Entrevista com Rodrigo Bivar Cauê Alves: A exposição Turista Azul tem algo do olhar distanciado do turista, aquele que se surpreende com as coisas, que não domina os códigos do outro e, portanto, pode perceber no banal algo de extraordinário. Até que ponto o próprio suporte final de muitos de seus trabalhos, a pintura, já apresenta historicamente ele mesmo essa ideia de nos dar um olhar renovado das coisas? Rodrigo Bivar: A ideia do título Turista Azul veio de um texto do Italo Calvino que se chama A velha senhora de quimono violeta, que traz relatos da viagem que ele fez pelo Japão. O que mais me chama atenção nesse título é que a cor violeta serve quase como uma adjetivação dessa senhora. Como as pinturas apresentadas na exposição são todas de imagens da minha vigem ao Japão, eu queria dialogar de alguma forma com esse texto do qual tanto gostei. O fato de eu ter usado a palavra turista, e não viajante, foi para passar a ideia de que, em nenhum momento, eu me perdi como um viajante muitas vezes faz e, no processo de se perder, acaba por encontrar outras coisas que não imaginava. O turista é aquele sujeito que viaja para se recrear. Como no texto o narrador passa a impressão de que, em alguns momentos, está sendo ciceroneado por alguém, a ideia de ficar perdido parece se diluir. Mas, na verdade, só o fato de estar no Japão já é uma coisa que te deixa perdido o bastante. Os códigos, a postura, o comportamento e, principalmente, a língua, são muito diferentes dos nossos; então, para mim foi tudo realmente muito novo. Já estava perdido sem estar. Depois, pareceu-se que as pinturas atribuíram um novo sentido para além daquelas experiências vivenciadas por mim. E acabavam por revelar esse olhar renovado do qual você fala. Eu acho sim que é uma coisa recorrente, porque, se por um lado eu não fui um viajante na minha viagem, por outro acabei sendo durante a feitura das pinturas. CA: A pintura tem uma história enorme, uma tradição que de algum modo reaparece indiretamente no seu trabalho. Não se trata de citação, mas de um estofo histórico que se manifesta na escolha de alguns temas como o piquenique no parque (Manet), em alguns tratamentos, num certo estranhamento presente nas telas e na retomada de gêneros tradicionais da pintura. Como você pensa essa relação com a história? Ela aparece mais como repertório, como fonte de pesquisa, como um caminho que seu trabalho desdobra, dá prosseguimento, com tudo isso ou nada disso? RB: Eu acho que com um pouco de tudo isso. A pintura é uma daquelas atividades que, se você pensar muito sobre ela, você não faz. O peso histórico é gigantesco, então eu acho que você tem que ser um pouco ingênuo, mesmo que seja uma ingenuidade forçada, e “mandar bala”. O fato de eu pintar "assuntos" que fazem parte do gênero da pintura se deve à sua proximidade com a minha vida. Retratos de amigos, objetos pessoais, paisagens de lugares que visitei, pinturas de artistas de que gosto. É um mundo que me pertence, mas também pertence a todos. CA: A relação da pintura com o fotografia é antiga. Seja por parte dos fotógrafos que se aproximaram de regras de composição da pintura acadêmica, seja por parte dos pintores que viram na fotografia um campo de pesquisa. Só para citar um exemplo conhecido, os impressionistas já no século dezenove fizeram sua primeira mostra no ateliê de fotografia do Nadar. Como você procede em relação à fotografia? Ela é mais um instrumento de pesquisa? Qual a diferença, se é que ela existe, entre o estatuto da fotografia e o da pintura no seu trabalho? RB: Eu uso a fotografia como uma anotação de algo que quero pintar. Na exposição Turista Azul, a maioria das fotos que realizei imaginando que mais tarde virariam pintura não foram usadas. Utilizei as fotografias que originaram os trabalhos Lucia, o Mapa e a Ilha, Turista Azul e Fuji. Todas as outras fotos que viraram pintura foram tiradas por amigos que fizeram a viagem comigo. Quando eu vi as fotos que eles tinham feito, foi quase como descobrir outra viagem. Aquelas imagens me pareceram mais interessantes do que as minhas. Me senti mais livre para pintá-las. CA: Nessa exposição, se não me engano, é a primeira vez que você apresenta um vídeo. Como foi essa experiência, como o vídeo surgiu no seu percurso? Você o pensa mais como ruptura ou como continuidade de sua pesquisa? RB: Sim, é a primeira vez que apresento um vídeo. Quando visitei o aquário de Osaka fiquei impressionado com a quantidade e variedade de peixes que eles têm lá. O lugar é imenso e tem tanto peixe dentro da água como visitantes fora dela. Eu dei sorte, porque, enquanto estava lá, dois mergulhadores entraram para limpar o aquário, e a relação de tamanho daquelas duas figuras dentro do aquário foi o que chamou minha atenção. O que eu fiz foi grudar a câmera no vidro e começar a gravar. Gravei os dois, lado a lado com os peixes, para dar uma ideia do tamanho do aquário. Mais tarde, ao ver o vídeo, ele me pareceu um pouco melancólico; aquelas duas figuras sem comunicação e com uma infinidade de seres passando por eles... Pareceu-me óbvio tentar transformar aquilo num trabalho. Por isso acho que o vídeo apareceu de forma muito natural, não foi uma busca deliberada do tipo "agora vou fazer um vídeo"; a coisa simplesmente aconteceu. E é por isso também que eu o vejo como uma continuidade do meu trabalho e, pela mesma razão, quis mostrá-lo nessa exposição junto com as pinturas. A pintura Turista Azul é de uma turma que estava olhado para esses mesmos dois mergulhadores.