PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Breves Comentários ao Artigo 29, Parágrafo Único da Lei nº 6.830/80 e ao
artigo 187, Parágrafo Único do Código Tributário Nacional – Concurso de
Preferência
Autora: Adriana Krieger de Mello
Sumário
I.
Introdução: exposição do objetivo do trabalho............................................03
II.
Breve Apanhado Histórico: a evolução do instituto.....................................03
III. Previsão Legal................................................................................................08
IV. Requisitos a que se estabeleça o Concurso de Preferência.........................10
V.
Panorama e Análise do modo como o “Concurso de Preferência” previsto
no artigo 29, Parágrafo Único da Lei nº 6.830/80 e no artigo 187,
Parágrafo
Único
do
Código
Tributário
Nacional
vem
sendo
aplicado...........................................................................................................11
VI. Conclusão........................................................................................................25
VII.
Bibliografia......................................................................................................26
2 I. Introdução
Visa o presente trabalho questionar a subsistência do Concurso de Preferência
estatuído pelo artigo 29, Parágrafo Único da Lei nº 6.830/80 e pelo artigo 187, Parágrafo
Único do Código Tributário Nacional.
Partindo-se da análise histórica do instituto, bem como, percorrendo a doutrina
e jurisprudência atuais, buscar-se-á responder ao seguinte questionamento: Considerando-se o
ordenamento jurídico-constitucional vigente, há como ainda se sustentar a prevalência dos
créditos da União na cobrança da Dívida Ativa, em face dos demais entes federados?
Entende-se que não mais é possível de se sustentar tal hierarquia, conforme
adiante se passa a desenvolver.
II. Breve Apanhado Histórico
Foi com o advento do Código Civil de 1916 que, em seu artigo 1.571, pela
primeira vez no ordenamento jurídico pátrio, estabeleceu-se o “Concursus Fiscalis” entre
Fazenda Federal, Estadual e Municipal, nesta ordem de preferência. E não podia ser diferente,
porquanto a tradição de um Estado Unitário o qual conferia amplas prerrogativas ao Poder
Central, em detrimento das Províncias, em que pese, à época já viger a Constituição de 1891,
ainda se encontrava fortemente arraigada.
Posteriormente, através do DL nº 960, de 17.12.1938, a União, no exercício de
sua competência privativa para legislar sobre Processo (Constituição Federal de 1937, art. 16
– XVI), estabeleceu que, in verbis:
3 Art. 60 – A Fazenda, na cobrança da sua dívida atina, não está sujeita a
concurso de credores, nem à habilitação de crédito em falência, concordata ou
inventário.
Parág. Único – A dívida da União prefere qualquer outra, em território
nacional, e a dos Estados prefere a dos Municípios. Somente entre a União,
Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderá versar o concurso de
preferência.
Já sob o pálio da Constituição de 1946, foi editada a Lei nº 5.172, de 25 de
outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, o qual, em seu artigo 186, pôs em ressalva os
créditos trabalhistas e estabeleceu, no artigo 187 que:
Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de
credores ou habilitação em falência, concordata, inventário ou arrolamento.
Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas
jurídicas de direito público, na seguinte ordem:
I - União;
II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pro rata;
III - Municípios, conjuntamente e pro rata.
No que respeita ao tratamento constitucional da matéria, a Constituição do
Império de 1824 omitia-se quanto ao tema, porquanto, conforme já se mencionou, era o Brasil
um Estado Unitário.
4 Na Constituição de 1891, resta inserida previsão que, a nosso aviso, é o gérmen
de toda a discussão acerca da subsistência ou não de hierarquia na satisfação dos créditos
públicos inscritos em dívida ativa. Tal dispositivo – artigo 8º, assim se encontrava redigido:
“É vedado ao Governo Federal criar, de qualquer modo, distinções e
preferências em favor dos portos de uns contra os de outros Estados.”
A Constituição de 1934 amplia a extensão da norma, estipulando o artigo 17,
que, in litteris:
Art. 17 – É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – criar distinções entre brasileiros natos ou preferências em favor de uns
contra outros Estados; (...).
Na Constituição de 1937, é retirado da previsão de tratamento uniforme o
Distrito Federal, mas incluído no inciso I os Municípios, conforme segue:
Art. 32 – É vedado à União, aos Estados e aos Municípios:
a)
Criar
distinções
entre
brasileiros
natos
ou
discriminações
e
desigualdades entre os Estados e Municípios; (...). – sublinhei.
A Constituição de 1946 reincluiu o Distrito Federal na previsão normativa de
tratamento uniforme entre os entes políticos, bem como substituiu as expressões distinções e
desigualdades por preferências, senão vejamos:
Art. 31 – À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:
5 I – criar distinções entre brasileiros ou preferências em favor de uns contra
outros Estados ou Municípios; (...).
