371 Revista Eletrônica da Facimed, v.3,n.3, p.371 – 384 ,jan/jul.2011 ISSN 1982-5285 - ARTIGO ORIGINAL O USO DO LÚDICO EM HEMODIÁLISE: BUSCANDO NOVAS PERSPECTIVAS NA QUALIDADE DE ATENDIMENTO AO PACIENTE NO CENTRO DE DIÁLISE USE OF HEMODIALYSIS PLAYFULNESS IN: SEEKING NEW PERSPECTIVE ON QUALITY OF PATIENT CARE IN CENTRAL DIALYSIS Francielly Almeida Cavalcante1 Greice Quelle Saar2 Lillian Sampaio Ramos3 Angela Antunes de Morais Lima 4 RESUMO A hemodiálise é o método que consiste na filtração dos líquidos extracorporais do sangue por uma máquina que substitui as funções renais. Com o tratamento, o paciente passa a freqüentar a clínica constantemente, em um ambiente de monotonia, onde o corpo sofre e a mente padece. Para a maioria, o mais difícil não é conviver com essas mudanças, e sim o tratamento, visto que este altera significativamente a sua rotina, provocando desesperança nos resultados. Com o intuito de favorecer um atendimento humanizado durante as sessões de hemodiálise, verificou-se a necessidade de inserção de atividades lúdicas no Centro de Diálise de Cacoal, objetivando proporcionar momentos de descontração, avaliar a resposta ao uso destas atividades pelos pacientes e a participação e aceitação da equipe de enfermagem. Foi realizada uma pesquisa de campo de caráter exploratório com abordagem qualitativa, utilizando-se como instrumento de coleta e avaliação dos dados a entrevista, falas e expressões do paciente e equipe de enfermagem e uma ficha denominada de Emocionômetro para avaliação do humor. O estudo foi realizado em sete encontros, com dezessete pacientes submetidos a hemodiálise no período matutino. De acordo com os resultados, as atividades lúdicas influenciaram positivamente durante o tempo que permaneceram no local, observando que durante o período, o sorriso emergia no rosto dos pacientes e de toda a equipe de enfermagem, diminuindo, assim, as intercorrências durante as sessões. Palavras-chave: Hemodiálise, Atividades Lúdicas, Enfermagem ABSTRACT Hemodialysis is the method that consists in filtering liquids extracorporeal blood by a machine that replaces kidney function. With treatment, the patient began to attend the clinic constantly in an atmosphere of monotony, where the body suffers and the mind suffers. For most, the hardest thing is not to live with these changes, but the treatment, as this significantly alters his routine, causing despair in the results. With a view to promoting a humanized during hemodialysis sessions, there was the need for engaging in playful activities Dialysis Center of Cacoal, aiming to provide moments of 1 Enfermeira graduada pela Faculdade de Ciências Biomédicas de Cacoal- FACIMED, (2010). E-mail: [email protected] 2 Enfermeira graduada pela Faculdade de Ciências Biomédicas de Cacoal- FACIMED, (2010). 3 Enfermeira graduada pela Faculdade de Ciências Biomédicas de Cacoal- FACIMED, (2010). 4 Enfermeira graduada pela Universidade Federal de Mato grosso do Sul (UFMS, 2000) especialista em Saúde da Família pela Universidade Federal de Rondônia - UNIR (2002) e em Didática o Ensino Superior pela Faculdade de Ciências Biomédicas de Cacoal- FACIMED (2007). 372 relaxation, to evaluate the response to the use of these activities and participation by patients and acceptance nursing team. We conducted a field study of exploratory qualitative approach, using as an instrument for data collection and assessment interviews, speeches and expressions of the patient and nursing staff and a form called Emocionômetro for assessing mood. The study was conducted in seven meetings, with seventeen patients undergoing dialysis in the morning. According to the results, the recreational activities positively influenced during the time that remained in place, noting that during the playful smile emerged in patients' faces and the entire nursing staff, thus reducing