Os impactos das plantas transgênicas no sistema de produção de alimentos ENTREVISTA Entrevista concedida a Lucas Tadeu Ferreira e Maria Fernanda Diniz Avidos Foto: Cláudio Bezerra Produtos geneticamente modificados podem aumentar de 15 a 25% a produtividade de alimentos nos próximos anos Transgênicos. Essa palavra complicada está cada vez mais presente no dia-a-dia dos brasileiros, que se vêem obrigados a optar pela aceitação ou não de produtos sobre os quais eles pouco conhecem. De um lado, a promessa de um futuro ambientalmente mais saudável e de uma agricultura mais produtiva; de outro a ansiedade gerada pela pouca informação acerca da qualidade dos produtos transgênicos e pelo medo do desconhecido, inerente a todos os seres humanos. Polêmicas à parte, o fato é que o Brasil terá que produzir alimentos suficientes para uma população duas vezes superior nas próximas décadas e isso certamente não será possível sem a expansão intensiva da fronteira agrícola e de migrações massivas, o que resultaria em impactos ainda mais graves para a nossa biodiversidade. Os resultados da biotecnologia na área agrícola têm apresentado evidências de que os produtos geneticamente modificados podem contribuir para um aumento de 15 a 25% na produtividade de alimentos nos próximos anos. Portanto, podem representar uma opção viável para enfrentar os desafios alimentares das próximas décadas, aliados é claro, à utilização de outras tecnologias, como a microeletrônica, a automatização e a informação, que deverão formar a base sustentável do desenvolvimento em nosso planeta. Preocupada em oferecer à população brasileira mais informações sobre os produtos transgênicos de modo que possam se posicionar e escolher com segurança - já que em breve, esses produtos estarão ocupando as prateleiras dos supermercados, além das páginas dos jornais, que já ocupam há algum tempo a revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento entrevistou, no dia 29 de março de 2000, o pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Elíbio Rech. A entrevista teve como enfoque as principais questões relacionadas aos produtos transgênicos, como pesquisa, desenvolvimento, vantagens, riscos e benefícios que podem gerar para a sociedade. Elíbio é engenheiro agrônomo, formado pela Universidade de Brasília (UnB), com mestrado em fitopatologia pela mesma Universidade, possui doutorado em genética celular e molecular pela Universidade de Nottingham, Inglaterra. Atualmente, coordena projetos de pesquisas sobre o desenvolvimento de plantas transgênicas em diferentes culturas e aspectos de suas aplicações no setor produtivo. Recebeu recentemente o Prêmio Governador do Estado de São Paulo - Invento Brasileiro, outorgado pelo Serviço Estadual de Assistência aos Inventores - SEDAI, relativo ao invento Processo de Obtenção de Plantas Leguminosas (Leguminosae) Transgênicas Contendo DNA Exógeno, de propriedade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa. 4 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento BC&D - Qual o impacto do desenvolvimento da ciência para a nossa sociedade? Rech - Presenciamos uma era onde o domínio do conhecimento é diretamente convertido em poder de negociação; onde a efetiva condução e desenvolvimento da ciência ocupa um lugar determinante no processo de globalização. Muito tem sido escrito a respeito da ciência. Fato que parece bastante óbvio, uma vez que o desenvolvimento da ciência tem sido, e continuará sendo, a base da nossa sobrevivência e da melhoria da qualidade de vida de nossa sociedade. Exemplos concretos dessas afirmações podem ser encontrados à nossa volta a todo momento. O que parece necessitar de uma urgente reflexão objetiva e correta é a forma como essa ciência chamada de ponta vem sendo conduzida em países desenvolvidos e em países em diferentes estágios de desenvolvimento. Essas colocações têm um único objetivo: otimizar as atividades científicas e torná-las efetivamente produtivas para que possam contribuir para o desenvolvimento de processos e produtos em benefício de nossa sociedade. BC&D - Por que pesquisar e desenvolver produtos transgênicos? Rech - Essencialmente, para melhorar a produção de alimentos, de forma mais racional e sustentável. Consequentemente, com redução de custos de produção, aumento de produtividade, redução de insumos e defensivos. Os transgênicos ou organismos geneticamente modificados (OGMs) não apareceram na forma de geração espontânea. O surgimento da tecnologia do DNA recombinante, onde os transgênicos estão inseridos, possibilitam manipulações de organismos até então não obtidas através de processos