A Constituição de 1967 ostentava idêntica previsão, encapsulada no artigo 9º I, entendendo a doutrina que tal dispositivo não vedava o estabelecimento de preferência em
favor:
i.
da União;
ii.
de todos os Estados, em relação a todos os Municípios e
iii. de todos os Municípios em relação a todos os Estados.
De tal sorte, o artigo 187, Parágrafo Único do Código Tributário Nacional se
encontrava conforme ao texto constitucional vigente. A problemática ora tratada se inicia
quando, através da Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969 introduz nova
redação à norma, em referência, estabelecendo que:
Art. 9º - À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:
I – criar distinções entre brasileiros ou preferências em favor de uma dessas
pessoas de direito público interno contra outra; (...). – sublinhei.
Observe-se que, pela redação supracitada, a própria União se despia do direito
de gozo de preferência, relativamente aos demais entes políticos.
Entretanto e, infelizmente, não foi este o entendimento que prevaleceu no
Pretório Excelso, o qual, em sede de Recurso Extraordinário (RE nº 80.045-SP – Pleno,
acórdão publicado no DJU de 09.12.1976), foi chamado a se pronunciar acerca da
subsistência da preferência de satisfação dos créditos de Autarquia Federal (INPS), em face
do Estado de São Paulo, com base na nova redação introduzida pela Emenda Constitucional
nº 01, de 17 de outubro de 1969, tendo decidido que:
6 Tributos. – Preferência. – O crédito previdenciário do INPS, contribuição
parafiscal, equiparada legalmente a crédito da União, prefere ao crédito
tributário do Estado.
A proibição de se criarem preferências entre uma das pessoas de Direito
Público interno contra outra (Constituição Federal, art. 9º, I) não exclui a
ordem de preferência, no concurso para cobrança de crédito tributário,
estabelecida pelo art. 187, parágrafo único, do Código Tributário Nacional.
Recurso Extraordinário não conhecido.
Nessa assentada, restou o E. Ministro Aliomar Baleeiro, que sustentava não
mais haver preferência de crédito entre os litigantes, em face da nova redação conferida pela
Emenda Constitucional 01/69 ao artigo 9º - I , vencido. O Relator para o Acórdão, Ministro
Rodrigues Alckmin, perfilhou o entendimento de que a norma, em questão, visava a, tão-só,
evitar a criação de desigualdades entre o Distrito Federal e os Estados, ou desigualdades entre
Municípios, favorecendo a alguns em detrimento de outros, colocados no mesmo plano em
face da Constituição, reconhecendo, ao fim, que a União, os Estados e os Municípios se
situam em diferentes níveis, não havendo de se falar que tal concurso creditório malferisse a
igualdade na Federação.
Com base na reiteração de tal julgado foi aprovado em Sessão Plenária de
15.12.1976, o Enunciado da Súmula 563, STF, o qual dispõe que o concurso de preferência a
que se refere o parágrafo único do artigo 187 do Código Tributário Nacional é compatível
com o disposto no artigo 9º, I, da Constituição Federal.
A Constituição da República de 1988 apresenta, no artigo 19, III, constante do
TÍTULO III -
Da Organização do Estado, CAPÍTULO I -
DA ORGANIZAÇÃO
POLÍTICO-ADMINISTRATIVA, regramento bastante semelhante àquele último supracitado,
a saber:
7 Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de
dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse
público;
II - recusar fé aos documentos públicos;
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si. – sublinhei.
Veja-se que tal norma não exceptua a União da vedação de criação de
preferências, melhor dizendo, nenhum dos entes federados poderá gozar de preferências, em
relação aos demais. Em que pese a nova redação, os aplicadores não vêm dando a necessária
importância para tal alteração, conforme adiante restará evidente.
III. Previsão Legal
O Concurso de Preferência à satisfação dos créditos fiscais dos entes públicos
encontra seu atual fundamento legal no artigo 29, Parágrafo Único da Lei de Execuções
Fiscais (Lei nº 6.830/80), o qual ostenta a redação que segue abaixo declinada:
Art. 29. A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a
concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação,
inventário ou arrolamento.
Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas
jurídicas de direito público, na seguinte ordem:
I - União e suas autarquias;
8 II - Estados, Distrito Federal e Territórios e suas autarquias, conjuntamente e
pro rata;
III - Municípios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata.
Destaca-se que o Concurso ali previsto se estabelece tanto entre créditos de
natureza tributária, quanto os de natureza não tributária, haja vista a redação do artigo 2º,
Parágrafo 2º, do mesmo Diploma Legal, o qual define que a Dívida Ativa da Fazenda Pública
compreende a dívida tributária e a não-tributária.