the complications during the sessions. Key words: Hemodialysis, Recreational Activities, Nursing 1. INTRODUÇÃO A insuficiência renal crônica (IRC) é um desafio que impõe ao paciente mudanças de hábitos, ocasionando um grande impacto em seu cotidiano, sendo necessário a adaptação de novas rotinas na vida diária. Diante dessa situação conflituosa, é de suma importância considerar não apenas a patologia do paciente, mas todo seu contexto biopsicossocial. Segundo Queiroz (2008), as alterações na vida dos pacientes são incômodas e contínuas, permitindo-lhes sentir-se excluídos por terem que se submeter ao tratamento dialítico, usarem medicamentos continuamente, reduzir sua ingesta hídrica e restringir-se de certos tipos de alimentos. O tratamento de hemodiálise torna o paciente insatisfeito consigo mesmo, pois ele passa a freqüentar a clínica constantemente, em alguns casos, até três vezes por semana, ficando em média 4 (quatro) horas por sessão, em um ambiente de monotonia, onde o corpo sofre e a mente padece. Diante do exposto, constrói-se uma problemática na qual é questionada a importância da utilização das atividades lúdicas durante as sessões de hemodiálise e se estas atividades favorecem a interação entre a equipe de enfermagem e o paciente. A pesquisa baseia-se na hipótese de que as atividades lúdicas quando empregadas, permitem ao paciente, melhoras no enfrentamento da doença e proporcionam ao mesmo, momentos de alegria, trocas de experiência e esperança com relação ao tratamento, além de estimular a interação com a equipe de enfermagem. Neste contexto, com o intuito de favorecer um atendimento humanizado durante as sessões de hemodialise, verificou-se a necessidade da inserção das atividades lúdicas no Centro de Diálise de Cacoal, com o objetivo de analisar a 373 percepção e aceitação do paciente frente a doença e as sessões de hemodiálise, proporcionar momentos de descontração, avaliar a resposta ao uso destas atividades pelos pacientes e a participação e aceitação da equipe de enfermagem. Buscando uma assistência de enfermagem mais qualificada, prestada aos pacientes com IRC em programa de hemodiálise, a redução do tempo ocioso e angustiante, que essas sessões de diálise causam, na maioria das vezes, justificase a importância da elaboração e execução desta pesquisa, uma vez que, o envolvimento do paciente em atividades lúdicas proporcionam todos os benefícios mencionados. 2. A HEMODIÁLISE A insuficiência renal crônica (IRC) resulta de numerosas doenças e representa o declínio da função renal de forma lenta e progressiva (FILHO, 2006). Lomba e Lomba (2005), relatam que com a diminuição da função renal, todo o organismo fica comprometido, pois a doença manifesta alterações bioquímicas, endócrinas e metabólicas, acarretando problemas como insuficiência cardíaca, hipertensão arterial, edema, hálito amonical, úlceras gastrointestinais, neuropatias (parestesias, convulsões, e outros), anemias, problemas de coagulação, desequilíbrio ácido-básico, redução da libido, graves alterações nos ossos e outros. Nos casos mais graves da IRC, quando os pacientes não são tratados, ocorre acúmulo de líquido, formando edema e desequilíbrios metabólicos [...], correndo o risco de não sobreviver por mais de três ou quatro dias (ZATZ, 2000 apud PIETROVSKI, 2005). De acordo com Kusumoto (2008), uma das formas de tratamento da IRC, é a diálise, do tipo hemodiálise ou diálise peritonial. Estas, apesar de prolongarem a vida, não promovem a cura. Somente o transplante renal resolverá definitivamente o problema do paciente. Lomba e Lomba (2005) afirmam ser a hemodiálise o método de escolha na diálise, consistindo na filtração dos líquidos extracorporais do sangue por uma máquina substitutiva das funções renais. Para iniciar o tratamento, é necessário criar, cirurgicamente, uma fístula arteriovenosa, para ter acesso à circulação do paciente. 