Método Computacional Automático para Pré-Processamento de Imagens Radiográficas M. Z. Nascimento1, L. A. Neves2, A. F. Frère3-4 Universidade Federal do ABC (UFABC), Santo André, SP, Brasil. 2 Faculdade de Tecnologia de Rio Preto (FATEC-RP), São José do Rio Preto, SP, Brasil. 3 Escola de Eng.a de São Carlos (EESC), Universidade de São Paulo (USP), São Carlos, SP, Brasil. 4 Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), Mogi das Cruzes, SP, Brasil. 1 Resumo – As densidades ópticas que não são devidas às variações de absorção das diversas estruturas anatômicas, mas causadas por um efeito intrínseco ao equipamento de aquisição de imagens, dificultam o diagnóstico. Um processo conhecido como efeito “heel” causa variações das intensidades do feixe de raios X incidente no paciente. O presente trabalho apresenta um método para pré-processamento de imagens radiográfica que simula a distribuição da intensidade ao longo do campo de radiação e corrige todos os pixels da imagem de acordo com o excesso ou falta da distribuição de radiação aos quais esses foram submetidos, eliminando o efeito da imagem radiográfica. O método automaticamente determina a posição do centro do campo de radiação, usando apenas informações da imagem. Palavras-chave: efeito “heel”, processamento de imagens, simulação computacional, imagens radiográficas, raios X. Abstract: The optical densities that are not due to variations in the absorption of the several anatomical structures, but caused by an effect intrinsic to the image acquisition equipment, make the diagnosis difficult. A process known as heel effect causes variations in the intensities of the x-ray beam incident in the patient. The present paper presents a method to radiographic image preprocessing that calculates the intensity distribution along the radiation field and corrects all image pixels according to the excess or lack of radiation to which these have been submitted, eliminating the effect in the radiographic image. The method automatically determines the radiation field center position, using only the image information. Key-words: heel effect, images processing, computational simulation, radiographic image, x-rays Introdução O diagnóstico radiográfico é baseado na análise das diferentes Densidades Ópticas (DO) do filme, que deveriam ser geradas apenas pela variação da absorção dos tecidos analisados. Entretanto, um processo conhecido como efeito “heel” causa variações na intensidade da radiação incidente no paciente. Por esse motivo, certas regiões do filme recebem mais radiação do que outras [1], prejudicando desse modo o contraste necessário à detecção das estruturas anatômicas pequenas. A variação das densidades do fundo das imagens é um problema bem conhecido em visão computacional, sendo nesse caso provocada por defeitos de iluminação. A maioria das técnicas tradicionais de pré-processamento para correção de iluminação não uniforme foi desenvolvida para aplicações industriais, apresentando bons resultados. Porém, sua aplicação na rotina diagnóstica não é satisfatória, principalmente porque as imagens não proporcionam, após a correção, as densidades que deveriam ser fornecidas pelas diferentes estruturas anatômicas. Alguns métodos [2] e [3] são encontrados na literatura para compensar o efeito “heel”. Apesar de proporcionaram bons resultados, entretanto, a posição do centro do campo de radiação deve ser determinada experimentalmente antes da sua aplicação. De fato, o campo de radiação gerado por um anodo inclinado não é isotrópico, nem invariante. Portanto, quando se utilizam métodos que simulam o processo de formação da imagem radiológica é necessária uma concordância espacial entre a imagem simulada e a imagem a ser corrigida. O método que apresentamos visa permitir a correção automática das variações provocadas pelo efeito “heel” pois procura encontrar os pontos de referência espaciais da imagem, a saber: o centro do campo de radiação assim como o eixo anodo/catodo. Esse método considera apenas os dados da imagem radiológica, que são suficientes para determinar a orientação e localização da fonte que a gerou. Uma simulação