Os impactos das plantas transgênicas
no sistema de produção de alimentos
ENTREVISTA
Entrevista concedida a
Lucas Tadeu Ferreira e
Maria Fernanda Diniz Avidos
Foto: Cláudio Bezerra
Produtos geneticamente modificados podem aumentar de 15 a 25% a produtividade de alimentos nos próximos anos
Transgênicos. Essa palavra complicada está cada
vez mais presente no dia-a-dia dos brasileiros,
que se vêem obrigados a optar pela aceitação
ou não de produtos sobre os quais eles pouco
conhecem. De um lado, a promessa de um
futuro ambientalmente mais saudável e de uma
agricultura mais produtiva; de outro a ansiedade
gerada pela pouca informação acerca da qualidade dos produtos transgênicos e pelo medo
do desconhecido, inerente a todos os seres
humanos.
Polêmicas à parte, o fato é que o Brasil terá que
produzir alimentos suficientes para uma população duas vezes superior nas próximas décadas e isso certamente não será possível sem a
expansão intensiva da fronteira agrícola e de migrações massivas, o que resultaria em
impactos ainda mais graves para a nossa biodiversidade.
Os resultados da biotecnologia na área agrícola têm apresentado evidências de que os
produtos geneticamente modificados podem contribuir para um aumento de 15 a 25% na
produtividade de alimentos nos próximos anos.
Portanto, podem representar uma opção viável para enfrentar os desafios alimentares das
próximas décadas, aliados é claro, à utilização de outras tecnologias, como a
microeletrônica, a automatização e a informação, que deverão formar a base sustentável do
desenvolvimento em nosso planeta.
Preocupada em oferecer à população brasileira mais informações sobre os produtos
transgênicos de modo que possam se posicionar e escolher com segurança - já que em
breve, esses produtos estarão ocupando as prateleiras dos supermercados, além das páginas
dos jornais, que já ocupam há algum tempo a revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento entrevistou, no dia 29 de março de 2000, o pesquisador da Embrapa Recursos
Genéticos e Biotecnologia, Elíbio Rech. A entrevista teve como enfoque as principais
questões relacionadas aos produtos transgênicos, como pesquisa, desenvolvimento, vantagens, riscos e benefícios que podem gerar para a sociedade.
Elíbio é engenheiro agrônomo, formado pela Universidade de Brasília (UnB), com
mestrado em fitopatologia pela mesma Universidade, possui doutorado em genética celular
e molecular pela Universidade de Nottingham, Inglaterra.
Atualmente, coordena projetos de pesquisas sobre o desenvolvimento de plantas
transgênicas em diferentes culturas e aspectos de suas aplicações no setor produtivo.
Recebeu recentemente o “Prêmio Governador do Estado de São Paulo - Invento Brasileiro”,
outorgado pelo Serviço Estadual de Assistência aos Inventores - SEDAI, relativo ao invento
“Processo de Obtenção de Plantas Leguminosas (Leguminosae) Transgênicas Contendo
DNA Exógeno”, de propriedade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa.
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
BC&D - Qual o impacto do desenvolvimento da ciência para a nossa sociedade?
Rech - Presenciamos uma era onde
o domínio do conhecimento é diretamente convertido em poder de
negociação; onde a efetiva condução e desenvolvimento da ciência
ocupa um lugar determinante no
processo de globalização. Muito tem
sido escrito a respeito da ciência.
Fato que parece bastante óbvio,
uma vez que o desenvolvimento da
ciência tem sido, e continuará sendo, a base da nossa sobrevivência e
da melhoria da qualidade de vida
de nossa sociedade. Exemplos concretos dessas afirmações podem ser
encontrados à nossa volta a todo
momento. O que parece necessitar
de uma urgente reflexão objetiva e
correta é a forma como essa ciência
chamada “de ponta” vem sendo
conduzida em países desenvolvidos e em países em diferentes estágios de desenvolvimento. Essas colocações têm um único objetivo:
otimizar as atividades científicas e
torná-las efetivamente produtivas
para que possam contribuir para o
desenvolvimento de processos e
produtos em benefício de nossa
sociedade.
