UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
ABELARDO DE SOUZA COUTO JUNIOR
PREVALÊNCIA DE AMETROPIAS E OFTALMOPATIAS
NO QUILOMBO SÃO JOSÉ DA SERRA – VALENÇA -RJ
RIO DE JANEIRO
2012
i
ABELARDO DE SOUZA COUTO JUNIOR
PREVALÊNCIA DE AMETROPIAS E OFTALMOPATIAS NO
QUILOMBO SÃO JOSÉ DA SERRA – VALENÇA -RJ
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Saúde da
Família, da Universidade Estácio de requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em
Saúde da Família.
Orientador: Prof.Dr. Arlindo José Freire
Portes
Rio de Janeiro
2012
C871
Couto Junior, Abelardo de Souza
Prevalência de ametropias e oftalmopatias no quilombo
São José da Serra – Valença -RJ / Abelardo de Souza Couto
Junior. – Rio de Janeiro, 2012.
63 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Saúde da Família)–
Universidade Estácio de Sá, 2012.
1. Oftalmologia. 2. Saúde da família. I. Título.
CDD 617.7
DEDICATÓRIA
A minha família...
Aos quilombolas do Brasil.
AGRADECIMENTOS
A Deus pela força interior ...
Ao Prof. Dr. Arlindo José Freire portes, pelo estímulo, auxílio em todas as fases do
trabalho e pela amizade fraterna que tantos frutos tem produzido.
Ao Prof. Dr. Hésio de Albuquerque Cordeiro pelo exemplo de médico e pesquisador
preocupado com o ensino e o bem estar dos menos favorecidos.
Aos professores da Pós Graduação em Saúde da Família da Universidade Estácio de Sá
que muito conhecimento me proporcionaram.
À Fundação Educacional D.André Arcoverde / Centro Ensino Superior de Valença e
Faculdade de Medicina de Valença – RJ (FMV) na pessoa do Dr. José Rogério Moura
de Almeida Filho, pelo apoio logístico e financeiro em todas as etapas da pesquisa,
desde o transporte até o patrocínio das lentes corretivas.
Ao líder comunitário Antônio do Nascimento Fernandes, o “Toninho Canecão” e a toda
a comunidade Quilombola São José da Serra pelo total engajamento na pesquisa.
À Diretora Geral do Instituto Benjamin Constant - RJ (IBC) Dra. Érica Deslandes
Magno Oliveira, Diretora do Departamento de Pesquisas Médicas e Odontológicas do
IBC Dra. Márcia Lopes de Moraes Nabais pela cessão de todos os aparelhos
oftalmológicos utilizados na pesquisa, e doação das armações dos óculos.
Aos residentes de oftalmologia do IBC: Dr. Thiago Capilla, Dr. Daniel Oliveira, Dr.
Marcelo Machado, Dra. Joana Mello, Dra. Ioury Cardoso pelo interesse e
disponibilidade no exame oftalmológico na comunidade quilombola.
Aos acadêmicos da FMV-RJ : Artur Rios, Phellipe Queiroz, Sandro Amorim, Ícaro
Calafiori pelo interesse incondicional na realização deste trabalho.
Ao motorista Sr. Pedro Rachid pela perícia, perseverança e obstinação na condução de
toda a equipe e aparelhos por estradas de tão difícil acesso.
Ao Dr. Romano Neurauter amigo e mestre de todas as horas, minha homenagem, minha
saudade.
Ao Dr. Rogério Neurauter irmão e amigo sempre presente e solidário, pelo apoio
incondicional em todas as iniciativas de ensino e pesquisa no IBC – RJ.
Ao amigo Luciano Gonçalves Alves pela compreensão e paciência na digitação e
preparação final deste trabalho.
À funcionária Aline Luna pela atenção dispensada durante o curso de Mestrado em
Saúde da Família.
EPÍGRAFE
“Um especialista é aquele que num restrito campo do saber já
cometeu todos os erros” (Niels Aage Bohr)
RESUMO
OBJETIVO: Determinar a prevalência das ametropias e oftalmopatias na população do
Quilombo São José da Serra – Valença - RJ. MÉTODOS: Foram examinados 92
indivíduos de uma população de 102 pessoas da comunidade Quilombola São José da
Serra. A idade variou de 6 meses a 89 anos. Todos foram submetidos à avaliação
oftalmológica completa incluindo: anamnese, ectoscopia ocular, medida da acuidade
visual, teste de estereopsia, reflexo vermelho, cobertura monocular, Hirschberg,
refração objetiva, subjetiva, biomicroscopia, tonometria de aplanação de GoldmannR ,
tonometria de sopro e fundoscopia direta e / ou indireta com capacete de Schepens e
lente de 20D. RESULTADOS: Foram examinados 90,19% (n=92) da população
quilombola, sendo 61,95% (n=57) do sexo feminino e 38,04% (n=35) do sexo
masculino. Foram encontrados ametropias com necessidade de correção óptica em
23,91% (n=22) dos indivíduos sendo mais frequente a presbiopia associada a
hipermetropia, miopia e/ou astigmatismo com prevalência de 59,09% (n=13) dos
indivíduos examinados, seguido da presbiopia isolada em 22,72% (n=5), do
astigmatismo hipermetrópico em 13,63% (n=3) e do astigmatismo miópico em 4,54%
(n=1) dos examinados. Em relação às oftalmopatias encontraram-se: catarata senil em
7,61% (n=7), ambliopia refracional em 6,52% (n=6), atrofia do epitélio pigmentar da
retina e atrofia peripapilar em 2,17% (n=2), glaucoma em 1,09% (n=1), pterígio em
1,09% (n=1), retinocoroidite por toxoplasmose em 1,09% (n=1) e hipopigmentação
retiniana (albinismo ocular) em 1,09% (n=1). CONCLUSÕES : A prevalência das
ametropias e doenças oculares no Quilombo São José da Serra foi de 23,9%(22/92) e
20,6%(19/92) respectivamente.
Palavra-chave: prevalência, ametropias, oftalmopatias, quilombo.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To determine the prevalence of refractive errors and eye diseases in the
population of the Quilombo São José da Serra - Valença - RJ. METHODS: We
examined 92 individuals in a population of 102 people in the community Quilombo São
José da Serra. Ages ranged from 6 months to 89 years. All patients underwent complete
ophthalmologic examination including: history, ectoscopy eye, visual acuity, stereopsis
testing, red reflex, cover test,
Hirschberg,manifest and dynamic refraction,
biomicroscopy, tonometry (Goldmann contact and/or non contact air puff tonometry) ,
direct monocular d / or indirect binocular fundoscopy. RESULTS: A total of 90.19% (n
= 92) population were examined, and 61.95% (n = 57) were female and 38.04% (n =
35) were male. Refractive errors were found in need of optical correction in 23.91% (n
= 22) of individuals,and is most often presbyopia associated with hyperopia, myopia
and / or astigmatism with a prevalence of 59.09% (n = 13) of the examined individuals
followed of presbyopia isolated on 22.72% (n = 5) and hyperopic astigmatism in
13.63% (n = 3) and myopic astigmatism in 4.54% (n = 1) of the examined. Regarding
ophthalmopathies found themselves: senile cataract in 7.61% (n = 7),refractive
amblyopia in 6.52% (n = 6), atrophy of retinal pigment epithelium and peripapillary
atrophy by 2.17% (n = 2), glaucoma in 1.09% (n = 1), pterygium in 1.09% (n = 1),
toxoplasmosis retinochoroiditis scar in 1.09% (n = 1) and ocular albinism on 1 , 09% (n
= 1). CONCLUSIONS: The prevalence of ametropia and eye diseases in the Quilombo
São José da Serra was 23,9%(22/92) and 20,6%(19/92) respectively.
Keyword: prevalence, refractive errors, eye diseases, quilombo
ABREVIATURAS
AV-Acuidade Visual
BUT-Teste de “Break Up Time”ou Teste da Ruptura do Filme Lacrimal.
CID-Código Internacional de Doenças.
D-Dioptria.
