ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA
JOAQUIM HENRIQUE ROCHA
FLOTILHA DO AMAZONAS:
Fator de Segurança, Defesa e Desenvolvimento da Amazônia.
Rio de Janeiro
2012
JOAQUIM HENRIQUE ROCHA
FLOTILHA DO AMAZONAS:
Fator de Segurança, Defesa e Desenvolvimento da Amazônia.
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia
apresentado ao Departamento de Estudos da
Escola Superior de Guerra como requisito à
obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos
de Política e Estratégia.
Orientador: CMG (FN-RM1) Pedro Fonseca Junior
Rio de Janeiro
2012
C2012 ESG
Este trabalho, nos termos de legislação
que resguarda os direitos autorais, é
considerado propriedade da ESCOLA
SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É
permitido a transcrição parcial de textos
do trabalho, ou mencioná-los, para
comentários e citações, desde que sem
propósitos comerciais e que seja feita a
referência bibliográfica completa.
Os conceitos expressos neste trabalho
são de responsabilidade do autor e não
expressam
qualquer
orientação
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Joaquim Henrique Rocha
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Rocha, Joaquim Henrique
Flotilha do Amazonas: Fator de Segurança, Defesa e
Desenvolvimento da Amazônia / Joaquim Henrique Rocha. - Rio de
Janeiro: ESG, 2012.
38 f.
Orientador: CMG (FN-RM1) Pedro Fonseca Junior
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentado ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como
requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política
e Estratégia (CAEPE), 2012.
1. Segurança e Defesa. 2. Amazônia e a Defesa Nacional. 3.
Flotilha do Amazonas. I. Título.
A minha amada esposa, Renata, e
queridos filhos, Henrique e Juliana,
pela amizade e apoio sinceros, que me
deram a tranquilidade necessária para
dedicação ao CAEPE.
AGRADECIMENTOS
Ao insigne orientador, CMG (FN-RM1) Pedro Fonseca Junior, pela condução na
busca do conhecimento. Agradeço o companheirismo, a fraternidade e o empenho
na orientação para a elaboração deste trabalho.
Ao distinto colaborador, CMG (FN-RM1) Carlos Antônio Raposo de Vasconcellos,
pela disponibilidade, gentileza e conhecimento, me sugerindo oportunas ideias para
a consecução final deste estudo.
Ao Comando da Marinha do Brasil pela oportunidade proporcionada, possibilitandome realizar o Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE) e apresentar
o presente estudo.
Aos integrantes da Escola Superior de Guerra (ESG) pela excelência na seleção do
corpo discente; pela qualidade do ensino prestado pelo corpo docente; pelo distinto
trato e apoio aos Estagiários na árdua jornada acadêmica empreendida.
Aos colegas do CAEPE 2012 – Turma Programa Antártico Brasileiro – PROANTAR,
pela qualidade de conteúdo e pela convivência durante o curso. Agradeço a honra
em poder estar ao lado de todos os senhores e senhoras, meus colegas de turma.
A todos que, de alguma maneira, contribuíram para a concretização deste
empreendimento.
E que saibam os brasileiros que há ali
muito do sacrifício do nosso marinheiro do
passado. Foram eles os primeiros
desbravadores, porque naquele passado
só havia rios para penetração, mas rios
em que até a água, que mitiga a sede,
que pode, hoje, ser purificada, era a
causa de tantos males sofridos.
Para eles, portanto, que foram os
gigantes das conquistas da região, a
nossa simpatia e um pensamento de
respeitosa
homenagem.
Para
os
fundadores da Flotilha do Amazonas, a
certeza de um julgamento certo da história
pelo bem que fizeram ao Brasil,
investindo-o aí da autoridade necessária a
sua soberania.
Levy Scavarda
RESUMO
A crescente importância geopolítica da Amazônia no contexto mundial, devido às
suas riquezas naturais e à sua relevância para o desenvolvimento e integração
continental, vem mantendo desperta a cobiça estrangeira, que alega a necessidade
de preservação do meio ambiente e de questões ambientais, tentando caracterizar a
região como um “Patrimônio da Humanidade”, com o intuito de restringir a soberania
sobre aquela área. Há tempos o Brasil sofre pressões para a internacionalização da
Amazônia brasileira, sendo essencial a efetiva presença do Estado naquelas terras
longínquas, de modo a preservar os interesses nacionais. Consoante com a Política
de Defesa Nacional, a Estratégia Nacional de Defesa e com o Livro Branco de
Defesa Nacional, além dos documentos decorrentes no âmbito da Marinha do Brasil,
apresenta-se a Flotilha do Amazonas (FlotAM) de modo a dar continuidade nas
ações para ampliar a presença da Força Naval na Amazônia brasileira. A
metodologia adotada comportou uma pesquisa bibliográfica, visando a buscar
referenciais teóricos, além da experiência do autor como Comandante da Flotilha do
Amazonas. Assim, é oportuno identificar medidas que a Marinha possa adotar para
adensar a presença da FlotAM naquela região, de modo a garantir a segurança da
Amazônia e possibilitar o seu desenvolvimento livre de pressões e ameaças de
qualquer natureza. Os dois últimos navios incorporados à Flotilha foram resultantes
de convênio com outras instituições. Independente destas obtenções, os meios da
Marinha existentes na Amazônia Ocidental ainda carecem de substituições e de
aumento quantitativo, de forma a melhorar sua capacidade operacional e de
combate, além de propiciar o incremento das ações de presença da Marinha na
região. Assim, com base em dados, estudos anteriores e vivência na região, concluise que os meios atuais devem ser substituídos e obtidos navios que disponham de
sistemas vitais no estado da arte.
Palavras-chave: Segurança e Defesa. Amazônia. Forças Armadas. Flotilha do
Amazonas.
RESUMEN
La importancia geopolítica de la Amazonía en el contexto mundial, debido a sus
recursos naturales y su importancia para el desarrollo y la integración continental,
viene manteniendo despierta la codicia extranjera, alegando la necesidad de la
preservación del medio ambiente y de los problemas medioambientales, tratando de
caracterizar la región como un "Patrimonio de la Humanidad", con el objetivo de
limitar la soberanía sobre esa área. Durante algún tiempo, el Brasil sufre presión
para la internacionalización de la Amazonía brasileña, es esencial la presencia
efectiva del estado en esas tierras lejanas, para preservar los intereses nacionales.
Según la Política de Defesa Nacional (Política de Defensa Nacional), la Estratégia
Nacional de Defesa (Defensa Nacional y Estrategia) y con el Livro Branco de Defesa
Nacional (Libro Blanco de Defensa Nacional), además de los documentos que
surgen en el contexto de la Marinha do Brasil, contamos con la Flotilha do Amazonas
(FlotAM) para proporcionar continuidad en las acciones para ampliar la presencia de
la fuerza Naval en la Amazonia brasileña. La metodología adoptada incluyó una
investigación bibliográfica, con el objetivo de buscar referentes teóricos, además de
la experiencia del autor como Comandante de la FlotAM. Así, conviene determinar
las medidas que podría adoptar la Armada para promover la presencia de FlotAM en
la región, con el fin de garantizar la seguridad de la Amazonía y su desarrollo libre de
presiones y amenazas de ningún tipo. Los dos últimos buques en la Flotilla fueron
derivados de los acuerdos con otras instituciones. Independientemente de estos
logros, medios existentes de la Armada en la Amazonía Occidental todavía
necesitan sustituciones y crecimiento cuantitativo, con el fin de mejorar su capacidad
operativa y combate, así como promover el desarrollo de las acciones de la
presencia armada en la región. Por lo tanto, basado en datos, estudios y experiencia
en la región, concluyó que los medios actuales deben ser reemplazados y obtuvo
nuevos buques con sistemas vitales en el estado de la técnica.
Palabras clave: Seguridad y Defensa. Amazonía. Fuerzas Armadas. Flotilha do
Amazon.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Alte
Almirante
AMRJ
Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro
CAEPE
Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia
CMG
Capitão de Mar e Guerra
Com4ºDN
Comando do 4º Distrito Naval
Com9ºDN
Comando do 9º Distrito Naval
ComFlotAM
Comando (Comandante) da Flotilha do Amazonas
DMD
Doutrina Militar de Defesa
EB
Exército Brasileiro
EMA
Estado Maior da Armada
EMiD
Estratégia Militar de Defesa
ESG
Escola Superior de Guerra
END
Estratégia Nacional de Defesa
EUA
Estados Unidos da América
FA
Forças Armadas
FlotAM
F lotilha do Amazonas
FN
Fuzileiro Naval
INPA
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
LBDN
Livro Branco de Defesa Nacional
MB
Marinha do Brasil
MD
Ministério (Ministro) da Defesa
MERCOSUL
Mercado Comum do Sul
NAsH
Navio de Assistência Hospitalar
NPaFlu
Navio-Patrulha Fluvial
ODS
Órgão de Direção Setorial
OM
Organização Militar
PAED
Plano de Articulação e Equipamento de Defesa
PAEMB
Plano de Articulação e Equipamento da Marinha do Brasil
PDN
Política de Defesa Nacional
PMD
Política Militar de Defesa
UNASUL
União das Nações Sul-Americanas
10
1. INTRODUÇÃO
Tudo o que se refere à região Amazônica é superlativo: a maior bacia
sedimentar do mundo, o maior rio, um enorme reservatório de água doce, a maior
floresta contínua e uma gigantesca biodiversidade, dentre outros indicadores. É uma
região singular, caracterizada também por um imenso vazio demográfico, pelas
grandes distâncias e dispersão dos núcleos urbanos, pelo clima quente e muito
úmido e pela densa rede fluvial.
Diante do valor estratégico global dos ativos que compõem o patrimônio da
região Amazônica, em virtude da significativa biodiversidade e dos recursos naturais,
com destaque para as reservas de água potável nos seus rios, e em razão da
disponibilidade de produção de energia renovável e não renovável, é natural que as
nações menos favorecidas da existência destes ativos almejem a Amazônia. O
próprio Ministro da Defesa enfatizou tal situação na aula inaugural do CAEPE:
O Brasil e, de forma mais ampla, a América do Sul, são grandes produtores
de energia renovável e não renovável, de proteína animal e vegetal.
Possuímos extensas reservas de água potável em nossos rios e em nossos
aquíferos. Temos enorme biodiversidade, e dispomos de vastos recursos
minerais.
[...]
Vários desses ativos podem tornar-se objeto de dramática competição
internacional (AMORIM, 2012a, p. 14).
Em decorrência desta importância estratégica e das ameaças que se
descortinam, ou não, a presença da Marinha do Brasil (MB) nesta região faz-se
permanente desde 1728. De modo a aumentar sua efetividade na porção mais
ocidental, a Marinha criou a Flotilha do Amazonas (FlotAM) em 1868, cujos navios
subordinados são, desde então, fundamentais para atuar como vetores de
segurança, realizar ações de presença e levar o apoio do Estado às populações
ribeirinhas, além de contribuir para o desenvolvimento regional. Em que pese ter
ocorrido a renovação destes meios fluviais no decorrer do tempo, atualmente
encontram-se, em média, com mais de trinta anos de atividade. Além de defasados
em relação ao estado da arte, também são quantitativamente insuficientes para
atender as elevadas demandas da região que se apresentam constantemente.
Portanto, diante das reiteradas demonstrações de cobiça da região Amazônica e da
elevada dependência da população ribeirinha em relação aos serviços prestados
pelos navios da MB, surge as seguintes questões: quais as ações a serem adotadas
11
para que a Flotilha do Amazonas disponha de meios capazes de cumprir as missões
atribuídas com elevado grau de eficiência? Como a FlotAM pode dar continuidade à
sua contribuição para garantir a Segurança Nacional, carreada do Desenvolvimento
necessário à Amazônia?
Este trabalho buscará atender as questões formuladas na presente
Introdução, que expõe o problema central, os objetivos, a delimitação da pesquisa e
outros elementos necessários para situar o tema em estudo. Posteriormente serão
descritas as características fisiográficas e comentados os potenciais econômicos da
Amazônia. Em seguida serão apontados os principais aspectos históricos e uma
abordagem geopolítica, bem como as ameaças relacionadas à soberania naquela
região, a fim de melhor evidenciar a sua importância estratégica. Em sequência, o
Planejamento Estratégico Militar será apresentado, bem como os documentos
basilares de Alto Nível da Defesa e da MB que guardam íntima ligação com o tema
do trabalho. Posteriormente serão evidenciados os antecedentes históricos da
criação e a conjuntura da evolução da Flotilha. A situação atual e as demandas
correntes são abordadas em seguida, bem como, as perspectivas de meios para a
FlotAM e as atividades decorrentes para o desenvolvimento da região delimitam a
fase final deste estudo.
A partir do conhecimento reunido nas seções anteriores serão apresentadas
as principais ideias desenvolvidas com as conclusões correspondentes, além das
devidas sugestões de ações necessárias para que a Flotilha do Amazonas possa
incrementar e dar continuidade à sua contribuição para a Segurança, a Defesa e o
Desenvolvimento da Amazônia no Século XXI.