BC&D - Por que pesquisar e desenvolver produtos transgênicos?
Rech - Essencialmente, para melhorar a produção de alimentos, de
forma mais racional e sustentável.
Consequentemente, com redução
de custos de produção, aumento de
produtividade, redução de insumos
e defensivos. Os transgênicos ou
organismos geneticamente modificados (OGM’s) não apareceram na
forma de “geração espontânea”. O
surgimento da tecnologia do DNA
recombinante, onde os transgênicos estão inseridos, possibilitam manipulações de organismos até então
não obtidas através de processos
envolvendo a compatibilidade de
cruzamentos. Consequentemente,
sua utilização, é uma opção viável,
como ferramenta fundamental para
adição de valor agregado aos pro-
dutos agropecuários.
BC&D - Quais as vantagens comparativas dos produtos transgênicos em relação aos convencionais?
Rech - Os resultados da biotecnologia na área agrícola têm apresentado
evidências de que seus produtos geneticamente modificados deverão
contribuir para um aumento de 15 a
25% em nossa produtividade de alimentos ao longo do próximos anos.
A demanda por produtos da biotecnologia agrícola deverá aumentar significativamente em relação à utiliza-
"A Embrapa pode ser
considerada atualmente,
como referência em
nível mundial no
desenvolvimento de
transgênicos objetivando
a comercialização"
ção das plantas transgênicas. Atualmente, os produtos disponíveis estão
associados à produção de plantas
transgênicas contendo características
que conferem valores endógenos às
plantas, como genes de tolerância a
herbicidas e resistência a doenças.
Entretanto, a tendência é que avancem também para a geração de plantas com características que confiram
valores exógenos, como a manipulação dos teores de óleos, vitaminas e
minerais essenciais, bem como a utilização das plantas como bioreatores,
para que produzam, por exemplo,
anticorpos e vacinas. Possibilitando a
expansão da participação da agricultura para o mercado farmacêutico.
BC&D - Os produtos transgênicos
são (bio) equivalentes aos convencionais?
Rech - Não existem produtos con-
vencionais na base da alimentação
da sociedade denominada moderna.
A quase totalidade dos produtos que
compõe nossa base alimentar sofreram manipulações, ou seja, cruzamentos intra e inter espécies onde
ocorreram transferências e mutações
de genes, fazendo então parte da
nossa evolução, onde seu estado
natural vem sendo manipulado pelo
homem há muitos séculos. Não obstante, a equivalência entre os produtos geneticamente modificados, denominada equivalência substancial,
tem sido atualmente discutida. Principalmente com a função de regulamentar uma rotulagem ou não. O que
necessita ser incrementada é a discussão referente à composição dos
produtos geneticamente modificados,
em relação aos produtos não modificados.
BC&D - Os produtos transgênicos
podem representar riscos para o
meio ambiente e saúde humana? O que pode ser feito para minimizar estes riscos?
Rech - Quanto ao efeito direto da
utilização de OGM’s como produtos
de nossa alimentação, existem alguns
pontos principais que devem ser considerados: 1) Existe algum perigo
inerente em relação à utilização da
tecnologia do DNA recombinante per
si? A maioria das questões levantadas
em relação aos alimentos transgênicos pode ser igualmente aplicável a
alimentos denominados “tradicionais”. 2) Seus produtos derivados
podem significar algum perigo aos
consumidores? Não existem evidências que possam sugerir que alimentos advindos da tecnologia do DNA
recombinante possuam qualquer risco inerente. Em adição às questões
primárias, existe também a possibilidade de que a utilização da tecnologia do DNA recombinante possa causar algum possível efeito secundário
sobre a saúde humana? Este ponto
está relacionado ao meio ambiente e
tem sido incluído dentre os protocolos de testes de segurança ambiental.
