processo biológico, em momento algum, os autores citam a atuação do hormônio insulina regulando
a entrada da glicose nas células, para posterior formação do glicogênio (reserva energética). Da
mesma forma, a ação do hormônio glucagon não é valorizada. Este regula a degradação (quebra) do
glicogênio em várias moléculas de glicose que participarão da respiração celular (ou glicólise). Este
processo permite a transformação da energia contida nas ligações químicas da glicose em adenosina
trifosfato (ATP), necessária ao funcionamento da célula.
Ao estudar separadamente “o controle da taxa de glicose” no capítulo sobre sistema
endócrino e “as reservas energéticas” no capítulo sobre nutrição, parece que esses mecanismos
funcionam de forma independente. Nesse ponto, fica nítida a fragmentação dos conteúdos da
biologia como consequência do estudo das propriedades das partes, perspectiva herdada da tradição
cartesiana. Contudo, sobrepondo os fenômenos, constatamos que se trata do mesmo processo
referenciado neste trabalho como “controle da glicemia”.
Restringindo o controle da glicemia apenas à ação dos hormônios, autores e professores
acabam tratando o tema de forma simplificada. Essa tendência para reduzir aspectos importantes
da complexidade é denominada pela TFC como enviesamento redutor. Os autores dessa teoria
“constataram a tendência para as concepções alternativas se constituírem num ambiente de
simplificação, interagindo e reforçando-se mutuamente em compreensões enganosas, criando
concepções alternativas em cadeia” (CARVALHO, 1998, p.142).
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O enviesamento redutor simplifica uma estrutura complexa e irregular, porque trata como
independentes os componentes que interagem entre si, visto que “[...] o que é irregular é tratado
como regular, o não rotineiro como rotineiro, o desordenado como ordenado, o contínuo como não
contínuo, o dinâmico como estático, o multidimensional como unidimensional” (CARVALHO, 1998, p.
154). Portanto, se a regulação da glicemia for estudada por esse viés, provavelmente os alunos
formarão concepções alternativas acerca do tema, dificultando a compreensão de um mecanismo
que, na verdade, é resultado das múltiplas interações e interconexões estabelecidas entre
estruturas (sub)microscópicas e macroscópicas do organismo, e desse, com o ambiente (CARNEIROLEÃO et al., 2010). Essas interações podem ser percebidas na imagem a seguir:
Figura 1: mecanismos de comunicação entre quatro tecidos importantes.
Fonte: adaptado de champe 2009 por Ana Carneiro-Leão .
O esquema aponta para a comunicação entre as estruturas microscópicas (células) e macroscópicas
(tecidos e órgãos), possibilitada pelos processos fisiológicos, bioquímicos e biofísicos. É importante
observar que a compreensão desse mecanismo exige a articulação entre as disciplinas mostradas na
imagem. No entanto,
estão separadas nos currículos, nos livros e na prática dos professores.
Mudanças patológicas nos órgãos/tecidos podem afetar o funcionamento do organismo como um
todo. Por exemplo, pessoas com diabetes tipo I e II:
Quadro 1: aspectos da Diabetes Mellitus
Sinônimo
Prevalência
Etiologia
aspectos clínicos
gerais
Tipo 1
Diabetes Insulinodependente
Mais comum em crianças, adolescentes
ou adultos jovens.
A síntese e liberação de insulina do
pâncreas são insuficientes, pois suas
células sofrem uma destruição
autoimune.
A ausência (ou redução) na insulina
circulante é responsável pela
hiperglicemia. A reposição de insulina
exógena é indicada.
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Tipo 2
Diabetes não Insulinodependente
Ocorre geralmente em pessoas obesas com
mais de 40 anos de idade.
Maus hábitos alimentares, sedentarismo e
stress da vida urbana.
Há presença de insulina, porém sua ação é
dificultada pela obesidade, o que é conhecido
como resistência insulínica, uma das causas de
hiperglicemia.
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Fonte: adaptado de sociedade brasileira de diabetes - http://www.diabetes.org.br/tipos-dediabetes
Na diabetes tipo I ocorrem alterações patológicas no pâncreas que comprometem a síntese e
liberação da insulina. Por isso, para controlar a glicemia, o indivíduo precisa ao longo de toda a
vida: monitorar a glicemia diariamente; ministrar doses diárias de insulina; manter o peso e a
alimentação equilibrados; fazer atividades físicas e ir ao médico com frequência. Na diabetes tipo
II, ocorrem alterações do peso (aumento da gordura corporal), sob a influência de maus hábitos
alimentares, sedentarismo e estresse. Nesse caso, o pâncreas produz insulina suficiente, porém a
ação do hormônio é dificultada pelo acúmulo de triglicerídeos no tecido adiposo (resistência
periférica a insulina). Por isso, para controlar a glicemia o indivíduo precisa: tomar medicamentos
hipoglicemiantes (dependendo do caso), reduzir o peso, mudar os hábitos alimentares, fazer
atividades físicas regulares e evitar situações de stress.
