Gritos Noturnos
Nora Roberts
Traduzido e Revisado por
[email protected]
Gritos Noturnos
Nora Roberts
(Traduzido)
Este Livro faz parte do Projeto_Romances,
sem fins lucrativos e de fãs para fãs. A
comercialização deste produto é
estritamente proibida
Projetos Romances
1
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Prólogo
Não era um lugar muito agradável para se encontrar com um informante.
Uma noite fria, uma rua escura, com cheiro de whisky e suor, que se filtrava
através das rachaduras da porta do bar que tinha a suas costas. Colt pegou um
charuto fino enquanto estudava o saco de ossos que havia vendido algumas
informações importantes a ele. Ainda que tivesse pouco que olhar: baixo, magro
e feio como o pecado. À brilhante luz do cartaz de néon que tinha por trás
deles, seu informante parecia quase cômico.
Mas o assunto que os ocupava não tinha nada de engraçado.
- Foi difícil encontrar você, Billings.
- Sei, sei… - Billings mordiscou um dedo sujo e olhou ambos os lados da
rua-. É uma maneira de me manter saudável. Ouvi dizer que andava me
procurando –observou Colt um instante e depois desviou o olhar. -Um homem
em minha posição tem de ter cuidado, sabe? O que quer comprar não é barato.
E é perigoso. Me sentiria melhor com “minha” policial. Normalmente trabalho
com ela, mas não pude encontrá-la durante todo o dia.
- Eu me sentiria melhor sem sua policial. E sou eu quem paga –para ilustrar
a afirmação, pegou duas notas de cinqüenta dólares do bolso da camisa. Viu nos
olhos de Billings o brilho da cobiça - Falo melhor com uma bebida –com a cabeça
assinalou a porta do bar. O riso de uma mulher, alta e aguda, atravessou o
cristal como um disparo.
- Eu te escuto perfeitamente –observou que o homem era um feixe de
nervos. Quase podia ouvir o som de seus ossos se chocando um contra o outro
enquanto ele retorcia a perna. Se não insistisse nesse momento, ia sair
correndo como um coelho assustado. Tinha chegado longe demais e tinha muito
em jogo para perdê-lo agora -Me diga o que preciso saber, e depois convidarei
você para uma bebida.
- Não é da região.
- Não –Colt ergueu uma sobrancelha e esperou.- E isso representa algum
problema?
- Nenhum. É até melhor. Como soube que eu...
- Já o fiz em mais de uma ocasião – deu uma última tragada antes de
atirar o charuto em um esgoto - Informação, Billings – para demonstrar sua
boa fé, estendeu uma das notas. -Vamos direto ao ponto.
Projetos Romances
2
Gritos Noturnos
Nora Roberts
No momento em que o outro estendia os dedos ansiosos, o ar frio foi
quebrado pelo som de rodas freando sobre o asfalto.
Colt não teve que ler o terror nos olhos de Bilings. A adrenalina e o
instinto entraram em ação como coice de uma mula. Atirou-se ao solo no
instante em que soaram os primeiros disparos.
Capitulo 1
Althea não considera importante estar aborrecida. Depois de um dia duro,
um pouco de tédio era bem-vindo, já que dava a sua mente e a seu corpo a
oportunidade de recarregar. Não importava acabar um turno de dez horas
depois de uma esgotante semana de sessenta horas e entrar em um vestido de
noite e usar sapatos com saltos de dez centímetros. Nem sequer se queixava
por estar num banquete no salão do Brown House enquanto um discurso depois
de outro lhe embotava a mente.
O que importava era que seu companheiro deslizasse a mão por sua coxa
embaixo da toalha de mesa de linho branco.
Os homens eram tão previsíveis…
Ergueu o copo de vinho e, movendo-se no assento, roçou a orelha de seu
par com o nariz.
- Jack?
- Mmm? –os dedos subiram um pouco mais.
-Se não tirar sua mão… digamos nos próximos dois segundos… vou fincar
com muita força o garfo de sobremesa sobre ela. Vai se machucar, Jack – se
recostou e bebeu um gole de vinho, sorrindo acima do borda da taça enquanto
ele arqueava uma sobrancelha - Vai demorar um mês para poder voltar a jogar
golfe.
Jack Holmsby, solteiro cobiçado, temido promotor e convidado de honra
no Banquete da Escola de advogados de Denver, sabia como manejar as
mulheres. E estava há meses tentando se certificar do melhor jeito de manejar
aquela mulher.
-Thea… -suspirou, presenteando-a com seu sorriso mais encantador e
brilhante- Quase terminamos por aqui. Por que não vamos para minha casa?
Podemos… - no ouvido sussurrou uma sugestão descritiva, imaginativa e, com
toda certeza, anatomicamente impossível.
Projetos Romances
3
Gritos Noturnos
Nora Roberts
O som de um celular tocando poupou Althea de ter que contestar e a Jack
o salvou de ver-se submetido a um pequeno procedimento cirúrgico. Vários dos
convidados que compartilhavam a mesa se moveram para verificar seus bolsos e
bolsas. Com uma inclinação de cabeça ela se levantou.
- Perdão. Creio que é o meu – afastou com uma oscilação sutil de quadris e
de suas longas pernas. Aquele corpo no interior de um vestido púrpura, com as
costas nuas, fez que mais de uma cabeça se voltasse. A pressão arterial de
alguns se elevou. As fantasias entraram em erupção.
Consciente das reações que provocava, mas indiferente a elas, saiu do
salão e atravessou o vestíbulo para os telefones. Abriu a bolsa de noite, que
continha um pó compacto, lápis de lábios, seu distintivo, dinheiro de emergência
e sua nove milímetros, extraiu uma moeda de quatro centavos e realizou o
telefonema.
-Grayson –enquanto escutava, jogou para trás seu cabelo cor de fogo e
revirou os olhos de uma tonalidade castanha aleonada -Estou indo para lá –
desligou, voltou-se e viu que Jack Holmsby avançava em sua direção. Com
objetividade teve que reconhecer que era um homem atraente com o aspecto
muito distinto. Era realmente uma pena que por dentro ele fosse tão comum Sinto muito Jack. Tenho que ir.
A irritação fez que ele franzisse o cenho. Em sua casa testava preparada
uma garrafa de conhaque Napoleão, lenha para acender a lareira e uns lençóis
de cetim.
- Vamos, Thea, ninguém poderá substituir você?
- Não – o trabalho era sua prioridade, sempre. - Ainda bem que tem ficar
aqui Jack. Pode desfrutar do resto da festa.
Mas ele não pensava em se render com tanta facilidade. Acompanhou-a
pelo vestíbulo até a noite de outono.
-Por que não volta quando tiver terminado? Podemos continuar onde o
paramos.
- Não paramos em lugar nenhum, Jack – entregou o ticket do
estacionamento a um manobrista -Deve aprender a abandonar uma guerra
quando esta já está perdida, não penso em começar nada com você –suspirou
quando ele a envolveu com um braço.
- Vamos, Thea, esta noite você não veio apenas comer essas boas iguarias
e escutar os intermináveis discursos de um grupo de advogados –baixou a
cabeça e murmurou junto a seus lábios - não usou este vestido para me manter
longe de você. O pôs para me deixar louco e conseguiu.
A leve irritação que sentia aumentou.
Projetos Romances
4
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Estou aqui nessa noite porque respeito você como advogado –a rápida
cotovelada que ela deu nas costelas o deixou sem ar e o obrigou a retroceder
um passo - E porque pensei que poderíamos passar juntos uma noite agradável.
O que visto é assunto meu, Holmsby, mas não o escolhi para que pudesse me
apalpar por baixo da mesa nem para que fizesse uma sugestão ridícula sobre
como poderia passar o resto da noite.
Não gritava, mas também não se preocupava em manter a voz baixa. Nela
trilava a ira, como gelo sob o nevoeiro. Consternado, Jack ajeitou o nó de sua
gravata e olhou para direita e esquerda.
- Pelo amor de Deus, Althea, calma.
- Pensava em recomendar o mesmo a você –disse com doçura.
Ainda que o manobrista fosse todo olhos e ouvidos, com educação
pigarreou. Althea se voltou para aceitar as chaves.
- Obrigado – ofereceu um sorriso e uma gorjeta generosa.
O sorriso fez que o coração do jovem se acelerasse e que não olhasse a
nota antes de guardá-la no bolso. Estava demasiado ocupado sonhando.
- Ah… conduza com cuidado, senhorita. E volte cedo.
- Obrigado – jogou o cabelo para trás e com fluidez sentou diante do
volante do Mustang conversível - Nos veremos nos tribunais, promotor arrancou e se foi.
O palco dos crimes, fosse na rua ou dentro de um lar, num meio urbano,
suburbano ou no campo, tinham uma coisa em comum: a aura de morte. Como
policial com quase dez anos de experiência, Althea tinha aprendido a
reconhece-la, absorve-la e arquivá-la, enquanto se dedicava ao procedimento
preciso e mecânico da investigação.
Ao chegar, já tinham isolado meio quarteirão. O fotógrafo da polícia tinha
terminado e estava guardando sua equipe. O corpo tinha sido identificado. Por
isso a haviam chamado.
Havia três patrulhas com as luzes acesas cujos rádios não deixavam de
emitir ruídos. A morte sempre atraía espectadores, que se apertavam por trás
da fita de isolamento amarela, ansiosos para dar uma olhada na morte para
reafirmar que se achavam com vida e ilesos.
Como a noite era fresca, antes de sair do carro, pegou o chale que tinha
jogado no assento traseiro. A seda de cor verde esmeralda afastou o frio de
seus braços e costas. Mostrando o distintivo ao policial novato que controlava a
multidão, agachou-se para atravessar a barricada. Sentiu-se agradecida ao ver
Projetos Romances
5
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Sweeney, um policial veterano que tinha o dobro de tempo de carreira que ela e
não tinha pressa para pendurar seu uniforme.
-Tenente – a saudou, depois sacou um lenço e realizou uma tentativa
valente de limpar o nariz.
-Que temos, Sweeney?
-O morto estava diante da porta do bar falando quando apareceu um carro
– guardou o lenço no bolso - As testemunhas dizem que o carro apareceu a toda
velocidade, em direção norte, e lançou uma descarga de balas sem parar.
- Algum pedestre ferido? –podia cheirar o sangue, ainda que já não fosse
fresco.
- Não. Alguns cortes pelos vidros que voaram, isso é tudo. Fugiram –olhou
acima do ombro - Não tive nenhuma possibilidade, tenente. Sinto muito.
- Eu também, eu também –baixou a vista até o corpo estendido sobre o
cimento manchado. Na vida já tinha sido pouca coisa, e nesse momento era
ainda menos. Tinha um metro sessenta e cinco, cinqüenta quilos de importância,
todo ossos e com uma cara que até a uma mãe teria custado amar.
- Wild Hill Billings, vadio e batedor de carteira em tempo parcial,
informante a tempo integral. Mas, maldição, era seu informante.
- E a forense?
- Já estiveram por aqui –confirmou Sweeney - Estamos prontos para
colocá-lo no gelo.
- Então pode faze-lo. Tem uma lista de testemunhas?
- Sim, a maioria não serve para nada. Era um carro negro ou azul. Um
bêbado afirma que era uma carroça dirigida por demônios de fogo - Jurou com
um humor característico dos veteranos, conhecendo o suficiente a Althea para
saber que não se ofenderia.
- Vamos ver o que podemos conseguir –estudou a multidão… habituais de
bares, adolescentes em procura de ação, alguns sem lar e …
Suas antenas vibraram ao fixar a vista em um homem. Diferente dos
outros, não tinha os olhos carregados de repulsão ou excitação. Estava
relaxado, com a jaqueta de couro aberta ao vento, revelando uma camisa de
flanela e o reflexo de prata de uma corrente. Seu físico alto e delgado fez que
pensasse que seria veloz.
As calças gastas desciam por suas pernas longas até terminar sobre umas
botas velhas. O cabelo que poderia ser loiro escuro ou castanho se agitava com
a brisa e se encrespava em cima do pescoço.
Projetos Romances
6
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Fumava um charuto fino e observava o palco tal como tinham feito os olhos
de Althea. A luz não era boa, mas chegou à conclusão de que estava bronzeado,
o que se encaixava muito bem com o rosto bem definido. Os olhos eram
profundos, o nariz longo. A boca era forte, dessas que pareciam a ponto de
exibir uma careta desdenhosa com facilidade.
O instinto a impulsionou a catalogá-lo como um profissional, antes que
movesse os olhos e os fixasse nela com um impacto parecido ao de um poderoso
murro.
- Quem é o cowboy, Sweeney?
- O… Oh – a cara cansada de Sweeney se enrugou no que poderia ter sido
um sorriso - Uma testemunha – informou; dava a impressão de que o tipo
combinaria perfeitamente com um Stetson e um cavalo
-E? – não virou a vista quando a equipe forense se ocupou do corpo. Não
era necessário.
- É o único que nos deu uma história coerente –Sweeney sacou um bloco de
notas, umedeceu o polegar e passou algumas folhas-. Diz que se tratava de um
sedan Buick 91, com placa do Colorado com as letras ACF. Diz que não pôde ver
os números, porque estava com as luzes apagadas e estava ocupado procurando
cobertura. Segundo ele, a arma soou como uma AK-47.
- Soou? - “interessante”, pensou. Em nenhum momento apartou os olhos
dos da testemunha - Talvez… - calou ao ver seu capitão cruzar a rua. O capitão
Boyd Fletcher foi diretamente para a testemunha, moveu a cabeça, sorriu e o
envolveu no equivalente masculino a um abraço. Trocaram-se várias palmadas-.
Ao que parece o capitão se encarrega dele neste momento –Althea guardou sua
curiosidade como se fosse um prato extraordinário para saborear mais adiante
- Terminemos aqui, Sweeney.
Colt estava observando ela, desde o momento que viu uma perna longa e
esbelta sair pela porta do Mustang. Valia a pena olhar uma mulher como aquela,
mesmo naquela situação. Gostou dos seus movimentos, com uma graça atlética e
concisa que não desperdiçava nem tempo nem energia. E, com certeza, tinha
gostado da sua aparência. Seu corpo pequeno, cuidado e sexy tinha curvas
suficientes para avivar o apetite de um homem, e com toda aquela seda púrpura
e verde agitando ao vento… o cabelo de fogo, ladeando um rosto digno de se
guardar num camafeu, contribuiria para que um homem olhasse com mais
interesse as jóias antigas de sua avó.
Era uma noite fresca, mas uma só olhada naquela mulher fez com que Colt
sentisse calor.
Projetos Romances
7
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Não era um jeito ruim de manter-se abrigado enquanto aguarda, já que,
nas melhores circunstâncias, não era um homem que gostasse de esperar.
Não ficou surpreso quando ela mostrou o distintivo ao jovem policial que
fazia o cerco. Ela tinha uma beleza com a autoridade sobre seus exuberantes
ombros de nadadora. Acendeu um charuto e imaginou que seria uma ajudante
do promotor do distrito, depois compreendeu o erro cometido ao ver que se
punha a conversar com Sweeney.
A dama tinha a palavra polícia escrita em todo seu corpo.
Menos de trinta anos, talvez um metro sessenta e cinco sem aqueles
saltos altos. Era evidente que os policiais cada dia ficavam mais interessantes.
Da maneira que esperou, analisando a cena, os restos de Wild Hill Billings
não lhe inspiravam nenhum tipo de sentimentos. O homem nesse momento não
lhe servia.
Logo descobriria outra coisa, ou a outra pessoa. Colt Nightshade não era
um homem que deixasse que um assassinato se interpusesse em seu caminho.
Quando sentiu o olhar dela, deu uma tragada preguiçosa e soltou a fumaça.
Depois moveu os olhos até que se encontraram com os da mulher. A contração
que experimentou nas entranhas foi inesperada… espontânea e puramente
sexual. O momento fugaz em que sua mente ficou mais limpa do que o cristal
foi mais do que inesperado. Não tinha precedente. Foi um choque de poderes.
Ela deu um passo para ele. Colt soltou o ar que não sabia que tinha estado
contendo.
A preocupação que o embargava facilitou que Boyd pudesse se aproximar
pelas costas e o surpreendesse.
- Colt! Filho de uma cadela!
Este se voltou, preparado para qualquer coisa. Mas a fria intensidade de
seus olhos se desvaneceu num sorriso que poderia ter derretido a qualquer
mulher situada a vinte passos.
-Fletch – na relaxada calidez que reservava aos amigos, Colt lhe devolveu o
abraço de urso antes de retroceder para observá-lo. Não via Boyd fazia quase
dez anos. Aliviou-o comprovar que tinha mudado tão pouco - Ainda segue com
essa cara bonita, heim?
-E você ainda dá a impressão de que acaba de sair das montanhas. Deus,
fico contente de ver você. Quando chegou a cidade?
-Faz alguns dias. Queria ocupar-me de um assunto antes de telefonar para
você.
Boyd olhou em direção do furgão da polícia forense.
-Seu assunto era esse?
Projetos Romances
8
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Parte. Alegro-me de que tenha vindo tão cedo.
-Sim – observou Althea e reconheceu sua presença com um consentimento
imperceptível - Colt chamou o policial ou um amigo?
-Não é tão ruim que seja ambos –olhou o pouco que sobrara do charuto,
atirou-o na sarjeta e o apagou com a bota.
- Matou aquele sujeito? - fez a pergunta com tanta naturalidade que Colt
voltou a sorrir. Sabia que Boyd não teria movido um cabelo se tivesse
confessado nesse momento e lugar.
- Não.
- Vai me dizer o que aconteceu?
-Sim.
-Por que não esperas no carro? Estarei com você em um minuto.
- Capitão Boyd Fletcher – Colt moveu a cabeça e riu entre dentes. Ainda
que passasse da meia-noite, achava-se tão alerta como relaxado, com uma
xícara de café ruim na mão e as botas apoiadas na escrivaninha de Boyd. Progrediu. Pensava que estava se dedicando aos cavalos e ao gado em Wyoming.
-E o faço. De vez em quando.
-O que aconteceu com seu título de advogado?
-Tenho ele guardado em algum lugar.
-E as forças aéreas?
-Continuo voando. O que passa é que já não uso uniforme. Quanto tempo
demorará para trazer essa pizza?
-O suficiente para que chegue fria e não se possa comer –Boyd se reclinou
em sua cadeira. Sentia-se cômodo no escritório. Estava cômodo na rua. E tal
como vinha acontecendo a mais de vinte anos, desde a escola primária, sentiase cômodo com Colt - Não chegou a ver a quem disparou?
-Diabos, Fletch, tive sorte de conseguir distinguir o carro antes de
morder o asfalto para me proteger. Ainda que também não acredito que isso
ajude muito, já que o mais provável é do que fosse roubado.
-A tenente Grayson está pesquisando. Por que não me conta que fazia com
Wild Hill?
- Ele se pôs em contato comigo. Levo… - calou quando Althea entrou. Não
tinha se preocupado em bater na porta e trazia uma caixa plana de papelão.
-Pediu pizza? – deixou a caixa na mesa de Boyd e estendeu uma mão - Dez
dólares, Fletcher.
-Althea Grayson, Colt Nightshade. Colt é um velho amigo – pegou dez
dólares da carteira.
Projetos Romances
9
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Senhor Nightshade – depois de dobrar o dinheiro com meticulosidade e
guardá-lo na bolsa de lantejoulas, depositou a mesma, sobre as pastas.
-Senhorita Grayson.
-Tenente Grayson – corrigiu. Levantou a tampa da caixa, analisou os
ingredientes e escolheu uma fatia - Pelo que entendi estava na cena do crime.
-Pelo jeito é o que parece - baixou as pernas da escrivaninha para adiantar
seu torso e pegar também um pedaço da pizza. Captou a fragrância dela acima
da pizza. Era muito mais tentadora.
- Obrigado – murmurou Althea quando Boyd lhe passou um guardanapo-.
Fico me perguntando o que fazia participando de um tiroteio com meu
informante.
-Seu informante? – Colt estreitou os olhos.
-Exato –“igual os seus cabelos, seus olhos não parecem decidir-se pela cor
que deveriam ter”, pensou. Estavam entre o azul e o verde. E nesse momento
eram tão frios como o vento que soprava contra a janela.
-Hill me contou que passou o dia inteiro tentando falar com seu contato
policial.
-Fazia um trabalho de campo. -Colt arqueou as sobrancelhas e percorrer a
seda esmeralda.
- Campo?
-A tenente Grayson dedicou todo o dia a rastrear uma operação de drogas
–interveio Boyd- E bem, garotos, por que não começamos de novo desde o
princípio?
-Bem –Althea deixou o pedaço pela metade dentro da caixa, limpou os
dedos e tirou o chale.
Colt apertou os dentes para evitar que a língua caísse. Como ela lhe dava
as costas, teve o doloroso prazer de avaliar quanto sedutora podia ser umas
costas nuas, o quanto era esbelta, reta e emoldurada entre seda de cor
púrpura.
Depois de deixar o chale sobre um arquivador, Althea recuperou seu
pedaço de pizza e se sentou no canto da escrivaninha de Boyd.
Colt se deu conta que ela era consciente do que fazia a um homem. Podia
ver esse conhecimento feminino em seus olhos. Sempre tinha acreditado que
cada mulher conhecia qual era seu arsenal, mas era um osso duro quando uma
mulher se encontrava tão bem armada como aquela.
-Wild Hill, senhor Nightshade… -começou Althea- Que fazia com ele?
-Conversava – sabia que a resposta era arredia, mas nesse momento
tentava julgar se tinha algo entre a sexy tenente e seu velho amigo. Seu velho
Projetos Romances
10
Gritos Noturnos
Nora Roberts
e casado amigo. Aliviou-o e o surpreendeu um pouco não perceber a mínima
atração entre eles.
-Sobre o que? – a voz de Althea seguia sendo paciente, inclusive
agradável. Como se interrogasse um menino pequeno com uma deficiência
mental.
-A vítima era o informante de Althea – recordou Boyd a Colt- Se quer o
caso…
-E o quero.
-Então é seu.
Para ganhar tempo, Colt pegou outra fatia de pizza. Ia ter que fazer algo
que odiava e que lhe deixava com um nó na garganta. Pedir ajuda. E para obtê-la
teria que compartilhar o que sabia.
-Demorei dois dias em localizar Billings e convencê-lo a falar comigo –
também tinha custado duzentos dólares em subornos para limpar o caminho,
mas não era um sujeito que contava o preço até o resultado final. - Estava
nervoso, realmente não queria falar até ter ao lado a presença de seu contato
policial. Assim que o tentei – olhou a Althea. Deu-se conta de que estava
exausta. Demorara a detectar a fadiga, mas estava ali… na ligeira queda das
pálpebras, nas leves sombras que tinha sob os olhos - Lamento que o tenha
perdido, mas não acredito que sua presença tivesse mudado algo.
-Nunca saberemos, não é verdade? – não permitiria que o pesar nublasse
sua voz ou seu juízo- Por que tomou tantas providências para contatar Hill?
-Havia uma garota que trabalhava para ele. Jade. Provavelmente este seja
seu nome profissional.
-Sim –Althea assentiu- Loira, pequena, cara de menina. A prenderam
algumas vezes pelo que fazia na rua. Terei que comprovar, mas creio que faz
umas quatro ou cinco semanas que não aparece pela noite.
-Encaixa – Colt se levantou para encher a xícara de café -Billings
conseguiu um trabalho para ela faz aproximadamente nesse tempo. No cinema
–deu um gole e se voltou- Não falo de Hollywood, e sim de material pesado para
espectadores particulares e o com dinheiro bastante para comprar esses
pratos fortes. Fitas de vídeo para aficionado em coisas mais fortes – encolheu
os ombros e se sentou outra vez- Não posso dizer que me incomoda, Acredito
que são pessoas adultas e responsáveis por elas mesmas. Ainda que eu prefira o
sexo pessoalmente.
-Mas não falamos de você, senhor Nightshade.
-Oh, não tem que me chamar de senhor, tenente. Parece frio quando
tratamos temas tão incandescentes – se recostou com um sorriso no rosto. Por
Projetos Romances
11
Gritos Noturnos
Nora Roberts
razões que não ia se preocupar em explorar agora, tinha vontade de sacudir
aquela fachada - Bem, o resultado é que algo assustou Jade e ela desapareceu.
Não faço parte dos que pensam que uma prostituta tem um coração de ouro,
mas ao menos esta tinha consciência. Enviou uma carta ao senhor Frank Cook e
senhora - olho a Boyd - Frank e Marleen Cook.
-Marleen? –Boyd ergueu as sobrancelhas- Marleen e Frank?
-Os mesmos –o sorriso de Colt era irônico- Mais velhos amigos, tenente.
Há um milhão de anos tive o que se poderia chamar.. uma amizade íntima com a
senhora Cook. Mas como ela é uma mulher com juízo sensato, casou-se com
Frank, estabeleceu-se em Alburquerque e teve uns bonitos meninos.
Althea se moveu e cruzou as pernas com um rangido de seda. Notou que o
cordão de prata que sobressaía acima da camisa de Colt era uma medalha de
São Cristóvão, o santo padroeiro dos viajantes. Perguntou-se se o senhor
Nightshade sentia a necessidade de proteção espiritual.
-Suponho que isto nos conduz a outra parte que não seja o caminho das
recordações, verdade?
- Oh, conduz justo até a porta de sua delegacia, tenente. De vez em
quando eu gosto de dar rodeios – pegou um charuto e o passou por seus dedos
longos antes de pegar o isqueiro - Faz um mês, a filha mais velha de Marleen…
Elizabeth. Chegou a conhecer a Liz, Boyd?
Boyd negou com a cabeça. Não estava gostando para onde se conduzia à
conversa.
-Não a vejo desde que usava fraldas. Quantos anos têm agora, doze?
-Treze. Recém feitos –acendeu o isqueiro e aspirou o charuto. Ainda que
sabia que a fumaça não eliminaria o sabor amargo de sua garganta- Preciosa,
como sua mãe. Também com o temperamento aceso como o de Marleen. Teve
alguns problemas em casa, desses que imagino que a maioria das famílias
experimenta de vez em quando. Mas Liz decidiu ir embora.
-Ela fugiu de sua casa? –Althea compreendia muito bem a mentalidade dos
jovens que decidiam fugir.
-Meteu algumas coisas em sua mochila e foi embora. Não é errado dizer
que há algumas semanas Marleen e Frank estão vivendo num inferno. Chamaram
à polícia, mas a via oficial não os levou a nenhuma parte –exalou a fumaça-. Sem
querer ofender. Dez dias atrás me chamaram.
-Por que? –inquiriu Althea.
-Já disse. Somos amigos.
-Costuma procurar a ladrões e esquivar-se de balas pelos amigos?
Projetos Romances
12
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Faço favores as pessoas -pensou que o sarcasmo não lhe caia mal. Uma
arma a mais em seu arsenal.
- É um investigador com licença?
Com os lábios apertados, Colt estudou a ponta do charuto.
-Não sou muito aficionado às licenças. Consegui algumas informações e
tive um pouco de sorte em rastreá-la pelo norte. Depois os Cook receberam a
carta de Jade –apertou o charuto com os dente e sacou uma folha dobrada com
motivo florais do bolso interior da calça- Ganharás tempo se a ler você mesmo
–disse, passando-a para Boyd.
Althea se levantou e apoiou uma mão no ombro de Boyd enquanto lia.
Era um gesto curiosamente íntimo, mas assexual. Colt chegou à conclusão
de que se tratava de um gesto que falava de amizade e confiança.
A caligrafia era tão atraente como o papel mas o conteúdo não tinha nada
que ver com flores e fantasias infantis.
Estimados senhor e senhora Cook:
Conheci a Liz em Denver. É uma garota muito agradável. Sei que lamenta
muito ter ido embora e agora ela regressaria para a casa se pudesse. Eu a
ajudaria, mas tenho de sair da cidade. Liz está metida em problemas. Eu
deveria ir à polícia, mas me sinto muito assustada… ademais, não creio que
escutassem a alguém como eu. Sua filha não encaixa nesta vida, mas não a
deixam ir. É jovem, e tão bonita, e creio que estão ganhando muito dinheiro
com os filmes. Eu estou nesta vida há cinco anos, mas algumas das coisas que
querem que façamos para a câmera me deixam de cabelos em pé.
Me parece que mataram uma das garotas, por isso eu vou embora antes de
que me matem. Liz me deu seu endereço e me pediu que eu escrevesse para
dizer que sentia. Está assustada para valer e espero que a encontrem bem.
Jade.
P.D. Têm um lugar nas montanhas onde fazem os filmes. É um apartamento
na Segunda Avenida.
Boyd não devolveu a carta, e sim a deixou em sua escrivaninha. Tinha uma
filha. Pensou em Allison, doce, alegre e com seis anos, e engoliu a ira.
-Poderia ter ido a minha casa com isso. Tinha que ter ido.
-Estou acostumado a trabalhar sozinho –deu uma tragada no charuto antes
de apagá-lo- Em qualquer caso, iria falar com você depois de resolver algumas
coisas. Consegui o nome do cafetão de Jade e queria tirar alguma informação
dele.
Projetos Romances
13
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- E agora está morto –manifestou Althea com voz impassível enquanto
girava o corpo para olhar pela janela de Boyd.
-Sim – Colt estudou seu perfil. Dela não emanava unicamente ira. Percebia
muito mais- Deve ter corrido a conversa que eu o andava procurando e o fato
que ele estava disposto a falar comigo, me faz pensar que estamos tratando de
um lixo bem relacionado e que nem pisca antes de matar.
-É um assunto policial, Colt –murmurou Boyd.
-Não discuto isso –pronto para pactuar, estendeu as mãos- Também é um
assunto pessoal. Vou continuar pesquisando, Fletch. Não há nenhuma lei contra
isso. Sou o representante dos Cook… seu advogado, se precisamos uma desculpa
legal.
- É o que é? –com as emoções outra vez controladas, Althea o olhou-. É
advogado?
-Quando me convém. Não desejo interferir na investigação – disse a BoydQuero à menina de volta, a salvo, junto a Marleen e Frank. Darei toda minha
cooperação. Qualquer coisa que saiba, vocês também saberão. Mas deve de ser
recíproco. Me passe um policial que possa trabalhar comigo, Boyd –esboçou um
leve sorriso, como se o divertisse a idéia- E você deveria saber o quanto odeio
solicitar um colega oficial para um trabalho. Mas aqui quem importa é Liz. Sabe
que sou bom –aproximou o corpo- Sabe que não fugirei. Me dê seu melhor
homem e agarraremos esses canalhas.
Boyd levou os dedos a seus olhos cansados. Sabia que podia ordenar que
Colt abandonasse o caso. E que perderia seu tempo. Também podia negar a
cooperar, a compartilhar qualquer informação que o departamento descobrisse.
Sim, sabia que Colt era bom, e tinha uma idéia do tipo de trabalho que tinha
realizado como militar.
Não seria a primeira vez que Boyd Fletcher pulava as regras. Tomada à
decisão, indicou a Althea.
-Ela é a melhor.
Projetos Romances
14
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Capítulo 2
Se um homem devia ter uma colega, bem, podia ser bonita. Alem do mais,
Colt não pensava trabalhar com Althea, mas sim através dela. Seria sua ligação
com a parte oficial da investigação. Manteria a palavra e lhe proporcionaria
qualquer informação que descobrisse. Ainda que não esperasse que ela pudesse
fazer muita coisa uma vez que a recebesse.
Só tinha um punhado de polícias que Colt respeitava, com Boyd
encabeçando a lista. No referente a tenente Grayson, imaginou que seria
decorativa, de certa ajuda ou um pouco mais.
O distintivo, o corpo e o sarcasmo provavelmente deveria servir para
alguma coisa quando tivessem que entrevistar um possível contato qualquer.
Ao menos tinha podido dormir seis horas. Não tinha protestado quando
Boyd insistiu que deixasse o hotel e se alojasse na casa dos Fletcher o tempo
que durasse sua estadia. Ele gostava das famílias, ao menos as de outras
pessoas, e tinha curiosidade por conhecer a mulher de Boyd.
Não pôde assistir seu casamento. Mesmo não muito aficionado à pompa
das cerimônias, teria ido. Mas era um longo trajeto desde Beirut até Denver, e
naquela época estava ocupado com terroristas.
Cilla o encantou. Nem tinha se aborrecido quando o marido apareceu com
um desconhecido as duas da manhã. Enfurnada em um roupão de flanela, tinha
oferecido o quarto de hóspedes, com a sugestão de que se quisesse dormir, era
melhor tampar a cabeça com o travesseiro. Ao que parecia os meninos
acordavam as sete para ir ao colégio.
Tinha dormido como uma pedra, e quando os gritos e os sons de pés o
acordaram, tinha seguido o conselho de sua anfitriã e desfrutado de outro
sonho com a cabeça enterrada.
Fortalecido com um excelente café da manhã que constou de três xícaras
de café de primeira, fato pelo qual se apaixonou pela babá dos Fletcher, estava
pronto para ir para o trabalho. Seu acordo Boyd faria que sua primeira parada
fosse da delegacia de polícia. Veria Althea, se interaria das pessoas que tinham
contato com Billings e seguiria seu caminho.
Deu a impressão que seu amigo dirigia uma embarcação bem organizada.
Se ouvia um ruído habitual de telefones, teclados e vozes alteradas. E reinava
a mistura habitual com o odor de café, desinfetante e corpos suados. Mas
também imperava a sensação de eficácia.
Projetos Romances
15
Gritos Noturnos
Nora Roberts
O sargento da recepção tinha anotado o nome de Colt, assim que chegou
entregou um crachá de visitante para ele e lhe indicou como chegar ao
escritório de Althea. Duas portas adiante, por um corredor estreito.
Encontrou-o. Estava fechado, assim chamou duas vezes antes de abrir. Soube
que ela estava presente antes de vê-la. Sentiu o aroma que vinha dela, tal como
um lobo cheira a sua parceira. Ou a sua presa.
Já não usava um vestido de seda, ainda que parecesse mais uma modelo do
que uma policial. As calças e a jaqueta sob medida de cor cinza sob nenhum
conceito sugeriam masculinidade. Ressaltava o traje com uma blusa rosa e um
broche na lapela com forma de estrela. Os cabelos estavam recolhidos numa
trança complicada que emoldurava seu rosto com suavidade. Em suas orelhas
brilhavam dois brincos de ouro.
O resultado era tão interessante que poderia estar sendo usado por
qualquer tia solteirona, apesar de que, nela, deixava irradiar sexo latente.
-Grayson.
-Nightshade –lhe indicou uma cadeira -Sente-se.
Colt deu a volta e se sentou relaxado, apoiando os braços no respaldo.
Notou que sua sala era a metade da de Boyd, e organizada de forma impecável.
Os arquivadores estavam fechados, os papéis ordenados, os lápis bem afiados.
Tinha uma planta em um canto, por trás da escrivaninha, e não lhe coube dúvida
de que a regava meticulosamente. Não tinha fotos de família ou de amigos. O
único ponto de cor na sala pequena e sem janela era um quadro abstrato de
tonalidades azuis, verdes e vermelhas.
-Bem –se adiantou um pouco- Passou a placa do carro pelo computador?
-Não precisou. Apareceu no relatório desta manhã – ofereceu sua cópia-.
As onze da noite foi declarado seu roubo. Os donos tinham ido jantar, e ao sair
do restaurante descobriram que já não estava lá. Os doutores Walmir, um casal
de dentistas que celebrava seu quinto aniversário. Parecem limpos.
Provavelmente estejam –pôs a folha sobre a mesa. Na realidade, em nenhum
momento imaginou que iria encontrar uma conexão com o carro.
-Ele já apareceu?
-Não. Tenho o histórico de Jade, se lhe interessa –depois de deixar o
outro documento em seu lugar, recolheu uma pasta- Janice Willowby. Vinte e
dois anos. Um par de detenções por prostituição… algumas apreensões quando
menor pela mesma causa. Uma detenção por posse, sendo menor, quando
encontraram alguns de cigarros de maconhas em sua bolsa. Passou por todas as
dependências dos serviços sociais, até que fez vinte anos e voltou as ruas.
-Tem família? –Não era uma história nova- Talvez volte pra casa.
Projetos Romances
16
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Uma mãe em Kansas City, ao menos era ali onde estava há dezoito meses.
Tentei localizá-la.
-Tem estado ocupada.
-Nem todos começamos o dia à -olhou… o relógio- … às dez horas.
-Funciono melhor de noite, tenente –sacou um charuto.
-Aqui não, amigo –moveu a cabeça.
De bom humor, Colt o guardou.
-Em quem mais confiava Billings, além de você?
-Desconheço que confiasse em alguém –mas doía, porque sabia que tinha
confiado em alguém, nela, e de algum modo Althea tinha chegado tarde. E nesse
momento estava morto- Tínhamos um acordo. Eu lhe dava dinheiro e ele me
dava informação.
-De que tipo?
-Com Wild Bill variava. Tinha os dedos metidos em muitos assuntos. Em
sua maioria coisas pequenas –organizou alguns papéis - Mas tinha ouvidos
grandes, sabia como se confundir com o meio até fazer que esquecessem que
estava por perto. As pessoas falavam em sua presença porque dava a impressão
de que seu cérebro cabia numa xícara de chá. Mas era inteligente –sua voz
mudou, indicando-lhe a Colt algo que ainda não queria reconhecer ante si
mesma. Doía-lhe sua morte - Era bastante inteligente como para evitar cruzar
a linha que o enviaria uma longa temporada à sombra. O bastante para não pisar
em pés equivocados. Até ontem à noite.
-Eu não ocultei o fato de que o procurava por uma informação que poderia
me dar. Mas sob nenhum conceito o queria morto.
-Não culpo você.
-Não?
-Não – afastou da mesa para girar a cadeira e olhá-lo frente a frente-.
Gente como Hill, sem importar o quanto inteligente seja, tem uma expectativa
de vida curta. Se ele tivesse se colocado em contato comigo, teria sido possível
que eu tivesse me reunido com ele no mesmo lugar que você, com os mesmos
resultados –já tinha analisado com frieza a situação- Pode ser que eu não goste
de seu estilo, Nightshade, mas não lhe culpo por isto.
Notou que ela permanecia sentada muito quieta, sem realizar nenhum
gesto. Igual ao quadro que tinha a suas costas, comunicava uma paixão vibrante
sem movimento.
-Qual é meu estilo, tenente?
-Você é um renegado. Desses que se negam a jogar de acordo com as
regras, se aprecia rompê-las – não piscou ao olhá-lo, e seus olhos eram tão
Projetos Romances
17
Gritos Noturnos
Nora Roberts
frios como água de um lago- Inicia coisas, mas nem sempre as termina. Talvez
isso indique que se aborrece com facilidade ou que se fique sem energia. Seja
como for, isso não fala a favor de sua confiabilidade.
A exposição que ela fez de sua personalidade o irritou, mas quando voltou
a falar seu lento acento do sudoeste soou divertido.
-Deduziu tudo isso desde ontem à noite?
-Eu pesquisei. O colégio primário no que estudou com Boyd me
surpreendeu – esboçou um sorriso, mas seus olhos seguiram frios- Não parece
o tipo de homem adequado para esse tipo de instituição.
-Meus pais pensaram que me domesticariam –sorriu- Mas não foi assim
-Também não conseguiram em Harvard, onde se graduou em direito…
carreira que mal utilizou. Parte de seu histórico militar era classificado, mas
em geral conseguiu um bom quadro – tinha um prato com amêndoas açucaradas
na escrivaninha; Althea se adiantou e, depois de uma meticulosa deliberação,
elegeu a que queria- Não trabalho com alguém a quem não conheço.
-Eu também não. Por que não me põe a par de Althea Grayson?
-Sou policial – respondeu com singeleza - E você não. Imagino que terá uma
foto recente de Elizabeth Cook não?
-Sim –mas não a mostrou. Não tinha por que suportar essas tolices de um
bombonzinho com um distintivo- Alô, tenente, quem lhe meteu o dedo…?
Mas o telefone o cortou, e tendo em conta o reflexo dos olhos dela,
talvez tivesse sido melhor. Ao menos já sabia como descongelar aqueles olhos.
-Grayson –aguardou um segundo, depois anotou algo num bloco- Avise a
forense. Vou para lá – levantou-se e guardou o bloco numa bolsa de pele de
serpente - Encontramos o carro – franzia o cenho ao passar a bolsa para o
ombro- Como Boyd quer que participe, pode me acompanhar… só como
observador. Entendido?
-Oh, sim. Claro.
Seguiu-a pelo corredor e se pôs a seu lado. A mulher tinha o melhor
traseiro daquele lado do Mississipi e não queria que o distraísse.
-Ontem à noite não tive muito tempo para me por em dia com Boyd –
começou - Me perguntava como é que mantém… uma relação tão cordial com
seu capitão – ela baixava as escadas em direção à garagem quando se deteve e
o olhou com os olhos afiados como uma navalha -O que? –quis saber Colt
enquanto era avaliado em silêncio.
-Tentava decidir se nos está ofendendo... Boyd e a mim… pois se for este
o caso me veria obrigada a lhe causar certa dor..., ou se só expôs mal a
pergunta.
Projetos Romances
18
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Tente o segundo –ergueu uma sobrancelha.
- Certo. – seguiu descendo-. Fomos parceiros durante mais de sete anos –
chegou ao fim dos degraus e girou à direita. Os saltos baixos de suas botas de
pele soaram no cimento - Quando você confia a vida a alguém todos os dias,
mais vale querê-lo bem.
-Depois ele ascendeu a capitão.
-Exato – depois de sacar as chaves, abriu o carro-. Sinto, mas o assento
do passageiro está travado para frente. Ainda não tive tempo para mandá-lo
arrumar.
Colt observou o carro esportivo com certo pesar. Um carro fantástico,
sem nenhuma dúvida, mas com o assento nessa posição, ira ter que se dobrar
como uma sanfona e se sentar com o queixo nos joelhos.
-E isso não foi nenhum problema? Refiro-me a que Boyd ser o capitão
Althea se sentou com elegância e fez uma leve careta quando Colt grunhiu
e se acomodou a seu lado.
-Não. Sou ambiciosa? Sim. Me aborrece que o melhor policial com que
trabalhei seja meu superior? Não. Espero ascender a capitão em cinco anos.
Pode apostar seu traseiro –pôs os óculos de sol- Aperte o cinto, Nightshade –
arrancou e subiu pela rampa em direção a a rua.
O teve que admirar sua perícia ao volante. Não dispunha de outra escolha,
já que era ela quem conduzia.
-Então Boyd e você são amigos.
-Sim,somos. Por quê?
-Queria estabelecer que não são todos os homens atraentes de
determinada idade que a deixam rígida – sorriu quando girou por uma esquina-.
Gosto de saber que sou eu. Faz com que eu me sinta especial.
Então ela sorriu e lhe lançou o que poderia ter sido um olhar amistoso. Na
verdade não era mais do que amistosa, e não deveria ter acelerado as batidas
do seu coração.
-Eu não diria que me deixa rígida, Nightshade. Só que não confio nos
autônomos. Mas como nesta situação ambos perseguimos o mesmo objetivo, e
como Boyd é amigo dos dois, podemos tentar levar isso da melhor maneira
possível.
-Soa razoável. Temos o trabalho e Boyd em comum. Talvez possamos
encontrar algumas coisas a mais –o volume da rádio era baixo. Subiu e mostrou
sua aprovação ante o blues lento que saía pelos alto-falantes - Viu? Tem mais
uma coisa aqui. Que lhe parece a comida mexicana?
-Eu gosto de chile picante e de margaritas geladas.
Projetos Romances
19
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Progredimos –tentou mover-se no assento, seu joelho golpeou o painel, ele
amaldiçoou alto - Se vamos sair mais vezes juntos num carro, o faremos no
meu.
-Já discutiremos esse caso –voltou a baixar o volume da música ao ouvir
que a rádio da polícia ganhava vida.
-Todas as unidades próximas a Sheridan e Jewel, esta acontecendo um...
Althea praguejou enquanto escutava a solicitação de ajuda pela rádio.
