Educação Política e Ausência de Participação no Brasil POLITICAL EDUCATION AND LACK OF PARTICIPATION IN BRAZIL Resumo Na ciência política, as discussões teóricas acerca da democracia defendem a concretização de dois pilares básicos à sua plena efetivação: ampliação da participação e educação política. O primeiro item tem se desenvolvido razoavelmente bem no País, mas inúmeras pesquisas desvendam o descaso e o afastamento gerado pelo descumprimento do segundo pré-requisito. O presente artigo faz uma análise das dimensões da falta de participação política no Brasil, ocasionada pela ausência de educação cívica. Para tanto, utiliza os dados de uma pesquisa realizada pelo Movimento Voto Consciente, com 1.006 brasileiros, em 2004. Os resultados demonstram que a participação social do brasileiro está atrelada à religião e à benevolência, e que a mudança social e a defesa de interesses políticos não envolvem parcela significativa da sociedade. Palavras-chave PARTICIPAÇÃO – DEMOCRACIA – EDUCAÇÃO POLÍTICA – CIDADANIA. HUMBERTO DANTAS Centro Universitrio So Camilo [email protected] Abstract In Political Science, theoretical discussions on the quality of democracy support the concretization of two cornerstones for its complete fulfillment: the broadening of participation and political education. The first element has developed rather well in Brazil, but countless researches reveal the carelessness and the distancing produced by not accomplishing the second pre-requisite. This article analyzes the dimensions of the lack of political participation in Brazil, produced by absence of civic education. The study, therefore, uses data from a research made by the NGO Movimento Voto Consciente, with 1006 Brazilians in 2004. Results show that Brazilian participation is linked to religion and altruism, and that social change and the defense of political interests do not involve a meaningful part of the country. Keywords PARTICIPATION – DEMOCRACY – POLITICAL EDUCATION – CITIZENSHIP. Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006 Impulso44_art06.indd 77 77 27/11/06 20:09:15 INTRODUÇÃO A teoria acerca da democracia destaca dois pilares básicos para a sustentação de um regime dessa natureza. Primeiramente, as instituições, a realização de eleições, a ampla participação da sociedade nos processos de escolha, a liberdade de associação, de formação de partidos etc. Em segundo lugar, existem os autores que abordam a necessidade de educação e informação como atributos básicos ao funcionamento da democracia. Pouco adiantam eleições livres e partidos institucionalizados, se a sociedade não reconhece a importância das escolhas, da participação e a distinção entre as propostas dos candidatos e, principalmente, das legendas partidárias. A importância da educação e da troca de informações para o pleno funcionamento de um regime democrático é uma discussão que, na teoria da ciência política clássica, ocupou espaço significativo entre os autores dos séculos XVIII e XIX. Entre eles, Thomas Jefferson defendia a educação como princípio fundamental à manutenção da liberdade dos indivíduos. Esse argumento era compartilhado por Montesquieu, que entendia a troca de informações como ferramenta indispensável ao pleno funcionamento da democracia. John Stuart Mill, por sua vez, dividia os indivíduos em dois grupos distintos: os ativos e os passivos. O primeiro era fundamental à manutenção das defesas dos interesses da sociedade, o segundo interessaria apenas àqueles representantes desejosos de atuar sem a devida fiscalização dos cidadãos. Atualmente a discussão é sustentada por alguns autores relevantes. Robert Dahl defende o que chama de educação cívica.1 Tal instrução é conseguida nos meios formais de educação (escola), na ampla disponibilidade da informação pertinente na imprensa e nas associações organizadas, das quais os cidadãos fazem parte ou se aproximam – idéia defendida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como responsável pelo fim da pobreza e diminuição dos efeitos da desigualdade.2 Já Norberto Bobbio mostra-se preocupado com a apatia política, gerada pelo desinteresse da sociedade em questões de ordem pública. Defende, para tanto, a existência de amplos espaços sociais democráticos. A escola, o trabalho, os lares e todo tipo de relação devem ser democráticos, mas o excesso de democracia também é perigoso, e deve ser dosado.3 Quando discute os aspectos relacionados à cidadania, Maria Victoria Benevides destaca a importância da educação como sinônimo da capacidade de o indivíduo compreender seus direitos e deveres na sociedade. De acordo com os argumentos da autora, a educação política se dá por um processo de debate, discussão, busca por informação e participação.4 Tal princípio tem ligação direta com a lógica do pensamento de Theodor 1 2 3 4 DAHL, 2001. ONU, 2002. BOBBIO, 1986. BENEVIDES, 1991. 78 Impulso44_art06.indd 78 Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006 27/11/06 20:09:18 Marshall, que aponta a educação como indispensável à efetivação do conceito de cidadania. Essa instrução, que deveria ser formalmente oferecida nas escolas, é a responsável pela transformação do operário rude em cavalheiro.5 A discussão dos pilares que sustentam um regime democrático também aparece com bastante evidência no pensamento de Maria D’Alva Kinzo. Ela afirma que dois princípios básicos norteiam os regimes democráticos: a representatividade e a responsividade. O primeiro está assegurado, mas o segundo é, justamente, a participação, a identificação e a capacidade de os cidadãos se compreenderem como agentes políticos relevantes na vida pública. De acordo com Kinzo, esse é o princípio que apresenta os problemas mais sérios. As instituições brasileiras pouco têm contribuído para elevar o grau de inteligibilidade do processo eleitoral, o que produz o distanciamento entre eleitores e representantes. Diante desses argumentos, a autora aponta problemas graves quanto à consolidação dos partidos, à falta de identidade deles com a sociedade, à inexistência de programas claros etc.6 Kinzo não considera, em suas