374 2.1 As Atividades Lúdicas As atividades lúdico-educativas tem sido objeto de transformação na vida de indivíduos doentes. O lúdico não cura o paciente mais proporciona grandes melhoras, ajudando no enfrentamento da doença. Para Erdmann (1998) apud Marisco (2002 p. 36), “o lúdico é um momento de encontros e iluminação, de fantasias e realidades, [...] de querer brincar, festejar, rir, enfim, divertir-se, e são momentos de cuidar de si.” As atividades lúdicas são necessidades humanas inerentes a cada indivíduo, que permitem a compreensão de experiências mais dolorosas, o aumento da criatividade e prazer e, assim, facilitam as relações interpessoais (OLIVO, 1998 apud BRASIL & SCHWARTZ, 2005). Em seus estudos, Beuter (2004), relata que cada paciente responde de maneira particular as atividades lúdicas, podendo apresentar-se negativamente a elas, para tanto, cabe a equipe de enfermagem saber empregá-las, materializandose nestas e reconhecer o lúdico como instrumento espontâneo e livre, permitindo a expressão e a singularidade de cada indivíduo. O mesmo autor ainda diz que nesta abordagem ambos, enfermeira e cliente são sujeitos criadores, capazes de reinventar modos e formas de cuidado. 2.2 As Atividades Lúdicas na Hemodiálise Ao deparar-se com a doença o paciente sente-se amedrontado diante do dilema entre a morte e a total dependência ao longo de sua vida do tratamento. Marisco (2002), relata que o cliente quando se vê diante do diagnóstico de uma doença incurável, de ter que se submeter a um tratamento longo e incerto, de ter limitações físicas, uma vida social diminuída e um futuro incerto, sofre sérios abalos tanto em seu estado físico, psíquico, emocional e social. Além de modificar desfavoravelmente a vida do renal crônico, a doença consome as perspectivas de vida do paciente. Portanto, é crucial para o resgate de cada indivíduo, outrora esquecidos e desacreditados, a dedicação da equipe de enfermagem não apenas com a assistência tecnicista, evidenciando, principalmente o fato de a hemodiálise não ser o fim, e sim o meio de prolongar a vida. 375 Beuter (2004) considera a enfermagem como arte e ciência, que assiste o indivíduo em seu estado físico, biológico e espiritual, e reconhece a doença como instrumento que fere seu bem-estar, utilizando-se, para isso, do lúdico como arte. Brasil & Schwartz (2005), em sua pesquisa, observaram que o único meio de distração dos pacientes submetidos a hemodiálise era assistir televisão, especificamente aos telejornais, onde as noticias sempre despertavam sentimentos tristes e depressivos, principalmente para eles que ficam conectados a uma máquina por quatro horas. A finalidade do lúdico, durante as sessões de hemodiálise, é transformar o tempo inativo do paciente em algo produtivo, que possa animá-los e já para a equipe de enfermagem, o objetivo é promover a integração junto aos clientes, de forma criativa (MARISCO, 2002). Assim, o apoio terapêutico que ocorre por meio das atividades lúdicas pode contribuir para todas as questões referentes ao paciente renal crônico que busca a completa aceitação de si, preservando a dignidade, direito nato de todo ser humano (BRASIL & SCHWARTZ, 2005). Desta forma, o uso do lúdico em pacientes portadores de IRC, durante as sessões de hemodiálise, pode representar novas perspectivas para o cliente com a relação à doença, ao tratamento e até mesmo a vida. 3. MATERIAIS E MÉTODOS A pesquisa realizada é de caráter exploratório com abordagem qualitativa, desenvolvida com pacientes renais crônicos que participam do programa de hemodiálise no Centro de Diálise de Cacoal (CDC). Esta clínica, atende em média 68 pacientes com IRC por mês, realizando os atendimentos nas segundas, quartas e sextas-feiras em 3 (três) turnos e nas terças, quintas feiras e sábados em 2 (dois) turnos. Os