DAP-Diâmetro Anteroposterior.
E- Emétrope.
EPR-Epitélio Pigmentar da Retina.
ESF-Estratégia Saúde da Família.
ETDRS-Tabela ou Protocolo”Early Treatment Diabetic Retinopathy Study”.
FCP-Fundação Cultural Palmares.
GM-Gabinete do Ministro.
GPAA-Glaucoma Primário de Ângulo Aberto.
LH-Tabela Lea Hyvärinen.
M-Miopia.
OMS_ Organização Mundial da Saúde.
P-Presbiopia.
PSF-Programa Saúde da Família.
SAS-Secretaria de Atenção à Saúde.
LISTAS DE FIGURAS
FIGURA 1A-Construção do optotipo de SNELLEN.
Pág.6
FIGURA 1B-Tabela de optotipos de SNELLEN.
Pág.7
FIGURA1C-Optotipos da tabela LH.
Pág.7
FIGURA 1D-Tabela ETDRS
Pág.8.
FIGURA 2A-
Pág.9
FIGURA 2B-Visão para perto.
Pág.9
FIGURA 2C-Correção da miopia e hipermetropia.
Pág.9.
LISTAS DE TABELAS
TABELA 1 – Distribuição dos indivíduos examinados, segundo gênero e faixa etária,
no Quilombo São José da Serra – Valença – RJ.
Pág.24.
TABELA 2 – Distribuição dos indivíduos por diagnóstico dentre os examinados no
Quilombo São José da Serra – Valença – RJ
.Pág.25.
TABELA 3 – Distribuição de ametropias com prescrição de lentes corretoras nos
indivíduos, segundo o gênero, no Quilombo São José da Serra – Valença – RJ. Pág.26.
TABELA 4 – Distribuição de ametropias com prescrição de lentes corretoras nos
indivíduos, segundo a faixa etária, no Quilombo São José da Serra –Valença- RJ.Pág.27
TABELA 5 – Prevalência das oftalmopatias nos indivíduos examinados no Quilombo
São José da Serra – Valença – RJ.
Pág.28.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
1.2 A VISÃO NORMAL
1
4
1.2.1 Desenvolvimento anatômico do olho
4
1.2.2 Desenvolvimento da função visual
5
1.3 O DESENVOLVIMENTO VISUAL
5
1.3.1 Métodos de avaliação da acuidade visual
6
1.3.2 Ametropias
8
1.3.3 Principais Oftalmopatias
10
1.3.4 Ambliopia
11
1.3.5 Cegueira e baixa visão do ponto de vista médico, educacional e legal
11
1.3.5.1 Causas de cegueira e baixa visão
12
2. JUSTIFICATIVA
14
3. OBJETIVOS
17
4. MÉTODOS
18
4.1 Amostra do estudo
19
4.2 Exame ocular
19
4.3 Aspectos éticos
22
5. RESULTADOS
23
6. DISCUSSÃO
29
7. CONCLUSÕES
33
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
36
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
37
10. ANEXOS
47
1.INTRODUÇÃO
Os quilombos constituem populações com formas particulares de organização social
ocupando determinadas regiões no Brasil. Estas comunidades situam-se geralmente em
áreas rurais, apresentam um certo grau de isolamento e desigualdades sociais e de
saúde.Em decorrência da forma de libertação do processo de escravidão observa-se,
nestas comunidades, acesso diferenciado a bens e serviços.1
Em todo país, estão catalogados 2790 áreas remanescentes de quilombos,
apresentando perfis regionais distintos. A Região Nordeste possui o maior número de
registros, 1672; seguida das Regiões Norte (442), Sudeste (375), Sul (170) e CentroOeste (131).2 Sabe-se da existência de pelo menos 15 comunidades quilombolas no
Estado do Rio de Janeiro. Aproximadamente metade delas está localizada na região
litorânea nos municípios de Búzios, Cabo Frio, São Pedro da Aldeia, Rio de Janeiro,
Mangaratiba, Angra dos Reis e Paraty. As demais comunidades estão localizadas no
interior no Estado, nos municípios de Quissamã, Vassouras, Valença, Quatis e Rio
Claro.3
O artigo 68 das Disposições Transitórias da Constituição de 1988 obriga o Estado a
emitir título de propriedade definitiva a estas comunidades através da Fundação Cultural
Palmares (FCP) .Por sua vez, considera-se quilombola toda a comunidade que assim se
autodenomina, baseada em histórico e território próprios, com ascendência negra e
escrava. 4
A Comunidade Remanescente de Quilombo de São José da Serra consiste atualmente
na sétima geração desde os primeiros escravos comprados para trabalhar nas lavouras de
café da fazenda São José, no município de Valença- RJ. As gerações seguintes
construíram laços de parentesco e solidariedade, viveram a crise do café e sua
substituição pelo milho e depois pelo gado. Desde então, as famílias, unidas ,
permaneceram por mais de um século na mesma terra herdada por seus ancestrais do
antigo proprietário da fazenda. Essas famílias vêm assistindo a sucessivas gerações de
herdeiros adiarem a promessa verbal de legalizar a doação feita pelo primeiro
proprietário, assim como resistido como podem ao avanço sobre suas posses. Nessas
terras, os negros de São José constituíram um núcleo religioso e cultural procurado não
só pelos moradores das cidades próximas, mas de vários outros pontos do estado. Além
do poder religioso de sua matriarca, a comunidade é uma referência também por seu
jongo, que atrai bailarinos, estudiosos ou simples simpatizantes(5).
Os conflitos se iniciaram há cerca de quinze anos, quando um novo proprietário, de
fora da família do antigo proprietário que teria feito a doação verbal, começou a
restringir as liberdades com as quais os moradores estavam acostumados, na realização
de atividades religiosas e na redução do espaço destinado às plantações.
O reconhecimento como "remanescente de quilombos" em 1999 abriu o caminho para a
titulação de suas terras, mas o processo tem se mostrado demorado porque depende da
desapropriação de cinco fazendas. Além disso, a população questiona os limites
indicados no parecer da FCP que delimitou uma área de 837,75 ha, quando a própria
comunidade reivindica uma área com a qual sempre manteve laços históricos e
imemoriais que corresponderia unicamente a atual Fazenda São José, hoje com
aproximadamente 250 ha (dados não oficiais e sem confirmação técnica). 5
Segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) para o ano de 2002, há
quase 36,9 milhões de cegos no mundo 6. Destes, aproximadamente dois terços são por
causas preveníveis e cerca de 1,4 milhões tem menos de quinze anos de idade. Os países
em desenvolvimento contribuem com quase a totalidade dos casos de cegueira
potencialmente evitáveis. 7, 8, 9 Há, pela citada estimativa da OMS, na região geográfica
compreendida pelo Brasil, Barbados e Paraguai, quase 1,4 milhões de cegos e 7,6
milhões de pessoas com baixa visão. No Brasil, existem 98 milhões de pessoas com
algum tipo de deficiência visual, dos quais 80 milhões não têm acesso a qualquer
tratamento. 8,9 Portanto, a causa mais importante de baixa visual e cegueira no Brasil são
as ametropias, que são corrigíveis com o uso de óculos.10,11 Além disto, alguns autores
relatam diferenças raciais na prevalência destes erros de refração, que tem na
hereditariedade um de seus fatores principais.12, 13, 14
Observou-se que a ambliopia, a baixa visual uni ou bilateral sem nenhum substrato
orgânico detectável pelo exame oftalmológico, é uma das maiores causas de cegueira
prevenível. Em saúde pública é muito dispendiosa e mesmo difícil a investigação em
exame de massa de problemas oculares por oftalmologistas.15,16,17
Um grupo de estudo constituído pela OMS em seu informe sobre a prevenção da
cegueira ressalta a necessidade de investigações de problemas oftalmológicos em
amostras populacionais, afim de obter índices do estado de saúde ocular de indivíduos e
grupos, como primeiro passo de uma série de medidas destinadas a melhorar esse setor
da saúde publica.O informe refere que tal procedimento “facilita a assistência
oftalmológica dos novos casos descobertos e propicia os dados básicos necessários para
o planejamento e avaliação dos sistemas de higiene ocular”.18
Os programas de saúde pública em oftalmologia deveriam priorizar a prevenção de
afecções que possam levar à cegueira e à incapacidade visual, a promoção de saúde
ocular, a organização de assistência oftalmológica e a reabilitação de deficientes
visuais.16
O Programa Saúde da Família (PSF) nasceu com o objetivo da modificação
dos paradigmas das práticas das ações de saúde, com o abandono do modelo tradicional
de assistência hospitalar e individual (Ministério da Saúde 1994). Consiste em uma
estratégia que prioriza as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde e dos
indivíduos de forma integral e contínua e junto ao Programa dos agentes comunitários
de saúde possibilita a inversão da lógica que anteriormente privilegiava o tratamento de
doenças nos hospitais. Pretende, pois, promover a saúde da população por meio de
ações básicas, para evitar que as pessoas fiquem doentes. 19, 20,21
Segundo a OMS necessita-se a construção de indicadores que apresentem:
disponibilidade de dados; simplicidade técnica e fácil entendimento; uniformidade;
sinteticidade, de modo a abranger os fatores que influem no estado de saúde das
coletividades e apresentar poder discriminatório que permita comparações interregionais e internacionais.22 É amplamente divulgado a necessidade da criação de
sistemas de informação para a adequada avaliação das reais condições de vida de uma
determinada população.23,24
Outro assunto de grande relevância diz respeito à relação de material utilizados pela
unidade básica de saúde. Não é considerado a tabela de optotipos para medida da
acuidade visual. Apenas o oftalmoscópio direto é preconizado pelo manual de estrutura
física das unidades básicas de saúde como parte do mobiliário obrigatório para
acompanhamento de diabetes e hipertensão arterial, presentes no dia a dia.25,26,27
A realização do exame oftalmológico completo nos habitantes do remanescente de
quilombo
São
José,
além
de
estimar
a
prevalência
de
erros refracionais e das afecções oculares orientando ações de prevenção, assistência e
reabilitação na referida comunidade, poderá contribuir na orientação de gastos
governamentais direcionados a estes grupos específicos.