Os seguintes tópicos não constituem foco do presente trabalho:
●
o desenvolvimento regional na sua abrangência envolvendo todos os
segmentos governamentais e empresariais;
●
uma análise mais ampla relativa aos antecedentes históricos, com uma
abrangência estendida até a Amazônia Legal;
●
as possíveis deficiências relacionadas a outros meios, por exemplo,
aeronaves, lanchas, viaturas, etc; e
●
os critérios utilizados para a elaboração do Plano de Articulação e
Equipamento da Marinha – PAEMB (BRASIL, 2009), documento decorrente da
Estratégia Nacional de Defesa – END (BRASIL, 2008).
12
As considerações apresentadas são fruto da vivência do autor que, entre
1994 e 1999, foi Imediato1 do NAsH ―Carlos Chagas‖, sediado em Manaus; Ajudante
da Seção de Operações do Com4°DN, em Belém, e Capitão dos Portos de
Tabatinga. Mais recentemente, em 2010 e 2011, exerceu o cargo de Comandante
da Flotilha do Amazonas. Igualmente contribuíram para tais reflexões os estudos
que realizou no âmbito do Estado-Maior da Armada (EMA) e no Curso Superior de
Inteligência Estratégica na ESG.
1
Oficial segundo-comandante de um navio ou cargo correspondente em órgão da MB.
13
2. CARACTERÍSTICAS FISIOGRÁFICAS E POTENCIAIS ECONÔMICOS
A Amazônia é a maior bacia hidrográfica da terra, revestida pela maior
floresta tropical do mundo, com imensa riqueza natural. Em decorrência, tem sido
objeto de discussões e questionamentos internacionais de conteúdo geopolítico, sob
a alegação de que a sua preservação é indispensável para o equilíbrio climático da
terra e que sua biodiversidade deve ser colocada à disposição de todos os povos.
Daí a caracterização da Amazônia como um ―Patrimônio Mundial da Humanidade‖ 2.
A partir desse pressuposto, afirma-se que a soberania sobre a região, exercida por
alguns países latino-americanos e, principalmente pelo Brasil, é injusta para com a
humanidade, conforme mencionado em Almanaque Abril (2012a).
Inicialmente, faz-se necessária uma breve caracterização geográfica da
Amazônia, a qual fica localizada ao norte da América do Sul, ocupando uma área
total de mais de 6,5 milhões de quilômetros quadrados e constituindo parte do
território de oito países: Brasil, Venezuela, Colômbia, Peru, Equador, Bolívia,
Suriname e Guiana, além da possessão Guiana Francesa. Deste total, cerca de 85%
situa-se em território brasileiro, com mais de cinco milhões de quilômetros
quadrados, aproximadamente 61% da área do País, e ocupa os Estados do Acre,
Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, além de parte de Mato Grosso,
Tocantins e Maranhão. Para exemplificar a magnitude desta área, considerando
apenas a Amazônia brasileira, sua extensão é sete vezes maior que a da França e
corresponde a soma de 32 países da Europa Ocidental. Apesar desse espaço físico,
a população Amazônica brasileira corresponde a menos de 10% do total de
habitantes do Brasil. As características mencionadas constam em Wikipédia (2012a).
A hileia3 amazônica, denominação atribuída à floresta tropical úmida pelos
naturalistas Alexander von Humboldt (1769-1859) e Aimé Bonpland (1773-1858),
apresenta uma área de cerca de 70% da região Amazônica e representa 42% da
cobertura florestal do Brasil. Constituída pelo rio Amazonas e seus afluentes, a
Bacia Hidrográfica Amazônica abrange uma área de, aproximadamente, sete
milhões de quilômetros quadrados, sendo 4,5 milhões em território brasileiro, o que
2
Na Amazônia, a UNESCO somente classifica o Parque Nacional do Jaú como uma unidade de
conservação brasileira de proteção integral da natureza, localizado nos estados do Amazonas e de
Roraima, com área distribuída pelos municípios de Barcelos, Codajás, Novo Airão e Rorainópolis.
Disponível em: <http://sistemas.mma.gov.br/portalcnuc/rel/index.php>. Acesso em: 22 abr. 2012.
3
Disponível em: < http://aulete.uol.com.br/hileia>. Acesso em: 05 set. 2012.
14
representa 20% das disponibilidades dos cursos de água doce do mundo, formando
o maior conjunto potâmico4 da Terra. Dessa superfície, apenas 8% foram expostos à
ação antrópica, ou seja, aquelas derivadas de atividades humanas, em oposição as
que ocorrem em ambientes naturais sem influência humana (CARRETEIRO, 1987).
A associação climática, topográfica e hidrográfica dota a região de vasto
manto florestal. Conforme mencionada anteriormente, a floresta cobre 70% da
região, isto é, 280 bilhões de hectares, perfazendo 75% das reservas brasileiras e
30% das mundiais; nas encostas das cordilheiras e planaltos se encontram florestas
de transição mistas, representadas por coqueirais, cerrados e savanas. Estima-se,
para o conjunto, a reserva madeireira em 50 bilhões de m 3, sendo 15 bilhões de m3
comerciáveis.
O Almanaque Abril (2012b) descreve que a bacia sedimentar com seus
gradientes suaves contribuiu para a formação da maior rede hidroviária do mundo,
com mais de 11.000 milhas náuticas5 de vias navegáveis. O rio Amazonas, o
principal da Bacia, segundo estudos peruanos e brasileiros de 2008, é o maior do
mundo em extensão com 6.992,06 quilômetros. Nasce no Peru, a partir das águas
formadas pelo degelo andino a quatro mil metros de altitude e a apenas 120 km do
Pacífico, com uma vazão de água de cerca de 100.000 m³/s (a maior do planeta).
Constitui-se quase num canal natural entre os dois oceanos, e que, ao entrar no
Brasil pela cidade de Tabatinga, na fronteira com a Colômbia e o Peru, percorre, em
uma planície a 82 metros do nível do mar, 3.200 km para desembocar no Oceano
Atlântico.
O rio chega à tríplice fronteira Brasil-Colômbia-Peru com o nome de Marañon,
sendo que ao entrar em território brasileiro passa a ter a denominação de Solimões.
No ―Encontro das Águas‖ com o rio Negro, afluente da margem esquerda que banha
a cidade de Manaus, passa a ter o nome de Amazonas, sendo os principais
afluentes os rios Negro, Trombetas e Jarí, na margem esquerda; e rios Madeira,
Xingu e Tapajós, na margem direita. A rede fluvial Amazônica possui características
que a transforma no caminho natural de mais alto valor econômico e social sendo,
assim, o eixo natural de ligação dos diversos pontos da região (CARRETEIRO,
1987, p. 29).
4
5
adj. || (neol.) que diz respeito a rios; fluvial.
Uma milha náutica equivale a 1.852 metros.
15
Segundo Triciuzzi (2001), a partir de Manaus é possível a navios com calado
de até 4,5 m navegar até Tabatinga em qualquer estação do ano. Na mesma
condição, navios de até 10 m de calado podem vir de Belém. Dentre as
características do rio Amazonas, encontra-se profundidades de até 130 metros na
altura da cidade de Óbidos e largura que pode atingir a 96 quilômetros na sua
desembocadura.
Conforme mencionado por Triciuzzi (2001), as vias de penetração, por meio
fluvial, ao território brasileiro na Amazônia Ocidental são:
- Rio Guainia - Negro: na cheia é navegável da foz até São Gabriel da
Cachoeira com embarcações de calado até 2,5 m. Vencida a cachoeira o rio Negro
volta a ser navegável até Cucuí, fronteira com a Venezuela.
- Rio Caquetá - Japurá: a navegação rio acima do Pelotão Especial de
Fronteira (PEF) do EB de Vila Bittencourt, alcança a cidade de La Pedrera, na
Colômbia, e a partir deste ponto o rio é não navegável em face das quedas d’água;
- Rio Javari: limite natural entre o Brasil e o Peru apresenta restrições à
navegação no período de seca e a inexistência de apoio logístico na região;
- Rio Juruá e Purus: rios penetrantes ao Brasil pelo Estado do Acre estes
apresentam restrições à navegação no período de seca tanto no Alto-Juruá como no
Alto-Purus. São rios em formação, por isto, sinuosos e com mudanças frequentes
nos seus leitos. Não existe apoio logístico nessa região;
- Rios Guaporé e Mamoré: limite natural entre o Brasil (estado de Rondônia)
e a Bolívia é navegável durante o ano todo para pequenas embarcações com calado
até 1,5 m;
- Rio Marañon/Ucayali - Solimões: é a via natural de penetração, navegável
em qualquer época do ano de Tabatinga a Pucallpa;
- Rio Putumayo - Içá: navegável somente nas épocas de cheias, para
embarcações de até 50 ton (TRICIUZZI, 2001, p. 38).
No rio Marañon, em Iquitos, está baseado o Comando de Operações Navais
da Amazônia da Marinha de Guerra peruana, assim como, no rio Putumayo, em
Puerto Leguízamo, encontra-se o Comando Naval del Sur, da Armada colombiana.
Ambos dispõem de meios em condições de acesso ao território brasileiro. Em se
tratando de rio internacional, o trânsito de uma Força Naval, em cenário de conflito
ou de crise político estratégica, estará sujeito à concordância dos países limítrofes
(Brasil, Colômbia e Peru).
16
A posição geográfica, o clima e a barreira da Cordilheira dos Andes a oeste
possibilitou que a região concentre cerca de 20% do estoque de água doce
armazenado no planeta. O acúmulo de toda essa água decorre da precipitação
regional, que atinge uma média de 35 trilhões de litros por dia.
Ainda sob o aspecto geográfico, a região Amazônia se caracteriza por
extensa depressão de terras equatoriais formando vasta planície e divide-se em três
grandes unidades: Escudo das Guianas, Escudo Brasileiro e a Bacia Sedimentar. O
equador terrestre a divide em duas partes, sendo a menor e mais acidentada ao
norte, caracterizando-se como um clima quente-úmido. Os dados disponíveis, até
agora, sobre o subsolo regional comprovam a vocação mineral da Amazônia
brasileira. (CARRETEIRO, 1987, p. 132).
Estudos apontam que, nada menos do que 1,4 milhão km² têm como
rotineira a presença de ouro secundário, isto é, ouro acumulado superficialmente em
aluviões6, depois de removidos das rochas matrizes, ou depósitos primários, pelos
agentes intempéricos.
Carreteiro (1987, p. 179) menciona que, de acordo com o Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (INPA), em 1986, calculou-se que se poderia extrair
desses depósitos secundários mais de 15.000 ton. de ouro puro, que na época
equivaliam a 32% das reservas medidas do planeta. Os escudos encerram, também,
a quarta maior reserva de cassiterita do planeta, a quinta de minério de ferro, além
de diamante, lítio, manganês, molibdênio, tungstênio, zinco, zircônio e minerais
radioativos, particularmente o tório.
Mas não são apenas as formações dos escudos que acumulam os metais.
Ao norte de Manaus, o Granito Mapuera, que ocupa área equivalente a 150.000 km²,
disposta paralelamente à margem esquerda do Amazonas, desde o Rio Negro até o
Rio Jari, revelou o maior depósito primário de cassiterita do País, a mina de Pitinga,
responsável por metade da produção nacional desse mineral de estanho. As rochas
da mina de Pitinga são também hospedeiras de ouro, nióbio, tântalo, zircônio, terras
raras, em particular ítrio, e criolita, um composto de flúor usado como fundente na
eletrólise do alumínio.
6
Ouro de Aluvião – o ouro brasileiro era encontrado no barranco das margens dos rios ou em seu leito. Recebe
essa denominação porque se misturava a outras substancias (argila, areia) acumuladas pela erosão. A
exploração do ouro de aluvião dispensava o trabalho de prospecção (sondagem) profunda. Empregava técnicas
rudimentares, usando-se poucos equipamentos: bateia (peneira de madeira em forma de cone); carumbi (vasilha
para transportar o cascalho); e almocafre (enxada utilizada na mineração). Disponível em: <
http://pt.shvoong.com/humanities/history/1899931-ouro-aluvi%C3%A3o/>. Acesso em: 05 set. 2012.
17
Segundo ainda o Almanaque Abril (2012b), a geografia da região e seus rios
caudalosos oferecem amplas perspectivas de aproveitamento para geração de
energia elétrica. Considerando-se apenas os sítios já inventariados, que não incluem
alguns aproveitamentos de porte e todos os mais modestos, como as pequenas
quedas,
a
Amazônia
brasileira
poderá
dispor
de
uma
capacidade
de
aproximadamente 92.000 mW. Para se ter uma referência, as Usinas Hidrelétricas
de Tucuruí II, no rio Tocantins, Girau e Santo Antônio, no rio Madeira, e Belo Monte,
no rio Xingu, após concluídas produzirão o total de energia de cerca de 21.000 MW.
A utilização dos recursos da Amazônia constitui num autêntico desafio, quer
por suas condições peculiares, quer pela heterogeneidade de seus ecossistemas.