pacientes assistidos residem nos municípios de Pimenta Bueno, Cacoal, Rolim de Moura, Ministro Andreazza, São Miguel do Guaporé, Novo Horizonte entre outros. Iniciou-se com a implantação das atividades lúdicas que foram realizadas no período matutino, com 1 (um) a 2 (dois) encontros semanais, durante 4 (quatro) semanas, totalizando 7 (sete) encontros, alternando entre as terças, quintas e/ou sábados, nos meses de agosto a setembro/2010. A amostra se constituiu de 17 pacientes escolhidos de forma seletiva, de acordo com o total de pacientes que 376 freqüentaram o turno em que foram executadas as ações da pesquisa, além de 06 técnicas de enfermagem e 02 enfermeiras que estavam trabalhando durante o turno selecionado. A pesquisa não seguiu com exatidão as propostas metodológicas do préprojeto, pois houve redução no número de encontros e alterações no tipo de atividade a ser realizada, devido ao curto prazo para execução da pesquisa e limitações encontradas no ambiente físico, respectivamente. O estudo foi desenvolvido em quatro etapas. Na primeira etapa foi realizada uma reunião com a enfermeira responsável pela equipe e com a psicóloga da clínica, onde foram apontadas as limitações dos pacientes e do ambiente e, sugeridas algumas idéias referentes às atividades. A segunda etapa consistiu na abordagem aos pacientes através de entrevistas (Anexo 1), onde a proposta desta pesquisa foi apresentada e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado. Na terceira etapa foram realizados encontros semanais, executando, assim, as atividades lúdicas propostas aos pacientes. Na quarta etapa, houve o encerramento dos encontros, onde foi aplicado um questionário aos pacientes e equipe de enfermagem (Anexo 2), para avaliação dos resultados. Os métodos utilizados durante os encontros foram musicoterapia, pinturas e jogos como: resta um, pega vareta, dominó, dama, trilha maluca, cubo mágico, caçapalavras, baralho e bingo; foi usado ainda uma ficha de avaliação de humor, através de um instrumento denominado Emocionômetro, que possui caracteres com as seguintes descrições: alegre, normal, triste, irritado e amedrontado (Anexo 3). Foram inclusos na pesquisa, pacientes de ambos os sexos, com faixa etária igual ou superior a 18 anos, sem problemas que os impediram de falar ou participar da pesquisa, participaram também a equipe de enfermagem, após assinar o TCLE, sendo exclusos da pesquisa os indivíduos que se negaram a participar das atividades, menores de 18 anos e qualquer outro motivo que não favoreceu a realização da mesma. Para identificar a fala dos participantes da pesquisa, foram utilizados pseudônimos, sendo P para os pacientes, T para os técnicos de enfermagem e E para a enfermeira, preservando assim, a identidade dos mesmos. Para divulgação de fotos dos pacientes em eventos científicos e na apresentação da pesquisa, participantes assinaram um termo de autorização para sua exibição. 377 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS Ao longo do tratamento os pacientes hemodialíticos, passam a viver a vida de uma forma passiva. No início da pesquisa, antes da execução das atividades lúdicas, procurou-se conhecer as perspectivas dos pacientes durante as sessões de hemodiálise, visto que o tratamento ocupa um tempo considerável na vida desses indivíduos, impedindo-os até mesmo de permanecer em suas atividades rotineiras. Foi selecionado um turno, contando com a presença de 16 a 17 pacientes por sessão, cujas idades variavam entre 26 e 64 anos. O tempo de tratamento do início da hemodiálise entre um paciente e outro, variou de 30 dias a 7 anos, sendo que, alguns desses pacientes já realizaram tratamento em outros municípios. Pascoal et al (2009) afirmam que “o tratamento dialítico é responsável por um cotidiano restrito onde suas atividades são limitadas após o início do mesmo”. Embora a doença