análises, dados de pesquisas acerca da opinião dos eleitores em relação aos partidos e às eleições, entre outros. O objetivo dela é uma discussão pautada em dados eleitorais e sua reprodução no entendimento dos eleitores sobre a participação política.7 Nesse sentido, Jairo Nicolau também tem desenvolvido uma série de estudos. Em seu trabalho Como Controlar o Representante, ele aposta nos argumentos de Kinzo e mostra que o quadro institucional não ajuda o sujeito, no momento de promover suas escolhas políticas. A infidelidade partidária e a falta de um compromisso dos partidos com plataformas mais consistentes prejudicam o acompanhamento por parte dos representados. O resultado é o distanciamento entre os políticos e os cidadãos comuns. Nesse caso, Nicolau também utiliza dados eleitorais, citando vagamente algumas pesquisas realizadas com eleitores.8 5 6 7 8 MARSHALL, 1967. KINZO, 2004. Ibid. NICOLAU, 2002. Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006 Impulso44_art06.indd 79 Já no que diz respeito a este estudo, seu intuito maior é, justamente, tentar compreender a existência da distância entre os cidadãos comuns e a política pautada em dados coletados junto aos eleitores, e não em estatísticas eleitorais. Que variáveis podem determinar a existência desse afastamento? Haveria eleitores diferentes? Capazes de compreender melhor e participar de forma mais eficaz da política? Antes de adentrar a análise de dados e explicar as escolhas metodológicas, importa lembrar que, apesar da produção recente acerca de a participação dos eleitores na política brasileira ser pequena, há um conjunto de estudos que se aproxima dos objetivos aqui tratados, por tentar compreender o comportamento dos indivíduos diante de suas escolhas eleitorais. Nesse caso, na ciência política destacam-se os estudos de Marcus Figueiredo, sendo o principal deles A Decisão do Voto.9 Em se tratando da proximidade com os objetivos deste estudo, é possível citar ainda outro trabalho de Jairo Nicolau, sobre a participação política no Brasil, que trabalha com dados de um levantamento feito com o eleitorado. O principal intuito do autor é encontrar evidências seguras para avaliar a personificação ou partidarização das escolhas em eleições parlamentares. Embora utilize dados de pesquisas com eleitores, principal característica proposta nesse seu trabalho, Nicolau não tem o intuito de compreender as particularidades da participação política no Brasil, e sim analisar a influência dos partidos nas opções dos representantes em eleições proporcionais.10 Outro estudo que deve ser aqui destacado é o de José Paulo Martins Jr. e Humberto Dantas, cujo intuito, valendo-se dos dados do Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB), da Unicamp, realizado em 2002, é captar a existência de diferenças entre indivíduos ativos e passivos politicamente. Para tanto, os autores criam um índice de participação e comparam os sujeitos de acordo com variáveis independentes e opiniões a respeito de questões políticas relevantes.11 9 10 11 FIGUEIREDO, 1991. NICOLAU, 2004. MARTINS JR. e DANTAS, 2004. 79 27/11/06 20:09:18 DESENVOLVIMENTO As Bases de Dados A despeito da importância das discussões sob seus aspectos teóricos e dos trabalhos que tomam por base dados eleitorais e político-partidários, inúmeras pesquisas quantitativas sobre a participação política dos indivíduos têm sido realizadas. No entanto, poucos são os autores que se aprofundam nos motivos determinantes da participação e de qual o entendimento da sociedade brasileira acerca da importância do voto, dos canais de participação e da relevância da democracia. Os principais levantamentos são a pesquisa do Departamento de Ciência Política da USP, desenvolvida na Grande São Paulo, em 2002; a pesquisa sobre democracia do PNUD, feita em 2002, na América Latina; o relatório sobre desenvolvimento humano apresentado pela ONU, em 2002; a pesquisa sobre a participação política dos jovens, efetuada pelo Instituto Perseu Abramo, em 2000; o trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil sobre a confiança nas instituições, de 2003; a enquete do Instituto Ágora, com professores do ensino médio, a respeito da função dos representantes políticos, de 2002; e o Latino Barômetro, divulgado periodicamente. Adicionalmente, foi difundido o já citado Estudo Eleitoral Brasileiro, em 2002, contendo questões relevantes acerca da importância da participação política. Seus resultados serviram de base para o trabalho de Martins Jr. e Dantas, que propuseram um índice de participação (IP) apoiado em variáveis como a busca por informação política nos canais de imprensa, a participação em eleições, defendendo campanhas de forma voluntária, e a atuação em órgãos de representação social, como sindicatos, organizações e movimentos.12 Em 2004, a Organização Participa, entidade suprapartidária e não-governamental, propôs a criação de um índice de participação cidadã, em sete países da América Latina, com o intuito de medir o grau de envolvimento de entrevistados em ações relevantes para a sociedade. O objetivo deste trabalho, por sua vez, é utilizar o banco de dados dessa pesquisa que, no Brasil, foi desenvolvida pelo Movimento Voto Consciente, em parceria com a empresa Franceschini e Associados, e processar uma análise semelhante à proposta por Martins Jr. e Dantas.13 Neste caso, serão criados dois grupos para análise: um de indivíduos considerados ativos politicamente (Grupo de Participação Política-GPP) e outro composto pelos demais cidadãos. Existem variáveis capazes de distinguir esses dois segmentos? Seria possível supor, a exemplo de Martins Jr. e Dantas, que itens como educação, renda, inserção no mercado de trabalho e idade possuem algum peso sobre o interesse dos indivíduos pela política? A METODOLOGIA DA PESQUISA A pesquisa do Movimento Voto Consciente tinha por propósito medir o grau de participação dos indivíduos em atividades sociais de diversas naturezas. Ao todo, foram 11 os âmbitos de atuação social: partidos políticos ou movimentos políticos; organizações de defesa dos direitos