Provavelmente, os resultados deste estudo poderão se constituir nas primeiras
referências sobre o perfil de saúde ocular em comunidade quilombola no Estado do Rio
de Janeiro e possivelmente no Brasil. Atuará na superação da chamada “danosa
invisibilidade demográfica e epidemiológica” de algumas populações isoladas, como é o
caso dos quilombolas.28
1.2 A VISÃO NORMAL
As primeiras informações consistentes sobre o desenvolvimento da visão em lactentes
e de aspectos de comportamento do recém nascido (RN), diante de estímulos como a
detecção, discriminação e a preferência, foram publicados no inicio da 2ª. metade do
século XX29,30. Estudos recentes demonstram que o desenvolvimento normal da visão
depende da integridade além do bulbo ocular, também de uma rede complexa que
inclui não só as radiações ópticas e córtex visual primário, mas também outras áreas
corticais e subcorticais, tais como o lobo frontal e temporal e os gânglios da base, que
estão associados à atenção visual e a outros aspectos da função visual31, 32.
1.2.1. Desenvolvimento Anatômico do Olho
O desenvolvimento pré-natal divide-se nas fases embriogênese (1ª. A 3ª. semana após
fecundação), organogênese (4ª. a 8ª. semana) fase de diferenciação, que pode prolongarse até depois do nascimento. Durante a fase embriogênese forma-se os folhetos
embrionários, tubo neural e o olho primitivo 33.
A formação do bulbo ocular acompanha o desenvolvimento do sistema nervoso
central e o esboço deste ocorre ainda na 3ª. semana de desenvolvimento a partir do tubo
neural. À medida em que os axônios das células ganglionares retinianas atravessam as
células vasculinizadas presentes no canal óptico, forma-se o nervo óptico. Este se
desenvolve até atingir o núcleo geniculado lateral que emite radiações até o córtex
visual primário no córtex visual, lobo occiptal (área 17 ou córtex estriado)33.
Após o nascimento o bulbo ocular continua não só com a maturação de suas
estruturas mas também apresenta crescimento no seu diâmetro anteroposterior (DAP).
Ao nascimento o DAP é de aproximadamente 16mm, aos 18 meses de vida atinge em
média 20,3 mm e na idade adulta aproximadamente 23mm. Tais modificações
influenciam no desenvolvimento da visão 34.
1.2.2. Desenvolvimento da Função Visual
O inicio da maturação visual ocorre por volta da 30ª. semana de gestação, quando o
feto manifesta reflexo pupilar e palpebral à luz presente e sistema vestibular bem
desenvolvido. Ao nascimento, a visão da criança é relativamente baixa devido à
imaturidade das estruturas cerebrais e oculares relacionadas tanto com a visão quanto
com a movimentação dos olhos. Somente por volta de 2 meses de vida estarão
estabelecidas a fixação monocular, o olhar conjugado horizontal e o alinhamento ocular.
Em torno de 4 meses observa-se a presença do reflexo oculopalpebral, o olhar
conjugado vertical, a discriminação cromática e a associação da fixação macular com
movimentos manuais para pegar objetos próximos33,35.
A visão binocular ou estereopsia, inicia seu desenvolvimento por volta de 4 a 5 meses
e atinge a função do adulto entre 5 a 7 meses. Com aproximadamente 12 meses,
juntamente com a coordenação motora tem-se a atenção visual, a discriminação de
formas e objetos e a senergia acomodação-convergência. Finalmente, aos 3 a 4 anos de
idade a criança atinge a maturação completa do sistema visual35.
1.3 O DESENVOLVIMENTO VISUAL
São necessárias boas condições anatômicas e funcionais para que o desenvolvimento
da visão ocorra conforme descrito anteriormente. A criança necessita “ver” para
desenvolver a visão, e até que a visão esteja totalmente estabelecida, qualquer obstáculo
à formação da imagem nítida em cada olho pode levar a alterações do desenvolvimento
visual que se tornarão irreversíveis se não tratadas em tempo hábil33. São exemplos de
“obstáculos” que alteram irreversivelmente o desenvolvimento da visão: a opacificação
da lente do cristalino (catarata), o desvio ocular (estrabismo), as oclusões palpebrais, as
anisometropias e as altas ametropias não corrigidas por óculos33.
1.3.1 Métodos de Avaliação da Acuidade Visual
O teste de avaliação/quantificação da acuidade visual tem como objetivo a detecção
precoce de deficiências visuais, como as ametropias e a ambliopia39,40. A medida da
acuidade visual, especialmente do ponto de vista de saúde publica, é perfeitamente
viável e de fácil execução, dado que não exige alto nível de especialização do
examinador, sendo já estabelecida sua aplicação por professores41 e enfermeiros42,
possui um custo ínfimo e acurácia de 87,1% 40.
Os registros mais antigos encontrados sobre a medida da visão são de um
oftalmologista alemão, Kuechler, que em 1843 desenvolveu três tabelas de aferição.
Jaeger, em 1854, publicou uma tabela de leitura para documentar a visão, ainda hoje
usada. Em 1861, Donders, inventou o termo “acuidade visual” (AV) para descrever a
quantidade da visão humana. Sua tabela conhecida como “E” de Donders foi a primeira
em termos científicos a introduzir a unidade de 1 minuto de arco como ângulo de menor
resolução visual para o olho humano. Em 1862, o oftalmologista holandês Herman
Snellen, com a ajuda de Donders, publicou sua famosa tabela dá-se a da em “optotipos”.
Snellen arbitrariamente definiu a “visão padrão” como a habilidade de reconhecer um
de seus optotipos com tamanho angular de 5 minutos de arco, sendo optotipo formado
por linhas de espessura e espaçamento de 1 minuto de arco38 (Fig.1A).
Figura 1 A. – Construção do optotipo de Snellen, em que cada componente subentende
um ângulo visual de 1 minuto, enquanto o optotipo inteiro subtende um ângulo de 5
minutos.