Essas informações demonstram que o controle da glicemia pode ser influenciado por
alterações biológicas e/ou influências de fatores ambientais, culturais e econômicos, entre outros.
Essas características revelam a irregularidade desse tema, pois existem diferentes situações
resultantes da interconexão de múltiplos fatores. Sob a ótica da TFC, conteúdos com essa natureza
podem ser classificados como complexos e pouco estruturados.
Um domínio complexo caracteriza-se por um grande número de elementos ou conceitos que
interagem de diferentes modos, sendo necessário atentar no todo e na sua interação com o
contexto (CARVALHO, 1998, p.147).
A expressão “domínio pouco-estruturado” pode ser
compreendida em oposição ao domínio bem-estruturado caracterizado pela regularidade e pela
semelhança entre os diferentes casos (CARVALHO, 1998). “Para aprender um domínio complexo e
pouco-estruturado é necessário dominar e relacionar uma multiplicidade de conceitos que
interagem entre si (CARVALHO, 1998, p. 147) ". Portanto, orientações baseadas em princípios
gerais e regulares têm pouca aplicação nestes domínios, bem como uma forma única de abordagem
não proporciona um conhecimento multifacetado do domínio (CARVALHO, 1998).
A Teoria da Flexibilidade Cognitiva propõe uma abordagem para lidar com os problemas da
aquisição de conhecimentos de nível avançado em domínios complexos e pouco-estruturados e para
obter melhores resultados na transferência de conhecimentos para novas situações (CARVALHO,
1998, p. 156). Os autores da TFC fazem algumas sugestões, tais como, evitar excesso de
simplificação e de regularidades; apresentar múltiplas representações; centrar o estudo no
caso;tratar o conhecimento conceitual aplicado ao caso;
construir esquemas flexíveis;
não
compartimentar conceitos e caso, mas buscar as interconexões; e estimular a participação ativa do
aprendente.
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Um dos princípios dessa teoria se refere à metáfora da “travessia da paisagem em várias
direções”, ou seja, que ao estudar um determinado caso (conteúdo) devemos analisar o mesmo
tópico em diferentes ângulos e contextos.
[...] se pretende que os alunos usem flexivelmente o conhecimento, ele
deve ser ensinado de uma forma flexível. Deste modo, deve-se permitir
que o aluno aceda várias vezes à mesma informação mas com finalidades
diversas, perspectivando, assim, a mesma informação através de
diferentes ângulos, o que lhe vai possibilitar obter uma visão multifacetada
do assunto e uma compreensão profunda (CARVALHO, 1998, p. 140).
Carvalho (2011) faz referência aos processos de desconstrução e à travessia temática como
sendo os pilares da TFC, conforme quadro 2:
Desconstrução de caso em
mini-casos: um caso constitui
uma unidade complexa e
plurissignificativa, por isso,
cada caso deve ser decomposto
em unidades menores (minicasos) permitindo que aspectos
que se esvaneceriam no todo,
passem a ter a sua pertinência.
Quadro 2: pilares da TFC
Desconstrução dos mini-casos
em temas: os mini-casos devem
ser suficientemente pequenos
para permitir um estudo rápido
e devem ser suficientemente
ricos para serem desconstruídos
e perspectivados de acordo com
múltiplos temas.
Travessias conceituais
sucessivas: os temas devem
ser estudados sob diferentes
ângulos, de modo a permitir
aproximações de situações
aparentemente distintas e a
percepção das diferenças
entre situações
aparentemente idênticas.
Com base nessa breve discussão acerca da TFC acreditamos que a mesma oferece suporte
teórico e metodológico para o estudo de conceitos biológicos abordados dentro de uma perspectiva
de complexidade. A seguir, analisaremos como o REDU poderá auxiliar no desenvolvimento dessa
proposta pedagógica.
