Educação Política e Ausência
de Participação no Brasil
POLITICAL EDUCATION AND LACK OF
PARTICIPATION IN BRAZIL
Resumo Na ciência política, as discussões teóricas acerca da democracia defendem a
concretização de dois pilares básicos à sua plena efetivação: ampliação da participação
e educação política. O primeiro item tem se desenvolvido razoavelmente bem no
País, mas inúmeras pesquisas desvendam o descaso e o afastamento gerado pelo
descumprimento do segundo pré-requisito. O presente artigo faz uma análise das
dimensões da falta de participação política no Brasil, ocasionada pela ausência
de educação cívica. Para tanto, utiliza os dados de uma pesquisa realizada pelo
Movimento Voto Consciente, com 1.006 brasileiros, em 2004. Os resultados
demonstram que a participação social do brasileiro está atrelada à religião e
à benevolência, e que a mudança social e a defesa de interesses políticos não
envolvem parcela significativa da sociedade.
Palavras-chave PARTICIPAÇÃO – DEMOCRACIA – EDUCAÇÃO POLÍTICA –
CIDADANIA.
HUMBERTO DANTAS
Centro Universit‡rio
S‹o Camilo
[email protected]
Abstract In Political Science, theoretical discussions on the quality of democracy
support the concretization of two cornerstones for its complete fulfillment:
the broadening of participation and political education. The first element has
developed rather well in Brazil, but countless researches reveal the carelessness
and the distancing produced by not accomplishing the second pre-requisite. This
article analyzes the dimensions of the lack of political participation in Brazil,
produced by absence of civic education. The study, therefore, uses data from a
research made by the NGO Movimento Voto Consciente, with 1006 Brazilians in
2004. Results show that Brazilian participation is linked to religion and altruism,
and that social change and the defense of political interests do not involve a
meaningful part of the country.
Keywords PARTICIPATION – DEMOCRACY – POLITICAL EDUCATION –
CITIZENSHIP.
Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006
Impulso44_art06.indd 77
77
27/11/06 20:09:15
INTRODUÇÃO
A
teoria acerca da democracia destaca dois pilares básicos
para a sustentação de um regime dessa natureza. Primeiramente, as instituições, a realização de eleições, a ampla
participação da sociedade nos processos de escolha, a liberdade de associação, de formação de partidos etc. Em
segundo lugar, existem os autores que abordam a necessidade de educação e informação como atributos básicos ao
funcionamento da democracia. Pouco adiantam eleições
livres e partidos institucionalizados, se a sociedade não reconhece a importância das escolhas, da participação e a distinção entre as propostas
dos candidatos e, principalmente, das legendas partidárias.
A importância da educação e da troca de informações para o pleno funcionamento de um regime democrático é uma discussão que, na
teoria da ciência política clássica, ocupou espaço significativo entre os
autores dos séculos XVIII e XIX. Entre eles, Thomas Jefferson defendia
a educação como princípio fundamental à manutenção da liberdade dos
indivíduos. Esse argumento era compartilhado por Montesquieu, que entendia a troca de informações como ferramenta indispensável ao pleno
funcionamento da democracia. John Stuart Mill, por sua vez, dividia os
indivíduos em dois grupos distintos: os ativos e os passivos. O primeiro
era fundamental à manutenção das defesas dos interesses da sociedade,
o segundo interessaria apenas àqueles representantes desejosos de atuar
sem a devida fiscalização dos cidadãos.
Atualmente a discussão é sustentada por alguns autores relevantes.
Robert Dahl defende o que chama de educação cívica.1 Tal instrução é
conseguida nos meios formais de educação (escola), na ampla disponibilidade da informação pertinente na imprensa e nas associações organizadas, das quais os cidadãos fazem parte ou se aproximam – idéia defendida
pela Organização das Nações Unidas (ONU) como responsável pelo fim
da pobreza e diminuição dos efeitos da desigualdade.2 Já Norberto Bobbio mostra-se preocupado com a apatia política, gerada pelo desinteresse
da sociedade em questões de ordem pública. Defende, para tanto, a existência de amplos espaços sociais democráticos. A escola, o trabalho, os
lares e todo tipo de relação devem ser democráticos, mas o excesso de
democracia também é perigoso, e deve ser dosado.3
Quando discute os aspectos relacionados à cidadania, Maria Victoria Benevides destaca a importância da educação como sinônimo da capacidade de o indivíduo compreender seus direitos e deveres na sociedade.
De acordo com os argumentos da autora, a educação política se dá por
um processo de debate, discussão, busca por informação e participação.4
Tal princípio tem ligação direta com a lógica do pensamento de Theodor
1
2
3
4
DAHL, 2001.
ONU, 2002.
BOBBIO, 1986.
BENEVIDES, 1991.
78
Impulso44_art06.indd 78
Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006
27/11/06 20:09:18
Marshall, que aponta a educação como indispensável à efetivação do conceito de cidadania. Essa
instrução, que deveria ser formalmente oferecida
nas escolas, é a responsável pela transformação do
operário rude em cavalheiro.5
A discussão dos pilares que sustentam um
regime democrático também aparece com bastante
evidência no pensamento de Maria D’Alva Kinzo.
Ela afirma que dois princípios básicos norteiam os
regimes democráticos: a representatividade e a responsividade. O primeiro está assegurado, mas o segundo é, justamente, a participação, a identificação
e a capacidade de os cidadãos se compreenderem
como agentes políticos relevantes na vida pública.
De acordo com Kinzo, esse é o princípio que apresenta os problemas mais sérios. As instituições brasileiras pouco têm contribuído para elevar o grau de
inteligibilidade do processo eleitoral, o que produz
o distanciamento entre eleitores e representantes.
Diante desses argumentos, a autora aponta problemas graves quanto à consolidação dos partidos, à
falta de identidade deles com a sociedade, à inexistência de programas claros etc.6
Kinzo não considera, em suas análises, dados de pesquisas acerca da opinião dos eleitores
em relação aos partidos e às eleições, entre outros.