A tabela criada por Snellen é o méodo universalmente aceito pra medir a AV, apesar
de sua baixa confiabilidade e reprodutividade. Nesta tabela algumas letras são mais
legíveis do que outras; por exemplo, o “L” é mais fácil de ler do que o “E” e o paciente
deve saber ler. Além disto, esta tabela tem também o defeito de apresentarem diferentes
números de letras em cada linha, o que provoca o fenômeno de agrupamento e
espaçamento desproporcional entre as letras e as linha, além do universo medido não ser
suficiente em caos de baixa acuidade visual43. Ao invés de se utilizar a tabela de Snellen
com diversos tipos de letras em cada linha, utiliza-se com freqüência a tabela de
Snellen de optotipos “E”, pois alem de não exigir que se conheça as letras, apenas o
tamanho e consequentemente a resolução, são as únicas varáveis significativas. (Fig.1B)
Figura 1B - Tabela de optotipos de SNELLEN
Outros métodos de triagem foram propostos: a tabela Lea Hyvärinen ou LH em 1976,
com quatro símbolos (circulo, quadrado, casa e maçã) para crianças ainda não
alfabetizadas44 (Fig.1C) e os Protocolos “Early Treatment Diabetic Retinopathy Study”
em 1991 ou tabela ETDRS que apresenta 5 letras em cada linha e é considerada padrão
ouro e portanto,superior à de Sneller45 .(Fig.1.D)
Figura 1C - Optotipos da Tabela LH – Círculo, quadrado, casa e maçã – optotipos da
tabela confeccionada por Lea Hyvärenen.
Figura1D - Tabela ETDRS
1.3.2 Ametropias
O olho normal, no sentido óptico, é chamado “emétrope”. É um olho no qual os raios
paralelos incidentes convergem no plano retiniano, estando a lente do cristalino em
repouso14 (Fig. 2A).
Quando a focalização dos raios paralelos se dá em plano diferente do plano retiniano
diz-se que há um “vício de refração” ou uma “ametropia”. As ametropias são: miopia,
hipermetropia e astigmatismo14. (Fg. 2 A)
Figura 2 A - E – Emetropia; H- Hipermetropia; M - Miopia
Na hipermetropia todos os raios se focalizam para trás da retina e na miopia a
focalização ocorre antes da retina. (Fig.2A) O míope não tem a possibilidade de corrigir,
por si mesmo, o seu vício de refração; por menor que seja a miopia, a visão para longe é
precária. Por sua vez a visão para perto é boa no míope, e má no hipermétrope pois o
foco dos raios divergentes provenientes de um ponto próximo, aproxima-se da retina no
míope e dela se distancia no hipermétrope. (Fig.2B). O míope, portanto queixa-se de
pouca visão para longe e o hipermétrope refere-se,de preferência, dificuldade à leitura. 6
Figura 2 B – Visão para perto (P) : boa na miopia; má na hipermetropia,geralmente.
A miopia pode ser congênita ou adquirida e a hipermetropia geralmente é congênita.
A correção destas ametropias requer lentes convexas (convergentes) para as
hipermetropias e côncavas (divergentes) para as miopias. (Fig.2C)36,37
Figura 2 C – Miopia corrige com lente divergente (côncava).Hipermetropia com lente
convergente( convexa)
Outra ametropia bastante frequente é o astigmatismo, caracterizado pelo fato de os
raios incidentes não se dirigirem a um foco único, como na miopia e no astigmatismo.
Ao contrário forma-se um duplo foco: os raios que penetram no meridiano horizontal
convergem em um ponto diferente do procurado pelos raios que penetram pelo
meridiano vertical. A correção do astigmatismo requer um tipo de especial de lente,
chamada “cilíndrica”. Há astigmatismo associado à hipermetropia , à miopia e outros
tipos não serão aqui detalhados por não serem objeto do presente estudo.36
A presbiopia é um distúrbio visual que ocorre por volta dos 40 anos e refere-se a
redução fisiológica da capacidade acomodativa, de modo que o ponto próximo se afasta
gradativamante do olho. Para sua correção exige o uso de lentes convexas que
aproximam o ponto próximo do olho 36,37.
As ametropias não são propriamente “doenças”, mas “variações” individuais. Em
contrapartida deve-se recordar do que foi dito no ítem anterior quanto ao possível
desenvolvimento de anomalias irreversíveis no desenvolvimento visual devido a
ametropias não corrigidas36, 37.
1.3.3 Principais Oftalmopatias
As principais afecções oculares ou oftalmopatias estão categorizadas de acordo com o
capítulo VII da classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde, Décima Revisão (CID-10)46. Também são referidas pelo
Ministério da Saúde e Secretaria Estadual de Saúde - São Paulo através de Manuais de
Saúde Ocular37,47 . São os seguintes os grupos de diagnósticos e suas principais
oftalmopatias46,48 :
1- Transtornos da pálpebra, do Aparelho Lacrimal e da Órbita:
Carcinoma, Blefarites, Ectrópio, Entrópio, Ptose Palpebral, Hordéolo, Calázio,
Lagoftalmo Paralítico, Dacriocenites, Dacriocistites.
2- Transtornos da Esclera Conjuntiva e Córnea:
Conjuntivites agudas e crônicas, Conjuntivites Infecciosas e alérgicas, Síndrome
do Olho Seco, Leucomas Corneanos, Ceratocone.
3- Transtornos do Cristalino:
Catarata Congênita, Catarata Senil, Catarata Traumática
4- Transtornos da Íris e do Corpo Ciliar:
Uveítes anterior e intermediária, Uveítes idiopáticas e secundárias (Lepra,
Tuberculose, sífilis).
5- Transtornos da Coróide e Retina:
Cicatrizes coriorretinianas, Degeneração Macular e do Pólo Posterior,
Retinopatia Diabética e Hipertensiva, Retinopatia da Prematuridade.
6- Estrabismos:
Estrabismos Convergentes e divergentes.
7- Glaucomas:
Glaucoma Congênito, Glaucoma Primário de Ângulo Aberto (GPAA),
Glaucoma de Ângulo Fechado, Glaucoma Secundário.
8- Ambliopia
9- Outros Transtornos do Olho e Anexos
10- Cegueira Unilateral
11- Transtornos do Nervo Óptico e das Vias Ópticas
12- Visão Subnormal Uni ou Bilateral.
1.3.4 Ambliopia
Classicamente, a ambliopia é definida como a diminuição da AV, uni ou
bilateralmente, causada por privação visual e/ou por interação binocular anormal, sem
alterações oculares aparentes detectadas ao exame oftalmológico 14,15,32 . Ocorre
basicamente por uma falta no processo de desenvolvimento da acuidade visual. A
suscetibilidade do sistema visual a uma estimulação anômala é maior nos primeiros
meses de vida. Portanto, é fundamental que os desvios do desenvolvimento normal
sejam identificados e corrigidos o mais precocemente possível, sendo que os primeiros
meses de vida representam um período crítico neste processo16,17,32.
A ambliopia por privação é aquela causada pela falta de estímulo visual de forma,
durante o período crítico de sensibilidade e de plasticidade sensorial. Pode ser uni ou
bilateral e é causada por opacidades dos meios ópticos, com as cataratas, ou por ptose
palpebral significativa.
A ambliopia refrativa binocular é causada por altas ametropias binoculares geralmente
as hipermetropias. Já a ambliopia refrativa monocular é resultado da interação binocular
anormal, devido a presença de anisometropia. Esta , por sua vez, define-se como uma
diferença mínima de refração entre os olhares de 2 diopatias esféricas sem a presença de
estrabismo. Nestes casos, a dificuldade de interação binocular ocorre devido à
superposição das imagens não focalizada e da imagem focalizada ou, de uma imagem
grande e outra pequena (aniseiconia)49.
A ambliopia por estrabismo ocorre devido a supressão monocular do olho desviado o
que resulta na interação binocular anormal49.