Por outro lado, o Código Tributário Nacional, recepcionado que foi com
“status” de Lei Complementar, estatui o Concurso de Preferência, tão-só, para os créditos de
natureza tributária, estabelecendo que:
Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de
credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata,
inventário ou arrolamento. (Redação dada ao caput pela Lei Complementar nº
118, de 09.02.2005, DOU 09.02.2005 - Ed. Extra, efeitos a partir de
09.06.2005)
Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas
jurídicas de direito público, na seguinte ordem:
I - União;
II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pro rata;
III - Municípios, conjuntamente e pro rata.
Tal aparente contradição, no que tange à definição da escala de preferências,
será desenvolvida no Capítulo V subseqüente.
9 IV. Requisitos a que se estabeleça o Concurso de Preferência
Doutrina e Jurisprudência majoritárias posicionam-se no sentido de que o
Concurso de Preferência só se estabelece entre Pessoas Jurídicas de Direito Público Interno,
em tendo os exeqüentes já procedido à constrição do mesmo bem. Destarte, não basta a que se
instaure o Concurso a propositura do Executivo Fiscal pelo ente público, requer-se a
pluralidade de penhoras sobre o mesmo bem.
Nesse diapasão, destacam Carlos Henrique Abrão e Outros, na obra intitulada
Lei de Execução Fiscal comentada e anotada – Doutrina, Prática e Jurisprudência, 3ª Ed., RT:
A União e suas autarquias somente podem deduzir sua preferência nas
execuções promovidas pelos demais entes políticos e suas autarquias, caso já tenham
constritado o mesmo bem com arresto ou penhora.
O concurso de preferência se instaura sobre o produto da arrematação ou sobre
o bem objeto da adjudicação. O credor preferencial identificado deve ser intimado do leilão
ou do pedido de adjudicação do mesmo modo que o credor hipotecário.
Do mesmo modo, é pacífico tal entendimento no âmbito do E. Superior
Tribunal de Justiça, valendo destacarem-se os excertos que seguem:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. FAZENDA NACIONAL E
ESTADUAL CONCURSO DE CREDORES FISCAIS. PREFERÊNCIA.
INEXISTÊNCIA DE DUPLICIDADE DE PENHORAS. 1. A Primeira Seção
do STJ pacificou o entendimento de que o crédito fiscal da Fazenda Nacional
prefere ao da Fazenda Estadual na presença de execução movida por ambas as
Fazendas, cuja penhora tenha recaído sobre o mesmo bem, ex vi do art. 187,
parágrafo único, do Código Tributário Nacional e art. 29, parágrafo único, da
Lei n 6.830/80. 2. Recurso especial conhecido e provido (STJ - RESP 120640 SP - (199700123561) - 2ª T. - Rel. Min. João Otávio de Noronha - DJU
01.02.2005, p. 460). – sublinhei.
10 EXECUÇÃO FISCAL. CONCURSO DE PREFERÊNCIA. (Nota publicada no
Informativo nº 251 do STJ). A Turma entendeu que a simples declaração do
crédito de um ente público nos autos de processo de execução fiscal de outro
ente público não é suficiente para instaurar o incidente do concurso de
preferência. Necessário que o ente que deseja instaurar o referido incidente
comprove, no processo em que suscitou o concurso, que também penhorou ou
arrestou o mesmo bem. Aplica-se, na espécie, o disposto no art. 29, parágrafo
único, da Lei n. 6.830/1980 (LEF). (STJ - REsp 555286 - MG - 2ª T. - Rel.
Min. Eliana Calmon - julgado em 14.06.2005) – sublinhei.
Em conclusão àqueles que ainda defendem a subsistência de hierarquia na
satisfação de créditos fiscais entre os entes públicos, como premissa básica, forçoso é
concluir-se que o Concurso de Preferência só se estabelece se os concorrentes tiverem
constritado o mesmo bem.
V. Panorama e Análise do modo como o “Concurso de Preferência”
previsto no artigo 29, Parágrafo Único da Lei nº 6.830/80 e no artigo 187, Parágrafo
Único do Código Tributário Nacional vem sendo aplicado
Analisando-se a doutrina e os arestos oriundos do Superior Tribunal de Justiça,
dos Tribunais Regionais Federais e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, é
possível distinguir-se três modos de aplicação dos dispositivos ora analisados. A fim de tornar
mais objetiva a explicitação de tais entendimentos, passar-se-á a comentá-los por subtítulos.
11 V.I. Pela Aplicação Literal do disposto no artigo 29, Parágrafo Único da
Lei nº 6.830/80 e no artigo 187, Parágrafo Único do Código Tributário
Nacional
A primeira posição que se destaca perfilha o entendimento de que a União tem
preferência na satisfação da Dívida Ativa por ela inscrita, relativamente aos demais entes
públicos, inclusive suas autarquias.