O objetivo dela é uma discussão pautada em dados eleitorais e sua reprodução no entendimento
dos eleitores sobre a participação política.7 Nesse
sentido, Jairo Nicolau também tem desenvolvido
uma série de estudos. Em seu trabalho Como Controlar o Representante, ele aposta nos argumentos
de Kinzo e mostra que o quadro institucional não
ajuda o sujeito, no momento de promover suas
escolhas políticas. A infidelidade partidária e a
falta de um compromisso dos partidos com plataformas mais consistentes prejudicam o acompanhamento por parte dos representados. O resultado é o distanciamento entre os políticos e os
cidadãos comuns. Nesse caso, Nicolau também
utiliza dados eleitorais, citando vagamente algumas pesquisas realizadas com eleitores.8
5
6
7
8
MARSHALL, 1967.
KINZO, 2004.
Ibid.
NICOLAU, 2002.
Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006
Impulso44_art06.indd 79
Já no que diz respeito a este estudo, seu intuito maior é, justamente, tentar compreender a
existência da distância entre os cidadãos comuns
e a política pautada em dados coletados junto aos
eleitores, e não em estatísticas eleitorais. Que variáveis podem determinar a existência desse afastamento? Haveria eleitores diferentes? Capazes de
compreender melhor e participar de forma mais
eficaz da política?
Antes de adentrar a análise de dados e explicar
as escolhas metodológicas, importa lembrar que,
apesar da produção recente acerca de a participação dos eleitores na política brasileira ser pequena,
há um conjunto de estudos que se aproxima dos
objetivos aqui tratados, por tentar compreender
o comportamento dos indivíduos diante de suas
escolhas eleitorais. Nesse caso, na ciência política
destacam-se os estudos de Marcus Figueiredo, sendo o principal deles A Decisão do Voto.9
Em se tratando da proximidade com os objetivos deste estudo, é possível citar ainda outro
trabalho de Jairo Nicolau, sobre a participação
política no Brasil, que trabalha com dados de um
levantamento feito com o eleitorado. O principal
intuito do autor é encontrar evidências seguras
para avaliar a personificação ou partidarização
das escolhas em eleições parlamentares. Embora
utilize dados de pesquisas com eleitores, principal
característica proposta nesse seu trabalho, Nicolau não tem o intuito de compreender as particularidades da participação política no Brasil, e sim
analisar a influência dos partidos nas opções dos
representantes em eleições proporcionais.10
Outro estudo que deve ser aqui destacado
é o de José Paulo Martins Jr. e Humberto Dantas, cujo intuito, valendo-se dos dados do Estudo
Eleitoral Brasileiro (ESEB), da Unicamp, realizado
em 2002, é captar a existência de diferenças entre
indivíduos ativos e passivos politicamente. Para
tanto, os autores criam um índice de participação
e comparam os sujeitos de acordo com variáveis
independentes e opiniões a respeito de questões
políticas relevantes.11
9
10
11
FIGUEIREDO, 1991.
NICOLAU, 2004.
MARTINS JR. e DANTAS, 2004.
79
27/11/06 20:09:18
DESENVOLVIMENTO
As Bases de Dados
A despeito da importância das discussões sob
seus aspectos teóricos e dos trabalhos que tomam
por base dados eleitorais e político-partidários, inúmeras pesquisas quantitativas sobre a participação
política dos indivíduos têm sido realizadas. No
entanto, poucos são os autores que se aprofundam
nos motivos determinantes da participação e de
qual o entendimento da sociedade brasileira acerca
da importância do voto, dos canais de participação
e da relevância da democracia.
Os principais levantamentos são a pesquisa
do Departamento de Ciência Política da USP, desenvolvida na Grande São Paulo, em 2002; a pesquisa sobre democracia do PNUD, feita em 2002,
na América Latina; o relatório sobre desenvolvimento humano apresentado pela ONU, em 2002;
a pesquisa sobre a participação política dos jovens,
efetuada pelo Instituto Perseu Abramo, em 2000;
o trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil sobre a confiança nas instituições, de 2003; a
enquete do Instituto Ágora, com professores do
ensino médio, a respeito da função dos representantes políticos, de 2002; e o Latino Barômetro,
divulgado periodicamente.
Adicionalmente, foi difundido o já citado Estudo Eleitoral Brasileiro, em 2002, contendo questões relevantes acerca da importância da participação política. Seus resultados serviram de base para
o trabalho de Martins Jr. e Dantas, que propuseram
um índice de participação (IP) apoiado em variáveis
como a busca por informação política nos canais
de imprensa, a participação em eleições, defendendo campanhas de forma voluntária, e a atuação em
órgãos de representação social, como sindicatos,
organizações e movimentos.12
Em 2004, a Organização Participa, entidade suprapartidária e não-governamental, propôs a
criação de um índice de participação cidadã, em
sete países da América Latina, com o intuito de
medir o grau de envolvimento de entrevistados
em ações relevantes para a sociedade. O objetivo
deste trabalho, por sua vez, é utilizar o banco de
dados dessa pesquisa que, no Brasil, foi desenvolvida pelo Movimento Voto Consciente, em parceria com a empresa Franceschini e Associados, e
processar uma análise semelhante à proposta por
Martins Jr. e Dantas.13
Neste caso, serão criados dois grupos para
análise: um de indivíduos considerados ativos politicamente (Grupo de Participação Política-GPP)
e outro composto pelos demais cidadãos. Existem
variáveis capazes de distinguir esses dois segmentos? Seria possível supor, a exemplo de Martins
Jr. e Dantas, que itens como educação, renda, inserção no mercado de trabalho e idade possuem
algum peso sobre o interesse dos indivíduos pela
política?
A METODOLOGIA DA PESQUISA
A pesquisa do Movimento Voto Consciente
tinha por propósito medir o grau de participação
dos indivíduos em atividades sociais de diversas
naturezas. Ao todo, foram 11 os âmbitos de atuação social: partidos políticos ou movimentos políticos; organizações de defesa dos direitos humanos, cidadania ou democracia; atividades ligadas à
Igreja, como participação em pastorais, organização de eventos etc.; instituições de defesa de interesses de bairros ou regiões; atividades esportivas
organizadas por clubes ou comunidades, torcidas
organizadas etc.; ações solidárias ou benevolentes
na forma de voluntariado; atividades sindicais ou
de defesa de categorias ou grupos profissionais;
iniciativas de apoio à educação, entre elas, grupos de pais e mestres, associações de estudantes
etc.; ações artísticas ou culturais; atividades de
controle ou fiscalização da gestão pública, como
orçamento participativo, conselhos gestores etc.;
e movimentos ou manifestações públicas, como
passeatas, marchas, paradas e protestos.