humanos, cidadania ou democracia; atividades ligadas à Igreja, como participação em pastorais, organização de eventos etc.; instituições de defesa de interesses de bairros ou regiões; atividades esportivas organizadas por clubes ou comunidades, torcidas organizadas etc.; ações solidárias ou benevolentes na forma de voluntariado; atividades sindicais ou de defesa de categorias ou grupos profissionais; iniciativas de apoio à educação, entre elas, grupos de pais e mestres, associações de estudantes etc.; ações artísticas ou culturais; atividades de controle ou fiscalização da gestão pública, como orçamento participativo, conselhos gestores etc.; e movimentos ou manifestações públicas, como passeatas, marchas, paradas e protestos. Os entrevistados também opinaram acerca dos motivos que os levam a participar, o que eventualmente serve de estímulo a outros cidadãos, e o que impede uma atuação mais consistente da sociedade. Adicionalmente, alguns testes foram feitos para identificar a efetiva participação dos entrevistados em algumas ações pontuais. Por fim, 12 13 Ibid. 80 Impulso44_art06.indd 80 Ibid. Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006 27/11/06 20:09:19 a pesquisa concentrou-se na atuação política dos indivíduos: sua relação com os partidos políticos, com a participação em eleições e algumas crenças sobre a obrigatoriedade do voto. Ao todo os pesquisadores ouviram 1.006 brasileiros em entrevistas telefônicas, divididos em seis capitais: São Paulo (40%), Rio de Janeiro (20%), Porto Alegre (10%), Manaus (10%), Recife (10%) e Goiânia (10%). A amostra foi probabilística, estratificada e diretamente proporcional à população. Todos os entrevistados eram maiores de 18 anos e receberam os telefonemas entre julho e agosto de 2004, portanto, em período de eleições municipais no Brasil. A mesma pesquisa se repetiu em outros seis países da América Latina: Argentina, Chile, Costa Rica, México, Peru e República Dominicana. De posse dos dados, a organização não-governamental chilena Participa calculou um índice de participação, comparando os países. Não é objetivo deste trabalho explorar os resultados dessa análise, restringindo-se ao Brasil. OS RESULTADOS NO BRASIL No Brasil, a atuação que a pesquisa chamou de cidadã concentrou-se em ações benevolentes ou religiosas. Entre os 1.006 entrevistados, 20% declararam participar de atividades ligadas à Igreja e/ou de voluntariado em causas beneficentes. Aproximadamente 10% afirmaram tomar parte de organizações de bairro e de ações relacionadas à educação. Entre 5,5% e 7,5% encontram-se as atividades esportivas, as manifestações públicas e as organizações profissionais. Por fim, com menos de 5% de indicação, as atividades artísticas, as organizações de defesa da cidadania, os partidos e as ferramentas de gestão pública. Na tabela 1 são apresentados os âmbitos de participação e as principais particularidades do público envolvido em cada uma dessas iniciativas. Nas linhas mais abaixo aparecem as freqüências do universo pesquisado em cada uma das características. O objetivo é notar se existe alguma delas que mereça destaque, por concentrar-se fora do equilíbrio do universo pesquisado. Dos 55 cruzamentos possíveis na tabela 1, apenas quatro mostraram haver relação entre a distribuição esperada e a observada. Desse modo, algumas características diferenciam os cidadãos pesquisados quanto à participação chamada de cidadã. Tabela 1. Características da amostra de acordo com o âmbito de participação. Ação % de participação Igreja 19,6% Voluntariado 19,1% Assoc. bairro 11,0% Educação 9,6% Esporte 7,4% Manif. pública 7,4% Org. profissionais 5,9% Arte e cultura 4,8% ONGs 4,5% Partidos 3,2% Gestão pública 2,6% Freqüência das variáveis Idade Equilíbrio 50% 46 a + 30% 36-45 36% 36-45 33% 18-25 8% 56 a + 30% 36-45 40% 18-25 33% 26-35 9% 18-25 70% 26-45 Idade Escolaridade 20% primar. 28% sup. 22% sup. 23% sup. 1,4% analf. 30% sup. 45% sup. 60% 2º gr. 30% sup. 48% 2º gr. 47% 2º gr. Escolaridade1 Renda familiar 6% + 4 mil 10% - 461 41% 1,8 mil Equilíbrio 25% + 4 mil 22% + 4 mil 27% + 4 mil 40% 1,8 mil 30% + 4 mil 8% até 4 mil 40% 1,8 mil Renda2 18% - 18-25 23% - 26-35 22% - 36-45 19% - 46-55 18% - 56 ou+ 9% Analfab. 14% primário 19% 1º grau 40% 2º grau 18% superior 21% - R$461 26% 461 a 930 25% 931 a 1,8m 16% 1,8m a 4m 12% + 4m reais Cidade Equilíbrio 51% - SP 15% - RJ 8% - RJ 17% - Mans 20% - Goia. 17% - Goia. 6% - Recf. Equilíbrio 32% - Recf. 20% - Recf. Cidade Goiân 10,2% Mnaus 9.9% PortoA. 9,7% Recife 10,1% RJ 20,0% SP 40,0% Gênero 55% fem. Equilíbrio Equilíbrio 55% fem. 75% mas. 55% mas. 66% mas. 60% fem. 66% mas. 56% fem. 66% mas. Gênero 50% mas. 50% fem. 1. Cerca 2% dos entrevistados não responderam essa questão – não foi considerado. 2. Aproximadamente 20% dos entrevistados não declararam renda – não foram considerados. Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa / Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais. Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006 Impulso44_art06.indd 81 81 27/11/06 20:09:20 No caso da participação em ações promovidas pela Igreja (atuação em pastorais etc.), as variáveis idade e cidade seguem a freqüência observada, mas a escolaridade do público é menor, a participação não atinge as classes mais abastadas e cerca de 55% do público é do sexo feminino. As ações voluntárias associadas à caridade estão mais presentes em São Paulo, sensibilizando mais os indivíduos com idade superior a 46 anos, curso superior completo e rendas superiores a 461 reais – mesmo porque o público menos abastado costuma ser alvo desses atos. Nesse caso, os gêneros se equilibram. As associações de bairro atingem um público com idade entre 36 e 45 anos, prevalência dos indivíduos com superior completo – em relação à distribuição da amostra –, rendimentos entre 931 reais e 1,8 mil reais, havendo equilíbrio de gênero e participação inferior por parte dos cariocas. No que diz respeito ao acompanhamento da educação por meio de conselhos de pais e associações concentradas no tema, a idade mantém-se entre os indivíduos de 36 a 45 anos. Os