-Estamos só a um quarteirão –girou à esquerda e observou a Colt com
dúvidas- Tiros –explicou - Assunto da polícia, entendido?
-Claro.
-Aqui é a unidade seis –respondeu no rádio-. Estou no lugar –depois de
frear por trás de um carro patrulha, abriu a porta-. Fique no carro -com essa
ordem seca, desembainhou a arma e se dirigiu para a entrada de um edifício de
quatro andares.
Ao chegar à porta respirou fundo. Quanto a atravessou, ouviu o som de
outro disparo.
- Um andar acima -deduziu. “Talvez dois”. Com o corpo colado à parede,
estudou a entrada reduzida, depois se pôs a subir. Pareceu-lhe ouvir alguns
gritos ou prantos. Um menino. Com a mente fria e as mãos firmes, girou a
pistola ao chegar ao primeiro patamar. Uma porta se abria a sua esquerda. Se
agachou e apontou para ao movimento ainda que só para olhar aos olhos de uma
mulher mais velha com olhos aterrorizados.
-Polícia –informou- Não saia.
A porta se fechou e ouviu o ferrolho. Althea se moveu para a segunda
escada. Os viu nesse momento, o policial abatido e ao policial que o examinava.
-Agente – sua voz irradiou autoridade ao apoiar uma mão sobre o ombro do
oficial ileso- O que aconteceu?
-Atirou em Jim. Saiu correndo com a menina e abriu fogo.
O polícia uniformizado estava pálido, igual que seu colega, que sangrava na
escada. Não pôde distinguir quem tremia com mais violência.
-Como você se chama?
-Harrison. Dom Harrison –apertava um lenço empapado contra a ferida do
ombro esquerdo de seu colega.
-Agente Harrison, sou a tenente Grayson. Ponha-me a par da situação, e
depressa.
-Senhor –respirou fundo duas vezes- Uma briga doméstica. Teve disparos.
Um homem branco atacou à mulher do apartamento 2-D. Disparou contra nós e
subiu pelas escadas com uma menina pequena como escudo.
Projetos Romances
20
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Ao terminar, uma mulher chegou trêmula e arquejante do apartamento de
cima. Através dos dedos que segurava as costelas, gotejava sangue.
-Levou a minha pequena. Charlie levou a minha pequena. Por favor, Deus… caiu de joelhos chorando-. Está louco. Por favor, Deus…
-Agente Harrison –um som na escada fez que Althea se movesse com
rapidez, para depois amaldiçoar. Deveria ter imaginado que Colt não
permaneceria no carro- Solicite ajuda –continuou- Um oficial e uma civil
feridos. Situação de refém- E olhou para a arma que ele brandia. Parecia uma
45 -Faça o telefonema, depois venha aqui e me dê apoio –olhou para Colt- Seja
de utilidade. Faça o que possa por estes dois.
Subiu as escadas correndo. Ouviu o pranto da criança outra vez, gritos
aterrorizados que reverberam nos corredores estreitos. Ao chegar ao último
andar, ouviu o som de uma porta fechando-se com força. “O telhado”, decidiu.
Com as costas coladas na parede da porta, provou a maçaneta, abriu e
atravessou agachada.
O outro disparou sem direção. A bala assobiou a mais de meio metro a sua
direita. Althea se plantou diante dele.
-Polícia! –gritou- Solte a arma! -Era um homem grande, junto à beira do
telhado. Tinha a pele enrubescida pela ira e os olhos brilhavam devido a algum
estimulante químico. Ela podia lidar com aquilo. Também a 45 que ele
empunhava. Mas era a pequena de talvez dois anos que ele sustentava pelo pé
sobre o vazio o que não podia manejar.
-A soltarei! –gritou como um cântico- Eu farei! Eu farei! Juro por Deus que
a farei cair como se fosse uma pedra! –sacudiu à pequena, que não parava de
chorar. Uma de suas pequenas sapatilhas se desprezou e caiu os quatro
andares.
-Não querer cometer um erro, não é, Charlie? –Althea se afastou
lentamente da porta, sem deixar de apontar com a nove milímetros ao peito do
outro- Tire-a daí.
- Vou soltar à pequena cadela –sorriu ao dizê-lo- É como sua mãe. Não para
de gemer e de chorar o tempo inteiro. Pensaram que poderiam afastar-se de
mim. Mas as encontrei, não é? Linda agora lamenta, não? Lamenta ter me
deixado.
-Sim –tinha que recuperar a menina. Devia ter um modo de conseguir. Para
surpresa, uma recordação antiga e terríveis lhe invadiram a mente. Os gritos,
as ameaças, o medo. Achatou-os como se fossem uma barata- Se você
machucar a criança, Charlie. Tudo estará acabado.
Projetos Romances
21
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Não me diga que vai acabar! –furioso, sacudiu à menina como se fosse
uma bolsa de feira. O coração de Althea quase parou, e o mesmo sucedeu com
os gritos. A pequena nesse momento só soluçava, com os braços pendurando-lhe
e os olhos vidrados - Ela tentou me dizer que tinha acabado. “Acabou-se,
Charlie” –emitiu com voz aguda- Assim que lhe aticei um pouco. Deus sabe que
ela merecia. Não parava de dar-me trabalho, com tudo. E quanto veio a menina,
tudo mudou. As cadelas não me servem para nada na vida. Mas sou eu quem diz
quando vai acabar.
O barulho das sirenas cresceu. Althea percebeu um movimento a suas
costas, mas não se atreveu a voltar-se. Precisava que o homem estivesse
concentrado nela, só nela.
-Traga à pequena para cá e talvez se salve. Quer salvar-se, não é verdade,
Charlie? Vamos. Dê-me ela. Não precisa dela.
-Acha que eu sou estúpido? –rugiu-. Você nada mais é do que outra cadela.
-Não acredito que seja estúpido –captou um movimento pelo canto do olho
e teria soltado uma maldição por ele ser atrevido. Não era Harrison, mas sim
Colt, que avançava como uma sombra para o lado cego do homem- Não creio que
seja bastante estúpido para ferir à pequena –já estava mais perto, a menos
de dois metros. Mas bem poderiam ser cinqüenta.
-Vou matá-la! –gritou-. Vou matá-la e a você também, e a qualquer um que
se interponha em meu caminho! Ninguém me diz que acabou até que eu digo que
acabou!
Aconteceu então, depressa, como uma mancha imprecisa num canto de um
sonho. Colt se lançou para frente e com um braço enganchou a cintura da
menina. Althea vislumbrou um reflexo de metal em sua mão e o reconheceu
como uma 32. Poderia tê-la empregado, se não tivesse sido sua prioridade
salvar à pequena. Girou, de maneira que seu corpo foi um escudo para ela, e
quando conseguiu erguer a arma tudo já tinha acabado.
Vendo que o outro desviava a 45 para Colt e a menina. Althea disparou. À
bala o jogou para trás. Com os joelhos golpeou a beirada do telhado. Foi ele
quem caiu como uma pedra.
Althea nem sequer se permitiu o luxo de suspirar. Embainhou a arma e
dirigiu ao lugar onde Colt acalentava a menina, que chorava.
- Ela está bem?
-Parece que sim –com um movimento tão natural que ela teria jurado que o
fizera durante toda a sua vida , acomodou à pequena contra seu quadril e lhe
deu um beijo na têmpora molhada - Já está bem, pequena.
Projetos Romances
22
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Mamãe – com o rosto banhado em lágrimas, enterrou-o no ombro de Colt Mamãe.
-Te levaremos para a sua mamãe, querida, não se preocupe –Colt ainda
sustentava a arma, mas a outra mão se ocupava de acariciar o cabelo
encaracolado e loiro - Bom trabalho, tenente.
-Já fiz melhor – olhou acima do ombro. Os policiais já subiam pelas
escadas.
-Não deixou de falar para que a menina tivesse uma oportunidade, depois
o abateu. É impossível fazê-lo melhor – e durante toda a ação tinha visto nos
olhos dela a expressão de um guerreiro.
-Vamos embora daqui- disse passados alguns momentos de um olhar fixo.
-De acordo –dirigiram-se para a porta.
-Uma coisa, Nightshade.
-O que? – sorriu um pouco, confiante que seria o instante que ela lhe
agradeceria.
-Tem porte de arma?
Deteve-se e fixou os olhos nela. Depois estourou numa gargalhada
profunda. Super feliz, a pequena ergueu a vista, franziu o nariz e conseguiu
esboçar um sorriso trêmulo.
Capitulo 3
Não pensava em matar. Não se permitia. Já tinha matado e sabia que era
provável que voltasse a fazê-lo. Mas não pensava nisso. Estava segura de que,
se reflexionasse muito nesse aspecto de seu trabalho, iria parar, se dedicaria a
beber ou ficaria indiferente. Ou o que era infinitamente pior, terminaria por
gostar.
De maneira que arquivou o relatório e o tirou da cabeça. Ao menos tentou.
Levou em pessoa uma cópia ao escritório de Boyd e o deixou sobre sua
mesa. Ele deu uma olhada e depois a olhou.
-O policial, Barkley, continua na sala de operações. A mulher se encontra
fora de perigo.
-Bem. Como esta à menina?
Projetos Romances
23
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Tem uma tia em Colorado Springs. Os serviços sociais se colocaram em
contato com ela. O fichado era seu pai. Tem um amplo histórico de abusos
físicos e drogas. Sua mulher levou a pequena faz aproximadamente um ano a um
refúgio para mulheres. Solicitou o divórcio. Mudou-se para cá faz uns três
meses, conseguiu um trabalho e começou uma nova vida .E ele ao encontrou.
-Pois não voltará a encontrá-la – voltou para a porta, mas Boyd se levantou
e rodeou a escrivaninha.
-Thea –fechou a porta para aplacar o ruído da delegacia- Você está bem?
-Claro. Não creio que os assuntos internos me incomodem muito por este
caso.
-Não falo deles –moveu a cabeça- Um ou do dias livres não fariam mal a
você.
-Também não me ajudariam – encolheu de ombros. A Boyd podia dizer
coisas que não mencionaria a ninguém mais - Não pensei que pudesse chegar até
ela a tempo. E não me equivoquei. Colt não deveria ter estado lá.
- Mas estava –com gentileza apoiou as mãos em seus ombros - Oh, oh,
trata-se do complexo da super policial. Esquivar balas, redigir relatórios, gritar
em becos escuros, vender entradas para o Baile da Polícia, eliminar o mundo
dos tipos maus e salvar gatos presos nas copas das árvores. Ela pode fazer
tudo.
-Cale-se, Fletcher –mas sorriu- Traço a linha de não salvar gatos.
-Quer vir jantar esta noite?
-O que tem? –apoiou a mão no pomo da porta.
-Nem faço idéia –sorriu- É a noite livre de Maria.
-Quem vai cozinhar é a Cilla? –olhou-o com expressão doída- Acreditava
que éramos amigos.
-Pediremos pizza.
-Trato feito.
Ao sair viu Colt. Tinha os pés sobre uma mesa e um fone ao ouvido.
Aproximou-se, sentou-se na borda da mesa e esperou que terminasse o
telefonema.
-Terminou a burocracia?
– Nightshade, suponho que não tenho que lhe assinalar que esta mesa, este
telefone e esta cadeira são propriedade do departamento de polícia, e de
acesso proibido aos civis.
-Não – sorriu- Mas se quer fazê-lo, adiante, podemos comer enquanto você
fala dos procedimentos adequados.
Projetos Romances
24
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Seus convites me deixam sem fôlego – afastou os pés da mesa- Já temos
o carro roubado. Os garotos do laboratório estão pesquisando, assim não tem
por que não dar uma ivestigada.
- Você tem algum outro plano?
-Começando pelo Tick Tock, passarei por alguns dos lugares onde parava
Wild Hill, para falar com algumas pessoas.
-Estou com você – quando ela empreendeu o caminho para a garagem,
tomou-a pelo braço- Desta vez em meu carro, lembra?
Encolheu os ombros e saiu para a rua. O carro de cor negra tinha uma
multa no pára-brisa. Colt a guardou no bolso.
-Suponho que não posso pedir que solucione esse problema.
-Não –Althea se sentou no veículo.
-Não tem problema. Fletch o fará.
Olhou-o e lançou o que poderia ter sido um sorriso antes de voltar a
concentrar-se na frente.
-Hoje você foi ótimo com a pequena –a irritava reconhecer, mas devia
fazer - Não acredito que tivesse sobrevivido sem você.
-Sem nós. Alguns chamariam de trabalho em equipe.
-Alguns – abotoou o cinto de segurança com um movimento das mãos.
- Relaxe, Thea –engatou a primeira e misturou-se ao tráfico- Onde
estávamos antes que nos interrompessem? Oh, sim, falavamos de você.
-Acho que não.
-Certo, eu falarei de você. É uma mulher que gosta da organização,
depende dela. Não, não, de fato insiste em tê-la –adicionou - Por isso é tão boa
em seu trabalho, tanta lei e ordem.
-Deveria ser psiquiatra, Nightshade –bufou - Quem teria adivinhado que
um policial gosta da lei e da ordem?
-Não me interrompa. Tem… não sei, vinte e sete, vinte e oito anos?
-Trinta e dois.
-Não está casada –baixou a vista para a mão sem anéis.
-Outra dedução brilhante.
-Tem a tendência ao sarcasmo e gosta de seda e perfumes caros.
Perfumes realmente agradáveis, Thea, desses que seduzem a mente de um
homem antes de que entre o jogo do corpo.
-Talvez deveria trabalhar numa agência de publicidade.
-Não há nada sutil a respeito de sua sexualidade. Está aí, em letras
maiúsculas. Agora bem, algumas mulheres a explorariam, outras a ocultariam.
Você não, em algum ponto decidiu que vai ficar as custas dos homens aprender
Projetos Romances
25
Gritos Noturnos
Nora Roberts
a lidar com ela. O que algo inteligente –“não tem resposta para isso”, pensou.
Ou preferiu não dar- Não perde o tempo nem energia. Dessa maneira, quando
os precisa, tem-os ao alcance da mão. Aí dentro tem um cérebro de policial, que
lhe permite avaliar uma situação depressa. E suponho que é capaz de manejar
um homem com a mesma frieza com a que empunha sua arma.
-Uma análise interessante, Nightshade.
-Não se encolheu ao abater aquele sujeito hoje. Encomodou-a, mas não
hesitou– parou adiante do Tick Tock e apagou o motor - Se tenho que trabalhar
com alguém, com a possibilidade de viver uma situação desagradável, gosto de
saber que não se humilharia.
- Ok, obrigada. Agora posso deixar de me preocupar com a sua aprovação –
mal humorada, saiu do veículo.
-E por último… -alcançou com passadas longas e passou o braço pelos
ombros - Um pouco de calor. É um alívio ver que também tem temperamento.
Althea surpreendeu a si mesma e a ele dando um tapinha nas costelas.
-Não gostaria se deixasse de controlá-lo. Acredite.
Dedicaram as seguintes duas horas a ir primeiro a um bar, depois a um
bilhar e ainda a uma cafeteria de péssima aparência. Só conseguiram algum
progresso ao chegar em uma pardieiro de nome Clancy´s.
As luzes eram tênues, uma recompensa para os bebedores madrugadores,
que gostavam de esquecer que o sol continuava brilhando. Um rádio por trás do
balcão emitia música country que contava uma história triste sobre enganos e
garrafas vazias. Vários desses clientes já se achavam distribuidos pelo balcão
ou mesas, a maioria bebendo sozinhos.
Althea se dirigiu a um extremo do balcão e pediu um refrigerante que não
pensava em provar. Colt decidiu por um chopp. Ela arqueou uma sobrancelha.
-O vacinaram contra tétano a pouco tempo? – sacou vinte dólares, mas
manteve os dedos sobre a ponta da nova de vinte dólares enquanto o garçom
servia- Wild Hill costumava vir aqui com bastante assiduidade – o garçom
observou o dinheiro e depois a ela. Uns olhos vermelhos e um rosto cheio de
veias rompidas provavam que bebia tanto como servia- Wild Hill Billings –
insistiu.
-E?
-Era amigo meu.
-Parece que perdeu um amigo.
-Algumas vezes vim aqui com ele – retirou um pouco a nota de vinte
dolares - Talvez se lembre.
Projetos Romances
26
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Tenho uma memória bastante seletiva, mas não me custa reconhecer um
policial.
-Bem. Então é possível que deduzisse que Hill e eu tínhamos um acordo.
Provavelmente deduzi que esse acordo acabou com seu sangue esparramado
sobre a calçada.
-Dedução errada. Não me passava nenhum sopro quando o mataram, e sou
uma pessoa sentimental. Quero saber quem acabou com ele, e estou disposta a
pagar –adiantou o bilhete- Muito mais do que isto.
-Não sei nada do assunto –ainda que os vinte desapareceram em seu bolso.
-Mas talvez conheça a gente que conheça gente que conheça algo –se
adiantou com expressão risonha nos olhos
- Se fizesse correr a voz, o agradeceria – encolheu os ombros e teria
saído se ela não tivesse apoiado a mão em seu braço - Creio que esses vinte
vale um ou dois minutos. Bill tinha a uma garota chamada Jade. Sumiu. Também
tinha algumas mais, verdade?
-Algumas. Não era muito importante no negócio.
-Algum nome?
O homem pegou um trapo sujo e se pôs a limpar o balcão.
-Uma garota de cabelo negro chamada Meena. Às vezes trabalhava aqui.
Ultimamente não a vi.
-Se a vê, me chame –retirou um cartão e deixou sobre o balcão- Sabe algo
sobre filmes? Filmes particulares com garotas jovens?
Encolheu os ombros, mas Althea captou antes o reflexo de conhecimento
em seus olhos.
-Não tenho tempo para filmes, e isso é tudo o que receberá por suas vinte.
-Obrigado –o deixou e se levantou- Dê-lhe um minuto –sussurrou para Colt.
Depois avistou através da vitrine suja - Vá, vá. É engraçado que de repente
tenha tanta pressa em fazer um telefonema.
-Gosto do seu estilo, tenente – Colt observou o garçom ir ao telefone
público e introduzir uma moeda de um quarto.
-Vejamos quanto gosta depois de passar umas horas num carro frio.
Espera-nos uma noite de vigília, Nightshade.
-Estou impaciente.
Ela tinha razão sobre o frio. Mas não importava tanto, não com calças
longas e uma jaqueta de pele de cordeiro para espantá-lo. No entanto, o que
incomodava era a inatividade. Teria jurado que para Althea era uma prazer.
Projetos Romances
27
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Estava comodamente sentada a seu lado, concentrada numa revista de
palavras-cruzadas com a luz fraca da lanterna. Trabalhava de forma metódica,
paciente, interminável, enquanto
tentava combater a chatice com a
retrospectiva de B.B. King na rádio.
Pensou no jantar que os dois tinham perdido na casa dos Fletcher.
Comida quente, uma lareira, um conhaque. Inclusive tinha passado pela cabeça
que talvez Althea se descontraísse um pouco num meio não oficial. Talvez não
ajudasse pensar nela dessa maneira, como a deusa do frio que se derrete, mas
avivou suas fantasias.
Na situação que se achavam era toda policial, tão distante
emocionalmente como a lua. Mas no sonho, ajudado pelo lento blues que saía
pela rádio, era toda mulher, sedutora como a seda negra que imaginava que
usava nas roupas íntimas, tentadora como o fogo que ardia na chaminé de
pedra, suave como o tapete de pele branca sobre a que tinham jogado.
E seu sabor, quanto provou sua boca, era como um whisky almiscarado.
Embriagante, doce, potente. Um oleáceo com o que um homem podia afogar-se.
A seda se desprendeu centímetro a centímetro, revelando a pele de
alabastro. Delicada como uma pétala de rosa, impecável como o cristal, firme e
suave como água. E quando ela alongava as mãos para ele, para introduzi-lo em
seu segredo, seus lábios sussurravam algo ao ouvido.
-Mais café?
-Como? –voltou à realidade e a contemplou com o carro em penumbra.
Oferecia uma garrafa térmica a ele.
- Quer café? –intrigada pela expressão de sua cara, tirou-lhe a xícara e
a encheu até a metade. A primeira vista, teria dito que tinha veemência em
seus olhos, mas conhecia muito bem essa expressão. Era desejo, maduro e
pronto- Dando uma divagada, Nightshade?
-Sim –aceitou a xícara e bebeu, desejando que fosse whisky. Mas sorriu,
e a diversão consigo mesmo e a ridícula situação mitigou a incomodidade de
suas entranhas - Uma grande divagada.
-Bom, tente não se afastar muito–bebeu um gole de sua própria xícara e
lhe ofereceu um pacote de rosquinhas açucaradas - Aí vai outro – eficiente,
deixou a xícara e pegou a câmera. Tirou duas fotos do homem que entrou no
bar. Era o segundo na última hora.
- Ao que parece não tem um negócio muito próspero.
- À maioria gosta de aproveitar um ambiente para um gole.
- Samambaias e música digital?
Projetos Romances
28
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Copos limpos, para começar –deixou a câmara-. Duvido que vamos ver um
de nossos diretores de cinema por aqui.
- Então, o que fazemos sentados em um carro frio ante um tugúrio às onze
da noite?
- Porque é meu trabalho –escolheu uma amêndoa e a levou a boca-. E porque
espero outra pessoa.
- Quer me dar uma pista? –era a primeira notícia que tinha.
- Não –comeu outra amêndoa e voltou a concentrar-se na palavra cruzada.
- Muito bem, acabou–tirou o jornal das mãos-. quer jogar, Grayson? Deixe
que lhe diga como jogo eu. Irrito-me quando as pessoas me escondem algo.
Especialmente quando estou mortalmente aborrecido. Então me ponho um tanto
desagradável.
Perdão –murmurou com voz suave, em direto contraste com o fogo que
ardia em seus olhos-. Mal posso falar pelo nó de terror que sinto na garganta.
Quer assustar-se? –moveu-se a grande velocidade. Ela não poderia ter se
esquivado embora tivesse tentado. De modo que cedeu sem nenhuma amostra
de resistência quando a tomou pelos ombros-. Suponho que serei capaz de
colocar o medo em seu divino corpo, Thea, e animar um pouco as coisas para os
dois.
- Bem, se tiver terminado com sua demonstração de machismo, a quem estou
esperando está a ponto de entrar no bar.
-O que?
Colt girou a cabeça, o qual apresentou a Althea a oportunidade perfeita
para lhe agarrar o dedo polegar e retorcê-lo com ferocidade. Quando ele
praguejou, soltou-o.
- Meena. A outra garota do Wild Hill –ergueu a máquina e tirou outra
foto-. Vi sua foto esta tarde em seu histórico. Esteve presa. Prostituição,
posse de droga com intenção de vendê-la, conduta exibicionista.
-É uma garota doce nossa Meena.
-Sua Meena –corrigiu-. Como gosta tanto de fazer o tipo durão, pode ir
seduzi-la e trazê-la aqui para que possamos falar com ela –abriu a bolsa e tirou
um bolo de cinco notas de dez dólares -. E se seu encanto falhar, lhe ofereça
cinqüenta.
-Quer que entre e a convença de que procuro farra?
-Isso.
-Bem –tinha feito costure piores que interpretar um sedutor em um bar
sujo. Mas lhe devolveu o montante-. Tenho meu próprio dinheiro.
Projetos Romances
29
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Althea o observou cruzar a rua e esperou até que desaparecesse dentro
do local. Logo se recostou e se permitiu um momento para fechar os olhos e
soltar um prolongado suspiro.
Pensou que Colt Nightshade era um homem perigoso. Não tinha
experimentado somente raiva quando lhe agarrou pelos ombros. O que havia
sentido era complexo, retorcido e confuso: Excitação profunda, ardente, que
lhe abrasou a alma, mesclada com uma pequena dose de medo primário e fúria.
“Não é típico de você”, refletiu enquanto se tomava tempo para
acalmasse-se. Ter estado tão perto de perder o controle devido a que um
homem apertava as teclas erradas, ou as certas, era pouco habitual.
Era ela quem apertava as teclas. Essa era a regra principal da Althea
Grayson. E se Colt acreditava que podia pular em cima dela como tinah feito ia
ficar muito decepcionado.
Esforçou-se muito para se transformar em quem era, elaborando metas
em sua vida e seguido-as. Tinha saído do caos e tinha conseguido controlá-lo.
Certamente, de vez em quando era necessário trocar de padrão. Não era uma
mulher rígida. Mas nada, absolutamente nada, sacudia esse padrão.
Supôs que se devia ao caso. A jovem retida por desconhecidos, da que
sem dúvida abusavam.
“Outro padrão”, pensou com amargura. Muito familiar.
E a menina aquela manhã. Assustada pelos adultos a rodeavam.
Moveu a cabeça, recolheu o periódico para dobrá-lo com precisão e
deixá-lo a um lado.
Disse-se que estava cansada. A operação antidroga de na semana
anterior tinha sido terrível. E sair daquilo para entrar no novo caso haveria
conmocionado a qualquer. Precisava de umas férias. Sorriu e imaginou uma praia
de areias brancas, águas azuis e um hotel a suas costas. Uma cama grande,
serviço de quarto e um jacuzzi privativa.
E pensava em fazer exatamente isso quando fechasse o caso e enviasse
Colt Nightshade de volta para seu trabalho...ao que diabos considerasse sua
profissão.
Voltou a olhar em direção ao bar e se viu obrigada a assentir com
aprovação. Tinham passado menos de dez minutos e saía seguido de Meena.
-OH, um trio? –Meena estudou Althea com olhos muito pintados. afastou
os cachos negros e fez uma careta-. Bom, querido, isso vai custar mais.
-Não há problema –com cavalheirismo a ajudou a subir ao assento de
atrás.
- Imagino que um homem como você pode dar conta das duas.
Projetos Romances
30
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Não acredito que vá ser necessário –Althea tirou o distintivo para
mostrar-lhe . Meena amaldiçoou, lançou a Colt um olhar de profundo desagrado
e depois cruzou os braços.
- Os policiais não têm nada melhor que fazer que perseguir pobres
almas trabalhadoras?
Não teremos que levá-la a delegacia de polícia, Meena, se
responder a umas perguntas. Vamos dar uma volta, Colt? –quando ele arrancou,
Althea se voltou no assento-. Wild Hill era meu amigo.
-Sim, claro. Fez-me alguns favores.
- E foi correspondido?
-Sim, claro que… -calou e estreitou os olhos-. Você é a polícial a que lhe
vendia informações, a que ele dizia que tinha classe? –Meena relaxou um pouco.
Existia uma boa probabilidade de que não passasse a noite em uma cela-. Disse
que foi legal com ele, que sempre lhe dava umas notas sem se queixar.
-Estou comovida –Althea notou o sorriso ambicioso de Meena arqueou
uma sobrancelha-. Possivelmente teria que disse que pagava quando havia algo
que valesse a pena comprar. Conhece Jade?
-Claro. Faz umas semanas que não a vejo. Hill disse que saiu da cidade –
colocou a mão em sua bolsa de plástico vermelho e tirou um cigarro. Quando
Colt acendeu o isqueiroe lhe ofereceu fogo, tomou a mão entre as duas delas e
lhe deu de presente um olhar cálido-. Obrigado, querido.
-O que me diz desta garota? –do bolso tirou uma foto da Elizabeth.
depois de acender a luz do teto, a ofereceu a Meena.
-Não –ia devolver quando franziu o cenho-. Não sei. Talvez –enquanto a
analisava, soltou uma coluna de fumaça, enchendo o ambiente-. Não trabalha na
rua. Parece-me que a vi em alguma lugar.
-Com o Hill? –pergunto Althea.
-Diabos, não. Bill não trata mexe com o que pode lhe dar cadeia.
-Quem o faz?
Meena olhou para Colt.
- Georgia Cool tem a algumas jovens em seu estábulo. Embora ninguém
tão verde como esta.
-Bill conseguiu uma atuação para você, Meena? Um filme? –insistiu
Althea.
-É possível.
-Sim ou não? –Althea tirou a foto de Liz - Me faz perder tempo, e não
perco meu dinheiro.
Projetos Romances
31
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Demônios, não me incomoda se um cara quer gravar uns vídeos enquanto
trabalho. Pagaram mais.
-Tem nomes?
-Não trocamos cartões.–bufou.
-Mas pode me dar uma descrição. Dizer quantos tinham envolvidos, onde
foi o lugar da gravação.
-É provável – o olhar astuto regressou a seu rosto enquanto soltava
fumaça- Se tivesse algum incentivo.
-Teu incentivo será não passar uma temporada na cadeia com uma sueca
de cem quilos –comentou Althea com suavidade.
-Não pode me prender. Gritarei que foi uma armadilha.
-Grite o que quiser. Com teu histórico, o juiz rirá.
-Vamos, Thea –a voz de Colt pareceu ter se espessado- Dê um descanso
à moça. Está tentando cooperar, não é, Meena?
-Claro –Meena apagou o cigarro e umedeceu os lábios-. Claro que sim.
-O que tenta é me enganar–Althea compreendeu que Colt e ela tinham
adotado os papéis de policial bom, policial mal, sem pestanejar- E quero
respostas. Não as que está dando –sorriu para a jovem pelo espelho retrovisorToma meu tempo.
-Eram três –repôs Meena com uma careta- Um sujeiro que manejava a
câmara, outro sentado num canto, não pude vê-lo. E o que estava atuando
comigo, já sabe. O da câmara era calvo. Negro, grande para valer… como um
lutador ou algo parecido. Estive lá aproximadamente uma hora, e em nenhum
momento abriu a boca.
-Lhe chamaram por algum nome? –Althea abriu o bloco de notas.
-Não – pensou um momento e moveu a cabeça- Não. É engraçado, não? Se
não me engano, nem sequer falaram entre eles. O cara com que contracenava
comigo era pequeno… menos em suas partes vitais –riu entre dentes e pegou
outro cigarro-. Esse falou. Uma conversa vaga, para a câmara. Alguns gostam
desse jeito. Tinha uns… não sei, quarenta anos talvez, magro, com o cabelo
amarrado que chegava aos ombros. Era um tipo que lembrava um cowboy
solitário.
-Quero que trabalhe com um desenhista da polícia –indicou Althea.
-Não. Não quero mais policiais.
-Não tem problema o que fizermos na delegacia –decidiu jogar com seu
coringa-. Se nos dá uma descrição boa, que nos ajude a pegar esses sujeitos,
ganhará cem extra.
-De acordo –o rosto se iluminou- De acordo.
Projetos Romances
32
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Onde gravou? –Althea moveu o lápis sobre o bloco.
-Num lugar bonito. Tinha um jacuzzi redonda no banheiro e espelhos nas
paredes –se adiantou para apoiar os dedos no ombro de Colt-. Foi… estimulante.
-A direção? –insistiu Althea.
-Não sei. Um desses edifícios grandes de apartamentos que há na
Segunda. Na cobertura.
-Aposto a que reconheceria o edifício se passássemos por ali, verdade,
Meena? –o tom de Colt foi amistoso, como o sorriso que ofereceu por cima do
ombro.
-Sim, claro –e o fez. Minutos mais tarde apontava pela janela-. Esse, aí.
Vê o apartamento mais alto, com os janelões e a sacada? Estive ali. Um lugar
com classe. Carpete branco, um dormitório muito sexy, com cortinas vermelhas
e uma cama enorme e redonda. Tinha torneiras de ouro no banheiro, em forma
de cisne. Céus, adoraria voltar.
-Só foi uma vez? –perguntou Colt.
-Sim. Disseram a Billy que era o tipo adequado –com voz de desagrado
pegou outro cigarro- Disseram que era velha demais. Podem acreditar?Acabo
de completar vinte e dois anos e esses desgraçados dizem a Billy que sou velha
demais. Incomodou-me… Oh, sim… -inspirada, bateu no ombro de Colt-. A
garota. A da foto. Aí é onde a vi. Tinha saído, mas tive que voltar porque tinha
esquecido os cigarros. Ela estava sentada na cozinha. Não a reconheci de
imediato na foto, porque estava muito maquiada.
-Te disse algo? –quis saber Colt, lutando por manter firme a voz- Fez
algo?
-Não, não se moveu de onde estava sentada. Pareceu-me drogada.
Ao perceber que precisava de apoio, Althea alongou o braço e cobriu a
mão de Colt. Tinha a mão rígida. Quando ele apertou os dedos para unir suas
palmas, surpreendeu-a, mas não protestou.
-Quero falar com você outra vez –com a mão livre, pegou dinheiro
suficiente do bolso para garantir a cooperação futura de Meena-. Preciso um
número onde posso localizá-la.
-Com certeza –o deu enquanto contava as notas- Suponho que Billy tinha
razão. É legal. E, talvez pode me deixar no Tick Tock. Irei tomar uma dose em
memória de Bill.
Projetos Romances
33
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Acho que precisamos de uma ordem judicial para entrarmos.
-Verdade –suspirou e meteu a mão no interior da jaqueta para verificar
sua automática- E vão nos convidar para tomar café. Se me der duas horas…ficou boquiaberta ao vê-lo virar-se. Depois da polidez com que tinha manejado
a situação até esse momento, desconcertou-a fúria que ardia em seu rosto.
-Ouça, tenente, não penso esperar nem mais dois minutos para
comprovar se Liz continua aí. E se está, se há alguém, não vou precisar uma
maldita ordem.
-Colt, compreendo…
-Não compreende nada.
Ela abriu a boca e voltou a fechá-la, aturdida porque tinha estado a
ponto de gritar que sim, o entendia, e muito bem.
-Chamaremos –conveio com voz tensa e se dirigiu à porta da cobertura e
chamou.
-Talvez sejam um pouco surdos –bateu na porta com o punho. Quando
ninguém contestou, moveu-se com tanta celeridade que Althea não teve tempo
nem de amaldiçoar. Já tinha aberto a porta de um pontapé.
-Estupendo, Nightshade. Sutil como um tijolo.
-Suponho que escorreguei –sacou a pistola da bota-. Olha, a porta está
aberta.
-Não… -mas já tinha entrado. Amaldiçoando Boyd e a todos seus amigos
da infância, pegou a arma e o seguiu, cobrindo-lhe instintivamente as costas.
Não precisou de luz, que Colt acendeu, para ver que estava vazio. Irradiava uma
sensação de abandono. Não sobrou nada, somente o carpete e as cortinas.
-Fugiram –murmurou ao ir de um quarto a outro-. Os miseráveis fugiram.
Convicta de que não ia precisar, Althea voltou a embainhar a arma.
-Suponho que agora sabemos para quem telefonou nosso amigável garçom
esta tarde. Veremos o que podemos conseguir do contrato de aluguel, dos
vizinhos… -ainda que não tinha esperança de encontrar nenhuma pista. Entrou
no banheiro. Era como o tinha descrito Meena, com o jacuzzi redondo, as
torneiras em forma de cisne, de latão, não de ouro, e espelhos por todas
partes-. Colocasse em perigo a integridade de um possível palco de um crime,
Nightshade, espero que esteja satisfeito.
-Ela poderia estar aqui –comentou o a suas costas.
Althea viu seus reflexos atracados nos espelhos. O que a suavizou foi à
expressão de seu rosto, que não tinha imaginado ver.
-Vamos encontrá-la, Colt –murmurou- Vamos nos encarregar de que volte
para casa.
Projetos Romances
34
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Claro –queria quebrar algo, qualquer coisa. Usou toda a força de
vontade para não quebrar os espelhos- Cada dia que tenham em seu poder, é um
dia com que terá que viver o resto de sua vida, para sempre –se inclinou e
deslizou a pistola na bota-. Deus, Thea, ela não é mais que uma menina.
-Os meninos são mais duros do que a gente pensa. Esquecem as coisas
quando precisam. E vai ser mais fácil porque tem uma família que a quer.
-Mais fácil que o quê?
“Que estar só”, pensou.
-Simplesmente mais fácil –não pode evitá-lo; levantou uma mão e a apoiou
na face dele - Não se culpe, Colt, ou vai acabar estragando as coisas.
-Sim –conteve essa emoção perigosa que conduzia a erros perigosos. Mas
quando ela começou a baixar a mão para a lateral, agarrou o pulso- Sabe de uma
coisa? –aproximou-se uns centímetros… talvez só porque precisava de um
contato-. Durante um momento foi quase humana.
-Verdade? –seus corpos se roçavam. Pensou que seria um ato de covardia
retroceder-. E geralmente eu sou o que?
-Perfeita –levantou a mão livre e meteu os dedos em seu cabelo, algo que
queria fazer desde o primeiro momento que a viu-. Assusta –disse- É tudo… o
rosto, o cabelo, o corpo, a mente. Um homem não sabe que fazer, se uiva à lua
ou geme a seus pés.
Ela teve que inclinar a cabeça atrás para continuar olhando-o nos olhos.
O seu coração pulsava mais depressa, não prestava atenção. Já tinha
acontecido anteriormente. Sentia uma leve curiosidade, inclusive desejo, não
seria a primeira vez, e podia controlar. Mas o que era difícil de canalizar era
uma borbulhação inesperada de seus sentidos. Contra isso teria que lutar.
-Não me dá a impressão de ser um homem que faça alguma dessas duas
coisas –esboçou um sorriso frio, quase uma careta que fazia que os homens se
afastassem de imediato.
Colt não era como a maioria dos homens.
-Nunca fui. Por que não provamos outra coisa? –disse devagar, depois se
moveu como um relâmpago para fechar a boca sobre a dela.
Se Althea tivesse protestado, se tivesse lutado, inclusive se tivesse
retrocedido de forma simbólica, a teria soltado, dando-se por perdedor.
Talvez.
Depois ela pensaria que poderia tê-lo freado em secos com vários
movimentos de defesa própria. Depois. Mas tinha um calor tão descarnado nos
lábios dele, uma força tão intensa nos braços, e um prazer aquecia seu próprio
corpo.
Projetos Romances
35
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Sim, isso era o que pensaria depois.
Foi tal como Colt tinha imaginado. E tinha imaginado muito. O sabor que
tinha nos lábios era exatamente igual ao que tinha provado em sua mente. Era
tão viciante como o ópio. Quando se abriu a ele, submergiu-se mais para tomar.
Althea era tão pequena, esbelta e flexível como poderia desejar
qualquer homem. E forte. Com os braços o rodeava com força e seus dedos
mexiam em seus cabelos. O som baixo e rouco de aprovação que vibrou por sua
garganta pôs o sangue como um rio desembocado.
Murmurando seu nome, a fez girar e a apoiou contra os espelhos,
cobrindo-lhe o corpo com o seu. Percorreu-a com mãos cobiçosas, ansiosas de
tomar, tocar e possuir. Depois desabotoou os botões da blusa com uma
necessidade desesperada por eliminar a primeira barreira.
Desejava-a nesse momento. “Não”, compreendeu que nesse momento
precisava dela. Do modo em que um homem precisa dormir depois de um duro
dia de trabalho, tal como precisava comer depois de um prolongado jejum.
Separou a boca dos lábios dela e a depositou em seu pescoço,
extasioando-se com o sabor da pele.
Perdida num delírio, Althea arcou as costas e gemeu ao sentir a boca
faminta sobre sua pele acesa. Soube que se não tivesse tido o apoio da parede,
já teria caído ao solo. E era ali, justo ali, onde ele a tomaria, onde se tomariam
mutuamente. No solo frio, no duro, com dúzias de espelhos que devolviam os
reflexos de seus corpos desesperados.
Ali, nesse momento.
E como um ladrão entrando numa casa a escuras, em sua mente brilhou a
imagem de Meena e do que tinha tido lugar naquele apartamento. “Que estou
fazendo? Santo céu, que estou fazendo?”, pensou com fúria ao separar-se.
Era uma policial e tinha estado a ponto de ceder a um sexo cego no meio
do palco do delito.
-Pare! –sua voz soou dura pela excitação e o desgosto consigo mesma-.
Falo sério, Colt. Pare. Agora.
-Que? –como um nadador que emerge das profundidades, moveu a
cabeça, quase mareado.
Seus joelhos tremiam. Para compensar, apoiou uma mão na parede
enquanto a olhava. Tinha soltado o cabelo, que caía como uma cascata de fogo
sobre seus ombros. Nesse instante seus olhos eram mais dourados que
castanhos, enormes, sedutoramente nebulosos. Tinha a boca vermelha pela
pressão à que tinha submetido e a pele brilhante de um rosa pálido adorável.
Projetos Romances
36
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-É linda. Incrivelmente linda –com suavidade passou um dedo pela
garganta-. Como uma flor exótica por trás de um cristal. Um homem deve
quebrar o cristal para tomá-la.
-Não –segurou a mão para não voltar a perder a razão-. É uma loucura.
-Sim – ele não tinha como negar- E é magnífico.
-É uma investigação, Nightshade. E nos achamos no que possivelmente
seja o palco de um delito importante.
-Então, vamos para outro lugar –sorriu e pegou a mão para mordiscar os
dedos. O fato de seencontrerm em uma beco sem saída em relação a
investigação não significava que devia deter toda atividade.
-Vamos para outro lugar –empurrou e com movimentos seguros voltou a
abotoar a blusa- Separados –consternada, deu-se conta de que se sentia fraca.
Colt considerou que o melhor lugar para ter as mãos nesse momento era
nos bolsos. Ela tinha razão e isso era o pior.
-Quer fingir que isto não aconteceu?
-Não finjo nada –jogou o cabelo para trás e alisou a jaqueta com
dignidade-. Aconteceu, e já terminou.
-Em absoluto, tenente. Ambos somos adultos, e ainda que só posso falar
por mim, a conexão que sentimos não acontece todos os dias.
-Tem razão –inclinou a cabeça-. Fale apenas por por você –conseguiu
voltar ao salão antes de que ele a tomasse pelo braço e a fizesse girar de volta
para ele.
-Quer uma demonstração agora? –perguntou com voz mortalmente
serena-. ou quer ser sincera?
-Certo –podia ser sincera, por que as mentiras não funcionariam-. Se me
interessasse uma aventura rápida e quente, sem dúvida o chamaria. Mas neste
momento tenho outras prioridades.
-Tem uma lista, não?
Althea calou-se por um instante para controlar seu temperamento.
-Acredita que esta me ofendendo? –inquiriu com voz doce.- Prefiro
organizar minha vida.
-De metê-la em compartimentos.
-O que queira –arqueou uma sobrancelha-. Para o bem ou para o mau,
temos uma relação profissional. Eu quero encontrar a garota, Colt, tanto como
você. Quero que regresse para junto de sua família, que coma hambúrgueres e
que só se preocupe de seu último exame de matemáticas. E quero pegar os
canalhas que a têm. Mais do que poderia chegar a entender.
-Então, por que não me ajuda a compreender?
Projetos Romances
37
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Sou policial –informou.- Isso basta.
-Não –seu rosto tinha refletido paixão que ele tinha sentido ao tê-la nos
braços. A ponto de perder o controle-. Nem para você nem para mim –suspirou
e esfregou a nuca. Deu-se conta de que ambos se achavam cansados e tensos.
Não era o momento nem o lugar para aprofundar nos motivos pessoais.
Precisava de tempo para encontrar objetividade se queria compreender
Althea Grayson
- Olhe, desculpe-me se me enganei. Mas ambos sabemos que não foi
assim. Estou aqui para procurar a Liz, e nada vai me deter. E depois de prová-l,
Thea, penso em mostrar igual determinação por receber mais.
-Não sou o prato do dia, Nightshade –murmurou esgotada. -Vai receber o
que eu oferecer.
-É bem como quero –esboçou um sorriso rápido-. Vamos, levarei você
para casa.
Sem dizer nada, Althea o olhou. Tinha a incômoda sensação de que não
tinham resolvido as coisas tal como ela tinha querido.
Capitulo 4
Armado com uma segunda xícara de café, Colt se achava à beira de um
redemoinho. Era evidente que pegar três meninos da casa para metê-los num
ônibus escolar era um acontecimento de proporções gigantescas. Perguntou-se
como um trio de adultos poderia manejar esta loucura diária sem perder a
sensatez.
