No dia 2 de Fevereiro de 1809, em Murviel, vila medieval situada no sul de França, perto de Béziers, vem à luz do dia uma linda menina que, ao ser baptizada, recebe o nome de Marie Appollonie. Seus pais, Etienne Baptiste Pélissier e Marie Durand, são cristãos convictos e assíduos na prática religiosa. Dos quatro filhos que têm, os três primeiros são rapazes, sendo Appollonie a mais nova. Como é a única menina, vem a ser o enlevo de toda a família, que lhe proporciona uma infância feliz e tranquila. Tudo isto muito a ajuda a desenvolver a sua personalidade e a crescer na compreensão e respeito pela dignidade das pessoas que a rodeiam, sobretudo pelos mais necessitados e infelizes, sensibilidade que ela aprendeu de sua mãe. O facto de pertencer a uma família afortunada e burguesa dá-lhe a possibilidade de desenvolver os seus talentos e de ter uma educação esmerada. Aos onze anos vai frequentar um colégio de Béziers, o pensionato Mathon. Ali prossegue os seus estudos com entusiasmo e forte desejo de aprender e de se cultivar, mas também de dar alegria a seus pais. É sempre considerada pelos professores, uma aluna aplicada, cuidadosa e inteligente. Durante este tempo Appollonie pode aprofundar a sua instrução e formação cristã, preparando-se para a primeira comunhão, realizada a 17 de Julho de 1821. Dois anos mais tarde, a 25 de Outubro de 1823, recebe o sacramento da confirmação. A qualidade de vida e os valores cristãos que lhe são transmitidos, preparam-na para enfrentar uma série de dificuldades que o futuro lhe trará. Aos dezoito anos apaixona-se por Eugène Cure, vindo a casar aos vinte e dois anos, no dia 12 de Abril de 1931. Vivem juntos dezassete anos, numa grande paz e felicidade. Este tempo de vida familiar é marcado pelo facto de não terem filhos. Mas, ainda antes do matrimónio, Appollonie perde a sua mãe, que morre repentinamente e, num curto espaço de tempo, vê partir o pai. Appollonie sente-se só e encontra em Nossa Senhora a fé e a coragem para enfrentar esta dolorosa situação. Eugène é advogado e pertence a uma classe social elevada. Os seus pais deixam-lhe uma fortuna colossal. Após o casamento, o jovem casal vai viver para Autignac, numa parte da grande casa que o pai de Eugène lhes concede. Eugène bem depressa transfere para Béziers o seu escritório de advogado, visto ter ali mais clientes e mais trabalho. Cristãos como são e não tendo filhos, não é a riqueza nem a ambição que os move mas o desejo de trabalhar mais para melhor poderem ajudar os pobres e desprotegidos. Dotados de uma grande sensibilidade, encarnam profundamente as desgraças alheias como se fossem suas. Eugène tinha uma grande admiração pelo P. Jean Gailhac, sentimento que vai crescendo à medida que conhece os seus projectos e as suas obras de beneficência. Então apresenta-lhe Appollonie e o casal fica de tal modo entusiasmado com a obra, que todos os dias se encontram nas Allées de Paul Riquet, n.º 42, onde reside o jovem casal. O clima que se respira em França é de instabilidade e agitação. Atravessa-se uma grande crise económica devido ao desemprego, baixos salários e lutas partidárias. A 24 de Fevereiro 1848 é instaurada a República. Eugène Cure preocupa-se demasiado com o momento político que se vive e partilha com Appolonie as suas preocupações, na certeza de nela encontrar ajuda, pois sabe que é uma mulher corajosa, de grande fé e confiança em Deus. Nas dificuldades, Appollonie repetia frequentemente: "Deus assim o quer". E, receosa do que possa acontecer, pois conhece bem o seu marido, encoraja-o, dizendo-lhe, cheia duma fé profunda: "Deus e Nossa Senhora estão connosco e, como boa mãe, transformará as nossas preocupações em rosas do seu rosário para as oferecer a Deus". No dia 2 de Novembro de 1848, durante a noite, Eugène começa a sentir-se mal e pede que lhe chamem o Padre Jean Gailhac. Este vem e acompanha-o nos últimos momentos da sua vida. A morte de Eugène, que era para ela toda a sua vida, faz parte integrante da obra de Deus nela. Sempre serena e corajosa, renova muitas vezes a sua confiança