O bioma amazônico cobre 49,3% do território brasileiro, sendo o de maior
extensão no país. Estimativas dão conta de que um terço do estoque genético
planetário se encontra na região. De acordo com o INPA, 60.000 espécies de
plantas (10% do total mundial), 2,5 milhões de artrópodes, 2.000 de peixes
(quantidade superior à encontrada em todo o Oceano Atlântico) e 300 de mamíferos
habitam a Amazônia.
Conforme apresentado, 40% do território amazônico datam do período précambriano, fazendo da região depósito de variados minérios: ferro, alumínio, cobre,
manganês, zinco, níquel, cromo, titânio, fosfato, ouro, prata, platina, paládio, ródio,
estanho, tungstênio, nióbio, tântalo, zircônio, terras-raras, urânio e diamantes.
Dessa forma, todo esse potencial natural desperta grande interesse
internacional, sobretudo por parte dos países desenvolvidos que dependem e não
dispõem destes recursos, que adotam a estratégia retórica de desqualificar a
capacidade dos países amazônicos em gerir tão importante reserva de recursos, de
modo a defender a intervenção cada vez maior de atores externos à região,
desafiando o basilar princípio da soberania territorial nas relações internacionais.
Em sequencia, serão apresentados os aspectos históricos da região
Amazônica, bem com uma abordagem geopolítica das suas potencialidades.
18
3. ASPECTOS HISTÓRICOS E UMA ABORDAGEM GEOPOLÍTICA
As pesquisas históricas revelam que a Amazônia foi descoberta pelo
navegador espanhol Vicente Yañez Pinzón, no crepúsculo do século XVI, em
fevereiro de 1500, ou seja, quase três meses antes da descoberta do Brasil. De
acordo com Vidigal (2002, p. 22), ao entrar na foz do Amazonas, o navegador
espanhol, desconhecendo as características geográficas do rio, dele tomou posse
em nome da Coroa espanhola. Começava a questão geopolítica Amazônica que,
com tonalidades diferentes, perdura até a atualidade.
Nos primeiros duzentos e cinquenta anos, portanto, até o Tratado de Madri
em 1750, os questionamentos geopolíticos sobre a Amazônia cingiram-se à
amplitude e tipificação do seu domínio por Portugal e Espanha. Nos séculos
seguintes, as discussões sobre a geopolítica Amazônica adquiriram dimensões
internacionais, suscitadas pelos países europeus e pelos EUA, alicerçados em
diversas razões, em especial aquelas que sustentam a internacionalização da
região, conforme Mattos (1980, p. 176).
Em 1850, o Superintendente do Observatório Naval de Washington, Tenente
Matthew Maury, sustentou a defesa da tese da livre navegação internacional do rio
Amazonas, considerando que pelo seu volume de águas deveria ser incorporado ao
mesmo status do direito marítimo. O governo norte-americano autorizou o envio de
uma canhoneira para explorar o rio que, desrespeitando os nossos direitos
soberanos, penetrou na grande caudal e navegou até Iquitos, no Peru. Esta violação
de nosso território exigiu enorme esforço diplomático do então Embaixador em
Washington, Sergio Teixeira de Macedo, para neutralizar a difundida propaganda
internacionalista disseminada por Maury e conseguir uma satisfação do governo
norte americano, conforme mencionado por Mattos7.
As discussões sobre a geopolítica Amazônica incidem ora sobre o domínio da
Amazônia em si, ora sobre a amplitude desse domínio, ou seja, quando se questiona
a geopolítica Amazônica, pretende-se caracterizar ou descaracterizar a soberania
incidente sobre aquela região, pois o conceito de geopolítica é obscuro, embaçado
por interesses nos quais nem sempre se pode distinguir, quando o seu conteúdo é
reconhecidamente de natureza científica, como ramo da antropogeografia das
7
―A Internacionalização da Amazônia‖. Artigo de Carlos de Meira Mattos, 2005. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1304200510.htm>. Acesso em: 20 set. 2012.
19
nações criada por Friedrich Ratzel (MAFRA, 1999, p. 8), ou predominantemente
orientado por critérios de conveniência, em geral ditados pelos interesses das
grandes potências.
O exemplo mais ostensivo dessa dubiedade conceitual é a estratégia de
dominação nazista que precedeu a Segunda Guerra Mundial. A agressão nazista
baseou-se na pseudocientífica Geopolítica de Haushofer, geógrafo e general alemão
que a denominou de ―metafísica geográfica‖, pela qual ―a raça alemã é destinada a
levar a paz ao mundo através da sua dominação e, por conseguinte, os outros
Estados devem assegurar à Alemanha todo seu espaço vital‖ (BOBBIO;
MATTEUCCI; PASQUINO, 1983, p. 544).
Atualmente, essa abordagem conceitual foi superada sem, porém, excluir
inteiramente a denominação com critério subjacente que os estudos dos fatores
geográficos sempre tentam permear nos fenômenos políticos, sobretudo nas
relações internacionais. Neste sentido, as relações internacionais incorporam, como
variável geopolítica, os fatores ecológicos que podem influir nas condições de vida
na Terra, como um todo (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1983, p. 545).
O conceito de soberania, próprio do âmbito do Direito Internacional Público,
tem sido manipulado no sentido de seguir um percurso idêntico, isto é, evasivo,
permeado de limitações quando se trata de países pouco desenvolvidos.
Originariamente entendida como expressão da vontade do soberano - o rei, o
imperador -, a noção de soberania foi marcada pelo absolutismo, donde o conceito
da soberania absoluta é o que não pode sofrer limitações por parte das leis. O
Estado moderno, porém, procurou compatibilizar o conceito de soberania com o
Estado democrático, que proclamou os direitos individuais do cidadão. É o Estado
de Direito, democrático em sua natureza, que passou, então, a ser entendido como
um atributo dos Estados que reconhecem haver entre si a mais estreita igualdade.
Uma das tentativas de internacionalização da Amazônia ocorreu na Bolívia,
em 1902, quando a empresa ―Bolivian Syndicate‖, de capital inglês, norte-americano
e alemão, arrendou a área que viria a ser o estado do Acre por vinte anos, com
autonomia alfandegária e poder militar sobre a população. A internacionalização
dessa parcela da região Amazônica não logrou êxito graças à reação dos
seringueiros, que venceram, em janeiro de 1903, a disputa pelo domínio do Acre.
Portanto, cabe ao Estado demonstrar forte e inabalável decisão de não
aceitar a violação de seus direitos soberanos em relação à Amazônia, ao território
20
brasileiro, conquistados arduamente através de cinco séculos, por portugueses e
brasileiros.
A política de defesa contra as pretensões internacionalistas na Amazônia
brasileira deve se basear, precipuamente, nos seguintes aspectos:
— demonstrar vontade nacional inabalável de preservar intocável nossa
soberania territorial – para tal deve mobilizar a consciência das elites e do povo;
— possuir uma diplomacia ativa e vigilante, capaz de refutar, veementemente
e de imediato, qualquer insinuação ou projeto internacionalista envolvendo o Brasil,
surja onde surgir, em qualquer país ou entidade internacional;
— estreitar as relações do Brasil com os países vizinhos amazônicos,
buscando
integrá-los
na
missão
de
defesa
contra
a
campanha
de
internacionalização da área;
— administrar eficazmente a proteção da floresta e a preservação do meioambiente – sem prejuízo da valorização política, econômica e social da região e de
seus habitantes; e
— manter na região um dispositivo militar de defesa, especializado em
operações ribeirinhas, que por seu efetivo, armamento moderno, equipamento e
adestramento, represente uma força de dissuasão convincente, capaz de
desencorajar aqueles que projetem uma conquista fácil (MATTOS, 2005).
A disputa em lide que se vislumbra esta se acentuando pela existência de
crises que geram preocupações mundiais, quais sejam: de energia; de água;
ecológica; e de alimentos. Neste aspecto, a Flotilha do Amazonas deverá estar em
condições de atender aos chamados em defesa da soberania, agindo desde logo
com ação de presença.
Para tal, igualmente deverão ser mantidos atualizados os planejamentos de
obtenção, preparo e emprego de meios desta Força Naval em conformidade com as
sistemáticas existentes e que serão apresentadas a seguir.
21
4. AS SISTEMÁTICAS DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO MILITAR
A atuação da Flotilha do Amazonas, da mesma forma que de outras
unidades operacionais das FA, é executada com base em diretrizes e
condicionantes constantes em documentos emanados desde o mais alto nível
governamental e de Defesa do País. Para tal, são observados dois processos com
esta finalidade precípua:
- a Sistemática de Planejamento Estratégico Militar (SPEM), a cargo do MD,
que estabelece a sistematização do planejamento de alto nível para as Forças
Armadas visando a contribuir com o atendimento dos objetivos da Defesa Nacional
(BRASIL, 2005, p. 1); e
- a Sistemática de Planejamento de Alto Nível da Marinha (SPAN), com o
propósito de estabelecer a estrutura de planejamento da MB, nos seus escalões
mais elevados, bem como a sua inserção no planejamento de Defesa Nacional,
guardando aderência aos documentos condicionantes emanados dos níveis políticos
(BRASIL, 2006, p. IV).
4.1 O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO MILITAR
A SPEM tem o propósito de definir e organizar, funcionalmente, as
atividades relacionadas com o preparo e o emprego do poder militar para atender às
demandas da Defesa do País. Para tal, envolve três níveis de planejamento: o
nacional, formado pelas mais altas autoridades do País; o setorial, constituído pelo
MD e demais órgãos com responsabilidades diretas com a Defesa; e o subsetorial,
composto pelas FA. Portanto, a obtenção, o preparo e o emprego de meios da
Flotilha do Amazonas é desenvolvido num nível operacional calcado em decisões
políticas.
O propósito, no nível nacional, é o de contribuir para a formulação e
condução da Política de Defesa Nacional (PDN) (BRASIL, 2005), da Estratégia
Nacional de Defesa (END) (BRASIL, 2008) e de outras políticas nacionais que digam
respeito ao preparo e emprego das FA, fundamentado na legislação e nos
documentos de mais alto nível do País, como a Constituição Federal (CF), as Leis
Complementares (LC) e Ordinárias e os Decretos. Conforme previsto na LC n° 136,
de 25 de agosto de 2010, ao MD cabe, também, a publicação do Livro Branco de
22
Defesa Nacional8 (LBDN) (BRASIL, 2012) no qual é descrito o contexto amplo da
política e estratégia para o planejamento da defesa, em perspectiva de médio e
longo prazo, e que deve conter dados estratégicos, orçamentários, institucionais e
materiais detalhados sobre as FA. Associado à END e à PDN, o LBDN atua como
documento esclarecedor sobre as atividades de defesa do Brasil.
Por sua vez, no nível setorial, o Planejamento Estratégico Militar resulta nas
formulações da Política Militar de Defesa (PMD) e da Estratégia Militar de Defesa
(EMiD), aprovadas pelo Ministro da Defesa. Já no nível subsetorial, a finalidade do
Planejamento Estratégico Militar está voltada para a construção de uma capacidade
militar para compor o esforço principal da Defesa Nacional. Deve-se observar a
necessidade de ser realizada separada e independentemente pelas FA e
formalizada em políticas, estratégias e planos decorrentes, cujos cumprimentos
resultam em configurações militares aptas para o emprego, conforme previsto na
SPEM (BRASIL, 2005).
Desde dezembro de 2011, a SPEM passou a ser conduzida, conjuntamente
e de forma coordenada, com a metodologia do Sistema de Planejamento Estratégico
de Defesa (SISPED) (BRASIL, 2011), particularmente nas áreas de interesses
comuns. O propósito maior do SISPED é a criação de condições futuras para a
obtenção e o constante aperfeiçoamento de capacidades operacionais das FA, de
modo a assegurar prontidão permanente para a Defesa (BRASIL, 2011).
Em uma análise sucinta dos documentos decorrentes do Planejamento
Estratégico Militar no âmbito nacional, pode ser constatada a elevada prioridade que
é atribuída à defesa da Amazônia, conforme a seguir.
A PDN, promulgada em junho de 2005, está preponderantemente voltada
para ameaças externas e em consonância com o Art. 142 da CF9 e com a LC n°
97/1999, alterada pelas LC n° 117/2004 e n° 136/2010, que atribuem às FA a
destinação principal de Defesa da Pátria. No Decreto de aprovação da PDN
8
A Presidenta Dilma Roussef, em cumprimento ao disposto no parágrafo 3º do art. 9º da Lei
Complementar nº 136, de 25 de agosto de 2010, e por meio da Mensagem Presidencial nº 323, de 17
de julho de 2012, enviou à apreciação do Congresso Nacional a versão preliminar do Livro Branco de
Defesa Nacional (LBDN), da Política Nacional de Defesa (PND), que se trata de uma revisão da PDN,
e da Estratégia Nacional de Defesa (END) atualizada.
9
Art. 142 ―As FA, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições
nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a
autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos
poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.‖. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 22 set. 2012.