1.3.5 Cegueira e Baixa Visão do Ponto de Vista Médico,
Educacional e Legal.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) baseia-se em valores quantitativos da
acuidade visual e/ou campo visual para definir a cegueira e a baixa visão e utiliza a
classificação Estatística de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID). De
acordo com a 10ª. Revisão do CID a definição de baixa visão ou visão subnormal é
quando o indivíduo apresenta AV corrigida no melhor olho menor que 0,3 e maior ou
igual a 0,05 ou campo visual menor que 20º no melhor olho com a melhor correção
óptica (graus 1 e 2 de comprometimento visual). A definição de cegueira é quando a AV
corrigida no melhor olho for menor que 0,05 (graus, 3,4,5) ou o indivíduo apresentar
campo visual menor que 10º no melhor olho com a melhor correção óptica34 .
Do ponto de vista educacional, a definição de cegueira está relacionada ao
desempenho funcional e não de acordo com os valores da escala de Snellen. Portanto, a
cegueira, neste caso, refere-se a ausência total da visão com perda da percepção
luminosa ou um resíduo mínimo de visão. O indivíduo dispõe de Braille no processo
ensino-aprendizagem e outros recursos didáticos. Já a baixa visão refere-se a indivíduos
que têm resíduo suficiente para ler textos utilizando recursos didáticos especiais50 .
Do ponto de vista legal, adota-se os conceitos oftalmológicos e portanto, define-se
cegueira quando a AV corrigida for igual ou menor que 0,05 no melhor olho e baixa
visão quando a AV corrigida for maior que 0,05 e menor que 0,3 no melhor olho. Já a
deficiência visual ocorre quando a somatória do campo visual de ambos os olhos for
igual ou menor que 60. Estes critérios permitem obtenção de benefícios legais na tarifa
de transportes municipal, interestadual, isenção de IPI na compra de carro e acréscimo
de 25% na aposentadoria (cegueira bilateral)51 .
1.3.5.1 Causas de Cegueira e Baixa Visão
Nos últimos decênios ocorreram alterações no perfil da deficiência visual no mundo
em decorrência da melhoria das condições de vida das populações, o avanço científico e
tecnológico e aumento da população de pessoas recebendo assistência oftalmológica e
outros cuidados. Houve aumento da expectativa de vida e predominância de doenças
crônicas-degenerativas11.
As causas de cegueira na população mundial também variam, mas a principal ainda
continua sendo a catarata (39%) seguida de ametropias não corrigidas (18%); glaucoma
(10%); degeneração macular relacionada à idade; cicatrizes corneanas (4%); retinopatia
diabética (4%); cegueira infantil (3%); tracoma (3%); oncocercose (0,7%). Outras
causas em conjunto equivalem a 11% do total52.
Com relação à cegueira infantil, à medida em que os serviços de atenção primaria ao
prematuro melhoram há um aumento do diagnóstico de retinopatia da prematuridade,
enquanto diminui-se as causas por hipovitaminose A e Cataratas Congênitas53 .
Também, em estudos de revisão na América Latina, a principal causa de deficiência
visual é a catarata, seguida de problemas no segmento posterior do olho (retina).
Ressalta-se também a importância das ametropias não corrigidas que aumentam o
número de deficientes visuais10, 53.
No Brasil apesar de vários trabalhos realizados em diferentes locais ainda não há
estudos de amplitude nacional. Nestes as principais causas de deficiência visual são:
vícios de refração não corrigidos, cataratas, glaucomas, seqüelas de traumas, retinopatia
diabética, degeneração macular relacionada à idade8, 9, 11, 54, 55, 56,57.
Portanto, outros estudos de prevalência buscando medir a distribuição das causas de
perda visual em outras regiões e em todo território nacional são fontes imprescindíveis
para o planejamento e administração de ações voltadas para prevenção, tratamento e
reabilitação, tanto em nível coletivo como individual58.
2. JUSTIFICATIVA
A promoção da saúde ocular é um princípio básico de incremento na qualidade de vida,
visto que uma melhor capacidade visual permite o desenvolvimento de potencialidades,
a melhoria no rendimento escolar e a participação plena na sociedade.59
Para combater a cegueira deve-se ter conhecimento sobre epidemiologia das afecções
oculares que variam conforme as condições geográficas e socioeconomicas. O Brasil,
pela suas dimensões continentais e diferenças econômicas e culturais nos diversos
Estados, demanda avaliação ampla para o estabelecimento de programas de prevenção
das causas de comprometimento visual. 54
O Quilombo São José da Serra, localizado no distrito de Santa Isabel, município de
Valença-RJ, é formado por 16 famílias e população total de 102 pessoas. A comunidade
não conta com nenhum programa de atenção à saúde, e atendimento médico
oftalmológico, há também ausência de estudos epidemiológicos direcionados às
ametropias e oftalmopatias. O presente estudo além de possibilitar a assistência
oftalmológica, fez a distribuição gratuita de lentes corretivas e garantiu atendimento em
centro especializado aos indicados (Instituto Benjamin Constant - Ministério da
Educação).
Este trabalho visa demonstrar a importância e a possibilidade da realização rotineira
do teste de acuidade visual no Programa de Saúde da Família. Colabora na prevenção
nas causas de cegueira e promoção da saúde ocular, além de contribuir para a
formulação de políticas públicas de oftalmologia sanitária em comunidades
isoladas. Também procura cumprir e viabilizar as determinações das Portarias 958/GM
de 15/05/2008 e 288 SAS de 19/05/2008, a primeira estabelece a Política Nacional de
Atenção em Oftalmologia e a segunda regulamenta ações educativas, teste de acuidade
visual, consulta médica e outras ações oftalmológicas na Atenção Primária60.
3. OBJETIVOS
Estabelecer a prevalência das ametropias e das afecções oculares na população do
Quilombo São José da Serra.
4. MÉTODOS
Foi realizado estudo de secção tranversal para determinação da prevalência de
ametropias e oftalmopatias na comunidade Quilombola São José da Serra – distrito de
Santa Isabel, município de Valença- Rio de Janeiro.
Neste estudo a causa e efeito são observados em um mesmo momento histórico sendo
rápida a coleta de dados, permitindo apenas relações de associação. Inclui um protocolo
previamente estabelecido através de exame clínico oftalmológico. É descritivo tendo
como questões, a prevalência dos distúrbios visuais e a comparação na referida
comunidade quilombola. Os estudos seccionais apresentam duas vantagens básicas: são
mais rápidos e menos dispendiosos e em princípio, são excelentes métodos para
descrever características de uma população em uma determinada época58.
4.1 Amostra do Estudo
O estudo envolveu o censo da Comunidade Remanescente do Quilombo de São José
da Serra no distrito de Santa Isabel do município de Valença, estado do Rio de Janeiro5.
Foi realizado um primeiro contato com o líder comunitário local “Toninho Canecão”
para obter informações sobre a comunidade e os eventuais problemas de visão. Segundo
informações colhidas a população adscrita não tem atendimento domiciliar por agentes
de saúde e muito menos acesso a atendimento oftalmológico. Uma vez, tendo sido
demonstrado interesse pelo projeto, foi feita visita domiciliar acompanhada pelo líder
em cada uma das casas e procedido o recenseamento “in locu” da população.
Contabilizou-se 102 pessoas distribuídas em 22 casas e 16 núcleos familiares. Foi
realizada reunião para maiores esclarecimentos sobre o projeto, palestra sobre a
importância da visão e do exame oftalmológico para a prevenção da cegueira.
Por ocasião da realização do exame oftalmológico o próprio mestrando e orientador
realizaram treinamento de 3 acadêmicos da medicina em relação à anamnese e medidas
da acuidade nas tabelas SNELLEN, LEA e ETDRS. O processo de coleta de
informações foi registrado na ficha do Protocolo do Exame Oftalmológico (Anexo I).
4.2 Exame Ocular
Todos os indivíduos foram submetidos à avaliação oftalmológica completa que inclui:
1- Anamnese dirigida
2- Ectoscopia (ocular)
3- Medida da acuidade visual (AV) com e sem correção com as tabelas ETDRS,
SNELLEN, LEA para crianças menores de 7 anos ou não alfabetizadas e tabelas
ETDRS e SNELLEN para crianças alfabetizadas e adultos.