A integração entre as disciplinas da Biologia no ambiente REDU
Vislumbramos como alternativa de integração das disciplinas o campo da educação a distância
apoiado pela REDU por oferecer um ambiente propício ao desenvolvimento do trabalho
colaborativo. Segundo Lemos (2010), as diversas formas de comunicação (síncrona e assíncrona)
mediadas pelo computador trazem grandes vantagens aos sujeitos, pois ultrapassam os paradigmas
de localização e presença permitindo que as relações sociais aconteçam mesmo à distância.
A REDU, por definição, é um software social especialmente projetado para fins educacionais
e oferece um ambiente (plataforma) organizado em rede dentro do qual as pessoas, os objetos e
seus vínculos mútuos são interligados. Assim, os docentes, mesmo estando em locais e horários
diferentes, podem interagir, compartilhar e planejar materiais de ensino-aprendizagem. Essa
facilidade de comunicação aliada aos recursos disponibilizados viabilizam a aproximação virtual
entre os usuários (GOMES et al., 2012). Utilizar esse tipo de plataforma para promover a integração
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dos docentes universitários significa dar o primeiro passa para superar o isolamento disciplinar
existente nas IES.
Uma característica importante da REDU é a possibilidade de elaboração coletiva de planos de
aula e de mediação, colaboração e avaliação das atividades desenvolvidas. A plataforma organiza o
espaço de aprendizagem em quatro níveis: ambientes de ensino, cursos, disciplinas e módulos
(GOMES et al., 2012). Vários professores/tutores podem atuar simultaneamente dentro de uma ou
mais disciplinas e, dessa forma, podem criar diferentes módulos de aprendizagem. Os módulos são
usados para estruturar sequências de ensino onde o conteúdo pode ser apresentado pela utilização
de vários recursos de vídeos, textos, apresentações e links (blended learning). Diante da
possibilidade de unir professores dentro do mesmo ambiente de aprendizagem, é importante pensar
em estratégias que favoreçam o engajamento do grupo. Encontramos em Gomes et al., (2012)
alguns aspectos que podem potencializar esse processo:
Quadro 3: aspectos da REDU que podem favorecer o engajamento entre os professores
Percepção social: é a percepção que os indivíduos devem ter sobre o próprio grupo de
aprendizagem e sobre as inter-relações sociais existentes no ambiente. De maneira geral, envolve o
conhecimento dos membros, dos objetivos e estrutura do grupo, do papel e responsabilidades de
cada participante e até o reconhecimento de quem está presente. O fato de saber o que os outros
fazem, contribui para diminuir a sensação de isolamento dos alunos e promove um maior
engajamento.
Learning contract: corresponde à criação de instrumentos de acompanhamento das atividades, cuja
finalidade é o estabelecimento dos objetivos do grupo, através de uma agenda de
autodesenvolvimento na qual devem constar: (1) objetivos de aprendizagem; (2) estratégias e
recursos que devem ser utilizados; (3) prazo estimado para a conclusão; (4) evidência pessoal de
aprendizagem; e (5) produto que deve ser apresentado aos avaliadores.
Notificação sobre a disposição de um novo material: quando novos materiais e módulos são
adicionados, a REDU envia para os endereços de correio eletrônico dos membros uma mensagem
com as informações do novo material. Segundo Gomes et al. (2012) o recebimento de notificações
pode impactar positivamente na participação e no desempenho dos participantes de um curso,
propiciando maior engajamento, sentimento de pertencimento e experiência de uma atenção para
consigo.
Distância transacional: trata-se do “espaço psicológico e comunicacional a ser transposto, um
espaço de potenciais mal-entendidos entre as intervenções do instrutor e as do aluno” (MOORE,
2002, p.2). Dessa forma, cursos com menor distância transacional têm como resultado um maior
envolvimento do aluno, o que pode tornar a experiência de aprendizagem muito mais efetiva (TORI,
2008).
Um ponto de fundamental importância refere-se à colaboração possibilitada na rede social:
A colaboração encerra um dos mais recentes capítulos da evolução dos
métodos e técnicas de ensino; inclusive vislumbrando a transcendência da
prática educativa dos muros da escola e do tempo da sala de aula. Na
última década acompanhou-se o surgimento e adoção massiva de
plataformas colaborativas como prática de convívio e comunicação (GOMES
et al., 2012, p.25).
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A aprendizagem colaborativa é mais facilmente desenvolvida em ambientes virtuais, visto
que, pode-se manter um constante intercâmbio de informações entre os membros. Assim, o
conhecimento é visto como uma construção social, pela interação e participação ativa dos membros
(ABREU et al., 2011).