em Deus, dizendo: «Deus assim o quer». Após a sua morte, sabendo Appollonie que o Padre Jean Gailhac deseja fundar uma congregação, decide ir ter com ele para fazer parte da primeira Comunidade, colocando a sua vida ao serviço das jovens do Refúgio e das crianças do Bom Pastor. Está certa de que aquela era a vontade de Deus. O Padre Gailhac não aceita logo a proposta, pensando que era uma decisão precipitada. Porém, Appollonie não desiste e, confiante, diz-lhe: "Padre Jean Gailhac, nada me prende a este mundo. A minha determinação vem de Deus e, pela Sua graça, não me falta coragem. Estou plenamente convencida que é isto o que Ele quer de mim". Passados apenas pouco mais de três meses, depois da morte do seu marido, esta mulher de 40 anos e de grande fé não descansa enquanto não faz de si mesma uma entrega radical a Deus. Não hesita em deixar tudo e dispor de todos os seus bens, renunciando ao conforto em que sempre vivera, para se dedicar aos mais pobres e desprotegidos da sociedade. Como o Padre Jean Gailhac acha que é muito cedo para tomar tal decisão, Appollonie recorre a Monseigneur Thibaut, bispo da diocese de Montpellier, que não só a apoia como, pouco tempo depois, comunica ao Padre Gailhac a data da Fundação do Instituto. No dia 24 de Fevereiro de 1849, pelas 16 horas, Appollonie e mais quatros senhoras - Eulalie Vidal, Rosalie Gibal, Cécile Cambon, Rose Jeantet e, uns dias mais tarde, Marie Roques - são recebidas pelo Padre Jean Gailhac, no Bom Pastor. Numa celebração simples, admite-as ao serviço de Deus, confiando-lhes a Missão de lançarem os alicerces do Instituto. No fim do dia 24 de Fevereiro de 1849, o Padre Gailhac reúne a pequena Comunidade, entregando-lhe a grande missão de "amar e glorificar a Deus e levar aquelas raparigas e crianças a amá-l’O e glorificá-l’O”. Depois dá-lhes orientações práticas, atribuindo a cada uma as suas funções. Appollonie é nomeada Superiora Geral e Administradora do Instituto, trabalho que ela desempenha com todas as suas forças, no seguimento de Jesus Cristo. Confia inteiramente em Maria, à qual implora a sua protecção e, como sua filha, lança-se para sempre nos seus braços maternais. Desde logo se entrega ao serviço das pessoas que lhe são confiadas - irmãs, jovens e crianças - tratando cada uma como se fosse única. Evidentemente que o início de uma fundação é sempre difícil, mas aquelas seis mulheres trazem consigo um grande potencial de força e energia para enfrentarem as dificuldades inerentes. A obra do Bom Pastor é colocada sob a direcção de Appollonie. Reúne todas as qualidades necessárias para assumir esta Missão. É uma mulher activa, corajosa, firme nas decisões, não recua perante as dificuldades mas encontra nelas fonte de nova energia. Dotada de iniciativa, disponível, sensível às necessidades dos outros, atenciosa, amável, procura aceitar e respeitar as diferenças. Está sempre pronta a construir a unidade na diversidade. Perante a nova realidade que abraça, Appollonie tem a certeza de que este é o projecto que Deus tem para ela, ao qual ela quer ser fiel e vivê-lo em grande amor e generosidade. Está na força da vida e apta para gerar vida em abundância, dedicando-se como uma mãe à pequena comunidade fundadora da qual é responsável, e sobretudo às jovens e crianças do Bom Pastor. Apesar das saudades do seu querido Eugène, mostra-se sempre uma mulher forte e determinada, humilde e corajosa, disponível para concretizar o projecto que Deus lhe confia. Por isso, vai trabalhar com todas as suas forças para se identificar com Jesus Cristo. Dotada de uma grande intuição, está atenta a que nada falte. Percorre os dormitórios e os guarda-fatos, para verificar se todas têm a roupa necessária, pois não quer que ninguém passe frio; melhora as refeições, estando atenta às crianças mal nutridas; acompanha os seus estudos e ajuda a resolver as dificuldades que vão encontrando; ocupa-se dos cuidados de higiene das que vêm dos bairros mais pobres. Às vezes Appollonie estava muito atarefada com a administração e a Irmã da recepção vinha dizer-lhe