! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! Anais do ! V Seminário Nacional Sociologia & Política ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! 14, 15 e 16 de maio de 2014, Curitiba - PR! ISSN: 2175-6880 1 ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO PARANÁ (1889-1930): A DINÂMICA POLÍTICA DO PARENTESCO Mônica Helena Harrich Silva Goulart RESUMO O presente texto analisa a Assembleia Legislativa do Paraná na Primeira República. Tem como objetivo compreender a organização interna da ALEP, a composição e atuação de seus principais membros em meio ao processo de manutenção das redes de relações familiares. Para tanto, serão utilizadas as perspectivas teóricas de Pierre Bourdieu de campo e subcampo, jogo e habitus. A ALEP se constitui como instituição relevante devido ao fato de ter concentrado o embate político do estado, mesmo em momentos onde o cenário de poder parecia estar equilibrado, como após a Coligação Partidária de 1908. Nesse sentido, as ações dos parlamentares através das discussões, por meio de suas regras e da natureza dos projetos aprovados refletem um jogo político peculiar e em conformidade com as determinações do poder Executivo, uma vez que também legitimava as práticas políticas dos governadores e, ao mesmo tempo, possibilitava a manutenção das relações de parentesco entre seus atores políticos. Quanto aos dados, fez-se investigação de documentos variados, tais como: os Anais da Assembleia, diversos Jornais, entre outros. Assim, o referido artigo assinala uma análise específica que tem a ALEP como subcampo do campo político do estado do Paraná, pois também se configurou estrategicamente para efetivação e manutenção dos interesses da classe dominante regional. Palavras-Chave: ALEP, Jogo Político, Primeira República, Relações de Parentesco, Sistema Coronelista. 1. INTRODUÇÃO Na contramão do conjunto de estudos que centraliza a análise do poder Legislativo estadual em contextos mais contemporâneos, a presente análise se propõe a pensar a Assembleia Legislativa do Paraná1 entre os anos 1889-1930. Para tanto, os conceitos de Bourdieu de campo e subcampo são fundamentais para compreensão deste espaço político. Assim, ao refletir sobre as relações de poder no Paraná da República Velha, logo percebe-se que a classe politicamente dominante alicerçava suas relações em tal instituição, como também fundamentava seus laços familiares através de redes de proteção as quais se baseavam a partir de trocas de favores, através de mecanismos 1 Apesar da Constituição Estadual de 1891 ter estabelecido o termo Assembleia Legislativa, os documentos dos Anais desta instituição o denominam de Congresso Legislativo do Estado do Paraná. Já os estudos atuais adotam siglas para as investigações dos Legislativos estaduais, neste caso, o termo ALEP representa a Assembleia Legislativa Paranaense. Portanto, ao longo do texto optamos por adotar a sigla no sentido de facilitar tal descrição. 2 extralegais de favorecimento entre indivíduos específicos e, de forma abrangente e tão importante quanto, do sistema coronelista2. Dessa forma, dentre os principais atores políticos do estado que construíram suas carreiras ou a consolidaram durante a República Velha, grande parte apresenta em sua trajetória política a passagem pela ALEP, sendo que alguns fizeram do espaço parlamentar a instituição que lhe promovera a base para articulação de sua política, enquanto para outros seria o espaço de legitimação de seu poder tendo em vista que era nesta casa pública que se estabeleciam os arranjos de favorecimentos à determinados grupos em detrimento de outros, como também se consolidavam as relações de parentesco uma vez que parte dos projetos aprovados iam de encontro com os benefícios de interesses de grupos familiares historicamente dominantes. Ao se pensar a ALEP no referido período, pode-se também identificar que parte significativa da classe politicamente dominante fez parte do quadro formado por 280 membros, os quais ocuparam suas cadeiras ao longo de 20 Legislaturas bienais distribuídas nos quarenta anos da República Velha. Vale ainda ressaltar que dos principais representantes da ALEP, vários deputados estaduais tinham relações de parentesco entre si, como também tinham familiares ocupando demais postos importantes do controle político e econômico3 do estado. 