Os princípios do pensamento sistêmico e as possibilidades na REDU
O pensamento sistêmico começa a desenvolver-se no início do século XX, em contraposição ao
reducionismo do pensamento linear. Os pioneiros desse pensamento foram biólogos organísmicos,
que na década de 1920, enfatizaram a concepção de organismos vivos como totalidades integradas.
De acordo com essa visão, as propriedades dos organismos vivos pertencem ao todo, pois surgem das
interações e das relações entre as partes. Dessa maneira, é possível perceber que a natureza do
todo é sempre diferente da mera soma de suas partes (CAPRA, 2006): “O pensamento sistêmico é
contextual, o que é oposto do pensamento analítico. A análise significa isolar alguma coisa a fim de
entendê-la; o pensamento sistêmico significa colocá-la no contexto de um todo mais amplo” (p.41).
Segundo Mariotti (2000) a fragmentação e a simplificação são as bases que sustentam o
pensamento cartesiano, porém não são suficientes para compreender os sistemas complexos e
dinâmicos: “A desarticulação produz morte do sistema, porque separa as suas partes e interrompe a
sua dinâmica” (p.84). Não pretendemos negar a importância do pensamento linear que é
indispensável para a compreensão e detalhamento de processos da vida mecânica, sendo adequado
para estudos no campo das ciências ditas exatas. O processo de divisão do todo tem sido
necessário; no entanto, o grande problema está em limitar-se à tarefa de “apenas dividir” para
entender o funcionamento das partes de um sistema. Nesse caso, não há preocupação em fazer o
percurso de volta buscando a (re)articulação entre as partes (MEDEIROS, 2011).
A REDU dispõe de um ambiente organizado em rede, o que significa participar de uma
estrutura na qual as pessoas (professores e educandos), os objetos (conceitos) e seus vínculos
mútuos são interligados. Dessa maneira, permite formas de interação ricas, não lineares e plurais,
visando promover a colaboração e a disseminação de conteúdos em círculos sociais motivados
(GOMES et al., 2012). Esse padrão organizacional não linear e de complexas redes de interação
permite que aspectos importantes do pensamento sistêmico sejam materializados e que os sujeitos
participantes percebam o mundo como uma intricada rede de relações (CAPRA, 2006).
A palavra “rede” no sentido posto por Capra (2005) significa uma organização não-linear dos
componentes de um sistema, que se influenciam reciprocamente através de diversos caminhos, sem
percorrer uma linha única e exclusiva. É interessante perceber como essa dinâmica de influência
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mútua, também acontece durante o uso das redes sociais quando a interação de um indivíduo
depende da reação do outro (GOMES et al., 2012).
Os murais são importantes ferramentas de comunicação, mediação e participação, uma vez
que neles é possível participar e perceber as diversas discussões em torno dos materiais e/ou
questões publicadas. Na REDU o uso do mural pode ocorrer de forma dinâmica e não linear, uma
vez que é o sujeito que escolhe os caminhos que pretende percorrer. Facilmente pode-se transitar
entre diferentes murais que se interconectam ao mural principal.
“Outro tipo de ganho na qualidade da experiência de ensino é o fato de o mural registrar as
trocas e servir como memória dos diálogos passados” (GOMES et al., 2012, p.26). Essa possibilidade
poderá facilitar a percepção do processo de construção do conhecimento e a avaliação da
aprendizagem do grupo e de cada participante individualmente.
Poderá, também, facilitar o
trânsito entre os níveis de organização do conhecimento (macroscópicos↔microscópicos), pois
segundo Capra (2006) essa capacidade é critério-chave do pensamento sistêmico.
As formas de expressão no mural do REDU também são variadas, pois o sujeito poderá
apresentar pensamentos e opiniões através de texto, imagem, vídeo, áudio entre outros elementos
que podem ser acessados através de links de outras páginas da internet. Dessa maneira, os
indivíduos não estão apenas interconectados dentro de um espaço delimitado, mas estão ligados ao
mundo formando uma verdadeira teia sistêmica de conhecimento mediada pela plataforma.
Apresentamos, aqui, apenas alguns aspectos da REDU que favorecem o desenvolvimento de uma
proposta pedagógica baseada nos princípios do pensamento sistêmico. No entanto, ressaltamos que
esse é um ponto que merece maior aprofundamento de análise.
A flexibilidade cognitiva mediada por proposta de associação da REDU com princípios da TFC
A flexibilidade cognitiva depende da existência de um leque variado de representações sobre
um tópico conceitual, portanto, o conhecimento tem que ser aprendido, representado e aplicado de
muitos modos(CARVALHO, 1998).