Aqueles que defendem tal linha de interpretação, diga-se, literal, não
distinguem a natureza do crédito, se de origem tributária ou não. O Concurso de Preferência
dará primazia à satisfação dos créditos da União, após, de suas autarquias; dos Estados,
Distrito Federal, Territórios e de suas autarquias, conjuntamente e pro rata; dos Municípios e
de suas autarquias, conjuntamente e pro rata.
Adotando tal argumentação, citam-se Manoel Álvares e Outros, in Execução
Fiscal – Doutrina e Jurisprudência, Editora Saraiva, de onde se extrai:
A ordem de preferência no recebimento dos créditos tem previsão legal, não
tendo qualquer aplicação o princípio da anterioridade da penhora ou do
concurso universal. A prioridade maior é para os créditos, tributários ou não,
da União; pagos integralmente estes, se houver sobra, pagam-se os créditos
tributários ou não, das autarquias e fundações públicas federais, sem qualquer
preferência de umas sobre outras. A seguir, se persistirem sobras, são pagos os
créditos dos Estados, Distrito Federal, Territórios e suas autarquias e
fundações, conjuntamente e em rateio. Por fim, remanescendo numerário, este
será rateado para pagamento dos créditos, tributários ou não, dos Municípios e
de suas autarquias e fundações.
Adotando idêntico entendimento, colaciona-se o excerto que segue, oriundo do
E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
12 AGRAVO INTERNO MANEJADO CONTRA DECISÃO DO RELATOR
QUE
NEGOU
SEGUIMENTO
LIMINAR
AO
AGRAVO
DE
INSTRUMENTO ANTTERIORMENTE INTERPOSTO. PREFERÊNCIA DO
CRÉDITO TRIBUTÁRIO DO FGTS SOBRE O DO ESTADO. INCIDÊNCIA
DA REGRA DO ART. 187, § ÚNICO, DO CTN. AUSÊNCIA DO DIREITO
DE PRELAÇÃO PREVISTO NO ART. 711, DO CPC. NEGATIVA DE
SEGUIMENTO LIMINAR AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, QUE SE
IMPUNHA, NA FORMA DO QUE DISPÕE O ART. 557, ‘CAPUT’, DO
CPC.
Quando a matéria estiver pacificada na Câmara, perfeitamente aplicável a regra
do art. 557, caput e § 1º, do Código de Processo Civil. Precedente do STJ.
Tratando-se de execuções aparelhadas e ajuizadas por dois entes públicos, a
regra de preferência entre os créditos tributários é aquela prevista no art. 187, §
único, do CTN. Daí, não tem importância a anterioridade da penhora e nem se
aplica o direito de prelação previsto no art. 711, do CPC. Preferência de direito
material que não se subordina à mera e subalterna preferência de direito
processual, a qual só tem aplicação se inexistente aquela. Por isso, também não
importa o fato de a penhora efetivada na execução proposta pelo FGTS ter
ocorrido após a realização do leilão havido na execução fiscal proposta pelo
Estado. Preferência do crédito do FGTS, ente público pertencente à União,
frente ao do Estado. Manifesta improcedência do agravo manejado pelo
Estado. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO, POR MAIORIA. VOTO
VENCIDO. Agravo Interno nº 70020507091, Agravante: Estado do Rio
Grande do Sul, Relator Desembargador Osvaldo Roenick.
A crítica que se faz a tal entendimento se situa no aspecto de que toda a linha
argumentativa adotada se fundamenta em um único elemento de interpretação, qual seja, o
literal. Não se quer com isso dizer, por óbvio, que a interpretação literal não seja importante,
13 pois é a partir da análise das expressões que compõem a manifestação escrita da regra que se
parte à construção de significados.
Ocorre que o método literal mostra-se insuficiente à aplicação segura dos
dispositivos em comento. Tanto o é que os argumentos acima apresentados não enfrentam a
aparente incompatibilidade que se estabelece entre a regra que se extrai do artigo 187,
Parágrafo Único do Código Tributário Nacional e a do artigo 29, Parágrafo Único da Lei nº
6.830/80, no que respeita à prioridade de satisfação dos créditos tributários, relativamente aos
demais créditos de titularidade da Fazenda Pública, haja vista que o CTN, por ser Lei
Complementar não tem sua eficácia comprometida, em face da vigência de Lei Ordinária,
como o é a Lei de Execuções Fiscais.
Demais disso, todo o aplicador da lei (membros da advocacia, da magistratura
e do ministério público) não pode nunca deixar de ter em mira a necessária compatibilidade
que deve haver entre a norma concretizada e as disposições oriundas da Constituição da
República. É esta a posição que iremos defender no quarto subitem deste Título.