Os entrevistados também opinaram acerca
dos motivos que os levam a participar, o que eventualmente serve de estímulo a outros cidadãos, e o
que impede uma atuação mais consistente da sociedade. Adicionalmente, alguns testes foram feitos para identificar a efetiva participação dos entrevistados em algumas ações pontuais. Por fim,
12
13
Ibid.
80
Impulso44_art06.indd 80
Ibid.
Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006
27/11/06 20:09:19
a pesquisa concentrou-se na atuação política dos
indivíduos: sua relação com os partidos políticos,
com a participação em eleições e algumas crenças
sobre a obrigatoriedade do voto.
Ao todo os pesquisadores ouviram 1.006
brasileiros em entrevistas telefônicas, divididos
em seis capitais: São Paulo (40%), Rio de Janeiro
(20%), Porto Alegre (10%), Manaus (10%), Recife (10%) e Goiânia (10%). A amostra foi probabilística, estratificada e diretamente proporcional
à população. Todos os entrevistados eram maiores
de 18 anos e receberam os telefonemas entre julho
e agosto de 2004, portanto, em período de eleições municipais no Brasil. A mesma pesquisa se
repetiu em outros seis países da América Latina:
Argentina, Chile, Costa Rica, México, Peru e República Dominicana. De posse dos dados, a organização não-governamental chilena Participa calculou um índice de participação, comparando os
países. Não é objetivo deste trabalho explorar os
resultados dessa análise, restringindo-se ao Brasil.
OS RESULTADOS NO BRASIL
No Brasil, a atuação que a pesquisa chamou
de cidadã concentrou-se em ações benevolentes
ou religiosas. Entre os 1.006 entrevistados, 20%
declararam participar de atividades ligadas à Igreja e/ou de voluntariado em causas beneficentes.
Aproximadamente 10% afirmaram tomar parte
de organizações de bairro e de ações relacionadas
à educação. Entre 5,5% e 7,5% encontram-se as
atividades esportivas, as manifestações públicas e
as organizações profissionais. Por fim, com menos de 5% de indicação, as atividades artísticas, as
organizações de defesa da cidadania, os partidos e
as ferramentas de gestão pública.
Na tabela 1 são apresentados os âmbitos de
participação e as principais particularidades do
público envolvido em cada uma dessas iniciativas.
Nas linhas mais abaixo aparecem as freqüências
do universo pesquisado em cada uma das características. O objetivo é notar se existe alguma delas
que mereça destaque, por concentrar-se fora do
equilíbrio do universo pesquisado. Dos 55 cruzamentos possíveis na tabela 1, apenas quatro mostraram haver relação entre a distribuição esperada
e a observada. Desse modo, algumas características diferenciam os cidadãos pesquisados quanto à
participação chamada de cidadã.
Tabela 1. Características da amostra de acordo com o âmbito de participação.
Ação
% de participação
Igreja
19,6%
Voluntariado
19,1%
Assoc. bairro
11,0%
Educação
9,6%
Esporte
7,4%
Manif. pública
7,4%
Org. profissionais
5,9%
Arte e cultura
4,8%
ONGs
4,5%
Partidos
3,2%
Gestão pública
2,6%
Freqüência das variáveis
Idade
Equilíbrio
50% 46 a +
30% 36-45
36% 36-45
33% 18-25
8% 56 a +
30% 36-45
40% 18-25
33% 26-35
9% 18-25
70% 26-45
Idade
Escolaridade
20% primar.
28% sup.
22% sup.
23% sup.
1,4% analf.
30% sup.
45% sup.
60% 2º gr.
30% sup.
48% 2º gr.
47% 2º gr.
Escolaridade1
Renda familiar
6% + 4 mil
10% - 461
41% 1,8 mil
Equilíbrio
25% + 4 mil
22% + 4 mil
27% + 4 mil
40% 1,8 mil
30% + 4 mil
8% até 4 mil
40% 1,8 mil
Renda2
18% - 18-25
23% - 26-35
22% - 36-45
19% - 46-55
18% - 56 ou+
9% Analfab.
14% primário
19% 1º grau
40% 2º grau
18% superior
21% - R$461
26% 461 a 930
25% 931 a 1,8m
16% 1,8m a 4m
12% + 4m reais
Cidade
Equilíbrio
51% - SP
15% - RJ
8% - RJ
17% - Mans
20% - Goia.
17% - Goia.
6% - Recf.
Equilíbrio
32% - Recf.
20% - Recf.
Cidade
Goiân 10,2%
Mnaus 9.9%
PortoA. 9,7%
Recife 10,1%
RJ 20,0%
SP 40,0%
Gênero
55% fem.
Equilíbrio
Equilíbrio
55% fem.
75% mas.
55% mas.
66% mas.
60% fem.
66% mas.
56% fem.
66% mas.
Gênero
50% mas.
50% fem.
1. Cerca 2% dos entrevistados não responderam essa questão – não foi considerado.
2. Aproximadamente 20% dos entrevistados não declararam renda – não foram considerados.
Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa / Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais.
Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006
Impulso44_art06.indd 81
81
27/11/06 20:09:20
No caso da participação em ações promovidas pela Igreja (atuação em pastorais etc.), as
variáveis idade e cidade seguem a freqüência observada, mas a escolaridade do público é menor,
a participação não atinge as classes mais abastadas
e cerca de 55% do público é do sexo feminino.
As ações voluntárias associadas à caridade estão
mais presentes em São Paulo, sensibilizando mais
os indivíduos com idade superior a 46 anos, curso
superior completo e rendas superiores a 461 reais
– mesmo porque o público menos abastado costuma ser alvo desses atos. Nesse caso, os gêneros
se equilibram. As associações de bairro atingem
um público com idade entre 36 e 45 anos, prevalência dos indivíduos com superior completo
– em relação à distribuição da amostra –, rendimentos entre 931 reais e 1,8 mil reais, havendo
equilíbrio de gênero e participação inferior por
parte dos cariocas.