23
(BRASIL, 2005) está previsto que órgãos e entidades da administração pública
federal deverão considerar, em seus planejamentos, ações que concorram para
fortalecer a Defesa Nacional, de modo que os esforços decorrentes desta Política
não fiquem restritos ao MD. Destaca-se na PDN o estabelecimento de uma postura
estratégica baseada na existência de capacidade militar com credibilidade, apta a
gerar efeito dissuasório, e pela prioridade ao Atlântico Sul e à Amazônia brasileira,
em virtude da importância geopolítica e da riqueza que essas regiões abrigam.
Especificamente sobre a região Amazônica, a PDN ressalta:
A Amazônia brasileira, com seu grande potencial de riquezas minerais e de
biodiversidade, é foco da atenção internacional. A garantia da presença do
Estado e a vivificação da faixa de fronteira são dificultadas pela baixa
densidade demográfica e pelas longas distâncias, associadas à
precariedade do sistema de transporte terrestre, o que condiciona o uso das
hidrovias e do transporte aéreo como principais alternativas de acesso.
Estas características facilitam a prática de ilícitos transnacionais e crimes
conexos, além de possibilitar a presença de grupos com objetivos contrários
aos interesses nacionais (BRASIL, 2005, p. 5).
Por sua vez, a END, promulgada em dezembro de 2008, estabelece que a
vertente preventiva da Defesa Nacional reside em uma postura estratégica da
Dissuasão, da Presença e da Projeção de Poder. Entretanto, em situações de crise
ou de conflito armado, poderá ser adotada a estratégia da Ofensiva. Em linhas
gerais, a END (BRASIL, 2008) está focada em ações e diretrizes estratégicas de
médio e longo prazo e tem por objetivo modernizar a estrutura nacional de defesa,
alicerçada em três eixos: na reorganização das FA, na reestruturação da indústria
brasileira de material de defesa e na política de composição dos efetivos das FA.
Para lograr êxito quanto ao emprego e reestruturação das FA, é fundamental
que seja estabelecido o trinômio que englobe monitoramento/controle, mobilidade e
presença. A característica de mobilidade10, especificamente, ganha relevância em
face da realidade geográfica do País e da situação das FA, ou seja, grandes
espaços a defender com meios escassos. Ainda nesse mister, a END (BRASIL,
2008, p. 6) orienta que a impossibilidade de garantir a onipresença, pode ser
minimizada
de
forma
eficiente
se
for
combinada
a
mobilidade
com
o
monitoramento/controle. De maneira geral, as três Forças deverão buscar a
integração em todos os campos, somando esforços e complementando umas às
outras, de maneira eficiente, em prol do Estado. Também é ressaltado que as
10
A mobilidade estratégica é entendida como a aptidão para se chegar rapidamente ao teatro de
operações. É complementada pela mobilidade tática, a qual se caracteriza pela aptidão para se
mover dentro do teatro de operações.
24
Forças deverão ser organizadas em torno de suas capacidades e não em função de
inimigos específicos (BRASIL, 2008, p. 8).
Ainda segundo esta Estratégia, a região Amazônica deve ser priorizada,
constituindo-se em um dos focos de maior interesse para a Defesa:
A Amazônia representa um dos focos de maior interesse para a defesa. A
defesa da Amazônia exige avanço de projeto de desenvolvimento
sustentável e passa pelo trinômio monitoramento/controle, mobilidade e
presença.
O Brasil será vigilante na reafirmação incondicional de sua soberania sobre
a Amazônia brasileira. Repudiará, pela prática de atos de desenvolvimento
e de defesa, qualquer tentativa de tutela sobre as suas decisões a respeito
de preservação, de desenvolvimento e de defesa da Amazônia. Não
permitirá que organizações ou indivíduos sirvam de instrumentos para
interesses estrangeiros - políticos ou econômicos - que queiram enfraquecer
a soberania brasileira. Quem cuida da Amazônia brasileira, a serviço da
humanidade e de si mesmo, é o Brasil (BRASIL, 2008, p. 5).
A integração da América do Sul também é ressaltada na END e, nesse
sentido, a aproximação do MERCOSUL e a Comunidade Andina de Nações (CAN),
se deu com a assinatura da Declaração de Cuzco, em 08 de dezembro de 2004,
onde foram criadas as bases para a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL).
Em verdade, o Tratado de Cooperação da Amazônia (TCA)11 iniciou esse processo
de integração em 1978, visando o desenvolvimento da Amazônia de um modo geral.
A concretização efetiva da UNASUL ocorreu na Terceira Cúpula de Chefes de
Estado, realizada em Brasília, em 23 de maio de 2008, quando os representantes
dos doze países da América do Sul assinaram o Tratado Consultivo12 da união
intergovernamental e, dessa forma, se espera um novo impulso desenvolvimentista
para os Países Amazônicos. Em meados de 2010, a UNASUL desempenhou um
papel fundamental na mediação na crise diplomática entre a Colômbia e a
Venezuela. Vale destacar: a América do Sul foi uma das últimas regiões do mundo a
criar um fórum permanente para discutir assuntos de segurança e defesa regional.
Em 15 de dezembro de 2008, na cúpula extraordinária da UNASUL foi finalmente
aprovada a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS). Trata-se de um
mecanismo que busca fomentar o intercâmbio no campo da segurança entre os
países que compõem a UNASUL, tais como: elaboração de políticas de defesa
conjunta; intercâmbio de pessoal das correspondentes FA; realização de exercícios
11
O TCA foi assinado por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana,Peru, Suriname e Venezuela.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Cooperação_Amazônico>. Acesso em: 22
set. 2012.
12
Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/União_de_Nações_Sul-Americanas>. Acesso em: 22
set. 2012.
25
militares combinados; participação em operações de paz; avaliações e análises
conjuntas sobre os cenários mundiais de defesa; integração de Bases Industriais de
Defesa; implementação de medidas de fomento de confiança recíproca; ajuda
coordenada em zonas de desastres naturais; entre outros. Este incremento no
intercâmbio entre países, especificamente os amazônicos, permitirá um estímulo ao
desenvolvimento socioeconômico da região.
No que tange à mobilidade, a capilaridade das hidrovias deve ser explorada
na região Amazônica, o que eleva, sobremaneira, a relevância dos exercícios e
adestramentos realizados em ambiente ribeirinho.
No que lhe diz respeito, o LBDN (BRASIL, 2012) soma-se à PDN (BRASIL,
2005) e à END (BRASIL, 2008) como documento esclarecedor sobre as atividades
de defesa do Brasil, em que pese a defasagem temporal entre os documentos em
vigor13. Especificamente, quanto às ações a serem desenvolvidas pela Marinha
relacionadas à Amazônia, o Livro Branco orienta:
Na elaboração dos projetos de articulação, obtenção e modernização de
meios e equipamentos da Marinha, deve ser considerada a seguinte
premissa, adotada a partir das diretrizes e orientações para a estruturação
da Força, estabelecida na END:
[...]
- o efetivo será reposicionado, devendo estar mais presente na região da
foz do Amazonas, nas fronteiras e nas grandes bacias fluviais do Amazonas
e do Paraguai-Paraná;
[...]
Com base nas premissas anteriores foram criados projetos de interesse, a
serem conduzidos em moldura temporal de curto a longo prazos. Alguns
deles estão listados a seguir, sem obedecer a ordem de importância e são
considerados prioritários e estratégicos pela Força:
[...]
- estruturar a Marinha com forças ribeirinhas para a bacia Amazônica e para
o Pantanal;
- assegurar os meios e a estrutura organizacional necessários ao
atendimento das atribuições subsidiárias afetas à Autoridade Marítima, com
a implantação do Programa ―Segurança da Navegação‖, que prevê a
criação e elevação de categoria de capitanias dos portos e suas delegacias
e agências e a construção de navios de patrulha fluvial, de transporte fluvial,
de assistência hospitalar e de embarcações dedicadas (LBDN, 2012, p.
101).
O LBDN (2011, p. 172) também evidencia que o emprego das FA contribui
para reduzir o prazo de resposta do Governo Federal frente às contingências. Para
tal, cada Força desempenha as tarefas que lhe são próprias, conforme as
atribuições associadas à Marinha:
• fiscalizar o cumprimento da legislação da segurança do tráfego aquaviário;
13
Tal defasagem deverá ser superada após a publicação da Politica Nacional de Defesa e da END
atualizada, que se encontram em avaliação pelo Congresso nacional.
26
• controlar o ensino profissional marítimo e portuário, contribuindo para a
formação de profissionais da Marinha Mercante em todo o País;
• zelar, por meio do Sistema de Segurança do Tráfego Aquaviário
(Capitanias dos Portos, Delegacias e Agências), pela salvaguarda da vida humana
no mar e nas águas interiores, pela segurança da navegação e pelo controle da
poluição hídrica por embarcações, plataformas e instalações de apoio;
• atender, por meio dos Navios de Assistência Hospitalar (NAsH),
conhecidos como ―Navios da Esperança‖, as populações ribeirinhas carentes da
Amazônia e do Pantanal Mato-Grossense. São as chamadas operações de
Assistência Hospitalar à População Ribeirinha (ASSHOP);
• atuar na execução de Ações Cívico-Sociais (ACISO) em diversas
comunidades carentes do País, por meio, entre outros, da recuperação de escolas e
abrigos, da assistência médico-odontológica e da doação de sangue a entidades
locais; e
• participar de operações de Apoio Humanitário, com a montagem de
hospitais de campanha, inclusive no exterior.
Para tanto, será apresentado como a Marinha realiza seu planejamento de
mais alto escalão.
4.2 O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA MARINHA
O Planejamento de Alto Nível executado na MB, por sua vez, insere-se no
Planejamento Estratégico Militar, abordado anteriormente, sendo traduzido por uma
sistemática lógica com componentes independentes, tendo como propósito a
previsão e a ordenação das atividades pertinentes ao cumprimento da missão da
Força. A SPAN é dividida em três fases: a Básica, a de Preparo e Emprego e a
Administrativo-Financeira. No decorrer dessas fases são elaborados os documentos
que definirão o emprego da Marinha, quais sejam:
Fase Básica – o Plano Estratégico da Marinha (PEM), produzido pelo EMA,
as Orientações do Comandante da Marinha (ORCOM) e, advindas de cada ODS, as
Orientações Setoriais (ORISET);
Fase de Preparo e Emprego – planos destinados às atividades de material Programa de Reaparelhamento da Marinha (PRM) e o Plano Parcial de Obtenção e
27
Modernização (PPOM), ciência e tecnologia, operações, adestramento, inteligência,
pessoal, mobilização e comunicação social; e
Fase
Administrativo-Financeira
–
a
publicação
Elementos
para
o
Planejamento Logístico e o Plano Diretor, este último condicionado, no âmbito
nacional, ao Plano Plurianual, à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e à Lei
Orçamentária Anual (LOA) (BRASIL, 2006, p. 2-11).
Com base na END (BRASIL, 2008) e na EMiD (BRASIL, 2006), a Marinha
desenvolveu o PAEMB (BRASIL, 2009), alinhado, no nível do MD, com o Plano de
Articulação e Equipamento de Defesa (PAED) (BRASIL, 2012). A MB elegeu seus
projetos estratégicos prioritários atendendo às orientações da END e com o
propósito de incrementar o Poder Naval, sendo que tais projetos foram relacionados
no LBDN (BRASIL, 2012), destacando-se o que tange à Amazônia:
Segurança da Navegação:
Trata-se da ampliação da presença da MB na Amazônia, no Centro-Oeste e
em áreas fronteiriças, adensando a vigilância nas grandes bacias fluviais;
além de criação e ampliação de organizações militares do Sistema de
14
Segurança do Tráfego Aquaviário (SSTA); bem como de meios navais
para suportar as atividades. Sua implementação total está prevista para
2031.
Destacam-se as seguintes metas:
• criação e elevação de categoria de capitanias, delegacias e agências
fluviais;
• adensamento das organizações do SSTA na bacia Amazônica e na bacia
Paraguai-Paraná; e
• construção de navios e avisos hidrográficos fluviais (LBDN, BRASIL, 2012,
p. 195).
Por ocasião da aula inaugural do Curso Superior de Política e Estratégia
(CSUPE) no campus Brasília da ESG, em 4 de setembro de 2012, o Ministro Celso
Amorim apresentou a seguinte atualização em relação ao PAED:
No momento, estamos concluindo, no âmbito do ministério, o PAED, Plano
de Articulação e Equipamento de Defesa, basicamente voltado ao reforço
da capacidade operacional das forças armadas e, portanto, também da
dissuasão. Cumpre observar que o PAED é um plano indicativo, que não
tem a força dos planos plurianuais e, muito menos, da lei orçamentária
anual; mas será referência importante para ações de prazo tão longo como
essas empreendidas para a defesa. Tomando-se por base os indicadores
econômicos atuais, estima-se que o plano, caso implementado, elevará a
razão entre gasto de defesa e PIB para 1,98%, ou seja, um aumento de
meio ponto percentual em relação ao nível corrente, ainda bem abaixo da
média BRICS de 2,4% (AMORIM, 2012b).