4- Reflexo vermelho com oftalmoscópio direto
5- Teste de Titmus ou de estereopsia
6- Avaliação semiológica motora
Teste de cobertura monocular alternada
Teste de HIRSCHBERG
7- Refração objetiva sob cicloplegia (se necessário)
8- Refração subjetiva
9- Biomicroscopia do segmento anterior (se necessário Testes de Z.Milder e
“Break Up Time”-BUT ou Teste de ruptura do filme lacrimal)
10- Tonometria de aplanação de GoldmannR e tonometria de sopro ou de não
contato
11- Fundoscopia direta e/ou indireta sob midríase com capacete de Schepens e lente
de 20 D.
A medida da acuidade visual (AV) com as tabelas LEA, SNELLEN e ETDRS foi
feita de forma independente, ou seja, aqueles que realizaram a medida da acuidade
por uma determinada tabela não tiveram conhecimento do resultado da AV da outra
tabela.
Para a realização dos testes foram escolhidos lugares tranqüilos e com iluminação
adequada. As tabelas SNELLEN e ETDRS foram afixadas a uma distância de 5
metros do examinando e a linha correspondente à acuidade visual 20/20 colocada
ao nível dos olhos do mesmo. Já a tabela LEA foi colocada perto para leitura, por
tratar-se de crianças. Antes do início do teste, os examinadores esclareceram a cada
sujeito o objetivo e o método do teste, facilitando a compreensão e a identificação
dos optotipos das tabelas62,63,64. No caso da tabela de SNELLEN foi apresentado o
optotipo “E” em suas variações, afim de que o sujeito pudesse indicar a direção do
mesmo. Esta explicação é feita com o indivíduo próximo a tabela. Para facilitar a
compreensão, principalmente no caso de crianças, foi dada ao sujeito uma régua em
formato de “E”, a qual ele podia girar conforme a posição da letra na tabela.
A acuidade visual foi aferida em cada olho separadamente, primeiramente no
direito e a seguir no esquerdo: começou-se apontando o primeiro optotipo da tabela,
continuando de acordo com as linha horizontais, de cima para baixo. Quando o
sujeito apresentou dificuldade em determinada etapa se voltou-se à linha anterior e
foi pedido que ele repitisse a mesma. A acuidade visual registrada é aquela da linha
em que o examinando acertou pelo menos 70% dos optotipos, sem apresentar
dificuldades, sendo utilizada a classificação fracionada para a tomada de notas. Este
exame foi realizado por acadêmicos da Faculdade de Medicina de Valença-RJ após
treinamento e sob supervisão do mestrando e orientador.
O critério para realização de refração foi a AV igual ou menor que 0,7 (20/30) na
tabela padrão ouro (ETDRS). Para os casos que necessitararm de cicloplegia foi
utilizado ciclopentolato a 1% sendo administrado 1 gota em cada olho com exame
após 40 minutos61,62,63.
Os critérios diagnósticos para ametropias, anisometropia e ambliopia15,16,36,65,66
foram:
1- Ametropia – erro refracional igual ou maior que 0,5 dioptrias por olho;
2- Amisometropia – diferença mínima de duas dioptrias esféricas entre os olhos
sem a presença de estrabismo;
3- Ambliopia – AV corrigida (tabela ETDRS) igual ou menor que 0,8 no pior olho
incluindo formas refracionais,anisométricas, estrábicas e ex anópsia ou de
privação. Nas formas refracionais, a refração deverá ser igual ou maior que +2,0
esférico, - 1,00 esférico ou – 1,00 cilíndrico no melhor olho, sob cicloplegia e
75cm , descontando 1,5 Dioptrica (D) da distancia e 1,0 D da Cicloplegia48,49.
Segundo Ingran, 1977 consideram-se a refração como base da triagem para
detecção de defeitos visuais. Também considera a hipermetropia de +2,00 a +2,75
dioptrias associado à esotropia, significativo para a presença de ambliopia; e
diferenças de dioptrias de +1,00 esférico ou – 1,00 cilíndricas associadas à presença
de ambliopia15.Foi considerado a queixa visual para prescrição de lentes corretivas
nas ametropias encontradas.
O diagnostico
parâmetros47,48:
das
diversas
afecções
oculares
seguiram
os
seguintes
1- Transtornos das Pálpebras, Aparelho Lacrimal e Órbita – diagnóstico conforme
ectoscopia e propedêuticas direcionadas, se necessário (Teste de Zappia Milder,
medida de fenda palpebral);
2- Transtornos da Conjuntiva, Córnea, Cristalino e Íris – diagnóstico conforme
exame biomioscópico no segmento anterior, sendo o parâmetro pra Síndrome do
Olho Seco o “Break Up Time” (BUT) menor que 10 segundos;
3- Estrabismo – diagnóstico pela alteração manifesta do alinhamento ocular;
4- Glaucoma–diagnóstico de casos suspeitos quando a pressão intra-ocular for
maior que 21mmHg e/ou a relação escavação/disco óptico for maior que 0,7;
5- Transtornos da Coróide e da Retina – diagnóstico conforme exame fundoscópico
direto e/ou indireto utilizando capacete Schepens e lente de 20 D.
4.3 Aspectos éticos
A pesquisa foi realizada de acordo com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras
Envolvendo Seres Humanos (Resolução196/1996 Conselho Nacional de Saúde)68 ,foi
submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de
Valença-RJ (Anexo II) . Também foi colhida autorização de cada participante do estudo
através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo III).
5. RESULTADOS
De uma população de 102 pessoas , foram examinados um total de 92 indivíduos
(90,19%), com idade variando de 6 meses a 89 anos.Dentre estes, 35 (38,04%) eram do
sexo masculino e 57 (61,95%) do sexo feminino.A faixa etária que abrangeu o maior
número de examinados foi a de 5 aos 10 anos (18,47%).A distribuição em todos os
grupos etários está demonstrada na Tabela 1.
TABELA 1: Distribuição dos indivíduos examinados, segundo gênero e faixa
etária, no Quilombo São José da Serra – Valença – RJ.
Grupo etário
(anos)
Masculino
n (%)
Sexo__
Feminino
n (%)
Total
n (%)
0 ──┤ 5
5 ──┤10
10 ──┤20
20 ──┤30
30 ──┤40
40 ──┤50
50 ──┤60
60 ──┤70
≥ 70
5 (45,45)
8 (47,05)
3 (27,27)
3 (27,27)
1 (25,00)
3 (50,00)
5 (35,71)
6 (66,66)
1 (11,11)
6 (54,54)
9 (52,94)
8 (72,72)
8 (72,72)
3 (75,00)
3 (50,00)
9 (64,28)
3 (33,33)
8 (88,88)
11(100,0)
17(100,0)
11(100,0)
11(100,0)
4(100,0)
6(100,0)
14(100,0)
9(100,0)
9(100,0)
TOTAL
35(38,04)
57(61,95)
92(100,0)
Os diagnósticos encontrados após exame dos 92 indivíduos do quilombo estão
detalhados nas Tabelas 2 e 5.
TABELA 2: Distribuição dos indivíduos por diagnóstico dentre os examinados no
Quilombo São José da Serra – Valença – RJ.
Diagnóstico
Total
n (%)
Normais
Ametropias (Com e sem prescrição de lentes)
Oftalmopatias
41 (44,56%)
44 (47,83%)
19 (20,66%)
(*) Alguns indivíduos apresentam mais de um diagnóstico
(**) Considerou-se ametropia o erro refracional ≥ 0,5 dioptria por olho
Encontrou-se ametropias, com necessidade de correção óptica, em 22 indivíduos ,
correspondendo à prevalência total de 23.91% do total. Dentre estes, 16 (72.72%) eram
do sexo feminino e 6 (27,27%) eram de sexo masculino.As faixas etárias acima de 50
anos apresentaram ametropias em 17 indivíduos (77,27%).A distribuição das ametropias
com prescrição de lentes corretoras em relação ao gênero e grupos etários encontram-se,
respectivamente, nas Tabelas 3 e 4.