envolvendo a compatibilidade de cruzamentos. Consequentemente, sua utilização, é uma opção viável, como ferramenta fundamental para adição de valor agregado aos pro- dutos agropecuários. BC&D - Quais as vantagens comparativas dos produtos transgênicos em relação aos convencionais? Rech - Os resultados da biotecnologia na área agrícola têm apresentado evidências de que seus produtos geneticamente modificados deverão contribuir para um aumento de 15 a 25% em nossa produtividade de alimentos ao longo do próximos anos. A demanda por produtos da biotecnologia agrícola deverá aumentar significativamente em relação à utiliza- "A Embrapa pode ser considerada atualmente, como referência em nível mundial no desenvolvimento de transgênicos objetivando a comercialização" ção das plantas transgênicas. Atualmente, os produtos disponíveis estão associados à produção de plantas transgênicas contendo características que conferem valores endógenos às plantas, como genes de tolerância a herbicidas e resistência a doenças. Entretanto, a tendência é que avancem também para a geração de plantas com características que confiram valores exógenos, como a manipulação dos teores de óleos, vitaminas e minerais essenciais, bem como a utilização das plantas como bioreatores, para que produzam, por exemplo, anticorpos e vacinas. Possibilitando a expansão da participação da agricultura para o mercado farmacêutico. BC&D - Os produtos transgênicos são (bio) equivalentes aos convencionais? Rech - Não existem produtos con- vencionais na base da alimentação da sociedade denominada moderna. A quase totalidade dos produtos que compõe nossa base alimentar sofreram manipulações, ou seja, cruzamentos intra e inter espécies onde ocorreram transferências e mutações de genes, fazendo então parte da nossa evolução, onde seu estado natural vem sendo manipulado pelo homem há muitos séculos. Não obstante, a equivalência entre os produtos geneticamente modificados, denominada equivalência substancial, tem sido atualmente discutida. Principalmente com a função de regulamentar uma rotulagem ou não. O que necessita ser incrementada é a discussão referente à composição dos produtos geneticamente modificados, em relação aos produtos não modificados. BC&D - Os produtos transgênicos podem representar riscos para o meio ambiente e saúde humana? O que pode ser feito para minimizar estes riscos? Rech - Quanto ao efeito direto da utilização de OGMs como produtos de nossa alimentação, existem alguns pontos principais que devem ser considerados: 1) Existe algum perigo inerente em relação à utilização da tecnologia do DNA recombinante per si? A maioria das questões levantadas em relação aos alimentos transgênicos pode ser igualmente aplicável a alimentos denominados tradicionais. 2) Seus produtos derivados podem significar algum perigo aos consumidores? Não existem evidências que possam sugerir que alimentos advindos da tecnologia do DNA recombinante possuam qualquer risco inerente. Em adição às questões primárias, existe também a possibilidade de que a utilização da tecnologia do DNA recombinante possa causar algum possível efeito secundário sobre a saúde humana? Este ponto está relacionado ao meio ambiente e tem sido incluído dentre os protocolos de testes de segurança ambiental. É importante ressaltar ainda que nosso planeta é configurado como um sistema não linear fechado, ou seja, onde as causas não possuem uma Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 5 proporcionalidade direta com os efeitos. Além disso é finito do ponto vista físico. Como consequência, as avaliações, análises e interpretações de quaisquer modificações genéticas efetuadas em nosso ecossistema global, possuem características complexas, que atualmente, praticamente impossibilitam a determinação prévia dos efeitos absolutos, que poderão advir em relação a utilização de qualquer tecnologia. Contudo, as principais medidas práticas que devem ser tomadas, do ponto de vista de segurança contra reais ou hipotéticas possibilidades de riscos devem estar associadas a: 1) monitoramento do conhecimento científico; 2) uma rigorosa avaliação de segurança alimentar antes do produto chegar ao mercado; 3) incremento das pesquisas de forma a aumentar o entendimento de alimentos geneticamente modificados; 4) monitoramento da saúde humana e animal de forma a assegurar qualquer possível efeito adverso inesperado e; 5) monitoramento ambiental, de forma a coletar informações sobre os impactos derivados da liberação de OGMs no meio ambiente. BC&D - De que forma a biotecnologia pode contribuir para diminuir a fome no mundo? Rech - A biotecnologia