14
O SSTA é composto por Capitanias dos Portos, Delegacias e Agências da Marinha, fluviais ou
marítimas, que têm o propósito de atuar na salvaguarda da vida humana, na segurança da
navegação, no mar aberto e nas hidrovias interiores, e na prevenção da poluição hídrica por parte de
embarcações, plataformas ou suas instalações de apoio. Como também, contribuir para a orientação,
coordenação e controle das atividades relativas à Marinha Mercante e organizações correlatas no
que se refere à Defesa Nacional (LBDN, BRASIL, 2012, p. 195).
28
O PAED deverá consolidar os programas prioritários das FA e abrangerá um
período de 20 anos, incluindo metas de curto (2012-15), médio (2016-23) e longo
prazo (2024-31), devendo ser levado à chancela presidencial ainda em 2012. Será
integrado por mais de mil programas (em fase de definição ou já iniciados) incluindo da obtenção ou modernização de equipamentos à construção de bases e
instalações para as Forças. Segundo Pesce (2012), os ultranacionalistas creem que
o atual quadro de sucateamento de nossas FA faz parte de um plano de entrega da
nação, facilitado pela submissão ou omissão de seus dirigentes. Não é preciso
chegar a tanto, mas a manutenção de baixos níveis de investimento em Defesa - em
contraste com os objetivos cada vez mais ambiciosos da política externa brasileira denota certa "esquizofrenia estratégica".
As relações internacionais pressupõem a existência de Estados - isto é, de
comunidades políticas independentes, dotadas de governo, as quais afirmam sua
soberania sobre um território e uma população. De acordo com Pesce (2012), além
desta "soberania interna", os Estados possuem também "soberania externa" - cuja
manutenção requer Forças Armadas equipadas e adestradas. E conclui:
O Brasil tem insistido em ser, ao mesmo tempo, um "anão" político-militar e
um "gigante" territorial, demográfico, econômico e cultural. Em futuro breve,
porém, terá que optar entre ampliar seus investimentos na área de defesa alinhando-os com a dimensão geopolítica e os objetivos de uma potência
mundial - ou resignar-se em ocupar posição periférica no mundo. (PESCE,
2012, np.)
A análise do histórico da Flotilha do Amazonas demonstra que, por vezes, tal
planejamento não foi executado, conforme será apresentado a seguir.
29
5. ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Quando a Bolívia reabriu a questão de limites, notadamente na região
acreana, o Brasil estava em plena Guerra do Paraguai e convinha-lhe evitar outra
frente de batalha, sabido que naquele país se olhava, com simpatia, a causa do
paraguaio Solano Lopes. Nestas circunstancias, o Brasil mostrou-se disposto a
resolver definitivamente o assunto, e promoveu a assinatura do Tratado de
Ayacucho15, de 1867. Em seguida, visando preservar boas relações com esse
vizinho, além do Peru e da Colômbia, abriu o rio Amazonas e seus principais
afluentes à navegação de todas as bandeiras. Este ato impunha-lhe o dever de
resguardar a região pelo exercício de sua soberania, realizado por meio de um
patrulhamento naval efetivo.
O então 3° Distrito Naval (3°DN), sediado em Belém do Pará, era integrante
do Governo da Província do Grão-Pará, conforme organização da Marinha
estabelecida em 1863, sendo que a Divisão Naval subordinada, além de não ter
navios próprios para as inteiramente desconhecidas vias fluviais, tinha a sua
atividade limitada à sua área jurisdicional marítima. Por sua vez, a guerra com o
Paraguai obrigava o Brasil a dispor da maior quantidade de meios possíveis naquele
teatro de operações (SCAVARDA, 1968).
Assim, o Governo fez baixar o Aviso Imperial de 2 de junho de 1868, em que
dizia:
A Flotilha, que se vai criar no Rio Amazonas, para policiar a fronteira fluvial
com as repúblicas vizinhas, e fazer executar, pelas embarcações
estrangeiras, os regulamentos fiscais, deverá compor-se de doze (12)
lanchas a vapor montando uma peça cada uma.
Esta Força será comandada por um oficial superior; terá um segundo
Comandante, também oficial superior; um dito subalterno, que servirá de
Ajudante e um oficial de Fazenda, que desempenhará as funções que lhe
são impostas pelo novo Regulamento.
Cada lancha será tripulada por um mestre, sargento do Corpo de Imperiais
Marinheiros; um foguista; um maquinista e doze (12) praças, ao todo
15
Conhecido por selar a paz entre o Brasil e a Bolívia, foi assinado em 23 nov. 1867, sendo também
conhecido por Tratado da Amizade. Pelos tratados anteriores, de Madri e Santo Ildefonso, a fronteira
da Bolívia chegava ao médio rio Madeira, próximo a cidade de Humaitá, no interior do estado do
Amazonas, e abrangia o atual estado do Acre, o distrito de Extrema (localizado no atual estado de
Rondônia) e grande parte do estado do Amazonas. Este tratado, além de celebrar a paz entre os
países, também estabeleceu relações amigáveis de navegação e tráfego fluvial, algumas das quais
que persistiram no Tratado de Petrópolis. Foram recuadas as fronteiras bolivianas a favor do Império
Brasileiro, a partir dos rios Guaporé e Mamoré, passando por Beni e seguindo uma linha reta que
recebeu o nome de Cunha Gomes. As embarcações bolivianas teriam acesso aos rios brasileiros a
partir dali. Disponível em: <pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Ayacucho>. Acesso em: 18 set. 2012.
30
dezesseis (16), o que somando as doze (12) guarnições, total de 192
praças.
A marinhagem de cada embarcação será composta, metade de praças do
Corpo de Imperial Marinheiro para o manejo e tratamento da peça de
artilharia e o resto de indivíduos recrutados ou engajados na própria
Província, a fim de servirem de práticos do rio; devendo toda a guarnição
prestar os serviços que forem necessários, inclusive o de remadores.
A sede da Flotilha será na capital da Província do Amazonas e ali terá o
respectivo Comandante, o seu quartel e secretaria, assim como a
arrecadação de víveres, gêneros e artigos da Fazenda Nacional, sendo
feitos os necessários fornecimentos e abonos de dinheiro pela Tesouraria.
Para o serviço da Flotilha poderão ser nomeados oficiais reformados, na
falta dos de primeira classe.
Perceberão os vencimentos como efetivamente embarcados; o primeiro
comandante, os de Comandante de Corveta; o segundo dito, os de
Comandante de Brigue; e o ajudante, os de oficial (SCAVARDA, 1968, p.
52).
A criação da Flotilha provocou, em 25 de junho de 1868, a dispensa do
Presidente da Província do Pará do Comando-em-Chefe da Força Naval do 3° DN,
função que exercia cumulativamente, sendo o chefe do estado-maior dessa força
nomeado o primeiro ComFlotAM, o CMG Vitório José Barbosa de Lomba
(SCAVARDA, 1968). No estabelecimento de novas OM, nota-se aí a postura da
Marinha em aproveitar o pessoal já presente na região, seja pela experiência e
conhecimento específicos das peculiaridades nestes locais, seja pela carência do
seu efetivo.
Para levar a efeito a criação da Flotilha, no ano anterior foi revisto o Plano
das Forças Navais do Império, sendo que a Comissão constituída por integrantes da
Marinha recomendou, atendendo o caráter de urgência da empreitada, os seguintes
requisitos para os meios:
As lanchas deveriam ser feitas de ferro, sendo preferível empregar um só
hélice; comprimento máximo de 50 pés (16,50m); calado de três pés,
16
(0,99m); marcha de oito milhas ; armamento de uma peça à proa;
capacidade para receber 60 soldados, além da tripulação de cinco homens;
combustível para 24 horas de navegação a toda força e mantimentos para
oito dias (SCAVARDA, 1968, p.54).
Percebe-se que o meio deveria possuir dimensões que permitissem a sua
navegação em quaisquer condições de rio no ano: cheia ou estiagem.
Segundo Scavarda (1968), coube ao Arsenal de Marinha do Pará executar o
projeto aprovado no inicio de 1867, sendo a conclusão parcial das lanchas um
indicador para a data de criação da Flotilha. Este Arsenal fora criado em 1761, em
substituição a "Casa das Canoas", fundada em 1729, cujo propósito era construir e
16
Equivale a velocidade: milhas por hora ou nós. Uma milha náutica corresponde a 1.852 m.
31
reparar as canoas de guerra, alojar pessoal e armazenar mantimentos e material,
em apoio à Divisão Naval do Norte, criada em 1728.
A primeira missão da Flotilha foi o emprego de uma das primeiras lanchas
prontas para levar a notícia da Passagem de Humaitá à Cametá, no rio Tocantins,
distante 150 km da capital paraense. Ou seja, executou serviço de correio,
seguindo-se outros, desde transporte de passageiros até os de polícia alfandegária
nas proximidades de Belém (SCAVARDA, 1968).
Em setembro de 1868, o Comandante Lomba adoeceu gravemente e seu
substituto legal, o Capitão-Tenente Bernardino José Queiroz, assumiu a Flotilha, fato
previsto na linha de comando de uma unidade militar, e zarpa com destino a Manaus
em outubro do mesmo ano, levando oito das doze lanchas previstas.
A viagem inicial foi descrita pelo Governador da Província do Amazonas
conforme trecho de oficio a seguir:
Palácio do Governo da Província do Amazonas, Manaus, 28 de dezembro
de 1868.
Acusando a recepção do oficio que V. Mercê me dirigiu com data de 26
deste mês sob n° 2, no qual me participa sua chegada a este porto com a
esquadrilha sob seu interino comando, na noite daquele dia, e que três das
lanchas sofreram algumas avarias nas máquinas e não estão, por isso, em
estado de navegar. Informa-me que carece de oito dias para esses reparos
e me pede que sejam postas à sua disposição dois carpinteiros, dois
serralheiros e o material preciso. Bem assim me comunica V. Mercê que
não estão completas as tripulações das lanchas e me declara que é de
indeclinável necessidade completá-las com engajados ou recrutas. Em
resposta tenho a satisfação de dizer a V. Mercê que fico inteirado da sua
chegada com a Flotilha, do estado das lanchas, dos reparos que elas
precisam e da falta de tripulação (SCAVARDA, 1968, p.55).
Cabe destacar que os problemas com material e pessoal acompanharam (e
acompanham) a Flotilha desde o seu nascedouro.
Em 1874, um navio de madeira, o ―Rio Negro‖, foi acrescido para servir de
quartel e de sede do comando até 1876, posto que não havia instalações adequadas
para tal. Também duas lanchas a vapor passaram a integrar a Flotilha ficando,
porem, a disposição da Comissão de Limites, em expedição ao rio Iça.
Em fevereiro de 1869, diante dos novos triunfos contra o Paraguai, lanchas
foram empregadas para salva de tiros por ocasião do Te Deum e desfile com o
Presidente da Província (SCAVARDA, 1968, p.56). Tal prática pode ser considerada
como deturpação do emprego das lanchas ou júbilo nacional?
Quanto à presença na fronteira, segundo Scavarda (1968) as tripulações
eram dizimadas pela disenteria, pelo beribéri e outras doenças consequentes do
32
mosquito, da poluição das águas e agravadas pela falta de recursos locais. Século e
meio depois, pode-se afirmar que tal situação ainda ocorre e afeta as tripulações de
embarcações regionais na Amazônia.
Scavarda (1968) descreve o estado material das lanchas ao reproduzir um
relatório do ComFlotAM, Capitão de Fragata Antônio Mariano de Azevedo, de 1876:
―além de serem de construção precária, suas máquinas, sem sobressalentes, não
resistem. À base de remendos e sem substituição dos meios, elas foram resistindo
graças ao pessoal da Flotilha‖. Porém, em setembro daquele ano, dá-se o primeiro
acidente sério com consequências materiais: o naufrágio no rio Solimões da lancha
a vapor n° 7 em virtude do mau estado do seu casco. Prossegue o relatório:
Com lanchas somente, como as atuais, será o serviço da Flotilha sempre
mal desempenhado pelo desgaste de suas viagens, fruto das 1.700 a 1.800
milhas náuticas, correspondente a ida e volta a Tabatinga. Como elemento
de defesa e de guarda elas nada valem. Como embarcações para
constantes comissões exigidas pelo serviço militar e administrativo da
Província são provadamente impróprias: a muito pouca espessura das
chapas dos cascos e a pouca consistência das peças de suas máquinas
não resistem a tão longas e repetidas viagens.
Oito anos de constantes atividades das lanchas e reparos mal feitos pela
pressa e falta de recursos da improvisada oficina ali estabelecida causa
receios pelos riscos que oferecem como aconteceu com a n° 7
(SCAVARDA, 1968, p. 58).