No que diz respeito ao acompanhamento da
educação por meio de conselhos de pais e associações concentradas no tema, a idade mantém-se
entre os indivíduos de 36 a 45 anos. Os jovens,
nesse caso, têm participação menor, o que atesta
que o estudante não se associa tanto quanto seus
pais ou que, entre 18 e 25 anos, não estudam mais
– lembrando que, de acordo com o Ministério da
Educação, apenas 9% dos brasileiros com essa
idade estão cursando o ensino superior. Ainda
quanto a esse item, ocorre um equilíbrio de rendimento, uma prevalência maior de indivíduos com
nível superior completo e uma presença superior
das mulheres (55%) – explicada pela significativa
presença de mães solteiras no Brasil.
Nos esportes é significativa a supremacia
dos homens (75%) e muito baixa a assiduidade
dos analfabetos. Um terço daqueles que participam desse tipo de atividade é da classe mais jovem
da pesquisa, quase um quinto está em Manaus e
um quarto possui renda familiar superior a 4 mil
reais. Já as manifestações públicas, como passeatas e marchas, são acompanhadas por 7,4% dos
entrevistados, sendo as características principais
desses indivíduos: baixa incidência da faixa etária
com mais de 56 anos; presença marcante de pessoas com nível superior completo; rendimento
82
Impulso44_art06.indd 82
acima de 4 mil reais; moradores de Goiânia; e, por
fim, pequena prevalência dos homens em relação
às mulheres.
A despeito do que se poderia imaginar, nos
sindicatos e nas organizações profissionais, proporcionalmente às outras características, merecem destaque positivo o nível superior dos indivíduos e o rendimento elevado. Quase um terço
tem idade entre 36 e 45 anos, ao passo que dois
terços são homens. Cerca de um quinto está em
Goiânia, responsável por apenas 10% da amostra
de entrevistados. Nas atividades relacionadas à
arte e cultura, por seu turno, prevalecem os mais
jovens, com o segundo grau completo, maioria feminina, rendimento inferior a 1,8 mil reais e baixa
incidência dos moradores de Recife em relação à
amostra. Nesse caso, é importante lembrar que a
tietagem foi incluída nesse conjunto.
A participação em atividades de organizações
não-governamentais de apoio às questões ligadas a
cidadania, democracia ou defesa dos direitos humanos apresenta equilíbrio entre as cidades pesquisadas. Cerca de um terço dos entrevistados possui
uma das seguintes características: idade entre 26 e
35 anos, ensino superior e rendimentos familiares
superiores a 4 mil reais. Os homens representam
dois terços dos participantes. Já os partidos políticos contam com a participação de apenas 3,2% da
amostra pesquisada e, em Manaus, por exemplo,
ninguém declarou fazer parte desse tipo de organização. Outro aspecto negativo é o baixo interesse
dos jovens e da classe de rendimento entre 1,8 mil
reais e 4 mil reais. Os destaques positivos são a cidade de Recife, que concentrou por volta de um
terço dos participantes, e as mulheres, com uma
pequena, mas inesperada, vantagem.
Por fim, no que diz respeito à participação
em ferramentas de gestão pública, destaca-se a cidade de Recife, que reúne um quinto dos casos encontrados. Porto Alegre, precursora do orçamento
participativo no Brasil, também ficou um pouco
acima da média esperada (15%). Nesse caso, as cidades mais populosas (São Paulo e Rio de Janeiro)
demonstraram um déficit esperado, uma vez que a
quantidade de habitantes pode ser um empecilho à
participação. As faixas de renda, de idade e de esco-
Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006
27/11/06 20:09:21
laridade se concentram nas camadas medianas, e o
público masculino se sobressai.
É possível notar que os homens, quando se
destacam, o fazem de maneira mais marcante em
atividades como ferramentas de gestão pública, organizações profissionais, ONGs e atividades esportivas. As cidades que se sobressaíram foram Goiânia e Recife, sendo o Rio de Janeiro o destaque
negativo entre os municípios pesquisados. A faixa
etária entre 26 e 45 anos é a mais ativa, na maioria
das atividades, assim como as classes econômicas
mais favorecidas e, conseqüentemente, os indivíduos com mais anos de estudo. Quanto a isso,
trabalhos como o de Martins Jr. e Dantas já mostravam maior envolvimento das classes esclarecidas
em assuntos de interesse político.14 Tal resultado é a
constatação de que o indivíduo instruído envolvese mais ativamente nos assuntos de interesse público, o que não exclui a relevância da participação das
massas, mas comprova a importância da educação
cidadã, defendida na teoria da democracia.
A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
O próximo objetivo deste trabalho é determinar as formas de participação, dividindo a
amostra pesquisada em dois grupos: os que não
atuam, ou atuam apenas em ações religiosas, beneficentes, artísticas15 ou esportivas, e aqueles
presentes em atividades políticas, como partidos, defesa de direitos humanos, manifestações
profissionais etc. Feita essa divisão, qual o perfil
de cada um desses dois grupos? Existem diferenças significativas entre eles? Martins Jr. e Dantas
apontaram que os cidadãos envolvidos ativamente
na política no país – por meio da obtenção de informações, participação em campanhas e atuação
social – possuem características que pesam significativamente sobre seu perfil.16 São mais escolarizados, estão presentes no mercado de trabalho
e têm uma postura mais ativa diante das questões
relacionadas a participação eleitoral, simpatia com
partidos e escolha de candidatos.
14
Ibid.
Manifestações artísticas também poderiam ser consideradas políticas, mas a pesquisa levou em conta, por exemplo, a participação em
clubes de fãs de artistas e celebridades, o que se distancia notavelmente
das manifestações políticas esperadas.
16
Ibid.