não pode oferecer soluções imediatas para resolver o problema da fome no mundo. Este é um problema gravíssimo, principalmente nos países em desenvolvimento, e que já poderia ter sido solucionado, através de uma simples vontade política e humanitária. Apesar de que estes interesses tenham sido antagônicos em nível prático até hoje. Entretanto, é preciso entender que, como modelo viável de desenvolvimento, a utilização associada das chamadas novas tecnologias, como a biotecnologia, a microeletrônica, os novos materiais, a automatização e a informação, deverão formar a base sustentável do desenvolvimento em nosso planeta. Em relação à biotecnologia, especialmente quanto à manipulação da tecnologia do DNA recombinante, também denominada engenharia genética, gostaria de exercitar um raciocínio: Como produzire6 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento mos alimentos suficientes para uma população duas vezes superior? Se hoje, tentássemos aumentar cerca de 50% a produção dos nossos alimentos básicos, provavelmente não conseguiríamos através do aumento de produtividade. Para tanto, e como uma opção não viável, precisaríamos de uma expansão da fronteira agrícola de maneira intensiva, depredadora e de massivas migrações, o que resultaria em impactos ainda mais deletérios à nossa biodiversidade. "Diferentes aspectos relativos à propriedade intelectual, principalmente as patentes e proteção de cultivares, estão em íntima correlação com as plantas transgênicas" BC&D - Quais as principais etapas e custos para produzir uma planta transgênica, do laboratório ao mercado? Rech - Partindo do princípio de que o gene desejado esteja devidamente clonado e sua função caracterizada, desde a manipulação em laboratório até o mercado, o desenvolvimento de uma planta transgênica envolve basicamente as seguintes etapas: a disponibilização da característica (o gene); a introdução do gene na planta de interesse; a obtenção do evento (planta transgênica expressando a característica desejada e na forma desejada); a introdução no programa de melhoramento; a obtenção do evento elite; a seleção; a produção de sementes e o lançamento das sementes no mercado. Este desenvolvimento ocorre paralelamente às etapas fundamentais de propriedade inte- lectual, biossegurança, e segurança alimentar e ambiental. O custo para a execução dessas etapas varia principalmente em função do gene, da planta e do tempo de desenvolvimento, podendo ser estimado em torno de três milhões de reais e um tempo aproximado de cinco anos. Diante disso, a manipulação dessas tecnologia deve ser fundamentada na utilização de metodologias que possibilitem avaliar a relação de planta transgênica como produto, com uma visão ampla do sistema produtivo. BC&D - Existe relação entre plantas transgênicas e propriedade intelectual? Rech - Certamente. Diferentes aspectos relativos à propriedade intelectual, principalmente as patentes e proteção de cultivares, estão em íntima correlação com as plantas transgênicas, bem como todas as etapas para o seu desenvolvimento até o mercado. As patentes dos genes, seqüências reguladoras e processos de obtenção de transgênicos regulamentam sua utilização. Uma vez obtido o evento elite, o programa de melhoramento deverá produzir uma cultivar que deverá ser protegida, através dos mecanismos previstos em lei. BC&D - Como está o Brasil em relação à propriedade intelectual? Rech - Muito carente. O efetivo exercício da propriedade intelectual associado às tecnologias de geração de novas cultivares e do DNA recombinante necessita, como base, de um profundo conhecimento tecnológico, em íntima correlação com aspectos formais ligados à legislação. Consequentemente, é uma atividade multidisciplinar de fundamental importância para a condução e operacionalização das atividades tecnológicas. BC&D - Quem detém a propriedade dos genes utilizados atualmente? Rech - Em relação aos genes que denominamos de prateleira, ou seja, aqueles cujas funções estejam apro- priadamente caracterizadas e disponíveis para serem utilizadas hoje para a geração de um produto transgênico, praticamente todos estes genes estão devidamente protegidos através de patentes e são de propriedade das diferentes empresas envolvidas no desenvolvimento da biotecnologia. BC&D - Quais os principais métodos empregados na pesquisa e desenvolvimento de plantas transgênicas e não-transgênicas? Rech - Alguns aspectos sobre a natureza da tecnologia do DNA recombinante devem ser mencionados: Os humanos têm alterado o genoma das plantas, animais e microrganismos ao longo de muitos séculos. Os programas de melhoramento têm como