MORAL, RELIGIÃO E DIREITO: MECANISMO SIMBÓLICO DE CONTROLE SOCIAL Admilson Eustáquio Prates1 Kátia Suely de Melo Gusmão2 RESUMO O presente trabalho se propõe a discutir a relação entre moral, religião e direito entendidos como mecanismo simbólico de controle social. Isso se dá devido à capacidade humana de transcender as coisas e construir relações entre elas. A moral prescreve o modo, a maneira como a pessoa deve-se comportar em grupo. Direito e Moral regulamentam as relações de uns homens com outros por meio de normas. A religião, além de apresentar os códigos de conduta, também mostra a forma como será castigado caso as regras não sejam cumpridas. Palavra chave: Moral; Religião; Direito; Relações Humanas. O presente texto pretende explorar a ideia que a Moral, a Religião e o Direito constituem mecanismo simbólico de controle social. Isto é, os humanos são seres simbólicos. Eles não se relacionam com as coisas em sim, mas com a representação das coisas. Isto é, os símbolos são produções, construções humanas pelos quais os possibilitam relacionar com mundo objetivo e com o mundo subjetivo. Por sua etimologia (do grego sum-ballo, ou sym-ballo), o símbolo refere-se à união de duas coisas. Era um costume grego que, ao se fazer um contrato, fosse quebrado em duas partes um objeto de cerâmica, então cada pessoa levava um dos pedaços. Uma reclamação posterior era legitima pela reconstrução (“pôr junto”=symballo) da cerâmica destruída, cujas metades deviam coincidir. A união das partes permitia reconhecer que a amizade permanecia intacta. (CROATTO, 2001, p.84-85). 1 Professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e tecnologia de Goiás/Campus Formosa/GO. Doutorando em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Mestre em Ciências da Religião pela PUC/SP. 2 Coordenadora adjunta do curso de Direito e professora de Direito nas Faculdades Integradas do Norte de Minas. Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 Dessa forma, entendemos símbolo como união, junção que permite ao ser humano tornar presente aquilo que está ausente, ou seja, nos possibilita representar o mundo. Por exemplo, quando nos referimos a cruz não significa determinada cruz, mas a ideia, abstração de cruz. Quando o mundo é representado, isto é, quando linguagem simbólica é inventado, ela segue a convenção, aquilo que é aceito por todos do grupo. Enfim, o símbolo é uma convenção, fruto de uma determinada cultura. Ele está circunscrito em um determinado tempo e espaço. E, somente neste cenário cultural, ele terá significado e sentido. Dessa maneira, o ser humano não é somente um ser natural, mas também um ser simbólico. Isto é, caminhar, correr, comer, rir/ sorrir, dormir são atividades naturais de todo os ser humano saudável. Contudo, a maneira de caminhar, de correr, de comer, de rir/ sorrir, de dormir é vivenciado e interpretado conforme o grupo social no qual o indivíduo está inserido. O ato de caminhar, que é uma ação natural de locomover-se de um lugar a outro, pode representar charme, elegância, sensualidade ou ser repudiado, recebendo determinados adjetivos como arrogância, soberba. Isso acontece devido à capacidade humana de transcender as coisas construindo representações acerca delas. Os indivíduos emitem juízo de realidade e juízo de valor. O primeiro descreve a realidade, apresenta-a como ela é. Um exemplo disso é: o carro é vermelho, a cadeira é velha, Joaquim retornou da viagem, Arnaldo comprou um doce de leite, Maria está rezando, Maria é uma moça. São exemplos que apresentam e descrevem a realidade sem realizar julgamento ou avaliar o fato. O segundo emite um parecer, ele faz uma avaliação, ou seja, apresenta um valor. Isto é, o carro vermelho é tão lindo quanto o prata, a cadeira velha é mais confortável que a cadeira nova, Joaquim retornou da viagem antes de concluir as atividades, Arnaldo comprou um doce de leite muito caro, Maria está rezando para reconfortar o espírito, Maria é uma moça linda. Na primeira frase, do exemplo, percebe-se uma avaliação estética assim como na ultima frase. O segundo exemplo emite um juízo de utilidade; o terceiro, um juízo moral; o quarto realiza uma avaliação acerca do valor econômico Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 do produto; o quinto está ligado à dimensão religiosa e de fé. Assim sendo, entendese que a emissão de um juízo de realidade vem acompanhada de um juízo de valor. Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 Além de o valor ser resultado das relações entre o individuo e ele mesmo, e das relações entre o individuo o mundo é também herdado em parte pela sociedade a pertence. Os valores são repassados para as novas gerações, por exemplo, por meio da família, da escola, da igreja, das brincadeiras, dos jogos. A cultura, a sociedade, o grupo social do qual o indivíduo faz parte o objeto pedra - fragmento de rocha -, por exemplo, é compreendido como uma arma, um enfeite, um ornamento, um símbolo sagrado ou profano, um objeto de investimento financeiro. [...] como a prata. Podemos falar nela tal como existe em seu estado natural nas jazidas respectivas; é então um corpo inorgânico que possui estrutura e composição, bem como determinadas propriedades naturais que lhe são inerentes. Podemos falar também da prata transformadora pelo trabalho e, então, já não possuímos um mineral em seu estado puro ou natural, mas um objeto de prata. Como material trabalhado pelo homem, serve, nesse caso, para produzir braceletes, anéis ou outros objetos de enfeite, para a fabricação de serviços de mesa, cinzeiro, etc, podendo ser utilizada como moeda. Temos assim uma dupla existência da prata: a) como objeto natural; b) como objeto natural humano ou humanizado. Como objeto natural, é simplesmente um fragmento da natureza com determinadas propriedades físicas e químicas. (SANCHEZ VÁSQUEZ, 1998, p. 111-112) Assim sendo, no universo humano as coisas passam até um valor simbólico, uma representação resultado da ação humana. A categoria valor tem sua origem nas atividades econômicas sendo transferido e utilizado nas diversas áreas da atividade humana, sobretudo, na dimensão acerca da moral. Conforme Sanchez Vásquez o valor possui alguns traços essências: 1) Não existem valores em si, como entidades ideias ou irreais, mas objetos reais (ou bens) que possuem valor.2) Dado que os valores não constituem um mundo de objetos que exista independentemente do mundo dos objetos reais, somente existem na realidade natural e humana como propriedade valiosa dos objetos da mesma realidade.3) Por conseguinte, os valores exigem – como condição necessária – a existência de certas propriedades reais – naturais ou físicas – que constituem o suporte necessário das propriedades que consideramos valiosas.4) as propriedades reais que sustentam o valor, e sem as quais este não existiria, são valiosas em potência. Para passar a ato e transformar-se em propriedades valiosas efetivas, é indispensável que o objeto esteja em relação com o homem social, com seus interesses e com suas necessidades. Desta maneira, o que vale somente em potência adquire um valor efetivo. (SÁNCHEZ Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 VÁSQUEZ, 1998, p. 116) Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 Dessa maneira, visualiza-se que o valor é uma atividade humana que busca atribuir sentido ao mundo e a si mesmo. Quando atribuímos sentidos fundamos regras, normas, e isso é resultado da prática valorativa, estabelecimento de um plano de ação que direcionará as escolhas, buscando o bem e evitando aquilo que prejudica. Nesse raciocínio sobre a busca do bem entende-se que matar, roubar, furtar, mentir, trair são ações imorais, rejeitadas pela sociedade. Na convivência humana, sendo no mínimo duas pessoas relacionando, é impossível que exista convívio sem um código moral. Assim sendo, visualiza-se que pode faltar alimentos e água em uma sociedade, mas não pode deixar de existir um código moral. O que é moral? Podemos entender por moral um conjunto de regras, normas, valores que direciona ação do individuo em uma determinada sociedade, grupo ou comunidade. Conforme Sánchez Vásquez: “Moral vem do latim mos ou mores, “costume” ou “costumes”, no sentido de conjunto de normas ou regras adquiridas por hábito. A moral se refere, assim, ao comportamento adquirido ou modo de ser conquistado pelo homem” (1998, p.14). Dessa maneira, entende-se que moral é algo que o individuo aprende, isto é, é imposto ao sujeito desde o momento em que ele nasce. Ela inicialmente não é uma escolha livre e consciente e, sim, uma imposição que a sociedade, a comunidade, o grupo, a família impõem sobre a pessoa. Pode-se apresentar alguns exemplos como: “Menino mastiga com a boca fechada!”; “Não brigue com seu irmão!”; “Menina, senta direito. Cruza as pernas!”; “Meu filho, vai tomar seu banho, agora”; “Não pode fazer isso!”; “Está na hora de dormir!”