cause limitações na vida diária dos pacientes como restrições alimentares, mal-estar e outros, para alguns deles o mais difícil não é conviver com essas mudanças, e sim o tratamento, visto que este altera significativamente a sua rotina, provocando, assim, um desgaste físico e emocional, e às vezes a desesperança nos resultados. Há o relato de alguns pacientes que chegaram a manifestar-se da seguinte forma: - “Até chego bem a clínica, mais saio daqui mal, não acredito nesse tratamento...” (P1); - “Gostaria de estar em casa... isso é um cabresto, não tenho liberdade.” (P2). Já outros dizem que se acostumaram a essa nova rotina, já que não há solução. Com o tempo ocioso, os dialíticos começam a pensar nos problemas que estão enfrentando, gerando preocupações e angústias, o que interfere em seu bemestar psicobiológico. Quando interrogados sobre o que faziam durante as sessões as respostas foram: 61% dos pacientes dormiam, 23% dormiam e conversavam, 8% permanecia sempre acordado, observando os colegas e a equipe e 8% dormia e ouvia música. Alguns pacientes desejavam ocupar-se enquanto esperavam, mas devido as suas limitações e a falta de atividades, acabavam sem ter o que fazer. Outros relataram que já participaram de atividades quando hemodialisavam em outra cidade e que gostaria de participar, caso houvesse a oportunidade. 378 Ao serem questionados sobre que atividades mais lhe interessavam, e que gostariam de realizar durante as sessões, responderam: - “Eu gostava de ler, mais minha visão não me ajuda mais... se tivesse uma revista pra mim ver seria bom.” (P3); - “Eu não gosto muito de jogo não, mais aqueles caça-palavras é legal, dá pra gente tentar né.” (P5); - “O mais legal de tudo é o bingo, lá onde eu fazia era a única coisa que todos participavam e gostavam.” (P7) Visando proporcionar uma quebra no ócio ocasionado pelo tratamento, propôs-se empregar a ludicidade durante as sessões, uma vez que essas atividades lúdicas “constitui uma necessidade humana que facilita o processo das relações interpessoais, permitindo ao indivíduo desvelar e compreender as experiências dolorosas e mais conflituosas com espontaneidade, criatividade e prazer” (OLIVO, 1998 apud BRASIL e SCHWARTZ, 2005, p. 104). Com as atividades propostas, a princípio, poucos pacientes interagiram, porém ao observarem um ou outro participando, brincando, se distraindo, acabaram se animando para interagir também. Quadro 1: Quantitativo de pacientes presentes em cada encontro e participantes das atividades lúdicas empregadas. CDC, Cacoal, 2010. Encontros Pacientes presentes Pacientes participantes Porcentagem (%) 1º 16 9 56,25 2º 16 3 18,75 Jogos individuais 3º 16 15 93,75 Bingo 4º 16 1 5,55 Jogo individual 5º 17 2 11,76 6º 16 15 93.75 7º 16 16 100 Fonte: Cavalcante, Saar e Ramos, 2010 Atividades realizadas Jogos individuais e dinâmica Jogos individuais e Pintura Concurso de Pintura e dinâmica Bingo 379 O quadro acima demonstra o quantitativo de pacientes participantes com relação ao número de pacientes presentes. Observou-se que houve uma maior interação e aceitação, quando as atividades empregadas envolviam todo o grupo, tanto para os pacientes quanto para a equipe de enfermagem, como visualizado no 3º, 6º e 7º encontro (Quadro 1). Das atividades em grupo, o bingo foi a que teve maior interação entre eles, resultando em momentos de descontração, alegria e interação, onde por alguns instantes, a mensagem que transmitiam era a de que não estavam em uma unidade de tratamento, mas sim em um momento de lazer. Ao fim do jogo alguns pacientes relataram: - “Não precisava nem de brindes, só pela diversão já estava bom”.