-Não gosto desses cereais –se queixou Bryant. Levantou a colher e, com
o cenho franzido, mexeu outra vez a massa na cumbuca-. Tem gosto de árvores
molhadas.
- Você os escolheu porque traziam uma surpresa no interior da caixa –
recordou Cilla enquanto preparava sanduíches de manteiga de amendoim e
geléia-. Você comerá tudo.
-Poe mais um prato –sugeriu Boyd enquanto tentava recolher o cabelo
loiro de Allison em algo parecido a uma trança.
-Ai! Papai, esta puxando o cabelo!
-Desculpe. Qual é a capital de Nebraska?
Projetos Romances
38
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Lincoln –suspirou sua filha-. Odeio as provas de geografia –disse com
uma careta enquanto praticava seus passos de dança- Para que quero conhecer
os estúpidos estados e suas estúpidas capitais?
-Porque o conhecimento é sagrado –com a língua entre os dentes, Boyd
se afanava em arrumar a trança-. E quando aprende algo, jamais chega a
esquecê-lo.
-Bom, pois não lembro qual é a capital de Virginia.
-É, ah… -quando o conhecimento sagrado o escapou, Boyd amaldiçoou
baixinho. Que diabos importava? Vivia em Colorado. Para ele, um dos principais
problemas de ter filhos era que os pais se viam obrigados a voltar ao colégio-.
Já se recordará.
-Mamãe, Bry está dando seus cereais ao Bongo –Allison sorriu para seu
irmão com o tipo de sorriso astuto que só uma irmã consegue.
Cilla se voltou a tempo de ver a seu filho estender a colher para a boca
ansiosa do cachorro.
-Bryant Fletcher, dentro de um minuto vai comer esses cereais todos.
-Olha, mamãe, nem sequer Bongo quer comer. São uma porcaria.
-Não diga isso –repreendeu Cilla com cansaço. Mas notou que o cachorro
grande e peludo, que pelo geral até bebia água da latrina, tinha afastado o
focinho depois de provar o grude em que se tinham convertido os Rocket
Crunchies-. Come o prato e pegue seu casaco.
-Mamãe! –Keenan, o menor, entrou na cozinha. Estava descalço e sem
calças e sustentava um tênis na mão-. Não posso encontrar meu outro tênis.
Alguém o roubou!
-Chama à polícia –murmurou Cilla ao guardar o último sanduíche na
lancheira.
-Eu encontrarei, senhora –Maria limpou as mãos no avental.
-Bendita seja.
-Os homens maus o levaram, Maria –a informou Keenan com voz baixa e
séria-. Vieram a noite e o levaram. Papai vai prende-los.
-Com certeza que sim –com expressão igualmente séria, Maria tomou da
mão e o levou para as escadas-. Agora vamos procurar pistas.
-Guarda chuva –Cilla voltou e passou a mão pelo cabelo curto e castanho-.
Está chovendo. Temos guarda chuva?
-Costumávamos ter –acabada sua sessão de penteado, Boyd se serviu de
outra xícara de café- Alguém os roubou. Provavelmente o mesmo bando que
levou op tênis de Keenan e os deveres de ortografia de Bryant. Já pus uns
agentes para trabalhar no caso.
Projetos Romances
39
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Bela ajuda que me oferece –Cilla foi à porta da cozinha-. Maria! Guarda
chuva! –deu a volta, tropeçou no cachorro, soltou uma praga e depois recolheu
as três lancheiras- Casacos –ordenou-. Têm cinco minutos para chegar ao
ônibus.
Bongo decidiu que esse era o momento perfeito para saltar sobre tudo o
que estivesse diante dele.
-Odeia as despedidas –disse Boyd a Colt enquanto punha a coleira no
animal.
-O tênis estava no armário – anunciou Maria ao levar Keenan à cozinha.
-Os ladrões devem ter escondido lá. É diabólico demais –disse Cilla ao
oferecer-lhe a lancheira- Um beijo.
Keenan sorriu e plantou um beijo sonoro nos lábios.
-Bry, os cereais vão para o lixo –ao entregar a lancheira, passou um
braço pelo pescoço, provocando risadas enquanto lhe dava um beijo-. Allison, a
capital de Virginia é Richmond.
Depois de que todos se beijaram, Cilla levantou uma mão.
-Qualquer um que deixe o guarda chuva na escola será executado de
imediato. Podem ir.
Todos saíram correndo. A porta se fechou. Cilla fechou os olhos.
-Ah, outra manhã calma na casa dos Fletcher. Colt, que posso oferecer?
Bacon, ovos? Whisky?
-Fico com os dois primeiros. Reserva o último –sorriu e ocupou a cadeira
que Bryant tinha deixado livre -. Todos os dias são iguais?
-Os sábados começam mais tarde –passou as mãos pelos cabelos e
verificou a hora-. Gostaria de ficar com vocês, garotos, mas tenho que
preparar-me para o trabalho. Tenho uma reunião dentro de uma hora. Se
sentir-se perdido, Colt, passa pela emissora. Mostrarei a cidade a você.
-Pode ser que o faça.
-Maria, precisas que traga algo?
-Não, senhora –já tinha o bacon na frigideira- Obrigada.
-Voltarei às seis –se deteve junto à mesa para acariciar o ombro de seu
marido-. Acho que entendi que terá uma partida de poquer esta noite.
-Isso são rumores –atirou-se em direção a sua mulher e Colt viu que
sorriam antes de se beijarem-. Sabe muito bem, É Roarke.
-Geléia de morango. Nos veremos depois, detetive –deu um ultimo beijo
antes de deixá-lo.
Colt a escutou correr escadas acima.
-Acertou na mosca né, Fletch?
Projetos Romances
40
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Mmm?
-Uma mulher magnífica e crianças maravilhosas. E de primeira.
-É o que parece. Acho que soube que Cilla era para mim ao vê-la –
recordar o fez sorrir-. Ainda que tenha precisado de um bom tempo para
convencê-la de que não poderia viver sem mim.
-Althea e você eram parceiros quando conheceu Cilla, não?
-Sim. Nós trabalhávamos a noite naquela época. Thea foi a primeira
mulher que tive de parceira. E também foi a melhor policial com quem
trabalhei.
-Tenho que perguntar… será obrigado a negar, mas tenho que fazê-lo –
“Como perguntar?”. Pegou o garfo e o bateu na borda da mesa fazendo soar-.
Thea e você… antes de Cilla… existiu algo pessoal?
-Há muitas coisas pessoais quando se trabalha com outra pessoa, às
vezes vinte e quatro horas –recolheu a xícara de café e sorriu descontraído-.
Mas não tinha nada romântico, se é isso que você quer saber.
-Não é assunto meu –encolheu os ombros, incomodado pelo quanto que
aliviava a reposta de Boyd-. Senti apenas curiosidade.
-Por saber por que não tentei nada com uma mulher tão bonita? Com seu
cérebro? seu… qual é a melhor palavra para descrevê-lo? –divertido pela
evidente incomodo de Colt, riu enquanto Maria servia o café da manhã-.
Obrigada, Maria. O chamaremos estilo, na falta de uma palavra melhor. É
simples, Colt. Não vou dizer que não pensei nisso. Mas encaixamos como
colegas, como amigos, e isso não nos levou por nenhum dos outros caminhos –
provou os ovos e ergueu uma sobrancelha-. Está pensando nisso?
Voltou a encolher os ombros e mexeu com o bacon.
-Não posso dizer que tenhamos encaixado como colegas… ou amigos. Mas
imagino que já nos adentramos por um desses caminhos.
Boyd não fingiu surpresa. Qualquer que dissesse que o azeite e a água
não se misturavam era porque não os tinha agitado o suficiente.
-Há algumas mulheres que se metem sob sua pele, e algumas em sua
cabeça. E outras nas duas coisas.
-Sim. Qual é sua história?
-É uma boa policial, uma pessoa que pode confiar. Como todo mundo, tem
certa bagagem, mas o leva bem. Se quer saber coisas pessoais, terá que
perguntar a ela –levantou a xícara.- E ela receberá a mesma resposta de mim
sobre você.
-Perguntou?
Projetos Romances
41
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Não –bebeu para ocultar seu sorriso-. E agora, por que não me conta os
progressos no que se refere à Liz?
-Conseguimos uma pista sobre uma cobertura da Segunda Avenida, mas
já estava vazia –era algo que continuava frustrando-o-. Pensei em falar com o
encarregado do edifício, com os vizinhos. Há uma testemunha que talvez seja
capaz de identificar um ou a mais de nossos magnatas do cinema.
-Bom começo. Posso ajudar em algo?
-Comunicarei. Já a tem em seu poder duas semanas, Fletch. Vou
recuperá-la –levantou a vista e a fúria contida que tinha neles não deixou lugar
a dúvidas-. O que me preocupa é o estado que a encontrarei.
-Vai passo a passo.
-Fala como a tenente –Colt preferia dar saltos em vez de passos-. Não
posso ficar com ela até última hora da tarde. Está nos tribunais.
-Nos tribunais? –Boyd franziu em cenho, depois assentiu-. Verdade... o
juízo Marsten. -Roubo a mão armada e agressão. Quer que envie um agente
uniformizado contigo à Segunda Avenida?
-Não. Eu me encarregarei.
Colt decidiu que era maravilhoso trabalhar sozinho outra vez. Isso
significava que não tinha que se preocupar de pisar nos sapatos de seu colega
nem discutir sobre estratégia. E no referente a Althea, significava que não
tinha que se centrar em não pensar nela como mulher.
Primeiro foi ver o encarregado do edifício, Nieman, um homem baixo e
meio calvo que evidentemente considerava que seu posto requeria que levasse
um traje de três peças, uma gravata torpemente enrolada e um oceano de loção
pós barba.
-já dei minha declaração à outra oficial –informou a Colt através da
abertura de cinco centímetros que proporcionava a corrente de segurança de
sua porta.
-Agora terá que dar a mim –não viu sentido em declarar que ele não era
polícia- Quer que grite minhas perguntas do corredor, senhor Nieman?
-Não –tirou a corrente, visivelmente irritado-. Eu já não tive problemas
suficientes? Mal tinha me levantado esta manhã quando vocês bateram na
minha porta. Os inquilinos não deixaram de me chamar por telefone, querendo
saber por que a polícia está interditando a cobertura. Demorarei semanas em
desterrar esta publicidade.
Projetos Romances
42
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Tem um trabalho muito duro, senhor Nieman –estudou o apartamento ao
entrar. Não era tão grande como a cobertura vazia, mas não estava mau.
Nieman o tinha mobiliado ao estilo rococó francês. Colt pensou que sua mãe
teria se encantado.
-Não, imagina –resignado, o outro lhe indicou um cadeirão talhado-. Os
inquilinos são como meninos. Precisam que alguém os guie, que alguém de uns
tapas na mão quando fogem de alguma regra. Sou encarregado deste edifício
há dez anos, três como residente, e as histórias que poderia lhe contar …
Por medo a que o fizesse, cortou-o.
-Por que não me fala dos inquilinos da cobertura?
-Pouco posso dizer –subiu um pouco as calças antes de sentar-se. Cruzou
as pernas pelos tornozelos e mostrou as meias com desenho geométrico-. Como
expliquei à outra detetive, na verdade jamais cheguei a vê-los. Permaneceram
aqui só quatro meses.
-É que não mostra os apartamentos aos possíveis inquilinos, senhor
Nieman? Não aceita em pessoa seus formulários?
-Como regra, com certeza. Neste caso em particular, o arrendatário
enviou por correio referências e um cheque bancário como depósito pelo
primeiro e último aluguel.
-É habitual que alugue um apartamento dessa maneira?
-Não… -depois de clarear a garganta, brincou com o nó de sua gravata-.
A carta veio acompanhada de um telefonema. O senhor Davis, o inquilino,
explicou que era amigo do senhor e a senhora Ellison. Os Ellison tinham alugado
a cobertura antes, durante três anos. Um casal encantador, com um gosto
elegante. Mudaram-se para Boston. Como os conhecia, não precisava ver a
cobertura. Afirmou que tinha assistido a vários jantares e outras festas na
casa dos Ellison. Olhe, estava ansioso para alugá-lo, e como suas referências
eram impecáveis…
-As verificou?
-Com certeza –com os lábios franzidos, Nieman se ergueu-. Levo muito a
sério minhas responsabilidades.
-Como ele ganhava a vida?
-Trabalha como engenheiro numa empresa local. Quando me pus em
contato com a empresa, disseram que o tinham na mais alta estima.
-Que empresa?
-Ainda tenho seus dados –estendeu a mão para a mesinha do centro para
recolher uma pasta fina-. Foxx Engineering –começou, depois recitou a direção
e o telefone-. Também entrei em contato com o encarregado do edifício onde
Projetos Romances
43
Gritos Noturnos
Nora Roberts
vivia. Nós temos um código ético. Me assegurou que o senhor Davis era um
arrendatário ideal, responsável e pontual na hora de pagar. E assim foi.
-Mas nunca chegou a vê-lo em pessoa?
-Leste é um edifício grande. Há vários inquilinos que não vejo. Nos
encontramos de maneira regular é com os problemáticos, e o senhor Davis
jamais causou um problema.
“Nunca causou um problema”, pensou com gesto sombrio enquanto
terminava o lento processo de ir de porta em porta. Tinha conseguido uma
cópia do contrato, das referências e da carta de Davis. Já passava do meio dia
e já tinha entrevistado quase todos os inquilinos que tinham respondido seu
telefonema. Só três afirmavam ter visto o misterioso senhor Davis. Nesse
momento Colt dispunha de três descrições diferentes para adicionar ao
relatório.
O selo da polícia na porta da cobertura tinha impedido a entrada.
Poderia ter aberto a fechadura e cortado a fita, mas duvidava que fosse
encontrar um pouco de utilidade.
De modo que tinha começado por cima. Nesse momento percorria o
terceiro andar, dominado pela frustração e o começo de uma dor de cabeça.
Chamou no apartamento 302 e sentiu que o avaliavam através do olho
mágico. Ouviu o ruído e a corrente de segurança e do ferrolho. E se viu avaliado
cara a cara por uma mulher grande, com uma mata selvagem de cabelo tingido
por uma improvável cor laranja. Tinha os olhos azuis brilhantes que refletiam
dúzias de rugas enquanto o estudava. O moletom dos Denver Broncos que usava
era do tamanho de uma loja de campanha, e cobria o que Colt deduziu que eram
cem quilos de massa corporal. Tinha uma padada dupla e já tinha começado a
desenvolver uma tripla.
-Você é atraente demais para vender algo que não quero.
-Não, senhora – se tivesse usando um chapéu, o teria tirado-. Não vendo
nada. A polícia está levando a cabo uma investigação. Gostaria de lhe fazer
algumas perguntas a respeito de uns vizinhos seus.
- Você é polícial ? Se fosse, teria uma indentificação.
-Não, senhora, não sou polícia –parecia ser mais aguda do que Nieman..Realizo um trabalho particular.
-É detetive? –os olhos azuis se iluminaram como dois faróis-. Como Sam
Spade? Juro que Humphrey Bogart foi o homem mais sexy que jamais nasceu.
Se eu tivesse sido Mary Astor, não teria pensado nem dois segundos num
pássaro de metal quando podia tê-lo.
Projetos Romances
44
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Não, senhora – demorou um momento, mas ao final captou a referência
ao Falção Maltes-. Minhas preferências eram por Lauren Bacall. Era quem fazia
cantar os pássaros no Sonho Eterno.
-Com certeza que sim –soltou uma gargalhada- Bem, entre. Não faz
sentido que fique aí de pé.
Colt entrou de imediato e teve que esquivar de móveis e gatos. O
apartamento estava cheio de ambos. Mesas, cadeiras, lustres, algumas boas
antiguidades, outros objetos sem valor comprados em alguma loja de usados,
disseminados sem ordem por amplo salão. Meia dúzia de gatos de todas as
descrições se encontravam deitados em toda a parte.
-Sou colecionadora –informou a mulher, sentando-se num sofá de duas
vagas de estilo Luis XV. Seu corpo ocupou dois terços das almofadas, de modo
que Colt elegeu ocupar uma cadeira de estilo colonial-. Chamo-me Esther Mavis.
-Colt Nightshade –aceitou que um gato cinza saltasse sobre a cadeira e
outro sobre o respaldo para olhar o seu cabelo.
-Bem, quem estamos investigando, senhor Nightshade?
-O inquilino que ocupou a cobertura.
-O que acaba de descobrir? –coçou-se a cabeça.- Ontem vi uns homens
uniformizados colocar coisas em um furgão.
“Igual as outras pessoas”, pensou Colt. Ninguém tinha preocupado em
fixar-se um furgão que levava o nome de alguma empresa de transportes.
-Prestou atenção ao furgão, senhora Mavis?
-Senhorita –indicou-. Era grande. Não se comportavam como
transportadores.
-Como?
-Trabalhavam depressa. Não como pessoas que se paga por hora, sabe.
Levaram algumas peças boas –observou seu próprio salão-. Gosto de
antiguidades e obras raras. Tinha uma mesa Belker que gostaria de possuir.
Não sei onde teria colocado, mas sempre encontro um lugar.
-Poderia descrever alguns dos transportadores?
-Não me fixo nos homens a não ser que tenham algo especial –lhe deu
uma piscada.
-E que me diz do senhor Davis? O viu alguma vez?
-Não posso assegurar. Não conheço quase ninguém do edifício por seu
nome. Meus gatos e eu somos reservados. Que fez?
-Estamos investigando.
-Não quer soltar a descoberta, não é? Bogey teria feito o mesmo. E bem,
se mudou?
Projetos Romances
45
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Isso parece.
-Suponho que então não poderei entregar seu pacote.
-Pacote?
-Chegou ontem. Um mensageiro o trouxe e o deixou aqui por erro. Davis,
Mavis… -moveu a cabeça-. Nestes dias as pessoas não prestam muito
atendimento aos detalhes.
-Sei a que se refere –com cuidado tirou um gato do ombro-. Que tipo de
pacote é, senhorita Mavis?
-Um pacote “pacote” –com uns rosnados e apitos, pôs-se de pé-. Pus no
quarto. Ia subir hoje –se moveu como uma espécie de tanque graciosos pelos
espaços estreitos que tinha entre os móveis e regressou com um envelope
fechado e acolchoado.
-Senhora, gostaria de levar isto. Se representa algum problema para
você, pode chamar o capitão Boyd Fletcher, da polícia de Denver.
-Não faz diferença –entregou o pacote-. Quem sabe, quando estiver
resolvido o caso, possa vir contar-me o que tinha dentro.
-O farei –seguindo um impulso, pegou a foto de Liz-. Viu esta jovem?
A senhorita Mavis a estudou com o cenho franzido, depois moveu a
cabeça.
-Não que eu recorde. Está metida em problemas?
-Sim, senhora.
-Tem algo que ver com a cobertura?
-Creio que sim.
-É uma jovem muito bonita –devolveu a foto-. Espero que a encontre logo.
-Eu também.
Não era o seu procedimento habitual de conduta. Colt não saberia dizer
por que tinha realizado uma exceção, mas em vez de abrir o pacote e vistoriar
de imediato seu conteúdo, deixou-o sem abrir e foi para o fórum. Chegou bem a
tempo para presenciar o interrogatório da defesa de Althea. Estava vestida
com um conjunto azul, que poderia ser indiferente se não fosse ela a vesti-lo,
com o cabelo preso e um colar de pérolas de uma volta.
Colt se sentou na parte de trás do tribunal e observou enquanto ela
respondia as perguntas com paciência ao argumento de defesa. Em nenhum
momento levantou a voz, nem gaguejou. Qualquer um que escutasse ou olhasse,
incluído o júri, a teria considerado uma profissional perfeita.
Projetos Romances
46
Gritos Noturnos
Nora Roberts
“O que ela realmente é!” concluiu Colt enquanto esticava as pernas e
esperava. Com certeza, ninguém que a observasse nesse momento imaginaria
que se ardia como um foguete nos braços de um homem. Em seus braços.
Ninguém iria supor que essa mulher meticulosa e controlada se arqueava
enquanto as mãos de um homem, suas mãos, percorriam-na.
Era impossível esquecer.
E ao estudá-la nesse momento, quando não era consciente de sua
presença e estava completamente centrada na tarefa que a ocupava, começou a
notar outras coisas, coisas pequenas.
Estava cansada. Podia ver em seus olhos. De vez em quando sua voz
refletia um deixe leve de impaciência quando a obrigavam a repetir. Cruzou as
pernas. Foi um movimento suave, discreto, como de costume. Mas Colt
percebeu algo mais, inquietude, não nervos. Desejava que sua declaração
acabasse de uma vez.
Ao terminar o interrogatório, o juiz declarou um descanso de quinze
minutos.
Jack Holmsby a tomou pelo braço antes de que pudesse passar a seu
lado.
-Bom trabalho, Thea.
-Obrigada. Não vai haver nenhuma problema para condená-lo.
-Isso não me preocupa – se moveu o suficiente para bloquear o passo
dela -. Escuta, lamento que as coisas não foram bem, na outra noite. Por que
não voltamos a tentar? Que tal se jantarmos esta noite, só você e eu?
Ela aguardou um instante, não tanto irritada por sua descaração, mas
pelo cansaço que ele provocava.
-Jack, as palavras nem no inferno significam algo para você?
Ele riu e apertou o braço dela num gesto íntimo. Durante um momento,
ela considerou a idéia de algemá-lo e acusá-lo de agressão.
-Vamos, Althea. Gostaria de ter a oportunidade de compensar minha
atitude da outra noite.
-Jack, nós dois sabemos do que você gostaria. Mas isso não vai
acontecer, agora, solte o braço enquanto os dois estamos do mesmo lado da lei.
-Você poderia ser um pouco mais...
-Tenente? –disse Colt, deixado que seu olhar percorresse Holmsby-.
Tem um minuto?
-Nightshade –a irritou que ele tivesse presenciado aquela cena-. Perdoeme, Jack. Tenho trabalho –saiu do tribunal, deixando que Colt a seguisse-. Se
Projetos Romances
47
Gritos Noturnos
Nora Roberts
tem algo que ainda valha a pena, me solte –ordenou-. Neste momento os
advogados não são do meu agrado.
Tomou-a pelo braço e se crispou quando ela ficou rígida. Contendo-se,
conduziu-a para as portas.
-Meu carro está aqui na frente. Por que não damos um passeio enquanto
nos colocamos em dia?
-Perfeito. Vim andando da delegacia até aqui. Pode me levar.
-Bem –encontrou outra multa no parabrisas, o qual não o surpreendeu, já
que tinha estacionado numa zona restrita. A guardou e subiu no veículo Lamento ter interrompido seu ritual de esclarecimento.
-Olhe..por que você não... – Começou enquanto colocava o cinto de
segurança.
-Tenente, sonhei em fazer exatamente isso –estendeu a mão para abrir
a porta. Nessa ocasião ela não ficou rígida ante o contato, só pareceu retrairse-. Aspirina.
-Que?
-Para a dor de cabeça.
-Estou bem –não era do todo uma mentira. O que tinha não podia
qualificar-se como dor de cabeça. Parecia mais um trem de ferro correndo a
toda velocidade por seu cérebro.
-Odeio mártires.
-Me deixe em paz –fechou os olhos e conseguiu isolar-se.
Não estava bem em absoluto. Não tinha dormido. Ao longo dos anos se
acostumou em dormir duas ou três horas por noite. Mas na anterior não tinha
dormido nada e era muito orgulhosa para culpar a quem merecia. Colt.
Tinha pensado nele. Tinha repassado a impossível cena na cobertura, e
tinha palpitado. Para voltar a fustigar-se. Tinha tentado de tudo para tirar ele
da cabeça, um banho quente, um livro aborrecedor, yoga, conhaque quente.
Nada a tinha aliviado.
Tinha dado voltas na cama e ao final tinha terminado por levantar-se
para passear inquieta pelo apartamento. E tinha visto o sol nascer.
Desde o amanhecer estava trabalhando. Nesse momento era uma da
tarde e já estava no trabalho quase oito horas sem um descanso. E o que
piorava tudo, o que o fazia intolerável, era que talvez terminasse passando
outras oito horas com Colt.
Abriu os olhos quando ele freiou bruscamente. Tinham parado em frente
a um supermercado.
-Preciso de uma coisa –comentou, saindo.
Projetos Romances
48
Gritos Noturnos
Nora Roberts
“Perfeito, estupendo”, pensou, e voltou a fechar os olhos. “Não se
preocupa em perguntar se talvez eu preciso de algo. Como uma serra para
cortar-me a cabeça”.
Ouviu-o regressar. Pareceu estranho reconhecer o som de seus passos
depois de tão pouco tempo. Com obstinação, manteve os olhos fechados.
-Aspirina –meteu algo na mão. -Chá –explicou quando ela abriu os olhos
para observar a xícara de papel- Para diminuir a dor de cabeça – abriu o pote e
o colocou entre suas mãos- E agora tome os malditos tabletes, Althea. Mostrou um pacote de biscoitos salgados. -E coma isto. Deve que estar sem
comer nada o dia todo, se não contarmos as bolachas de chocolate ou os
caramelos. Jamais vi a uma mulher acabar com os caramelos como você faz.
-O açúcar tem bastante energia –mas levou as aspirinas à boca e bebeu o
chá. O pacote com bolachas salgadas fez com que franzisse o cenho-. Não tinha
nada doce?
-Precisa de proteínas.
-Garanto que as tortas têm proteínas –o chá era demasiado forte e
amargo, mas ajudou - Obrigado –bebeu outro gole, depois abriu a caixa de
bolachas. Era importante recordar que era responsável de suas próprias ações,
reações e emoções. Se não tinha dormido, era problema seu-. Os garotos do
laboratório já devem de ter terminado na cobertura.
-Sim. Estive lá.
-Preferiria que não atuasse sozinho.
-Não posso satisfazer todo mundo, de maneira que satisfaço a mim
mesmo. Falei com um cara de fuinha encarregado do edifício. Jamais viu o
inquilino da cobertura –enquanto Althea se concentrava na comida improvisada,
pôs a falar.
-Sabia de Davis –afirmou ela quando Colt concluiu-. Tirei Nieman da
cama esta manhã. Já chamei às referências. Telefones desconectados em
ambos casos. Não há nenhuma Foxx Engineering nessa direção, nem em
nenhuma outra em Denver. Liguei para o casal da referência que Davis deu. O
senhor e a senhora Ellison, os anteriores inquilinos, jamais ouviram falar dele.
-Tem estado ocupada – observou e martelou com um dedo sobre o
volante-. Que era isso de não atuar sozinho?
Ela sorriu um pouco. A dor de cabeça remetia.
-Eu levo um distintivo –soltou-. Você não.
-Seu distintivo não introduziu você no apartamento da senhorita Mavis.
-Descobriu algum fato?
Projetos Romances
49
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Creio que sim –satisfeito de ir adiante dela, levou a mão atrás e lhe
mostrou o pacote-. O mensageiro o entregou à dama dos gatos por engano.
-Dama dos gatos?
-Teria que ter estado ali –o apartou quando tentou tirar-se-. É minha
descoberta, encanto. Estou disposto a compartilhá-la.
Impacientou-se, mas se acalmou ao ver que não tinha aberto.
-Continua fechada.
-Pareceu-me justo –a olhou aos olhos-. Pensei que poderíamos abrir
juntos.
-Ao que parece desta vez acertou. Vamos dá uma olhada.
Colt baixou a mão e sacou uma faca da porta. Ao abrir o pacote, Althea
franziu os olhos.
-Não creio que esse brinquedo entre nos limites legais.
-Não –respondeu de bom humor e voltou a guardá-lo na bota. Meteu a
mão no envelope e extraiu uma fita de vídeo e uma folha de papel.
-“Edição final. Está preparado para as dificuldades? No final de semana
se espera muita neve. Os víveres não escasseiam. No vez seguinte envio fitas e
cervejas. Os caminhos talvez estejam fechados”.
Althea sustentou a folha por uma ponta e tirou uma bolsa de plástico da
bolsa.
-Procuraremos impressões. Talvez tenhamos sorte.- poderia revelar-nos
quem é. Mas não onde está –guardou a fita de novo no envelope-. -Quer assisti
um vídeo?
-Sim –Althea depositou a bolsa no colo e a fechou-. -Mas acredito que
este filme requer uma sessão privada. Tenho um vídeo cassete em casa.
Também tinha um sofá cômodo com muitas almofadas. No solo de
madeira reluzente ficavam ressaltados os tapetes índios. Os quadros de arte
decó da parede deveriam de ter se chocado com os toques decorativos do
sudoeste, mas não era assim. Nem as exuberantes plantas sobre o carrinho de
ferro forjado, nem os dois peixes dourados que nadavam no aquário com forma
de tubo nem o banquinho que parecia um gnomo sorridente.
-Um lugar interessante –comentou.
-Cumpre com sua função –se dirigiu para uma prateleira central de cromo
e cristal enquanto tirava os sapatos.
Projetos Romances
50
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Colt decidiu que esse gesto lhe falava bem mais de Althea Grayson do
que uns detalhados relatórios pessoais.
Com sua habitual eficácia, meteu a fita no vídeo cassete e ligou o
televisor.
Passados cinco segundos de fita em alvo, começou o espetáculo.
Inclusive para um homem com a experiência dele, foi uma surpresa.
Meteu as mãos nos bolsos e se apoiou nos calcanhares. Supôs que era
uma tolice, já que ambos eram profissionais e adultos, mas experimentou uma
inegável sensação de vergonha.
-Eu, hummm, suponho que não esperam ascender o desejo do público com
isto.
Althea inclinou a cabeça e estudou a tela com um distanciamento clínico.
Não era fazer amor. Nem sequer era sexo, segundo sua própria definição. Era
pornô direto, mais patético que estimulante.
-Vi coisas mais quentes em despedidas de solteiro.
-Sério? –Colt afastou a vista da tela o tempo suficiente para olhá-la com
uma sobrancelha arqueada.
-A fita mostra uma qualidade surpreendente. E a gravação, se pode
chamar assim, parece bastante profissional –escutou os gemidos-. O som
também –assentiu quando a câmara passou a um plano general-. Não é a
cobertura.
- Deve ser a choupana das montanhas. Rústica, mas cara, pela madeira. A
cama parece Chippendale.
-Como sabe?
-A minha mãe gosta de antiguidades. Olha o lustre que há junto à cama.
É uma Tiffany, ou uma boa imitação. Ah, o argumento se enriquece…
Observaram a outra mulher entrar no enquadre. Umas poucas linhas de
diálogo indicaram que tinha encontrado seu amante e a sua melhor amiga. A
confrontação se tornou violenta.
-Não acredito que o sangue seja falso – observou Althea com os dentes
apertados quando a primeira mulher recebeu um golpe duro na cara-. E também
não creio que esperasse o golpe.
Colt praguejou baixinho à medida que se desenvolvia a cena. A mistura
de sexo e violência, uma violência centrada nas mulheres, tornava toda a cena
desagradável. Teve que se segurar para não desligar o televisor.
Já não se tratava de uma questão de sexo bonachão divertido, e sim de
repulsão.
Projetos Romances
51
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Está bem, Nightshade? – apoiou uma mão em seu braço. Ambos sabiam o
que ele mais temia, que Liz aparecesse na tela.
-Acho que não vou querer pipocas.
Instintivamente, Althea deixou a mão onde estava e ficou perto dele.
Tinha uma espécie de padrão e começou a segui-lo. Um fim de semana
numa choupana num lugar de esquí, dois casais que se misturavam e relacionam
de várias maneiras. Observou isso e se centrou nos detalhes. O mobiliário. Colt
tinha razão… era de primeira. Os diferentes ângulos da câmara mostraram que
a casa tinha dois andares com um espaço diáfano e tetos altos com vigas.
Chaminé de pedra, jacuzzi.
Com umas poucas tomadas artísticas, viu que nevava um pouco. Captou
cenas de árvores nevadas e cumes brancos. Numa cena no exterior que pareceu
ser mais do que incômoda para os atores, notou que não tinha nenhuma casa ou
estrutura perto. A fita terminava sem os créditos. E sem Liz. Colt não soube se
sentia-se ou não aliviado.
-Não creio que vá ganhar um Oscar –Althea manteve a voz calma
enquanto rebobinava a fita-. Está bem? -Não estava bem. Ardiam-lhe as
entranhas e precisava liberar a tensão.
-Foram duros com as mulheres –disse com cuidado-. Violentos para
valer.
-A primeira vista, diria que os principais clientes para este tipo de
coisas seriam sujeitos que fantasiam com a dominação… física e emocional.
-Não creio que se possa aplicar a palavra fantasia a algo assim.
-Nem todas as fantasias são bonitas –murmurou pensativa. A qualidade
era boa, mas a parte da atuação, do emprego do vocábulo de forma liberal, era
patético. Será possível que alguns de seus clientes vivam suas fantasias ao
vivo?
-Era o que faltava –respirou fundo - A carta de Jade mencionava que
uma das garotas tinha morrido. Quem sabe não se enganou.
-O sadismo é um instrumento sexual peculiar…que com freqüência pode
escapar das mãos. Poderemos localizar a região pelas tomadas exteriores –foi
extrair a fita, mas ele a fez dar a volta.
-Como pode ser tão fria? Não a afetou? Não lhe provocou nada?
-Seja o que seja, enfrento isso. Deixemos as personalidades fora disto.
-Não. Basta saber com quem está trabalhando. Falamos do fato de que
alguma garota poderia ter morrido diante da câmara –o dominava uma fúria que
não podia controlar e uma terrível necessidade extravassá-la-. Acabamos de
Projetos Romances
52
Gritos Noturnos
Nora Roberts
ver a duas mulheres sendo esbofeteadas, empurradas, golpeadas e ameaçadas
com ameaças de receber algo pior. Quero saber o que sente ao olhar isso.
- Me deixa com muita raiva –gritou, soltando-se-. Me revolta. E se me
permitisse, teria me entristecido. Mas a única coisa que importa, importa para
valer, é que dispomos de nossa primeira prova –pegou a fita e a guardou no
estojo-. E agora, se quer me fazer um favor, me deixará na delegacia para que
a possa entregar. Depois poderá me dar um pouco de espaço.
-Claro, tenente –foi à porta para abrí-la-. Te darei todo o espaço que
precisa.
Capítulo 5
Colt tinha três rainhas, e pareceu uma pena que a única que desejava
estivesse sentada frente a ele, aumentando a aposta que acabava de fazer.
- Aí vai seus vinte e cinco, Nightshade, e mais vinte e cinco –Althea
jogou umas fichas mais. Tinha as cartas coladas ao peito.
- Ah, bom… -Sweeney suspirou e observou as cartas horríveis que
tinha, como se com o desejo pudessem se converter numa mão ganhadora-. É
muito para mim.
De seu assento entre Sweeney e um detetive forense chamado Louis,
Cilla considerou sua dupla de cinco.
- O que parece, Matador?
Keenan, vestido para ir dormir com uma camiseta dos Denver Nuggets,
botou as cartas em seu colo.
- Solta o dinheiro.
- Para você é fácil dizer –mas empurrou as fichas ao centro.
Depois de um debate pessoal que incluiu murmúrios, movimentos na
cadeira e de cabeça. Louis também entrou na jogada.
Projetos Romances
53
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Cubro teus vinte e cinco –disse Colt. Manteve o cigarro entre os
dentes enquanto contava as fichas-. E volto a subir.
Boyd sorriu, contente de ter passado. Produziu-se outra ronda de
apostas; na mão só ficaram Althea, Cilla e Colt.
- Um trio de impressionantes rainhas –anunciou, mostrando as cartas.
- Boa –os olhos de Althea brilharam ao olhá-lo-. Mas meu full pode com
elas –estendeu as cartas para revelar três oitos e um par de reis.
- Isso destroça meus dois cincos –Cilla suspirou enquanto Althea
recolhia os ganhos.- muito bem, pequeno, custou-me setenta e cinco centavos.
Agora vá dormir –pegou no colo um risonho Keenan ao levantar-se.
- Papi! –estendeu os braços e sorriu-. Me ajude! Não deixe que ela me
coloque na cama!
- Sinto, filho –Boyd revirou o cabelo de seu filho e deu um beijo
solene-. Parece que está perdido. Vamos sentir sua falta por aqui.
-Salva-me! –sempre disposto a prolongar o inevitável, Keenan rodeou o
pescoço do Colt.
Este lhe deu um beijo e moveu a cabeça.
-Neste mundo só me assusta uma coisa, colega, uma mãe. Está sozinho.
Sustentado pelos braços de Cilla, o pequeno deu uma ronda de beijos.
Quando chegou a Althea, brilharam-lhe os olhos.
- Está bem? Posso?
Era um jogo antigo que Althea estava disposta a consentir.
- Por um níquel.
- Fico te devendo.
- Já me deves oito mil dólares e quinze centavos.
- Me dão a mesada sexta-feira.
- Muito bem, então –o apoiou em seu pescoço para dar um abraço e ele
lhe bagunçou o cabelo como um cachorrinho. Colt viu que a expressão de Althea
se suavizava e que subia a mão para acariciar-lhe a nuca.
- Gosto disso –anunciou Keenan, tentando uma última vez com gesto
exagerado.
- Não esqueça os oito mil de sexta-feira. E agora, adeus –depois de
dar-lhe um beijo, o passou novamente para Cilla.
- Vou passar uma jogada –sugeriu Cilla, acomodando a seu filho sobre
um quadril para levá-lo à cama.
-Um garoto que sabe convencer uma mulher para que o tenha em seu
colo, é um garoto que deve ficar orgulhoso –Sweeney sorriu enquanto recolhia
suas cartas-. Passo.
Projetos Romances
54
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Durante a hora seguinte, as fichas de Althea não deixaram de
multiplicar-se. Encantava-lhe a partida mensal de póquer que tinha se
convertido num costume pouco depois de que Cilla e Boyd se casaram. O
desafio básico de superar o talento de seus oponentes a relaxava tanto quanto
a atmosfera doméstica que impregnava cada canto do lar dos Fletcher.
Era uma jogadora cautelosa, que só apostava quando estava satisfeita
com as probabilidades, e que inclusive o fazia de maneira meticulosa e
reflexiva. Notou que as fichas de Colt também tinham se multiplicado. Decidiu
que não era temerário, e sim implacável. Com freqüência aumentava as apostas
quando não tinha nada, ou deixava que outros o fizessem quando tinha uma mão
ganhadora.
“Não segue nenhum padrão”, pensou, o qual em si mesmo representava
um padrão.
- Alguém quer uma cerveja? –perguntou quando a mão terminou a favor
de Sweeney.
Althea foi para a cozinha e começou a destampar garrafas. Estava
servindo uma taça de vinho quando entrou Colt.
- Pensei que cairia bem um pouco de ajuda.
- Posso me arrumar sozinha.
- Suponho que há poucas coisas com as quais não poderia se arrumar.
Só quero te dar uma mão.
Maria tinha preparado suficientes sanduíches para satisfazer um
pelotão. A falta de algo melhor do que fazer, Colt mudou alguns da bandeja
para um prato. Decidiu que tinha que falar. Ao estar a sós e desfrutar da
oportunidade, já não sabia como começar.
- Tenho que dizer algo sobre esta tarde.
- Oh? –inquiriu com tom gelado. Abriu a geladeira e pegou um prato
com uma torta incomparável que preparava María.
- Eu sinto muito.
- Perdão? –esteve a ponto de soltar a torta.
- Maldita seja, sinto muito, certo? –odiava pedir desculpas, já que
significava que tinha cometido um erro, um importante-. Olhar essa fita me
balançou. Fez com que eu desejasse quebrar alguma coisa, acertar alguém. O
mais fácil era você.
Como era a última coisa que teria esperado, surpreendeu-a.
Permaneceu com o prato na mão sem saber que fazer.
- Certo.
Projetos Romances
55
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Temia ver Liz na fita –continuou, impulsionado a contar tudo-. E temia
não ver –desconcertado, pegou uma das garrafas abertas e bebeu um longo
trago-. Não estou acostumado a sentir-me assim assustado.
Pouco podia ter dito ou feito que tivesse atravessado melhor as
defesas dela. Comovida, deixou o prato na mesa e abriu um pacote de batatas
fritas.
- Eu sei. Também me senti assim. Não deveria ser assim, mas foi –
verteu as batata em outro prato, desejando que tivesse algo mais do que
pudesse fazer-. Lamento que as coisas não avancem mais depressa, Colt.
- Também não se estancou. E isso tenho que agradecer a você –pegou
uma mão e a deixou cair-. Esta tarde tive vontade de fazer algo mais do que
quebrar algo, e foi te abraçar –viu o reflexo de cautela que apareceu no olhar
dela e teve que se conter-. Não saltar sobre você. Te abraçar. Há uma
diferença.
- Sim, há –suspirou. Nos olhos dele tinha necessidade. Não desejo, só
necessidade, de contato, de consolo, de compaixão. Isso ela entendia nele-.
Suponho que também teria me agradado.
- Ainda pode agradá-la – custou dar o primeiro passo, mas avançou para
ela com os braços estendidos.
Ela também custou responder para entrar em seus braços e rodeá-lo
com os próprios.
E quando estiveram perto, quando a face de Althea se apoiou no ombro
de Colt, os dois suspiraram. A tensão desapareceu como a água por um dique.
Não o entendia, nem sequer sabia se poderia aceitá-lo, mas a sensação
era a correta. A diferença da primeira vez que a tinha abraçado, não
experimentou luxúria nem fogo pelo sangue. Senão algo cálido, doce e em
expansão, sólido.
Poderiam ficar daquela maneira durante horas.
Ela não se permitia relaxar com muita freqüência, não com um homem,
e menos com um que a atraía. Mas foi tão fácil, tão natural. As batidas
constantes de seu coração a acalmaram. Sentiu o impulso de esfregar a face
contra a de Colt, de fechar os olhos e ronronar. Quando ouviu que ele suspirar,
riu.
-O garoto tem razão –murmurou-. É estupendo.
- Isso vai custar um níquel, Nightshade.
- Põe em minha conta –disse ao levantar o rosto para sorrir.
Não soube se o impacto que sentiu se devia ao fato que Althea jamais o
olhara dessa maneira. A única coisa que sabia era que sua beleza era
Projetos Romances
56
Gritos Noturnos
Nora Roberts
extraordinária, com o cabelo solto e entre suas mãos, cintilando como línguas
de fogo sob a intensa luz da cozinha. Os olhos dela sorriam, profundos e cheios
de humor, e a boca… sem batom, curvada, levemente aberta. Irresistível.
Rodeou a cabeça e a baixou, à espera de que ela se pusesse rígida ou
retrocedesse. Não fez nenhuma dessas coisas. Ainda que o humor nos olhos se
transformasse em percepção, a calidez continou presente. Tomou os lábios de
Althea, provando com gentileza, um experimento em emoções. Com os olhos
abertos, observaram-se, como se cada um esperasse que o outro se movesse ou
saltasse.
Ao permanecer inflexível em seus braços, Colt mudou o ângulo,
mordiscando-a levemente. Sentiu ela estremecer uma vez à medida que lhe
escureciam os olhos. Mas seguiram abertos.
Queria vê-lo, precisava. Se fechasse os olhos, temia cair no abismo que
se abria diante dela. Tinha que ver quem era ele, tentar entender o que tinha
nesse homem que era capaz de derretê-la.
Ninguém tinha conseguido anteriormente. E estava orgulhosa de sua
capacidade de resistir ou controlar, divertida pelos homens e mulheres que
caíam sob seus respectivos feitiços para sofrer os tormentos do amor. Nunca
tinha estado segura de que as alegrias equilibrassem esses tormentos.
Mas quando aprofundou o beijo, de forma lenta e persuasiva, para que
não só os lábios, senão a mente e o corpo ficassem envolvidos no contato,
perguntou-se que tinha perdido ao não permitir jamais que a rendição se
misturasse com o poder.
- Althea… -suspirou ao voltar a mudar o ângulo do beijo-. Vêm comigo…
Compreendia o que ele lhe pedia. Queria que se deixasse ir, que o
acompanhasse onde pudesse levá-los o momento. Ceder diante ele, tal como
Colt cedia diante ela. Que apostasse, quando não estava certa das
probabilidades.