É importante ressaltar ainda que nosso planeta é configurado como um
sistema não linear fechado, ou seja,
onde as causas não possuem uma
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
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proporcionalidade direta com os efeitos. Além disso é finito do ponto vista
físico. Como consequência, as avaliações, análises e interpretações de
quaisquer modificações genéticas efetuadas em nosso ecossistema global,
possuem características complexas,
que atualmente, praticamente impossibilitam a determinação prévia dos
efeitos absolutos, que poderão advir
em relação a utilização de qualquer
tecnologia. Contudo, as principais
medidas práticas que devem ser tomadas, do ponto de vista de segurança contra reais ou hipotéticas possibilidades de riscos devem estar associadas a: 1) monitoramento do conhecimento científico; 2) uma rigorosa
avaliação de segurança alimentar antes
do produto chegar ao mercado; 3)
incremento das pesquisas de forma a
aumentar o entendimento de alimentos geneticamente modificados; 4)
monitoramento da saúde humana e
animal de forma a assegurar qualquer
possível efeito adverso inesperado e;
5) monitoramento ambiental, de forma a coletar informações sobre os
impactos derivados da liberação de
OGM’s no meio ambiente.
BC&D - De que forma a biotecnologia pode contribuir para diminuir
a fome no mundo?
Rech - A biotecnologia não pode
oferecer soluções imediatas para resolver o problema da fome no mundo. Este é um problema gravíssimo,
principalmente nos países em desenvolvimento, e que já poderia ter sido
solucionado, através de uma simples
vontade política e humanitária. Apesar de que estes interesses tenham
sido antagônicos em nível prático até
hoje. Entretanto, é preciso entender
que, como modelo viável de desenvolvimento, a utilização associada
das chamadas novas tecnologias,
como a biotecnologia, a microeletrônica, os novos materiais, a automatização e a informação, deverão formar
a base sustentável do desenvolvimento em nosso planeta. Em relação
à biotecnologia, especialmente quanto
à manipulação da tecnologia do DNA
recombinante, também denominada
engenharia genética, gostaria de exercitar um raciocínio: Como produzire6
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
mos alimentos suficientes para uma
população duas vezes superior? Se
hoje, tentássemos aumentar cerca de
50% a produção dos nossos alimentos básicos, provavelmente não conseguiríamos através do aumento de
produtividade. Para tanto, e como
uma opção não viável, precisaríamos
de uma expansão da fronteira agrícola de maneira intensiva, depredadora
e de massivas migrações, o que resultaria em impactos ainda mais deletérios à nossa biodiversidade.
"Diferentes aspectos
relativos à propriedade
intelectual,
principalmente as
patentes e proteção de
cultivares, estão em
íntima correlação com as
plantas transgênicas"
BC&D - Quais as principais etapas
e custos para produzir uma planta
transgênica, do laboratório ao
mercado?
Rech - Partindo do princípio de que
o gene desejado esteja devidamente
clonado e sua função caracterizada,
desde a manipulação em laboratório
até o mercado, o desenvolvimento
de uma planta transgênica envolve
basicamente as seguintes etapas: a
disponibilização da característica (o
gene); a introdução do gene na planta de interesse; a obtenção do evento
(planta transgênica expressando a
característica desejada e na forma
desejada); a introdução no programa
de melhoramento; a obtenção do
evento elite; a seleção; a produção de
sementes e o lançamento das sementes no mercado. Este desenvolvimento ocorre paralelamente às etapas
fundamentais de propriedade inte-
lectual, biossegurança, e segurança
alimentar e ambiental. O custo para a
execução dessas etapas varia principalmente em função do gene, da
planta e do tempo de desenvolvimento, podendo ser estimado em
torno de três milhões de reais e um
tempo aproximado de cinco anos.
Diante disso, a manipulação dessas
tecnologia deve ser fundamentada
na utilização de metodologias que
possibilitem avaliar a relação de planta
transgênica como produto, com uma
visão ampla do sistema produtivo.