V.II. O Concurso de Preferência deve observar a natureza do crédito
público a ser satisfeito – tributário e não-tributário:
A segunda corrente de entendimento acerca da aplicação do artigo 29,
Parágrafo Único da Lei nº 6.830/80 e do artigo 187, Parágrafo Único do Código Tributário
Nacional diferencia a natureza do crédito público objeto de cobrança, dando hierarquia
diferenciada aos créditos tributários, relativamente aos não-tributários.
Tal linha de argumentação é defendida por Milton Flaks1, o qual é seguindo
por juristas de escol, como Araken de Assis2 e Antônio Carlos Costa e Silva3, dando-se
1
FLAKS, Milton. Comentários à Lei de Execução Fiscal. Rio de Janeiro: Forense, 1981. Págs. 280/281.
14 destaque à argumentação por ele apresentada às páginas 280/281 da obra indicada em Nota de
Rodapé (1):
291. Numa primeira aproximação, poder-se-ia extrair do art. 29 da LEF o
entendimento de que os créditos não tributários do ente político (e suas autarquias) de nível
superior preferem aos créditos tributários do ente político (e suas autarquias) de nível inferior.
Isto, entretanto, estaria em desacordo não só com a tradição de primazia dos créditos
tributários, como também com os arts. 176 e 187 do CTN, o qual, como lei complementar,
não poderia ser derrogado por lei ordinária (supra, § 20).
(...)
É possível, entretanto, conciliar o art. 187 do CTN com o art. 29 da LEF, desde
que se biparta a gradação em duas séries: uma para os créditos tributários e outra para os
créditos não tributários. Considerando-se o disposto no art. 186 do CTN, ao qual o art. 4º, § 4º
da LEF faz remissão, bem como no art. 18 do Dec.lei 195/67, os créditos contra o devedor da
Fazenda seriam atendidos segundo a seguinte ordem de precedência:
(...)4
c)
Créditos tributários da União e de suas autarquias, conjuntamente e pro
rata;
d)
Créditos tributários dos Estados, do Distrito Federal e os originários dos
Territórios, bem como de suas autarquias, conjuntamente e pro rata;
e)
Créditos tributários dos Municípios e de suas autarquias, conjuntamente
e pro rata;
2
ASSIS, Araken. Manual do Processo de Execução. 8. Ed. São Paulo: RT, 2002. Págs. 936/937.
3
SILVA, Antônio Carlos Costa e. Teoria e Prática do Processo Executivo Fiscal. Rio de janeiro: AIDE, 1983.
Págs. 602/603.
4
Extraíram-se as alíneas a) créditos trabalhistas e b) contribuição de melhoria, em relação ao imóvel
beneficiado, por gozarem os primeiros de preeminência, relativamente ao crédito fazendário e o segundo por
estar contemplado entre os créditos tributários de titularidade dos Municípios.
15 f)
Créditos não-tributários da União e de suas autarquias, conjuntamente e
pro rata;
g)
Créditos não-tributários dos Estados, do Distrito Federal e os
originários dos Territórios, bem como de suas autarquias, conjuntamente e pro
rata;
h)
Créditos não-tributários dos Municípios e de suas autarquias,
conjuntamente e pro rata.
Observe-se que acerca da Preferência da União na satisfação de seus créditos,
relativamente às Autarquias Federais, varam, igualmente, discussões, dividindo-se a doutrina
no que tange à partição pro rata do produto da arrematação. Conforme é destacado no excerto
acima, entende Milton Flaks que os créditos da União e de suas Autarquias são pagos
conjuntamente e em rateio, não havendo prevalência entre tais entes. Perfilhando o mesmo
entendimento, Antônio Carlos Costa e Silva, na obra citada em Nota de Rodapé.
Sustentando posição contrária, Manoel Álvares e Outros5, conforme excerto já
transcrito supra.
De igual modo, colhem-se da jurisprudência julgados que defendem a
prevalência dos créditos da União, em detrimento aos de suas autarquias, a saber:
PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO DE PREFERÊNCIA DO CRÉDITO
FISCAL ENTER A UNIÃO E AUTARQUIA FEDERAL. OCORRENDO
ESTE, PREFERE AQUELA A ESTA. DECISÃO MANTIDA.
1.
As autarquias federais equiparam-se à União quando concorrem com
créditos fiscais de entes públicos estaduais ou municipais.
5
ALVARES, Manoel e Outros. Execução Fiscal: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1998. Pág. 455. 16 2.