objetivo a introdução de características desejáveis (genes) em plantas de interesse, visando o desenvolvimento de variedades melhoradas com relação a, por exemplo, aumento de produtividade, modificação da qualidade e conteúdo (amido, proteínas ou lipídeos) e resistência a pragas, entre outras características que acompanham as tendências do mercado mundial. Durante muitos anos, as modificações genéticas têm sido efetuadas através da exposição de sementes a radiações. Este processo causa mutações que podem, em sua grande minoria, ser selecionadas e introduzidas nos programas de melhoramento para produzir uma variedade melhorada. De forma sucinta, os métodos empregados nos laboratórios de engenharia genética de forma a manipular o código genético, podem ser comparados ao processo de cortar e colar. Um ou mais genes de interesse, que produzam um efeito intrínseco à determinada característica produto do gene, podem ser detectados no genoma de determinado organismo e, depois, cortados e colados no núcleo de outro organismo. O gene pode ser cortado do organismo doador, de forma precisa, permitindo que somente uma seqüência definida de DNA seja colada no organismo recipiente. Existem duas diferenças básicas entre a manipulação de tec- nologia do DNA recombinante e os métodos tradicionais de melhoramento animal e vegetal: a primeira é que a tecnologia do DNA recombinante permite o isolamento de uma característica definida (um gene) e transferência para outro organismo; e a Segunda é que esse processo não é limitado pelas barreiras de cruzamentos entre os reinos vegetal, animal e de microrganismo. Enquanto nos métodos denominados tradicionais, milhares de genes são cruzados ao mesmo tempo, limitados a "...entendo que a base da precaução existente não esteja baseada em evidências, mas sim em diversos interesses de segmentos oportunistas que, muitas vezes, podem ser prejudiciais aos interesses de nosso país" compatibilidade de cruzamento, causando muitas vezes, modificações indesejáveis de organismos elite. BC&D - Como avalia o estado da arte das pesquisas com transgênicos no Brasil, em relação aos países desenvolvidos? Rech - O Brasil possui massa crítica com competência na área da manipulação da tecnologia do DNA recombinante e produção de transgênicos em nível científico. Em relação aos países desenvolvidos, ainda somos um número reduzido. Entretanto, a Embrapa pode ser considerada atualmente, como uma referência em nível mundial no desenvolvimento de transgênicos objetivando a comercialização. BC&D - Qual foi o primeiro produto geneticamente modificado pelo homem que foi comercializado no mundo? Onde e quando? Rech - Os primeiros produtos geneticamente modificados foram comercializados na China, no início de 1990, com a introdução de tabaco e tomate resistentes a vírus. Dentre os países desenvolvidos, a primeira aprovação para utilização comercial de um organismo geneticamente modificado ocorreu nos Estados Unidos em 1994, quando a empresa Calgene comercializou o tomate com retardo na maturação. Até o final de 1995, mais de 35 petições foram aprovadas para comercialização, incluindo nove culturas e oito características, sendo 20 nos Estados Unidos e oito no Canada. Em 1996, aproximadamente 2.8 milhões de hectares foram cultivados comercialmente com plantas transgênicas no mundo, em áreas significativa nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, China, Argentina, México e África do Sul.. Atualmente, a área global cultivada comercialmente com plantas transgênicas é de aproximadamente 40 milhões de hectares. BC&D - Poderia apontar quais os principais produtos que estão sendo comercializados em outros países e que características foram incorporadas? Rech - Em 1999, as sete culturas transgênicas plantadas foram, em ordem descendente por área: soja, milho, algodão, canola, batata, hortaliças e mamão. A distribuição das características incorporadas estão associadas a tolerância a herbicidas, resistência a insetos e vírus e a combinação dessas características. BC&D - Quais os principais métodos empregados para detectar se determinados produtos são geneticamente modificados ou não? Rech - Existem métodos de rotina que utilizam proteínas e/ou DNA para a detecção de produtos geneticamente modificados. Estes métoBiotecnologia Ciência & Desenvolvimento 7 dos estão disponíveis em nosso mercado e em várias universidades e instituições de pesquisa. BC&D - E o Brasil está preparado para fazer essas avaliações com eficiência? Rech - Existem no Brasil, laboratórios e institutos de pesquisa que detêm competência técnica para operacionalizar os testes de