BC&D - Existe relação entre plantas transgênicas e propriedade intelectual?
Rech - Certamente. Diferentes aspectos relativos à propriedade intelectual, principalmente as patentes e proteção de cultivares, estão em íntima
correlação com as plantas transgênicas, bem como todas as etapas para o
seu desenvolvimento até o mercado.
As patentes dos genes, seqüências
reguladoras e processos de obtenção
de transgênicos regulamentam sua
utilização. Uma vez obtido o evento
elite, o programa de melhoramento
deverá produzir uma cultivar que
deverá ser protegida, através dos mecanismos previstos em lei.
BC&D - Como está o Brasil em
relação à propriedade intelectual?
Rech - Muito carente. O efetivo exercício da propriedade intelectual associado às tecnologias de geração de
novas cultivares e do DNA recombinante necessita, como base, de um
profundo conhecimento tecnológico, em íntima correlação com aspectos formais ligados à legislação. Consequentemente, é uma atividade
multidisciplinar de fundamental importância para a condução e operacionalização das atividades tecnológicas.
BC&D - Quem detém a propriedade dos genes utilizados atualmente?
Rech - Em relação aos genes que
denominamos “de prateleira”, ou seja,
aqueles cujas funções estejam apro-
priadamente caracterizadas e disponíveis para serem utilizadas hoje para
a geração de um produto transgênico, praticamente todos estes genes
estão devidamente protegidos através de patentes e são de propriedade
das diferentes empresas envolvidas
no desenvolvimento da biotecnologia.
BC&D - Quais os principais métodos empregados na pesquisa e desenvolvimento de plantas transgênicas e não-transgênicas?
Rech - Alguns aspectos sobre a natureza da tecnologia do DNA recombinante devem ser mencionados: Os
humanos têm alterado o genoma das
plantas, animais e microrganismos ao
longo de muitos séculos. Os programas de melhoramento têm como
objetivo a introdução de características desejáveis (genes) em plantas de
interesse, visando o desenvolvimento de variedades “melhoradas” com
relação a, por exemplo, aumento de
produtividade, modificação da qualidade e conteúdo (amido, proteínas
ou lipídeos) e resistência a pragas,
entre outras características que acompanham as tendências do mercado
mundial. Durante muitos anos, as
modificações genéticas têm sido efetuadas através da exposição de sementes a radiações. Este processo
causa mutações que podem, em sua
grande minoria, ser selecionadas e
introduzidas nos programas de melhoramento para produzir uma variedade “melhorada”. De forma sucinta,
os métodos empregados nos laboratórios de engenharia genética de forma a manipular o código genético,
podem ser comparados ao processo
de “cortar” e “colar”. Um ou mais
genes de interesse, que produzam
um efeito intrínseco à determinada
característica “produto do gene”, podem ser detectados no genoma de
determinado organismo e, depois,
“cortados” e “colados” no núcleo de
outro organismo. O gene pode ser
“cortado” do organismo doador, de
forma precisa, permitindo que somente uma seqüência definida de
DNA seja “colada” no organismo recipiente. Existem duas diferenças
básicas entre a manipulação de tec-
nologia do DNA recombinante e os
métodos tradicionais de melhoramento animal e vegetal: a primeira é que
a tecnologia do DNA recombinante
permite o isolamento de uma característica definida (um gene) e transferência para outro organismo; e a
Segunda é que esse processo não é
limitado pelas barreiras de cruzamentos entre os reinos vegetal, animal e de microrganismo. Enquanto
nos métodos denominados tradicionais, milhares de genes são “cruzados” ao mesmo tempo, limitados a
"...entendo que a base da
precaução existente não
esteja baseada em
evidências, mas sim em
diversos interesses de
segmentos oportunistas
que, muitas vezes, podem
ser prejudiciais aos
interesses de nosso país"
compatibilidade de cruzamento, causando muitas vezes, modificações
indesejáveis de organismos elite.