. Esses exemplos são típicos e especifico de determinada sociedade, ou seja, o código moral é particular, resultado singular de grupos específicos, e, além disso, está ligado a um determinado tempo e espaço, como por exemplo, às mulheres há um tempo não era permito frequentar escola; atualmente as mulheres estudam e ocupam cargos de executivas em grande empresa, além de, ocupar cargos políticos como: prefeita, governadora, presidente. A moral prescreve o modo, a maneira como a pessoa deve-se comportar em grupo. Ela é constituída estruturalmente em dois aspectos, sendo uma Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 normativa e outro fatual. O aspecto normativo está relacionado às normas, as regras, isto é, ao “dever ser”. O segundo, o fatual, é ato do individuo em ação, isto é, sendo efetivado. Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 Conforme esses dois aspectos podemos classificar a ação humana em determinado grupo como sendo mora, imoral, amoral e não-moral. O ato moral é quando a pessoa cumpre, obedece as normas instituída pela sociedade na qual ele convive. Já a ação imoral é resultado de uma desobediência, uma refeição a regra, como por exemplo, “Não xingar” e o ato de xingar é imoral. [...] imoral e amoral. A diferença entre eles é que, enquanto o ato ou postura imoral é a negação de um determinado código moral vigente, no sentido corrente de devasso, desregrado, libertino, o termo amoral significa uma postura de neutralidade frente a esta ou àquela moral em questão. Na prática, não nega mas também não adere; simplesmente passa ao largo das normas.Isso é muito comum entre as diferenças de padrões culturais de conduta, notadamente com relação a valores religiosos. A obrigatoriedade, por exemplo, das mulheres usarem véu sobre as cabeças numa determinada seita pode não ter significado algum para outras mulheres visitantes. Se uma mulher de uma determinada comunidade deixar de usar o véu para infringir o costume, sua atitude pode ser tida ali como um ato imoral [...] (PEREIRA, 2004, p.15). No que tange o ato amoral está ligado a ação humana a margem de qualquer regra ou respeito às normas. E a postura não-moral é quando recorre a outros critérios de avaliação que não seja moral, por exemplo, analise de uma obra de arte, uma obra literária isto é, a postura de um crítico de arte é não-moral. A moral é dinâmica, pois ao mesmo tempo em que os códigos são recebidos, transmitidos de uma geração para outra, sendo dessa maneira conhecida como moral constituída ela também transgredi, rompe, enfim, a moral constituinte é aquela a qual está em movimento, em mudanças. Um exemplo, no período da idade média na Europa era permito chicotear pessoas em praça publicas e atualmente é proibido esse comportamento; no Brasil colônia pode-se ter escravo, pessoa negras eram mercadoria a qual podia-se vender e comprar, e além disso, ser trato como coisa. No presente momento, a escravidão é proibido. Segue abaixo um quadro que apresenta elementos comuns e elementos diferentes entre Moral e Direito. QUADRO 1 Moral e direito Elementos comuns ente moral e Diferença ente moral e direito direito Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 As normas morais se cumprem através da convicção íntima dos Direito e Moral regulamentam as indivíduos e, portanto, exigem uma Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 relações de uns homens com outros adesão intima a tais normas. Neste por meio de normas. Postulam, sentido, pode se falar de interioridade portanto, uma conduta obrigatória e da vida moral (o agente moral deve devida. O desrespeito de algumas