TABELA 3: Distribuição das Ametropias com prescrição de lentes corretoras nos
indivíduos examinados, segundo o gênero no Quilombo São José da Serra –
Valença/RJ.
Sexo__
Feminino
n (%)
Ametropia
(tipos)
Masculino
n (%)
M
H
A+M
A+H
P
P + M/H/A/
0 (0,00)
0 (0,00)
1 (50,0)
0 (0,00)
2 (40,00)
3 (23,07)
0 (0,00)
0 (0,00)
1 (50,0)
2 (100,0)
3 (60,00)
10 (76,92)
0(0,00)
0(0,00)
2(100,0)
2(100,0)
5(100,0)
13(100,0)
TOTAL
6 (27,27)
16(72,72)
22(100,0)
Legendas
M = Miopia
A = Astigmatismo
H = Hipermetropia
Total
n (%)
P = Presbiopia
TABELA 4:Distribuição das ametropias com prescrição de lentes corretoras nos
indivíduos examinados, segundo a faixa etária, no Quilombo São José da Serra –
Valença – RJ.
Grupo etário
(anos)
M
n (%)
H
n (%)
A+M
n (%)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
1 (33,33)
0(0,00)
1(100,0)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 ──┤ 5
5 ──┤10
10 ──┤20
20 ──┤30
30 ──┤40
40 ──┤50
50 ──┤60
60 ──┤70
≥ 70
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
TOTAL
0 (0,00) 0 (0,00)
Legendas
M = Miopia
2 (9,09)
A = Astigmatismo
Ametropias
A+H
P
n (%)
n (%)
0 (0,00)
2(66,66)
0 (0,00)
0(0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0 (0,00)
0(0,00)
0(0,00)
0(0,00)
0(0,00)
1(100,0)
2(28,57)
1(16,66)
1(25,00)
P+ M/H/A
n (%)
Total
n (%)
0 (0,00) 0 (0,00)
0(0,00)
3(100,0)
0 (0,00) 0 (0,00)
0 (0,00) 1 (100,0)
0 (0,00) 0 (0,00)
0(0,00)
1(100,0)
5(71,42) 7(100,0)
5(83,33) 6(100,0)
3(75,00) 4(100,0)
2 (9,09) 5 (22,72) 13 (59,09) 22(100,0)
H = Hipermetropia
P = Presbiopia
TABELA 5:
Prevalência das Oftalmopatias nos indivíduos examinados no
Quilombo São José da Serra – Valença – RJ.
Alterações Oculares
Número
Prevalência em relação e
população examinada (92)
Prevalência em relação ao
total de oftalmopatias(12)
Ambliopia
Refracional
Catarata Senil
6
6,52%
31,58%
7
7,61%
36,84%
Glaucoma
1
1,09%
5,26%
Pterígio
(monocular)
Retinocoroidite Congênita
(binocular) (Toxoplasmose)
Hipopigmentação Retiniana
(Albinismo Ocular)
Atrofia da EPR / Peripapilar
Monocular (Monocular)
Binocular (Binocular)
1
1,09%
5,26%
1
1,09%
5,26%
1
1,09%
5,26%
2
1
1
2,17%
1,08%
1,08%
10,52%
5,26%
5,26%
Total
19
20,66%
100,0%
(*) EPR = Epitélio Pigmentar da Retina
6. DISCUSSÃO
A população estudada constitui uma comunidade de afrodescendentes situada em região
de difícil acesso e sem qualquer assistência oftalmológica. Não há dados disponíveis no
município sobre a saúde geral e ocular desta população.
No presente estudo, examinou-se 90,19% (n=92) da população do Quilombo São José
da serra no município de Valença – RJ. Houve um predomínio do sexo feminino
61,95% (n=57) do total de 92 individuos examinados, semelhante ao encontrado em
outros estudos (56,70) . A faixa estudada dos 5 aos 10 anos foi a que abrangem o maior
numero de examinados 18,47% (n=17). Por sua vez, a faixa etária dos 50 a 60 anos teve
o segundo lugar de examinados com 15,22% (n=14). As faixas etárias de 30 a 40 anos e
de 40 a 50 anos comtemplam cada uma respectivamente 4,34% (n=4) e 6,52% (n=6) da
população examinada (Tabela 1). O baixo numero de examinados no grupo etário mais
economicamente ativo sugere que pode estar havendo migração de pessoas para núcleos
urbanos com finalidade de garantir a sobrevivência do próprio quilombo como núcleo
territorial e cultural. Carril em 2006 cita a constatação, pelos mais velhos, da escassez
no quilombo rural mediante comparação com um passado de abundancia e alegria
cooperativa pós-escravidão (69) .
Apresentaram exame normal 44,56% (n=41) dos indivíduos examinados e entre os
exames anormais a maior prevalência foi de ametropias 47,83% e apenas 20,66%
(n=19) de doenças oculares. Foram prescritos óculos a 23,91% (n=22) dos 92
indivíduos examinados. Estudos de demanda oftalmológica na atenção primária,
contando todas as faixas etárias apresentam apenas 8,1% de exames normais e
prevalência de 70% de erros refrativos (56). Estas diferenças devem-se, provavelmente,
à drenagem viciada de pacientes anormais e demanda reprimida para o referido centro
de atenção primária. A grande maioria das pesquisas no Brasil estudaram ametropias
com necessidade de correção óptica em crianças sendo as prevalências variáveis: 3,5%
(54)
, 4,56% (71) , 6,33%(72) , 14,11(73) , 15,27% (57) . No presente estudo a prevalência das
ametropias com correção de lentes em crianças de zero a 5 anos foi nula sendo de
13,64% (n=3) em crianças de 5 a 10 anos. A comparação com outros estudos é
praticamente impossível pois a faixa etária dos vários trabalhos é diversa e também a
metodologia. Alguns autores propõem a padronização do registro das causas de perdas
visuais em crianças, o que permitiria além de análises comparativas a detecção de
mudanças no padrão das causas(74).
Em relação às ametropias, apenas 23,91% (n=22) necessitaram de correção óptica
(23,91%), sendo 72,72% (n=16) do sexo feminino e 27,27% (n=6) do sexo masculino
(Tabela 3). A grande maioria das prescrições ópticas foram em adultos e idosos: 4,54%
(n=1) em indivíduos de 20 a 30 anos com astigmatismo e hipermetropia, 4,54% (n=1)
entre 40 e 50 anos com presbiopia isolada e 77,27% (n=17) em maiores de 50 anos com
presbiopia, sendo 18,18% (n=4) isolada e 59,09% (n=13) com presbiopia associada a
astigmatismo, miopia ou hipermetropia (Tabela 4). Foram encontrados na faixa etária de
5 a 10 anos 13,64% (n=3) sendo 2 casos de hipermetropia e astigmatismo e 1 caso de
miopia e estigmatismo. Vários outros estudos também demonstraram este padrão na
distribuição das ametropias em população infantil (16,54,57,59,71,73,76,77), com predomínio
das ametropias positivas (hipermetropia e astigmatismo hipermetrópico), seguido das
ametropias negativas (miopia e astigmatismo miopico). Estudos recentes em crianças
pré-escolares no PSF da Lapa –RJ relataram prevalência de ametropias de 33,3% em
2007 (80) e de 61,8% em 2010 (75). Estes autores explicam tal fato à ausência de
campanhas de saúde oculares e os diversos “nós” encontrados no sistema de referência e
contrarreferência no SUS, com ausência de critérios para medida de visão pelo PSF(75).
Em comparação com estes estudos, a prevalência de ametropia nas crianças de 5 a 10
anos no Quilombo São José é até baixa (13,63%), principalmente, levando-se em conta
a ausência de assistência oftalmológica nesta comunidade.
A prevalência da ambliopia é variável na literatura de 1 a 10% (6,7,8,9,,17,54,59,73,75,77,78,79,80).