(P8); - “Poderia ter isso pelo menos uma vez por mês” (P5); - “Nossa! O tempo passou que eu nem vi”. (P9). Durante as atividades, as tensões ocasionadas pelo ambiente foram minimizadas e a interação com a equipe de enfermagem estimulada, o sorriso emergia no rosto dos pacientes e de toda a equipe de enfermagem, confirmando o Conceito de Variação proposto por Nightingale (1989) apud Barros e Gomes (2000), onde as alterações do ambiente é um fator importante para a recuperação do paciente, preocupando-se com os efeitos da mente sobre o corpo e defendendo a necessidade de atividades de distração que eliminassem os pensamentos negativos, de forma a facilitar, a recuperação do paciente. As atividades lúdicas realizadas individualmente, como jogos e pinturas, obtiveram menor participação, como observado no 1º, 2º, 4º e 5º encontros (Quadro 1), porém os resultados alcançados diferiram daqueles encontrados nos jogos em grupos, pois os pacientes que optavam em participar dessa atividade especificamente eram em sua maioria, aqueles que pouco interagiam durante as atividades em grupo, portanto através desses jogos, foi possível trabalhar até com os pacientes mais desanimados e tímidos, possibilitando maior diálogo e proximidade com o paciente, compreendendo melhor suas angústias. Durante as atividades, foram encontradas algumas dificuldades como restrições auditivas e visuais. As mesmas impediram alguns pacientes de participarem das brincadeiras em determinados encontros, com isso, buscou-se alternativas, oportunizando a participação dos mesmos. Mas, o uso do lúdico possibilitou aos pacientes novas experiências. Ao enfrentar os desafios propostos, a primeira reação era recusar-se a participar devido as suas limitações físicas, como o ocorrido no jogo pega-vareta, quando desafiados a desenvolver novas habilidades, 380 visto que o jogo se dificulta ao utilizar apenas uma das mãos. Um dos pacientes expressou-se da seguinte forma: - “Ah não, esse aí não tem como jogar não... eu só posso mexer um dos braços, desse jeito você vai ganhar tudo...” (P5) Porém, mediante ao estímulo e a tentativa, admitiram a possibilidade. Os jogos proporcionaram aos pacientes quebra nas barreiras impostas por eles mesmos e com isso acreditou-se na busca de alternativas para resolução dos desafios propostos: - “Esse jogo é legal, eu não conhecia... e olha que só com uma mão eu ganhei de você... (risos)” (P5). A pintura foi outro desafio, pois para alguns se tratava de algo desconhecido: - “[...] Pintar... eu nunca pintei na minha vida, mais acho que ia gostar...” Observouse que através dessa atividade, os pacientes que pouco se expressavam por palavras, passavam a se expressar através da arte. Essa foi a atividade que mais envolveu o paciente em sua atenção, provocando uma dedicação total naqueles que participavam. Enquanto isso a serenidade invadia o ambiente. Marisco (2002), diz que o lúdico estimula a criatividade do indivíduo, possibilitando-o descobrir o seu ser mais profundo. Ao finalizar essa atividade, alguns pacientes relataram: - “[...] Foi muito bom, pelo menos o tempo passou mais rápido”. (P11); - “Que legal. Pintar! Hoje nem vi o tempo passar.” (P7); - “Nossa! Eu nunca tinha pintado, mais eu gostei bastante... a hora passou bem mais rápido.” (P10) Por um instante o lúdico permitiu aos pacientes esquecerem de suas preocupações e se envolver no mundo das brincadeiras, descobrindo o prazer de jogar e de viver, como verificado nas falas abaixo: - “Gostei demais, é uma alegria, uma união.” (P10); - “Muito bom, até ajudou a funcionar a mente da gente” (P8); - “Não gostaria que vocês parassem as atividades, porque me faz esquecer, pelo menos no momento, os problemas, a dor no braço e a chatice da pressão. Esquecemos tudo...” (P7). Sobre o assunto Aquino, Bortolucci e Marta (2004), concluem que o riso elimina toxinas e melhora a circulação sanguínea e a oxigenação dos pulmões, promovendo o relaxamento muscular, contribuindo para o esquecimento das experiências ruins e para melhorar a perspectiva futura. Em concordância, Brasil