fazer as suas ou interiorizar as dessas regras pode originar uma normas que deve cumprir). Já As tácita ou manifesta desaprovação; atitude de normas jurídicas não exigem esta convicção íntima ou adesão interna, o indivíduo deve cumprir a determinação legal mesmo que na sua intimidade não concorde com ela (daí falar se da exterioridade do direito). O importante, no caso é que a norma se cumpra, seja qual for a atitude do voluntária) sujeito com (forçada respeitoa ou seu cumprimento. Se a norma moral se cumpre por motivosformais ou externos, sem que o sujeito esteja intimamente convencido de que deve atuar de acordo com ela, o ato moral não será moralmente bom (senso comum), de forma inversa, a norma jurídica é cumprida formal ou externamente, isto é, ainda que o sujeito esteja convencido de que é injusta e intimamente não queira cumpri la, irrepreensível implica do ponto um ato de vista jurídico. Assim, a interiorizarão da norma, essencial ao ato moral, não o é, no âmbito do direito. Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 As normas morais e jurídicas têm a O fenômeno da coação é exercido de forma de imperativos e, por maneira diversa na moral e no direito: Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 conseguinte, acarretam a exigência a coação é fundamentalmente interna de que se cumpram, isto é, de que os na moral e externa no direito. indivíduos necessariamente se comportem de uma certa maneira. Mais ainda. Respondem a uma necessidade da As normas morais não se encontram vida social: regulamentar as relações codificadas formal e oficialmente ao dos homens objetivando garantir a passo que as normas jurídicas gozam coesão social; desta expressão formal (escrita, material, positiva) e oficial em forma de códigos, leis e diversos atos do Estado; Pode se resumir o que foi explanado dizendo que na concepção de Direito é exigível, enquanto que atuar moralmente reside no campo da espontaneidade. Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 A esfera Moral é mais ampla do que a Dinamismo Social: a moral e o direito do direito e atinge todos os tipos de mudam quando muda historicamente relação entre os homens e as suas comportamento o conteúdo de sua função social. Em várias formasde razões disto estas formas de qualquer comportamento pode ser comportamento têm caráter histórico. objeto de qualificação moral (retomo A moral varia de tempos em tempos, aqui os pensamentos de Kelsen se assim como, o Direito. O Código Civil qualquer coisa pode ser direito em da norma fundamental Brasileiro de 1916, continha certas face regras que não tinham mais uso na pressuposta, então é certo que o sua concepção original para os dias Direito se fundamenta concepção do moral). grupamento social mudaram e o O Direito, pelo contrário regulamenta as relações humanas mais vitais para Direito exigiu nova codificação. o Estado para as classes dominantes de hoje. As necessidades ou para a sociedade em conjunto. Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 Iremos observar que algumas formas de comportamento (criminalidade, por humano exemplo) se encontra na esfera do direito. O mesmo se deve dizer de certas formas de organização social como o matrimônio e a família e as respectivas relações. Outras relações entre os indivíduos, como o amor a amizade, a religiosidade, sociabilidade, não são objeto a de regulamentos jurídicos, apenas moral. Fonte: Disponível em<http://www.ebah.com.br/content/ABAAAfJK4AF/direito-moral> .Acesso em 16 out. 2014. Percebe-se que existe uma relação estreita ente moral, direito e religião, isto é, pode-se compreender religião como sendo um controlador social que exerceu e exerce um poder, um domínio sobre o ser humano. Paulo Nader, em sua obra Introdução ao Estudo do Direito, apresenta a categoria religião da seguinte maneira: Um sistema religioso não se limita a descrever o além ou a figura do Criador. Define o caminho a ser percorrido pelos homens. Para este fim, estabelece uma escala de valores a serem cultivados e, em razão deles, dispõe sobre a conduta humana. [...] Religião é ‘um dos maiores controles sociais de que dispõe a sociedade’[...] ‘a injustiça e a