BC&D - Como avalia o estado da
arte das pesquisas com transgênicos no Brasil, em relação aos países desenvolvidos?
Rech - O Brasil possui massa crítica
com competência na área da manipulação da tecnologia do DNA recombinante e produção de transgênicos em
nível científico. Em relação aos países desenvolvidos, ainda somos um
número reduzido. Entretanto, a Embrapa pode ser considerada atualmente, como uma referência em nível mundial no desenvolvimento de
transgênicos objetivando a comercialização.
BC&D - Qual foi o primeiro produto geneticamente modificado pelo
homem que foi comercializado
no mundo? Onde e quando?
Rech - Os primeiros produtos geneticamente modificados foram comercializados na China, no início
de 1990, com a introdução de tabaco e tomate resistentes a vírus.
Dentre os países desenvolvidos, a
primeira aprovação para utilização
comercial de um organismo geneticamente modificado ocorreu nos
Estados Unidos em 1994, quando a
empresa Calgene comercializou o
tomate com retardo na maturação.
Até o final de 1995, mais de 35
petições foram aprovadas para comercialização, incluindo nove culturas e oito características, sendo 20
nos Estados Unidos e oito no Canada. Em 1996, aproximadamente 2.8
milhões de hectares foram cultivados comercialmente com plantas
transgênicas no mundo, em áreas
significativa nos Estados Unidos,
Canadá, Austrália, China, Argentina, México e África do Sul.. Atualmente, a área global cultivada comercialmente com plantas transgênicas é de aproximadamente 40
milhões de hectares.
BC&D - Poderia apontar quais
os principais produtos que estão sendo comercializados em
outros países e que características foram incorporadas?
Rech - Em 1999, as sete culturas
transgênicas plantadas foram, em
ordem descendente por área: soja,
milho, algodão, canola, batata, hortaliças e mamão. A distribuição das
características incorporadas estão
associadas a tolerância a herbicidas, resistência a insetos e vírus e
a combinação dessas características.
BC&D - Quais os principais métodos empregados para detectar se determinados produtos
são geneticamente modificados
ou não?
Rech - Existem métodos de rotina
que utilizam proteínas e/ou DNA
para a detecção de produtos geneticamente modificados. Estes métoBiotecnologia Ciência & Desenvolvimento
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dos estão disponíveis em nosso
mercado e em várias universidades
e instituições de pesquisa.
BC&D - E o Brasil está preparado
para fazer essas avaliações com
eficiência?
Rech - Existem no Brasil, laboratórios e institutos de pesquisa que
detêm competência técnica para
operacionalizar os testes de segurança alimentar e ambiental requeridos para a aprovação de um OGM,
como produto passível de comercialização. Entretanto, ainda não existe um protocolo geral, ou seja,
aceito a aprovado por todos os
países integrantes da Organização
Mundial do Comércio. Tem sido
divulgada uma tendência de que
todos os testes sejam conduzidos
por entidades que possuam ISO
25000. Caso esta tendência se concretize, não será mais possível a
validação dos resultados dos testes
conduzidos no Brasil. Uma vez que
a quase totalidade das entidades
envolvidas não possuem ISO 25000.
Entretanto, a Embrapa tem demandado esforços no sentido de obter
o ISO 25000 em alguns de seus
centros de pesquisa que desenvolvam atividades na área de transgênicos.
BC&D - Como o senhor avalia o
projeto de lei, que ora tramita
no Congresso Nacional, que prevê moratória de cinco anos para
os produtos transgênicos?
Rech - Sou objetivamente contrário a qualquer tipo de moratória
que possa vir a ser operacionalizada em nosso país. Tenho total
convicção de que, caso tais medidas sejam implementadas, deverão
ser extremamente prejudiciais à
nossa agricultura, com consequências deletérias econômicas significativas. Tecnicamente, uma moratória de cinco anos não responderia de forma adequada e absoluta
às questões requeridas. Para tanto,
seria necessário muito mais tempo.