Ele foi o primeiro a fechar os olhos. A calidez e sonolência se
converteram numa dor embotadora, que era todo prazer. Ela suspirou e
também os fechou.
- Ei! O que aconteceu com as cervejas…? Haaa....- Boyd tentou não
sorrir. Meteu as mãos nos bolsos e teve que se conter para não assobiar
enquanto seu amigo e sua antiga colega se separavam como dois ladrões pegos
em flagrante - Sinto, garotos – pegou as garrafas de cerveja. Pensou que, em
todos os anos que conhecia Althea, jamais a tinha visto com essa expressão no
rosto- Esta cozinha deve ter algo em especial –adicionou ao se dirigir para a
porta-. Não posso contar as vezes que me encontrei fazendo o mesmo aqui.
Projetos Romances
57
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Quando a porta se fechou a suas costas, Althea suspirou.
- Santo céu –foi a única coisa que pôde dizer.
- Parecia bastante satisfeito consigo mesmo, não é? –apoiou uma mão
no ombro dela.
- Vai pegar em meu pé – sussurrou Althea-. E contará a Cilla, para que
ela também possa pegar.
- Provavelmente tenham coisas melhores para fazer.
- Estão casados –soltou-. Gente casada adora em falar da vida de
outras pessoas.
Quanto mais nervosa ficava, mais agradava Colt. Estava convencido de
que só alguns escolhidos tinham visto a tenente agitada. Queria saborear cada
momento da experiência. Com um sorriso se apoiou na mesa.
- É? Se quer mesmo deixá-los loucos, poderia permitir uma visita minha
a sua casa. Essa noite..
- Em seus sonhos, Nightshade…
- Bom, há certa verdade nisso, querida – arqueou uma sobrancelha. A
voz dela tinha soado insegura-. –Bem, posso ser sincero e dizer que não estou
disposto a esperar muito para transformar esse sonho em realidade.
Althea precisava se acalmar, precisava fazer algo com as mãos. Matou
dois coelhos com uma cajadada só e pegou a taça de vinho para beber um gole.
- É uma ameaça?
- Althea –começou com suma paciência, o qual também o divertiu, já
que não lembrava da ultima vez que foi paciente com alguma coisa -. Nós dois
sabemos que o que aconteceu aqui não pode se converter numa ameaça. Foi
agradável –com um dedo acariciou o cabelo-. Se estivéssemos sozinhos em
algum outro lugar, teria sido bem mais agradável –fechou a mão em seu cabelo
e a imobilizou-. Eu a desejo, Althea, e muito. Deduza o que quiser disso.
Ela sentiu que algo lhe percorria as costas. Não era medo. Fazia tempo
que era policial e podia reconhecer o medo em todas suas formas. E tinha
levado sua vida a sua própria maneira o tempo suficiente para mostrar-se
cautelosa.
-Tenho a impressão que deseja muitas coisas. Deseja recuperar Liz, e
deseja apanhar e castigar os homens que a seqüestraram. Deseja essas coisas
a sua própria maneira, com minha cooperação. E… -bebeu mais vinho, sem
deixar de olhá-lo-… deseja se deitar comigo.
“É surpreendente” pensou Colt. Tinha que estar sentindo um pouco da
necessidade e desespero que ele experimentava. No entanto, era como se
falasse do tempo.
Projetos Romances
58
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Isso mais ou menos resume tudo. Por que não me conta o que você
deseja?
Temia saber exatamente o que desejava.
- A diferença entre você e eu, Nightshade, é que eu sei que nem
sempre se consegue o que se deseja. E agora vou dormir. Foi um dia longo. Pode
ir me ver amanhã. Já teremos os desenhos das descrições de Meena. Pode ser
que apareça algo quando os comparar com fotos do sistema.
- De acordo –a deixaria ir… por enquanto. O problema com uma mulher
como Althea era que um homem sempre queria seduzi-la, e sempre desejaria
que se deitasse com ele por sua própria vontade-. Thea?
- Sim? –deteve-se junto a porta da cozinha e virou a cabeça.
- Que vamos fazer?
Ela conteve um suspiro de anseio.
-Não sei –respondeu com toda sinceridade-. Quem me dera saber.
Às nove e meia da manhã seguinte, Colt esperava no trabalho de
Althea. De puro tédio, folheou alguns dos papéis que tinha sobre a mesa.
Relatórios, redigidos na linguagem peculiar que usavam os policiais, uma
linguagem que era ao mesmo tempo concisa e florida. Teve que reconhecer que,
para quem gostasse dessa gíria burocrática, ela escrevia os relatórios muito
bem. “Regulamento Grayson”, pensou, fechando a pasta. Quem sabe o principal
problema que tinha ele tinha visto nela bem mais do que a policial profissional.
Tinha visto ela empunhar uma arma, firme como uma rocha, enquanto
seus olhos irradiavam medo e determinação. Tinha visto responder com glória
um abraço impulsivo e urgente. Tinha visto ondular-se como uma menina,
suavizar-se com compaixão e gelar-se como um granizo.
Tinha visto demais e sabia que ainda restava muito por ver.
Mas sua prioridade era Liz, tinha que ser. No entanto, Althea seguia
em seu interior, como uma bala alojada na carne. Quente, dolorosa e impossível
de evitar.
Enfurecia-o. Irritava-o. E quando ela entrou na sala, o fez rosnar.
- Estou esperando há quase uma hora. Não tenho tempo para isto.
- É uma pena –deixou outra pasta sobre a mesa, notando de imediato
que tinham mexido em seus papéis-. Quem sabe você vê muita televisão,
Nightshade. É o único lugar onde um policial trabalha um caso por vez.
- Eu não sou policial.
Projetos Romances
59
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- É mais do que evidente. E a próxima vez que tiver que me esperar,
mantenha o nariz longe de meus papéis.
- Escuta, tenente… -amaldiçoando, calou quando soou o telefone.
- Grayson –ao falar se sentou atrás de sua escrivaninha e pegou um
lápis-. Sim. Sim, tenho. Foi um trabalho rápido, sargento. Obrigada. Farei se
alguma vez eu passar por ali. Obrigada de novo –cortou de imediato e pôs a
anotar um número-. Kansas City localizou à mãe de Jade –informou a Colt-.
Mudou-se para Missouri.
- Jade está com ela?
- É o que vou tentar averiguar –ao terminar de anotar, olhou a hora-.
Trabalha de garçonete pelas noites. O mais provável é que agora a encontre em
casa –antes que Colt pudesse voltar a falar, levantou uma mão para pedir
silêncio-. Oi, gostaria de falar com Janice Willowby –uma voz sonolenta e
irritada disse que Janice não vivia ali-. É a senhora Willowby? Senhora
Willowby, sou a tenente Grayson, da polícia de Denver… Não, senhora, não
aconteceu nada. Não está metida em nenhum problema. Cremos que poderia nos
ser de certa ajuda num caso. Teve notícias de sua filha nas últimas semanas? –
escutou com paciência enquanto a mulher negava ter estado em contato com
Janice e, irritada, exigia informação-. Senhora Willowby, Janice não é uma
fugitiva da justiça nem suspeita de crime. Mas precisamos falar com ela –seus
olhos se endureceram, com rapidez e frialdade -. Perdão? Como não estamos
pedindo que entregue sua filha, não considero lógico oferecer-lhe uma
recompensa. Sim…
Colt cobriu o fone com a mão.
- Cinco mil dólares –indicou-. Se ela nos por em contato com Jade, esta
nos conduz a Liz –viu a negativa nos olhos dela, mas se manteve firme-. Não
depende de você. Recompensa é particular.
Althea engoliu o desgosto.
- Senhora Willowby, há um grupo privado que autoriza entregar a soma
de cinco mil dólares por informação sobre Janice, com a condição de que isso
ajude a fechar satisfatoriamente a investigação. Sim, estou convicta de que
poderão dar em efetivo. Oh, estou certa de que fará o que puder. Pode pôr-se
em contato comigo as vinte e quatro horas do dia, neste número –o repetiu
duas vezes-. A cobrar, certamente. Tenente Althea Grayson, Denver. Espero
que telefone –depois de pendurar, jogou chispas pelos olhos-. Não me estranha
que garotas como Jade abandonem o lar e terminem na rua. Não se importava
com sua filha, só queria estar certa de que nada repercutiria sobre ela. Se
Projetos Romances
60
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Jade estivesse com problemas, sem pestanejar a teria entregue pelo dinheiro
mencionado.
-Nem todo mundo tem instinto maternal.
- Isso me ocorreu –guardou as emoções para que não interferissem
neste caso- Meena está trabalhando com o desenhista da polícia, e deu com um
que parecia uma das estrelas da produção que vimos ontem.
- Quem?
- A com a jaqueta vermelha de couro. Enviamos uma cópia a narcóticos
para começar. Requererá tempo.
- Não disponho de tempo.
Ela deixou o lápis e juntou as mãos. Prometeu que não voltaria a perder
a estrebeira.
- E ocorre algo melhor a fazer?
- Não –deu a volta e virou-se outra vez para olhá-la-. Alguma impressão
no carro usado para matar Billings?
- Limpo.
- A cobertura?
- Nenhuma. Alguns cabelos. Não nos ajudarão a localizá-los, mas serão
importantes para atar o caso no tribunal. O laboratório está trabalhando na
fita e na nota. Quem sabe tenhamos sorte.
- E em pessoas desaparecidas? Algum cadáver sem identificar no
depósito? Jade disse que acreditava que tinham matado uma das garotas.
- Não apareceu nada. Se mataram alguém que estava algum tempo na
rua, é improvável que denunciem seu desaparecimento. Verifiquei todas as
mortes suspeitas e sem identificar dos últimos três meses. Ninguém encaixa no
perfil.
- Um pouco de sorte nos abrigos para os moradores de rua?
-Ainda não –titubeou, depois decidiu que era melhor que falasse-. Há
algo que tenho que contar.
- Adiante.
- Temos algumas meninas bonitas e jovens. Boas policiais. Poderíamos
colocá-las incógnitas nas ruas e ver se recebem alguma oferta de cinema.
Colt pensou na idéia. Pensou que também isso requereria tempo. Mas ao
menos oferecia uma possibilidade.
- É uma missão delicada. Tem alguém que seja bastante boa para levála a cabo?
- Disse que sim. Eu faria …
- Não –a brusca negativa foi como um rugido.
Projetos Romances
61
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Disse –continuou ela sem pestanejar- eu faria , mas não posso passar
por uma adolescente. Ao que parece nosso produtor prefere meninas. O
colocarei a parte do que for decidido.
-De acordo. Pode me conseguir uma cópia da fita?
- Suas noites estão aborrecidas? –sorriu.
- Muito engraçado. Pode?
Meditou-o. Não se ajustava aos procedimentos oficiais, mas não podia
causar problemas.
- Falarei com o laboratório. Enquanto isso, vou interrogar o garçom de
Clancy. Aposto que foi ele quem deu o aviso ao grupo da Segunda Avenida. É
possível que consigamos algo.
- Irei com você.
- Eu vou com Sweeney –moveu a cabeça e sorriu-. Um enorme irlandês
num bar chamado Clancy. Pode encaixar.
- É um jogador de pôquer horrível.
- Sim, mas um encanto –o surpreendeu adotando um perfeito sotaque
irlandês.
- O que você acha se eu acompanhar de qualquer modo?
- O que você acha de esperar meu telefonema? –levantou e pôs uma
jaqueta azul marinho que tirou do respaldo da cadeira. Usava calça da mesma
cor e uma blusa mais clara, de seda. A pistoleira e a arma eram tão naturais
nela que poderiam ser acessórios de moda.
- Você vai me ligar.
- Disse que faria.
Colt apoiou as mãos nos ombros dela e encostou a testa na sua.
- Marleen me telefonou esta manhã. Não gosto de lhe dar falsas
esperanças, mas disse que estávamos chegando perto. Tive que fazer.
-O que sirva para tranqüilizá-la é o certo – não pôde evitar apoiar a
mão na face dele para dar-lhe calor, depois a deixou cair-. Agüente,
Nightshade. Reunimos muita informação em pouco tempo.
- Sim – afastou a cabeça e baixou as mãos pelos braços de Althea até
que seus dedos se entrelaçassem-. Deixarei você ir procurar o intimidador
irlandês. Mas, uma coisa mais –levantou as mãos de ambos para estudar o
contraste de textura, tom e tamanho-. Cedo ou tarde teremos que nos ocupar
de outras coisas.
- Então o faremos. Ainda que talvez você não goste do resultado.
Tomou-lhe o queixo com uma mão e deu um beijo intenso e a soltou
antes que ela pudesse fazer outra coisa que murmurar.
Projetos Romances
62
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Eu digo o mesmo. Tenha cuidado aí fora, tenente.
- Nasci cautelosa, Nightshade –saiu colocando a jaqueta.
Dez horas mais tarde, estacionou o carro na garagem de seu edifício e
se dirigiu ao elevador. Estava ansiosa para tomar um banho de água quente, uma
taça de vinho branco gelado e escutar um blues lentos.
Ao subir ao seu apartamento, apoiou-se na parede do elevador e fechou
os olhos. Não tinham conseguido grande coisa com o garçom, Leio Dorsetti. Os
subornos não tinham funcionado e também não as ameaças veladas. Althea não
duvidava de que tinha contatos com o círculo da pornografia. Nem que estava
preocupado com a possibilidade de acontecer o mesmo que a Wild Bill.
Chegou à conclusão de que precisava de algo mais do que algumas notas.
Tinha que descobrir algo no envelope de Leio Dorsetti, bastante sólido para
poder levá-lo à delegacia para interrogá-lo.
Quando o tivesse em seu terreno, estava convencida de que conseguiria
que ele soltasse a lingua.
Fez soar as chaves nas mãos ao sair do elevador e avançar pelo
corredor. Tinha chegado o momento de se dar um descanso, ao menos durante
uma ou duas horas. Impacientar-se em um caso geralmente só conduzia a
cometer erros.
Já tinha aberto a porta quando o alarme disparou em sua cabeça. Não
questionou o que o tinha ativado, simplesmente pegou a arma. Verificou os
cantos e por trás da porta.
Estudou a sala e notou que não tinha nada fora de lugar… a não ser o
disco de Bessie Smith nesse momento soava no aparelho de som. E o aroma. A
comida, levemente picante. Deu água na boca, ainda que sua mente
permanecesse alerta.
Girou ao captar um som procedente da cozinha.
Colt se deteve na porta enquanto limpava as mãos num pano. Sorrindo,
apoiou-se no balcão.
- Oi, querida. Teve um bom dia?
Projetos Romances
63
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Capítulo 6
Althea baixou a pistola. Não levantou a voz. As palavras que escolheu,
serenas e precisas, nublaram seus sentimentos com mais clareza do que um
disparo.
Quando terminou, Colt moveu a cabeça dominado pela admiração.
-Creio que jamais jogou pragas com mais estilo. E agora estaria
agradecido se guardasse essa pistola. Não é que acredite que você vá usá-la e
arriscar manchar o assoalho de sangue.
- Poderia valer a pena –guardou a arma, mas sem deixar de olhá-lo-.
Tem direito de permancer em silêncio… -começou.
Colt levantou as mãos e conteve uma gargalhada.
- O que vai fazer?
- Ler os seus direitos antes de prende-lo por entrar em minha casa.
Não duvidou de que o faria sem pestanejar.
-Há uma explicação.
-Tomara que seja boa –tirou a jaqueta e a apoiou no respaldo de uma
cadeira-. Como conseguiu entrar?
- Eu, e… Pela porta?
- Tem direito a um advogado – franziu os olhos.
Era evidente que com evasivas não a aplacaria.
- De acordo, forcei a fechadura –com as mãos fez o gesto de que se
rendia-. Ou é muito boa ou eu estou envelhecendo.
- Forçou a fechadura –assentiu, como se o tivesse esperado-. Usa um
arma escondida, uma nove milímetros…
- Bom olho, tenente.
- E uma faca que excede os limites legais –continuou-. Ao que parece
também leva um canivete.
-São úteis. Supus que você teve um dia duro e que merecia chegar em
casa para desfrutar de um jantar quente e vinho gelado. Também que se
irritaria um pouco em me encontrar aqui. Mas contei com o fato que me
perdoaria uma vez que tivesses provado meu lingüini.
“Talvez”, pensou ela, “se fecho os olhos durante um minuto, tudo
desapareça”. Mas, ao tentar, ele continuava ali, sorrindo.
- Seu lingüini?
Projetos Romances
64
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Lingüini com mariscos. Eu diria que era a receita de minha santa mãe,
mas em sua vida ela só cozinhou um ovo. Você quer uma taça de vinho?
- Claro. Por que diabos, não?
- Assim que se fala –entrou na cozinha. Decidindo que podia matá-lo
depois, Altea o seguiu. O cheiro era delicioso-. Você gosta de vinho branco –
anunciou enquanto servia duas taças, utilizando as melhores taças de cristal
dela-. É um estupendo vinho italiano, com corpo, que não estragará meu
molho. Atrevido, mas com classe. Vamos ver se agrada você.
Aceitou o vinho e deixou que ele brindasse a taça com a sua, bebeu
um gole. Era realmente delicioso.
- Quem demônios é você, Nightshade?
- A resposta as suas preces. Por que não vai à sala se sentar? Sei
que quer tirar os sapatos.
Ela fez, mas não tirou os sapatos ao sentar-se no sofá.
- Explique-se.
- Acabo de fazê-lo.
-Se não pode pagar um advogado…
- Deus, você é dura –suspirou e se sentou a seu lado-. De acordo,
tenho alguns razões. Uma, sei que tem estado dedicando muito tempo extra
a minha investigação…
- É meu…
- Trabalho? –concluiu por ela-. Talvez. Mas reconheço quando
alguém dá uns passos adicionais, desses que consomem o tempo pessoal, e
preparar o jantar era um modo de agradecer.
Althea pensou que também era um detalhe, ainda que não estava
disposta a dizer em voz alta.
- Podia ter mencionado a idéia.
-Segui um impulso. Nunca teve um?
-Não teste sua sorte, Nightshade.
- Bem. Voltando aos motivos, também está o fato de que não pude
tirar este assunto da cabeça durante mais de uns minutos. Cozinhar me
ajuda a recarregar. Não era provável que Maria me permitisse trabalhar em
sua cozinha, assim pensei em você –alongou a mão para enroscar uma mecha
de cabelo dela num dedo-. Penso muito em você. E por último, me desculpe,
mas queria passar uma noite contigo.
Começava a convencê-la. Althea queria acreditar que era pelo
delicioso cheiro que saía da cozinha. Mas não conseguiu.
Projetos Romances
65
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Então forçou a fechadura da minha casa para invadir minha
intimidade.
- O único lugar onde mexi foi nos armários da cozinha. Era uma
tentação –reconheceu- mas não fui mais longe.
- Não gosto de seus métodos, Nightshade –com o cenho franzido,
fez balançar o vinho na taça. - Mas acredito que vou gostar do seu lingüini.
Não gostou, quase a deixou louca. Era difícil guardar ressentimento
quando seu paladar tinha sido seduzido por completo. Alguns homens já
tinham cozinhado para ela, mas não recordava ter ficado jamais tão
enfeitiçada.
E ali estava Colt Nightshade, sem dúvida armado até os dentes
embaixo dos jeans velhos e a camisa de flanela, servindo-lhe massa à luz da
velas. “Não é que seja romântico”, pensou. Era inteligente demais para cair
em algo tão convencional. Mas era engraçado, e estranhamente doce.
Ao servir-se da segunda porção de lingüini, o pôs a par dos
progressos realizados. Esperavam ter os relatórios do laboratório em vinte
e quatro horas, o garçom de Clancy estava sendo vigiado e uma agente
incógnita se preparava para sair à rua.
Colt arquivou a informação em mente e compartilhou a sua. Aquela
tarde tinha falado com algumas das garotas que trabalhavam nas ruas. Pelo
seu encanto ou pelo dinheiro que tinha mudado de mãos, inteirou-se de que
faziam algumas semanas que não viam em seu lugar habitual uma garota que
respondia ao nome de Lacy.
- Encaixa no perfil –continuou, enchendo a taça de Althea-. Jovem e
pequena. As garotas me contaram que era morena, mas que gostava de usar
uma peruca loira.
- Tinha cafetão?
-Mmm. Trabalhava por sua conta. Passei pelo lugar que alugava –
partiu um pão de alho e deu metade a ela-. Falei com o encarregado… uma
simpatia. Como tinha deixado de pagar duas semanas, tinha pego as coisas
da casa. Empenhou o que tinha algum valor e tirou o resto.
-Me ocuparei de que todos no Narcóticos recebam sua descrição.
-Bem. Voltei a visitar alguns dos refúgios –prosseguiu-. Mostrei a
foto de Liz e os desenhos da polícia –franziu o cenho enquanto brincava com
a comida-Não consegui que ninguém os identificasse. De fato, custou-me
convencer às jovens de que olhassem os retratos. A maioria queria fazer-se
de dura, mas o que eu via em seus olhos era medo.
Projetos Romances
66
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Quando se convive com esse medo, tem que ser dura. Quase todas
procedem de lares destruídos pela droga, a bebida, abusos físicos e sexuais.
Ou caem nas drogas e já não sabem como sair delas –moveu os ombros-.
Seja como for, fugir parece o melhor caminho.
- Não era assim para Liz.
- Não –concordou. Decidiu que era hora de que descansassem desse
tema, ainda que fosse por alguns minutos-. sabe, Nightshade? Poderia
deixar de brincar de aventureiro e dedicar ao campo da advocacia. Faria
uma fortuna.
Colt compreendeu qual era sua intenção e decidiu seguir a corrente.
- Prefiro reuniões pequenas e íntimas.
- Bem –o olhou nos olhos e depois baixou a vista à taça de vinho- se
não foi sua santa mãe quem ensinou a preparar um lingüini de primeira, quem
o fez?
-Quando era pequeno tínhamos uma cozinheira irlandesa magnífica.
A senhora O’Malley.
- Uma cozinheira irlandesa ensinou a preparar comida italiana.
- Podia cozinhar o que quisesse, desde um refogado de cordeiro até
um frango ao vinho. “Colt, moço”, costumava dizer-me, “o melhor que pode
fazer um homem por si mesmo é aprender a alimentar-se bem. Depender de
uma mulher para que encha a barriga…” –a recordação lhe provocou um
sorriso-. Quando me metia em problemas, que era quase sempre, fazia-me
sentar na cozinha. Recebia discursos sobre como comportar-me e como
desossar um frango.
- Bonita combinação.
- O da conduta eu esqueci –caçoou-. Mas preparo um estupendo
frango recheado. E quando a senhora Ou’Malley se aposentou, faz uns dez
anos, minha mãe entrou numa profunda depressão.
- E contratou a outra cozinheira –sorriu acima da taça.
- Um sujeito francês com uma uma atitulde esnobe. Ela o adora.
- Um chef francês em Wyoming.
- Eu moro em Wyoming –disse-. Eles em Houston. Dessa maneira
convivemos melhor. Que me diz de sua família? É daqui?
- Não tenho família. O que aconteceu com seu título de advogado?
Por que não fez nada à respeito?
- Eu não disse isso –a estudou um momento. Tinha soltado a
resposta como se a queimasse. Era algo que teria que retomar-. Averiguei
Projetos Romances
67
Gritos Noturnos
Nora Roberts
que não me agradava passar horas em cima de livros de leis, tentado
enganar à justiça com formalismos.
- Assim ingressou nas Forças Aéreas.
- Era um bom método para aprender a voar.
- Mas não é piloto.
- Às vezes sim –sorriu-. Sinto, Thea, não me encaixo num lugar
estreita. Disponho de dinheiro suficiente para fazer o que me agradar
quando me agradar.
- E os militares não lhe agradaram? –não bastava com sua resposta.
- Durante um tempo, sim. Depois me fartei - encolheu os ombros e
se recostou na cadeira. A luz da vela brilhava em sua cara e em seus olhos-.
Aprendi algumas coisas. Igual que aprendi da senhora O’Malley, e do
primário, e de Harvard, e de um velho treinador de cavalos índio que
conheci em Tulsa há alguns anos. Nunca se sabe quando vai utilizar o que
aprendeu.
- Quem ensinou a abrir fechaduras?
- Não vai me jogar na cara, não é? –adiantou-se para afastar o
cabelo do rosto e servir mais vinho-. Aprendi no exército. Fazia parte no
que poderia chamar um destacamento especial.
- Operações clandestinas –traduziu ela. Não a surpreendia-. Por isso
grande parte da sua história é confidencial.
- Faz tempo, já teriam me dispensado. Mas sim são as coisas, não?
Aos burocratas os segredos tanto como a burocracia. O que fazia era
recolher informação, ou plantá-la, talvez desativar algumas situações
voláteis, ou agitá-las, dependendo das ordens –bebeu de novo-. Suponho que
poderíamos dizer que comecei a fazer favores às pessoas… só que essas
pessoas dirigiam o governo –sorriu-. Ou tentavam.
- O sistema não agrada você, não é?
-Me agrada o que funciona –durante um instante, seus olhos
perderam o brilho-. Vi muitas coisas que não funcionavam. Portanto… encolheu os ombros e a atmosfera escura se desvaneceu-. Abandonei o
serviço, comprei uns cavalos e vacas e brinquei de ser rancheiro. Parece que
os velhos hábitos demoram a desaparecer, porque agora volto a fazer
favores às pessoas. Salvo que primeiro têm que cair bem.
- Algumas pessoas diriam que vai custar decidir o que quer ser
quando crescer.
- É possível. Suponho que é o que venho fazendo. Que me diz de
você? Qual é a história que há por trás de Althea Grayson?
Projetos Romances
68
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Nenhuma que possa interessar a um produtor de cinema –
descontraída, apoiou os cotovelos na mesa-. Entrei diretamente na academia
ao cumprir os dezoito anos.
- Por que?
- Por que me tornei policial? –meditou a resposta-. Porque gosto do
sistema. Não é perfeito, mas se você trabalha nele, pode conseguir que algo
funcione. E a lei… aí afora há pessoas que desejam que funcione. Muitas
vidas que perdem nos resquícios que tem. Significa algo quando pode salvar
uma.
- Não posso questionar isso –sem pensar, apoiou a mão na dela-.
Sempre pude ver que Boyd estava destinado a fazer que a lei e a ordem
funcionassem. Até faz pouco, era o único policial que respeitava o suficiente
para confiar nele.
- Suponho que acaba de fazer um elogio.
- Não duvide. Vocês dois têm muito em comum. Uma visão clara, um
tipo de valor obstinado, uma compaixão irremovível –sorriu, brincando com
seus dedos -A menina que salvamos no telhado… também fui vê-la. Estava
encantada com a moça bonita de cabelo vermelho que deu uma boneca a ela.
- Realizei um procedimento. É meu trabalho…
- Tolices –satisfeito com a resposta dela, levantou a mão dela e a
beijou-. Não tinha nada que ver com o dever, e sim com o que você é. Ter um
lado sensível não diminui seu lado policial, Thea. Só faz você ser uma policial
amável.
Soube aonde conduziria isso, mas não afastou a mão.
- O fato de sentir fraqueza pelos meninos não faz que sinta por
você.
- Mas sente –sussurrou-. Chego até você –sem deixar de observá-la,
deslizou os lábios por seu pulso. Sua pulsação era firme, mas também
rápida-. E não penso em deixar de chegar até você.
- É possível –era inteligente demais para continuar negando o óbvio-.
Isso não significa que disso vá sair algo. Não durmo com todos os homens
que me atraem.
- Fico feliz em ouví-lo. Mas vai fazer muito mais do que dormir
comigo –riu entre dentes e beijou outra vez a mão-. Deus, encanta-me
quando fica com essa expressão. Me deixa louco. O que ia dizer era que,
quando chegarmos à cama, dormir não vai ser a maior prioridade. Assim o
melhor será que descansemos um pouco até então –se levantou e a levou
consigo. –Me dê um beijo de boa noite, e deixarei você descansar agora –a
Projetos Romances
69
Gritos Noturnos
Nora Roberts
surpresa que viu em seus olhos lhe provocou outro sorriso. Esperaria até
mais tarde para se dar uma palmada nas costas pela estratégia escolhida-.
Pensou que tinha preparado o jantar e feito companhia como desculpa para
seduzir você –suspirou e moveu a cabeça-. Althea, estou magoado. Quase
destroçado.
Ela riu e manteve a mão na sua.
-Sabe, Nightshade? As vezes quasegosto de você. Quase.
- Vê? Falta pouco para estar louca por mim –a abraçou e o
retraimento que sentiu nas entranhas contradisse o tom leve que empregou. Se tivesse me pedido para preparar uma sobremesa, estaria suplicando.
- Você perdeu –burlou-. Todo mundo sabe que palha italina acaba
comigo.
- Não esquecerei – deu um beijo ligeiro e a observou sorrir. E o
coração deu um salto-. Deve existir alguma confeitaria italiana por aqui.
- Não. Perdeu sua oportunidade –apoiou o tronco no peito dele,
dizendo a si mesma que deveria manda-lo embora, enquanto ainda podia
sentir as pernas- Obrigada pela massa.
- Claro –mas seguiu olhando-a, concentrado nela, como se quisesse
ver além da pele de marfim, dos ossos delicados. Compreendeu que passava
algo. Algo interno que não terminava de entender-. Tem algo nos olhos.
- O que? – os nervos de Althea dançavam.
-Não sei –falou devagar, como se medisse cada palavra-. As vezes
quase posso vê-lo. Então, impulsiona-me a perguntar onde tem estado.
Aonde vamos.
Teve que respirar fundo para arejar os pulmões.
- Você ia pra casa.
- Sim. Num minuto. É muito fácil dizer que é linda –murmurou, como
se falasse consigo mesmo-. Ouvir constantemente é muito superficial para
que possa afetar você. Há algo mais aí. Algo que não consigo discernir –sem
deixar de procurar em seus olhos, acercou-a ainda mais-. O que há em você,
Althea? O que há que não consigo descobrir?
- Nada. Está acostumado demais a procurar sombras.
- Não, você tem –devagar, subiu a mão até sua bochecha-. E o que
tenho eu é um problema.
- Qual?
- Provarei com isto.
Baixou a boca para beijar-lhe os lábios e todos os músculos do
corpo de Althea se derretiam aos poucos. Não foi um beijo exigente nem
Projetos Romances
70
Gritos Noturnos
Nora Roberts
urgente. Mas teve um resultado devastador. Aprofundou-o e a bombardeou
com emoções para as quais ela não tinha defesa. Os sentimentos dele se
liberaram e a encheram, rodeando-a.
“Não há escapatória”, pensou ela e ouviu seu próprio som abafado
de desespero e aceitação. Colt tinha aberto uma brecha numa defesa que
Althea tinha dado por sentada e que nunca mais poderia levantar.
Poderia repetir uma e outra vez que não ia apaixonar-se, que não
podia apaixonar-se por um homem que mal conhecia. Mas seu coração já ria
da idéia.
Sentiu-a ceder… não de tudo, pior sim entregar outra parte de seu
ser. Ali tinha bem mais do que paixão; e também uma espécie de
descoberta. Para Colt foi uma revelação descobrir que uma mulher, essa
mulher, podia aturdir a sua mente, abrir-lhe o coração e deixá-lo desvalido.
- Começo a perder terreiro –manteve a mão no ombro de Althea ao
separar-se -. E depressa.
- É demais –foi uma resposta pobre, mas a melhor do que pôde dar.
- Diz isso para mim? –os ombros dela voltavam a ficar tensos. Impulsionou-o
a separar-se-. Nunca tinha sentido isto antes. E não é um truque – disse
quando ela girou.
- Eu sei. Tomara que fosse –agarrou o respaldo da cadeira onde
pendurava a cartucheira. “um símbolo do dever”, pensou. “do controle. O que
me conformou”-. Colt, creio que ambos estamos nos metendo mais fundo do
que talvez nos agrade.
- Talvez já nos cansamos de sempre drenar água.
- Não permito que os assuntos pessoais interfiram em meu trabalho –
com temor teve que reconhecer que estava pronta, inclusive disposta e
ansiosa, para afundar-se-. Se não somos capazes de manter isto sob
controle, deveria pensar em trabalhar com outra pessoa.
- Nos damos bem juntos –disse com os dentes apertados-. Não ponha
desculpas falsas porque não quer reconhecer o que acontece entre nós.
- É o melhor do que tenho –as juntas estavam alvas de agarrar a
cadeira-. E não se trata de uma desculpa, só de um motivo. Quer que diga
que me assusta. De acordo. Me assusta. Isto me assusta. E não creio que vá
querer uma parceira que não seja capaz de se concentrar porque você a
deixa nervosa.
- Talvez esteja mais contente com essa parceira que com a que se
concentra tanto que custa reconhecer se é humana –não ia permitir que
esse momento escapasse-. Não me diga que não é capaz de trabalhar em
Projetos Romances
71
Gritos Noturnos
Nora Roberts
dois níveis, Thea, ou que não pode funcionar como policial quando tem um
problema em sua vida pessoal.
- Talvez não queira trabalhar com você.
-É uma pena, mas não há volta. Se quer nos frear, tentarei com prazer.
Mas não vai deixar de Liz porque teme permitir-se sentir algo por mim.
- Penso em Liz e no melhor para ela.
- Como diabos vai saber? –estourou e se mostrava irracional. Estava a
ponto de apaixonar-se por uma mulher que não o queria em nenhum âmbito
de sua vida. Estava desesperado por encontrar uma jovem assustada, e a
pessoa que o tinha ajudado a avançar para seu objetivo ameaçava em deixálo-.Como diabos vai saber algo sobre ela ou outra pessoa? Está tão dominada
pelas regras e os procedimentos que não é capaz de sentir, não, não é que
não seja capaz, não quer. Arriscaria sua vida, mas um contato com a emoção
e em seguida alça um escudo. Tudo tem de ser muito medido para você,
verdade, Thea? Aí afora há uma menina assustada, mas para você só é um
caso a mais, simplesmente outro trabalho.
- Não se atreva a dizer o que eu sinto –seu controle se quebrou ao
apartar a cadeira, que caiu com estrépito ao solo entre os dois-. Ou se
atreva a dizer o que entendo. É impossível que saiba o que passa por meu
interior. Você acredita que conhece Liz ou qualquer uma das garotas como
as que falou hoje? Por ter entrado nuns refúgios e albergues acredita que
entende?
Os olhos dela cintilaram com uma ira tão aguda que não pôde fazer
outra coisa que deixar que o cortasse.
- Sei que há muitas jovens que precisam de ajuda, que nem sempre a
encontram.
-Oh, isso parece tão fácil –se pôs a caminhar pela sala e dar uma
estranha exibição de movimento inútil-. Preenche um cheque, paga uma
fatura, pronuncia um discurso. Conta tão pouco esforço. Não tem nem idéia
do é estar sozinha, ter medo ou se ver presa nessa máquina trituradora à
que arrojamos aos jovens deslocados. Eu passei quase toda minha vida nessa
maquinaria, assim não me diga que não sinto. Sei o que é almejar escapar, a
ponto de correr ainda sem ter aonde ir. E sei o que é que desevolvem ali, e
você fica impotente, abusam e a fazem sentir-se presa e miserável. Entendo
muito bem. E sei que Liz tem uma família que a quer, à que a devolveremos.
Sem importar o que passe, a devolveremos e não ficará presa nesse ciclo.
Assim não me diga que se trata de outro caso, porque me importo com ela.
Todos importam –calou e passou uma mão trêmula pelo cabelo. Nesse
Projetos Romances
72
Gritos Noturnos
Nora Roberts
momento não sabia que era maior, se a vergonha ou a fúria que sentia-.
Agora gostaria que fosse embora –sussurrou-. Para valer.
- Sinto muito –quando ela não respondeu, aproximou-se e a obrigou a
sentar-se numa cadeira-. Sinto. É um recorde para mim desculpar-me duas
vezes num dia com a mesma pessoa –quis afastar seu cabelo do rosto, mas
se conteve-. Quer um pouco de água?
- Não. Só quero que você váembora.
- Não posso –se sentou no banquinho diante dela para que seus olhos
ficassem no mesmo nível-. Althea...
Ela se jogou para trás com os olhos fechados. Sentia como se tivesse
subido ao cume de uma montanha para atirar-se ao vazio.
- Nightshade, não estou com humor para contar a história da minha
vida, de maneira que, se espera isso, já sabe onde está a porta.
- Isso pode esperar –correu o risco de tomar-lhe a mão. Notou que
estava firme, mas fria- Vamos tentar outra coisa. O que temos aqui são dois
problemas diferentes. Encontrar a Liz é o número um. É uma menina
inocente, uma vítima, que precisa de ajuda. Poderia encontrá-la só, mas
demoraria tempo. E cada dia que passa… bom, já se passaram muitos dias.
Preciso que trabalhe comigo, porque você conseguirá passar pelos canais que
eu demoraria o dobro em rodear. E porque confio que dedique tudo o que
tem para localizá-la e levá-la para casa.
- De acordo –manteve os olhos fechados, concentrada para que
desaparecesse a tensão-. A encontraremos. Se não amanhã, ao dia seguinte.
Mas a encontraremos.
- Segundo problema –contemplou suas mãos-. Creio… ah, como para mim
representa um campo novo, gostaria de indicar que só se trata de uma
opinião…
- Nightshade –abriu os olhos e neles dançou o fantasma de um sorriso-.
Juro que fala como um advogado.
- Não creio que deva xingar um homem que vai dizer que está quase
convencido de que te ama –se moveu incômodo. Ela se sobressaltou. Teria
apostado o rancho que, se tivesse sacado uma arma, Althea não teria
piscado. Mas a menção do amor a fazia dar um bote-. Não tema –continuou-.
Disse “quase”. Isso nos deixa uma margem de segurança.
-A mim dá a impressão de que é um campo minado –o medo a pôs a
tremer outra vez, soltou sua mão-. Nestas circunstâncias, creio que seria
inteligente enterrar o tema por enquanto.
Projetos Romances
73
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- E agora quem fala como um advogado? –sorriu-. Querida, isso provoca
pânico? Pensa no que faz a mim. Só entrei nesse assunto porque espero que
isso facilite o que estamos encarando. Pelo que sei, bem pode ser a gripe ou
algo parecido.
- Seria estupendo –conteve um riso, aterrorizada de que parecesse
embriagada-. Descanse e beba muito líquido.
-Tentarei –se adiantou-. Mas se não é a gripe, ou algum outro vírus, vou
fazer algo à respeito. O que seja pode esperar até que tenhamos
solucionado o primeiro problema. Até então, não entrarei mais no tema do
amor, nem todas a coisas que pelo geral implica, já sabe… o casamento, a
família e uma casa com garagem para dois carros –pela primeira vez desde
que a conhecia, viu-a totalmente desconcertada. Tinha os olhos muito
abertos e a boca frouxa. Juraria que, se tocasse seu ombro, teria caído
como uma árvore jovem açoitado por uma tormenta-. Imagino que é o melhor
já que falar disso em sentido abstrato parece ter posto você em coma.
- Eu… -conseguiu fechar a boca, engolir saliva e depois falar-. Creio que
perdeu a cabeça.
- Eu também –só Deus sabia por que se sentia tão contente-. Assim
que, pelo momento, concentremo-nos em encontrar os vilões. Certo?
- E se aceito, vai deixar o outro tema de lado?
- Está disposta a aceitar minha palavra? –esboçou um sorriso lento.
- Não –se ergueu e lhe devolveu o sorriso-. Mas estou disposta a
apostar que serei capaz de desvirar qualquer coisa que me lance.
- Aceito a aposta –estendeu uma mão-. Colega – as estreitaram com
gesto solene-. E agora, Por que não…?
O telefone interrompeu o que Althea estava certa de que seria uma
sugestão pouco profissional. Passou junto a Colt e pegou o telefone na
extensão da cozinha.
Isso lhe deu um momento para refletir sobre o que tinha iniciado. Para
sorrir. Para pensar em como lhe agradaria terminá-lo. Antes de poder
concluir a fantasia, ela voltava a seu lado. Levantou a cadeira caída e
recolheu a pistoleira.
- Você lembra de nosso amigo, Leio, o garçom? Acabamos de prendê-lo
por vender coca no bar –enquanto colocava a pistoleira, seu rosto recuperou
a expressão combativa-. Vão levá-lo a delegacia para interrogá-lo.
- Vamos.
- Se Boyd autorizar –soltou enquanto se conteve em vestir a jaqueta-,
poderá observar por trás do vidro, nada mais.
Projetos Romances
74
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Deixa que eu esteja presente. Manterei a boca fechada.
- Não me faça rir –pegou a bolsa no caminho da porta -. Aceita ou
deixo-o… parceiro.
- Eu aceitarei –amaldiçoou e o fechou com força a porta.
Capítulo 7
A frustração inicial de Colt ao se ver obrigado a permanecer por trás de
um vidro desapareceu ao ver trabalhar Althea. Seu interrogatório paciente e
minucioso tinha estilo. Em nenhum momento permitiu que Leio a distraísse,
jamais mostrou reação alguma ao sarcasmo do outro e jamais, nem sequer
quando Leio recorreu a uma linguagem abusiva e a ameaças veladas, levantou a
voz.
Recordou que jogava pôquer da mesma maneira. Com frieza,
metodicamente, sem revelar emoção alguma até o momento de recolher os
ganhos. Mas Colt começava a poder ver essa mulher que tinha por trás da
fachada altiva.
Certamente, havia surpreendido muitas e várias emoções na tenente
contida. Paixão, ira, simpatia, inclusive aturdimento mudo. Tinha a sensação de
que só tinha remexido na superfície. Pensava seguir escavando até desenterrar
todas suas emoções.
-Uma noite longa –Boyd apareceu a suas costas com duas xícaras de café.
- Já tive piores –aceitou a xícara e bebeu um pouco-. Está forte. Poderia
dançar tango com minha sombra –fez uma careta e bebeu um pouco mais-. O
capitão presencia geralmente um interrogatório rotineiro?
- O capitão o faz quando tem um interesse pessoal –Fletcher observou um
momento Althea-. Está conseguindo algo?
Com certo esforço, Colt conteve o impulso de golpear o vidro para
demonstrar que podia participar.
- Leio segue escaspulindo.
- Se cansará muito antes que ela.
- Eu mesmo já cheguei a esta conclusão –ambos guardaram silêncio
enquanto Leio soltava um insulto desagradável e Althea respondia perguntandolhe se queria repetí-lo para que ficasse registrado em sua declaração-. Thea
nem se intimida –comentou Colt-. Fletch, já viu alguma vez um gato esperar um
rato? –olhou um segundo para Boyd, depois fincou a vista no vidro-. Fica
impertubável, talvez durante horas. E dentro do buraco o rato começa a ficar
Projetos Romances
75
Gritos Noturnos
Nora Roberts
louco. Pode cheirá-lo, ver os olhos que o estudam. Passado um tempo, os
circuitos do cérebro do rato entram em curto-circuito e tenta escapar. Então o
gato move uma pata e tudo termina. Pois aí temos uma gata magnífica –com a
cabeça indicou o vidro e bebeu outro gole de café.
- Chegou a conhecê-la muito bem em tão pouco tempo.
- Oh, ainda me falta muito por descobrir. Tem tantas coberturas –
murmurou para si mesmo-. Não posso dizer que alguma vez tenha conhecido
uma mulher que me tivesse deixado tão interessado em tirar essas coberturas
tanto quanto as roupa.
- Sabe? –comentou Boyd, com a cautela que empregaria um homem cego
em avançar por um labirinto.- Thea é especial. Pode manejar praticamente tudo
o que lhe apareça por diante.
- E o faz –adicionou Colt.
- Sim. Mas isso não quer dizer que não seja vulnerável. Não gostaria que a
ferissem. Não gostaria de maneira nenhuma.
- Uma advertência? –levemente surpreso, Colt arqueou uma sobrancelha-.
Soa como aquela que me deu sobre sua irmã Natalie há um milhão de anos.
- É o mesmo. Thea é como da família.