segurança alimentar e ambiental requeridos para a aprovação de um OGM, como produto passível de comercialização. Entretanto, ainda não existe um protocolo geral, ou seja, aceito a aprovado por todos os países integrantes da Organização Mundial do Comércio. Tem sido divulgada uma tendência de que todos os testes sejam conduzidos por entidades que possuam ISO 25000. Caso esta tendência se concretize, não será mais possível a validação dos resultados dos testes conduzidos no Brasil. Uma vez que a quase totalidade das entidades envolvidas não possuem ISO 25000. Entretanto, a Embrapa tem demandado esforços no sentido de obter o ISO 25000 em alguns de seus centros de pesquisa que desenvolvam atividades na área de transgênicos. BC&D - Como o senhor avalia o projeto de lei, que ora tramita no Congresso Nacional, que prevê moratória de cinco anos para os produtos transgênicos? Rech - Sou objetivamente contrário a qualquer tipo de moratória que possa vir a ser operacionalizada em nosso país. Tenho total convicção de que, caso tais medidas sejam implementadas, deverão ser extremamente prejudiciais à nossa agricultura, com consequências deletérias econômicas significativas. Tecnicamente, uma moratória de cinco anos não responderia de forma adequada e absoluta às questões requeridas. Para tanto, seria necessário muito mais tempo. Com a incerteza quase total de estarmos conduzindo experimentos inadequadamente, uma vez que 8 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento teríamos que considerar nosso país, uma área isolada e mais importante, que não esteja sujeita as interferências de influencias causadas por outros países. Fato, provavelmente, sem possibilidade de ser controlado. BC&D - Como avalia a divulgação dos transgênicos pela mídia no Brasil? Rech - A mídia tem divulgado a tecnologia segundo a sua percepção. Obviamente, a mídia em geral, com poucas exceções em nosso país, carece de profissionais espe- "Sou objetivamente contrário a qualquer tipo de moratória que possa vir a ser operacionalizada em nosso país" cializados na tecnologia do DNA recombinante. Este fato não acontece somente no Brasil, mas também em países desenvolvidos. Tenho acompanhado o papel da mídia em relação ao assunto, e venho notando um crescente aumento da confiabilidade das informações divulgadas sobre a questão de OGMs. Entretanto, a falta de tradição das escolas de comunicação em ciência e tecnologia leva a uma conseqüente escassez de pessoal qualificado nessa área. BC&D - De que forma essa divulgação influencia a percepção pública desses produtos? E por que determinados segmentos representativos da sociedade são con- trários aos produtos geneticamente modificados? Rech - O poder da mídia na formação de opinião é de extrema relevância e responsabilidade. Não estou convencido de que nossa sociedade tenha uma posição contrária aos transgênicos. A carência de informação adequada, baseada em evidências, disponibilizada para a sociedade tem sido um fator importante para a formação de opinião de nossos cidadãos em relação a tecnologia do DNA recombinante. BC&D - O que deve ser feito para reverter esse quadro, já que os transgênicos são uma realidade em quase todo o mundo? Rech - Uma das soluções para esse problema é assegurar que cada órgão governamental, responsável pela regulamentação de atividades relacionadas à tecnologia do DNA recombinante, tenha a confiança dos consumidores e do público. E mais: que não estejam sob a influência dos interesses de produtores locais, nem tampouco capturados por movimentos políticos com agendas que extrapolam os interesses de nossa sociedade e o respectivo processo transparente da informação. BC&D - O senhor acha que o cidadão brasileiro está preparado para consumir produtos transgênicos ou seus derivados? Rech - Sim. Em relação ao metabolismo, qualquer ser humano do nosso planeta esta preparado para consumir produtos transgênicos e seus derivados. Entretanto, é compreensível a atitude de precaução por parte da opinião publica. Uma vez que nós, cientistas, não temos informado devidamente a sociedade em geral ao longo dos últimos anos. Não obstante, entendo que a base da precaução existente não esteja baseada em evidências, mas sim em diversos interesses de segmentos oportunistas que, muitas vezes, podem ser prejudiciais aos interesses de nosso país. BC&D - Por que a Embrapa ainda não lançou no mercado produtos geneticamente modificados? Quando e quais produtos serão lançados e com que características? Rech - A Embrapa tem como objetivo lançar seus primeiros produtos geneticamente modificados no mercado nos próximos anos. Entretanto, antes