15
Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006
Impulso44_art06.indd 83
Neste estudo, são vistos como politicamente ativos os indivíduos que declararam ter
participado de duas ou mais ações em: partidos
ou movimentos políticos; ONGs defensoras de
temas ligados a democracia, cidadania ou direitos humanos; associações em prol do interesse de
bairros ou regiões específicas da cidade; organizações profissionais, como sindicatos e associações;
atividades de apoio à educação; ferramentas de
gestão pública (orçamento participativo, gestão
participativa, conselhos gestores e de representantes, passeatas ou manifestações). Além de declarar participação, os componentes desse grupo
precisam assumir, pelo menos, uma das seguintes
ações: possuir cargo de direção; participar de reuniões ou atividades de organização; pagar taxas ou
outros tipos de despesas; participar da tomada de
decisões; e solicitar ou receber informações. Dos
1.006 entrevistados, 288 declararam participar de
ao menos uma delas. No entanto, 205 preenchem
um dos requisitos de direção, recebimento de informação, pagamento de taxa etc. Por fim, apenas
91 cidadãos atendem as condições impostas pela
pesquisa, ou seja, aproximadamente 9% do total
de entrevistados participam ativamente de duas
ou mais ações. A esse grupo será dado o nome de
Grupo de Participação Política (GPP).
O propósito, a partir desse instante, é entender se esses indivíduos possuem características
que os diferenciam dos demais. Nesse caso, serão
utilizados dois conjuntos de variáveis: as independentes, relacionadas a ocupação, escolaridade, renda, gênero, idade e cidade, e as de opinião quanto
a posições políticas e entendimento dos motivos
da participação.
VARIÁVEIS INDEPENDENTES E O GPP
A primeira variável destacada é a cidade
onde mora o cidadão, lembrando que seis capitais
foram tomadas por base para a realização da pesquisa – contemplando todas as regiões do País. Ao
todo, a amostra representa um universo de aproximadamente 22 milhões de brasileiros, ou 12%
da população. A seleção beneficiou os municípios
menos populosos, com o intuito de atingir um
número significativo de casos, em cada um deles.
O destaque positivo são as capitais de Goiás e Per-
83
27/11/06 20:09:22
Tabela 2. Distribuição da amostra e do GPP de acordo
com a cidade.
Cidades
População Amostra
%
GPP
%
Goiânia
1.093 mil
Manaus
Porto Alegre
Recife
Rio de Janeiro
Sao Paulo
Total
1.405 mil
1.360 mil
1.422 mil
5.858 mil
10.434 mil
21.572 mil
103
10,2
14
15,4
100
98
102
201
402
1006
9,9
9,7
10,1
20,0
40,0
100,0
8
10
13
11
35
91
8,8
11,0
14,3
12,1
38,5
100,0
Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa /
Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais.
nambuco, sendo o Rio de Janeiro a cidade que registrou o maior déficit entre o GPP e o percentual
amostral. Desse modo, os indivíduos chamados
de politicamente ativos se concentram mais nas
cidades selecionadas no Nordeste e no CentroOeste, e menos no Rio de Janeiro.
A segunda variável independente é o grau de
instrução dos entrevistados. O superávit apresentado pelos que têm ensino superior completo do
GPP em relação à amostra é significativo. Chega a
ser 70% maior o percentual no grupo que participa ativamente da política. Nas duas categorias
mais baixas ocorrem os déficits mais marcantes,
ou seja, o fenômeno inverso – tal ocorrência já havia sido destacada por Martins Jr. e Dantas.17 Os
mais instruídos possuem um peso maior sobre o
grupo participante e os menos instruídos, uma
atuação menor. Nesse caso, é importante destaTabela 3. Distribuição da amostra e do GPP de acordo
com o grau de instrução.
Instrução
Analfabeto
Primário
1.º grau
2.º grau
Superior
N/I
Total
Amostra
94
140
180
396
178
18
1006
%
9,3
13,9
17,9
39,4
17,7
1,8
100,0
GPP
6
7
17
34
27
91
%
6,6
7,7
18,7
37,4
29,7
100,0
Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa /
Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais.
17
Ibid.
84
Impulso44_art06.indd 84
Tabela 4. Distribuição da amostra e do GPP de acordo
com o gênero.
Gênero
Masculino
Feminino
Total
Amostra
498
508
1006
%
49,5
50,5
100,0
GPP
47
44
91
%
51,6
48,4
100,0
Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa /
Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais.
car que temas como cidadania são contemplados
compulsoriamente apenas nos currículos da educação superior, e transversais, mas não obrigatórios, nos demais graus da educação.
A terceira variável é o gênero e, surpreendentemente, a participação feminina não se revela
significativamente inferior à do homem. A Organização das Nações Unidas vem defendendo a
inclusão das mulheres em decisões políticas, e seu
relatório sobre o Índice de Desenvolvimento Humano de 2002 mostra que nenhum país do mundo
apresenta, por exemplo, um parlamento composto por maioria feminina – o maior é o da Suécia
(44%). A despeito da ainda pequena participação
da mulher na política brasileira – tendo por base
sua presença nos cargos de representação –, o GPP
oferece um percentual marcante desse público.
A quarta variável é a idade, dividida de acordo
com faixas estabelecidas. A participação torna-se
efetivamente mais significativa entre 36 e 45 anos,
com déficit marcante entre os jovens de 18 a 25
anos de idade. As explicações possíveis para esse
fenômeno são duas: falta de credibilidade crescente
e/ou de maturidade para compreender a importância da participação política efetiva. Em ambos
os casos, mais uma vez, fica clara a ausência de um
projeto de educação política capaz de fazer o indivíduo compreender o significado da participação
desde cedo.
A quinta variável é a ocupação dos indivíduos. Essa listagem, bastante grande, foi recodificada, com o intuito de simplificar a análise.
Das 15 categorias iniciais restaram apenas dez,
lembrando que 21 pessoas não responderam essa
questão. O destaque especial são os trabalhadores
de empresas privadas, órgãos públicos ou detentores de negócios próprios. Essas três respostas
Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006
27/11/06 20:09:22
Tabela 5. Distribuição da amostra e do GPP de acordo
com a faixa de idade.
Idade
De 18 a 25 anos
De 26 a 35 anos
De 36 a 45 anos
De 46 a 55 anos
Mais de 56 anos
Total
Amostra
189
230
219
189
179
1006
%
18,8
22,9
21,8
18,8
17,8
100,0
GPP
9
20
30
18
14
91
Tabela 7. Distribuição da amostra e do GPP de acordo
com a faixa de renda.