que tinha chegado mais uma órfã. Appollonie respondia-lhe: "Leva-a à Irmã S. Félix e depois fala com a Irmã Inês. Elas já estão avisadas e sabem o que devem fazer. " Mas se a irmã acrescentasse "Se visse em que estado ela chegou…" a Mère Saint Jean largava tudo e ninguém mais podia tratar da menina. Enfim, trata a todas com grande amor e carinho. Além de toda esta responsabilidade, partilhada com as outras cinco Irmãs, procura melhorar as condições da casa, de modo a que todas se sintam bem. É o dom do coração, a cada momento. Sabe e sente que pertence a Deus. Por isso, escreve: "Dou graças a Deus por me dar um coração que só aspira a viver para Ele e a ser um com a Sua vontade". E ainda: "Como é bom fazer tudo por Ele e para Sua glória". Tem uma consciência muito viva de que Jesus se lhe entrega diariamente quando O comunga na Eucaristia, e que isso vai transformando em divino tudo o que nela é humano. Nesta caminhada espiritual, recebe o hábito religioso e o nome de Mère Saint Jean Évangéliste, no dia 13 de Abril de 1850. Assim, fortalecida pelo dom da Eucaristia e sob a protecção de Maria, vai crescendo nesta intimidade com Deus, que a prepara para o dia da sua entrega total pela Profissão Religiosa, realizada no dia 4 de Maio de 1851, Domingo do Bom Pastor. Neste momento, recebe uma cruz com as palavras "Para que tenham vida". Um hino de louvor e de acção de graças brota do coração da Mère Saint Jean, que tem plenamente consciência de que "Deus olhou para a pobreza da sua serva". Foi nesta atitude de pequenez e humildade diante de Deus, que a vida da Mère Saint Jean foi gerando VIDA, através de uma presença amável, acolhedora e dinâmica, tendo sempre a preocupação de criar unidade, congregar e orientar numa direcção comum. Era este o seu carisma. Perante as dificuldades dum Instituto nascente, nunca desanima. A sua bondade e paciência nunca se alteram. No entanto, a sua saúde vai-se tornando cada vez mais frágil. Tenta encobrir e vai continuando a ocupar-se de tudo. O seu zelo infatigável, bondade, delicadeza de sentimentos e a preocupação de consolar e aliviar todos os que sofrem é a sua missão. Sabendo que o Padre Jean Gailhac está a sofrer, diz-lhe, numa carta: "Farei tudo o que depender de mim para o aliviar e consolar". É sua característica ser amiga e estar presente nos momentos difíceis. A Mère Saint Jean considera isto uma missão, pois ela é realmente a Fundadora e Superiora Geral do Instituto. Por isso, é sempre com muito carinho que o seu coração está aberto a todos os que sofrem e são infelizes. Entretanto, a saúde da Mère Saint Jean agrava-se; porém, mais do que o seu sofrimento, arde nela o zelo pela expansão do Instituto, sonho que não chega a concretizar. Vários acontecimentos impedem esta realização. Mas o seu refrão constante nas adversidades era "Deus assim o quer", continuando sempre a esperar. Nada a perturba, porque só quer o que Deus quer. Consciente de que o seu fim está próximo, comunica-o ao Padre Jean Gailhac e à comunidade das Irmãs: "Não esperava deixá-los tão cedo, mas Deus assim o quer. Que a Sua vontade seja feita." A 4 de Março de 1869, lá fora, o sol está prestes a apagar-se. Toda a Comunidade está reunida. O olhar da Mère Saint Jean envolve todas as Irmãs. Apercebendo-se da sua tristeza, assume pela última vez a sua missão de consoladora, dizendo-lhes: "Então! Deviam dar-me coragem e sou eu que tenho de as consolar?" Às dezoito horas, a Mère Saint Jean, cheia de paz e confiança, deixa-se acolher nos braços de Deus Pai. A sua morte causou grande tristeza às religiosas, às alunas e a todos quantos a conheciam. Após a sua morte o corpo da Mère Saint Jean ficou na Capela e foram muitos os pobres que compareceram para ver mais uma vez aquela que foi o seu amparo. E comentavam: "É uma santa." As últimas palavras que dirigiu ao Padre Jean Gailhac revelam o tom da sua vida: "Tenha coragem! Deus estará consigo. Sim, as nossas obras vão prosperar." A Mère Saint Jean partiu para Deus mas a sua vida continua a gerar Vida: "Para que todos tenham vida em abundância".