computacional foi utilizada para calcular a distribuição da intensidade ao longo do campo de radiação [4], através da determinação do caminho que os fótons percorrem dentro do alvo, após correlacionar espacialmente a imagem radiográfica com a imagem simulada. A correção de todos os pontos da imagem radiográfica é feita em função do excesso ou da falta de radiação a que esses pontos foram submetidos. Metodologia Aquisição das imagens Um equipamento radiográfico convencional Philips-M80 foi utilizado para aquisição de todos os dados. O sistema é equipado com um gerador de alta freqüência, anodo de tungstênio, janela de berílio e foco de tamanho nominal de 0,3 mm. Para obter o ângulo de inclinação do anodo desse equipamento são considerados os seguintes aspectos: - determinação do centro do campo do feixe de radiação através do teste de superposição feito com um cilindro de acrílico; - determinação do ponto de “cut-off” com uma matriz de orifícios utilizando o princípio mostrado na Figura 1 que permite calcular o ponto a partir da orientação das projeções do ponto focal. A Figura 1 mostra a orientação do ponto focal no centro (posição “C”) e em uma outra posição do campo (posição “A”). Figura 1 – Projeção do ponto focal no centro e em outra posição do campo. Em seguida, o ângulo de inclinação do anodo é calculado através de: α = arctn a centro * dx , a a − (d1 + d 2) (1) centro onde, acentro: valor do ponto focal no centro do campo; a’: valor do ponto focal em uma outra posição do eixo catodo/anodo (posição “B”); dx: distância “CB”. Um fantoma de mão, da Phantom Laboratory, foi empregado a fim de avaliar o comportamento do método nas imagens com estruturas anatômicas. As exposições foram feitas utilizando chassi metaltrônica, tela Kodak Lanex Regular e filme IBF. Os filmes foram digitalizados no equipamento VIDAR – Diagnostic Pro em 8 bits e resolução de 169 µm. Simulação da distribuição do feixe de radiação Para realizar a correção das variações de densidades ópticas deve-se inicialmente simular o processo de formação da imagem radiográfica, considerando o efeito “heel”. Assim, as intensidades de radiação que chegam na imagem em função das características do sistema radiográfico são calculadas e o campo simulado, onde o eixo anodo/catodo e o centro estão indicados [5]. Determinação da correspondência espacial Para determinar a correspondência espacial entre o campo simulado e a imagem radiográfica é necessário localizar nela a projeção do eixo anodo/catodo do tubo de raios X. Para tanto é utilizada uma das propriedades do efeito “heel” que é de distribuir as intensidades do campo de radiação simetricamente na direção perpendicular ao eixo anodo/catodo (Figura 2(a)). Assim a partir da simulação dessa distribuição pode ser encontrada a posição do eixo anodo/catodo. Para determinar a similaridade dos pixels entre as regiões S1 e S2 da imagem radiográfica (Figura 2 (a)) o detector de bordas de Sobel [6] e a limiarização de Otsu [7], devem ser aplicados para localizar uma região sem informações de objetos. Nessa região, devem ser analisadas duas faixas: A e B (Figura 2(b)). Uma regressão polinomial de segundo grau [8], baseada em métodos de mínimos quadrados, é utilizada para diminuir o ruído quântico dessas faixas e uma média com uma máscara de 3 x 3 pixels é realizada. A similaridade das densidades dos pixels, dos lados S1 e S2, é examinada até encontrar aquelas que apresentam o maior percentual de semelhança dos seus níveis de cinza. A metade da distância, M1, entre os pixels semelhantes dos lados, S1 e S2, deve ser determinada para localizar um ponto de projeção no eixo anodo/catodo. Essa análise é aplicada na faixa B encontrando M2. A projeção do eixo anodo/catodo na imagem passa por M1 e M2. Uma função de interpolação B-spline [9] é aplicada nos valores das densidades da projeção do eixo anodo/catodo: Figura 3 – Seleção de pontos de controle no eixo anodo/catodo da simulação e imagem radiográfica. Correção do efeito “heel” Figura 2 - (a) Distribuição das densidades perpendicularmente ao eixo anodo/catodo; (b) Divisões da imagem para determinação do eixo anodo/catodo. Na