%
9,9
22,0
33,0
19,8
15,4
100,0
Faixa de renda familiar
em reais
até 230,00
de 231,00 até 460,00
de 461,00 até 930,00
de 931,00 até 1.800,00
de 1.801,00 até 4.000,00
acima de 4.000,00
Total
Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa /
Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais.
apresentaram superávit entre o GPP e a amostra.
Os déficits mais marcantes ficaram por conta
dos aposentados e das donas de casa. Martins Jr.
e Dantas também demonstraram a relação entre
fazer parte da população economicamente ativa
(PEA) e participar ativamente da política do País.18
Na tabela 6, o único representante da PEA que demonstrou déficit entre o GPP e a amostra foram os
empregados domésticos, dos quais 95% possuem
apenas o primeiro grau completo e dois terços,
renda familiar inferior a 930 reais mensais.
Por fim, a última variável independente é o
rendimento. Nesse caso, uma parcela significativa
deixou de responder – 192 entrevistados. Notam-se
déficits contínuos até a faixa com teto de 930 reais.
Tabela 6. Distribuição da amostra e do GPP de acordo
com a ocupação.
Ocupação
Empresa privada
Órgão público
Negócio próprio
Aposentado
Dona de casa
Desempregado
Autônomo
Estudante
Emp. doméstico
Outros
Total
Amostra
319
73
101
130
122
80
77
52
20
11
985
%
32,4
7,4
10,3
13,2
12,4
8,1
7,8
5,3
2,0
1,1
100,0
GPP
38
15
12
7
6
5
4
2
1
0
90
%
42,2
16,7
13,3
7,8
6,7
5,6
4,4
2,2
1,1
0,0
100,0
Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa /
Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais.
Amostra
%
GPP
%
29
141
215
200
133
96
814
3,6
17,3
26,4
24,6
16,3
11,8
100,0
1
10
16
24
11
19
81
1,2
12,3
19,8
29,6
13,6
23,5
100,0
Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa /
Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais.
Na classe seguinte e na maior de todas, ocorrem
os superávits, com destaque às famílias com rendimento superior a 4 mil reais, que dobram o percentual de participação entre a amostra e o GPP.
Até aqui foi possível notar que, em relação
ao restante da amostra, o GPP apresenta como
características marcantes: escolaridade superior,
equilíbrio entre os gêneros, faixa etária entre 36 e
45 anos, atuação no mercado de trabalho e renda
familiar superior a 4 mil reais. No que diz respeito às cidades, os moradores de Goiânia, Recife e
Porto Alegre se destacam, comparados aos das cidades mais populosas (São Paulo e Rio de Janeiro)
e de Manaus.
POSICIONAMENTOS POLÍTICOS E O GPP
O próximo objetivo deste trabalho é medir
a relação entre o GPP e algumas opiniões sobre a
participação dos indivíduos na sociedade, além do
posicionamento eleitoral, partidário etc. Para tanto, mais uma vez, o GPP será comparado à opinião
geral da amostra.
No questionário existiam quatro questões
a fim de entender as razões que levam os indivíduos a participar de ações sociais, de acordo com
os 11 âmbitos analisados. A principal delas19 era: a
despeito de sua atuação, “o que significa para você
participar de atividades sociais em geral – qualquer
uma das que falamos até agora?”. As respostas firmaram-se em torno de três grupos de aspectos
básicos: 1. motivos pessoais, religiosos ou bene19
18
Ibid.
Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006
Impulso44_art06.indd 85
Nas outras três questões sobre os motivos da participação, os resultados revelaram-se semelhantes, mas os fenômenos verificados ocorreram com menor intensidade.
85
27/11/06 20:09:23
volentes; 2. razões políticas, de promoção da cidadania e de alteração da realidade social; 3. não
acredita na importância da participação.
De acordo com os dados da tabela 8, mais da
metade acredita que a participação seja motivada
por caridade (grande maioria), causas religiosas
ou sentimentos pessoais. Tal resultado aproximase muito dos dados da tabela 1, que mostram as
principais ações no Brasil concentradas em torno do voluntariado benevolente e das atividades
religiosas. Outros 22% não acreditam na participação, ou não entendem que esse tipo de atitude
represente algo importante. O percentual dos que
crêem na participação como capaz de alterar a realidade política fica abaixo de 30 pontos.
No GPP também é significativa a quantidade
de participantes das ações guiados por motivos
benevolentes, caritativos ou religiosos. No entanto, cai de 22% para 8% o percentual dos que não
acreditam na participação. Nesse caso, devemos
lembrar que os entrevistados integrantes do GPP
participam de ações e, por isso, não deveriam descrer delas. A despeito desse detalhe, interessa notar que, nesse grupo, cresce significativamente o
percentual de indivíduos que assumem que a participação possui motivação associada à política, à
cidadania e à alteração da realidade social.
Ainda para compreender os motivos que
levam as pessoas a participar de ações sociais, a
pesquisa perguntou, numa escala de 1 a 5, o grau
de concordância quanto a sentenças como: “Os
indivíduos participam para melhorar a realidade
social do País” ou “Os indivíduos não participam
porque os políticos sempre estão envolvidos”. Al-
Tabela 8. Distribuição da amostra e do GPP de acordo
com o significado de participar.
O que significa PARTICIPAR
Amostra %
Ajudar o próximo, a si ou a Deus 506 50,3
Alterar a realidade sociopolítica
283 28,1
Não representa nada, não importa 217 21,6
Total
1.006 100,0
GPP %
46 50,5
38 41,8
7
7,7
91 100,0
Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa /
Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais.
gumas dessas sentenças foram selecionadas com a
finalidade de comparar a amostra de entrevistados
ao GPP. Os resultados mostraram-se próximos,
indicando que esse grupo e a amostra de entrevistados têm opinião muito semelhante. Na tabela 9
estão apresentadas as sentenças e os percentuais
dos grupos que concordam ou discordam – as
afirmações “concordo muito” e “concordo” foram somadas, assim como as “discordo muito” e
“discordo”.