Com a incerteza quase total de
estarmos conduzindo experimentos inadequadamente, uma vez que
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
teríamos que considerar nosso país,
uma área isolada e mais importante, que não esteja sujeita as interferências de influencias causadas por
outros países. Fato, provavelmente, sem possibilidade de ser controlado.
BC&D - Como avalia a divulgação dos transgênicos pela mídia
no Brasil?
Rech - A mídia tem divulgado a
tecnologia segundo a sua percepção. Obviamente, a mídia em geral,
com poucas exceções em nosso
país, carece de profissionais espe-
"Sou objetivamente
contrário a qualquer
tipo de moratória
que possa vir a ser
operacionalizada
em nosso país"
cializados na tecnologia do DNA
recombinante. Este fato não acontece somente no Brasil, mas também em países desenvolvidos. Tenho acompanhado o papel da mídia em relação ao assunto, e venho
notando um crescente aumento da
confiabilidade das informações divulgadas sobre a questão de OGM’s.
Entretanto, a falta de tradição das
escolas de comunicação em ciência
e tecnologia leva a uma conseqüente escassez de pessoal qualificado nessa área.
BC&D - De que forma essa divulgação influencia a percepção pública desses produtos? E por que
determinados segmentos representativos da sociedade são con-
trários aos produtos geneticamente modificados?
Rech - O poder da mídia na formação de opinião é de extrema relevância e responsabilidade. Não estou convencido de que nossa sociedade tenha uma posição contrária
aos transgênicos. A carência de
informação adequada, baseada em
evidências, disponibilizada para a
sociedade tem sido um fator importante para a formação de opinião
de nossos cidadãos em relação a
tecnologia do DNA recombinante.
BC&D - O que deve ser feito para
reverter esse quadro, já que os
transgênicos são uma realidade
em quase todo o mundo?
Rech - Uma das soluções para esse
problema é assegurar que cada
órgão governamental, responsável
pela regulamentação de atividades
relacionadas à tecnologia do DNA
recombinante, tenha a confiança
dos consumidores e do público. E
mais: que não estejam sob a influência dos interesses de produtores
locais, nem tampouco capturados
por movimentos políticos com agendas que extrapolam os interesses
de nossa sociedade e o respectivo
processo transparente da informação.
BC&D - O senhor acha que o
cidadão brasileiro está preparado para consumir produtos
transgênicos ou seus derivados?
Rech - Sim. Em relação ao metabolismo, qualquer ser humano do
nosso planeta esta preparado para
consumir produtos transgênicos e
seus derivados. Entretanto, é compreensível a atitude de precaução
por parte da opinião publica. Uma
vez que nós, cientistas, não temos
informado devidamente a sociedade em geral ao longo dos últimos
anos. Não obstante, entendo que a
base da precaução existente não
esteja baseada em evidências, mas
sim em diversos interesses de segmentos oportunistas que, muitas
vezes, podem ser prejudiciais aos
interesses de nosso país.
BC&D - Por que a Embrapa ainda
não lançou no mercado produtos geneticamente modificados?
Quando e quais produtos serão
lançados e com que características?
Rech - A Embrapa tem como objetivo lançar seus primeiros produtos
geneticamente modificados no
mercado nos próximos anos. Entretanto, antes que estes produtos cheguem ao mercado, deverão ser efetuadas extensivas avaliações, principalmente, referentes à segurança
alimentar e ambiental, de forma a
assegurar ao consumidor a segurança do produto. Atualmente, vários projetos objetivando o desenvolvimento de plantas transgênicas
estão sendo desenvolvidos pela Embrapa, bem como através de parcerias com empresas privadas. Podemos citar a soja tolerante a herbicidas e resistente a insetos; o feijão
resistente ao virus do mosaico dourado do feijoeiro e tolerante a herbicidas; o mamão resistente ao virus da mancha anelar; a banana
resistente a fungos; a batata resistente a virus X,Y e enrolamento; e
o algodão resistente a insetos e
tolerante a herbicidas. Em adição,
têm sido iniciados projetos visando
explorar o potencial das plantas
transgênicas como bioreatores, ou
seja, plantas que produzam determinados metabólitos de interesse
farmacêutico, como por exemplo,
um soja que produza hormônio de
crescimento humano ou insulina.