2 Consideramos o fenômeno do coronelismo tal como descrito por Vitor Nunes Leal em sua clássica obra Coronelismo, Enxada e Voto, ou seja, enquanto um sistema político que envolveu o poder público e privado em uma relação de cunho político em que os atores participantes se estendem desde a base da sociedade, na figura do eleitor, até o Presidente da República. Contudo, antes de se apresentar como grande proprietário rural e com força e prestígio regional ou nacional, o coronel (representante do poder privado) é entendido como o chefe político local que teve seu poder diminuído com a República porque o governo estadual (através da nova legislação) passou a controlar todos os negócio do município, espaço no qual até então o coronel tinha assegurado seu poder e importância política. Dessa forma, para que continue participando da política e, portanto, assegurando seus favores advindos do setor público, o coronel necessita ser o elemento garantidor dos votos dos candidatos indicados pelo governador do estado. Nessa relação, o coronel é o indivíduo que depende dos benefícios do setor público para que, ao menos em seu pequeno reduto político, seja considerado como alguém de prestígio e reconhecidamente àquele que consegue estender os benefícios para a população local; daí o aspecto garantidor do voto do eleitor uma vez que este passou a considerar o coronel como o indivíduo que o auxilia em sua quase máxima pobreza e dependência. Nesse sentido, quando os coronéis conseguiam alcançar o patamar de deputados estaduais e não somente de Prefeitos municipais, isto poderia ser considerado um elemento significativo, até porque o próprio salário de parlamentar favorecia sua sobrevivência, como também ficaria mais acessível a obtenção de favorecimentos pessoais e também para “sua” população local. Sendo assim, vale ressaltar que o coronel paranaense, em termos gerais, teve seu máximo poder na ocupação de cadeiras na ALEP e, nesse subcampo político, encontrava condições de ter assegurado seu poder no plano local uma vez que a proximidade com o grupo dominante lhe facilitava a troca de favores, até porque procurava sempre estar ao lado do situacionismo político. (GOULART, 2004) 3 Segundo Ricardo Costa de Oliveira, pode-se identificar dois grupos economicamente dominantes no início da República no estado do Paraná, de um lado os indivíduos ligados à grande propriedade dos Campos Gerais, representados no Império pelo Partido Liberal e, de outro, os indivíduos ligados à economia ervateira e ao setor comercial, até então coadunados ao Partido Conservador. (2001). 3 2. A ALEP ENQUANTO OBJETO DE ESTUDO Para pensar o presente objeto a partir de um exame sociológico acerca da Assembleia Legislativa do Paraná no período da República Velha, procurou-se privilegiar os conceitos centrais sobre a política parlamentar segundo a visão de alguns conceitos centrais de Pierre Bourdieu. Na perspectiva de reestabelecer novas condições teóricas e metodológicas, Bourdieu descarta de sua análise dicotomias tradicionais das Ciências Sociais como a relação sujeito/objeto, indivíduo/sociedade, teoria/prática; suplantando, dessa forma, os limites formais e familiares da análise sociológica recorrente. Conforme enfatiza Patrice Bonewitz, em sua apresentação das principais concepções sociológicas do autor, Bourdieu tem contribuído “...para a renovação do questionamento científico.” (BONNEWITZ, 2003, p. 11). Assim, entende-se que a Assembleia Legislativa do Paraná entre os anos 18891930 se configura teoricamente como um subcampo do campo político paranaense na medida em que este é constituído também por outros subcampos específicos como o sistema partidário e o poder Executivo, entre outros. Assim, a ALEP enquanto subcampo, compartilha de conflitos e de disputas acirradas na medida em que tem presente agentes que compõem a classe dominante disputando o jogo político e isto, no referido caso, ocorre por meio dos mandatos