que estes produtos cheguem ao mercado, deverão ser efetuadas extensivas avaliações, principalmente, referentes à segurança alimentar e ambiental, de forma a assegurar ao consumidor a segurança do produto. Atualmente, vários projetos objetivando o desenvolvimento de plantas transgênicas estão sendo desenvolvidos pela Embrapa, bem como através de parcerias com empresas privadas. Podemos citar a soja tolerante a herbicidas e resistente a insetos; o feijão resistente ao virus do mosaico dourado do feijoeiro e tolerante a herbicidas; o mamão resistente ao virus da mancha anelar; a banana resistente a fungos; a batata resistente a virus X,Y e enrolamento; e o algodão resistente a insetos e tolerante a herbicidas. Em adição, têm sido iniciados projetos visando explorar o potencial das plantas transgênicas como bioreatores, ou seja, plantas que produzam determinados metabólitos de interesse farmacêutico, como por exemplo, um soja que produza hormônio de crescimento humano ou insulina. BC&D - Quem ganha e quem perde com a pesquisa e o desenvolvimento de produtos geneticamente modificados? Rech - Com a pesquisa, ganha nossa sociedade. Com o desenvolvimento de produtos geneticamente modificados, ganham a nossa sociedade e quem foi capaz de desenvolvê-los. Perdem as empresas que não forem capazes de comercializar um produto transgênico, agregando então valor a seus produtos e consequentemente beneficiando os produtores e a economia do país envolvido. BC&D - Que benefícios os produtos transgênicos podem oferecer para a sociedade? Rech - Os benefícios podem ser divididos em indiretos e diretos. Como exemplo de benefício indireto, pode-se citar uma planta transgênica resistente a insetos, que evita ou reduz a aplicação de inseticidas. Será um beneficio direto para o meio ambiente e indireto para o ser humano. Outro exemplo são as plantas transgênicas de mamão resistentes a vírus. Essas plantas deverão possibilitar o cultivo de mamão de forma não migratória, reduzindo a expan- "A regulamentação sobre rotulagem deverá ser desenvolvida de acordo com as exigências dos consumidores" são desnecessária da fronteira agrícola e gerando, consequentemente, benefícios para o produtor e meio ambiente. Destacam-se ainda as plantas transgênicas com retardo da saturação de óleo, com alto teor de vitaminas E, A, e outras vitaminas e minerais, além de plantas que produzam farmácos em larga escala e baixo custo, como o hormônio de crescimento e insulina. Estes são apenas alguns exemplos dos benefícios da utilização da tecnologia do DNA recombinante para a nossa sociedade. BC&D - Do ponto de vista ético, quais o senhor acha que devem ser os limites para as pesquisas com transgênicos? Rech - Os objetivos básicos das pesquisas científicas devem atender às demandas da sociedade. Os limites de hoje não serão os limites de amanhã. É difícil prever o futuro em relação à revolução biotecnológica em andamento. Entretanto, existem algumas tendências que podem ser facilmente especificadas. Neste cenário, deverá ocorrer um período de aproximadamente cinco anos de desorganização e conflitos entre segmentos da sociedade. Os governos deverão tomar diferentes atitudes, dependendo da avaliação da importância do uso da tecnologia em relação a opinião publica.. Então, a situação deverá entrar em equilíbrio, uma vez que haverá uma série de produtos geneticamente modificados no mercado competindo com os não-transgênicos e orgânicos. Consequentemente, novos produtos geneticamente modificados deverão ser introduzidos, comprovando os benefícios para o consumidor. OGMs verdes deverão emergir demonstrando seus benefícios para o meio ambiente e deverão ser aceitos como seguros. A regulamentação sobre rotulagem deverá ser desenvolvida de acordo com as exigências dos consumidores. Países envolvidos com a comercialização de OGMs deverão desenvolver práticas que reduzam impactos ambientais. Determinados produtos geneticamente modificados deverão ser restritos a determinadas regiões do país ou do mundo e os produtos orgânicos deverão apresentar um crescimento vertiginoso, entretanto, continuarão a apresentar alto custo de produção e de mercado, mostrando-se incapazes de substituírem a agricultura envolvendo defensivos e fertilizantes. Em suma, acredito que haverá um diálogo produtivo entre as empresas produtoras de OGMs, os consumidores, produtores, grupos ambientalistas e outros em relação à utilização da tencologia do DNA recombinante e de todos os benefícios para a sociedade decorrentes de sua utilização. Fato que entendo como uma posição ética. 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