jovens, nesse caso, têm participação menor, o que atesta que o estudante não se associa tanto quanto seus pais ou que, entre 18 e 25 anos, não estudam mais – lembrando que, de acordo com o Ministério da Educação, apenas 9% dos brasileiros com essa idade estão cursando o ensino superior. Ainda quanto a esse item, ocorre um equilíbrio de rendimento, uma prevalência maior de indivíduos com nível superior completo e uma presença superior das mulheres (55%) – explicada pela significativa presença de mães solteiras no Brasil. Nos esportes é significativa a supremacia dos homens (75%) e muito baixa a assiduidade dos analfabetos. Um terço daqueles que participam desse tipo de atividade é da classe mais jovem da pesquisa, quase um quinto está em Manaus e um quarto possui renda familiar superior a 4 mil reais. Já as manifestações públicas, como passeatas e marchas, são acompanhadas por 7,4% dos entrevistados, sendo as características principais desses indivíduos: baixa incidência da faixa etária com mais de 56 anos; presença marcante de pessoas com nível superior completo; rendimento 82 Impulso44_art06.indd 82 acima de 4 mil reais; moradores de Goiânia; e, por fim, pequena prevalência dos homens em relação às mulheres. A despeito do que se poderia imaginar, nos sindicatos e nas organizações profissionais, proporcionalmente às outras características, merecem destaque positivo o nível superior dos indivíduos e o rendimento elevado. Quase um terço tem idade entre 36 e 45 anos, ao passo que dois terços são homens. Cerca de um quinto está em Goiânia, responsável por apenas 10% da amostra de entrevistados. Nas atividades relacionadas à arte e cultura, por seu turno, prevalecem os mais jovens, com o segundo grau completo, maioria feminina, rendimento inferior a 1,8 mil reais e baixa incidência dos moradores de Recife em relação à amostra. Nesse caso, é importante lembrar que a tietagem foi incluída nesse conjunto. A participação em atividades de organizações não-governamentais de apoio às questões ligadas a cidadania, democracia ou defesa dos direitos humanos apresenta equilíbrio entre as cidades pesquisadas. Cerca de um terço dos entrevistados possui uma das seguintes características: idade entre 26 e 35 anos, ensino superior e rendimentos familiares superiores a 4 mil reais. Os homens representam dois terços dos participantes. Já os partidos políticos contam com a participação de apenas 3,2% da amostra pesquisada e, em Manaus, por exemplo, ninguém declarou fazer parte desse tipo de organização. Outro aspecto negativo é o baixo interesse dos jovens e da classe de rendimento entre 1,8 mil reais e 4 mil reais. Os destaques positivos são a cidade de Recife, que concentrou por volta de um terço dos participantes, e as mulheres, com uma pequena, mas inesperada, vantagem. Por fim, no que diz respeito à participação em ferramentas de gestão pública, destaca-se a cidade de Recife, que reúne um quinto dos casos encontrados. Porto Alegre, precursora do orçamento participativo no Brasil, também ficou um pouco acima da média esperada (15%). Nesse caso, as cidades mais populosas (São Paulo e Rio de Janeiro) demonstraram um déficit esperado, uma vez que a quantidade de habitantes pode ser um empecilho à participação. As faixas de renda, de idade e de esco- Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006 27/11/06 20:09:21 laridade se concentram nas camadas medianas, e o público masculino se sobressai. É possível notar que os homens, quando se destacam, o fazem de maneira mais marcante em atividades como ferramentas de gestão pública, organizações profissionais, ONGs e atividades esportivas. As cidades que se sobressaíram foram Goiânia e Recife, sendo o Rio de Janeiro o destaque negativo entre os municípios pesquisados. A faixa etária entre 26 e 45 anos é a mais ativa, na maioria das atividades, assim como as classes econômicas mais favorecidas e, conseqüentemente, os indivíduos com mais anos de estudo. Quanto a isso, trabalhos como o de Martins Jr. e Dantas já mostravam maior envolvimento das classes esclarecidas em assuntos de interesse político.14 Tal resultado é a constatação de que o indivíduo instruído envolvese mais ativamente nos assuntos de interesse público, o que não exclui a relevância da participação das massas, mas comprova a importância da educação cidadã, defendida na teoria da democracia. A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA O próximo objetivo deste trabalho é determinar as formas de participação, dividindo a amostra pesquisada em dois grupos: os que não atuam, ou atuam apenas em ações religiosas, beneficentes, artísticas15 ou esportivas, e aqueles presentes em atividades políticas, como partidos, defesa de direitos humanos, manifestações profissionais etc. Feita essa divisão, qual o perfil de cada um desses dois grupos? Existem diferenças significativas entre eles? Martins Jr. e Dantas apontaram que os cidadãos envolvidos ativamente na política no país – por meio da obtenção de informações, participação em campanhas e atuação social – possuem características que pesam significativamente sobre seu perfil.16 São mais escolarizados, estão presentes no mercado de trabalho e têm uma postura mais ativa diante das questões relacionadas a participação eleitoral, simpatia com partidos e escolha de candidatos. 14 Ibid. Manifestações artísticas também poderiam ser consideradas políticas, mas a pesquisa levou em conta, por exemplo, a participação em clubes de fãs de artistas e celebridades, o que se distancia notavelmente das manifestações políticas esperadas. 