BC&D - Quem ganha e quem perde com a pesquisa e o desenvolvimento de produtos geneticamente modificados?
Rech - Com a pesquisa, ganha nossa sociedade. Com o desenvolvimento de produtos geneticamente
modificados, ganham a nossa sociedade e quem foi capaz de desenvolvê-los. Perdem as empresas que
não forem capazes de comercializar
um produto transgênico, agregando então valor a seus produtos e
consequentemente beneficiando os
produtores e a economia do país
envolvido.
BC&D - Que benefícios os produtos transgênicos podem oferecer
para a sociedade?
Rech - Os benefícios podem ser
divididos em indiretos e diretos.
Como exemplo de benefício indireto, pode-se citar uma planta transgênica resistente a insetos, que evita ou
reduz a aplicação de inseticidas.
Será um beneficio direto para o meio
ambiente e indireto para o ser humano. Outro exemplo são as plantas
transgênicas de mamão resistentes a
vírus. Essas plantas deverão possibilitar o cultivo de mamão de forma
não migratória, reduzindo a expan-
"A regulamentação
sobre rotulagem
deverá ser
desenvolvida de
acordo com as
exigências dos
consumidores"
são desnecessária da fronteira agrícola e gerando, consequentemente,
benefícios para o produtor e meio
ambiente. Destacam-se ainda as plantas transgênicas com retardo da saturação de óleo, com alto teor de
vitaminas E, A, e outras vitaminas e
minerais, além de plantas que produzam farmácos em larga escala e
baixo custo, como o hormônio de
crescimento e insulina. Estes são
apenas alguns exemplos dos benefícios da utilização da tecnologia do
DNA recombinante para a nossa
sociedade.
BC&D - Do ponto de vista ético,
quais o senhor acha que devem
ser os limites para as pesquisas
com transgênicos?
Rech - Os objetivos básicos das
pesquisas científicas devem atender às demandas da sociedade. Os
limites de hoje não serão os limites
de amanhã. É difícil prever o futuro em relação à revolução biotecnológica em andamento. Entretanto, existem algumas tendências que
podem ser facilmente especificadas. Neste cenário, deverá ocorrer
um período de aproximadamente
cinco anos de desorganização e
conflitos entre segmentos da sociedade. Os governos deverão tomar diferentes atitudes, dependendo da avaliação da importância do
uso da tecnologia em relação a
opinião publica.. Então, a situação
deverá entrar em equilíbrio, uma
vez que haverá uma série de produtos geneticamente modificados
no mercado competindo com os
não-transgênicos e orgânicos. Consequentemente, novos produtos
geneticamente modificados deverão ser introduzidos, comprovando os benefícios para o consumidor. OGM’s “verdes” deverão emergir demonstrando seus benefícios
para o meio ambiente e deverão
ser aceitos como “seguros”. A regulamentação sobre rotulagem deverá ser desenvolvida de acordo
com as exigências dos consumidores. Países envolvidos com a comercialização de OGM’s deverão
desenvolver práticas que reduzam
impactos ambientais. Determinados produtos geneticamente modificados deverão ser restritos a
determinadas regiões do país ou
do mundo e os produtos orgânicos
deverão apresentar um crescimento vertiginoso, entretanto, continuarão a apresentar alto custo de
produção e de mercado, mostrando-se incapazes de substituírem a
agricultura envolvendo defensivos
e fertilizantes. Em suma, acredito
que haverá um diálogo produtivo
entre as empresas produtoras de
OGM’s, os consumidores, produtores, grupos ambientalistas e outros em relação à utilização da
tencologia do DNA recombinante
e de todos os benefícios para a
sociedade decorrentes de sua utilização. Fato que entendo como
uma posição ética.
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