Sugere, ainda, integrar a Flotilha com quatro navios de porte para fazer
estações17 nas fronteiras e respectivo revezamento, tendo cada um deles uma
dessas lanchas para serviços ligeiros. No final de 1876, a canhoneira a vapor
―Mearim (I)‖ construída na Inglaterra em 1857 e que participara da Guerra do
Paraguai, quando deu o alarme da aproximação da Esquadra inimiga na Batalha do
Riachuelo, substituiu o ―Rio Negro‖ como sede da Flotilha. Nota-se aqui a prática de
remanejar navios de outras sedes, no caso de Rio Grande, e que se encontram com
algum tempo de atividade, e que comprova-se quando da substituição da ―Mearim
(I)‖, em 1878, pela canhoneira mista ―Pedro Afonso‖, construída no AMRJ em 1867,
e que permaneceu na Flotilha por pouco mais de dois anos.
Em 1877, o Ministro Conselheiro concorda com a sugestão do ComFlotAM e
desloca da Bahia a canhoneira mista ―Moema‖, construída no Arsenal daquela
Província em 1867, que prestará serviço no Amazonas até 1884.
Em 1888, era extremamente precário o inventário de meios da FlotAM, que
estava limitada a canhoneira ―Manaus‖, substituta da corveta ―Paraense‖, presente
17
Permanecer atuando em uma área a partir de um porto, não sendo aquele aonde estiver baseado,
por um período de três a seis meses.
33
no inventário da FlotAM nos dois anos anteriores, e a três lanchas a vapor, conforme
relato do Ajudante-General da Armada:
A Flotilha do Amazonas não merece o nome de Flotilha, composta, apenas
de três velhas lanchas. O serviço dessas pequenas embarcações e o de
exploração e policiamento, serviço penoso em rios de navegação difícil,
onde o pessoal nele empregado é ordinariamente atacado de enfermidades
graves e que pelas circunstâncias das condições das lanchas, não se lhes
pode dar recursos indispensáveis e imediatos (SCAVARDA, 1968, p. 59).
Antes da Proclamação da República, em 1889, estacionava em Manaus a
canhoneira ―Traripe‖ que ―em julho desse ano, toda embandeirada, foi ao encontro
do Príncipe Gastão de Orleans e Bragança, Conde d’Eu, que fazia visita especial a
Manaus‖ (SCAVARDA, 1968, p. 60).
Diante da situação apresentada pelo Ajudante-General da Armada em 1888,
o primeiro Ministro da Marinha na República, Almirante Wandenkolk, apresentava
em seu relatório de 1890, que ―na Europa estão se construindo quatro lanchas a
vapor, ou antes, pequenas canhoneiras, destinadas à Flotilha do Amazonas‖.
Tratavam-se dos Avisos Fluviais do tipo ―Juruena (I)‖.
Em 1900, por ocasião da Questão do Acre18, um destes avisos fora
destacado para aquele território e o contratorpedeiro ―Tupi‖ veio reforçar a Flotilha.
A composição de meios da Flotilha não se alterava em termos de quantidade
e adequabilidade a sua missão. O Ministro Júlio de Noronha externava, em 1903:
[...] a Flotilha não preenchia os fins a que se destina, visto que os navios
que a constitui não dispõem de calado consonante a pouca profundidade
dos canais nas quadras de vazante. A prova desta afirmativa está na
impossibilidade em que ora se acham os avisos da Flotilha do extremo
setentrional da República, cujo calado ascende a 1,80m, de se aproximarem
de certos pontos das nossas fronteiras com o Peru e a Bolívia (SCAVARDA,
1968, p. 61).
18
Embora com suas fronteiras definidas desde o período colonial graças a tratados assinados entre
Portugal e Espanha nos séculos XVIII e XIX, restaram ainda algumas disputas fronteiriças a serem
solucionadas nos primeiros anos da República. Uma delas ocorreu em torno do Acre, região de
seringais legalmente pertencente à Bolívia, mas habitada por brasileiros desde o final do século XIX.
A questão se agravou quando, recusando-se a reconhecer a autoridade boliviana, Luís Galvez
Rodrigues de Arias proclamou a República do Acre em 1899, exigindo sua anexação ao Brasil. As
forças armadas de ambos os países expulsaram Arias, mas em 1902, quando os bolivianos
arrendaram a área para o Bolivian Syndicate of New York, uma nova rebelião estourou. Comandados
por Plácido de Castro, os brasileiros decretaram o Estado Independente do Acre. Em julho de 1903
Rui Barbosa foi chamado para tratar da questão. Mas, discordando das propostas do Barão do Rio
Branco, disposto a pagar pelo território que Rui julgava brasileiro por direito, exonerou-se do cargo.
No final, o país acabou comprando a região dos bolivianos e dos peruanos, estabelecendo-se suas
fronteiras por meio do Tratado de Petrópolis, assinado entre os três países em 1903. Rio Branco
indenizaria o Bolivian Syndicate e comprometia-se a construir a ferrovia Madeira-Mamoré, no trecho
das cachoeiras do rio Madeira, para permitir o escoamento e a exportação da borracha pelos portos
de Manaus e Belém. No ano seguinte, o Acre foi incorporado ao Brasil. Disponível em:
<http://www.projetomemoria.art.br>. Acesso em: 17 set. 2012.
34
Descreve, então, as canhoneiras do tipo ―Melike‖ usadas pelos ingleses no
rio Nilo, com 0,66m de calado e sugere a aquisição para a Flotilha do Amazonas.
Retomando a questão acreana, Plácido de Castro, revoluciona o Acre, então
território da Bolívia, e o quer integrado ao Brasil segundo a vontade dos que o
habitavam, nordestinos do Brasil, em sua maioria. Em 29 de janeiro de 1903, por
sugestão do Barão do Rio Branco é criada a Divisão Naval do Norte 19, ficando a
Flotilha incorporada àquela Divisão. O Ministro Júlio de Noronha, assim relatou o
assunto: ―Por foça dos acontecimentos do Acre havendo o Governo iniciado as
negociações com que terminou o antigo litigio com a Bolívia, foi aprestada esta
Divisão para permanecer em águas do rio Amazonas‖ (SCAVARDA, 1968, p. 62).
As canhoneiras fluviais citadas anteriormente foram encomendadas a
estaleiros ingleses e montadas no Arsenal do Pará, constituindo-se em quatro
unidades da classe ―Acre‖. Assim, em 1906, o mesmo Ministro considerou a Flotilha
(canhoneiras e avisos) ―aparelhada para o bom desempenho do serviço que lhe
cabe nos tributários do grande rio que, em dadas estações do ano, só podem ser
sulcados por embarcações de pequeno calado‖.
Em relação à Divisão Naval do Norte, com o regresso da mesma ao Rio de
Janeiro em agosto de 1905, foi extinta e, consequentemente, restabelecido o
Comando da Flotilha.
Por conveniência sanitária20, em 1910 a Flotilha foi deslocada para Belém,
que também oferecia facilidades para a pronta reparação dos meios. O Ministro Júlio
de Noronha assim se pronuncia: ―sendo a navegação do Amazonas, e de seus
afluentes, ativa e tendendo a aumentar de importância pelo desenvolvimento do
comércio internacional é de bom aviso dotar a Flotilha com unidades de maior valor
ofensivo e defensivo, dispondo de combustível em quantidade suficiente a poder
fazer efetiva a soberania nacional, em tão rica região‖. Tal relato acontece no ápice
econômico do ciclo da borracha e justifica a incorporação do Cruzador ―República‖ à
Flotilha em 1910, assim como, demonstra a preocupação para em obter uma
capacidade logística que suporte a permanência distante dos navios de Manaus
(SCAVARDA, 1968, p. 65).
19
Em que pese a mesma denominação, não se trata daquela criada em 1728.
As moléstias predominantes nas guarnições dos navios foram: astenia geral, beribéri, embaraça
gástrico, gastrenterite, paludismo e reumatismo. Tal situação restringiu as patrulhas em Tabatinga
para uma frequência trimestral e com estadia naquela área limitada a oito dias (SCAVARDA, 1968, p.
64).
20
35
Em 1912, quando do regresso da Flotilha à sua sede no Amazonas, o então
Ministro da Marinha, Alte Manuel Ignácio Belfort Vieira, apresentou um minucioso e
aprofundado exame da importância da Flotilha como fator de desenvolvimento e
segurança da região Amazônica e que demonstra a postura da Força em relação
àquela parte do País:
O serviço naval no extremo Norte da República, conforme se tem
compreendido e executado, não parece corresponder aos altos interesses
da defesa nacional, os quais exigem nessa região, o máximo cuidado e
desvelo, em consequência da extraordinária fertilidade de suas terras e da
espontaneidade dos estimadíssimos produtos com que estas concorrem
para alimentar a atividade do mundo industrial estrangeiro.
A vasta extensão de território que compreende a Amazônia, dentro do qual
tudo se manifesta opulento e grandioso - desde o volume das águas até o
admirável desenvolvimento dos frutos que promanam de sementes, cuja
germinação, em regra, lh'a confia o acaso - necessita, sem perda de tempo,
de ser aparelhado militarmente, de modo a evitar os golpes de surpresa
com que de ordinário o expansionismo, consequente da política imperialista,
aniquila a independência dos que descuram dos meios garantidores da
condição básica de sua existência como povo livre e soberano
(SCAVARDA, 1968, p. 65).
O Ministro lembra que o pensamento dominante acerca da Flotilha tem
consistido, ora em policiar os rios, ora em estudo do regime hidrográfico da zona
respectiva e diz:
Assim é que, de princípio, a sua composição foi de lanchas a vapor,
despidas de qualquer poder militar, e destinadas à condução de
destacamentos para o serviço de polícia, e de um navio - em regra
imprestável - para servir de capitania e de quartel das praças. Há mister de
uma Flotilha calcada em seguro critério militar, visando, acima de tudo, o
aparelhamento imprescindível às operações que a defesa nacional possa
reclamar em tão longínquas quão caprichosas paragens. Assim organizada
a Flotilha, a Força Naval do Alto Amazonas ficaria sendo uma realidade,
quanto à execução de todo e qualquer serviço dos que possam ser exigidos
pelas condições especiais de seus rios, principalmente pelas de caráter
político, comercial ou de polícia aduaneira (SCAVARDA, 1968, p. 67).
Razões poderosas levam a se preconizar imprescindível e inadiável a
reconstituição da Flotilha do Amazonas nos moldes de força regional. Com a
borracha encontrando na Ásia outro habitat, a região Amazônica transmutou-se: da
opulência passou a condição de miséria. Como lição ficou a da importância de se
racionalizar e diversificar as culturas, uma vez que a região era apenas fornecedora
da matéria prima de alta procura e esta, assim mesmo, obtida por processos os mais
rudimentares que se possam imaginar. A ocasião, entretanto, era propícia à sua
industrialização no próprio local da cultura, se assim tivesse sido exigido.
Com o advento da Primeira Guerra Mundial poucas alterações ocorreram na
constituição da Flotilha, restringindo-se a incorporação do Aviso Fluvial ―Amapá‖ e
36
os Vapores Fluviais ―Mearim III‖ e ―Pindaré II‖, sendo desincorporados após um ano,
segundo Scavarda (1968). Esta prática de permanecer com meios por um período
reduzido deveu-se a que os navios ora eram cedidos por outros Ministérios, ora
eram remanejados de outros Distritos Navais.
Em 1923, o Alte Alexandrino retornara a pasta da Marinha e relatou que a
Flotilha do Amazonas ―continuava a prestar bons serviços nas distantes paragens
em que permanece‖.
Lembra, contudo, que ―composta de navios superados e antiquados, era
fraquíssima e seus meios não tinham valor militar‖. Entretanto, forçoso era mantê-los
―para firmar o princípio da autoridade e demonstrar o interesse do Governo Central
pelos seus irmãos distantes‖.
Também informa que foi adquirido, do Governo do Estado do Amazonas
pela módica quantia de cento e cinquenta contos de réis, o aviso ―Cidade de
Manaus‖, o qual foi incorporado à Flotilha com o nome de ―Ajuricaba‖ (SCAVARDA,
1968, p. 68). A prática da obtenção de meios por outras instituições e a cessão dos
mesmos à Marinha é mantida até o presente, especialmente na região Amazônica.
Por certo, compensa a ausência de recursos de investimentos que assola as FA.
O ano de 1924 caracterizou-se por uma instabilidade política no País. Um
movimento revolucionário contra o Governo Federal iniciado em 5 de julho, no
Estado de São Paulo, estendeu-se a outras unidades da Federação, inclusive Pará e
Amazonas.
No primeiro, foi logo controlado pela força pública e unidades do
Exército fiéis ao Governo. Entretanto, em Manaus não houve reação imediata por
parte das autoridades locais, daí, os sediciosos, com o auxilio de alguns navios da
FlotAM, depuseram estas autoridades, dominando a situação. Do Rio de Janeiro
partiu, em 31 de julho, uma Força Tarefa (FT) composta de dez navios e dois
hidroaviões para dar combate aos revoltosos. A 30 de agosto, a FT chegou a
Manaus, restaurando-se a ordem de imediato e sem qualquer confronto. Porém, no
seu deslocamento, aprisionou tripulações rebeldes de uma lancha em Santarém e
do Navio Transporte ―Jari‖, após este ter ido a pique. Jugulada a revolução, a FlotAM
recebeu determinação de deslocar-se para Belém, ali estacionando (SCAVARDA,
1968, p. 69).