- E acha que poderia magoá-la.
Boyd suspirou. Não sentia prazer com essa conversa.
- Digo que, se o fizesse, teria que arrancar varios órgãos vitais seus.
Lamentaria, mas teria que fazer.
- Quem ganhou a última briga que tivemos?
- Creio que foi um empate –apesar da incomodidade, Boyd sorriu.
- Sim, assim eu me recordo. E também foi por uma mulher, verdade?
- Cheryl Anne Madigan –o suspiro de Boyd foi nostálgico nessa ocasião.
- Uma loira pequena?
- Não, uma morena alta. Com uns enormes olhos azuis.
- Sim –Colt riu e moveu a cabeça-. Pergunto-me que terá acontecido à
bonita Cheryl Anne.
Guardaram um silêncio ameno por um momento, recordando. Através dos
alto-falantes, podiam ouvir o interrogatório implacável de Althea.
- Não gostaria de feri-la –sussurrou Colt-, mas não posso prometer que
não vá acontecer. Fletch, a questão é que pela primeira vez me encontrei com
uma mulher que me importo o suficiente, e que também possa me ferir –bebeu
outro gole de café-. Acredito que estou apaixonado por ela.
Projetos Romances
76
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Boyd se engasgou e se viu obrigado a deixar a xícara antes de verter o
conteúdo sobre sua camisa. Aguardou um instante e se levou uma mão ao
ouvido, como se quisesse limpa-lo.
- Quer repetir? Acredito que não escutei direito.
- Me ouviu –pensou que era típico de um amigo humilhá-lo num momento
vulnerável-. Quando disse à ela, recebi a mesma reação.
- Você disse a ela? –tentou esforçar-se em prestar atenção ao
interrogatório enquanto assimilava essa informação nova e fascinante-. E ela o
que respondeu?
-Pouca coisa.
A frustração na voz de Colt divertiu tanto a Boyd, que teve que se morder
a língua para não sorrir.
- Bom, ao menos não riu na sua cara.
- A ela não pareceu tão engraçado –suspirou e desejou que a seu amigo
tivesse colocado um trago de brandy no café-. Ficou sentada, ficando cada vez
mais pálida, quase boquiaberta.
- É um bom sinal –lhe deu uma palmada no ombro-. Custa muito
desconcertá-la dessa maneira.
- Pensei que o melhor era dizer, já que isso nos daria aos dois tempo para
decidir que fazer ao respeito. Ainda que já esteja bastante claro o que vou
fazer.
- E que é?
- Bem, a não ser que acorde uma destas manhãs para descobrir que tive
um ataque, vou casar com ela.
- Casar com ela? –Boyd riu entre dentes-. Thea e você? Deus, espere até
eu contar a Cilla –o olhar assassino que Colt lançou só serviu para ampliar seu
sorriso.
- Não sei como agradecer o apoio oferecido, Fletch.
Boyd conteve outra risada, ainda que não conseguisse o mesmo com o
sorriso.
- Oh, mas o tem amigo. Todo. O que passa é que jamais pensei que
utilizaria a palavra casamento na mesma frase com Colt Nightshade ou Althea
Grayson. Creia-me, tem todas as minhas simpatias.
Projetos Romances
77
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Na sala de interrogatório, Althea continuou com o desgaste de sua presa.
Percebia medo, o que empregou de forma cruel.
- Sabe, Leio? Um pouco de cooperação ajudaria muito.
- Claro, tanto como ajudou a Wild Bill.
- Apesar de me aborrecer oferecê-la –Althea inclinou a cabeça-, teria
proteção.
- Claro –soltou uma baforada de fumaça-. Acredita que quero os policiais
vigiando minha bunda vinte e quatro horas por dia? Acha que funcionaria?
- Talvez não –utilizou o desinteresse como outra ferramenta, reduzindo o
ritmo da entrevista até que Leio começou a retorcer-se na cadeira-. Mas se
não cooperar, não disporá de nenhum escudo. Sairá daqui nu, Leio.
- Me arriscarei.
- Perfeito. Você terá uma fiança por tráfico de droga… provavelmente
possa evitar passar um tempo no cárcere. Mas é peculiar como se corre os
boatos pela rua, não acha? –deixou que assimilasse bem suas palavras-. As
partes interessadas saberão onde esteve, Leio. E, quando sair, não estarão
muito certos do você terá contado.
- Não contei nada. Não sei nada.
- É uma pena, porque talvez essa ignorância funcione contra você. Verá,
estamos aproximando, e essas mesmas partes interessadas poderão se
perguntar se você nos ajudou –com indiferença abriu uma pasta e revelou os
desenhos da polícia-. Se perguntarão se foi você quem me deu as descrições
dos suspeitos.
- Não disse nada –ao observar os desenhos a testa dele encheu de suor-.
Nunca antes vi esses sujeitos.
- Bem, talvez seja verdade. Mas, se surgisse o tema, terei que dizer que
falei com você. Muito tempo. E que disponho de desenhos detalhados dos
suspeitos. Sabe, Leio? –adicionou, inclinando-se para ele- algumas pessoas
somam dois mais dois e obtêm cinco. Acontece o tempo todo.
- Isso não é legal –umedeceu os lábios-. É chantagem.
- Não fira meus sentimentos. Quer ser sua amiga, Leio –empurrou os
desenhos para ele-. Tudo é uma questão de atitude, e saber se me importa ou
não que ao sair daqui termine achatado na calçada. Francamente, neste
momento não me importo –sorriu, gelando-lhe o sangue-. Agora bem, se fosse
meu amigo, faria tudo o que estivesse a meu alcance para que levasse uma vida
longa e feliz. Talvez não em Denver, talvez em outro lugar. Mas uma mudança
de palco pode fazer milagres. Mudança de nome, mudança de vida.
- Fala do programa de proteção de testemunhas? –perguntou com titubeio.
Projetos Romances
78
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Poderia ser. Mas se for solicitar algo tão importante, tenho que obter
resultados –ao vê-lo vacilar de novo, suspirou-. Será melhor que escolha de que
lado está amigo. Lembra de Wild Bill? A única coisa que fez foi encontrar-se
com um sujeito. Talvez não fizessem mais do que falar das possibilidades que
tinham os Broncos de ganhar a Superbowl. Mas ninguém lhe brindou o benefício
da dúvida. Simplesmente o mataram.
O medo o dominou outra vez em forma de suor pelas têmporas.
- Quero imunidade. E que retirem as acusações de tráfico de droga.
- Leio, Leio… -Althea moveu a cabeça-. Um homem pronto como você sabe
como funciona a vida. Me dê algo, e se for bom, eu dou algo pela mudança. É o
estilo americano.
- É possível que tenha visto estes dois antes – umedeceu de novo os lábios
e acendeu outro cigarro.
-Estes dois? –apoiou um dedo sobre os desenhos, e depois, como uma gata,
saltou-. Fala-me deles.
Quando terminou eram as duas da manhã. Tinha interrogado Leio,
escutado sua história longa e confusa, tomando notas, tinha-o feito
retroceder, repetir, explorar. Depois chamou a digitadora da polícia e fez que
Leio repetisse toda a história, realizando uma declaração oficial.
Se movia de energia quando regressou a seu escritório. Já dispunha de
nomes que passar pelo computador. Tinha fios… finos, talvez, mas fios que
uniam uma organização.
Grande parte do que Leio tinha contado era especulação e rumores. Mas
Althea sabia que com algumas provas podia iniciar uma investigação.
Tirou a jaqueta, sentou-se diante a escrivaninha e acendeu o terminal de
seu computador. Estudava a tela quando Colt entrou e pôs uma xícara sob o
nariz.
- Obrigado –bebeu, fez uma careta e o olhou-. O que é isto?
- Chá de ervas –informou-. Já bebeu café suficiente.
- Nightshade, não vai estragar nossa relação pensando que tem que cuidar
de mim, não é? –deixou a xícara de um lado e se concentrou outra vez no
monitor.
- Está agitada, tenente.
- Sei quanto posso tomar antes de que se sobrecarregue o sistema. Não é
você quem não deixa de repetir que a única coisa que nos falta é tempo?
- Sim –se situou por trás da cadeira que ela ocupava, baixou as mãos sobre
seus ombros e começou a massagear-. Fez um trabalho magnífico com Leio –
Projetos Romances
79
Gritos Noturnos
Nora Roberts
disse antes de que pudesse afastar aos mãos dele-. Se algum dia decidir
retomar a prática da advocacia, odiaria que interrogasse um de meus clientes.
Os dedos de Colt eram mágicos, relaxando sem debilitar, mitigando sem
amaciar,
- Não consegui tudo o que queria, mas acredito que era tudo que ele tinha.
- Leio é insignificante –conveio Colt-. Passa um pouco dos negócio aos
peixes gordos e leva uma comissão.
- Não conhece o chefão. Estou convicta de que não mentia ao negá-lo. Mas
identificou os dois sujeiros que descreveu Meena. Lembra do homem da
câmara, do que nos falou… o afroamericano grande? Olhe –assinalou a tela-.
Matthew Dean Scout, apelido Dean Milhar, apelido Wave Dean. Jogou ao
futebol semiprofissional faz uns dez anos. Lavrou-se um nome sendo
desnecessariamente duro. Quebrou a perna de um adversário no jogo.
- Essas coisas passam.
- Depois da partida.
- Ah. que mais temos dele?
- Direi que mais tenho dele –indicou, ainda que não pôde resistir a
facilitar-lhe a massagem-. Foi despedido por romper as regras da equipe… ao
levar uma mulher em seu quarto.
- Os garotos são assim.
- Essa mulher em particular estava atada e gritando desesperadamente.
Reduziram as acusações de violação a agressão, mas seus dias como jogador de
futebol terminaram. Depois daquilo, foi acusado de agressão, exibicionismo,
embriagues e roubos menores, aparte de conduta imoral –apertou outra tecla-.
Isso foi faz uns quatro anos. A partir de então, nada.
- Acredita então, que começou uma nova etapa de sua vida? Que se
converteu num pilar da comunidade?
- Claro, assim como os homens lêem as revistas de mulheres nuas por seus
artigos eruditos.
- Isso é o que me motiva –sorriu e se agachou para dar-lhe um beijo na
cabeça.
- Aposto que sim. Temos uma história similar no suspeito número dois –
continuou-. Harry Kline, um ator fajuto de Nova York, cujos delitos figuram
conduta violenta em estado de embriaguez, posse de drogas e agressão sexual.
Entrou na indústria pornográfica faz uns oito anos e, ainda que custe acreditar,
foi despedido de vários filmes por comportamento violento e errático. Mudouse para o oeste, atuou em vários filmes na Califórnia e depois foi preso por
estuprar um de seus amigos da filmagem. Devido ao trabalho que realizava, a
Projetos Romances
80
Gritos Noturnos
Nora Roberts
defesa conseguiu que retirassem os cargos. A única justiça para a vítima foi
que a carreira de Harry se acabou, para o cinema. Ninguém minimamente legal
quis contratá-lo. Isso foi há cinco anos. Desde então, seu histórico está em
branco.
- Uma vez mais, poderia crer que nossos amigos se converteram em
cidadãos exemplares ou morreram enquanto dormiam.
- Ou encontraram um buraco pra esconderem-se. Leio afirma que foi Kline
quem seaproximou há dois ou três anos. Queria mulheres, mulheres jovens
interessadas em participar de filmes particulares. Citando a liberdade de
empresa, Leio as conseguiu e recebeu sua comissão. O número de telefone que
lhe deram para por em contato com Kline está fora de serviço. Conferirei com
a empresa telefônica para ver se era da cobertura ou de outra casa.
- Nunca viu o outro homem, esse que segundo Meena permaneceu no canto
do quarto?
- Não. Seus únicos contatos eram Kline e Scout. Ao que parece este se
apresentava nesse bar para tomar umas e alardear como era bom manejando
uma câmera e do dinheiro que ganhava.
- E sobre as garotas – sussurrou Colt. Os dedos que massagearam os
ombros de Althea se puseram rígidos-. De como seus amigos e ele dispunham…
Como o expôs? Do melhor da ninhada?
- Não pense nisso –instintivamente ergueu uma mão para tomar na sua-.
Não, Colt. Se fizer isso não poderá manter-se frio. Avançamos muito para
encontrá-la. Deve concentrar nisso.
- Eu faço –se voltou e se dirigiu para a outra parede-. Também me
concentro no fato de que se descubro que um desses dois canalhas tocou em
Liz, vou matá-lo –se voltou com o olhar centrado-. Você não me deterá, Thea.
- Sim, eu farei –se levantou para aproximar-se e lhe tomar as duas mãos-.
Porque entendo muito que quer matá-los. E se o fizer, não mudará o acontecido.
Não ajudará Liz. Mas cruzaremos essa ponte depois que a encontremos –
apertou as mãos-. Não se comporte agora como um renegado comigo,
Nightshade. Não quando começo a gostar de trabalhar com você.
Colt se permitiu olhá-la. Ainda que tivesse olheiras e as faces pálidas pela
fadiga, podia sentir a energia que vibrava através dela. Estava-lhe oferecendo
algo. Compaixão… com restrições, com certeza. E esperança, sem nenhum
limite. A ferocidade de sua fúria se transformou na necessidade humana do
calor do contato.
-Althea… -relaxou as mãos-. Deixa que eu abrace você –a viu titubear, com
as sobrancelhas arqueadas pela surpresa. O só pôde sorrir-. Sabe? Começo a
Projetos Romances
81
Gritos Noturnos
Nora Roberts
entender você bastante bem. Se preocupa com a imagem profissional ao estar
colada a um homem em seu escritório –suspirou e lhe acariciou o cabelo-.
Tenente, são quase três da manhã. Não há ninguém que possa ver-nos. E
realmente preciso de um abraço.
Uma vez mais, Althea deixou que o instinto prevalecesse e se jogou em
seus braços. Cada vez que ficava dessa maneira, encaixavam-se com perfeição.
E cada vez ficava mais fácil admiti-lo.
- Se sente melhor? –perguntou, e sentiu que Colt assentia sobre seu
cabelo.
- Sim. Sabia algo sobre Lacy, a garota que está desaparecida?
- Não –sem pensar, acariciou-lhe as costas, afrouxando-lhe os músculos
tensos como ele tinha afrouxado os seus-. E quando mencionei a possibilidade
do assassinato, mostrou-se sinceramente emocionado. Não fingiu. Por isso
estou convicta de que nos proporcionou tudo o que sabia.
- A casa nas montanhas – Colt fechou os olhos-. Não pôde dar-nos muito.
- Ao oeste ou talvez ao norte de Boulder, perto de um lago –encolheu os
ombros-. É algo melhor do que tínhamos antes. A encontraremos, Colt.
- Sinto como se não conseguisse encaixar todas as peças.
- Estamos unindo todas as peças das que dispomos –lhe disse-. E se sente
assim pelo cansaço. Vá para casa –se afastou para poder olhá-lo-. Vá dormir um
pouco. Começaremos de novo pela manhã.
- Preferiria ir pra casa com você.
- Nunca se rende? –divertida, exasperada, moveu a cabeça.
- Não disse que espero isso, só que preferiria –lhe emoldurou o rosto
entre as mãos e acariciou as sobrancelhas com os polegares, depois as
têmporas-. Quero passar mais tempo com você, Althea. Tempo que nenhum de
nós dois tenha tantas coisas na cabeça. Para descobrir o que tem que fazer
para começar a pensar em algo permanente, a longo prazo.
- Não comece, Nightshade –cautelosa, separou-se de seus braços.
- Isso sim deixa você nervosa –sorriu, descontraído-. Jamais conheci
alguém tão assustado ante a idéia do casamento… salvo eu mesmo. Pergunto-me
porque… e se deveria averiguar as causas e depois colocar um anel em seu dedo.
Ou… -se aproximou, encostando-a contra a mesa- … se deveria tomar as coisas
com calma e tranqüilidade, até conseguir que diga “Sim, quero”, sem que tivesse
dado conta.
- Em ambos os casos, está sendo ridículo –tinha um nód na garganta. Soube
que era pelos nervos e não gostou. Fingindo indiferença, pegou a xícara de chá
e bebeu um pouco. - É tarde –anunciou-. Vá. Eu pedirei um carro e irei pra casa.
Projetos Romances
82
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Levarei você – tomou o queixo na mão e esperou até que o olhou aos
olhos-. E falo em sério, Thea. Mas tem razão… é tarde. E estou em dívida
contigo.
- Você não… -a negativa terminou num gemido quando a boca de Colt cobriu
a sua. O beijo transmitiu frustração, uma necessidade desesperada e mal
contida. E o que mais custou resistir: a doçura do afeto, como um bálsamo
sobre o ardor palpitante-. Colt…-inclusive ao murmurar seu nome, soube que
estava perdendo. Já tinha levantado os braços para rodeá-lo, para aceitar e
exigir.
O corpo a traiu. Ou que foi o coração? Já não sabia distinguí-los, pois as
necessidades de um se confundiam com as necessidades do outro. Fincou os
dedos nos ombros enquanto lutava pra recuperar o equilíbrio. Depois se
afrouxaram ao permitir-se um momento de loucura.
Foi Colt quem se retirou… por si mesmo e por ela. Althea tinha se
convertido em algo mais importante do que a satisfação do momento.
- Estou em dívida com você –repetiu, olhando-a nos olhos-. Se não fosse
assim, esta noite não permitiria que você fosse. Não acredito que conseguiria.
Levarei você para casa – pegou a jaqueta dela e a ofereceu-. Depois o mais
provável é que passe o resto da noite perguntando-me como teria sido se
tivesse fechado a porta e deixado que a natureza continuasse com seu curso.
Aturdida, passou a jaqueta pelos ombros antes de ir para a porta. Mas não
pensava deixar que ele levasse vantagem. Deteve-se e sorriu acima do ombro.
- Eu direi como se sentiria, Nightshade. Não se pareceria com nada do que
tenha experimentado. E quando estiver preparada, se algum dia estiver,
demonstrarei.
Emocionado pelo impacto desse sorriso sedutor, observou-a sair. Suspirou
e levou uma mão à boca do estômago. “santo céu”, pensou, “esta mulher é para
mim”. E assim ia demonstrar.
Com quatro horas de sono, duas xícaras de café só e uma pastilha no
estômago, Althea estava pronta para continuar o trabalho. As nove da manhã já
estava no escritório chamando a companhia telefônica com uma petição oficial
para que comprovasse o número que Leio tinha dado. Às nove e meia, tinha
conseguido um nome e uma direção e a informação de que o cliente tinha
cancelado o serviço tão só quarenta e oito horas atrás.
Ainda que não esperava encontrar nada, estava pedindo uma ordem de
registro quando entrou Colt.
- Não deixa que o mofo cresça sob teus pés, não é?
Projetos Romances
83
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Não deixo que nada cresça sob meus pés –pendurou-. Tenho uma pista
sobre o número Leio que nos deu. O cliente cancelou o serviço. Imagino que
encontraremos o lugar vazio, mas terei uma ordem de registro numa hora.
- Isso é o que me encanta em você, tenente… não faz nenhum movimento
inútil –apoiou o quadril na mesa e gostou de descobrir que Althea cheirava tão
bem como o aspecto que tinha-. Como dormiu?
- Como uma pedra –o olhou num desafio direto-. E você?
- Nunca melhor. Acordei esta manhã com uma perspectiva nova. Pode sair
ao meio dia?
- Aonde?
- Tive uma idéia. Conferi com Boyd e… -franziu o cenho ao fincar a vista
no telefone-. Quantas vezes ao dia toca?
- As suficientes –levantou o fone-. Grayson. Sim, a tenente Althea
Grayson – levantou a cabeça-. Jade –com um gesto, tampou o fone-. Linha dois –
sussurrou-. E mantém a boca fechada –seguiu escutando enquanto Colt saía do
escritório em procura de uma extensão-. Sim, estamos procurando você.
Agradeço sua ligação. Pode dizer onde está?
- Preferiria não dizer –a voz de Jade soava nervosa-. Só chamo porque não
quero nenhum problema. Consegui um trabalho e tudo isso. Um trabalho legal.
Se tiver algum problema com a polícia, o perderei.
- Não há nenhum problema. Chamei a sua mãe porque pode ser de ajuda no
caso que estou pesquisando –girou a cadeira para a direita para ver Colt
através da porta. - Jade, lembra-se de Liz, não é? A garota que pediu que você
escrevesse uma carta ao pais.
-Sim… suponho. Talvez.
-Ajudou muito escrevendo e saindo da situação na que se encontrava. Os
pais de Liz estão muito agradecidos.
- Era uma garota agradável. Sabe? Não sabia no que tinha se metido.
Queria escapar –fez uma pausa; soou um fósforo ao acender e uma aspiração
profunda-. Escute, não podia fazer nada por ela. Só dispusemos de uns
momentos a sós numa ou duas ocasiões. Me deu seu endereço e me pediu que
escrevesse para seus pais. Como já disse, era uma boa garota numa má
situação.
- Então me ajuda a encontrá-la. Diga-me aonde a levaram.
- Não sei. Juro que não sei. Algumas vezes nos levaram, várias garotas, às
montanhas. Não tinha ninguém nem nada ao redor. Ainda que tivessem uma
choupana elegante. De primeira, com um jacuzzi e uma enorme chaminé de
pedra, ah, e uma tela grande de televisão.
Projetos Romances
84
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Por onde saiu de Denver? Se lembra?
- Bem, sim, mais ou menos. Foi pela rota 36, em direção a Boulder, mas
pareceu que a viagem durava uma eternidade. Depois nos desviamos por um
caminho. Não era uma auto estrada.
- Lembra de passar por algum povoado? Algo que tenha gravado na
memória?
- Boulder. Depois disso pouca coisa.
- Saiu pela manhã, à tarde ou à noite?
- A primeira vez pela a manhã. Tempo bom.
- Passado Boulder, tinha o sol adiante de você ou às costas?
- Oh, compreendo, ah… creio que às costas.
Althea seguiu fazendo questão de que proporcionasse detalhes sobre o
lugar, descrições da gente que tinha visto. Como testemunha, Jade acabou
sendo imprecisa, mas com vontade de cooperar. Não obstante, não custou
reconhecer as descrições de Kline e Scott. De novo se produziu à menção de
um homem que permanecia no fundo, em sombras, olhando.
-Era quieto, sabe? –continuou a jovem-. Como um museu. O trabalho era
bem pago, de maneira que voltei algumas vezes. Trezentos dólares por um dia,
e um bônus de cinqüenta dólares se precisavam de dois. Eu… veja, esse dinheiro
não se pode ganhar na rua.
- Sei. Mas deixou de ir.
- Sim, porque às vezes tinha resultados agressivos. Tinha contusões por
todo o corpo, e um deles inclusive me abriu o lábio enquanto fazíamos essa
cena. Assustei-me, porque não dava a impressão de que estivessem atuando.
Parecia como se quisessem machucar para valer. Contei a Wild Bill e ele me
falou que não teria que voltar. E que não ia enviar nenhuma garota mais. Disse
que ia falar com seu policial. Sabia que era você, por isso decidi chamá-la ao
receber sua mensagem. Bill a considera legal.
Com gesto cansado, Althea passou uma mão pela testa. Não contou a Jade
que deveria empregar o tempo passado para referir-se a Wild Bill. Não teve
ânimos.
- Jade, em sua carta dizia que acreditava que tinham matado uma das
garotas.
- Suponho que sim – tremeu a voz-. Escute, não penso e, testemunhar nem
nada parecido. Não penso em voltar.
- Não posso prometer nada, só que tentarei deixar você de lado. Me diz
por que acredita que mataram uma das garotas?
Projetos Romances
85
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Falei que estavam se tornando agressivos demais. E que não atuavam. A
última vez que estive lá, me machucaram para valer. Foi quando decidi não
regressar mais. Mas Lacy, a garota com quem compartilhei cenas, disse que
podia manejar tudo e que o dinheiro era bom demais para deixá-lo escapar.
Voltou lá, mas jamais regressou. Nunca mais a vi –fez uma pausa e acendeu
outro fósforo- Não posso provar nada. O que aconteceu… deixou todas suas
coisas no lugar onde vivia, sei porque fui vê-la. E ela tinha afeto por suas
coisas. Tinha uma coleção de animais de cristal. Muito bonitos. Nunca os teria
deixado. Se pudesse, teria voltado para recolhê-los. Assim pensei que estava
morta, ou que a retinham na choupana, como Liz. Pior que isso acreditei que o
melhor era fugir antes de que me fizessem algo.
- Pode me proporcionar o nome de Lacy, Jade? Qualquer outra informação
sobre ela?
- De acordo. Foi de grande ajuda. Por que não me dá um número de
telefone que possa chamar você?
- Não quero. Olhe, contei-lhe tudo o que sei. Quero esquecer. Já disse,
vou começar uma nova vida aqui.
Althea não a pressionou. Seria simples obtê-lo na empresa telefônica.
- Se lembrar de alguma outra coisa, sem importar o insignificante que
pareça, me chamará?
- Acredito que sim. Para valer espero que tirem a garota de lá e que dêem
a esses miseráveis o que merecem.
- O faremos. Obrigada.
- De acordo. Dê um alô a Wild Bill por mim.
Antes que Althea ocorresse uma contestação, Colt cortou a comunicação.
Levantou a vista e o viu de pé na porta. Seus olhos voltavam a exibir essa
expressão perigosa.
- Poderia conseguir que se apresentasse aqui. É uma testemunha material.
- Sim poderia –voltou a levantar o fone. Averiguaria o número de Jade
nesse momento, mas o guardaria-. No entanto, não o farei –levantou uma mão
em gesto de silêncio antes que Colt pudesse falar, e fez a petição oficial à
operadora.
- O 212 o prefixo –leu Colt enquanto Althea escrevia no bloco-. Poderia
dizer à polícia de Nova York que a procure.
- Não –respondeu, guardou o bloco na bolsa e se levantou.
- Por que diabos não? –tomou-a pelo braço quando foi recolher a jaqueta-.
Se conseguiu tirar dela tanto por telefone, conseguirás mais cara a cara.
Projetos Romances
86
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- É porque tirei o bastante –incomodada pela interferência de Colt, soltouse-. Deu-me tudo o que sabia, a troca de nada. Não fizemoa ameaças, nem
promessas nem manipulações. Só pedi e ela respondeu. Não traio a confiança
que se deposita em mim, Nightshade. Se preciso que faça baixar o martelo
nesses canalhas, então a utilizarei. Mas não até esse momento, e não há outra
maneira. E não –adicionou-, sem seu consentimento. Ficou claro?
- Sim –passou as mãos pela cara-. Sim, está claro. E você tem razão. Quer
recolher a ordem e ir verificar essa outra direção?
- Sim. Vai vir?
- Posso apostar. Teremos tempo antes de viajar.
- Viajar?
- Isso, tenente. Você e eu vamos fazer uma pequena viagem. Contarei pelo
caminho.
Capítulo 8
- Acredito que perdemos a cabeça - Althea se agarrou ao assento quando
o bico do Cessna se elevou para o suave céu outonal.
Relaxado ante os controles, Colt a olhou um segundo.
- Vamos, não gosta de aviões?
- Claro que sim –uma corrente de ar sacudiu a avião-. Mas com auxiliares
de vôo.
- Há uma despensa atrás. Quando estabelecermos nossa altura de vôo,
pode se servir.
Não se referia a isso, mas preferiu guardar silêncio e ver como a terra ia
ficando abaixo. Gostava de voar, ainda que com certos rituais: abotoar-se o
cinto de segurança, selecionar um canal de música para ouvir pelos fones, abrir
um livro e isolar-se durante a duração do vôo.
Não agradava pensar em todos os comandos sobre os que exercia nenhum
controle.
-Sigo pensando que é uma perda de tempo.
-Boyd não questionou a idéia –ele assinalou-. Olhe, Thea, conhecemos a
localização geral da choupana. Estudei essa maldita fita até que os olhos quase
Projetos Romances
87
Gritos Noturnos
Nora Roberts
me saírem das órbitas. A reconhecerei quando a ver, e quase todas os objetos
circundantes. Vale a pena verificar.
- Talvez –foi à única coisa que esteve disposta a ceder.
- Pense nisso –estabilizou a avião em seu curso. Sabem que tem alguém
atrás deles. Por isso deixaram a cobertura. Sem dúvida vão perguntar-se onde
foi parar essa fita, e se tentam pôr-se em contato com Leio, não o encontrarão,
já que você o tem vigiado numa casa segura.
- Então se manterão longe de Denver –conveio ela. Os motores eram um
ruído horrível em seus ouvidos-. É possível que inclusive levantem o
acampamento e se mudem.
- É o que temo –apertou os lábios ao deixar Denver atrás-. O que
acontecerá com Liz se o fazem? Nenhuma das opções tem um final feliz.
- Não –isso, e a aprovação de Boyd, tinham-na convencido de acompanhar a
Colt-. Não.
- Tenho de pensar que por momento não se moverão da choupana. Ainda
que deduzam que sabemos que existe, não poderão pensar que conhecemos sua
localização. Desconhecem que falamos com Jade.
- Concedo isso a você, Nightshade. Mas me dá a impressão de que conta
com a sorte para que guie até eles.
- Já tive sorte antes. Se sente melhor? –perguntou quando o aparelho se
estabilizou-. É bonito aqui acima, não?
Tinha neve nos cumes ao norte, e entre as montanhas tinha uns vales
largos e planos. Voavam a suficiente baixa altura como para poder vislumbrar
os carros na estrada, as comunidades de pequenos grupos de casas e o bosque
verde e denso ao oeste.
- Tem suas vantagens –de repente ocorreu um pensamento que fez que
girasse para Colt-. Tem licença para pilotar aviões, Nightshade?
Olhou-a e esteve a ponto de soltar uma gargalhada.
- Deus, você me deixa louco, tenente. Quer um casamento em grande
estilo ou um íntimo e pequeno?
- É, você quem está louco – sussurrou e se concentrou em olhar pela
janela. Comprovaria se tinha licença quando regressassem a Denver-. Disse que
não ia voltar a tocar nesse assunto.
-Menti –repôs com alegria. Apesar da preocupação que não conseguia
dissipar-se por completo, nunca tinha se sentido melhor na vida-. Isso me
provoca um problema. Uma mulher como você sem dúvida poderia curar-me.
- Cure-se com um psiquiatra.
Projetos Romances
88
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Thea, vamos formar um casal perfeito. Espere até minha família
conhecer você.
-Não acho que vou conhecê-la –atribuiu a súbita agitação em seu estômago
a outra turbulência.
- Bem, talvez tenha razão nisso… ao menos até que estejamos preparados
para entrar na igreja. Minha mãe tende querer controlar tudo, mas você saberá
lidar com ela. Meu pai gosta das regras. O que significa que combinam como os
ovos e o bacon. Assim é o almirante.
- Almirante? –repetiu, apesar de ter jurado guardar silêncio.
- É um homem da marinha. Seu coração se destrouçou quando me
incorporei às Forças Aéreas – encolheu de ombros-. Provavelmente fiz por isso.
Depois tenho uma tia… bom, será melhor que os conheça em pessoa.
- Não vou conhecê-los –repetiu, irritada porque a declaração soava
petulante demais. Soltou cinto de segurança e foi à parte de trás, onde se pôs
a remexer até encontrar uma lata de amendoins e uma garrafa de água mineral.
A curiosidade fez que abrisse o pequeno compartimento de refrigeração,
onde viu uma diminuta lata de caviar e uma garrafa de vinho-. De quem é este
avião?
- De um amigo de Boyd. Um jockey que gosta de voar com mulheres.
- Deve ser Frank, o libertino –grunhiu ao regressar a seu assento-. Há
anos tenta me convencer de que voe com ele pelos céus sexys.
- É? Não é seu tipo?
- É tão óbvio. Ainda que os homens tendem a ser.
- Tenho que lembrar se ser sutil. Vai se comportar comigo?
- Isso é Boulder? –ofereceu-lhe a lata.
- Sim. Aqui porei rumo noroeste e voarei em círculos. Boyd me contou que
tem uma choupana perto.
- Sei. Muita gente tem. Gostam de escapar os fins de semana da cidade
para passear pela neve.
- Não é de seu agrado?
- Não vejo nenhum sentido em neve e esquis. E o principal objetivo de
esquiar, pelo que vejo por mim, é voltar ao refúgio para beber rum quente
diante da chaminé.
- Ah, é aventureira.
- Vivo para a aventura. Na realidade, a choupana de Boyd tem uma bonita
vista –reconheceu-. E às crianças se encantam.
- Assim, vejo que já a visitou.
Projetos Romances
89
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Algumas vezes. Agrada-me mais ao final da primavera e começo do
verão, quando há poucas possibilidades de que os caminhos fiquem fechados –
baixou a vista às ladeiras e nevascas-. Odeio a idéia de me ver presa.
- Pode ter suas vantagens.
- Não para mim –guardou silêncio um momento, contemplando as
montanhas e as árvores-. É bonito –concedeu-. Em particular por essa vista.
Parece um quadro.
- A natureza à distância –sorriu-. Pensava que as garotas da cidade
sempre almejavam um refúgio no campo.
- Não esta garota de cidade. Prefiro… -sofreram uma chacoalhada violenta
que fez que os amendoins saíssem voando e que Althea se segurasse-. Que
demônios foi isso?
Com os olhos entrecerrados, Colt estudou os indicadores enquanto se
ocupava em levantar o bico do aparelho.
- Não sei.
- Não sabe? Que quer dizer com que não sabe? Se supõe que deve saber!
-Sss! –virou a cabeça para prestar atendimento aos motores-. Perdemos
pressão –comentou com a calma fria que o tinha mantido com vida nas selvas
rasgadas pela guerra, nos desertos e nos céus cheios de metralha.
Quanto Althea compreendeu que o problema era sério, respondeu com
frieza.
- Que faremos?
- Vou ter que aterrisar.
- Onde? –olhou abaixo, estudando com expressão fatalista os bosques
e as colinas.
- Segundo o mapa, há um vale uns poucos graus ao leste –modificou o
curso enquanto ativava uns interruptores-. Observe a paisagem –ordenou,
depois ligou o rádio-. Torre de Boulder, aqui Baker Able John três.
- Ali –Althea assinalou em direção ao que parecia ser uma faixa muito
estreita de terreno plano entre cumes rompidas. Colt assentiu e continuou
informando à torre de sua situação.
-Segure-se – disse. - Vai ser um pouco movimentado.
Ela obedeceu e se negou a afastar a vista à medida que a terra corria a
seu encontro.
- Segundo meus relatórios, é um bom piloto, Nightshade.
- Está a ponto de averiguá-lo –reduziu a potência, adaptando-se às
correntes enquanto enfiava o avião para o vale estreito.
Projetos Romances
90
Gritos Noturnos
Nora Roberts
“É como manejar um agulha” pensou Althea. Depois conteve o fôlego ao
sentir o primeiro impacto forte das rodas sobre o solo. Quicaram, deslizaram
com chacoalhadas e terminaram por deter-se.
- Está bem? –perguntou Colt no instante seguinte.
- Sim –soltou o ar contido. Tinha o estômago revirado, mas além disso
se sentia bem-. Sim, estou bem. E você?
-Perfeitamente –alongou as mãos para emoldurar-lhe o rosto e
aproximou-se o suficiente para dar-lhe um beijo. -Por todos os céus, tenente –
comentou, beijando-a outra vez-. Mostrou-se impassível.
- Medo –quando essa mulher estava acostumada a emoções estáveis,
custava saber o que fazer quando tinha o impulso de rir e gritar ao mesmo
tempo. Empurrou-o - Quer me deixar sair desta lata? Não notou que cairia bem
um pouco de terra firme sob os pés.
- Claro –abriu a porta e a ajudou a descer -. Vou transmitir nossa
posição por rádio-informou.
- Bem –respirou fundo o ar frio e limpo e firmou as pernas. Com prazer,
descobriu que não as tinha frouxas. Era a sua primeira aterrissagem forçada, e
esperava que fosse a última. Devia reconhecer que Colt tinha atuado com
serenidade e perícia.
Não se pôs de joelhos para beijar o solo, mas agradeceu tê-lo sob os
pés. Como bônus adicional, a paisagem era magnífica. Estavam entre montanhas
e bosques, protegidos do vento, e podia observar a neve que caía dos cumes
rochosos sem sofrer seus inconvenientes.
O ar era esplêndido, o céu azul e o ambiente fresco tonificavam o
sangue. Com um pouco de sorte, os resgatariam numa hora, de modo que podia
permitir-se o luxo de desfrutar da paisagem sem sentir-se abrumada pela
solidão.
Sentia-se em sintonia com o mundo quando ouviu que Colt baixava da
cabine. Inclusive sorriu a ele.
- E bem, quando vão vir procurar-nos?
- Quem?
- Eles. A equipe de resgate. Já sabe, esses heróis altruístas que
retiram as pessoas de situações complicadas como esta.
- Oh, eles. Não virão –deixou no solo uma caixa de ferramentas, depois
regressou ao interior para pegar uma escada pequena de madeira.
- Perdoe-me? –conseguiu dizer ao encontrar a voz. Soube que se
tratava de uma ilusão, mas as montanhas de repente pareceram maiores-. Disse
que ninguém vai vir procurar-nos? O rádio não funciona?
Projetos Romances
91
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Está perfeito –subiu os degraus e levantou a tampa do motor. Já se
tinha metido um trapo no bolso de trás do jeans-. Disse a eles que iria verificar
se posso consertar o motor e os manteria informados.
- Você disse a eles...? – moveu-se a toda velocidade, antes de que
nenhum dos dois pudesse entender a intenção que almejava. O primeiro golpe
foi nos rins e o fez descer da escada cambaleando-. Idiota! Quer dizer que
você vai consertar essa lata? –lançou outro golpe, mas ele esquivou, mais
desconcertado do que irritado-. Não se trata de um Ford avariado na estrada,
Nightshade. Não é um maldito avião.
-Não –respondeu com cuidado, pronto para seu seguinte ataque-.
Acredito que é o carburador.
- Acredita que é… -soltou o ar por entre os dentes e cerrou os olhos-.
Acabou. Vou matar você com as minhas próprias mãos.
Lançou-se sobre ele. Colt tomou uma decisão numa fração de segundo,
girou e deixou que o impulso dela os levasse ao solo. Demorou outro segundo em
dar-se conta de que não era inexperiente no combate corpo a corpo. Recebeu
um golpe no queixo que fez seus dentes se chocarem. Tinha chegado o momento
de pôr-se sério.
Rodeou-lhe o corpo com as pernas e, depois de uma breve luta,
conseguiu colocá-la de costas.
- Calma, ok? Alguém vai se machucar!
- E não está errado.
Como a razão não funcionava, empregou seu peso, situando-se sobre
ela enquanto lhe imobilizava os pulsos. Althea esforçou-se duas vezes, depois
ficou quieta. Ambos sabiam que só ganhavam tempo até encontrar o momento
propício para lançar outro ataque.
- Escuta – concedeu outro momento para recuperar o ar, depois lhe
falou diretamente ao ouvido-. Era a opção mais lógica.
- É uma merda.
- Deixa que eu explicar. Se depois estiver em desacordo, ganhará quem
derrube ao outro duas vezes em três chances. De acordo? –quando não obteve
resposta, Colt apertou os dentes-. Quero que me dê sua palavra de que não me
dará um murro até que termine.
- Está certo–aceitou de má vontade.
Com cautela, Colt se ergueu até poder ver o rosto dela. Estava se
levantando quando ela subiu o joelho para golpeá-lo com força na virilha.
Ele não teve ar para amaldiçoá-la enquanto se colocava em posição
fetal.
Projetos Romances
92
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Não foi um murro –assinalou Altea. Levou certo tempo para alisar-se
o cabelo e sacudir a jaqueta antes de levantar-se-. Muito bem, Nightshade,
agora você pode falar.
Ele levantou uma mão, emitiu uns sons abafados e esperou que as
estrelas desaparecessem de seus olhos.
- Pode ter posto em perigo nossa descendência, Thea –ficou de joelhos
como pôde e respirou com dificuldade -. Você não briga limpo.
- É a única maneira de brigar. Fale.
Ao recuperar as forças, lançou um olhar assassino.
- Devo uma a você. E grande. Não estamos feridos –soltou-. Ao menos
eu não estava até que você me atacou. O aparelho está ileso. Se der uma olhada
ao redor, verá que não há espaço para que outro avião aterrise com segurança.
Poderiam enviar um helicóptero e nos resgatar com um cabo, mas, para que? As
possibilidades são que, se realizo uns ajustes menores, podemos sair de aqui.
“Talvez faça sentido”, pensou Althea. Mas não era uma coisa simples.
- Deveria ter falado comigo. Eu também estou aqui, Nightshade. Não
tinha direito de tomar essa decisão sozinho.
- Foi meu erro – voltou e regressou coxeando à escada-. Supus que era
uma pessoa lógica e que, sendo servidora pública, não queria ver outros
servidores públicos se dedicarem a um resgate desnecessário. Ademais,
maldita seja, Liz poderia estar por trás daquela montanha –com um movimento
violento, sacou uma ferramenta da caixa-. Não penso voltar sem ela.
“Oh, tinha que apertar essa tecla”, pensou ela ao voltar-se para
observar o verde profundo do bosque próximo. Tinha que deixar de ouvir a
preocupação em sua voz, ver o fogo em seus olhos.
-Tem toda a razão.
O orgulho era a pílula que pior se engolia. Fez o esforço, regressou e se
situou junto à escada.
- Eu sinto muito. Não deveria ter perdido as estribeiras –a resposta
dele foi um rosnado-. Está doendo ainda?
Então Colt a olhou com um brilho nos olhos que teria feito babar a
mulheres menos decididas.
- Só quando respiro.
Althea sorriu e apalpou a perna dele.
- Tenta pensar em outra coisa. Quer que eu passe as ferramentas ou
ajude em algo?
-Conheces a diferença entre um trinquete e uma chave inglesa? –
perguntou com os olhos duas fendas azuis.
Projetos Romances
93
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Não - jogou o cabelo para trás-. Por que teria que o saber? Um
mecânico muito competente se ocupa de meu carro.
- E se ocorre uma avaria na estrada?
- E quanto à ajuda humana?
- Se eu me contentasse com isso, me chamariam de sexista –apertou os
dentes e se concentrou no carburador.
Ela sorriu a suas costas, mas quando falou o fez em voz séria.
- Há café instantâneo na despensa? –continuou-. Prepararei um pouco.
- Não é prudente usar a bateria – sussurrou-. Nos conformaremos com
refrigerantes.
- Bem.
Quanto Althea regressou vinte minutos mais tarde, Colt amaldiçoava o
motor.
- Teremos que fuzilar esse amigo de Boyd, por descuidar de um avião.
- Vai conseguir arruma-lo ou não?
- Sim, vou arrumá-lo –afirmou enquanto se esforçava por afrouxar um
parafuso-. Mas vou demorar algo mais do que esperava –preparado para algum
comentário mordaz, olhou-a. Ela simplesmente esperou com paciência-. O que é
isso? –indicou o que tinha na mão.
- Creio que se chama sanduíche – levantou o pão e o queijo para que os
vistoriasse-. Não é grande coisa, mas pensei que estaria faminto.
- Está certa –o gesto o aplacou um pouco. Levantou as mãos e lhe
mostrou os dedos cheios de graxa-. Estou um pouco incapacitado para comê-lo.
- Ok. Agacha –quando obedeceu, levou-lhe o pão à boca. Observaram-se
enquanto Colt mordia.
- Obrigado.
- De nada. Encontrei uma cerveja –sacou uma garrafa do bolso-. Vamos
dividi-la –a levou aos lábios dele.
- Agora sei que te amo.
- Come – deu um pouco mais de sanduíche-. Tem idéia de quanto
demoraremos em voltar a voar?
- Sim –mas antes de revelar se certificou de que lhe desse sua parte
completa do sanduíche e da cerveja-. Uma hora, talvez duas.
- Duas horas? –piscou.- Então nós ficaremos sem luz. Não está
pensando em voar no escuro, verdade?