imoralidade que diminuem o homem e impedem o desenvolvimento da personalidade, são intoleráveis para as pessoas verdadeiramente religiosas’ [...] Nelson Hungria, famoso penalista brasileiro, enfatizou a importância da religião na paz e equilíbrio social: ’A Religião tem sido sempre um dos mais relevantes instrumentos no governo social do homem e dos agrupamentos humanos. Se esse grande fator de controle enfraquece, apresenta-se o perigo do retrocesso do homem ás formas primitivas e antissociais da conduta, de regresso e queda da civilização, de retorno ao paganismo social e moral. O que a razão faz pela ideias, a religião faz pelos sentimentos’. (NADER, 2011, p. 34) A religião, além de apresentar os códigos de conduta, também mostra a forma como será castigado caso as regras não sejam cumpridas. Voltaire, em sua Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 obra Dicionário Filosófico, apresenta a função social do inferno: Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 Desde que os homens começaram a viver em sociedade devem ter percebido que não poucos criminosos escapavam à severidade das leis. Puniam-se os crimes públicos: restava estabelecer um freio para os crimes secretos. Só a religião poderia ser esse freio. Persas, caldeus, egípcios, gregos, imaginaram castigos depois da morte. [...] Enfim, fariseus e essênios, entre eles os judeus, admitiram a crença de um inferno à sua moda. Esse dogma já passara de gregos a romanos, e foi perfilhado pelos cristãos. [...] “Meu caro, não creio no inferno mais que você. Mas é bom que o creiam a sua criada, o seu alfaiate e também o seu procurador”. (VOLTAIRE, 2002, p.304-306) A religião organiza tanto o mundo físico, concreto material quanto o mundo não físico, ou seja, o mundo invisível. Pode-se entender que religião atribui sentido a existência do individuo impondo normas, regras e padrões de comportamento. Isto é, o ser humano não pode ser guiado pelo desejo, pelo principio de prazer caso isso acontece a sociedade é destruída, ou seja, viver em sociedade é castrar os desejos, transformá-los em comportamentos aceitáveis pelo grupo social a qual compõe. Conforme Rodrigo Arnoni Scalquette em História do Direito: perspectivas histórico-constitucionais da relação entre estado e religião,“A crença em Deus e, especialmente, o temor que se tem a Ele, traçaram a história da humanidade, correlacionando poder e dominação.” (Scalquette, 2013, 1) O Direito Primitivo ou Direito Arcaico, notadamente de um povo ágrafo, ao estabelecerem regras para viverem em sociedade, usavam o nome dos deuses que cultuavam para impô-las. Assim sendo, usavam o divino para governar. Neste aspecto, afirma Atônio Carlos Wolkmerem Fundamentos de História do Direito: (...) além do formalismo e do ritualismo, o Direito Arcaico manifesta-se não por um conteúdo, mas pelas repetições de fórmulas, através dos atos simbólicos, das palavras sagradas, dos gestos solenes e da força dos rituais desejados. (...)ainda que, por ser objeto de respeito e veneração, e ser assegurado por sanções sobrenaturais, dificilmente o homem primitivo questionava a sua validez e sua aplicabilidade. (Wolkmer, 2010, 4-.5) No contexto do aparecimento da escrita, na região da Mesopotâmia, deuse a origem dos primeiros códigos da antiguidade, quais sejam, Hammurabi, o de Manu, o de Sólon e a Lei das XII Tábuas. Estas codificações, eram, nada mais, nada menos, do que a transcrição dos costumes, crenças e tradições, produzidos na época. A percepção do fenômeno jurídico encontrava-se de maneira embrionária. O Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 não cumprimento das regras estabelecidas pelas leis escritas, implicavam em penalidades, que por vontade divina, deveriam se materializar em castigos. De acordo com Rodrigo Freitas de Palma em História do Direito: Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 era comum inserir neste vasto rol a mutilação, a decapitação, a empalação, a crucificação, a flagelação, a morte na fogueira ou na forca, o apedrejamento, o banimento, assim como a aplicação de uma série de “ordálias” ou “juízos divinos”, que consistiam em práticas adivinhatórias para verificar a