16 Ibid. 15 Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006 Impulso44_art06.indd 83 Neste estudo, são vistos como politicamente ativos os indivíduos que declararam ter participado de duas ou mais ações em: partidos ou movimentos políticos; ONGs defensoras de temas ligados a democracia, cidadania ou direitos humanos; associações em prol do interesse de bairros ou regiões específicas da cidade; organizações profissionais, como sindicatos e associações; atividades de apoio à educação; ferramentas de gestão pública (orçamento participativo, gestão participativa, conselhos gestores e de representantes, passeatas ou manifestações). Além de declarar participação, os componentes desse grupo precisam assumir, pelo menos, uma das seguintes ações: possuir cargo de direção; participar de reuniões ou atividades de organização; pagar taxas ou outros tipos de despesas; participar da tomada de decisões; e solicitar ou receber informações. Dos 1.006 entrevistados, 288 declararam participar de ao menos uma delas. No entanto, 205 preenchem um dos requisitos de direção, recebimento de informação, pagamento de taxa etc. Por fim, apenas 91 cidadãos atendem as condições impostas pela pesquisa, ou seja, aproximadamente 9% do total de entrevistados participam ativamente de duas ou mais ações. A esse grupo será dado o nome de Grupo de Participação Política (GPP). O propósito, a partir desse instante, é entender se esses indivíduos possuem características que os diferenciam dos demais. Nesse caso, serão utilizados dois conjuntos de variáveis: as independentes, relacionadas a ocupação, escolaridade, renda, gênero, idade e cidade, e as de opinião quanto a posições políticas e entendimento dos motivos da participação. VARIÁVEIS INDEPENDENTES E O GPP A primeira variável destacada é a cidade onde mora o cidadão, lembrando que seis capitais foram tomadas por base para a realização da pesquisa – contemplando todas as regiões do País. Ao todo, a amostra representa um universo de aproximadamente 22 milhões de brasileiros, ou 12% da população. A seleção beneficiou os municípios menos populosos, com o intuito de atingir um número significativo de casos, em cada um deles. O destaque positivo são as capitais de Goiás e Per- 83 27/11/06 20:09:22 Tabela 2. Distribuição da amostra e do GPP de acordo com a cidade. Cidades População Amostra % GPP % Goiânia 1.093 mil Manaus Porto Alegre Recife Rio de Janeiro Sao Paulo Total 1.405 mil 1.360 mil 1.422 mil 5.858 mil 10.434 mil 21.572 mil 103 10,2 14 15,4 100 98 102 201 402 1006 9,9 9,7 10,1 20,0 40,0 100,0 8 10 13 11 35 91 8,8 11,0 14,3 12,1 38,5 100,0 Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa / Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais. nambuco, sendo o Rio de Janeiro a cidade que registrou o maior déficit entre o GPP e o percentual amostral. Desse modo, os indivíduos chamados de politicamente ativos se concentram mais nas cidades selecionadas no Nordeste e no CentroOeste, e menos no Rio de Janeiro. A segunda variável independente é o grau de instrução dos entrevistados. O superávit apresentado pelos que têm ensino superior completo do GPP em relação à amostra é significativo. Chega a ser 70% maior o percentual no grupo que participa ativamente da política. Nas duas categorias mais baixas ocorrem os déficits mais marcantes, ou seja, o fenômeno inverso – tal ocorrência já havia sido destacada por Martins Jr. e Dantas.17 Os mais instruídos possuem um peso maior sobre o grupo participante e os menos instruídos, uma atuação menor. Nesse caso, é importante destaTabela 3. Distribuição da amostra e do GPP de acordo com o grau de instrução. Instrução Analfabeto Primário 1.º grau 2.º grau Superior N/I Total Amostra 94 140 180 396 178 18 1006 % 9,3 13,9 17,9 39,4 17,7 1,8 100,0 GPP 6 7 17 34 27 91 % 6,6 7,7 18,7 37,4 29,7 100,0 Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa / Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais. 17 Ibid. 84 Impulso44_art06.indd 84 Tabela 4. Distribuição da amostra e do GPP de acordo com o gênero. Gênero Masculino Feminino Total Amostra 498 508 1006 % 49,5 50,5 100,0 GPP 47 44 91 % 51,6 48,4 100,0 Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa / Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais. car que temas como cidadania são contemplados compulsoriamente apenas nos currículos da educação superior, e transversais, mas não obrigatórios, nos demais graus da educação. A terceira variável é o gênero e, surpreendentemente, a participação feminina não se revela significativamente inferior à do homem. A Organização das Nações Unidas vem defendendo a inclusão das mulheres em decisões políticas, e seu relatório sobre o Índice de Desenvolvimento Humano de 2002 mostra que nenhum país do mundo apresenta, por exemplo, um parlamento composto por maioria feminina – o maior é o da Suécia (44%). A despeito da ainda pequena participação da mulher na política brasileira – tendo por base sua presença nos cargos de representação –, o GPP oferece um percentual marcante desse público. A quarta variável é a idade, dividida de acordo com faixas estabelecidas. A participação torna-se efetivamente mais significativa entre 36 e 45 anos, com déficit marcante entre os jovens de 18 a 25 anos de idade. As explicações possíveis para esse fenômeno são duas: falta de credibilidade crescente e/ou de maturidade para compreender a importância da participação política efetiva. Em ambos os casos, mais uma vez, fica clara a ausência de um projeto de educação política capaz de fazer o indivíduo compreender o significado da participação desde cedo. A quinta variável é a ocupação dos indivíduos. Essa listagem, bastante grande, foi recodificada, com o intuito de simplificar a análise. Das 15 categorias iniciais restaram apenas dez, lembrando que 21 pessoas não responderam essa questão. O destaque especial são os trabalhadores de empresas privadas, órgãos públicos ou detentores de negócios próprios. Essas três respostas Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006 27/11/06 20:09:22 Tabela 5. Distribuição da amostra e do GPP de acordo com a faixa de idade. Idade De 18 a 25 anos De 26 a 35 anos De 36 a 45 anos De 46 a 55 anos Mais de 56 anos Total Amostra 189 230 219 189 179 1006 % 18,8 22,9 21,8 18,8 17,8 100,0 GPP 9 20 30 18 14 91 Tabela 7. Distribuição da amostra e do GPP de acordo com a faixa de renda. % 9,9 22,0 33,0 19,8 15,4 100,0 Faixa de renda familiar em reais até 230,00 de 231,00 até 460,00 de 461,00 até 930,00 de 931,00 até 1.800,00 de 1.801,00 até 4.000,00 acima de 4.000,00 Total Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa / Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais. apresentaram superávit entre o GPP e a amostra. Os déficits mais marcantes ficaram por conta dos aposentados e das donas de casa. Martins Jr. e Dantas também demonstraram a relação entre fazer parte da população economicamente ativa (PEA) e participar ativamente da política do País.18 Na tabela 6, o único representante da PEA que demonstrou déficit entre o GPP e a amostra foram os empregados domésticos, dos quais 95% possuem apenas o primeiro grau completo e dois terços, renda familiar inferior a 930 reais mensais. Por fim, a última variável independente é o rendimento. Nesse caso, uma parcela significativa deixou de responder – 192 entrevistados. Notam-se déficits contínuos até a faixa com teto de 930 reais. Tabela 6. Distribuição da amostra e do GPP de acordo com a ocupação. Ocupação Empresa privada Órgão público Negócio próprio Aposentado Dona de casa Desempregado Autônomo Estudante Emp. doméstico Outros Total Amostra 319 73 101 130 122 80 77 52 20 11 985 % 32,4 7,4 10,3 13,2 12,4 8,1 7,8 5,3 2,0 1,1 100,0 GPP 38 15 12 7 6 5 4 2 1 0 90 % 42,2 16,7 13,3 7,8 6,7 5,6 4,4 2,2 1,1 0,0 100,0 Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa / Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais. Amostra % GPP % 29 141 215 200 133 96 814 3,6 17,3 26,4 24,6 16,3 11,8 100,0 1 10 16 24 11 19 81 1,2 12,3 19,8 29,6 13,6 23,5 100,0 Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa / Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais. Na classe seguinte e na maior de todas, ocorrem os superávits, com destaque às famílias com rendimento superior a 4 mil reais, que dobram o percentual de participação entre a amostra e o GPP. Até aqui foi possível notar que, em relação ao restante da amostra, o GPP apresenta como características marcantes: escolaridade superior, equilíbrio entre os gêneros, faixa etária entre 36 e 45 anos, atuação no mercado de trabalho e renda familiar superior a 4 mil reais. No que diz respeito às cidades, os moradores de Goiânia, Recife e Porto Alegre se destacam, comparados aos das cidades mais populosas (São Paulo e Rio de Janeiro) e de Manaus. POSICIONAMENTOS POLÍTICOS E O GPP O próximo objetivo deste trabalho é medir a relação entre o GPP e algumas opiniões sobre a participação dos indivíduos na sociedade, além do posicionamento eleitoral, partidário etc. Para tanto, mais uma vez, o GPP será comparado à opinião geral da amostra. No questionário existiam quatro questões a fim de entender as razões que levam os indivíduos a participar de ações sociais, de acordo com os 11 âmbitos analisados. A principal delas19 era: a despeito de sua atuação, “o que significa para você participar de atividades sociais em geral – qualquer uma das que falamos até agora?”. As respostas firmaram-se em torno de três grupos de aspectos básicos: 1. motivos pessoais, religiosos ou bene19 18 Ibid. Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006 Impulso44_art06.indd 85 Nas outras três questões sobre os motivos da participação, os resultados revelaram-se semelhantes, mas os fenômenos verificados ocorreram com menor intensidade. 85 27/11/06 20:09:23 volentes; 2. razões políticas, de promoção da cidadania e de alteração da realidade social; 3. não acredita na importância da participação. De acordo com os dados da tabela 8, mais da metade acredita que a participação seja motivada por caridade (grande maioria), causas religiosas ou sentimentos pessoais. Tal resultado aproximase muito dos dados da tabela 1, que mostram as principais ações no Brasil concentradas em torno do voluntariado benevolente e das atividades religiosas. Outros 22% não acreditam na participação, ou não entendem que esse tipo de atitude represente algo importante. O percentual dos que crêem na participação como capaz de alterar a realidade política fica abaixo de 30 pontos. No GPP também é significativa a quantidade de participantes das ações guiados por motivos benevolentes, caritativos ou religiosos. No entanto, cai de 22% para 8% o percentual dos que não acreditam na participação. Nesse caso, devemos lembrar que os entrevistados integrantes do GPP participam de ações e, por isso, não deveriam descrer delas. A despeito desse detalhe, interessa notar que, nesse grupo, cresce significativamente o percentual de indivíduos que assumem que a participação possui motivação associada à política, à cidadania e à alteração da realidade social. Ainda para compreender os motivos que levam as pessoas a participar de ações sociais, a pesquisa perguntou, numa escala de 1 a 5, o grau de concordância quanto a sentenças como: “Os indivíduos participam para melhorar a realidade social do País” ou “Os indivíduos não participam porque os políticos sempre estão envolvidos”. Al- Tabela 8. Distribuição da amostra e do GPP de acordo com o significado de participar. O que significa PARTICIPAR Amostra % Ajudar o próximo, a si ou a Deus 506 50,3 Alterar a realidade sociopolítica 283 28,1 Não representa nada, não importa 217 21,6 Total 1.006 100,0 GPP % 46 50,5 38 41,8 7 7,7 91 100,0 Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa / Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais. gumas dessas sentenças foram selecionadas com a finalidade de comparar a amostra de entrevistados ao GPP. Os resultados mostraram-se próximos, indicando que esse grupo e a amostra de entrevistados têm opinião muito semelhante. Na tabela 9 estão apresentadas as sentenças e os percentuais dos grupos que concordam ou discordam – as afirmações “concordo muito” e “concordo” foram somadas, assim como as “discordo muito” e “discordo”. Outra forma de medir a participação dos dois grupos foi questionando-os sobre a utilização de canais de imprensa: solicitando informações, emitindo opiniões a respeito de assuntos ligados à política ou à sociedade em geral, encaminhando queixas ou denúncias etc. Além disso, os entrevistados também foram indagados sobre eventuais contatos com órgãos governamentais por meio de: sites, emails, visitas, cartas e telefonemas. Novamente, o propósito é comparar a atuação dos dois grupos: o GPP e o restante da amostra. Na tabela 10, nota-se que a grande maioria nunca entrou em contato com revistas e jornais (84%) ou rádios e emissoras de televisão (91%) Tabela 9. Distribuição da amostra e do GPP de acordo com a sentenças sobre os motivos para a participação. Sentenças Pessoas participam para melhorar a realidade do País Pessoas participam para melhorar a comunidade Pessoas participam para melhorar suas vidas pessoais Pessoas participam porque “a união faz a força” Pessoas não participam porque sempre há política no meio das ações Pessoas não participam porque não serve para nada participar Amostra (%) Concorda Discorda 86,2 8,0 88,6 5,1 58,8 28,4 88,6 5,4 55,1 29,2 27,4 59,5 GPP (%) Concorda 89,0 92,3 45,1 89,0 49,5 27,5 Discorda 4,4 3,3 41,8 2,2 36,3 63,7 As linhas não somam 100%, pois existiam os indiferentes. Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa / Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais. 86 Impulso44_art06.indd 86 Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006 27/11/06 20:09:24 Tabela 10. Distribuição da amostra e do GPP de acordo com procura a canais de comunicação para reivindicação, opinião e solicitação. Participou de jornais e revistas Amostra % GPP % Nunca participou 843 83,8 49 53,8 Participou há mais de 1 ano 57 5,7 13 14,3 Participou há menos de 1 ano 106 10,5 29 31,9 Total 1.006 100,0 91 100,0 Participou de rádio e TV Nunca participou Participou há mais de 1 ano Participou há menos de 1 ano Total Amostra % GPP % 919 91,4 69 75,8 35 3,5 8 8,8 52 5,2 14 15,4 1.006 100,0 91 100,0 Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa / Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais. para emitir opiniões, apresentar denúncias ou solicitar informações. Esse índice reduz-se significativamente no GPP, em que quase a metade dos indivíduos procurou a imprensa escrita (46%) e cerca de um quarto deles, a mídia falada (24%). É importante aqui notar como os que atuam politicamente na sociedade revelam maior aproximação com os canais de imprensa. Ainda outro modo de aferir a atuação política dos grupos é detectando a busca por informações junto aos governantes. Cinco canais foram testados: visitas a websites, envio de mensagens eletrônicas, visitas a órgãos públicos, encaminhamento de correspondência e telefonemas. Novamente, o GPP possui atuação mais consistente que a amostra de entrevistados. A média de utilização dos canais pelos entrevistados é 6,4%, ao passo que no GPP sobe para 15,2%. Os destaques são as visitas pessoais – mais de um quarto do GPP compareceu a um órgão governamental no último ano – e os telefonemas – quase um quinto contatou-o por telefone. Por fim, os entrevistados foram indagados sobre a participação em eleições futuras, se elas não tivessem caráter compulsório, a concordância com o voto obrigatório e a aproximação em relação aos partidos políticos. A amostra e o GPP, mais uma vez, foram comparados. A tabela 12 aponta que os integrantes do GPP atribuem importância maior às eleições que os demais, caso Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006 Impulso44_art06.indd 87 Tabela 11. Distribuição da amostra e do GPP de acordo com a procura por canais de contato com órgãos governamentais. Procurou órgãos governamentais no último ano por Website E-mail Visita Carta Telefone % Amostra % GPP 3,9 5,4 10,2 2,4 10,2 6,6 14,3 27,5 7,7 19,8 Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa / Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais. elas não fossem obrigatórias. Enquanto o primeiro grupo atinge quase 80% de interesse em votar nas próximas eleições, a despeito do cargo em disputa, o segundo registra menos de dois terços de interesse. Ademais, no GPP, cerca de dois terços mantêm exatamente a mesma opinião quanto às eleições para presidente e para os outros cargos, entendendo a importância de qualquer escolha. Já na amostra, esse percentual não atinge a metade dos entrevistados – lembrando que, em ambos os grupos, o índice dos que atribuem maior importância ao comparecimento e à participação na eleição presidencial é inferior a 10%. No que diz respeito à obrigatoriedade do voto, ambos os grupos se revelam contrários a tal regra. O percentual dos que concordam com o seu caráter compulsório é inferior a um terço. No GPP 62% são filiados, simpatizam ou acreditam na importância dos partidos políticos. Nesse subgrupo, metade é simpatizante, um quarto, filiado e o quarto restante acredita que os partidos são diferentes entre si e têm importância para a democracia, mas não declaram preferência por nenhum deles. Entre os filiados, dois terços estão no Tabela 12. Distribuição da amostra e do GPP de acordo com o posicionamento sobre a participação em eleições futuras e o voto obrigatório. Posisionamento sobre as eleições Votaria para presidente Votaria nos outros cargos A favor do voto obrigatório % Amostra 63,3 60,9 27,6 % GPP 78,0 78,0 30,8 Fonte: Pesquisa Índice de Participação Cidadã – Participa / Voto Consciente / Franceschini – tabulações especiais. 87 27/11/06 20:09:25 Partido dos Trabalhadores, ao passo que um quinto é filiado ao PTB. Já os simpatizantes também priorizam o PT (58%) e 15% apontam o PMDB. Entre os indivíduos da amostra, a filiação, a simpatia ou a importância dos partidos é destacada por apenas 45,2%. Nesse subgrupo, somente 8,4% são filiados e 41,2%, simpatizantes – com destaque para o PT, em ambos os casos. A metade dos entrevistados que destacam a importância dos partidos não se declara eleitor de nenhum deles. Os dados do ESEB 2002 mostram uma realidade bastante semelhante à verificada na amostra: 6,1% são filiados a partidos políticos e, aproximadamente, 40% acreditam que eles representam a sociedade. Jairo Nicolau apresenta um dado semelhante em sua pesquisa: 43% dos entrevistados declararam algum tipo de simpatia pelos partidos políticos.20 CONCLUSÃO A despeito da relevância dos dados apresentados, as diferenças entre o GPP e os demais indivíduos da amostra necessitam uma avaliação mais consistente do ponto de vista estatístico. Para tanto, foram propostas