Ocorrendo, todavia, concorrência entre crédito da União e uma de suas
autarquias, prevalece o daquela, que tem existência necessária e é expressão da
soberania nacional, não se podendo falar em rateio do produto da alienação
judicial ocorrida nos autos de execução fiscal pela Fazenda promovida.
3.
Recurso de agravo improvido. – TRF 4ª Região, 2ª T. AgI 0402756-5,
1996; Rel. Wellington Almeida, DJU dde 20.11.1996, pág. 89.187.
PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - CONCURSO
DE PREFERÊNCIA ENTRE CRÉDITOS DA UNIÃO FEDERAL E DO
INSS. 1. Não há nos autos elementos para se constatar se o procedimento
utilizado pela União Federal para requerer preferência de seu crédito na
execução fiscal ajuizada pelo INSS é o adequado. 2. Na oportunidade em que a
autarquia federal discordou de aludido pedido, não se insurgiu quanto à forma
em que este foi formulado nem quanto à natureza dos créditos da Fazenda
Pública, não podendo fazê-lo nesta via recursal, vez que referidas questões não
foram apreciadas pelo MM. Juiz a quo. 3. Existência de preferência dos
créditos da União Federal em relação aos créditos de sua autarquia
(precedentes desta Corte), sendo indispensável a existência de pluralidade de
execuções fiscais e a constrição judicial sobre o mesmo bem do executado. 4.
O concurso de preferência se estabelece sobre o produto da arrematação, não
existindo por esta razão motivo para suspender a venda em leilão do imóvel
matrícula nº 1933 designado para o dia 1º de abril de 2005, mas obtido o
resultado da venda deverá o crédito da União ser pago em primeiro lugar. 5.
Agravo de instrumento parcialmente provido. (TRF3ª R. - AG 229609 - PROC.
200503000111905 - 1ª T. - Rel. Des. Fed. Vesna Kolmar - DJU 01.09.2005). –
sublinhei.
17 Em conclusão, no ponto, em que pese tal corrente não enfrentar a aplicação dos
dispositivos em liça à luz do sistema constitucional vigente, ostenta ela vantagens em relação
à primeira, haja vista a busca da compatibilização de dois regramentos que, aparentemente,
apresentavam certo grau de incompatibilidade.
De qualquer sorte, apresenta-se igualmente incompleta tal linha argumentativa,
pois a questão central não é atacada, qual seja: a ocorrência ou não de hierarquia, in casu,
entre a Lei Complementar – CTN e a Lei Ordinária – LEF. Veja-se que não se mostra
suficiente aduzir que Lei Ordinária não pode revogar uma Lei Complementar. Há que se
perquirir se a matéria tratada no artigo 29, Parágrafo Único da Lei nº 6.830/80 apresenta
conteúdo capaz de violar a exigência constante do comando encapsulado no artigo 146 – II,
“b” da Constituição da República, ao atribuir preferência não só à satisfação do crédito
tributário, como também ao não-tributário.
Este é o fundamento bastante a justificar o raciocínio apresentado pela corrente
ora tratada: à medida que a LEF estabelece preferência à satisfação do crédito não-tributário
da União, em detrimento dos tributários de titularidade dos demais entes públicos, ela se
choca com o que dispõe o artigo 186 do CTN e não com o artigo 187, pois é naquele que se
verifica a ordem das prelações (título legal de preferência). Assim, resta evidenciada, in casu,
a violação de hierarquia material conteudística, hábil a fundamentar a linha de entendimento
apresentada por Milton Flaks.
Ainda assim, persiste a questão de se saber se o atual ordenamento jurídicoconstitucional admite alguma espécie de hierarquia à satisfação dos créditos tributários dos
diversos entes públicos.
18 V.III. Da Preferência da Satisfação dos Créditos dos Entes Políticos,
relativamente às Pessoas Meramente Administrativas:
Tal entendimento é defendido por Hely Lopes Meirelles, na sua festejada obra
Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, 33. Ed., asserindo o renomado mestre, à página
731, que o crédito da União, do Estado-membro ou do Município deve preferir sempre ao das
autarquias, de qualquer nível administrativo. Isto porque os entes políticos têm precedência
sobre as pessoas meramente administrativas.