- Não –ainda que estivesse preparado para um ataque surpresa, voltou
a concentrar-se no motor-. Será mais seguro esperar até amanhã.
Projetos Romances
94
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Até amanhã –repetiu com a vista fincada em suas costas-. O que se
supõe que vamos fazer até a manhã?
- Para começar, montar uma barraca. Há uma na cabine, na parte de
cima. Suponho que Frank gosta de acampar com suas amigas.
- Isso é estupendo. Estupendo. Esta me dizendo que vamos ter que
dormir aqui?
- Poderíamos fazê-lo no avião –assinalou-. Mas não seria tão cômodo
nem tão seguro como numa barraca na companhia do fogo –começou a assobiar
enquanto trabalhava. Tinha dito que devia uma. Mas não tinha imaginado que
poderia pagar tão cedo ou tão bem-. Suponho que não sabe como acender uma
fogueira.
- Não, não sei.
- Nunca foi exploradora?
- Não –bufou-. E você?
- Não posso dizer que fui… mas tinha alguns amigos que sim. Bem, vá
recolher alguns ramos, querida. Depois ensinarei como se faz.
- Não penso em recolher ramos.
- Muito bem, mas fará frio quando o sol se por. O fogo mantém o frio,
e outras coisas, longe.
- Não vou… -calou e olhou incômoda ao redor-. Que outras coisas?
- Oh, já sabe. Veados, alces… pumas…
- Pumas - levou a mão automaticamente à pistoleira-. Não há pumas por
aqui.
Ele alçou a cabeça e olhou ao redor pensativo.
- Bem, talvez ainda não seja a temporada. Mas começam a baixar das
montanhas ao chegar o inverno. Pode deixar, se quer esperar até que termine
aqui, eu o farei. Mas então, talvez tenha escurecido.
Althea estava certa de que ele fazia de propósito. No entanto… olhou
outra vez ao redor, em direção ao bosque, onde as sombras se alongavam.
- Trarei a maldita lenha –sussurrou, e se dirigiu para as árvores depois
de ter comprovado sua arma.
Ele a observou com um sorriso.
- Vamos ficar muito bem aqui –ele disse a si mesmo-. Muito bem.
Seguindo as instruções de Colt, conseguiu iniciar um fogo respeitável
dentro de um círculo de pedras. Não gostou, mas o fez. Depois, devido a
afirmação dele em estar concentrado nos toques finais do motor, se viu
obrigada a montar a barraca.
Projetos Romances
95
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Era uma barraca leve que segundo Colt se levantava praticamente
sozinha. Depois de vinte minutos de esforços e imprecações, conseguiu. Um
estudo detalhado indicou que abrigaria os dois… desde que dormissem colados
um ao outro.
Ainda seguia olhando a barraca, sem prestar atenção ao frio do
crepúsculo, quando ouviu que o motor retornava a vida.
- Como novo –gritou, e depois o desligou-. Tenho que me limpar–
informou. Saltou da cabine com uma jarra de água. Usou-a com cuidado, junto
com uma lata de removedor de graxa da caixa de ferramentas-. Bom trabalho –
comentou, olhando a barraca.
- Obrigada.
- Há cobertores no avião. Nos ajeitaremos - respirou fundo, cheirando
a fumaça, o pinheiro e o ar puro-. Não há nada como acampar entre as
montanhas.
- Terei que aceitar sua palavra –ela meteu as mãos nos bolsos.
Colt terminou de limpar-se com o trapo antes de se levantar.
- Não me diga que jamais acampou.
- Concordo, não direi.
- Como são suas férias?
- Vou a um hotel –indicou com as sobrancelhas arqueadas-. Onde há
serviço de quarto, água quente e tv por cabo.
- Não sabe o que perde.
- Suponho que estou a ponto de averiguar –tremeu uma vez e suspirou-.
Não me viria mal um vinho.
Junto ao vinho,deram-se um banquete de queijo, caviar e torradas
salgadas untadas com um delicado patê.
Althea chegou à conclusão de que poderia ter sido pior.
- Nunca comi assim num acampamento –comentou Colt ao pôr mais
caviar sobre uma torrada-. Pensei que ia ter que sair e matar um coelho.
- Por favor, não diga isso enquanto como –bebeu mais vinho e se sentiu
estranhamente descontraída. Era verdade que o fogo ajudava a manter o frio a
risca. E encantava ver como crepitava. No céu, inumeráveis estrelas piscavam,
apunhalando o céu negro e sem nuvens. Uma lua crescente enchia de prata as
árvores e projetava seu resplendor sobre os cumes nevados que os rodeavam.
Já tinha deixando de sobressaltar-se cada vez que um lobo uivava.
- Lugar bonito –Colt acendeu um cigarro-. Nunca antes tinha passado
muito tempo por aqui.
Althea também não, fazia doze anos que não saia de Denver.
Projetos Romances
96
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Gosto da cidade –sussurrou, mais para si mesma do que para ele.
Escolheu um ramo para avivar o fogo.
- Por que?
- Suponho porque esta cheia. Porque pode encontrar qualquer coisa que
queira. E porque ali me sinto útil.
- E para você isso é importante.
- Sim, é.
- Foi difícil seu passado –comentou enquanto via como as chamas
ressaltavam os olhos de Althea e suavizava sua pele.
- É algo que ficou para trás –quando Colt tomou a mão dela, não
resistiu, nem respondeu-. Não quero falar disso –afirmou-. Nunca.
- De acordo –podia esperar-. Falaremos de outra coisa – levou a mão
aos lábios e sentiu uma leve resposta no modo em que ela flexionou os dedos-.
Acho que nunca contou histórias em torno de uma fogueira.
- Suponho que não –não sorriu.
- Provavelmente poderia me ocorrer uma… para passar o tempo.
Mentira ou verdade?
Althea se colocou a rir, mas no ato se pôs de pé de um salto,
engatilhando a pistola. A reação de Colt foi como um relâmpago. No mesmo
instante ficou a seu lado, afastando-a, com a arma na mão depois de tê-la
sacado da bota.
- O que? –demandou, com os olhos entrecerrados, escrutinando a
escuridão.
- Ouviu isso? Há algo aí fora.
Prestou atenção, enquanto instintivamente se movia para proteger as
costas. Depois de um momento de vibrante silêncio, ouviu um leve rugido,
depois o uivo longínquo de um coyote. O uivo fez que o sangue de Althea
gelasse.
Colt soltou um praga, mas ao menos não riu.
- Animais –explicou, agachando-se para guardar o arma.
- De que tipo? –seus olhos não deixaram de estudar o perímetro com
cautela.
- Pequenos –assegurou-. coelhos –apoiou uma mão sobre os dedos dela,
que seguiam sustentando a pistola-. Nada a que esburacar, franco atiradora.
Ela não se convenceu. O coyote voltou a emitir seu uivo e obteve a
resposta de um uivo.
- E que me dizes dos pumas?
Foi responder, pensou melhor e se conteve.
Projetos Romances
97
Gritos Noturnos
pistola.
Nora Roberts
- Vamos, querida, não é provável que cheguem muito perto do fogo.
- Talvez devessemos avivar o fogo –com o cenho franzido, guardou a
- Já é bem grande –a voltou para ele e passou as mãos pelos braços-.
Acredito que jamais vi você tão assustada.
- Não gosto de ficar exposta, existem muitas coisas por aqui e a
verdade é que preferia enfrentar um ianque pendurado num beco escuro que a
uma criatura pequena e peluda com caninos. Não ria, maldito seja!
- Sorrir –passou a língua pelos dentes e se esforçou por manter-se
sério-. Parece que vai ter que confiar em mim para sair disso.
- Oh, verdade?
A apertou com mais força quando ela ameaçou afastar-se. A expressão
de seus olhos mudou com tanta velocidade, de divertida a cheia de desejo, que
ela ficou sem fôlego.
- Só estamos você e eu, Althea.
- É o que parece –soltou o ar devagar.
- Creio que não é necessário que volte a dizer o que sinto por você.
Nem o muito que desejo você.
- Não –a invadiu a tensão ao sentir os lábios de Colt na têmpora. E a
atravessou um calor aterrorizador.
- Posso fazer que esqueça onde está –baixou os lábios até a mandíbula-.
Se me deixar.
- Teria que ser muito bom para isso.
Colt riu.
- Falta muito para manhã. Aposto que posso convencer você antes de
que amanheça.
Não sabia por que resistia a algo que queria com tanto afinco. Não
tinha dito, faz tempo, que nunca voltaria a deixar que o medo dominasse seus
desejos? E não tinha aprendido a saciar esses desejos sem sentir-se culpada?
Podia fazê-lo nesse momento, com ele, e apagar esse demolidor anseio.
- De acordo, Nightshade –com atrevimento rodeou o pescoço com os
braços e o olhou aos olhos-. Aceito a aposta.
A mão dele se cerrou sobre seu cabelo e jogou a cabeça para trás.
Durante um momento longo e palpitante, olharam-se. Depois a pegou.
A boca de Althea era ardente e tinha gosto de mel, tão exigente como
a fome, tão selvagem como a noite. Aprofundou o beijo, utilizando a língua e os
dentes, sabendo que podia dar-se um banquete que jamais o saciaria. Então
Projetos Romances
98
Gritos Noturnos
Nora Roberts
tomou mais, atacando sua boca de maneira implacável enquanto ela respondia
com igual fervor.
Mareada, Althea compreendeu que era como a primeira vez que a tinha
arrastado a ele e tinha feito provar o que podia oferecer. Como uma droga
fatal, o sabor acelerou seu pulso e bombeou o sangue com tanta velocidade que
a mente se afastou da razão.
Perguntou-se como tinha esperado sair ilesa. E depois esquecer o que
importava.
Já não queria estar certa, nem controlar a situação. Nesse momento,
com ele, só queria sentir, experimentar tudo o que uma vez parecia impossível,
ou pouco inteligente. E se com isso tinha que sacrificar a sobrevivência, que
assim fosse.
Impulsionada pela cobiça, começou a tirar a camisa dele, desesperada
por sentir aquele corpo duro e sólido. Ele não tinha que ser mais forte que ela,
mas ele era, aceitaria a vulnerabilidade que implicava ser mulher. E o poder que
a acompanhava.
Era como um vulcão a ponto de estourar e quando surgissem os
tremores só queria estar unida a Colt.
Cobertura a cobertura, estava arrancando a sensatez. Esses lábios
selvagens, essas mãos febris. Com um juramento mais parecido a uma prece,
levou-a quase à força para a barraca, sentindo-se como um caçador primitivo
que agarrava a sua companhiera eleita no interior de uma gruta.
Caíram juntos no refúgio, uma emaranhada de braços, pernas e
necessidades. Tirou a jaqueta dela, lutando por respirar enquanto com cobiça
enchia de beijos o pescoço.
Sentiu a vibração do gemido de Althea sobre os lábios enquanto lutava
com a cartucheira, deixando de lado o símbolo de domínio e violência, sabendo
que começava a perder o controle, esmagado por uma torrente de sentimentos
que não era capaz de suprimir.
Queria-a nua. Tensa e a ponto de gritar.
A respiração dela saía entrecortada enquanto lhe tirava a roupa. A
fogueira brilhava com uma luz alaranjada através do tênue material da barraca,
o que lhe permitia ver o propósito escuro e perigoso nos olhos dele. Encantoulhe, extasiada no pânico que sacudiu seu corpo ali onde o tocava e possuía.
Sabia que essa noite a tomaria. E seria tomado.
Contendo-se, Colt tirou a malha pela cabeça e o atirou de lado. Embaixo
ela usava um sutiã, uma delicada renda banca que em outro lugar, num momento
de maior sensatez, o teria excitado por sua manifesta feminilidade. Poderia ter
Projetos Romances
99
Gritos Noturnos
Nora Roberts
brincado com as tiras, deslizado os dedos sobre os sutis elásticos. Mas nesse
instante o arrancou com um movimento brusco para liberar os seios para sua
boca faminta.
O sabor dessa pele cálida e aromática o agitou vigoroso como um golpe.
E a reação dela, a forma adorável em que arqueou o corpo contra o seu, o
prolongado e rouco gemido que emitiu, o rápido e desvalido arrepio que sentiu,
impulsionaram-no a um cume de prazer com a que jamais tinha sonhado.
Deu-se um banquete.
Um gemido ficou atracado na garganta de Althea. Fincou as unhas nos
ombros nus dele, com o desejo de incitá-lo a continuar, aterrorizada ao pensar
para onde a conduzia. Agarrou-se a Colt na procura de equilíbrio, moveu-se
embaixo em sinuoso convite, arqueando-se uma vez mais quando tirou as calças,
baixando esses dedos tão hábeis por suas coxas.
O triângulo de tecido que a protegia se rasgou. Uma vez mais se
banqueteou.
O grito aturdido da libertação dela percorreu as veias de Colt. Althea
explodiu como um foguete. Mas chegado o momento do auge, não lhe deu
respiro. Ela se agarrou ao cobertor enquanto a sacudia com sensações carentes
de nome ou forma.
Ao posicionar-se sobre ela, com músculos trêmulos, seus olhos abertos
se encontraram. Colt observou seu rosto, encheu-se com sua imagem enquanto
se enterrava em seu interior com uma investida desesperada. Os olhos dela se
puseram vidrados, fecharam-se. A própria visão dele se nublou antes de
afundar o rosto em seu cabelo.
Seu corpo dominou a situação e se acoplou ao ritmo veloz e furioso dos
quadris de Althea. Cavalgaram como meninos furiosos e cobiçosos de uma fruta
proibida. O grito final de escuro prazer que emitiu, ela soltou no ar segundos
antes do de Colt.
Ausente de forças derrubou-se sobre ela e suspirou ao senti-la
tremer.
- Quem ganhou? –conseguiu perguntar passado um momento.
A Althea não tinha parecido possível poder rir num momento
semelhante, mas um riso subiu por sua garganta.
- Digamos que foi um empate.
- Me basta –pensou em levantar seu corpo, mas temia que se
quebrasse com o movimento-. Mais do que suficiente. Vou beijá-la num minuto –
murmurou-, primeiro tenho que reconstituir minhas forças.
Projetos Romances
100
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Posso esperar –deixou que seus olhos voltassem a fechar-se e
desfrutou da proximidade. O corpo dele seguia irradiando calor e o coração
estava sereno. Acariciou-lhe as costas pelo simples prazer do contato, mas
franziu um pouco o cenho quando seus dedos encontraram uma cicatriz-. O que
é isto?
- Mmm? –moveu-se, surpreso ao descobrir que tinha estado a ponto de
dormir sobre ela-. Tormenta do deserto.
Em nenhum momento pensou que tinha chegado a participar naquela
guerra. De repente ocorreu que tinha muitas coisas dele ainda ocultas.
- Achava que tinha se retirado antes.
- E assim foi. Aceitei fazer um pequeno trabalho… algo colateral.
- Um favor.
- Poderia chamá-lo assim. Alguém soltou uma carga de metralhadoras
em mim… nada de que se preocupar –virou a cabeça-. Tem belos ombros. Já
tinha lhe dito?
- Não. Continua fazendo favores para o governo?
- Só se me pedem com amabilidade –grunhiu, girando para poder
colocá-la em cima dele-. Melhor?
- Mmm… -apoiou a face em seu peito-. Ainda acho que podemos
congelar.
- Não se nos mantermos ativos –sorriu quando ela levantou a cabeça
para olhá-lo-. Métodos de sobrevivência, tenente.
- Com certeza –sorriu-. Tenho de reconhecer, Nightshade, que gosto
de seus métodos.
- Sim? –com suavidade passou os dedos pelo cabelo.
- Sim. Quando temos que adicionar madeira ao fogo?
- Oh, ainda temos algum tempo.
- Então não deveríamos perder o tempo, não é? –sem deixar de sorrir,
baixou a boca à sua.
-Sim –sentiu que voltava a enrijecer-se dentro de Althea, preparado
para deixar que ela tomasse a iniciativa. Ao beijá-la o invadiu um amor tão
intenso que o deixou sem respiração. Abraçou-a com força-. Sei que não é
original, Thea, mas nunca tinha sido assim para mim. Com ninguém.
Isso a assustou, e mais do que as palavras foi à sensação de calidez que
provocou nela.
- Fala demais.
- Thea…
Projetos Romances
101
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Mas ela moveu a cabeça e ergueu seu corpo, levando-o ao mais fundo
dentro dela, provocando-o para que a necessidade de palavras se desvanecesse.
Capítulo 9
Colt acordou no ato. Um velho costume. Assimilou em meio… a luz pálida
do amanhecer que entrava na barraca, o cobertor áspero e o solo duro sob as
costas, e a mulher esbelta e suave aconchegada sobre ele. Fez que sorrisse,
recordando a forma com que tinham se acomodado durante a noite, procurando
um lugar mais cômodo do que o solo do vale.
O sol trazia as lembranças do mundo exterior e dos deveres que
tinham nele. Não obstante, tomou-se um momento para desfrutar da
preguiçosa intimidade e para imaginar outros momentos, outros lugares, onde
voltariam a ser só eles dois.
Com gentileza, tampou-lhe o ombro nu com o cobertor e deixou que
seus dedos acariciassem o cabelo. Ela se moveu, abriu os olhos e os fincou nele.
- Bons reflexos, tenente.
Althea deixou que sua mente e seu corpo se adaptassem à situação.
- Suponho que chegou a manhã.
- Sim. Dormiu bem?
- Já dormir melhor–cada músculo do corpo doía, ainda que achasse que
um par de aspirinas e um pouco de exercício o solucionariam-. E você?
- Como um bebê. Alguns estão acostumados a terrenos duros.
Ela arqueou uma sobrancelha e se afastou.
- Alguns querem café –quando abandonou a calidez de Colt, o frio
arrepiou a pele. Tremendo, alongou a mão em procura da malha.
- Eh –antes de que pudesse pôr, a tomou pela a cintura e a puxou para
si-. Esqueceu de uma coisa –deslizou a mão por suas costas para aproximar-lhe
a cabeça e poder beijá-la.
O corpo de Althea adquiriu uma fluidez doce e ela separou os lábios em
convite. Sentiu que se derretia nele, maravilhada. Durante a noite tinham tido
juntos os orgasmos, uma e outra vez, como relâmpagos, com reflexos de cobiça.
Mas isso foi mais suave, mais forte, com uma vela que permanece acesa muito
depois de que um fogo violento se tenha apagado.
Projetos Romances
102
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- É agradável acordar com você, Althea.
Quis agarrar-se a ele como se fosse a vida. Mas o que fez foi passar
um dedo por sua barba de um dia.
- Você não está tão mau, Nightshade.
Afastou-se com rapidez talvez, para dar-se tempo e espaço. Como ele
começava a compreendê-la muito bem, sorriu.
- Sabe? Quando nos casarmos, teremos que comprar uma dessas camas
gigantes, para dispor de espaço suficiente para dar voltas e nos agarrar.
Althea pôs a malha. Quando sacou a cabeça pelo pescoço, seus olhos
estavam serenos.
- Quem prepara o café?
- É algo que teremos que decidir –assentiu pensativo-. Manter esses
pequenos costumes ajuda um casal a se dar bem.
Ela conteve uma gargalhada e recolheu as calças.
- Me deve um conjunto de lingerie.
Observou-a pôr por suas pernas longas e suaves.
- Comprar será um prazer – pôs a camisa enquanto ela procurava as
meias -. Querida, tenho pensado. –recebeu um rosnado enquanto se calçava-. O
que você acha se nos casamos no reveillon? É romântico compartilhar o ano
novo como marido e mulher.
- Eu prepararei o maldito café – devolveu ela, saindo as pressas da
barraca.
Colt deu uma palmada no traseiro e riu entre dentes. Althea começava
a mudar. O que acontecia, era que ela ainda não sabia.
Quando ela conseguiu voltar a acender o fogo, já tinha tido mais do que
suficiente da vida ao ar livre. Enquanto remexia entre o pequeno fornecimento
de suprimentos que tinha encontrado no avião, reconheceu que talvez a
Montanha fossem bonita, talvez magnífica, com seus cumes irregulares e
nevascas e os densos bosques. Mas também era fria, dura e deserta.
Tinham uns amendoins diante de si e nem um restaurante à vista.
Impaciente demais para esperar até que fervesse, retirou a água
quando esteve quente ao contato, depois verteu uma quantidade generosa de
café instantâneo. O aroma bastou para fazê-la babar.
- Essa sim que é uma visão bonita –Colt a observou no exterior da
barraca-. Uma mulher preciosa inclinada sobre uma fogueira.
Projetos Romances
103
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Deixe-me, Nightshade.
- Irritada antes do café, meu bem? – chegou perto dela sorrindo.
Althea afastou a mão que ele tinha posto em seu cabelo. Voltava a
enfeitiçá-la, e isso tinha que se acabar.
- Aqui tem o café da manhã –empurrou a lata de amendoins-. Pode
servir seu café.
Obediente, agachou-se e verteu o conteúdo em duas xícaras de latão.
- Bonito dia –comentou-. Pouco vento, boa visibilidade.
- Sim, estupendo –aceitou a xícara que ofereceu-. Deus, mataria por
uma escova de dentes.
- Nisso não posso ajudar–provou o café e fez uma careta. Decidiu que
era barro, mas ao menos daria energia-. Não se preocupe, regressaremos cedo
à civilização. Poderá escovar os dentes, tomar um banho de água quente e ir à
cabeleireira –ela deixou a xícara ao lado, remexeu na bolsa e encontrou a
escova para o cabelo; sentou-se no solo com as pernas cruzadas e com as
costas para Colt se pôs a escovar os cabelos-. Deixa-me fazer –se sentou por
trás dela e a acomodou entre as pernas.
- Posso fazê-lo eu.
- Sim, mas com essa energia vai ficar calva –depois de um leve toque de
força, tirou a escova dela-. Deveria ter mais cuidado –com delicadeza,
começou a desembaraçar os cabelos-. É o cabelo mais bonito que já vi. De
perto, posso ver mil tonalidades de vermelho e ouro.
- Só é cabelo –mas se Althea tinha um ponto de vaidade, Colt o
acariciava nesse momento. E era maravilhoso. Não pôde resistir suspirar.
Podiam estar no meio de nenhuma parte, mas durante um instante sentiu como
se achasse imersa em pleno luxo.
- Quando voltarmos a Denver, quero que me lembre onde estávamos.
- Pode deixar –com certo pesar, afastou-se-. Será melhor… como
chama? levantar o acampamento? A propósito –adicionou com um encolhimento
de ombros-. Me deve mais do que roupa íntima nova… me deve um café da
manhã.
- Põe na minha conta.
Vinte minutos mais tarde, estavam sentados na cabine com os cintos de
segurança presos. Colt comprovou os medidores enquanto Althea passava blush
pela cara.
- Não vamos a uma festa –comentou.
Projetos Romances
104
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- É possível que não possa escovar os dentes –disse, levando-se à boca
um caramelo que tinha encontrado na bolsa-. Pode ser que não disponha de um
chuveiro. Mas não preciso esquecer do resto.
- Gosto das suas bochechas quando estão pálidas – ligou os motores-.
Dão um aspecto frágil.
Depois de olhá-lo um momento, pôs mais blush.
- Voa, Nightshade.
- Sim, senhor, tenente.
Não considerou apropriado informá-la de que seria um despegue
complicado. Enquanto ela se ocupava em trançar o cabelo, situou o avião em
posição para avançar. Depois de levar um dedo à medalha que pendurava de seu
pescoço, começou a avançar.
Experimentaram tombos, botes e chacoalhadas e ao final se elevaram.
Colt lutou contra as correntes cruzadas de ar baixando uma asa, nivelando-se,
alçando o bico. Ao final deixaram atrás o vale e voaram acima das copas das
árvores.
- Não foi tão mau, Nightshade – jogou a trança às costas.
Ele a olhou e viu o conhecimento em seus olhos. Tinha as mãos firmes,
mas sabia que seria complicado.
- Boyd tinha razão, Althea. É uma parceira estupenda.
- Tenta manter essa coisa quieta uns minutos? –sorriu e aproximou o
espelho dos olhos para ocupar-se das pestanas.- E bem, qual é o plano?
- O mesmo de ontem. Circundaremos esta zona. Procuraremos
choupanas. A que queremos tem um acesso restrito.
- Sem dúvida isso estreita nossas possibilidades.
- Fique quieta. Também se trata de uma choupana de dois andares com
uma sacada que a circunda e três janelas na parte dianteira, de cara ao oeste.
O sol se punha numa das cenas do vídeo –explicou-. Segundo a informação que
temos, há um lago em alguma parte perto. Também viu pinheiros e pinheiros, o
que nos brinda elevação. A choupana tinha uns troncos pintados de branco. Não
pode ser tão difícil.
Talvez tivesse razão nisso, mas Althea estava segura de que era
necessário dizer algo mais.
- Pode ser que não esteja ali, Colt.
- Vamos averiguar – virou o avião para pôr rumo ao oeste.
- Me diga, que posto tinhas nas Forças Aéreas? –perguntou com afã de
mudar de tema e distrair sua preocupação.
- Major –esboçou um sorriso-. Parece que supero você em graduação.
Projetos Romances
105
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Está aposentado – lembrou-. Aposto que o uniforme ficava bem em
você.
- Não me importaria ver você vestida de azul. Olhe.
Seguiu a direção que assinalava e avistou uma choupana. Era uma
estrutura de três plantas de madeira de secuoya. Notou outras duas,
separadas entre se por uma fileira de árvores.
- Nenhuma encaixa.
- Não –conveio-. Mas a encontraremos.
Continuaram a busca, Althea com um binóculo. Algumas choupanas que
viram pareciam desocupadas e de outras saía fumaça pela chaminé, com
veículos estacionados no exterior.
Numa ocasião viu um homem com camisa vermelha partindo lenha. Em
outra divisou um grupo de alces pastando numa pradaria gelada.
- Não há nada –comentou ao final –ao menos que queiramos gravar um
documentário sobre… Espera –um reflexo branco captou sua atenção, depois o
perdeu- DÊ a volta.–seguiu observando entre as colinas nevadas.
E ali estava, dois andares, troncos pintados de branco, três janelas que
davam ao oeste, a sacada. Ao final do caminho de acesso tinha um furgão. E
pela chaminé saía fumaça.
- Poderia ser essa.
- Aposto a que é –voou em círculo uma vez e depois se desviou.
- Aceito a aposta –desenganchou o microfone do rádio-. Dá-me a
posição. Chamarei para pedir uma equipe de vigilância a fim de que possamos
voltar a solicitar uma ordem de registro.
- Adiante, chama –lhe deu as coordenadas. - Mas não penso esperar até
que consigamos um papel.
- Que demônios acredita que pode fazer?
- Penso aterrizar e entrar –a olhou por um momento.
- Não –afirmou-, não o fará.
- Se faz o que se deve –se dirigiu para o prado onde Althea tinha visto
pastar aos alces-. Há uma grande possibilidade de que esteja ali. Não vou
deixá-la.
- Que vai fazer? –quis saber, incomodada demais para fixar-se na
perigosa descida-. Entrar com a pistola em punhos? Só se ver isso em filmes,
Nightshade. Não só é ilegal, e ainda põe a refém em perigo.
- Tem uma idéia melhor? –preparou-se para a aterrissagem. Iam
patinar quanto às rodas posassem no solo. Esperou que não voltassem.
Projetos Romances
106
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Virão agentes com equipe de vigilância. Averiguaremos quem é o
proprietário da choupana e conseguiremos uma ordem.
- Para depois entrar? Não, obrigada. Disse que sabia esquiar, verdade?
- O que?
- Está a ponto de fazê-lo num avião. Segure-se.
Althea girou a cabeça e ficou boquiaberta ao ver que a gelada pradaria
estava cada vez mais p´roxima deles. Teve tempo de soltar uma praga, mas
depois ficou sem ar ante a força do impacto.
Aterrisaram e patinaram. A neve se levantou de ambos lados do
aparelho, salpicando as janelas. Ela observou quase com resignação enquanto
avançavam para um arvoredo. Então o avião girou por duas vezes antes de parar
com brusquidão.
-Maníaco! –respirou fundo várias vezes, lutando contra o pior de seu
mal humor, já que, quando o matasse, queria fazê-lo bem.
- Numa ocasião aterrizei nas Aleutianas, sem rodar. Foi muito pior do
que isto.
- E que demonstra? –exigiu.
- Que ainda sou um magnífico piloto?
- Cresce de uma maldita vez! –gritou-. Não estamos na terra da
fantasia. Estamos perto de supostos seqüestradores e assassinos, e o mais
possível é que em meio se encontre presa uma jovem inocente. Vamos fazer
isto bem, Nightshade.
Com um gesto, soltou-se o cinto e tomou as duas mãos dela pelos
pulsos.
- Escuta-me você. Sei o que é real, Althea. Vi suficiente realidade em
minha vida e conheço a sua crueldade. Conheço essa garota. Tive-a em meus
braços quando era bebê e não penso deixar que sua vida dependa da burocracia
e os procedimentos.
- Colt…
- Esqueça – soltou as mãos e se jogou para trás.- não vou solicitar sua
ajuda, porque tento respeitar as idéias que tem sobre as regras e os
regulamentos. Mas irei procurá-la, Thea, e o farei agora.
- Espera –levantou uma mão e a passou pelo cabelo-. Deixa-me pensar
um minuto.
- Pensa demais –mas quando tentou levantar-se, plantou-lhe um punho
no peito.
Projetos Romances
107
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Disse que esperasse –jogou a cabeça para trás, cerro os olhos e o
meditou-. A que distância se encontra a choupana? –perguntou passado um
momento-. A uns oitocentos metros?
- Um quilômetro ou algo mais.
- Os caminhos que conduziam até ali estavam limpos de neve.
- Sim –o dominou a impaciência-. E?
- É melhor do que ficar preso na neve. Mas uma avaria bastará.
- De que está falando?
- Falo de trabalhar juntos –abriu os olhos e o imobilizou com o olhar-.
Você não gosta da minha forma de trabalhar e a e eu não gosto da sua. Assim
que vamos ter que encontrar um ponto intermediário. Vou chamar à polícia local
para que nos apóie e pedirei que se coloquem em contato com Boyd, para ver se
ele pode iniciar a burocracia.
- Você disse…
- Não importa o que eu falei antes –cortou com calma-.Faremos assim.
Não podemos entrar assim na choupana. Primeiro, talvez seja a choupana
errada. Segundo –voltou a interrompê-lo antes de pudesse falar-, porá Liz num
perigo maior se está ali. E terceiro, sem uma causa provável, sem um
procedimento adequado, esses canalhas poderiam ficar livres, e os quero
encerrados. E agora escuta…
Colt não gostou. Pouco importava o lógico que fosse ou que se tratasse
de um bom plano. Mas durante o longo trajeto até a choupana, Althea rebateu
com lógica serena e singela os argumentos que propôs ele.
Fazia questão de entrar.
- O que faz você pensar que eles nos deixarão entrar somente
atendendo ao nosso pedido?
Olhou-o com a cabeça inclinada.
- Não desperdicei nenhum com você, Nightshade, mas disponho de
muito encanto. O que acha que faria a maioria dos homens ao ver uma mulher
desvalida que pede ajuda porque está perdida, tem o carro quebrado e… tremeu e converteu sua voz num ronronado-… e faz tanto frio fora?
- E se eles se oferecem para levar você até o carro para arrumá-lo? –
perguntou depois de soltar um juramento.
- Pois estarei profundamente agradecida. E os distrairei o tempo
suficiente para fazer o que tenha que fazer.
- E se mostram-se desagradáveis?
- Então você e eu teremos que chutar algumas bundas, não?
- Continuo pensando que deveria acompanhar você.
Projetos Romances
108
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Não vão ser simpáticos com uma mulherzinha se ela for acompanhada
de um homem grande e forte –replicou com sarcasmo no ar frio-. Com um pouco
de sorte, os agentes locais terão chego antes que possa acontecer alguma coisa
–calou e calculou a distância-. Estamos bastante perto. Talvez um deles tenha
saído para dar um passeio. Não é bom nos ver juntos.
Colt meteu as mãos nos bolsos e se obrigou a relaxar. Althea tinha
razão… e alem disso era boa. Ele pegou ela pelos ombros e a abraçou.
- Vá com cuidado, tenente.
- O mesmo digo –e deu um beijo apaixonado.
Girou e se afastou com passos longos. Colt quis dizer que parasse, que
a amava. Mas deu a volta para a parte de atrás da choupana. Não era o
momento para declarações amorosas. As reservaria para depois.
Desterrou tudo de sua mente e correu pela neve endurecida,
mantendo-se agachado durante todo o momento.
Althea avançou a toda velocidade. Queria estar ofegante e com os
olhos umedecidos ao chegar à choupana. Quando teve as janelas à vista,
empreendeu uma caminhada lenta, imitando alívio. Praticamente se deixou cair
sobre a porta.
Reconheceu Kline quanto ele abriu a porta. Usava uma calça cinza de
chándal e tinha os olhos entrecerrados devido à fumaça que se elevava do
cigarro que apertava na comissura dos lábios. Cheirava a fumo e a whisky.
- Oh, graças a Deus! –apoiou-se no marco da porta-. Graças a Deus!
Temia não encontrar ninguém. Acho que estou caminhando a uma eternidade.
Kline a estudou. Pensou que era um bombom muito doce, mas não
gostava de surpresas.
- Que quer?
- Meu carro… - levou uma mão trêmula ao coração-. Quebrou… deve de
estar a um quilômetro daqui, no mínimo. Vinha visitar a uns amigos. Não sei, mas
talvez me meti no desvio errado –tremeu e se jogou mais na entrada-. Posso
entrar? Tenho muito frio.
- Não há ninguém por aqui, nenhuma outra choupana.
- Sabia que tinha tomado a saída errada –fechou os olhos-. Passado um
tempo tudo começa a ser igual. Saí de Englewood antes que amanhecesse…
estou começando as minhas férias –o olhou com os olhos muito abertos e
conseguiu esboçar um sorriso débil-. Me deixa usar o telefone, para informar
aos meus amigos para virem me procurar?
- Talvez –decidiu que era inofensiva. E um prazer para a vista.
Projetos Romances
109
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Oh, um fogo… -com seu gemido de alívio, Althea se lançou para a
chaminé-. Não imaginei que pudesse ser tão frio –enquanto esfregava as mãos,
sorriu-lhe acima do ombro-. Não sabe como agradeço por ajudar-me.
- Não é nada – tirou o cigarro da boca-. Não há muita gente por aqui.
- Não me estranha –olhou pela janela. - Mas é lindo. Suponho que se
estivesse acalentada junto ao fogo com uma garrafa de vinho, pouco importaria
cair uma ou duas nevascas.
- Eu já gostaria de ser acalentado com algo mais do que uma garrafa –
Kline sorriu.
Althea piscou e terminou por baixar as pálpebras.
- O Senhor é romântico, senhor…
- Kline. Podes chamar-me de Harry.
- De acordo, Harry. Eu sou Rose –disse, dando seu segundo nome por
precaução, pois seu nome poderia ser reconhecido, relacionando-o com o da
polícia que tratava com Wild Bill. Ofereceu-lhe a mão-. É um verdadeiro prazer.
Acredito que você me salvou a vida.
- Que diabos passa aqui?
Althea levantou a vista para o primeiro andar e viu a um homem alto e
delgado com uma mata revolta de cabelo loiro. Reconheceu-o como o segundo
ator da película.
- Temos uma convidada inesperada, Donner –informou Kline-. O carro
dela quebrou.
- Bem, diabos… Donner piscou para despejar-se a vista e a olhou com
atenção-. Está fora de temporada, encanto.
- Estou de férias –respondeu, sorrindo-lhe.
- Não é estupendo? –começou a descer as escadas como um galo num
galinheiro-. Por que não prepara uma xícara de café para a dama, Kline?
- Wave já está na cozinha. É seu turno.
- Perfeito –Donner lançou a Althea o que ele considerava um sorriso
intimo-. Diga que sirva outra xícara para nossa convidada.
- Por que não vai você…?
- Oh, me encantaria uma xícara de café –interveio Althea, olhando
Kline com seus enormes olhos castanhos-. Estou gelada.
- Claro – encolheu os ombros, olhou Donner como um cachorro que
adverte a um competidor, e se foi.
Ela se perguntou se teria algum componente mais da organização na
choupana ou se estariam só os três.
Projetos Romances
110
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Dizia a Harry como a choupana é bonita –entrou no salão e deixou a
bolsa na mesa-. Vive o ano todo?
- Não, viemos de vez em quando.
- É bem maior do que parece por fora.
- Cumpre com sua função – se aproximou da cadeira que Althea se
sentou-. Talvez agradaria a você ficar aqui e passar suas férias.
Ela riu, sem pôr objeção quando ele passou um dedo pelo cabelo.
- Oh, mas meus amigos me esperam. Alem do mais, são somente duas
semanas… -riu com voz rouca e sensual-. Me diga, que fazem para divertir?
- Você se surpreenderia –Donner apoiou uma mão na coxa dela.
- Não me surpreendo com facilidade.
- Afaste-se –Kline regressou com uma xícara de café-. Aqui tem, Rose.
- Obrigado –aspirou o aroma-. Já me sinto menos gelada.
- Por que não tira o casaco? –Donner aproximou-se para retirar o
casaco, mas ela se moveu, sem deixar de sorrir.
- Quando esquentar um pouco meu corpo –tinha tomado a precaução de
tirar a pistoleira, mas preferia ter mais camuflagem, já que usava pistola nas
costas-. São irmãos? –pergunto para emplacar conversa.
- Não –bufou Kline-. Poderia dizer que somos sócios.
- Oh, verdade? Que negócios vocês se dedicam?
- Comunicações –indicou Donner mostrando uns dentes brancos.
- É fascinante. Sem dúvida têm muitos equipamentos –olhou a tela
grande de televisor, o vídeo de ultima geração e o equipamento de som-.
Encanta-me ver filmes nas noites longas de inferno. Talvez poderíamos reunirnos alguma vez para… -calou, alertada por um movimento no andar de cima.
Levantou o olhar e viu à garota. Tinha o cabelo revolto e uma expressão de
infinito cansaço nos olhos. Tinha perdido peso, mas a reconheceu pela foto que
Colt havia lhe mostrado-. Oi –saudou com um sorriso.
- Volte para seu quarto –gritou Kline-. Agora.
Liz umedeceu os lábios. Usava jeans gastos e uma malha azul com os
punhos desfiados.
- Queria tomar o café da manhã –disse com voz abafada, mas não
intimidada.
- Você tomará –Kline observou Althea e ficou satisfeito ao verificar
que sua expressão era de amistoso desinteresse-. Agora volta para seu quarto
até que eu a chame.
Projetos Romances
111
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Liz titubeou o tempo suficiente para lançar-lhe um olhar frio. Isso
animou Althea. Ainda não a tinham derrotado. Voltou a entrar no quarto e
fechou a porta com força.
- Meninos –sussurrou Kline, acendendo outro cigarro.
- Sim –Althea sorriu com simpatia-. É sua irmã?
Kline se engasgou com a fumaça, mas assentiu.
- Sim. Sim, é minha irmã. Queria usar o telefone?
- Oh, sim –deixou a xícara de café e se pôs de pé-. Eu agradeço. Meus
amigos começarão a preocupar-se.
- Aqui está –indicou ele-. Adiante.
- Obrigada –mas ao levantar o fone, não tinha tom-. Céus, acredito que
não tem linha.
Kline amaldiçoou e chegou perto dela ao mesmo tempo em que sacava
uma chave em forma de L do bolso.
- Eu esqueci. Desconectei-o de noite para que a pequena não pudesse
usá-lo. Fazia um montão de telefonemas a longa distância. Já sabe como são as
garotas.
- Sim, é verdade –sorriu. Ao ouvir o sinal de tom, marcou o número da
polícia local-. Fran –disse com alegria, chamando à telefonista pelo nome que
tinham lembrado-. Não vai acreditar no que aconteceu. Perdi-me e o carro
quebrou. Se não fosse por uns garotos estupendos, não sei que teria feito –riu,
com a esperança de que Colt estivesse em ação-. Não, sempre me perco. Espero
que Bob venha procurar-me.
Enquanto Althea falava no telefone, Colt subiu numa árvore. Com o
binóculo tinha visto tudo o que precisava ver através dos amplos janelões.
Althea dominava a situação e Liz se achava no segundo andar.
Tinham lembrado que se surgisse a oportunidade, a tiraria da casa. Colt
teria preferido um caminho mais direto, para dar-lhes uma lição a esses
miseráveis, mas o primeiro era a segurança de Liz. Quando a afastasse dali,
regressaria.
Com um rosnado, trepou até o saliente estreito e se jogou na borda da
janela. Viu Liz tombada numa cama desfeita; de costas para ele, se colocava
numa postura defensiva. Seu primeiro impulso foi quebrar o vidro e saltar para
o interior. Por medo de assustá-la e que pudesse gritar, chamou com
suavidade.
Projetos Romances
112
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Ela se moveu. Quando voltou a chamar, girou com cautela, olhando com
olhos perdidos para o sol. Então piscou e com lentidão se incorporou na cama.
Colt levou um dedo aos lábios para indicar-lhe que ficasse em silêncio. Mas isso
não conteve as lágrimas que inundaram os olhos de Liz ao aproximar-se.
- Colt! –sacudiu a janela, depois apoiou a face contra o vidro e seguiu
chorando-. Quero ir para casa! Por favor, por favor, quero ir para casa!
Mal conseguia ouvi-la através do vidro. Temendo que suas vozes pudessem ser
escutadas, chamou outra vez e aguardou até que Liz girou a cabeça para olhálo. -Abre a janela, pequena – moveu os lábios com precisão, mas ela só negou
com a cabeça.
- Esta trancada –disse, esfregando-se os punhos contra os olhos-.
Trancaram-na.
- Está certo, ok. Olhe, olhe-me –fez sinais com as mãos para captar seu
atendimento-. Um travesseiro. Traz um travesseiro.
Um leve reflexo brilhou nos olhos dela. Uma cautelosa volta da
esperança. Obedeceu com celeridade.
- Apóia contra o vidro. Mantenha firme e vira a cabeça. Afasta a
cabeça, pequena –empregou o cotovelo para romper o vidro, satisfeito de que o
travesseiro amortecido quase todo o ruído. Quando afastou fragmentos
suficientes para meter o corpo, entrou. Ela se lançou de imediato a seus
braços, sem deixar de soluçar. Segurou-a e a acalentou como se fosse um
bebê-. Sss… Liz. Tudo vai ficar bem agora agora, vou levar você para casa.
- Eu sinto. Sinto tanto.
- Não se preocupe. Não se preocupe por nada –se afastou para olhá-la
aos olhos. Estava muito magra e pálida. E tinha muitas coisas que perguntar-.
Querida, vai ter que ficar assim um pouco mais. Vamos levar você embora
daqui, mas temos que nos mover com toda velocidade. Tem um Casaco?
Sapatos?
- Eles levaram –moveu a cabeça-. Levaram tudo para que não pudesse
fugir. Tentei, Colt, juro que o tentei, mas…
- Está bem –voltou a colar o rosto contra o ombro antes que pudesse
dominá-la a histeria-. Não pense nisso agora. Vai fazer exatamente o que te
diga. De acordo?
- De acordo. Podemos ir já? Agora mesmo?
- Agora mesmo. Envolveremos você nesse cobertor –o pegou da cama
com uma mão e fez o que pôde para abrigá-la-. Agora vamos sofrer uma
pequena queda.
Projetos Romances
113
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Mas se agarra a mim e relaxa, tudo sairá bem –a levou para a janela,
com cuidado de proteger-lhe o rosto contra o frio e das pontas irregulares do
vidro rompido-. Se quer gritar, faça em sua cabeça, mas não em voz alta. Isso é
importante.
- Não gritarei –com o coração acelerado, colou-se ao peito dele-. Por
favor, só leva-me a casa. Quero minha mamãe.
- Ela também quer você. E seu pai –não deixou de falar baixinho e
tranqüilizadora-. Vamos chamá-los assim que sairmos daqui - rezou e saltou.