culpabilidade ou a inocência do réu. Não raro, havia, como se sabe, a aplicação do princípio ou lei de talião e de penas pecuniárias das mais diversas. A vingança privada, pois, era a tônica do sentido punitivo nessas sociedades. (Palmas, 2011, 42-43) Mesmo com o despontar do monoteísmo, o Direito, que era baseado nos dez mandamentos e o Sagrado ainda permaneceram indivisíveis e como efeito, atos desumanos eram aplicados como sanção. Não porque estava previsto no Decálogo, que possui seus textos legislativos no Antigo Testamento, mas sim pela cultura da perversidade. Alguns doutrinadores costumam até estabelecer um íntimo relacionamento entre a Legislação Mosaica e a nossa Carta Magna que zela pelas garantias fundamentais da pessoa. Na Escritura Sagrada, conforme a perspectiva cristã, na parte do Antigo Testamento Salomão escreveu o livro Provérbios ao qual ele apresenta maneira de como se comportar em sociedade. 1 A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira. 2 A língua dos sábios destila o conhecimento; porém a boca dos tolos derrama a estultícia. 3 Os olhos do Senhor estão em todo lugar, vigiando os maus e os bons 4 Uma língua suave é árvore de vida; mas a língua perversa quebranta o espírito. 5 O insensato despreza a correção e seu pai; mas o que atende à admoestação prudentemente se haverá. Fonte: BÍBLIA DE JERUSALÉM, Pro 15:1-5, p.1042-1043 A religião proporcionou um grande progresso moral para a humanidade, mas não podemos esquecer ou ser ingênuos que algumas pessoas utilizam da religião como instrumento para realizar os desejos destrutivos, ou seja, “os fanatismos religiosos ajudaram a obscurecer muitas vezes a mensagem ética profunda da liberdade, do amor, da fraternidade universal” (VALLS, 2003, p. 37). Na sequência de pensamento acerca da exploração do conceito de moral pode-se realizar uma distinção entre moral e direito, sendo que o direito está relacionado ao Estado, ao poder do Estado que controla a sociedade mediante, por exemplos, com leis, decretos. Para Paulo Nader: Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 o movimento de separação entre o Direito e a Religião cresceu ao longo do séc.XVIII, especialmente na França, nos anos que antecederam a Revolução Francesa. Vários institutos jurídicos se desvincularam da Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 Religião, como a assistência pública, o ensino, o estado civil. Modernamente os povos adiantados separaram o Estado da Igreja, ficando cada qual com o seu ordenamento próprio. Alguns sistemas jurídicos, contudo, continuam a ser regidos por livros religiosos, notadamente no mundo muçulmano. Em 1979, o Irã restabeleceu a vigência do Alcorão, livro da seita islâmica, para disciplinar a vida do seu povo.( Nader, 2013, 33-34) Assim sendo, mesmo com todo este contexto histórico, podemos interpretar que a Moral, a Religião e o Direito são indissociáveis, uma vez que o Estado é governado pelo povo que age de acordo com as noções que possuem sobre o bem que aliado as normas técnicas que possuem neutralidade em relação aos valores , procuram adequar os princípios adquiridos ao longo da existência, à tomada de decisões, a fim de satisfazerem às necessidades humana. Afinal, é por isso que o Direito existe. Bibliografia ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1973. BIBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2011. CROATTO, José Severino. As linguagens da experiência religiosa. São Paulo: Paulinas, 2001. NADER, Paulo. Introdução ao Direito. São Paulo: Forense, 2011. NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2013. KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1995. MORENTE, M. G., (1996). Fundamento de Filosofia – Lições Preliminares. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou. PEREIRA, Otaviano. O que moral? São Paulo: Brasiliense, 2004. PALMA, Rodrigo Freitas. História do Direito. São Paulo: Saraiva, 2011. SANCHEZ VÁSQUEZ, Adolfo. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 SCALQUETTE, Rodrigo Arnoni. História do Direito: perspectivas históricoconstitucionais da relação entre estado e religião. 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