ANACRHÔNICAS DA FRANCA DO IMPERADOR
número TRINTA 2015
CINEMATECA
Saí da estação Vila Mariana do Metrô paulistano rumo ao Instituto de Arte Contemporânea,
que funciona na Faculdade de Belas Artes. O caminho a pé é agradável, ruas estreitas e casario
de bairro classe média. Após a visita ao IAC, desci em direção ao Museu de Arte
Contemporânea – MAC, mantido pela USP no prédio projetado por Oscar Niemeyer junto ao
parque Ibirapuera.
A caminhada me fez passar por uma favela que não conhecia na Vila Mariana, com suas vielas
e “gatos” de eletricidade. Antes de chegar ao MAC, fui conhecer a Cinemateca de São Paulo.
Sabia que era um belo projeto de arquitetura que ocupa o prédio de um antigo matadouro,
com tijolos vermelhos à vista, idealizado inicialmente por Lúcio Gomes Machado e Eduardo
Rodrigues e, desde o ano 2000 por Nelson Dupré. O prédio é muito mais bonito ao vivo que
nas fotos, cercado por jardins bem cuidados repleto de obras de arte, um oásis em meio ao
concreto da metrópole.
A Cinemateca passa por momento delicado, de crise, de falta de verbas e pessoal. No entanto,
isso não se reflete, aparentemente, na manutenção do prédio, que é um exemplo de equilíbrio
entre restauro e conservação da arquitetura do passado com o que há de mais moderno em
termos de instalações e uso. Salas de projeções, biblioteca e laboratórios convivem em
harmonia. Conversei com um funcionário para saber do acervo cinematográfico existente e,
conversa vai, conversa vem, lembrei-me de um filme que o francano Padinha havia feito nos
anos 70, uma comédia chamada “As delícias da vida”.
Pois não é que existia no arquivo da Cinemateca? Aí começou a discussão: emprestam o filme?
Para mostras, sim. Mas precisa ter uma cópia de divulgação. Tem? Sim. Problema: o filme está
em 35 mm, não é digital como nos cinemas de hoje. Franca não tem mais esta máquina? Não
sei. Se não tem, como assistir o filme? E para salvar em outra mídia? Impossível, custam 9 mil
reais o minuto, quase um milhão de reais. Então, para que preservar o filme, se ninguém vai
vê-lo? O funcionário disse que os originais dos filmes resistem 100, 150 anos, até lá quem sabe
descobriram um jeito de baratear a mudança para digital.
O filme foi exibido uma única vez em Franca no cine São Luiz, nos anos 70 ou início dos 80, eu
assisti. “As delícias da vida” foi dirigido por Maurício Rittner, tendo no elenco Vera Fischer,
John Herbert e Bete Mendes no auge da beleza. O enredo fala de um jovem autor de
telenovela que precisa lidar com as interferências em sua criação, do dono da emissora, dos
atores vaidosos, do patrocinador e o escambau. O roteiro de Padinha é uma adaptação ao
cinema de sua peça “Happy End”, que venceu o Festival de Teledramaturgia da TV Cultura, que
teve Belmiro Arruda como ator. Pelo desastre que é a preservação do patrimônio cultural em
Franca, quem assistiu, assistiu.
Mauro Ferreira é arquiteto
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cinemateca - Laboratório das Artes