Sabia como cair, de um edifício, de umas escadas, de um avião. Sem a
menina, singelamente teria rodado. Com ela, girou o corpo para receber a maior
parte do impacto sobre suas costas e protegê-la.
Ficou sem ar e se golpeou no ombro, mas se incorporou quanto
aterrizaram, com Liz ainda agarrada contra o peito. Correu para o caminho;
tinha percorrido a metade do trajeto quando ouviu o primeiro disparo.
Capítulo 10
Althea estendeu a conversa com a telefonista da polícia, detendo-se o
tempo suficiente para assimilar a informação de que a equipe de apoio chegaria
em dez minutos. Esperava que Colt tivesse tirado Liz da choupana, mas, fosse
como fosse, parecia que tudo sairia como a seda.
- Obrigada, Fran. Eu também tenho vontade de ver Bob e você. Espere
que perguntarei a Harry onde estamos porque não tenho nem idéia –sorriu na
direção de Harry e tampou o fone com a mão-. Tem uma direção ou algo para
que se orientem? Bob vai vir pegar-me e dar uma olhada no meu carro.
- Não há problema –desviou a vista quando Wave saiu da cozinha-.
Espero que tenha preparado suficiente café da manhã para incluir a nossa
convidada –lhe disse-. Teve uma manhã difícil.
- Sim, há bastante –Wave olhou a Althea e franziu os olhos-.Eh! Que
diabos é isto?
- Mostre modos –sugeriu Donner-. Há uma dama presente.
- Dama é uma ova! É policial. É a policial de Wild Bill.
Lançou-se para ela, mas Althea estava preparada. Tinha captado o
reconhecimento em seus olhos e já tinha a arma na mão. Não teve tempo para
pensar ou preocupar-se pelos outros dois, já que cento trinta quilos de músculo
a golpearam.
Projetos Romances
114
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Voou pelos ares e o primeiro disparo deu numa mesa antiga. Uma
coleção de frascos caiu ao solo, esparramando fragmentos de ametista e água
marinha. Althea viu as estrelas e, através delas, viu o seu oponente avançar
como um trem de ônus.
O instinto a impulsionou rodar para a esquerda para esquivar do golpe.
Wave era enorme, mas ela era rápida. Pôs-se de joelhos e segurou a arma com
ambas mãos.
Nessa ocasião não errou. Dispôs só de um instante para notar a mancha
de sangue na camiseta branca antes de incorporar-se de um salto.
Donner se dirigia para a porta e Kline amaldiçoava enquanto abria uma
gaveta. Althea percebeu o reflexo de cromo.
- Quieto! –a ordem fez que Donner levantasse as mãos e se
convertesse numa estátua, mas Kline sacou a pistola-. Faça e morrerá –lhe
disse, retrocedendo para poder manter ambos à vista-. Deixe-a, Harry, ou vai
manchar o tapete igual seu amigo.
- Filha de uma cadela –com os dentes apertados, soltou a arma.
- Boa escolha. E agora, no chão, de bruços, com as mãos às costas. Você
também, Romeu – ordenou a Donner. Enquanto obedeciam, recolheu a arma de
Kline-. Deveria saber que não deveria deixar entrar nenhum desconhecido.
“Deus, dói”, pensou Althea ao baixar a descarga de adrenalina. Dos pés
à cabeça era um único ponto de dor. Esperava que Wave não tivesse acertado
nada vital.
Na distância ouviu o som de uma sirene.
- Ao que parece a boa Fran enviou à cavalaria. E agora, se ainda não
entenderam, sou a lei e estão presos.
Ouvindo a sirene ela lia os direitos dos prisioneiros quando Colt
irrompeu com a pistola numa mão e a faca na outra. De acordo com seus
cálculos, mal tinha passado três minutos desde o primeiro disparo. Era evidente
que se movia depressa.
Althea o olhou um instante e concluiu o procedimento.
- Cuide desses idiotas, certo Nightshade? –pediu ao recolher o fone do
telefone que ainda pendurava do cabo-. Agente Money? Sim, sou a tenente
Grayson. Precisaremos de uma ambulância. Há um suspeito com uma ferida no
peito. Não, a situação está sob controle. Obrigada, foi de grande ajuda –
pendurou e olhou Colt-. E Liz?
- Está bem. Disse-lhe que esperasse a polícia junto ao caminho. Ouvi os
disparos –tinha as mãos firmes, algo que agradeceu, já que por dentro era
gelatina-. Pensei que a tinham descoberto.
Projetos Romances
115
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Não se equivocou. Esse –com a cabeça indicou Wave-. Já me viu com
Wild Bill. Por que não vai procurar uma toalha? Será melhor que tentemos
parar a hemorragia.
- Ao demônio com isso! –a fúria saiu tão repentinamente e com tanta
violência que os dois homens tendidos no solo tremeram-. Tem um corte na
cabeça.
- Tenho? –acercou os dedos à dor palpitante na têmpora direita, depois
observou o sangue com desgosto-. Diabos. Espero não precisar pontos. Odeio
pontos.
- Qual deles golpeou você? –Colt estudou os três homens com olhos
gelados-. Quem?
- O que recebeu o disparo. O que está sangrando. Vá procurar uma
toalha e veremos se conseguimos que chegue vivo ao tribunal –quando não
respondeu, se interpôs entre Colt e o ferido. As intenções dele eram óbvias-.
Não me venha com essas tolices, Nightshade. Não sou uma donzela em apuros,
e os cavaleiros de brilhante armadura me irritam. Entendido?
- Sim –conteve a respiração. Percorriam-no demasiadas emoções.
Nenhuma alteraria a situação-. Sim, entendido tenente.
Girou para fazer o que ela tinha pedido. “Depois de tudo”, pensou.
“Althea pode manejar a situação. Pode manejar tudo”.
Não começou a serenar-se até achar-se outra vez no avião. Ao menos
tinha que fingir calma pelo bem de Liz. Tinha-se agarrado a ele, suplicando-lhe
que não a enviasse com a polícia, que ficasse com ela. Por isso tinha aceitado
que a pequena ocupasse o assento do co-piloto e Althea fora atrás.
Com olhar perdido, a jovem olhava pelos pára-brisas. Apesar das
tentativas dele de lhe passar calor, não parava de tremer. Quando puseram
rumo ao este, começou a chorar. Os ombros tremeram com violência, mas não
emitiu nenhum som.
- Vamos, pequena –impotente, Colt segurou sua mão-. Já passou tudo.
Ninguém mais vai lhe ferir.
Mas as lágrimas silenciosas seguiram caindo.
Sem dizer uma palavra, Althea se levantou, avançou e com calma soltou
o cinto de segurança. Comunicando-se mediante o contato, fez com que Liz se
levantasse. Ocupou o assento e a acomodou em seu abraço, com a cabeça no
ombro.
- Não olhe para trás –murmurou.
Quase de imediato, os soluços de Liz soaram em toda a cabine. A dor
que manifestava rasgou o coração de Althea enquanto a abraçava. Destroçado
Projetos Romances
116
Gritos Noturnos
Nora Roberts
pelo pranto, Colt alongou uma mão e lhe acariciou o cabelo. Mas ao sentir o
contato a jovem se aconchegou mais contra Althea.
Ele baixou a mão e se concentrou no céu.
Foi a gentil insistência de Althea o que convenceu Liz que o melhor
seria ir primeiro ao hospital. A pequena não parava de repetir que queria ir pra
casa. E a todo momento teve que recordar com suavidade que seus pais já
estavam a caminho de Denver.
- Sei que é duro –manteve o braço em torno dos ombros de Liz-. E sei
que assusta, mas precisa ser examinada.
- Não quero que nenhum médico me toque.
- Eu sei –o sabia bem demais-. Mas é uma doutora –sorriu e lhe
acariciou o braço-. Não fará nenhum mau a você.
- Será muito rápido –assegurou Colt. Lutou por manter o sorriso. O que
desejava era gritar. Quebrar algo. Matar alguém.
- De acordo –Liz voltou a olhar com receio a sala de consulta do
hospital-. Por favor… - apertou os lábios e olhou com expressão de súplica a
Althea.
- Quer que vá com você? Que fique com você? –ante ao consentimento
da menina, abraçou-a com mais força-. Claro, não há problema. Colt por que não
vai procurar uma máquina de refrigerantes, talvez caramelos? –sorriu à jovem –
Eu gostaria de um chocolate. E você?
- Sim –Liz respirou fundo-. Suponho que sim.
- Voltaremos em alguns instantes– disse Althea a Colt.
Sentindo-se inútil, percorreu o corredor.
Dentro do consultório, Althea ajudou Liz a tirar a roupa e colocar uma
bata. Notou os hematomas em seu corpo, mas não disse nada. Precisariam de
uma declaração oficial de Liz, mas isso podia esperar um pouco mais.
- Esta é a doutora Mailer –explicou quando a jovem doutora de olhar
suave se aproximou da maca.
- Oi, Liz –a doutora Mailer não ofereceu a mão nem a tocou de nenhum
modo. Especializava-se em pacientes com traumas e compreendia o terror que
dominava às vítimas violentadas-. Vou ter que fazer umas perguntas e algumas
verificações. Se há algo que deseje me perguntar, adiante. E se quiser que
pare, que espere um pouco, diga. De acordo?
- De acordo –Liz se concentrou no teto. Mas não deixou de apertar com
força a mão de Althea.
Projetos Romances
117
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Esta tinha solicitado a doutora Mailer porque conhecia sua reputação.
À medida que avançava o exame, ficou mais do que convicta de que era uma
reputação justificada. Mostrou-se amável, delicada e eficaz. Parecia que
instintivamente sabia quando devia parar, dar-lhe a oportunidade a Liz de que
se recobrasse, e quando continuar.
- Terminamos –a doutora Mailer tirou as luvas e sorriu-. Quero que
descanse aqui um momento enquanto vou preparar uma receita para você antes
que saiam.
- Não terei que ficar aqui, verdade?
- Não –apertou a mão-. Fez tudo certinho. Quando seus pais chegarem,
voltaremos a falar. Quer que tragam alguma coisa para você comer? – ao sair
da sala, voltou-se com o olhar que indicou a Althea que elas também
conversariam mais tarde.
- Deu tudo certo, de verdade –disse, ajudando-a a sentar-se-. Quer
que eu vá ver se Colt encontrou o chocolate?
- Não quero ficar sozinha.
- Muito bem – pegou a escova da bolsa e começou a desembaraçar o
cabelo-. Me avise se estou machucando.
- Quando vi você no salão da choupana, pensei que era outra das
mulheres que eles levavam lá. Que ia acontecer tudo outra vez –fechou os olhos
e as lágrimas caíram por entre suas pestanas-. Que iam me obrigar a fazer
outra vez essas coisas.
- Eu sinto muito. Não tinha nenhum jeito de avisar você de que estava
lá para ajudar.
- E ao ver Colt na janela, pensei que sonhava. Não deixava de sonhar
que alguém apareceria, mas nunca acontecia. Estava com medo que meus pais
não se importassem comigo.
- Querida, seus pais em nenhum momento deixaram de se preocupar –
pegou no queixo dela- Eles estão muito preocupados. Por isso enviaram Colt. E
posso dizer que ele também gosta de você. Não pode imaginar as coisas que me
convenceu a fazer para encontrar você.
Liz tentou sorrir, mas não conseguiu.
- Mas não sabem… talvez não me queiram mais quando souberem… tudo.
- Não. Eles ficarão tristes, e será realmente duro para eles. Mas isso é
porque gostam de você. Nada do que tenha acontecido vai mudar isso.
- Eu… eu não consigo fazer outra coisa além de chorar.
Projetos Romances
118
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Então é o único que deve fazer, por agora.
- Foi culpa minha fugir de casa –passou uma mão trêmula pela
bochecha.
- Sim –concordou Althea-. É a única coisa de que tem culpa.
Liz afastou as lágrimas do rosto que continuaram caindo enquanto
olhava para o chão.
- Não entende o que se sente. Não sabe o que é. O terrível que é.
- Você está errada –com delicadeza voltou a pegar o rosto dela entre
as mãos-. Entendo. Entendo muito bem.
- Sim? –tremeu-. Aconteceu com você também?
- Quando tinha mais ou menos a sua idade. E senti como se alguém me
tivesse arrancado algo que nunca mais recuperaria. Pensei que nunca mais
voltaria a estar limpa, inteira. Ser eu outra vez. E chorei durante muito, muito
tempo, porque dava a impressão de que não podia fazer outra coisa.
- Não deixava de repetir a mim mesma que não era eu –Liz aceitou o
lenço de papel que Althea depositou em suas mãos-. Mas estava muito
assustada. Acabou. Colt não para de dizer que já acabou, mas dói.
- Eu sei –a acalentou em seus braços-. Dói mais do que nada no mundo,
e vai doer por algum tempo. Mas você não está sozinha. Deve lembrar que não
está só. Tem a sua família, seus amigos. Tem Colt. E pode falar comigo sempre
que precisar.
- O que você fez? – apoiou a cabeça no peito de Althea-. Que fez?
- Sobrevivi –murmurou, com o olhar perdido por cima da cabeça da
pequena-. E você também sobreviverá.
Colt estava na porta do consultório, com latas de refrigerantes e
guloseimas nas mãos. Se antes se sentia inútil, nesse momento a sensação era
insuportável.
Ali não tinha lugar para ele, não tinha maneira em que pudesse entrar
na dor dessa mulher. Sua primeira reação foi de ira. Mas, para onde canalizála? Voltou-se para deixar os refrigerantes sobre uma mesa na sala de espera.
Se não podia consolar a nenhuma das duas, se não podia parar o que já tinha
acontecido, o que poderia fazer?
Na sala de consulta, Althea terminou de pentear o cabelo de Liz.
- Quer se vestir?
A jovem conseguiu esboçar o que passou por um sorriso.
- Não quero voltar a colocar essa roupa, nunca mais.
Projetos Romances
119
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Bem dito. Bem, talvez consiga encontrar algo… -se voltou ao captar
um movimento na porta. Viu uma mulher pálida e a um homem abatido, os dois
com os olhos vermelhos.
- Oh, pequena! Liz! –a mulher foi a primeira em mover-se, seguida do
homem.
- Mamãe! –Liz voltou a soluçar enquanto abria os braços-. Mamãe!
Althea ficou de lado ante o encontro de pais e filha. Ao ver Colt na
porta, dirigiu-se para ele.
- Será melhor que fique com eles. Antes de sair, vou avisar a doutora
Mailer que chegaram.
- Aonde vai?
- Redigir meu relatório –passou a bolsa ao ombro.
Depois foi para casa tomar um banho quente. Esfregou o corpo até que
quase deixou de senti-lo. Cedendo à exaustão, tanto física como emocional,
deitou-se nua na cama e teve e sonhou até que as batidas na porta a
acordaram.
Aturdida, procurou o roupão e fez um nó no cinto enquanto ia
comprovar quem era. Franziu o cenho ao ver Colt pela mira, a seguir abriu a
porta inesperadamente.
- Me dê um motivo para não prender você por incomodar a paz alheia.
Minha paz.
- Eu trouxe pizza – mostrou a caixa plana.
- Isso pode chegar a salvar você. Suponho que também queira entrar.
- Essa era a idéia.
- Bem, adiante, então –com esse duvidoso convite, foi procurar pratos
e guardanapos-. Como está Liz?
- Surpreendentemente bem. Marleen e Frank são muito fortes.
- Tem que ser –regressou com os pratos -. Espero que compreendam
que vão precisar de conselhos.
- E falaram disso com a doutora Mailer. Ela vai ajudá-los a encontrar
um bom terapeuta –pegou uma porção de pizza e escolheu com cuidado suas
palavras-. O primeiro que quero fazer é agradecer você. E não me interrompa,
Thea. Gostaria de falar tudo.
- De acordo –se sentou e pegou uma porção-. Fale.
Projetos Romances
120
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Não falo só da cooperação oficial, do modo que me ajudou a encontrála e a resgatá-la. Por isso estou em dívida contigo, mas entra no plano
profissional. Não tem nenhuma bebida para acompanhar isto?
- Há vinho na cozinha.
- Irei busca-lo –disse ao começar a levantar.
- Como queira –Althea encolheu os ombros e continuou comendo. Colt
regressou com uma garrafa e dois copos-. Suponho que estava cansada demais
para me dar conta de que morria de fome.
- Então não devo desculpar-me por ter acordado você –encheu ambos
os copos mas não bebeu-. Também quero agradecer pelo modo que se
comportou com Liz. Pensei que resgatá-la bastava… já sabe, isso de ir de
cavaleiro andante que tanto irrita você –levantou a vista e se encontrou com
seus olhos-. Não foi assim. Também não bastou dizer que tudo estava bem, que
tinha acabado. Precisava de você.
- Precisava de uma mulher.
- E você é. Sei que é esperar demais, mas depois de que você saiu ela
me perguntou por você várias vezes –remexeu o conteúdo do copo-. Vão ficar
na cidade pelo menos alguns dias, até que a doutora Mailer tenha alguns dos
resultados que espera. Pensei que poderia falar outra vez com Liz.
-Não é necessário que me peça isso, Colt – pegou a mão dele-. Eu
também me envolvi.
- E eu, Thea – beijou-lhe a mão-. Estou apaixonado por você. Não, não
se afaste – apertou os dedos antes que pudesse se soltar-. Nunca antes tinha
dito isso a uma mulher. Costumava empregava termos alternativos –sorriu um
pouco-. Estou louco por você, é especial para mim, essas coisas. Mas jamais usei
a palavra amor, não até conhecer você.
Acreditava. E o que era mais aterrorizador, queria acreditar. “vá com
cuidado”, recordou-se. “passo a passo”
- Escuta, Colt, nós dois temos estado numa montanha russa desde que
nos conhecemos… faz muito pouco tempo. As coisas, as emoções, tendem a
adquirir proporções desmedidas numa montanha russa. Por que não freamos um
pouco?
A sentiu nervosa, mas essa ocasião não o divertiu.
- Tive que aceitar que não podia mudar o que aconteceu a Liz. Foi duro.
Mas não posso mudar o que sinto por você. Aceitar isso é fácil.
- Não sei muito bem o que quer de mim, Colt, e não acredito que seja
capaz de dar.
Projetos Romances
121
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Pelo que aconteceu com você. Pelo que ouvi o que você contou a Liz no
consultório.
- Isso foi entre Liz e eu –se retraiu no instante, completamente-. E não
é assunto seu.
Foi exatamente a reação que Colt esperava, para que estava preparado.
-Nós dois sabemos que não é verdade. Mas falaremos disso quando
estiver preparada –sabendo o valor que tinha manter desconcertado um
oponente, pegou o copo -. Sabe que dão a Wave possibilidades de cinqüenta por
cento para sobreviver?
- Eu sei –o observou com receio-. Liguei para o hospital antes de ir para
cama. No momento, Boyd se ocupa do interrogatório de Kline e Donner.
- Tem vontade de que caiam em suas mãos, eh?
- Sim –sorriu.
- Sabe? Ao ouvir os disparos pensei que meu coração tinha parado –mas
descontraído, deu uma mordida na fatia da pizza-. Regressei a toda velocidade,
pronto para patear algumas bundas, pior ao entrar como uma cavalaria, que é o
que vejo? -moveu a cabeça e bateu o copo com o de Althea-. Você com sangue
pelo rosto… -se deteve para passar com delicadeza um dedo pela têmpora
protegida-. Com uma pistola em cada mão.Um animal de cento cinqüenta quilos
sangrando a seus pés e outros dois sujeitos de bruços com as mãos por cima da
cabeça. E você erguida, parecida à deusa Diana depois de uma caçada,
recitando os direitos. Tenho de reconhecer que me senti bastante supérfluo.
- Esteve bem, Nightshade –suspirou-. E acredito que merece saber que
me senti muito contente de ver você. Parecia Jim Bowie no Álamo
- Ele perdeu.
- Você não –cedeu e se adiantou para dar-lhe um beijo.
- Nós não –corrigiu. - trouxe um presente.
- Sim? –como o momento perigoso parecia ter passado, sorriu e voltou
a beijá-lo-. Me dê –ele lançou a mão para trás e meteu a mão no bolso da
jaqueta. Pegou uma pequena bolsa de papel e a colocou em frente a ela-. Oh,
vejo que o embrulhou muito bem –riu entre dentes ao meter a mão no interior.
Pegou uma calcinha e um sutiã da cor azul celeste. O riso se transformou numa
gargalhada.
- Pago minhas dívidas –informou Colt. - Como supus que você deveria
ter muitas daquela cor, escolhi algo diferente –estendeu a mão para sentir a
seda e a renda-. Talvez queira provar.
- Em seu momento –ainda que sabia o que queria nesse momento. O que
precisava. Levantou-se para tomá-lo. Meteu os dedos no cabelo dele e puxou
Projetos Romances
122
Gritos Noturnos
Nora Roberts
até levantar o rosto dele para que suas bocas se encontrassem-. Talvez queira
ir para cama comigo.
- Decididamente –subiu as mãos por seus quadris, sem afastar a boca
de seus lábios-. Pensava que nunca perguntaria.
- Não queria que a pizza se esfriasse.
- Continua com fome? –baixou um dedo pelo centro de seu corpo para
tirar o cinto do roupão.
Ela pegou a camisa dele.
- Agora que mencionou, talvez sim –riu.
Dirigiu-se para ao quarto, decidido a dar-lhe outra surpresa.
Depositou-a na cama, tombando-se a seu lado enquanto enchia o rosto dela de
beijos leves e tentadores.
Os dedos de Althea se achavam ocupados desabotoando os botões da
camisa. Sabia o que a esperava e estava preparada, e ansiosa, para a tormenta,
o fogo e a invasão de sensações. Quando as mãos afastaram o algodão e
encontraram uma pele cálida e firme, emitiu um gemido baixo e satisfeito.
Seguiu beijando-a e mordiscando-a enquanto ela o despia. Em seus
movimentos tinha uma energia frenética que prometia algo selvagem e febril.
Cada vez que Colt sentia uma apunhalada de desejo, absorvia o impacto e
continuava com seu rimo descontraído.
- Eu o desejo –impaciente, Althea girou a boca para a sua e se arqueou
contra ele.
Colt desconhecia que duas palavras pudessem fazer-lhe ferver o
sangue. Mas seria fácil demais tomar o que ela oferecia e perder o que ainda
retinha.
- Eu sei. Posso perceber –voltou a beijá-la com tanta ternura que lhe
provocou outro gemido. A mão que tinha estado fechada sobre o ombro de Colt
ficou frouxa-. E eu a desejo também –murmurou, jogando-se para trás para
contemplá-la-. Toda –fascinado, passou os dedos pelo cabelo, estendendo-o até
que acendeu a savannah branca. Depois baixou para dar-lhe um beijo gentil
sobre a têmpora ferida.
A emoção provocou um nó na garganta de Althea.
- Colt…
- Sss… Só quero olhar – e olhou, enquanto passava um dedo por suas
feições e acariciava o lábio inferior com o polegar, para baixá-lo pela mandíbula
e pousá-lo uns momentos na veia que palpitava no pescoço-. O sol está se pondo
–sussurrou-. A luz realiza coisas incríveis sobre seu rosto, seus olhos agora são
dourados, com tons mais escuros, da tonalidade do brandy. Jamais vi olhos
Projetos Romances
123
Gritos Noturnos
Nora Roberts
como os seus. Parece tirada de um quadro. Mas posso tocar –deslizou o polegar
pelo pescoço-, sentir como treme, saber que é real.
- Não preciso de palavras –levantou uma mão para abraço-lo outra vez
e desterrar a necessidade.
- Claro que sim –sorriu um pouco. - É possível que não tenha encontrado
as adequadas, mas precisa –foi colar os lábios ao seu pulso e notou a marca leve
dos roxos. E lembrou.
Franziu o cenho quando se sentou e lhe tomou ambas mãos. Examinou
os pulsos com cuidado.
- Eu fiz isto.
“Santo Deus”, pensou ela. “tem que existir um modo de por fim a este
terrível tremor”.
- Não importa. Estava irritado. Agora faça amor comigo.
- Não gosto de saber que posso magoar quando estou bravo, ou que é
possível que volte a fazê-lo –com extremo cuidado, beijou-lhe cada pulso-. Faz
com que que seja fácil esquecer quanto é suave, Althea –as mangas do roupão
baixaram por seus braços e a beijou até o cotovelo-. Quanto é pequena e
perfeita. Tenho que demonstrar.
Passou uma mão sob a cabeça dela e levantou seu rosto, deixando que o
cabelo caísse como uma cascata. Possuiu outra vez sua boca, saboreando um
beijo profundo e sonhador que fez que Althea se sentisse em órbita. Colt
sentiu que outra camada se dissolvia. Com músculos trêmulos, ela lhe rodeou o
pescoço com os braços.
Não sabia o que fazia, só que era incapaz de pensar, de resistir. Tinha
estado preparada para a necessidade, e ele estava dando ternura. Que defesa
podia ter contra a paixão e seu suave envoltório de doçura? Quis dizer que a
sedução era desnecessária, mas era glorioso render-se aos segredos que Colt
desentranhava com essa boca devastadoramente suave e essas mãos lentas e
hábeis.
Voltou a depositá-la sobre a cama e Althea ouviu o sussurro do tecido
enquanto abaixava o roupão, para liberá-los para emfim oferecer-lhe beijos
com a boca aberta enquanto com a língua deixava um rasto úmido.
Colt notou o instante em que ela se deixou ir. Experimentou o calor do
triunfo quando as mãos de Althea, tão suaves como as suas próprias,
começaram a acariciá-lo. Resistiu ao impulso de acelerar o ritmo e a explorou
sobre da bata, sob ela, uma e outra vez, à medida que o corpo dela se derretia
como cera quente.
Projetos Romances
124
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Em nenhum momento deixou de observar o rosto de Althea, excitado
por cada reflexo de emoção, tentado pelo modo em que continha o fôlego, para
depois soltá-lo quando sentia seu contato. Teria jurado que a sentiu flutuar ao
despi-la por completo.
Então ela abriu os olhos, escuros e pesados, Colt compreendeu que,
ainda que entregue, não ia mostrar-se passiva. Suas mãos também eram
exaustivas, tocando, possuindo, com a mesma ternura insuportável.
Até que ficou tão seduzido como ela.
Gemidos suaves e roucos. Segredos contados em sussurros. Carícias
prolongadas. O sol se perdeu no crepúsculo e este na noite. Tinha necessidade,
mas não a precipitação febril de saciá-la. Tinha prazer, o desejo sonolento de
prolongá-lo.
Ele tocou e ela tremeu. Ela provou e ele foi dominado por um arrepio.
Quando ao fim se introduziu em seu interior, Althea sorriu e o
abraçou. O ritmo que estabeleceram foi paciente, carinhoso e tão verdadeiro
como a música. Ascenderam juntos, até que o ofego de Colt imitou o dela. E
depois flutuaram regressando a terra.
Althea guardou um longo momento em silêncio, aturdida pelo que
aconteceu. Ele lhe tinha dado algo e, a mudança, ela tinha devolvido o gesto
livremente. Não era algo que pudesse recuperar. Perguntou-se que passos
poderia dar uma vez que tinha descoberto que estava apaixonada.
Pela primeira e única vez em sua vida.
Talvez passasse. Uma parte dela se encolheu ante a idéia de perder o
que acabava de encontrar. Sem importar a firmeza com que se recordou que
sua vida era tal como a queria, não foi capaz de pensar com profundidade como
seria sem ele.
No entanto, não tinha eleição. Colt iria embora. E ela sobreviveria.
- O que pensa? – pôs-se de costas e a rodeou com um braço para
abraça-la-. Quase posso ouvir as engrenagens de seu cérebro –contente,
beijou-lhe o cabelo e fechou os olhos-. Me diz o que é que passou primeiro por
sua cabeça.
- O que? Não…
- Não, não, não o analise. É uma prova. A primeiro, Thea. Agora.
- Me perguntava quando você iria embora –se ouviu sussurrar.-Para
Wyoming .
- Ah –sorriu com expressão comprazida-. Gosto de saber que sou a
primeira coisa que ocupa sua mente.
- Não fique vaidoso, Nightshade.
Projetos Romances
125
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- De acordo. Não fiz nenhum plano concreto. Primeiro deveria atar
alguns cabos soltos.
- Quais?
- Você, para começar. Não fixamos uma data.
- Colt…
Ele voltou a sorrir. Talvez fosse uma fantasia, mas em vez de
irritação., pareceu-lhe captar exasperação. Em seu tom de voz.
- Continuo preferindo o reveillon… suponho que voltei a ser
sentimental, ainda que temos tempo para falar. Depois está o fato de que não
terminei o que me trouxe aqui.
- A que se refere? –levantou a cabeça-. Encontrou Liz.
- Não basta –os olhos brilharam na escuridão-. Não temos o chefe. Não
terá terminado até que o capturemos.
- Isso é algo que que eu preciso me preocupar, a mim e ao
departamento. Aqui não há lugar para as vinganças pessoais.
- Não disse que era uma vingança –ainda que fosse-. Pretendo fechar o
caso, Althea. E gostaria que continuassemos trabalhando juntos.
- E se minha resposta for não?
- Me esforçaria ao máximo em conseguir que você mudasse de idéia.
Talvez não tenha notado, mas posso ser tenaz.
- Eu notei –murmurou. Uma parte dela resplandecia ante a idéia de que
sua parceira não tivesse terminado-. Suponho que posso dar uns dias a mais.
- Bem –se moveu para passar uma mão pelo quadril-. Inclui na oferta
umas noites a mais?
- Suponho que poderia –esboçou um sorriso travesso. -Se fizer que
valha a pena.
- Oh, eu farei –sob a cabeça-. É uma promessa.
Capítulo 11
Com o grito ainda rasgando-lhe a garganta, Althea se sentou na cama.
Cega de terror e fúria, lutou contra os braços que a rodeavam enquanto
respirava fundo para voltar a gritar. Podia sentir as mãos dele tocando-a,
quentes, violentas. Mas nessa ocasião… “Deus, que nesta ocasião…”.
- Althea –Colt a sacudiu, obrigando-se a manter a voz serena, ainda que
o coração batesse depressa.-. Althea, acorde. Está sonhando.
Projetos Romances
126
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Ela abriu passo entre as bordas do sonho, sem deixar de debater-se. A
realidade era uma luz fraca em comparação as escuras profundidades do
pesadelo. Com um último esforço, conseguiu agarrá-lo.
- Calma, calma… -emocionado ainda pelo grito que o tinha acordado,
acalentou-a, colando-a a seu corpo e sentindo o grito suor que a dominava-.
Calma, meu amor. Agarra-se a mim.
- Oh, Deus… -soluçou ao enterrar o rosto no ombro dele. Fechou com
impotência as mãos a suas costas-. Oh, Deus... Oh, Deus...
-Já passou -continuou tranqüilizando-a quando ela o abraçou com mais
força-. Estou aqui. Foi um sonho, isso é tudo. Só sonhava.
Tinha conseguido escapar do pesadelo, mas o temor que tomava conta
dela era grande demais para permitir ficasse envergonhada. Tremendo,
agarrou-se a ele e tentou absorver a força que emitia.
- Dê-me um minuto. Num minuto estarei bem –disse que os tremores
passariam, que as lágrimas se secariam, que o medo se desvaneceria-. Sinto mas nada parava-. Deus, sinto muito.
- Simplesmente relaxe -tremia como um pássaro e parecia igualmente
frágil-. Quer que acenda a luz?
- Não -apertou os lábios com a esperança de serenar a voz. Não queria
luz. Não queria que a visse até que tivesse se recuperado-. Não. Me deixe
beber um pouco de água. Ficarei bem.
- Irei buscar – afastou o cabelo dela do rosto e a viu cheia de lágrimas. Volto em seguida.
Althea subiu os joelhos até o peito quando ficou só. «Controle»,
ordenou-se, mas apoiou a cabeça nos joelhos. Enquanto escutava o som da
torneira e via o facho de luz através da porta do quarto, respirou fundo.
- Sinto muito, Nightshade -disse quando regressou-. Suponho que
acordei você.
- Suponho que sim -notou que a voz dela era mais firme. Mas não as
mãos. Ele as tomou e levou a água a seus lábios-. Deve de ser um mau pesadelo.
A água aliviou a garganta seca.
-Sim. Obrigado -lhe devolveu o copo, sufocada por não ser capaz de
sustentá-lo.
Ele o deixou na mesinha ao lado da cama antes de voltar para o lado
dela.
- Conte-me.
- É por causa do dia duro que tivemos e à pizza - encolheu os ombros.
Projetos Romances
127
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Com firmeza e suavidade lhe tomou o rosto entre as mãos. A luz que
tinha deixado acesa no banheiro projetava um reflexo tênue. Graças a ela pôde
ver a pálida que estava.
- Não. Não vou descartar isso, Thea. Não vai deixar de lado. Gritava ela tentou virar o rosto, mas Colt não permitiu-. Continua tremendo. Posso ser
tão obstinado como você, e agora mesmo acredito que tenho vantagem.
- Foi um pesadelo -quis mostrar-se furiosa com ele, mas não achou
forças-. As pessoas têm pesadelos.
- Com que assiduidade os sofre?
- Com nenhuma -levantou uma mão cansada e passou no cabelo-. Não o
tinha há anos. Não sei que o provocou.
Ele acreditava saber. E a não ser que estivesse muito equivocado,
acreditava que também Althea sabia.
- Tem uma camiseta, uma camisola ou algo parecido? Está gelada.
- Irei procurar.
- Me diz onde está -o suspiro rápido e irritado dela o tranqüilizou.
- Na gaveta superior da cômoda. À esquerda.
Levantou-se e ao abrir a gaveta pegou o primeiro que achou. Antes de
passar pela cabeça, notou que era uma camiseta de malha grande.
-Bonita lingerie que usa, tenente.
- Cumpre com sua função.
Ele a deitou e colocou uns travesseiros sob a cabeça, como faria uma
mãe com uma menina mimada.
- Não gosto que você se envolva -comentou com o cenho franzido.
- Sobreviverá.
Ao ficar satisfeito de que se encontrava cômoda, pôs a camisa.
Quisesse ou não, decidiu que ia falar. Sentou-se junto a ela. Tomou-lhe a mão e
aguardou até que o olhou aos olhos.
- O pesadelo. Tinha a ver com o momento em que violentaram você,
verdade? -os dedos dela se puseram rígidos em sua mão-. Eu falei que ouvi a
conversa sua com Liz.
- Foi faz muito tempo. Não é algo que tenha a ver com o presente.
- Tem sim, quando acorda gritando. A situação pela que passou Liz, fez
que recordasse de tudo.
- Muito bem. E daí?
- Confie em mim, Althea - sussurrou sem deixar de olhá-la-. Deixa que
eu ajude.
Projetos Romances
128
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Dói - ouviu responder. Depois fechou os olhos. Era a primeira vez que
reconhecia isso ante alguém-. Não o tempo todo. Nem sequer a maior parte. De
vez em quando aparece de surpresa e me rasga.
- Quero entendê-lo -lhe beijou as mãos. Quando ela não tentou
afastar-se, deixou-as sob seus lábios-. Conte-me.
Não sabia por onde começar. O mais certo parecia fazê-lo pelo
princípio. Apoiou a cabeça no travesseiro e fechou outra vez os olhos.
- Meu pai bebia e, quando o fazia, embebedava-se, e então se tornava
um homem mesquinho. Tinha mãos grandes -fechou as suas e se obrigou a
relaxá-las-. Empregava-as contra minha mãe, contra mim. Minha primeira
recordação é dessas mãos, da ira que tinha nelas, que eu era incapaz de
compreender e podia opor-me. Dele não recordo muito bem. Uma noite
enfrentou alguém mais mesquinho e acabou morto.
-Eu tinha seis anos -abriu os olhos ao entender que era outra maneira
de ocultar-se-. Logo, minha mãe decidiu seguir por onde ele tinha parado ... com
a garrafa. Não bebeu tanto como ele, foi mais consistente.
- Tinhas alguém mais?
- Avôs pelo lado materno. Desconhecia onde viviam. Jamais os vi.
Deixaram de falar com sua filha quando fugiu com meu pai.
- Mas, conheciam sua existência?
-Por ser assim, não importava.
Ele não disse nada, tratando de assimilá-lo. Mas foi impossível
entender essa indiferença.
- Muito bem. Que fez?
- Quando é uma menina, não faz nada -expôs-. Estamos a mercê dos
adultos, e a realidade é que muitos adultos são implacáveis -se deteve um
momento para recuperar o fio da história-. Quando eu tinha uns oito anos, ela
saiu, saía muito, mas numa ocasião não regressou para casa. Alguns dias mais
tarde, um vizinho chamou o Serviço Social. E me introduziram no sistema alongou a mão para o copo de água. Dessa vez não tremeu-. É uma história longa
e típica.
- Quero ouvi-la
- Me colocaram num lar adotivo -bebeu um gole. Não fazia sentido
contar que como assustada e perdida estava me sentindo. Os fatos eram mais
do que suficientes-. Estava bem. Decente. Mas então encontraram a minha
mãe, a repreenderam, disseram-lhe que se regenerasse e me devolveram a sua
custódia.
- Por que diabos fizeram isso?
Projetos Romances
129
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- As coisas eram diferentes então. O tribunal acreditou que o melhor
lugar para uma menina era com sua mãe. De todos modos, não passou muito sem
que voltasse a beber e o ciclo se retomasse. Fugi algumas vezes, mas sempre
me encontravam. Mais lares adotivos. Não deixam num muito tempo, em
particular quando é reincidente.
- Não me estranha.
- Conheci todo o sistema. Domésticas sociais, tribunais, conselheiros
escolares. Todos sobrecarregados de casos. Minha mãe se enganchou com
outro sujeito e decidiu largar-se para sempre. Acredito que foi para o México.
Seja como for, não regressou. Eu tinha doze ou treze anos. Odiava não poder
manifestar onde queria ir, onde queria estar. Fugia na primeira oportunidade
que me apresentava. De maneira que me etiquetaram como uma delinqüente
juvenil e me colocaram num lar para garotas, o mais parecido a um
reformatório -esboçou um sorriso carente de humor -Isso me provocou medo.
Era duro, semelhante a uma prisão. De maneira que me reformei e me
comportei bem. Com o tempo voltaram a destinar-me a um lar adotivo.
Esvaziou o copo e o deixou na mesinha. Sabia que não teria as mãos
firmes muito tempo.
- Temia que dessa vez não conseguisse fazer que funcionasse,
devolvessem-me ao lar para garotas até cumprir os dezoito anos. Assim eu me
esforcei. Era um casal agradável, ingênuo, talvez, mas com boas intenções.
Queriam fazer algo para consertar os erros da sociedade. Iam a manifestações
contra as usinas nucleares, falavam de adotar a um órfão vietnamita. Suponho
que em ocasiões me burlava deles a suas costas, mas gostava deles de verdade.
Foram amáveis comigo -guardou silêncio e ele não disse nada, dando-lhe tempo
para que continuasse-. Puseram-me limites bons e me trataram com justiça.
Mas tinha um inconveniente. Tinham um filho de dezessete anos, capitão da
equipe de futebol e estudante de primeira. O braço direito deles. Um
verdadeiro jovem de estilo.
- Jovem de estilo?
- Já sabe, esse que é toda educação e cortesia por fora, cheio de
encanto. Mas que por trás da fachada é lixo. Não pode chegar a esse lixo
porque não deixa de escorregar com sua fachada polida; no entanto, está aí brilharam os olhos ao recordar-. Mas eu podia vê-la. Odiava como me olhava
quando eles não o viam -respirava mais depressa, mas ainda mantinha a voz
controlada-. Como se fosse um pedaço de carne para sua avaliação. Eles nem
notavam. O único que viam era o filho perfeito que jamais lhes tinha dado uma
Projetos Romances
130
Gritos Noturnos
Nora Roberts
dor de cabeça. E uma noite, quando tinham saído, ele voltou para casa depois de
um jogo. Deus.
- Está bem, Thea -quando ela cobriu o rosto com as mãos, abraçou-a-.
Já é suficiente.
- Não -moveu a cabeça com violência e se jogou para trás. Se tinha
chego tão longe, terminaria-. Estava irritado. Suponho que sua garota não
tinha se rendido a seus muitos encantos. Entrou em meu quarto. Quando disse
que saísse, riu e me lembrou que era sua casa e que estava ali só porque seus
pais sentiam pena de mim. Ele tinha razão.
- Não, não tinha.
-Tinha razão nisso -insistiu Althea-, não no demais. E baixou a
braguilha das calças. Corri para a porta, mas ele voltou e jogou sobre a cama.
Golpeou-me a cabeça com força contra a parede. Recordo-me de ter estado
mareada uns momentos e ouvir-lhe dizer que as garotas como eu pelo geral
cobravam, mas que devia de sentir-me lisonjeada por sua atenção. Meteu-se na
cama. O esbofeteei, amaldiçoei-o. Ele me golpeou e me imobilizou. Pus-me a
gritar. Não deixei de gritar o tempo inteiro enquanto me violava. Quando
terminou, eu tinha deixado de gritar. Só chorava. Saiu da cama e subiu as
calças. Advertiu-me que se contasse a alguém, negaria. Que ninguém ia
acreditar que eleprocuraria alguém como eu. Ele era puro, de maneira que não
teriam dúvidas. E sempre poderia conseguir que cinco de seus amigos
dissessem que estava disposta a deitar-me com eles. Depois me devolveriam ao
lar para garotas.
-Assim não disse nada, porque não tinha nada que dizer nem ninguém a
quem dizer. Durante o mês seguinte me violentou mais duas vezes, até que eu
juntasse dinheiro para voltar a fugir. Depois, encontraram-me. Talvez nessa
ocasião queria que o fizessem. Fiquei no lar até cumprir os dezoito anos. E,
quando saí, soube que ninguém voltaria a exercer jamais sobre mim esse tipo de
controle. Ninguém voltaria a fazer-me sentir que não era nada.
Sem saber bem que fazer, com gesto hesitante, ele estendeu uma mão
para secar-lhe uma lágrima da face.
- Fez de sua vida algo importante, Althea.
- Fiz que fosse minha -suspirou e com energia secou as lágrimas-. Não
gosto de pensar no que já passou, Colt.
- Mas está aí.
- Está aí -lembrou-. Tentar conseguir que desapareça só o trás à
superfície. Também aprendi isso.
Projetos Romances
131
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Quanto aceita que só faz parte do fez o que o você é hoje, deixa de
ser tão vital. Não me fez odiar os homens, nem a mim mesma. Fez que
compreendesse o que é ser uma vítima.
Teve vontade de abraçá-la, mas temeu que ela não quisesse que a
tocasse.
- Gostaria de conseguir que a dor desaparecesse.
- São cicatrizes velhas -murmurou-. Só doem em certos momentos percebeu o retraimento dele e sentiu que a dor se estendia-. Sou a mesma
pessoa que era antes de te contar. O problema é que quando a gente ouve uma
história assim, muda.
- Eu não mudei -foi tocá-la, mas ela se retraiu-. Maldita seja, Thea, não
sei que o dizer. O que fazer por você -se levantou e pôs-se a caminhar-.
Poderia preparar um pouco de chá.
- A cura para tudo de Nightshade? -quase riu-. Não, obrigada.
- O que quer? -instou ele-. Me diz.
- Por que não me diz o que você quer?
-O que eu quero -se dirigiu à janela e virou para ela-. Quero voltar no
tempo, para quando você tinha quinze anos e quebrar a cara desse filho de uma
puta. Quero fazer cem vezes mais dano do que ele fez a você. Depois quero ir
mais atrás e quebrar as pernas do seu pai, e de passagem sapatear na bunda de
sua mãe.
- Pois não pode -indicou com frieza-. Escolha outra coisa.
- Quero abraçar você -gritou, metendo as mãos nos bolsos-. Mas me dá
medo de tocá-la!
- Não quero seu chá nem sua simpatia. De maneira que se é a única
coisa que tem para oferecer, será melhor do que vá.
- É o que quer?