Em 1929, o Ministro da Marinha à época, Alte Arnaldo Siqueira Pinto da Luz,
em viagem de inspeção a Belém, diante do mau estado dos navios que compunham
a Flotilha, sugeriu suas substituições, que somente foi levada a efeito muitos anos
37
depois. Em decorrência da crise econômica de 192921 e pela falta de navios prontos,
o Inspetor do Arsenal de Marinha do Pará acumulou o Comando da Flotilha, que
somente voltaria a ser autônoma em 1932. Em 1931, a situação dos navios que
compunham a FlotAM, canhoneira ―Missões‖ e aviso ―Ajuricaba‖, era de
imprestabilidade. Como paliativo, o Ministro Protógenes Guimarães determinou a
incorporação do Encouraçado ―Floriano‖ para servir de capitânia, mantendo-se na
Flotilha até 1934, quando retornou para o AMRJ. Também, em 1931, foi
determinado o retorno da Flotilha para Manaus, a fim de socorrer a praça comercial
dessa cidade, que se encontrava em absoluta decadência econômica. Novamente a
FlotAM prestava um auxílio ao desenvolvimento da capital amazonense.
Em 1932, novo levante armado, este do Forte de Óbidos solidarizando-se
com a Revolução Constitucionalista de São Paulo, tendo o seguinte relato do
Ministro Protógenes Guimarães:
Não menos digna de citação é a ação desenvolvida pela Marinha no Rio
Amazonas. Revoltado o Forte de Óbidos e tendo a guarnição revoltosa
abandonado esse forte ao se aproximarem as forças legais, entre as quais o
Encouraçado Floriano que suspendeu do Pará ao seu encalço, resolveram
guarnecer dois navios mercantes e seguir rio acima a fim de atacar Manaus,
com a artilharia que conseguiram embarcar. O Capitão do Porto de Manaus
requisitou outros navios mercantes, atingindo-os nas proximidades de
Itacoatiara e dando combate a esses navios que foram postos a pique por
abalroamento, pois dispunha somente de metralhadoras. Tal ação ficou
conhecida como a ―Batalha Naval de Itacoatiara‖ (SCAVARDA, 1968, p. 71).
Em 1933, tendo em vista que os navios da Flotilha não possuíam condições
para fazer face a um conflito envolvendo Peru e Colômbia na chamada ―Questão de
Letícia‖22, foi determinada a constituição da Divisão Naval de Operações no Rio
Amazonas, proveniente do Rio de Janeiro, composta por um cruzador, dois
21
A Crise de 1929 foi uma grande depressão econômica que teve início em 1929, e que persistiu ao
longo da década de 1930, terminando apenas com a Segunda Guerra Mundial.
22
Na conformidade do Tratado de Salomon-Lozano de 1922 com o Peru, coube a Colômbia uma
área entre os Rios Maranon e Putumayo, onde se localiza a cidade de Letícia, juntamente com um
pequeno corredor, de modo a lhe permitir atingir diretamente o Rio Amazonas. A opinião pública
peruana criticou severamente a cessão territorial feita a Colômbia. Em 1932, alguns soldados e civis
peruanos se apoderaram do povoado de Letícia, com apoio do governo peruano. Seguiram-se
combates entre pequenas forças colombianas e peruanas entre o início e maio de 1933. O Brasil se
ofereceu para tomar, temporariamente, sob sua proteção a área litigiosa. Em 1934, os governos da
Colômbia e do Peru aceitaram a chamada ―Formula Mello Franco‖ do Brasil, firmando-se um Acordo,
que reconhecia os limites fixados pelo Tratado de Salomon-Lozano. A zona de Letícia foi
desmilitarizada e devolvida a Colômbia. Disponível em: <http://getuliovargas.weebly.com/questo-deletcia.html>. Acesso em: 19 set. 2012.
38
contratorpedeiros e quatro navios menores, a fim de assegurar a neutralidade nas
águas brasileiras do rio Amazonas. Esta Força operou de janeiro a abril desse ano.
Apesar de não ser mencionada com exatidão, supõe-se que a transferência
da FlotAM para Belém neste período tenha ocorrido no primeiro semestre de 1937
devido às deficiências de material que se encontravam os parcos meios disponíveis.
Em 1941, foi criado o Comando Naval do Amazonas com o propósito de
coordenar e dirigir o complexo de unidades da Marinha nos Estados do Pará e
Amazonas: Flotilha do Amazonas; 2° Regimento de Fuzileiros Navais; Arsenal de
Marinha do Pará; e Estação Radio-telegrafica. De existência efêmera, foi substituído
pelo Comando Naval do Norte em 1942, que passou a exercer jurisdição sobre os
estados do Acre, Amazonas, Pará, Maranhão e Piauí, mantendo a sede em Belém.
Por sua vez, em 1945, esta unidade teve a denominação alterada para Comando do
4° Distrito Naval (Com4°DN) e cuja área de jurisdição chegou a ser a Amazônia
Legal, quando esta fora definida em 1966.
Em 1946, a Flotilha teve incorporado o Navio Tanque ―Garcia D’Avila‖ e, em
1950, a Corveta ―Cananéia‖, ambos protagonistas de um fato que não ocorria desde
a Questão de Letícia em 1933: a presença da Marinha na Tríplice Fronteira BrasilColômbia-Peru. O Comandante da Corveta ressalta em seu relatório ―o espanto, a
admiração e o contentamento da população ribeirinha pela presença de um navio de
guerra brasileiro, lembrando que há dezessete anos não ocorria‖. (SACAVARDA,
1968, p.73). Novamente comprova-se que a presença da Marinha na Amazônia não
é apenas um imperativo de segurança nacional, mas também uma necessidade
moral pelo amparo que leva aquela população sofrida em razão do primitivismo,
inclusive atualmente, de uma vida que enfrentam por amor a terra selvática.
A partir de 1948 passaram as Corvetas a constituir o ativo de meios com
atuação em ambiente fluvial e marítimo da Marinha no Norte do País, sendo que, em
1974, a Flotilha do Amazonas foi desdobrada em duas unidades, sendo criado o
Grupamento Naval do Norte (GNN), este sediado em Belém e aquela sediada em
Manaus, ambos com subordinação ao Com4ºDN. O GNN passou a ser composto
pelas Corvetas e Navios-Patrulha e a FlotAM com NPaFlu da classe ―Pedro
Teixeira‖, fazendo a partir daí a distinção efetiva da Marinha com área (ambiente) de
atuação predominante, respectivamente, na Amazônia Oriental (marítimo) e
Ocidental (fluvial).
39
Os NPaFlu foram navios especialmente projetados e construídos no AMRJ
para emprego em ambiente fluvial, sendo apropriados para operação na Bacia
Amazônica. Foram os primeiros meios especialmente destinados à composição da
Flotilha do Amazonas, possuindo características condizentes com as especificidades
da região. Mais tarde, entre 1975 e 1976, foram incorporados os NPaFlu classe
―Roraima‖, projeto nacional e construídos no estaleiro MacLaren S.A., em Niterói,
Rio de Janeiro.
Em 1984, novamente um projeto exclusivo para a Amazônia foi
desenvolvido: o dos NAsH, resultado de Convênio entre a Marinha e o Ministério da
Saúde. Tais meios foram projetados e construídos no AMRJ com o propósito de
atender à população ribeirinha carente da presença do Estado. Os navios possuem
características adequadas para desempenhar missões de caráter assistencial de
saúde em rios de pouca profundidade. Eles dispõem de recursos hospitalares
(médico, odontológico, ambulatorial, laboratorial, cirúrgico e de farmácia), boa
capacidade de transporte e de alojamento de pessoal, além de operar um
helicóptero e duas lanchas orgânicas integrados ao navio, o que possibilita atingir
locais de difícil acesso.
Em 1994, foi ativado do Comando Naval da Amazônia Ocidental (CNAO),
subordinado ao Com4°DN, sendo que a Flotilha passou a subordinação daquele
Comando. Dessa forma, a Marinha estabeleceu a presença permanente de um
Contra-Almirante na Amazônia Ocidental.
O NAsH ―Doutor Montenegro‖ foi incorporado em 2000, após celebrado
convênio entre o Governo do Acre e a MB, que passou a operá-lo. Foi construído em
Manaus em 1997 e entregue para ser utilizado por aquele Governo.
A estrutura organizacional atual vem desde 2005 com a criação do Comando
do 9º Distrito Naval (Com9ºDN), em substituição ao CNAO, comandado por um ViceAlmirante e tendo a FlotAM diretamente subordinada.
Após dez anos do recebimento do ―Doutor Montenegro‖ ocorreu a
incorporação do NAsH ―Soares de Meirelles‖, obtenção resultante de novo convênio
entre a MB e o Ministério da Saúde. Cabe salientar que este navio sofreu várias
alterações em relação ao projeto original, conhecido na MB como processo de
conversão, a fim de adaptá-lo ao serviço naval e às atividades de assistência
médico-hospitalar. Para realização do processo, servidores civis e militares de OM
40
do Setor do Material da MB vieram do Rio de Janeiro para supervisionar as obras
realizadas em Manaus por empresas locais.
Do histórico apresentado é possível alinhar as seguintes conclusões
parciais:
- desde a sua concepção, a Flotilha do Amazonas busca estabelecer a
presença do Estado brasileiro, seja na fronteira em missões de patrulha, seja na
vastidão da região Amazônica levando assistência de saúde a população ribeirinha;
- os meios alocados à FlotAM, por mais de um século, não possuíam
características adequadas ao ambiente operacional;
- o emprego dos meios, algumas vezes, vai além da missão principal de
Defesa da Pátria e das ações subsidiárias, como a realização de patrulha naval
voltada especificamente para o combate ao narcotráfico; e
- as atividades diretas e indiretas resultantes da necessidade de manutenção
dos navios na região, proporciona desenvolvimento aos centros comerciais tanto de
Belém, quanto de Manaus, este com mais incremento nos últimos cinco anos pela
alteração promovida pela MB para que as manutenções dos navios da FlotAM sejam
realizadas na capital amazonense.
A seguir serão apresentadas a situação atual dos meios da Flotilha e as
diversas demandas a que são submetidos estes meios na Amazônia.
41
6. SITUAÇÃO ATUAL E DEMANDAS DOS MEIOS
O Com9ºDN, situado em Manaus, cuja área de jurisdição engloba a Amazônia
Ocidental, possui oito OM diretamente subordinadas23, sendo que a mais antiga e de
maior relevância e projeção é o Comando da Flotilha do Amazonas, cuja missão é:
Manter uma força pronta, apresentada para executar Operações
24
Ribeirinhas; efetuar Patrulha Naval nos rios Amazonas - a montante de
Santarém – Negro, Solimões e seus tributários; e prover assistência
hospitalar às populações ribeirinhas da Bacia Amazônica, a fim de contribuir
para a manutenção e consolidação da integridade territorial, manutenção da
ordem, integração e desenvolvimento socioeconômico da Região
Amazônica e fiscalização da operação de embarcações na área fluvial sob a
25
jurisdição do Com9ºDN .
Os cinco NPaFlu e dois dos quatro NAsH apresentam épocas de construção
datadas das décadas de 1970 e 1980, o que leva à necessidade de substituição, em
que pese as modernizações e revitalizações realizadas, e que seja revista a
quantidade e o tipo dos navios26 destinados à FlotAM, de modo a atender à
crescente demanda do emprego desses meios na região. Entre as duas classes de
NPaFlu, as principais diferenças consistem em que os da Classe ―Pedro Teixeira‖
dispõem da capacidade de transportar significativa fração de tropa de FN e operar
com helicópteros leves da MB denominados UH-12 (Eurocopter Ecureuil HB 350BA Esquilo monoturbina) e UH-13 (Eurocopter Ecureuil AS 355F2 - Esquilo biturbina),
além do modelos IH-6B (Bell 206B-3 Jet Ranger III), enquanto os da classe
―Roraima‖ permite navegação em rios mais sinuosos, estreitos e pouco profundos.
O ambiente fluvial, pela ausência da salinidade que acentua o desgaste do
material, em especial metais, proporciona relativa disponibilidade dos navios, sendo
fatores contribuintes para tal a realização das manutenções preventivas e a
crescente capacitação da Estação Naval do Rio Negro (ENRN), em Manaus, para a
realização de reparos de maior monta, que antes eram efetuados em Belém, na
Base Naval de Val de Cães (BNVC). Aliado a tais fatores, a menor complexidade
desses meios, se comparados aos navios da MB que constituem a Esquadra27
23
Comando da Flotilha do Amazonas, Batalhão de Operações Ribeirinhas, 3º Esquadrão de
Helicópteros de Emprego Geral, Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental, Estação Naval do Rio
Negro, Depósito Naval de Manaus, Policlínica Naval de Manaus e Capitania Fluvial de Tabatinga.
Disponível em: <http://www.mar.mil.br/9dn/>. Acesso em 22 set. 2012.
24
O lado da nascente, em relação ao rio. Diz-se da parte superior do curso de um rio, a partir de
determinado ponto.