Adotando idêntico entendimento, colacionam-se os excertos abaixo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. CONCURSO DE
PREFERÊNCIA. FAZENDA NACIONAL E AUTARQUIA FEDERAL
(INSS). PREFERÊNCIA DO CRÉDITO DO ENTE POLÍTICO (UNIÃO
FEDERAL) SOBRE O DA PESSOA JURÍDICA DE NATUREZA
MERAMENTE ADMINISTRATIVA. O crédito da União, do Estado-membro
ou do Município deve sempre preferir ao das autarquias de qualquer nível
administrativo, em razão de que os entes políticos têm precedência sobre as
pessoas jurídicas de direito público meramente administrativas, como, aliás, no
âmbito federal, preconiza o art. 29, § único, inc. I, da Lei 6.830/80, em
interpretação sistemática com os demais incisos do mesmo preceito. Agravo
improvido. (TRF4ª R. - AI 2004.04.01.038876-4/PR - 1ª T. – Relator para o
Acórdão Des. Fed. Wellington Mendes de Almeida - DJU 22.06.2005).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. CONCURSO DE
PREFERÊNCIA. FAZENDA NACIONAL E AUTARQUIA FEDERAL
(FNDE). PREFERÊNCIA DO CRÉDITO DO ENTE POLÍTICO (UNIÃO
FEDERAL) SOBRE O DA PESSOA JURÍDICA DE NATUREZA
MERAMENTE ADMINISTRATIVA. O crédito da União, do Estado-membro
ou do Município deve sempre preferir ao das autarquias de qualquer nível
19 administrativo, em razão de que os entes políticos têm precedência sobre as
pessoas jurídicas de direito público meramente administrativas, como, aliás, no
âmbito federal, preconiza o art. 29, § único, inc. I, da Lei 6.830/80, em
interpretação sistemática com os demais incisos do mesmo preceito. Agravo
legal provido. (TRF4ª R. - AI 2005.04.01.034226-4/SC - 1ª T. – Relator para o
Acórdão Des. Fed. Wellington Mendes de Almeida - DJU 26.10.2005).
E, ainda:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CRÉDITOS FISCAIS. FAZENDA
NACIONAL E INSS. PREFERÊNCIA AO CRÉDITO DA UNIÃO.
1.
Dentre as duas ordens de preferência que devem ser estabelecidas, quais
sejam, uma entre as próprias entidades estatais, segundo a esfera
governamental a que pertencem (federal, estadual e municipal), e outra, entre
as entidades políticas (União, Estado-membro e Município) e as não-políticas,
isto é, as meramente administrativas (autarquias), o crédito da União, do
Estado-membro ou do Município deve sempre preferir ao das autarquias de
qualquer nível administrativo, em razão de que os entes políticos têm
precedência sobre as pessoas jurídicas de direito público meramente
administrativas” (REsp 272.374/SP, Rel. Min. Franciulli Netto, DJU de
25.02.02).
2.
Recurso Especial improvido.
3.
RECURSO ESPECIAL 590.710-RS (2003/0163890-2), Rel. Min.
Castro Meira, julgado em 19 de maio de 2005.
20 Tal como se verifica nas demais correntes, a linha de argumentação aqui
defendida igualmente não enfrenta a questão atinente à subsistência de alguma espécie de
hierarquia à satisfação dos créditos tributários dos diversos entes públicos, em face do atual
ordenamento jurídico-constitucional.
A fundamentação adotada é no sentido de que a preferência pela satisfação
com primazia dos créditos dos entes políticos, relativamente às autarquias e fundações,
assentar-se-ia no fato de que deteriam os primeiros “soberania”, além de terem sido eles os
criadores dos entes vinculados.
Destarte, com base em tal corrente, haveria Concurso de Preferência entre os
Entes Políticos, primeiramente e, sobejando alguma sobra, seria ela destinada à satisfação dos
créditos das pessoas jurídicas administrativas.
V.IV. Da Necessária Paridade à Satisfação dos Créditos Tributários dos
Diversos Entes Políticos
Conforme dantes consignado, a aplicação de toda a lei, em sentido estrito,
deve guardar consonância com as normas emanadas da Constituição da República. Não é
possível ao intérprete empregar determinado texto legal de forma não conectada com o
ordenamento jurídico vigente. Veja-se que o arcabouço normativo se entrelaça como em uma
rede, estando suas partes em permanente interação, de modo a garantir-lhe coerência e
substância. Não há como se aferir a validade de uma norma, sem se proceder à analise de todo
o sistema, cuja dimensão é conferida pela Constituição da República, em seu sentido material.
Destarte, partindo-se de tal premissa, entende-se que o Concurso de
Preferência previsto no artigo 29, Parágrafo Único da Lei nº 6.830/80 e no artigo 187,
Parágrafo Único do Código Tributário Nacional não tem mais guarida em face da
Constituição da República de 1988.
21 Veja-se que a atual Carta conferiu dimensão trilateral ao federalismo, na dicção
do eminente Professor Paulo Bonavides6.
Logo de início, estabelece a Constituição da República, em seu artigo 1º, caput
que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal.
Já, o artigo 18 da CR – 88, em seu caput, estabelece que a organização
político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos.