- O que eu quero é que me aceite por quem sou. E não que me trate
como uma inválida por ter sobrevivido à violação e o abuso.
Foi replicar, mas se conteve. Compreendeu que não pensava nela, senão
em sua própria ira, em sua própria impotência e dor. Devagar regressou à cama
e se sentou a seu lado. Os olhos de Althea seguiam úmidos; viu-os brilhar na
escuridão. Rodeo-a com um braço e com gentileza a abraçou até que ela apoiou
a cabeça em seu ombro.
- Não vou a nenhuma parte -sussurrou-. De acordo?
- De acordo -suspirou.
Projetos Romances
132
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Althea acordou ao amanhecer com dor de cabeça. No mesmo instante
soube que Colt não estava do seu lado. Cansada abriu a boca e esfregou os
olhos inchados.
Perguntou-se que tinha esperado. Nenhum homem se sentiria cômodo
com uma mulher depois de escutar a história que tinha contado. Não soube por
que tinha aberto seu passado dessa maneira. Como podia ter confiado
fragmentos de si mesma que nunca lhe tinha revelado a ninguém?
Inclusive a Boyd, a pessoa que considerava seu melhor amigo, só estava
a par dos lares adotivos. Quanto ao demais, tinha enterrado… até a noite
anterior.
Voltou a suspirar, incorporou-se e apoiou a testa nos joelhos.
Estava apaixonada por Colt. Ridículo como era, devia enfrentar a
verdade. “E”, tal como sempre tinha suspeitado, “o amor me deixa estúpida,
vulnerável e infeliz”.
Pensou que tinha que existir um remédio. Ou soro que pudesse tomar.
Como um antídoto para uma mordida de serpente.
O som de pisadas fez que levantasse a cabeça. Abriu muito os olhos ao
ver Colt entrar com uma bandeja nas mãos.
Se dispôs de uma fração de segundo para ler sua reação antes que a
ocultasse. Com pensamento sombrio compreendeu que Althea tinha acreditado
que ele tinha ido embora. Teria que ensiná-la que ia ficar, sem importar muito
oque ela pudesse fazer em contrário.
- Bom dia, tenente.
Com cautela, observou-o aproximar-se da cama e esperou até que
depositou a bandeja a seus pés.
- O que celebramos? -indicou os pratos com torradas francesas.
- Eu devia um café da manhã, lembra-se?
- Sim –levantou a vista a para seu rosto. O amor ainda fazia que se
sentisse estúpida e vulnerável, mas já não infeliz-. É um mago na cozinha.
- Todos temos nossos talentos -se sentou com as pernas cruzadas do
outro lado da bandeja e começou a comer-. Pensei... -mastigou e engoliu-... que
depois de nos casar, eu poderei me encarregar da cozinha.
Ela evitou a onda de pânico e engoliu a primeira mordida.
- Deveria conferir com alguém a respeito dessa obsessiva fantasia que
tem, Nightshade.
- Minha mãe está morrendo de vontade de conhecer você-sorriu ao ver
que o garfo caia no prato-. Meu pai e ela enviam saudações.
- Você... -não encontrou palavras.
Projetos Romances
133
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Os dois conhecem Liz. Liguei para tranqüilizá-los e falei de você -com
um sorriso, afastou-lhe o cabelo dos ombros-. Ela gostaria de um casamento na
primavera... já sabe, essas coisas das noivas em junho. Mas eu disse que não
pensava esperar tanto.
- Você é louco.
- É possível -o sorriso se desvaneceu-. Mas sou seu, Thea. Estou aqui
para valer, e não penso em deixar você.
- Escuta, Colt –“pense com lógica”, disse-se-. Tenho muito carinho por
você, mas...
- Que? -voltou a sorrir-. Me tem o que?
- Carinho -soltou, furiosa dele achar aquilo divertido.
- Eufemismos - apalpou a mão com afeto e moveu a cabeça-. Me
decepciona. Tinha considerado você uma pessoa direta.
- Cala a boca e me deixe comer – “ao inferno a lógica”.
Obedeceu, já que isso lhe dava tempo para pensar e para estudá-la.
Continuava um pouco pálida, e tinha os olhos inchados de ter chorado a noite
anterior. Mas não queria permitir-se ser frágil. Devia admirar sua inesgotável
energia. Recordou que ela não desejava simpatia, senão entendimento. Mas ia
ter que aceitar ambos dele.
- Como está o café?
- Bom -e como o café da manhã que tinha preparado já tinha
conquistado sua dor de cabeça, cedeu-. Obrigada.
- De nada -se adiantou e roçou os lábios com os seus-. Suponho que não
posso interessar você, numa coisa depois do café da manhã.
- Tenho que pensar -sorriu, descontraída, e lhe deu outro beijo. Fechou
os dedos sobre a medalha que ele tinha ao pescoço-. Por que a leva?
- Presente da minha avó. Dizia que quando um homem está decidido a
não se assentar num lugar, deveria ter alguém que velasse por ele. Até agora
funcionou muito bem -depositou a bandeja no solo e depois pegou Althea em
seus braços.
- Nightshade, disse...
- Eu sei, sei-a acomodou-. Mas se me ocorreu que se tínhamos que
tomar um banho, poderíamos não sair de nossa agenda.
Ela riu e lhe mordiscou o ombro.
Tinha que encaixar um dia completo em vinte e quatro horas. Esperavaa uma montanha de burocracia e precisava falar com Boyd a respeito do
Projetos Romances
134
Gritos Noturnos
Nora Roberts
interrogatório ao que submeteriam a Kline e a Donner antes de vê-lo em
pessoa. Por motivos pessoais e profissionais, queria entrevistar outra vez Liz.
Sentou-se e com meticulosidade começou a revisar os papéis.
- Perdoe-me, tenente -Cilla chamou à porta aberta-. Tem um momento?
- Sim, para a mulher do capitão -sorriu e lhe indicou que passasse-.
Disponho de um minuto e meio. Que faz por aqui?
- Boyd me contou -se inclinou e com olhos penetrantes de mulher viu,
além da maquiagem, que tinha passado uma noite difícil-. Você está bem?
- Estou bem. Cheguei à conclusão de que qualquer um que por própria
vontade decida sair de casa precisa de ajuda psiquiátrica imediata, mas foi uma
experiência.
- Deveria testar com três meninos.
- Não -respondeu com rapidez-. Não quero.
Cilla riu e se sentou na borda da mesa.
- Me alegro muito de que Colt e você encontraram a garota. Como está?
- Será difícil por um tempo, mas seguirá adiante.
- Esse miseráveis tinham que... -lhe brilharam os olhos mas calou-. Não
vim falar com a polícia.
- Oh?
- E sim do peru de Ação de Graças. Não me olhe assim -adiantou na
mente a, lista para a batalha-. Todos os anos tem uma desculpa para não vir
jantar, e desta vez não a aceitarei.
- Cilla, sabe que agradeço o convite.
- É da família. Queremos que venha -inclusive enquanto Althea movia a
cabeça, Cilla insistiu-: Deb e Gage vão vir. Faz um ano que não os vê.
Althea pensou na irmã menor de Cilla e no marido. Encantaria vê-la de
novo. Tinha se conhecido e reconhecido à amizade que as ligava enquanto
Deborah terminava a carreira em Denver. E Gage Guthrie. Franziu os lábios ao
pensar nele. Gostava dele, e até um cego teria visto que adorava a sua mulher.
Mas tinha algo nele... algo que não conseguia decifrar. Não mau nem que fosse
alvo de preocupação, mas algo.
- Volte à realidade -disse Cilla.
- Sinto muito -se ocupou dos papéis que estavam sobre a mesa-. Sabe
que me encantaria vê-los outra vez, mas...
- Vêm com Adrianna -a arma secreta de Cilla era a filha pequena de sua
irmã, a quem Althea só tinha visto em fotos e vídeos-. Nós duas sabemos que
os bebês deixam você louca.
Projetos Romances
135
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-Tenho que manter uma reputação -suspirou e se recostou na cadeira-.
Sabe que quero ver, a todos. E como estou certa de que ficarão para passar o
fim de semana inteiro, o farei. Irei no sábado.
- Virá ao jantar de Ação de Graças - esfregou as mãos ao erguer-seEste ano vai vir, ainda que tenha que dizer a Boyd que dê uma ordem. Vou
desfrutar da presença da família. De toda a família.
- Cilla…
- Está certo –cruzou os braços-. Vou comentar ao capitão.
- Está com sorte -disse Boyd ao chegar à porta-. O capitão está
disponível. E trouxe um presente – se colocou de lado.
- Natalie! -com uma exclamação de prazer, Cilla abraçou com força a
sua cunhada-. Pensei que estava em Nova York.
- E assim era - afastou Cilla para dar-lhe um beijo-. Tinha que vir por
uns dias, e me pareceu melhor do que essa fosse a minha primeira parada. Você
está fantástica.
- E você fenomenal, como sempre -o qual era verdade. A mulher alta e
esbelta com o cabelo loiro e o traje de corte conservador sempre faria que as
cabeças se voltassem para olhá-la-. Os garotos ficarão encantados de ver você.
- Não vejo a hora de abraçá-los -se voltou e estendeu ambas mãos-.
Thea. Não acredito na sorte de encontrar os três juntos.
- Me alegro em ver você-com as mãos ainda unidas, Althea apertou a
face de Natalie. Nos anos que tinha sido parceira de Boyd, a irmã menor dele e
ela eram de fato boas amigas-. Como estão seus pais?
- Muito bem. Mandam beijos a todos -por costume, olhou ao redor do
escritório-. Thea, não pode ao menos conseguir um espaço com uma janela?
- Gosto desse. Menos distrações.
-Quanto chegar à emissora, chamarei Maria -anunciou Cilla-. Preparará
algo especial para esta noite. Virá, Thea.
- Não perderia por nada do mundo.
- O que é isto? -inquiriu Colt ao tentar entrar no escritório-. Uma
conferência? Thea, vai ter que conseguir um escritório maior... -calou e ficou
boquiaberto-. Nat?
- Colt? -a expressão aturdida dela refletiu a dele.
- Que loucura -esboçou um sorriso e empurrou Boyd para ir abraçar
Natalie e levanta-la do solo-. Por todos os diabos. A preciosa Natalie. Quanto
tempo passou? Seis anos?
- Sete -lhe deu um beijo nos lábios-. Encontramo-nos em São
Francisco.
Projetos Romances
136
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Sim, no partido dos Giants. Está melhor do que nunca.
- Estou melhor do que nunca. – ela concordou- Por que não tomamos um
vinho depois e colocamos os assuntos em dia?
- Na realidade... -calou ao olhar a Thea. Estava sentada na borda da
mesa, observando a reunião com expressão de leve curiosidade e interesse
cortês. Ao dar-se conta de que ainda tinha Natalie pela cintura, baixou
rapidamente os braços -. Na realidade, eu... -como se supunha que um homem ia
falar com uma velha amiga quando a mulher que amava o estudava como se
fosse algo achatado sobre um peso-de-papel de vidro?
Natalie captou o olhar que passou entre Althea e Colt. Surpreendida ao
princípio, teve que ocultar uma risada com uma tossida. “Ah...”, pensou, “cheguei
num momento em que acontece algo interessante”.
- Colt e eu nos conhecemos faz tempo - disse ela-. Sendo adolescente
era louca por ele -lhe sorriu com gesto perverso -. Fiquei anos esperando que
se aproveite disso.
-É sério? -Althea levou um dedo aos lábios-. Não me parece dos lentos.
Um pouco denso, talvez, mas não lento.
- Tem razão nisso. Mas também é lindo, não é?-lhe piscou um olho.
- De uma maneira mais bem evidente –concordou Althea, desfrutando
do incômodo de Colt- Por que você e eu não tomamos esse vinho depois,
Natalie? Creio que temos muito que conversar.
- Com certeza.
- Não acredito que este seja o lugar idóneo para arrumar
compromissos sociais -consciente de que o superavam, Colt meteu as mãos nos
bolsos- Althea parece ocupada.
- Oh, disponho de um ou dois minutos. Que faz na cidade, Natalie?
- Vim por negócios. Sempre é grato quando pode misturá-los com o
prazer. Tenho uma reunião urgente numa hora com a junta diretiva sobre uma
de nossas propriedades da parte residencial da cidade. Ter uma imobiliária é
um trabalho a tempo integral. Sem uma direção adequada, pode ser uma grande
dor de cabeça --explicou.
- Não será na Segunda Avenida, verdade? -inquiriu Althea.
- Mmm, não. Há alguma em venda? -não pôde evitar rir-. Vícios da
profissão -indicou-Há algo especial em se ter uma propriedades, inclusive com
todos os problemas que arcam.
- Qual é o problema agora? -perguntou Boyd, tratando de sentir um
pouco de interesse.
Projetos Romances
137
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- O encarregado decidiu subir todos os aluguéis e ficar com a
diferença -respondeu Natalie com olhos duros, em marcado contraste com seu
rosto suave e precioso-. Odeio que me enganem.
- Orgulho -Boyd apoiou um dedo em seu nariz-. Odeia cometer um erro.
- Não cometi nenhum erro -alçou o queixo -. O currículo do homem era
sobressalente –quando seu irmão continuou com o sorriso, fez-lhe uma careta-.
O problema radica em dar autonomia a um encarregado. Não pode estar em
todas partes ao mesmo tempo. Lembro de um encarregado que tivemos que
dirigia um negócio de jogo num apartamento vazio. Mantinha-o alugado sob um
nome falso -continuou, quase divertida-. Inclusive tinha recheado a solicitação,
completa com referências falsas. Obtinha suficientes benefícios do jogo como
para permitir-se o gasto adicional do aluguel, que pagava religiosamente.
Jamais teria inteirado se alguém não tivesse chamado à polícia, que foi
pesquisar o lugar. Acabou que já tinha feito o mesmo em outras ocasiões.
-Santo céu -comentou Althea, aturdida.
- Oh, não foi tão mau -prosseguiu Natalie-. Na realidade, animou um
pouco a monotonia. O que passa... de que se trata? -perguntou quando Althea se
levantou de um salto.
- Vamos -Colt já ia para a porta.
Althea recolheu a jaqueta e correu depois dele.
- Boyd, verifique a...
- Nieman -disse ele a suas costas-. Quer apoio?
- Comunicarei se precisar.
Quando o escritório se esvaziou, Natalie levantou as mãos e olhou para
Cilla.
- A que se deveu isso?
- Policiais -resumiu Cilla com um dar de ombros.
Projetos Romances
138
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Capítulo 12
- Não posso acreditar que deixamos passar isso -Colt fechou a porta
do jeep e arrancou. Nessa ocasião não se preocupou em tirar a multa dos párabrisas.
- Seguimos uma pista -lhe recordou Althea-. Talvez não nos leve a
nenhuma parte.
- Não acredito.
- Reconheço que concorda -fechou os olhos um momento, deixando que
as coisas encaixassem em seu lugar-. Nem um só vizinho pode dizer que viu ao
senhor Davis. Talvez porque nunca esteve ali.
- E quem teria acesso à cobertura? Quem poderia ter falsificado as
referências? Quem poderia ter se movido pelo edifício sem chamar a atenção,
porque sempre estava ali?
- Nieman.
- Falei que era uma doninha -soltou Colt com os dentes fechados.
Com cautela, viu-se obrigada a estar de acordo.
- Não se adiante, Nightshade. Vamos interrogá-lo. Isso é tudo.
- Vou obter respostas - soltou-. Isso é tudo.
- Não faça que tenha que impor a casta, Colt -sussurrou, acalmando-o-.
Vamos fazer-lhe algumas perguntas. Talvez consigamos que cometa um
escorregão. Ainda que é possível que tenhamos que sair sem ele. No entanto,
agora dispomos de um lugar pelo que começar a pesquisar.
- Seguirei suas pautas – “no momento”, pensou.
Deteve-se ante um semáforo em vermelho e martelou com impaciência
os dedos sobre o volante-. Gostaria... mmm... explicar sobre a Nat.
- Explicar que?
- Que não somos... não fomos. Jamais -indicou com veemência-.
Entendido?
- Para valer? -estava certa de que mais adiante riria, quando não
tivesse tantas coisas na cabeça. Não obstante, não estava tão preocupada para
que não resitisse-. Por que não? É bonita, é divertida e é inteligente. Isso o
agrada, Nightshade.
- Não é que não me agradasse... quero dizer, me passou pela mente.
Comecei a... -amaldiçoou e arrancou quando o semáforo mudou-. Era a irmã de
Projetos Romances
139
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Boyd, sabe? Antes que me inteirasse, também foi como minha irmã, assim não
podia... pensar nela dessa maneira.
- Por que se desculpa? -o olhou com curiosidade.
- Não o faço -respondeu furioso ao dar-se conta de que era
exatamente o que fazia-. Explico. Ainda que só Deus sabe por que. Pensará o
que quiser.
- De acordo. Penso que reage em demasia ante uma situação, de
maneira típica e predominantemente masculina -sorriu quando a olhou com
vontade de matá-la-. Não jogo isso na cara. Não mais do que se Natalie e você
tivessem estado juntos. O passado é isso. Eu sei melhor do que ninguém.
- Suponho que sim -pôs quarta e estendeu a mão para tomar a de
Althea- Mas não estivemos juntos.
- Vamos dizer que você a perdeu. É fantástica.
- E você também.
- Sim, eu também - sorriu.
Colt estacionou numa zona de carga e descarga. Esperou enquanto
Althea comunicava sua posição.
- Pronta?
- Sempre estou -desceu do veículo-. Quero que seja algo ligeiro -lhe
disse-. Só umas perguntas posteriores ao caso. Não temos nada contra ele.
Nada. Se pressionarmos demais, perderemos nossa oportunidade. Se temos
razão...
- Temos razão. Pressinto.
Também ela; assentiu.
- Então quero desmascará-lo. Por Liz. Por Wild Bill -e soube que por si
mesma. Para ajudar a fechar a porta que esse caso tinha voltado a abrir.
Juntos se dirigiram ao apartamento de Nieman. Antes de chamar,
Althea lançou a Colt um último olhar de advertência.
- Sim, sim... soou a voz de Nieman do outro lado da porta-. De que se
trata?
- A tenente Grayson, senhor Nieman – levantou o distintivo na altura
da mira-. Polícia de Denver. Precisamos uns minutos de seu tempo.
O outro abriu com a corrente de segurança. Estudou aos dois.
- Não pode esperar? Estou ocupado.
- Temo que não. Não nos levará muito tempo, senhor Nieman. É simples
rotina.
- Oh, muito bem -de mau humor, tirou a corrente-. Entrem, então.
Projetos Romances
140
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Quando Althea entrou, notou as caixas no tapete. Muitas estavam com
papéis cortados em tiras.
Resultou tão delator como uma pistola fumegante.
- Como podem ver, encontraram-me num mau momento.
- Sim, vejo. Vai se mudar, senhor Nieman?
- Acredita que ficaria aqui, trabalharia aqui, depois deste... escândalo?
-ofendido, ajustou a gravata preta-. Não. Polícia, jornalistas, inquilinos. Não
tive nem um momento de paz desde que isso começou.
- Estou convicto de que foi uma grande moléstia para você -afirmou
Colt. Queria pôr as mãos nessa gravata.
- Certamente. Bem, suponho que queiram sentar-se -indicou umas
cadeiras-. Mas não posso dedicar-lhes muito tempo. Ficarão coisas pra guardar.
Não confio em transportadores-adicionou-. São desleixados, sempre quebram
alguma coisa.
- Teve muita experiência com mudanças? -inquiriu Althea enquanto
pegava um bloco de notas e um lápis.
- Naturalmente. Como já expliquei viajo muito. Desfruto de meu
trabalho -sorriu-. É tedioso ficar muito tempo num lugar. Os proprietários
sempre precisam de um encarregado responsável e com experiência.
-Não tenho nenhuma dúvida -moveu o lápis sobre o bloco-. Os
proprietários deste edifício... -adiantou umas folhas.
- Johnston e Croy, S.A.
- Sim -assentiu ao encontrar a anotação-. Ficaram muito inquietos ao
inteirar-se das atividades que aconteciam na cobertura
- Não me estranha - levantou um pouco as calças e se sentou-. É uma
empresa respeitável. Com muito sucesso no Oeste e o Sudoeste.
Supostamente, me culparam. Que outra coisa cabia esperar?
- Por não ter conduzido uma entrevista pessoal com o arrendatário? instou Althea.
- O objetivo final no negócio imobiliário, tenente, é receber os aluguéis
com pontualidade e uma estadia prolongada dos inquilinos. Eu proporcionava
isso.
- Também proporcionou o palco de um delito.
- Não pode me fazer responsável da conduta de meus arrendatários.
Althea decidiu que era o momento de correr um risco calculado.
- E você jamais entrou na cobertura? Jamais o comprovou?
- Por que teria de fazê-lo? Não tinha motivos para molestar o senhor
Davis nem de entrar em sua casa.
Projetos Romances
141
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Jamais entrou estando o senhor Davis presente?-inquiriu.
- Acabo de manifestar que não.
- E como explica suas impressões? -insistiu Althea, olhando suas
anotações.
Algo piscou nos olhos de Nieman, mas se desvaneceu.
- Não sei a que se refere.
Decidiu insistir um pouco mais.
- Me perguntava que explicação daria se lhe perguntasse que suas
impressões foram achadas no interior da cobertura... já que afirma que nunca
entrou.
- Não vejo... -começou, nervoso-. Oh, sim, agora me lembro. Uns dias
antes... antes do incidente... disparou o alarme de incêndios na cobertura.
Utilizei minha chave mestra para pesquisar quando ninguém respondeu a meu
telefonema.
- Teve um incêndio? -perguntou Colt.
- Não, não, simplesmente um detector de fumaças defeituoso. Foi algo
tão insignificante, que esqueci.
- Talvez tenha esquecido alguma outra coisa -comentou Althea com
cortesia-. Talvez esqueceu de nos mencionar uma choupana, ao oeste de
Boulder. Também é o encarregado daquela propriedade?
- Não sei de que me fala. A única propriedade que levo é esta.
- Então utiliza a choupana para descansar -continuou Althea-. Com os
senhores Donner, Kline e Scott.
- Desconheço a existência dessa choupana –repôs com rigidez, ainda
que uma gota de suor tinha aparecido em seu lábio superior-. Também não
conheço a pessoas com esses nomes. Agora terão que me dar licença.
-O senhor Scott não pode receber visitas agora -informou Althea, sem
levantar-se-. Mas podemos ir ver Kline e Donner. Isso poderia refrescar-lhe a
memória.
-Não penso ir a nenhuma parte com vocês -Nieman se incorporou-.
Respondi todas suas perguntas de um modo razoável e paciente. Se persistem
neste comportamento hostil, me verei obrigado a chamar a meu advogado.
- Por favor, faça-o -Althea assinalou o telefone- Pode reunir-se
conosco na delegacia. Enquanto isso gostaria que nos dissesse onde esteve à
noite do vinte e cinco de outubro. Talvez viria bem um álibi.
- Para que?
- Por assassinato.
Projetos Romances
142
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Isso é ridículo - pegou um lenço do bolso exterior da jaqueta e secou
o rosto-. Não podem vir acusar-me desse modo.
- Não o acuso, senhor Nieman. Pergunto-lhe onde esteve o vinte e cinco
de outubro, entre as nove e as onze da noite. Também pode informar a seu
advogado de que vamos interrogá-lo a respeito de uma mulher desaparecida
conhecida como Lacy, e sobre o rapto de Elizabeth Cook, quem na atualidade se
encontra sob proteção. Liz é uma jovem brilhante e observadora, verdade
Nightshade?
- Sim -pensou que Althea era assombrosa. Fazia que Nieman se
desmoronasse só com insinuações- Entre a declaração de Liz e os esquemas, o
promotor disporá de um bom material.
- Acredito que não mencionamos os desenhos ao senhor Nieman Althea fechou o bloco de notas-. Nem o fato de que Kline e Donner foram
submetidos ontem a um exaustivo interrogatório. Supostamente, Scott segue
em estado crítico de maneira que teremos que esperar sua colaboração.
O rosto de Nieman ficou branco.
- Mentem. Sou um homem respeitável. Tenho credenciais - sua a voz
vacilou-. Não podem demonstrar nada se baseando na palavra de dois atores
miseráveis.
- Creio que não mencionamos que Kline e Donner são atores, ou sim,
Nightshade?
-Não -poderia tê-la beijado-. Não o fizemos.
- Deve ser adivinho, Nieman -afirmou ela-. Por que não vamos à
delegacia e vemos que mais averiguamos?
- Conheço meus direitos -os olhos do encarregado brilharam de fúria
ao notar que a armadilha se fechava-. Não penso ir a nenhuma parte com vocês.
- Terei que insistir -Althea se levantou-. Chame a seu advogado,
Nieman, mas nos acompanhará para ser interrogado. Agora.
- Nenhuma mulher vai dizer-me o que posso fazer -Nieman se lançou
sobre ela e, ainda que Althea estivesse preparada, Colt se interpôs entre os
dois e com uma mão o empurrou para o sofá.
- Agressão a uma agente da lei -expôs com suavidade-. Creio que o
prenderemos por esse crime. Dará tempo suficiente para conseguir uma ordem.
- Mais do que suficiente -conveio ela, sacando as algemas.
- Ah, tenente... -observou enquanto com eficácia juntava os pulsos
magros de Nieman-. Jamais encontraram impressões lá em cima, verdade?
- Nunca disse isso - jogou o cabelo para trás-. Simplesmente perguntei
que diria ele se lhe comunicasse que as tinham encontrado.
Projetos Romances
143
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Me equivoquei -concluiu Colt-. Agrada-me seu estilo.
- Obrigado -satisfeita, sorriu-. Pergunto-me que vamos encontrar
nestas caixas.
Encontraram mais do que suficiente. Fitas, fotos inclusive um diário
detalhado escrito pelo próprio Nieman. Registrava todas suas atividades todos
seus pensamentos, seu ódio pelas mulheres. Descrevia como a mulher chamada
Lacy tinha sido assassinada e seu corpo enterrado por trás da choupana
Pela tarde tinham apresentado bastante provas contra ele e com
certeza o manteria afastado da sociedade uma vida inteira.
- É como um jarro de água fria -comentou Colt ao seguir Althea ao seu
escritório onde ia redigir o relatório-. Era tão asqueroso, que nem sequer pude
encontrar a energia para matá-lo.
- É um homem de sorte -se sentou e ligou o computador-. Se serve de
consolo, acredito que não mentia quando disse que não tocou Liz. Aposto que
seu perfil psiquiátrico o comprovará. Impotência, acompanhada de fúria contra
as mulheres e tendências ao voyer.
- Sim, só gostava de olhar – a fúria tinha evaporado. Althea tinha
razão a respeito de que não poderiam mudar o que já aconteceu.
- E ganhar muito dinheiro com seus gostos -adicionou ela-. Quando
recrutou a o câmera e a dois atores miseráveis, entrou no negócio de
satisfazer a outros com seus gostos peculiares. Há que reconhecer o mérito.
Mantinha uns livros detalhados sobre suas atividades pornográficas. Algo que
permitiu levar uma vida muito folgada.
- Sentirá falta dela na cadeia -apoiou as mãos nos ombros de Althea-.
Realizou um grande trabalho, Thea. Bom para valer.
- Geralmente o faço – o estudou acima do ombro. Só lhe ficava por
decifrar o que fazer com Colt-. Escuta, Nightshade, quero pôr em marcha esta
burocracia, e depois preciso relaxar. De acordo?
-Claro. Tenho conhecimento que esta noite há uma reunião na casa dos
Fletcher. Gostaria de ir?
- Com certeza. Por que não nos vemos lá?
- De acordo -se inclinou para apoiar os lábios no cabelo dela-. Te amo,
Thea.
Esperou até que se foi, fechando a porta por trás dele. “Eu sei”,
pensou. “Eu também te amo”.
Projetos Romances
144
Gritos Noturnos
Nora Roberts
Foi ver Liz. Ajudou a oferecer para a jovem e a sua família uma espécie
de resolução do caso. Mas Colt já tinha adiantado. No entanto, percebeu que a
jovem precisava ouvir dela.
- Nunca poderemos pagar pelo que fez.- Marleen mantinha o braço ao
redor dos ombros de Liz, como se não suportasse não a tocar-. Não tenho
palavras para dizer como estamos agradecidos.
-Eu... -a ponto esteve de dizer que tinha cumprido com seu trabalho.
Era a verdade, mas não toda-. Cuide dela -pediu.
- Vamos passar bem mais tempo fazendo isso -Marleen apoiou a face
contra a de sua filha-. Amanhã voltamos para casa.
- Iremos ver um conselheiro familiar -anunciou Liz-. E eu... entrarei
num grupo de apoio a vítimas da violência sexual. Estou um pouco assustada.
- É normal.
Liz olhou a sua mãe.
- Mamãe, posso...? Gostaria de falar com a tenente Grayson um minuto,
em particular.
- Claro. Irei a cozinha ajudar seu pai quando com os sorvetes.
- Obrigado -esperou até que sua mãe deixou o quarto-. Papai ainda não
sabe como falar comigo sobre o que aconteceu. É muito duro para ele.
- Ele a ama. Dê-lhe um tempo.
- Chorou -os olhos de Liz se encheram de lágrimas-. Nunca antes tinha
visto ele chorar. Pensava que estava ocupado demais com seu trabalho para
importar-se. Fui uma estúpida ao fugir -quanto soltou, respirou fundo-. Pensava
que não me entendiam, nem que me queriam. Agora vejo o muito que os feri.
Nunca voltará a ser exatamente igual, verdade?
- Não, Liz. Mas se você os ajudar, pode ser melhor.
- Isso espero. Ainda me sinto muito vazia por dentro. Como se uma
parte de mim já não estivesse aí.
- A encherá com outra coisa. Não pode permitir que isto bloqueie seus
sentimentos para outras pessoas. Pode voltar a ser forte, Liz, mas não sejas
muito dura com você mesma.
-Colt disse... - fungou e pegou um lenço de papel da caixa que sua mãe
tinha deixado sobre a mesa-. Disse que sempre que eu pensar que não posso
conseguir, me lembrar de você.
- De mim? -a olhou surpresa.
- Porque você passou algo horrível e o utilizou para ser uma pessoa
digna. Por dentro e por fora. Que não apenas sobreviveu, mas também triunfou
Projetos Romances
145
Gritos Noturnos
Nora Roberts
-sorriu com gesto trêmulo-. E que eu também posso conseguir. Foi engraçado
ouvi-la falar dessa maneira. Suponho que goste muito de você.
- Eu também gosto muito dele -compreendeu que era verdade. Não era
uma fraqueza amar alguém, não quando podia admirá-lo e respeitá-lo ao mesmo
tempo. Não quando via claramente quem era e que a amava.
- Colt é o melhor -afirmou Liz-. Sabe?, nunca a decepciona. Sem
importar o que acontece.
- Acho que sei.
- Me perguntava... Sei que a terapia é importante, mas me perguntava
se podia ligar para você de vez em quando. Quando... quando duvide de minhas
forças para conseguí-lo.
- Espero que o faça -se levantou e foi sentar-se junto à jovem. Abriu
os braços-. Me chame quando se sentir mau. E quando se sentir bem. Todos
precisamos de alguém com quem dividir as coisas.
Quinze minutos mais tarde, Althea deixou os Cook com seus sorvetes e
sua intimidade. Decidiu que tinha muitas coisas em que pensar. Sempre soube o
que fazer de sua vida. Nesse momento em que tinha tomado um desvio súbito e
drástico, precisava voltar a orientar-se.
Mas Colt a esperava no vestíbulo.
- Oi, tenente –levantou lhe o rosto e deu um beijo ligeiro.
- Que faz aqui? Marleen comentou que já tinhas passado antes.
- Fui dar uma volta com Frank. Precisava conversar.
- É um bom amigo, Nightshade -lhe acariciou a bochecha.
- É a única classe de amigo que existe. Quer uma carona?
- Tenho o carro -mas ao sair juntos, descobriu que já não queria
meditar sozinha-. Que tal um passeio?
- Claro -lhe passou um braço pelo ombro-. Pode ajudar-me a ver
vitrines. Na próxima semana é o aniversário de minha mãe.
- Não sou boa em escolher presentes para alguém que não conheço repôs, sentindo que voltava a experimentar o ato reflito da resistência.
- Chegará a conhecê-la -na esquina virou à esquerda, em direção a uma
série de lojas elegantes.
- Essa roupa muito bonita -Althea assinalou uma vitrine que um
manequim usava uma malha azul com gola baixa-. Talvez ela goste do cachemir.
- Talvez -assentiu-. Perfeito. Vamos comprá-lo.
- Está vendo? Esse é seu problema – se colocou em frente a ele com as
mãos nos quadris-. Não para para pensar , olha uma coisa e “zás”, já está.
Projetos Romances
146
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Quando é o correto, por que continuar procurando? -sorriu e afastou
uma mecha do cabelo-. Sei o que funciona para mim quando o vejo. Vamos –lhe
tomou a mão e a levou ao interior da loja-. A malha azul da vitrine -lhe disse à
vendedora.- Você tem no tamanho...? -no ar mediu com as mãos.
- Médio? -adivinhou a vendedora-. Certamente, senhor. Um momento.
- Não perguntou quanto custa -assinalou ela.
- Quando algo é o perfeito, o preço é irrelevante -sorriu-. Vai manterme a risca. Isso me agrada. Tenho tendência a esquecer dos detalhes.
- Vá achando -se afastou para olhar umas blusas de seda.
“É descuidado”, recordou. “É impulsivo e precipitado”. Tudo o que ela
não era. Althea preferia a ordem, a rotina, o cálculo meticuloso. Devia estar
louca se acreditava que podiam conviver. Girou a cabeça e o observou enquanto
esperava que a vendedora envolvesse a malha. Mas compreendeu que
combinavam. Tudo nele encaixava como uma luva. Sua intrepidez. Esse olhar
entre azul e verde que podia parar seu o coração. Sua fidelidade.
Seu entendimento total e incondicional.
- Algum problema? -perguntou Colt ao ver que o olhava.
- Não.
- Quer um laço rosa ou azul, senhor?
- Rosa -disse sem afastar a vista-. Vendem vestidos de noiva aqui?
- Formais, não, senhor -os olhos da vendedora se iluminaram ante a
perspectiva de uma nova venda-. Temos alguns vestidos e trajes elegantes de
cocktail que seriam perfeitos para um casamento.
- Tem de ser algo festivo -decidiu com humor nos olhos-. Para o
reveillon.
Althea ergueu os ombros e voltou para olhá-lo.
- Entenda isso, Nightshade. Não penso em casar com você no reveillon.
- Tudo bem, eleja uma nova data.
- Dia de Ação de Graças -respondeu, e teve o prazer de ver como
ficava boquiaberto ao mesmo tempo em que deixava cair à caixa que a
vendedora entregou.
-O que?
- Disse Ação de Graças. Aceite ou deixe – e se dirigiu para a saída.
- Espera! Maldita seja! -foi atrás dela, depois de agachar-se para
recolher a caixa. Alcançou ela já na rua abaixo-. Disse que se casaria comigo no
dia de Ação de Graças?
- Odeio ficar repetindo, Nightshade. Se não consegue retê-lo, é
problema seu. E agora, se terminou com as compras, volto ao trabalho.
Projetos Romances
147
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Espera um maldito minuto -exasperado ele passou a caixa por
embaixo do braço, achatando o laço, deixando as mãos livres para tomá-la pelos
ombros-. O que fez mudar de idéia?
- Sem dúvida seu enfoque sutil -repôs com tom seco. Deu-se conta de
que estava desfrutando do momento-. E se não afastar as mãos de mim, amigo,
vou prender você.
- Vai casar comigo? -moveu a cabeça como para ordenar os
pensamentos.
- Tem pássaros na cabeça? -arqueou as sobrancelhas
- No dia de Ação de Graças? Esse dia de Ação de Graças? Dentro de
umas semanas?
- Ficou com medo já? -começou a dizer e descobriu que tinha a boca
ocupada demais para articular mais palavras. Foi um beijo embriagante, cheio
de promessas e júbilo-. Conhece o castigo por beijar uma policial na rua? –
inquiriu quando pôde falar outra vez
- Me arriscarei.
- Bem –aproximou-se outra vez da boca dele-. Por isso vai receber um
castigo, Nightshade.
- Conto com isso -com cuidado a agastou para olhá-la no rosto-. Por que
em Ação de Graças?
- Porque gostaria de ter uma família com que celebrá-lo. Cilla sempre
faz questão de que me una a eles, mas não... não podia.
- Por que?
- É um interrogatório ou um compromisso? -exigiu.
- Ambas, mas é a última pergunta. Por que vai casar comigo?
- Porque insistu até me esgotar. E porque senti pena de você, já que
parecia decidido. Alem do mais, amo você, e me acostumei a você, assim que...
- Um momento. Repete.
- Disse que me acostumei a você.
- Essa parte não -com um sorriso, deu-lhe um beijo na ponta do nariz-.
A parte anterior.
- A que sentia pena de você?
-Mmm. Depois disso.
- Oh, à parte que eu te amo.
- Essa mesma. Repete.
- De acordo -respirou fundo-. Te amo. Custa dizê-lo desta maneira.
- Vai se acostumar.
- Creio que tem razão.
Projetos Romances
148
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Aposto que sim -riu e a achatou contra ele.
EPILOGO
- Acredito que preciso pensar outra vez.
Althea se achava diante do espelho de corpo inteiro do quarto de Cilla,
olhando-se. Com frieza, notou que dentro do espelho tinha uma mulher. Uma
mulher pálida com uma manta de cabelso vermelhos. Se via elegante com um
esbelto traje de cor marfim, com botões diminutos de pérolas que percorriam
toda a extensão da jaqueta cingida.
Mas tinha os olhos grandes demais, abertos e temerosos.
- Não acredito que isso vá funcionar.
- Está fabulosa –assegurou Deborah-. Perfeita.
- Não falava do vestido – levou uma mão ao estômago-. Falo do
casamento.
- Não comece –Cilla falou, ajeitando a jaqueta de seda-. Está nervosa.
- Claro que estou nervosa –na falta de algo melhor do que fazer,
levantou uma mão para assegurar-se de que tinha bem postos os brincos de
pérolas. Tinha sido presente da mãe de Colt, e sentiu uma grande calidez ante a
recordação. Tinha-lhe dito que tinha que os passar na família, tal como tinha
feito a avó de Colt com ela.
Logo tinha chorado um pouco e beijado a face de Althea, dando-lhe as
boas vindas à família.
“Família”, pensou com uma nova onda de pânico. “O que sei eu sobre a
família?”
- Vou comprometer-me de por toda a vida com um homem que conheço
faz umas semanas - sussurrou à mulher do espelho.
- O ama, não? -perguntou Deborah.
-E isso que tem haver?
Rindo, Deborah tomou a mão inquieta de Althea.
Projetos Romances
149
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Tudo. Eu também mal conhecia a Gage. Mas o amava, e o sabia. Vi o
modo como olha Colt, Thea. Você também sabe.
- Advogadas -se queixou Althea a Cilla-. Sempre dão a volta nas coisas.
- É boa, verdade? -o orgulho invadiu a Cilla ao abraçar a sua irmã-. A
melhor promotora do oeste do Mississipi.
- Quando tem razão-repôs Deborah com um sorriso-. E agora, vamos
dar uma olhada na madrinha -virou a cabeça para observar a sua irmã-. Está
maravilhosa, Cilla.
- E você -Cilla lhe passou uma mão pelo cabelo escuro-. O casamento e a
maternidade fizeram bem.
- Se querem acabar com a hora de admiração mútua, estou a ponto de
sofrer um ataque de nervos -Althea se sentou na cama e fechou os olhos-.
Tenho vontade de escapar pelos fundos.
- Colt alcançaria você –indicou Cilla.
- Não se tivesse uma boa vantagem. Talvez se… -um telefonema à porta
a interrompeu-. Se é Nigthshade, não vou falar com ele.
- Claro que não- conveio Deborah-. Traz má sorte –abriu a porta para
ver seu marido e a sua filha. Enquanto lhe sorria Gage pensou que isso que era
uma boa sorte. A melhor de todas.
- Lamento interromper, mas tem algumas pessoas nervosas lá em baixo.
- Se os meninos tocaram a torta… -começou Cilla
- Boyd a salvou –assegurou Gage. Com o bebê sob um braço, passo o
outro em torno dos ombros de sua mulher-. Colt está gastando os tapetes.
- Assim que dominar meus nervos –disse Althea-. Mas ele tem razão.
Olhe em que nos meteu. Como gostaria se ser uma mosca sobre a parede.
Gage sorriu e piscou um olho para Deborah.
- Tem suas vantagens – fez uma careta quando a pequena se agitou.
- Me dê, Gage –Deborah tomou Adriana em seus braços-. Você ajuda
Boyd a acalmar o noivo. Já estamos terminando.
- Quem disse? –Althea retorceu as mãos.
Cilla empurrou Gage e fechou a porta. Era hora começar a agir.
- Covarde – sussurrou.
- Aguarde um momento.
- Você tem medo de descer e estabelecer um compromisso público com
o homem que ama. Isso é patético.
Enquanto acalmava sua filha, Deborah captou as intenções de sua irmã
e se entrou no jogo.
- Vamos, Cilla, não seja tão dura. Se mudou de idéia...
Projetos Romances
150
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- Não mudou. Simplesmente não se decidiu. E Colt faz tudo o que está a
seu alcance para satisfaze-la. Vendeu seu rancho e comprou terras aqui em
Denver.
- Isso não é justo -Althea ficou de pé.
- Certamente -Deborah se pôs do lado de Althea e mordeu os lábios
para não sorrir-. Pensava que seria um pouco mais compreensiva, Cilla. Trata-se
de uma decisão importante.
- Então deveria tomá-la em vez de esconder-se como uma virgem
medieval a ponto de ser sacrificada.
Althea ergueu o queixo.
- Não me escondo. Deb, vá pedir que comece a maldita música. Desço
em seguida.
- Muito bem, Thea. Se está segura - pegou seu braço, piscou um olho
para sua irmã e abandonou o quarto a toda velocidade.
- Bem, vamos -Althea se dirigiu para a porta-. Comecemos de uma vez.
- Perfeito -Cilla passou a seu lado e baixou os degraus.
Althea tinha chego quase ao patamar quando se deu conta de que a
tinham enganado. As duas irmãs tinham representado o papel de polícia má e
boa como profissionais.
Sentiu um nó no estômago ao ver flores por todas partes. Soava uma
música suave e romântica. Viu a mãe de Colt apoiada em seu marido, com um
sorriso valoroso nos lábios enquanto caíam algumas lágrimas de felicidade. Viu
Natalie reluzente e secando os olhos. Deborah, com as pestanas úmidas,
acalentava Adrianna.
Ali estava Boyd, tomando a mão de Cilla para dar-lhe um beijo na
bochecha molhada antes de olhar Althea a fim de lhe oferecer ânimos com
uma piscada.
Althea se deteve em seco. Deduziu que se pessoas chorava nos
casamentos, tinha que ter um bom motivo para isso.
Então olhou para a lareira e só viu Colt.
E ele só viu a Althea.
Os joelhos dela fraquejaram. Foi para ele, com uma única rosa branca e
todo seu coração.
- Me alegro de vê-la, tenente -murmurou ao tomar-lhe a mão.
- Eu também me alegro de vê-lo, Nightshade -sentiu o calor do fogo
que resplandecia a seu lado, o calor que emanava dele. Sorriu quando Colt lhe
beijou a mão.
- Feliz dia de Ação de Graças.
Projetos Romances
151
Gritos Noturnos
Nora Roberts
- O mesmo digo eu -talvez não soubesse muito sobre uma família, mas
aprenderia. Os dois aprenderiam-. Te amo muito.
- O mesmo digo eu. Acredita?
- Agora sim.
Enquanto as chamas crepitavan, olharam-se e pensaram na vida que
levariam juntos.
FIM
Traduzido e Revisado por
[email protected]
Projetos Romances
152
Download

Nora Roberts – Gritos Noturnos