Outra forma de medir a participação dos dois
grupos foi questionando-os sobre a utilização de
canais de imprensa: solicitando informações, emitindo opiniões a respeito de assuntos ligados à política ou à sociedade em geral, encaminhando queixas ou denúncias etc. Além disso, os entrevistados
também foram indagados sobre eventuais contatos
com órgãos governamentais por meio de: sites, emails, visitas, cartas e telefonemas. Novamente, o
propósito é comparar a atuação dos dois grupos: o
GPP e o restante da amostra.
Na tabela 10, nota-se que a grande maioria
nunca entrou em contato com revistas e jornais
(84%) ou rádios e emissoras de televisão (91%)
Tabela 9. Distribuição da amostra e do GPP de acordo com a sentenças sobre os motivos para a participação.
Sentenças
Pessoas participam para melhorar a realidade do País
Pessoas participam para melhorar a comunidade
Pessoas participam para melhorar suas vidas pessoais
Pessoas participam porque “a união faz a força”
Pessoas não participam porque sempre há política no meio das ações
Pessoas não participam porque não serve para nada participar
Amostra (%)
Concorda
Discorda
86,2
8,0
88,6
5,1
58,8
28,4
88,6
5,4
55,1
29,2
27,4
59,5
GPP (%)
Concorda
89,0
92,3
45,1
89,0
49,5
27,5
Discorda
4,4
3,3
41,8
2,2
36,3
63,7
As linhas não somam 100%, pois existiam os indiferentes.
Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa / Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais.
86
Impulso44_art06.indd 86
Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006
27/11/06 20:09:24
Tabela 10. Distribuição da amostra e do GPP de acordo com procura a canais de comunicação para reivindicação, opinião e solicitação.
Participou de jornais e revistas Amostra %
GPP %
Nunca participou
843
83,8
49 53,8
Participou há mais de 1 ano
57
5,7
13 14,3
Participou há menos de 1 ano
106
10,5
29 31,9
Total
1.006 100,0 91 100,0
Participou de rádio e TV
Nunca participou
Participou há mais de 1 ano
Participou há menos de 1 ano
Total
Amostra %
GPP %
919
91,4
69 75,8
35
3,5
8
8,8
52
5,2
14 15,4
1.006 100,0 91 100,0
Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa /
Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais.
para emitir opiniões, apresentar denúncias ou solicitar informações. Esse índice reduz-se significativamente no GPP, em que quase a metade dos
indivíduos procurou a imprensa escrita (46%) e
cerca de um quarto deles, a mídia falada (24%). É
importante aqui notar como os que atuam politicamente na sociedade revelam maior aproximação
com os canais de imprensa.
Ainda outro modo de aferir a atuação política
dos grupos é detectando a busca por informações
junto aos governantes. Cinco canais foram testados: visitas a websites, envio de mensagens eletrônicas, visitas a órgãos públicos, encaminhamento de
correspondência e telefonemas. Novamente, o GPP
possui atuação mais consistente que a amostra de
entrevistados. A média de utilização dos canais pelos entrevistados é 6,4%, ao passo que no GPP sobe
para 15,2%. Os destaques são as visitas pessoais –
mais de um quarto do GPP compareceu a um órgão
governamental no último ano – e os telefonemas
– quase um quinto contatou-o por telefone.
Por fim, os entrevistados foram indagados
sobre a participação em eleições futuras, se elas
não tivessem caráter compulsório, a concordância com o voto obrigatório e a aproximação em
relação aos partidos políticos. A amostra e o GPP,
mais uma vez, foram comparados. A tabela 12
aponta que os integrantes do GPP atribuem importância maior às eleições que os demais, caso
Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006
Impulso44_art06.indd 87
Tabela 11. Distribuição da amostra e do GPP de acordo com a procura por canais de contato com órgãos
governamentais.
Procurou órgãos governamentais
no último ano por
Website
E-mail
Visita
Carta
Telefone
% Amostra
% GPP
3,9
5,4
10,2
2,4
10,2
6,6
14,3
27,5
7,7
19,8
Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa /
Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais.
elas não fossem obrigatórias. Enquanto o primeiro grupo atinge quase 80% de interesse em votar
nas próximas eleições, a despeito do cargo em disputa, o segundo registra menos de dois terços de
interesse. Ademais, no GPP, cerca de dois terços
mantêm exatamente a mesma opinião quanto às
eleições para presidente e para os outros cargos,
entendendo a importância de qualquer escolha. Já
na amostra, esse percentual não atinge a metade
dos entrevistados – lembrando que, em ambos os
grupos, o índice dos que atribuem maior importância ao comparecimento e à participação na eleição presidencial é inferior a 10%. No que diz respeito à obrigatoriedade do voto, ambos os grupos
se revelam contrários a tal regra. O percentual dos
que concordam com o seu caráter compulsório é
inferior a um terço.
No GPP 62% são filiados, simpatizam ou
acreditam na importância dos partidos políticos.
Nesse subgrupo, metade é simpatizante, um quarto, filiado e o quarto restante acredita que os partidos são diferentes entre si e têm importância para a
democracia, mas não declaram preferência por nenhum deles. Entre os filiados, dois terços estão no
Tabela 12. Distribuição da amostra e do GPP de acordo com o posicionamento sobre a participação em
eleições futuras e o voto obrigatório.
Posisionamento sobre as eleições
Votaria para presidente
Votaria nos outros cargos
A favor do voto obrigatório
% Amostra
63,3
60,9
27,6
% GPP
78,0
78,0
30,8
Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa /
Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais.
87
27/11/06 20:09:25
Partido dos Trabalhadores, ao passo que um quinto
é filiado ao PTB. Já os simpatizantes também priorizam o PT (58%) e 15% apontam o PMDB.
Entre os indivíduos da amostra, a filiação, a
simpatia ou a importância dos partidos é destacada
por apenas 45,2%. Nesse subgrupo, somente 8,4%
são filiados e 41,2%, simpatizantes – com destaque
para o PT, em ambos os casos. A metade dos entrevistados que destacam a importância dos partidos
não se declara eleitor de nenhum deles. Os dados
do ESEB 2002 mostram uma realidade bastante
semelhante à verificada na amostra: 6,1% são filiados a partidos políticos e, aproximadamente, 40%
acreditam que eles representam a sociedade. Jairo
Nicolau apresenta um dado semelhante em sua
pesquisa: 43% dos entrevistados declararam algum
tipo de simpatia pelos partidos políticos.20
CONCLUSÃO
A despeito da relevância dos dados apresentados, as diferenças entre o GPP e os demais indivíduos da amostra necessitam uma avaliação mais
consistente do ponto de vista estatístico. Para tanto, foram propostas duas análises distintas: uma
regressão logística binária e uma regressão linear.