e Schwartz (2005) declaram que a felicidade obtida por meio do lúdico é o melhor dos fortalecimentos, acelerando a circulação do sangue, facilitando o cumprimento de todas as funções, tentando, portanto, não só alimentar e aumentar a saúde, quando existente, mas restaurá-la quando perdida. Abaixo o quadro 2 demonstra o humor verificado antes e depois das atividades 381 aplicadas, observando melhoras no ânimo e auto-estima dos pacientes, pois alguns encontravam-se tristes, sonolentos e até mesmo desanimados. Quadro 2 - Emocionômetro: evolução do humor dos pacientes durante os encontros, antes e depois da inserção de atividades, CDC, Cacoal, 2010. Encontros Momento Normal Alegre Triste Irritado 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º Antes Depois Antes Depois Antes Depois Antes Depois Antes Depois Antes Depois Antes Depois 14 13 11 10 10 05 09 08 13 11 07 03 10 04 02 03 04 06 05 11 06 07 03 05 07 13 03 12 01 01 01 01 01 01 02 02 - - Medo Total de pacientes 01 - 16 16 16 16 17 16 16 Fonte: Cavalcante, Saar e Ramos, 2010 Com relação à equipe de enfermagem, houve expressiva colaboração e participação durante a execução das atividades propostas, pois ao mesmo tempo em que prestavam os cuidados, participavam das brincadeiras, interagindo com o grupo, proporcionando assim uma assistência não somente técnica, mas também humanizada e autêntica, proporcionando bem-estar tanto ao cliente, como a própria equipe. Sobre o assunto, Marisco (2002) destaca como objetivo da enfermagem humanística a melhora do paciente tanto física quanto emocionalmente. Quando questionados sobre a importância das atividades para os pacientes, alguns afirmaram que: - “O paciente distrai, esquece os problemas. É um descanso para a mente.” (T1); - “O paciente acaba se distraindo. Quando ficam parados, começam a passar mal, a pressão cai, devido as preocupações.” (T2); - “É bom sim, ainda mais para eles que estão com o psicológico afetado” (T3); - “[...] Distrai, não vê o tempo passar... quando ficam pensativos, eles ficam deprimidos. Mas a distração faz até 382 reduzir a dor e as intercorrências. Foi muito interessante, por que nunca ninguém fez esse trabalho aqui.” (E1). Ao término dos encontros, verificou-se que os laços de amizade e companheirismo se estreitaram com a equipe e outros pacientes, mostrando que o desânimo presente em maior parte deles, no início, já não fazia parte mais do contexto, quando aplicado as atividades lúdicas. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa atingiu os objetivos propostos, pois foram desenvolvidas atividades lúdicas - jogos, pinturas e dinâmicas - para os pacientes hemodialisados, onde a presença destas atividades no Centro de Diálise ocorreu positiva e gradativamente, pois a confiança e amizade dos pacientes foram conquistadas a cada encontro. O uso do lúdico em pacientes portadores de IRC durante as sessões de hemodiálise, embora não tenha contribuído significativamente para aceitação da doença, permitiu melhor percepção frente às sessões, possibilitando assim, conhecê-los mais profundamente, proporcionar momentos agradáveis de descontração e alegria, redução das intercorrências durante as sessões e até mesmo redução do tempo ocioso, trocas de experiência e esperança com relação ao tratamento, além de estimular a interação com a equipe de enfermagem, pois por meio das experiências vivenciadas e compartilhadas, através do diálogo, foi possível estabelecer um elo, não só profissional, como de amizade e companheirismo. Esta pesquisa tornou-se um projeto de extensão, cuja continuidade se dá pelas autoras e outros acadêmicos de enfermagem, com o intuito de oferecer, ainda na graduação, uma experiência do uso do lúdico. REFERÊNCIAS 1. AQUINO, R.G. BORTOLUCCI, R.Z. MARTA, I.E.R. Doutores da graça: a criança fala.. 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