duas análises distintas: uma regressão logística binária e uma regressão linear. No primeiro caso, o intuito era entender como uma variável que apresenta apenas dois valores possíveis (pertencer ou não ao GPP) depende de uma série de atributos relacionados ao evento (aspectos independentes, como escolaridade, renda, idade, pertencimento ao mercado de trabalho etc.). Os resultados da utilização dessa ferramenta é expresso sob a forma de probabilidade de ocorrência de cada uma das respostas, sendo que todas as variáveis foram transformadas em binárias. Além do teste com as características independentes, foram propostos modelos considerando a opinião dos indivíduos: simpatia aos partidos, concordância com o voto obrigatório, entendimento de que a participação é capaz de alterar a realidade social do País etc. Os números finais não demonstraram qualquer significância. No modelo rodado apenas com as variáveis independentes, somente o fato de possuir diploma de nível superior pesou expressivamente – o que reforça o aspecto 20 NICOLAU, 2004. 88 Impulso44_art06.indd 88 educacional discutido anteriormente. No modelo que combinou as características e opiniões dos indivíduos, apenas a simpatia pelo Partido dos Trabalhadores mostrou relevância.21 A explicação para a falta de importância do modelo proposto é simples: apenas 9% dos indivíduos analisados faziam parte do grupo com a característica considerada dependente, o que dificultava encontrar aspectos marcantes. Como alternativa, foram utilizados os resultados do índice de participação cidadã, criado pela organização chilena Participa. Os entrevistados receberam pontuações de acordo com a atuação deles nos 11 âmbitos verificados. Para entender a variação desse ranking, propôs-se uma regressão linear a fim de determinar o valor das variáveis sobre o indicador (variável dependente). Mais uma vez, os dados se mostraram pouco consistentes. O motivo aqui não foi a ausência de casos, uma vez que cerca de 50% da amostra pontuou. No entanto, como percebemos na tabela 1, as características que definem a participação nos diferentes âmbitos revelam-se bastante distintas, impossibilitando-nos de encontrar explicação para o que se chamou participação cidadã. Ao contrário do que ocorreu com os dados aqui trabalhados, Martins Jr. e Dantas perceberam significância na regressão por eles apresentada. Explicaram, assim, o que chamaram de participação política com variáveis independentes e de opinião. Ocorreu, com isso, que um número muito maior de cidadãos “pontuou”, no indicador criado por esses autores, porque a busca de informações políticas – assistir telejornais e ler o noticiário – foi computada.22 Nesse sentido, parece bastante claro que, entre a busca por informação e a participação política efetiva na sociedade, existe uma distância significativa. Os resultados deste estudo revelam que o brasileiro ainda está muito distante de participar ativamente. De acordo com a Organização das Nações Unidas, a participação efetiva dos indivíduos em ações sustentáveis, na gestão pública e 21 Outros modelos que ampliaram o GPP foram testados. Neles, tornaram-se menos rígidos os critérios que incluíam os cidadãos. Mesmo assim, os resultados das regressões não mostraram significância. 22 MARTINS JR. & DANTAS, 2004. Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006 27/11/06 20:09:26 na luta por direitos é o diferencial capaz de alterar os quadros de pobreza e de desigualdade, que assombram nações como o Brasil.23 Ao que tudo indica, a educação política e as ações de incentivo à participação precisam ser revistas no País. Com23 preender a política como o canal responsável por mudanças nacionais significativas parece urgente, em nome do aumento do que a teoria chama de educação cívica, participação, envolvimento ou responsividade. ONU, 2002. Referências Bibliográficas BENEVIDES, M.V.B. A Cidadania Ativa. 3.ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1991. BOBBIO, N. O Futuro da Democracia. 6.ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1986. DAHL, R. Sobre a Democracia. Brasília: Editora UnB, 2001. FIGUEIREDO, M. A Decisão do Voto. São Paulo: Editora Sumaré, 1991. JEFFERSON, T. & TOCQUEVILLE, A. Jefferson, Federalistas e Tocqueville. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Col. Os Pensadores. KINZO, M.D. “Partidos, eleições e democracia no Brasil pós 1985”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 19, n. 54, 2004. MARSHALL, T.H. Cidadania, Classe Social e Status. São Paulo: Vozes, 1967. MARTINS JR., J.P. & DANTAS, H.“O índice de participação e a importância da educação”. Opinião Pública, Campinas, v. 10, n. 2, 2004. MILL, J.S. John Stuart Mill. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Col. Os Pensadores. MONTESQUIEU. Montesquieu. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Col. Os Pensadores. NICOLAU, J.“Voto personalizado e reforma eleitoral no Brasil”, 2004 [Mimeo.]. ______. “Como controlar o representante? Considerações sobre as eleições para a Câmara dos Deputados no Brasil”. Dados Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 45, n. 2, 2002. ONU. La Democracia en América Latina. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2004. ______. Relatório de Desenvolvimento Humano 2002. Organização das Nações Unidas, 2002. Dados do autor Cientista social, mestre e doutorando em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP). Professor de filosofia política no Centro Universitário São Camilo, coordenador geral do curso de Formação Política da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e conselheiro do Movimento Voto Consciente. Recebimento: 2/mar./05 Aprovado: 16/fev./06 Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006 Impulso44_art06.indd 89 89 27/11/06 20:09:27 90 Impulso44_art06.indd 90 Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006 27/11/06 20:09:28 Comunicações Communications Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006 Impulso44_art06.indd 91 91 27/11/06 20:09:28 92 Impulso44_art06.indd 92 Impulso, Piracicaba, 17(44): 77-89, 2006 27/11/06 20:09:29