No primeiro caso, o intuito era entender
como uma variável que apresenta apenas dois valores possíveis (pertencer ou não ao GPP) depende
de uma série de atributos relacionados ao evento
(aspectos independentes, como escolaridade, renda, idade, pertencimento ao mercado de trabalho
etc.). Os resultados da utilização dessa ferramenta
é expresso sob a forma de probabilidade de ocorrência de cada uma das respostas, sendo que todas as variáveis foram transformadas em binárias.
Além do teste com as características independentes, foram propostos modelos considerando
a opinião dos indivíduos: simpatia aos partidos,
concordância com o voto obrigatório, entendimento de que a participação é capaz de alterar a
realidade social do País etc. Os números finais não
demonstraram qualquer significância. No modelo
rodado apenas com as variáveis independentes, somente o fato de possuir diploma de nível superior
pesou expressivamente – o que reforça o aspecto
20
NICOLAU, 2004.
88
Impulso44_art06.indd 88
educacional discutido anteriormente. No modelo
que combinou as características e opiniões dos indivíduos, apenas a simpatia pelo Partido dos Trabalhadores mostrou relevância.21
A explicação para a falta de importância do
modelo proposto é simples: apenas 9% dos indivíduos analisados faziam parte do grupo com a
característica considerada dependente, o que dificultava encontrar aspectos marcantes. Como alternativa, foram utilizados os resultados do índice de
participação cidadã, criado pela organização chilena
Participa. Os entrevistados receberam pontuações
de acordo com a atuação deles nos 11 âmbitos verificados. Para entender a variação desse ranking,
propôs-se uma regressão linear a fim de determinar
o valor das variáveis sobre o indicador (variável dependente). Mais uma vez, os dados se mostraram
pouco consistentes. O motivo aqui não foi a ausência de casos, uma vez que cerca de 50% da amostra
pontuou. No entanto, como percebemos na tabela
1, as características que definem a participação nos
diferentes âmbitos revelam-se bastante distintas,
impossibilitando-nos de encontrar explicação para
o que se chamou participação cidadã.
Ao contrário do que ocorreu com os dados
aqui trabalhados, Martins Jr. e Dantas perceberam
significância na regressão por eles apresentada. Explicaram, assim, o que chamaram de participação
política com variáveis independentes e de opinião.
Ocorreu, com isso, que um número muito maior
de cidadãos “pontuou”, no indicador criado por
esses autores, porque a busca de informações políticas – assistir telejornais e ler o noticiário – foi
computada.22 Nesse sentido, parece bastante claro
que, entre a busca por informação e a participação
política efetiva na sociedade, existe uma distância
significativa.
Os resultados deste estudo revelam que o
brasileiro ainda está muito distante de participar
ativamente. De acordo com a Organização das
Nações Unidas, a participação efetiva dos indivíduos em ações sustentáveis, na gestão pública e
21
Outros modelos que ampliaram o GPP foram testados. Neles, tornaram-se menos rígidos os critérios que incluíam os cidadãos. Mesmo
assim, os resultados das regressões não mostraram significância.
22
MARTINS JR. & DANTAS, 2004.
Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006
27/11/06 20:09:26
na luta por direitos é o diferencial capaz de alterar os quadros de pobreza e de desigualdade, que
assombram nações como o Brasil.23 Ao que tudo
indica, a educação política e as ações de incentivo
à participação precisam ser revistas no País. Com23
preender a política como o canal responsável por
mudanças nacionais significativas parece urgente,
em nome do aumento do que a teoria chama de
educação cívica, participação, envolvimento ou
responsividade.
ONU, 2002.
Referências Bibliográficas
BENEVIDES, M.V.B. A Cidadania Ativa. 3.ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1991.
BOBBIO, N. O Futuro da Democracia. 6.ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1986.
DAHL, R. Sobre a Democracia. Brasília: Editora UnB, 2001.
FIGUEIREDO, M. A Decisão do Voto. São Paulo: Editora Sumaré, 1991.
JEFFERSON, T. & TOCQUEVILLE, A. Jefferson, Federalistas e Tocqueville. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Col. Os Pensadores.
KINZO, M.D. “Partidos, eleições e democracia no Brasil pós 1985”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v.
19, n. 54, 2004.
MARSHALL, T.H. Cidadania, Classe Social e Status. São Paulo: Vozes, 1967.
MARTINS JR., J.P. & DANTAS, H.“O índice de participação e a importância da educação”. Opinião Pública, Campinas,
v. 10, n. 2, 2004.
MILL, J.S. John Stuart Mill. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Col. Os Pensadores.
MONTESQUIEU. Montesquieu. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Col. Os Pensadores.
NICOLAU, J.“Voto personalizado e reforma eleitoral no Brasil”, 2004 [Mimeo.].
______. “Como controlar o representante? Considerações sobre as eleições para a Câmara dos Deputados no
Brasil”. Dados Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 45, n. 2, 2002.
ONU. La Democracia en América Latina. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2004.
______. Relatório de Desenvolvimento Humano 2002. Organização das Nações Unidas, 2002.
Dados do autor
Cientista social, mestre e doutorando em ciência
política pela Universidade de São Paulo (USP). Professor
de filosofia política no Centro Universitário São Camilo,
coordenador geral do curso de Formação Política
da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e
conselheiro do Movimento Voto Consciente.
Recebimento: 2/mar./05
Aprovado: 16/fev./06
Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006
Impulso44_art06.indd 89
89
27/11/06 20:09:27
90
Impulso44_art06.indd 90
Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006
27/11/06 20:09:28
Comunicações
Communications
Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006
Impulso44_art06.indd 91
91
27/11/06 20:09:28
92
Impulso44_art06.indd 92
Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006
27/11/06 20:09:29
Download

Educação Política e Ausência de Participação no Brasil