imagem radiográfica deve-se determinar pontos de controle que tenham entre eles uma porcentagem de variação de seus níveis de cinza equivalente as variações da intensidade de radiação encontradas no campo simulado. Nesse caso, pode ser considerado que as variações de níveis de cinza são correspondentes às variações da intensidade de radiação porque trabalha-se na parte da curva H.D., onde a relação exposição x densidade é linear. Uma função de correlação estatística r [10] é aplicada para medir a similaridade entre os valores dos dois conjuntos analisados. A Figura 3 mostra os pontos selecionados nas linhas dos eixos anodo/catodo da imagem radiográfica e do campo simulado. Para analisar a correspondência entre os pixels da imagem radiográfica e os pontos do campo simulado, aplica-se uma função de mapeamento polinomial baseada na técnica de mínimos quadrados. Sobrepõem-se os pontos de controle das duas imagens permitindo localizar o centro do campo da imagem radiográfica. Para corrigir as variações de densidades devidas ao efeito “heel” deve-se calcular os percentuais de radiação recebidos por cada ponto do campo simulado em relação ao centro do campo. Constrói-se uma matriz de pontos onde esses dados são armazenados, que recebe o nome de “imagem fundo”. Na imagem radiográfica calcula-se os porcentuais do nível de cinza de cada ponto em relação ao valor do nível de cinza do centro do campo e armazenam-se esses valores numa matriz “imagem radiográfica”. Deve ser feita uma subtração das duas matrizes obtendo-se assim uma nova matriz “imagem corrigida”, onde todos os pontos do fundo recebem o valor do centro do campo de radiação. Entretanto, na imagem as estruturas apresentam as porcentagens devidas à suas absorções especificas. Esses valores são convertidos em níveis de cinza considerando novamente como referência o valor do centro do campo da imagem radiográfica. Resultados A Figura 4 apresenta uma imagem obtida com os parâmetros empregados na rotina diagnóstica: 40 kVp, 2,5 mA, 1s e distância foco/imagem de 100 cm. A Figura 5(a) mostra a imagem obtida após a aplicação do detector de bordas e a limiarização. A Figura 5(b) apresenta as faixas selecionadas nas regiões A e B após aplicação da regressão polinomial. A Tabela 1 apresenta os valores de correlação após o ajuste entre os pontos de controle da simulação e da radiografia da mão. anodo catodo Figura 4 –Radiografia obtida com o fantoma de mão da Phantom Laboratory. com a linha branca perpendicular mostra a posição do centro do campo de radiação, assinaladas pelas setas em vermelho. A posição determinada experimentalmente está no cruzamento das duas linhas assinaladas na Figura 6 pelas setas em azul. Nesse caso, a diferença entre a posição determinada computacionalmente e a posição determinada experimentalmente foi de 8 mm. Isto representa 3,76 % do tamanho do eixo anodo/catodo dessa imagem. Tabela 1 – Correlação entre os pontos de controle da simulação e da imagem radiográfica e porcentagem. Ponto de Correlação Porcentagem controle 1 0,953 95% 2 0,909 91% 3 0,930 93% 4 0,870 87% 5 0,939 94% 6 0,946 95% 7 0,918 92% 8 0,929 93% 9 0,893 89% Projeção do eixo anodo/catodo determinada computacionalmente anodo Linha perpendicular ao eixo anodo/catodo determinada computacionalmente catodo (a) (b) Figura 5 - (a) imagem obtida após aplicação do detector de bordas e limiarização e (b) representação gráfica das faixas selecionadas nas regiões A e B para determinação do eixo anodo/catodo na radiografia. A Figura 6 mostra o resultado obtido na localização do eixo anodo/catodo e do centro do campo de radiação na imagem processada em função dos dados obtidos com a simulação. A linha branca horizontal indica a posição da projeção do eixo anodo/catodo e a intersecção Projeção do eixo anodo/catodo determinada experimentalmente Linha perpendicular ao eixo anodo/catodo determinada experimentalmente Figura 6 – Localização do eixo anodo/catodo e da posição do centro do campo na radiografia. A Figura 7(a) mostra o resultado obtido após aplicação do método para correção do efeito “heel” na radiografia de mão. As Figuras 7(b) e 