25
Disponível em: <http://www.mar.mil.br/flotam/missao.htm>. Acesso em: 22 set. 2012.
26
As características básicas disponíveis em: < http://www.mar.mil.br/flotam/index.html>.
27
Navio-Aeródromo, Fragatas, Corvetas, entre outros.
42
brasileira, também requerem menores tempos imobilizados para as mencionadas
manutenções e, por conseguinte, uma maior possibilidade de emprego.
Os sistemas de propulsão, geração de energia, comunicações, por exemplo,
além de itens relacionados ao conforto da tripulação vão se desgastando conforme
sua utilização, o que leva à necessidade de substituição por equipamentos mais
modernos, processo que é chamado de modernização.
A demanda dos Navios cresceu significativamente a partir de 2004, em
função de missões como a realização de patrulhas navais mensais com duração
mínima de vinte dias, com ênfase na área de Tabatinga, além das programadas em
outras áreas e rios. Tais patrulhas podem variar de acordo com as necessidades de
emprego por parte do Com9ºDN ou do Comando de Operações Navais, ou até
mesmo de demanda da população, como as ações para reprimir o garimpo ilegal
que prejudicava a navegação no rio Madeira em 2011. Por sua vez, as viagens de
assistência hospitalar (ASSHOP) visam estar nos doze Polos de Saúde
estabelecidos, segundo uma programação que busca visita-los pelo menos duas
vezes ao ano. Podem ser estendidas ou reprogramadas para demandas específicas,
em sua maioria por razões especiais de saúde relacionadas aos ribeirinhos, como foi
o caso do atendimento realizado em 2008 à populações indígenas do vale do rio
Javari em face do alto índice de contaminação de pessoas pelo vírus da hepatite C
ou nas grandes cheias e secas ocorridas nos últimos três anos. Essas operações
são executadas em sua grande maioria pelos NAsH, os ―Navios da Esperança‖, que
realizam atendimentos que abrangem procedimentos médicos (clínicos, cirúrgicos e
emergenciais), odontológicos, laboratoriais, preventivos (palestras, vacinações etc.)
e, em casos de maior gravidade, empregam suas aeronaves orgânicas para
transporte de enfermos e acidentados para locais que disponham de maior estrutura
de saúde. Além das comissões que têm a MB como principal demandante, surgem
cada vez mais solicitações de apoio por parte de órgãos públicos federais, estaduais
ou municipais. Algumas demandas dos meios subordinados à FlotAM são fruto de
convênios da Marinha com tais instituições, outras com órgãos e entidades locais,
além do apoio às demais FA, como o apoio ao EB para transporte de pessoal e
material para suas OM localizadas em pontos mais remotos.
Passemos a abordar quais as perspectivas futuras da FlotAM.
43
7. PERSPECTIVAS E CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO.
A busca por meios mais modernos, em incremento quantitativo e mais bem
equipados para a FlotAM, diante das crescentes demandas de emprego, passou a
ser evidenciada na medida em que a região começou a ter maior destaque28 e, por
conseguinte, começaram a surgir questionamentos por parte da opinião pública e de
setores ligados à Defesa quanto à capacidade do Brasil, em especial da Marinha,
prover a adequada segurança para a região Amazônica.
Dentro do binômio segurança e desenvolvimento, há de ser considerado
como fator de desenvolvimento regional e consequente incremento no tráfego fluvial
e crescimento populacional, a criação da Zona Franca de Manaus (ZFM) em 1967,
quando o Estado do Amazonas deixou de ser exclusivamente mercantil-extrativista
para entrar no segmento dos industrializados. Essas alterações implicaram numa
maior necessidade da Marinha adensar sua presença na região.
Tais demandas atendem às atribuições primárias e subsidiárias da MB, mas
este incremento faz com que os meios flutuantes operem com tal frequência que
pouco tempo existe para a realização da manutenção apropriada, não levando em
consideração a questão psicossocial da tripulação, em face do contínuo afastamento
do porto sede, a cidade de Manaus.
Em termos de adensamento dos meios da MB na região, considera-se como
o grande divisor de águas dos últimos trinta anos do século passado o recebimento
dos NPaFlu e dos NAsH nas décadas de 1970 e 1980, que foram projetados para
operar exclusivamente em ambiente fluvial.
Por sua vez, a realidade e os valores do País e do mundo há mais de 35
anos nortearam os requisitos pelos quais a MB estabeleceu como cinco NPaFlu a
quantidade desses navios para operar na região. Depreende-se, portanto, que
manter a mesma quantidade destes meios no século XXI, é no mínimo, inadequada
para o bom cumprimento das tarefas atribuídas à MB na região e em seu entorno,
principalmente face às novas ameaças e aos problemas existentes na atualidade.
Para o estabelecimento das quantidades de meios relacionadas no PAED,
igualmente foi considerada a realização de uma operação ribeirinha clássica de
28
Durante este trabalho foram mencionadas as diversas ocasiões que a Amazônia esteve em
evidência no cenário nacional e internacional.
44
grande envergadura, incluindo a possibilidade de transporte de tropas do EB.
Também há necessidade de que disponhamos de meios versáteis em face da
grande diversidade das características das vias navegáveis em termos de
sinuosidade, largura e profundidade.
Com relação aos NAsH, os dois meios da classe ―Oswaldo Cruz‖ foram
construídos e incorporados na década de 1980, sendo que os recebimentos
posteriores do NAsH ―Doutor Montenegro‖ em 2000 e do NAsH ―Soares de
Meirelles‖ em 2010, tão somente foi possível devido ao convênios firmado com
outras instituições governamentais, especialmente com o Ministério da Saúde.
Atualmente a população ribeirinha Amazônica está fortemente dependente destes
navios para sua mínima higidez e cidadania, o que acentua a necessidade de se
incrementar o quantitativo de meios cooperação com o desenvolvimento da região,
além de apoio à Defesa Civil.
Segurança e desenvolvimento não podem estar dissociados. Propiciar
condições de desenvolvimento num ambiente inseguro não é, normalmente,
compatível, haja vista que, países e cidades que possuem alto grau de Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) normalmente apresentam, também, reduzido grau
de delinquência.
Em uma primeira análise serão feitas considerações sobre a questão do
desenvolvimento baseado na END (BRASIL, 2008). Nesse documento a palavra
―desenvolvimento‖ ocorre noventa vezes. Abaixo serão transcritos de forma
resumida trechos da END que enfatizam tal escopo.
[...] END é inseparável de estratégia nacional de desenvolvimento. Esta
motiva aquela. Aquela fornece escudo para esta. Projeto forte de defesa
favorece projeto forte de desenvolvimento (BRASIL, 2008, p. 2).
[...]
A Amazônia representa um dos focos de maior interesse para a defesa. A
defesa da Amazônia exige avanço de projeto de desenvolvimento
sustentável [...]. O Brasil será vigilante na reafirmação incondicional de sua
soberania sobre a Amazônia brasileira. Repudiará, pela prática de atos de
desenvolvimento e de defesa, qualquer tentativa de tutela sobre as suas
decisões a respeito de preservação, de desenvolvimento e de defesa da
Amazônia (BRASIL, 2008, p. 7).
Diante desse resumo e também por meio de notícias e artigos amplamente
divulgados, percebe-se a importância que os altos escalões do Governo conferem
ao desenvolvimento do País e, em especial, ao desenvolvimento da Amazônia.
A Flotilha do Amazonas com sua presença secular na região, patrulhando os
rios, marcando a presença do Estado e levando apoio, saúde, respeito e cidadania
45
para as populações ribeirinhas vem, ao longo de sua existência, coadunando
segurança com desenvolvimento.
Além do Estado, outro segmento que contribui diretamente para o
desenvolvimento é a iniciativa privada. Porém, o empresariado, por mais
empreendedor que seja, não vai por si só promover o desenvolvimento da Amazônia
diante da precariedade da infraestrutura existente. Em razão de suas peculiaridades,
a região carece de fomento, planejamento e realização de serviços e ações sociais
que visem ao desenvolvimento, de modo a atrair o investimento privado.
Neste sentido, a END (BRASIL, 2008) orienta para que os novos meios e
equipamentos devam ser produzidos no Brasil, com participação de empresas
nacionais. Os contratos com empresas fornecedoras estrangeiras deverão incluir
cláusulas de compensação industrial, comercial e tecnológica (prática conhecida
como offset) e de transferência de tecnologia. Neste sentido, há possibilidade da
obtenção de Navios Patrulha oriundos de projetos de países amazônicos, caso do
da Marinha de Guerra do Peru que projetou e construiu a canhoneira fluvial BAP
―Clavero‖ nos ―Servicios Industriales de la Marina‖ (SIMA) em sua sede de Iquitos,
em 2010. Igualmente, a Colômbia possui o ―Consorcio de Ciencia y Tecnologia
Marítima de la Armada‖ (COTECMAR) que desenvolveu a ―Patrullera de Apoyo
Fluvial – PAF III‖, com experiência em combate nos rios colombianos desde 2006. A
respeito deste assunto, há muito é buscado, entre os governos de países
amazônicos, um projeto comum de Navio Patrulha denominado ―Patrulheiro
Amazônico‖, conforme debatido em reuniões de Estado Maior das Marinhas e de
Defesa destes países.
Em verdade, cabe buscar novos projetos de meios não somente para o
patrulhamento, mas também para o transporte de tropa, assistência humanitária e
outras demandas da FlotAM.
A par dessa breve abordagem, verifica-se que a inexorável e secular
presença da MB com seus navios na Amazônia Ocidental contribui sobremaneira
para a segurança e o desenvolvimento da região.
46
8. CONCLUSÃO
A região Amazônica, vasta em dimensões geográficas, exuberante em
belezas, rica em possibilidades e de notória e destacada importância nos cenários
nacional e internacional em virtude do grande potencial de recursos minerais,
hídricos e biodiversidade ainda não explorados, atrai a atenção de uma miríade de
atores governamentais, não-governamentais, nações estrangeiras e do povo
brasileiro.
Os reflexos das ações da MB na Amazônia Ocidental são mensurados pelo
interesse com que a sociedade brasileira, recém-desperta para a importância da
Amazônia e para a relevância do tema ―Defesa‖, acompanha as ações da FlotAM,
em especial, as voltadas para:
- a assistência hospitalar aos ribeirinhos, realizada pelos Navios da
Esperança;
- as de segurança da navegação nos rios, as estradas que Deus nos deu, e
que integra os amazônidas; e
- as de apoio à população quando da ocorrência de desastres ambientais e
calamidades públicas, tais como na ocorrência de acentuadas cheias e secas dos
rios.
No desenvolvimento deste trabalho buscou-se fazer uma conjugação de
informações e dados que pudessem interligar-se de forma sequenciada e lógica,
tomando por base as questões tratadas no dia-a-dia nacional e internacional, a
história da Flotilha do Amazonas e sua importância quanto à ação de presença,
segurança e desenvolvimento na região, uma vez que tais atividades suscitam
curiosidades e dúvidas no público em geral e carecem de esclarecimentos.
Diante das tentativas de internacionalização da Amazônia, a FlotAM deverá
estar em condições de atender aos chamados em defesa da soberania,
principalmente em face da existência de crises que geram preocupações mundiais,
quais sejam: de energia; de água; ecológica; e de alimentos.
Desse ponto, foi tratada a questão da importância do alinhamento das
diretrizes de alto escalão da MB com dos documentos de Alto Nível de Defesa. Com
isso, pôde ser constatado que a Marinha tem sido proativa em apresentar suas
necessidades. Porém, independente de determinações emanadas do alto nível da
Defesa, a MB vem, a despeito de parcos recursos e dentro de suas prioridades,
47
buscando alocar recursos que atender às necessidades da FlotAM, de modo a
permitir que seus meios mantenham-se aprestados e em condições de cumprir as
missões que lhes são atribuídas.
Ainda em relação à situação atual da FlotAM, pôde-se constatar que os
navios foram bem projetados e construídos, são eficientes para as tarefas a que se
propõem e atendem (ainda) às crescentes demandas da MB e de outros órgãos;
porém, pelo tempo desde a incorporação, estão apresentando obsolescências e
carecem de modernização de sistemas, principalmente os NPaFlu, particularmente
no que se referem às capacitações para a combate moderno.
Há de se atentar, como exemplo, que desde o recebimento do NPaFlu
―Amapá‖ em 1976, não houve qualquer incorporação ou retirada de serviço dos
navios29 vocacionados ao patrulhamento dos rios da Amazônia. Quanto aos NAsH,
em que pese os dois últimos terem sido incorporados na década passada, não
possuem um projeto concebido para as atividades de assistência hospitalar.
Tal fato, aliado a outras questões analisadas, leva à conclusão de que a
necessidade de substituição dos meios atuais e o recebimento de outros navios
fazem-se prementes, diante das crescentes demandas da sociedade e da
necessidade de adensar a presença da MB na Amazônia.
29
NPaFlu ―Pedro Teixeira‖, ―Raposo Tavares‖, ―Roraima‖, ―Rondônia‖ e ―Amapá‖.
48
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