Em 1977, Scarpi (16) encontrou prevalência de 4,07% em estudantes de São Paulo. Em
2001, Neurauter (81) relatou prevalência de 1,39% em crianças de bairros da zona sul da
cidade do Rio de Janeiro. Schimiti (71), em 2001, relatou 1,76% em Ibiporã. Couto Jr. (54)
, em 2007, encontrou prevalência de 2,0% nas crianças de favelas da cidade do Rio de
Janeiro. Lopes (77), em 2002, encontrou 3,6% em alunos de escolas públicas e 5,9% em
alunos de escolas particulares da cidade de Londrina. Portes(80) encontrou em 2005,
prevalência de 8% nas crianças do Programa de Saúde da Família (PSF) na Lapa - Rio
de Janeiro. Por sua vez, Oliveira (75) , relatou em 2010 a prevalência de 10% de
ambliopia em 93 crianças de 3 a 6 anos também no PSF Lapa – RJ. Jeveanx (59)
encontrou, em 2006, prevalência de 4,1% nas crianças do PSF do Morro do Alemão
(Rio de Janeiro). Couto Jr. (57) relatou, em 2010, prevalência de 2% após triagem de
1800 crianças no município de Duque de Caxias, Baixada Fluminense. No presente
trabalho foram estudadas todas as faixas etárias e encontrou-se 6,52% de prevalência de
ambliopia somente refracional (Tabela 5). Destes indivíduos 4 eram crianças e somente
2 adultos. Portanto, a prevalência de ambliopia no Quilombo São José se equivale a
outros centros urbanos do país ou até é menor, por exemplo a prevalência em crianças
do PSF da Lapa na cidade do Rio de Janeiro (8% a 10%).
Em relação a catarata foi encontrada somente o tipo senil sendo a prevalência na
população quilombola de 7,61% (Tabela 5). Em publicação recente sobre causas de
cegueira e baixa visão em áreas urbanas da América Latina, a catarata foi a principal
causa de cegueira bilateral em pessoas de mais de 50 anos. Neste levantamento a
maioria das causas eram curáveis 43% a 88% e evitáveis (52 a 94%)(82). Em nosso meio,
estudo do perfil da demanda em Oftalmologia na atenção primária (Unidade Mista de
Saúde) de Luiz Antônio – São Paulo, Vargas(56) relatou, em 2010, 4,9% de catarata
senil. A prevalência diminuída desta casuística em relação ao Quilombo São José devese não somente ao fato de aquela unidade primária de atendimento ser próxima a um
grande serviço universitário público que permite fácil acesso à cirurgia, como também
ao fato da comunidade quilombola ser relativamente isolada e não ter assistência
primária à saúde.
Em relação ao pterígeo há relatos de prevalência de 8,2% em população rural
nigeriana(83). Vargas(56) relatou 6,7% em unidade primária de saúde em região urbana
com atividade econômica no cultivo de cana de açúcar e tradição de “queimadas”.
Shiratori(84), relatou em 2010 a prevalência de 8,12% na cidade de Botucatu –SP.
Recentemente em populações ribeirinhas dos Rios Solimões e Japurá na Amazônia
Brasileira, Ribeiro( 85 ) relatou uma das maiores taxas de pterígeo do mundo: 21,2% na
população geral e 41,1% de prevalência entre os maiores de 18 anos. A taxa de (1,09%,
n=1) prevalência de pterígeo na comunidade quilombola São José é baixa, se comparada
a outras regiões brasileiras aqui relatadas e inclusive em relação a população negra rural
na Nigéria (8,2%). Estudos sobre a distribuição mundial desta afecção mostrou relação
direta entre a taxa de prevalência e a proximidade da linha do equador(86). Talvez a
pequena amostra no presente estudo tenha influenciado, a baixa prevalência.
No presente trabalho a prevalência de glaucoma com casos suspeitos de glaucoma foi
também de 1,09% (n=1) semelhantes aos 1,3% relatados por Vargas(56) na Unidade
primária de Saúde de Luís Antônio – SP. Sakata(87) encontrou 3,4% de prevalência de
glaucoma no sul do Brasil utilizando os mesmos aparelhos diagnósticos também usados
no Quilombo São José (lanterna, lâmpada de fenda, tonômetro de aplanação de
GoldmannR oftalmoscópio direto). A pequena amostra populacional e inclusive na faixa
de 20 a 50 anos talvez explique esta pequena prevalência no Quilombo São José..
Outros achados no pólo posterior foram descritos, também com baixa prevalência
como: provável retinocoroidite por toxoplasmose (1,09%, n=1), hipopigmentação
retiniana (1,09%, n=1) e atrofia da EPR peripapilar (2,17%, n=2).
Em relação ao total de oftalmopatias (Tabela 5) a mais prevalente foi a catarata senil
com 36,84% (n=7) seguida da ambliopia refracional com 31,58% (n=6) (Tabela 5).
Estas afecções também coincidem com o maior grupo populacional estudado (crianças e
idosos) na comunidade quilombola São José da Serra.
7.CONCLUSÕES
No presente estudo transversal foi determinada prevalência das ametropias e
oftalmopatias no Quilombo São José da Serra, Valença – RJ. Foram examinados 92
indivíduos (90,19%) de uma população de 102 pessoas. A grande maioria, 72,72%
(n=16) do sexo feminino e 27,27 (n=6) do sexo masculino. As faixas etárias mais
prevalentes na comunidade são de crianças e idosos.
Em relação à prevalência de ametropias o predomínio é de presbiopia isolada 22,72%
(n=5) ou presbiopia associada a miopia, hipermetropia e/ou astigmatismo 59,09%
(n=13) seguido de astigmatismo hipermetrópico- 13,64% (n=3) e astigmatismo
miópico-4,54% (n=1).
Em relação às diversas afecções oculares a maior prevalência foi a catarata senil 7,61%
(n=7), seguido de ambliopia refracional 6,52% (n=6), atrofia do EPR/peripapilar 2,17%
(n=2), glaucoma 1,09% (n=1), pterígeo 1,09% (n=1), retinocoroidite por taxoplasmose
1,09% (n=1) e hipopigmentação retiniana (albinismo ocular) 1,09% (n=1).
8.CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escassez de estudos e dados sobre as condições de saúde ocular nas populações
remanescentes de quilombos aponta a relevância de pesquisas que realizem
levantamentos de indicadores epidemiológicos para a implementação de políticas
públicas que busquem o acesso equânime aos serviços de saúde e melhoria das
condições gerais de vida destes grupos. Portanto, a presente pesquisa de prevalência das
diversas ametropias e afecções oculares no Quilombo São José da Serra – Valença RJ,
contribui para fornecer subsídios importantes à tomada de decisões em saúde pública na
referida população e em outras similares, demonstrando a efetividade do exame
especializado oftalmológico nestas comunidades carentes e isoladas.Demonstra, na
prática, a possibilidade da assistência oftalmológica na Atenção Primária(ESF), como
preconizado pela Política Nacional de Oftalmologia do Ministério da Saúde.
Ressalta-se, entretanto, a necessidade de investigações semelhantes em outras
comunidades quilombolas afim de melhor compreender a real situação da saúde ocular
destas minoria de afrodescendentes.
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ANEXO I
Nome: _________________________ n°: _____________________ Data: ____________
Exame ocular prévio?
Diabetes (açúcar no sangue)?
Pressão alta?
Acuidade visual – testes
AV
Sim
Sim
Sim
Não
Não
Não
S/ correção
Teste
OD
C/ correção
OE
OD
OE
SNELLEN
ETDRS
LEA
Teste estereopsia (Titmus)
Normal
PIO
Normal
Biomicroscopia
Normal
Fundoscopia
Direta
Normal
Refração
Objetiva
ESF
CLI
Anormal
Anormal
Catarata
Indireta
Anormal
e/ou
EIXO
Não realizado
Outros
Subjetiva
ESF
CIL
EIXO
OD
OE
Oftalmologista: _________________________________________
Cicloplegia
Sim
Não
ANEXO II
ANEXO III
Dr.
Download

Completa - Universidade Estácio de Sá