Deste modo, são componentes da nossa República Federativa: a) União; b)
Estados e Distrito Federal e c) Municípios, todos gozando de auto-organização, autogoverno, auto-administração e autolegislação, que são prerrogativas derivadas da
autonomia (e não soberania), da qual tais entes são dotados. Soberania só a possui a
República Federativa do Brasil.
É no artigo 19 da CR – 88 que resta ainda mais marcada tal autonomia, lá
restando estabelecido que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
criar preferências entre si.
Ora, como entender-se conforme à Constituição o Concurso de Preferência
estabelecido pelo artigo 29, Parágrafo Único da Lei nº 6.830/80 e pelo artigo 187, Parágrafo
Único do Código Tributário Nacional? Da análise das normas constitucionais, não se
identificam fundamentos hábeis a confortar a primazia estabelecida em tais Diplomas Legais,
pelo contrário, o que se verifica é que cada componente da Federação possui esferas de
competências próprias e indeclináveis, seja no âmbito das competências materiais, regulada
pelo artigo 21 e seguintes, seja no das competências tributárias, aí incluída a imunidade
recíproca, regra de limitação negativa de competência constante do artigo 150, VI, “a” da CR
- 88.
6
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7. Ed. São Paulo: Malheiros, 1997. Pág. 311.
22 A própria execução das políticas públicas voltadas ao bem-estar social é
distribuída entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ao tratar a Constituição da
República, no Título VIII, da Ordem Social.
Conforme bem menciona Hugo de Brito Machado Segundo, na obra intitulada
Contribuições e Federalismo, Dialética, o sistema de “freios e contrapesos” concebido por
Montesquieu é reforçado pelo “compartilhamento político do poder de decidir”, isto é, a fim
de evitar a concentração de poder nas mãos de um único ente, deve-se proceder à sua divisão,
tanto no plano horizontal (tripartição de poderes ou funções), quanto no plano vertical
(federalismo).
Por tais motivos, forçoso é concluir-se que não existe hierarquia ou níveis de
poder entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios que possam justificar, atualmente,
o discrímen constante do artigo 29, Parágrafo Único da Lei nº 6.830/80 e do artigo 187,
Parágrafo Único do Código Tributário Nacional.
O que resta evidente é que os dispositivos ora analisados vêm sendo aplicados
quase que mecanicamente, sem observar-se que nosso país não é mais um Estado Unitário,
com um poder centralizador forte. Há que se deixar de lado tal cultura, voltando-se o
intérprete à busca da maximição das normas passíveis de construção a partir, agora sim, da
literalidade do texto constitucional.
Basta a leitura do artigo 19 – III, da Constituição da República de 1988 a que
se visualize que o atual ordenamento jurídico-constitucional não mais comporta o Concurso
de Preferência entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios na satisfação de seus
créditos tributários.
Tais entes políticos devem ser tratados, no que tange à satisfação dos créditos
de natureza tributária, de forma equânime, constituindo-se o Princípio Federativo, inclusive,
uma limitação explícita ao Poder Constituinte Derivado, nos termos do artigo 60, § 4º, I, da
CR-88, quiçá ao legislador ordinário.
Em suma, entende-se que artigo 29, Parágrafo Único da Lei nº 6.830/80 e do
artigo 187, Parágrafo Único do Código Tributário Nacional não foram recepcionados pela
23 Constituição da República de 1988, porquanto o discrímen neles previsto vai de encontro à
vedação constante do artigo 19 – III da Lei Magna, infringindo os Princípios do Federalismo
Tridimensional, o qual assegura aos entes federais autonomia financeira mediante a repartição
de competências tributárias e de receitas.
É evidente que se mostra possível estabelecer preferência à satisfação dos
créditos tributários. O que não se admite é que o critério utilizado para o estabelecimento de
tal prerrogativa seja a esfera política a que pertencente o ente público concorrente. A União
não é mais que o Estado ou o Município; o Estado não é mais que o Município. Tal
argumento é, inclusive, reforçado pelo disposto no artigo 34 e no artigo 35 da CR – 88, que
tratam, respectivamente, da vedação da intervenção federal nos Estados e dos Estados, nos
Municípios, ressalvadas as exceções lá constantes.
24 VI. Conclusão:
Urge seja reconhecida a revogação do artigo 29, Parágrafo Único da Lei nº
6.830/80 e do artigo 187, Parágrafo Único do Código Tributário Nacional, porquanto sua
aplicação não foi recepcionada pelo disposto nos artigos 1º, “caput”; 18, “caput” e 19 – III,
todos da Constituição da República de 1988.
A adoção de tal preferência implica menoscabo ao Federalismo Tridimensional
introduzido no ordenamento pátrio pelo poder constituinte originário, sendo a Constituição o
referencial que deve marcar a construção da norma para o caso concreto.
25 VII. Bibliografia
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