7(c) apresentam, respectivamente, os níveis de cinza dos pixels de uma faixa da região de fundo, antes e após a correção do efeito “heel” nas direções paralela e perpendicular, respectivamente. anodo catodo (a) esse fim. Os resultados apresentados com a radiografia do fantoma de mão, mostram que à partir dos níveis de cinza entre os lados S1 e S2, foi possível localizar a projeção do eixo anodo/catodo e o centro do campo de radiação com precisão de 96,24 % do tamanho do eixo anodo/catodo da imagem. Os valores de correlação entre os pontos de controle da simulação com a imagem radiográfica estão acima dos 90%, portanto adequados para determinação da correspondência espacial [11]. O método computacional automático considera as representações físicas empregadas no processo da obtenção de imagens para corrigir as variações das densidades ópticas. Esse método apresenta vantagem em relação as técnicas de correção propostas por [2] e [3], onde a posição do dispositivo de gravação em relação a fonte de raios X deve ser marcado em cada imagem. As representações gráficas, Figuras 7(b) e 7(c), mostram que o método conseguiu uma boa uniformização da região de fundo da imagem em relação a sua representação original (Figura 4). Melhoraram tanto a qualidade da imagem para análise visual, como também para o préprocessamento nos sistemas computacionais. Agradecimentos (b) À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, pelo apoio financeiro. Referências [1]Terry, J. A., Waggner, R. G., Blough, M. A. (1999), “Half-Value and Intensity Variations as a Function of Position in the Radiation Field for Film-Screen Mammography”, Medical Physics, vol. 26, pp. 259-266. (c) Figura 7 – (a) Imagem obtida após utilização do algoritmo para correção do efeito “heel” aplicado sobre a radiografia, níveis de cinza obtidos antes e após aplicação do método de correção: (b) direção do eixo anodo/catodo e (c) direção perpendicular. Discussão e Conclusões O método computacional desenvolvido permite localizar com sucesso a projeção do eixo anodo/catodo e a posição do centro do campo de radiação, apenas utilizando informações da imagem radiográfica. Essa contribuição é importante, vez que na literatura não há registro de métodos computacionais desenvolvidos para [2]Pawluczyk, O., Yaffe, M. J. (2001). “Field nonuniformity correction for quantitative analysis of digitized mammograms”. Medical Physics, 28 (4), pp. 438-444. [3]Behiels, G., Maes, F., Vandermeulen, D, Suetens, P. (2002), “Retrospective Correction of the Heel Effect in Hand Radiographs”, Medical Image Analysis, 6, pp. 183-190. [4]Marques, M. A., Frère, A. F., Oliveira, H. J. Q. Marques, P. M. A., Schiabel, H. (1996), “Computerized Method For Radiologic System Parameter Simulations Destined For Quality Assurance Programs”, Journal IFMBE – Medical & Biological Engineering & Computing, vol. 37, Suppl. 2, pp. 1244-1245. [5]Nascimento, M. Z., Marques, M. A., Frère, A. F., ‘Correction of the heel effect in mammographic images using computational simulation’, IFMBE Proceedings – 2nd European Medical & Biological Engineering Conference, Part. 2, Viena, Austria, 2002, pp. 916-917, 2002. [6]Gonzalez, R. C.; Woods, R. E. (2000). Processamento de Imagens Digitais. São Paulo. Edgard Blücher Ltda. [7]Parker, J. R.(1996), Algorithms for Image Processing and Computer Vision, John Wiley & Sons, New York [8]Press, W.H.; Teukolsky, S.A.; Vetterling, W. T. e Flannery, B.P. Numerical Recipes in C. The Art of Scientific Computing. Second Edition. Cambridge: Cambridge University Press, 1992 [9] C. Boor, On Calculing with B-Splines, J. Approx. Theory, 6, 50-62 (1972). [10]Pratt, W. K. (1974). Correlation techniques of image registration, IEEE Transactions on Aerospace and Electronic Systems, n. 10, p. 353-358. [11] Dekker, N., Ploeger, L. S., Herk, M. V. (2003). Evaluation of cost functions for gray value matching of two-dimensional images in radiotherapy. Medical Physics, n. 5, pp. 778784. Contato Marcelo Zanchetta do Nascimento. Professor Adjunto da Universidade Federal do ABC. Rua Santa Adélia, 166 - Bairro Bangu Santo André - SP - Brasil | CEP 09.210-170. E-mail: [email protected]