A flexibilidade cognitiva consiste na capacidade de, perante uma situação
nova, reestruturar o conhecimento para solucioná-la. Para se conseguir
reestruturar o conhecimento é conveniente que este seja adquirido de uma
forma particular (CARVALHO, 1998, p. 169).
Portanto, no desenvolvimento da flexibilidade cognitiva é fundamental promover abordagens
de ensino-aprendizagem que possibilitem a construção do conhecimento através de múltiplas
representações. Dito de outra maneira, a aprendizagem deve ocorrer “como travessias
multidireccionais e que fomentam a capacidade de reconstituir o conhecimento, oriundo de diversas
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fontes, para se adaptar às necessidades da nova situação, em vez de procurar um esquema précompilado que se adeque à situação” (CARVALHO, 1998, p. 169). A REDU oferece a possibilidade de
uso de uma variedade de ferramentas para representações múltiplas do conhecimento. Esse aspecto
pode ser evidenciado na afirmação, a seguir:
As chances de um conteúdo ser apreendido aumentam quando o mesmo é
apresentado por meio de diversas formas de mediação. Esse é o princípio
que norteia as abordagens de educação à distância, denominadas blended
learning. Organizados nessa forma, os materiais veiculam um mesmo
conceito servindo-se de uma ampla variedade de mídias (GOMES et al.,
2012, p. 51).
As práticas de abordagens blended learning podem ser facilmente realizadas na REDU, pois
em cada módulo podemos inserir diversos materiais (aulas) que se complementam no objetivo de
proporcionar uma explicação coesa e consistente sobre um conceito (GOMES et al., 2012). Assim, é
possível que o aprendiz “atravesse” os temas em estudo em várias direções, conforme sugere a TFC.
Desse modo, professores e alunos poderão utilizar arquivos em formato doc, pdf, slides, vídeos,
textos, links para jogos, animações, etc. e o conteúdo pode ser representado de múltiplas formas
para favorecer o desenvolvimento da flexibilidade cognitiva.
Os pressupostos da TFC oferecem orientações para estruturação de um currículo articulado e
sistêmico. Nesse ponto, pode-se utilizar a ideia de desconstrução para propor uma nova forma de
organizar os conteúdos na plataforma, como exemplificado na figura 2, a seguir:
Figura 2: simulação da organização do conteúdo na disciplina Bioquímica baseada na ideia
de desconstrução da TFC.
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CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação
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Seguindo os pressupostos da TFC, cada caso deverá ser desconstruído em mini-casos, e esses,
perspectivados a partir de temas (conceitos). No exemplo utilizado na figura 2, a disciplina
apresenta o 1º módulo com o caso “controle da glicemia na população” e os módulos seguintes
referem-se aos mini-casos: indivíduo obeso, diabético e normal. Os mini-casos deverão ser
estudados sob a ótica de vários temas, de forma que o estudante atravesse cada situação de
múltiplas formas. Na REDU essa travessia poderá ocorrer através do blended learning utilizando
recursos como vídeos, texto, apresentações, links, entre outros. Além disso, torna-se fundamental
que os alunos possam discutir cada tema através dos fóruns organizados no mural de cada aula.
Assim, o sujeito terá realizado a travessia temática explorando os diferentes ângulos do mini-caso
construindo o conhecimento dentro da perspectiva complexa. Para concluir a discussão desenvolvida
nesse trabalho, apresentamos um esquema com a visão geral da proposta que pretendemos
desenvolver através da REDU.
Figura 3: visão geral da proposta pedagógica para estudo de conceitos complexos da Biologia.
Imagem: Sílvia Cardoso
Esperamos que essa estruturação e os demais aspectos discutidos ao longo desse trabalho possam
auxiliar os professores no desenvolvimento de propostas pedagógicas que favoreçam a compreensão
integral e complexa dos sistemas vivos.
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1
Sílvia CARDOSO, docente da SEDUC/PE e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino das Ciências
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFPRE).
E-mail: [email protected]
2
Zélia JÓFILI, docente do PPGEC/UFRPE. E-mail: [email protected]
3
Ana Maria CARNEIRO-LEÃO, professora do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal e do PPGEC/UFRPE. E-mail:
[email protected]
4
Fernanda BRAYNER-LOPES, docente da SEDUC/PE e doutoranda do PPGEC/UFRPE. E-mail:
[email protected]
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