de deputados estaduais. Entretanto, tal subcampo também comportou a presença direta do Executivo estadual através da política dos governadores4, juntamente com a figura dos coronéis5 que garantiam as eleições locais e, sobretudo, atuavam na instituição enquanto deputados estaduais ainda que apresentassem menor prestígio político em relação às lideranças da ALEP e ao próprio governo regional. Então, é nesse sentido que se estabelece a importância de pensar este parlamento como subcampo onde os atores participam do jogo político de acordo com suas posições e em meio ao próprio habitus, construído e legitimado por seus membros. Afinal, “...analisar e investigar um grupo de homens reais envolve a 4 O presente termo refere-se ao tipo de política de compromissos estabelecida entre os governadores estaduais e o Presidente da República no sentido de assegurar tanto a manutenção do poder regional quanto do poder federal. Segundo Marieta de Moraes Ferreira, se instaurou “...no país uma cultura política que se consolidou, congelando a competição, neutralizando as oposições e domesticando os conflitos políticos.” (FERREIRA, 1993, p. 10). 5 O termo coronel diz respeito não só à patente militar ligada à Guarda Nacional, mas representou durante o período os homens que dominavam a política local, na maioria deles, proprietários rurais, conforme indicado anteriormente. 4 experimentação das relações sociais estruturais e ativas pelas quais o grupo se forma.” (OLIVEIRA, 2001, p. 18). A opção pelo conceito de classe dominante possibilita evidenciar a dimensão de que as relações estabelecidas no interior da ALEP refletiam o jogo conflituoso de interesses específicos deste grupo. Assim, mesmo diante da continuidade de sobrenomes e relações históricas de parentesco, uma investigação analítica da Assembleia Legislativa revela que a própria ligação de laços familiares pressupõe a importância de se assegurar tal poder ao longo do tempo, sendo necessária a reconstrução de mecanismos para alijar pretensões de novos grupos que objetivam ascender politicamente, o que denota interesses específicos e não comuns entre os deputados da ALEP. Em outra perspectiva, entender a ALEP como subcampo no qual a classe dominante interagia e impunha seu poder político revela o aspecto de que os governadores do período em algum momento de suas trajetórias se posicionaram diretamente no interior deste espaço, como também tiveram que estabelecer relações com os demais deputados ao ocuparem o governo do estado. No caso dos governadores paranaenses, somente José Pereira dos Santos Andrade6 não teve o título de deputado estadual, mas fora eleito deputado provincial nos primeiros anos da década de 1880. Já os demais governadores ocuparam cargos eletivos na Assembleia Legislativa, fundamentalmente antes de serem eleitos governadores estaduais7. Outro aspecto que confirma a Assembleia Legislativa como subcampo político e o torna relevante para compreensão do próprio campo é o fato de que comportou a maioria dos principais agentes políticos da época, ou seja, dos 8 governadores eleitos, 7 foram deputados estaduais, dos 17 senadores que representaram o Paraná na República Velha, 13 deles cumpriram mandatos no referido parlamento; quanto aos deputados federais, num total de 29 homens, significativamente 21 deles registraram em suas 6 Santos Andrade ocupou o Governo estadual de 1896 a 1900 e durante os primeiros anos da República cumpriu mandato de Senador de 1890 até 1895. Outro aspecto que também deve ser levado em conta é o fato de que o referido político faleceu poucos meses depois de cumprir seu mandato no Executivo do estado. (GOULART, 2014). 7 Compreendem os representantes do Executivo estadual ao longo da República Velha no Paraná: Generoso Marques dos Santos, Francisco Xavier da Silva, primeiro governador republicano eleito pelo povo nas eleições de 1892, foi também Deputado provincial. Assim, os demais Governadores foram: Generoso Marques dos Santos (1891), Francisco Xavier da Silva (1892-1896, 1900-1904, 1908-1912), José Pereira dos Santos Andrade (1896-1900), Vicente Machado da Silva Lima (1904-1907), João Cândido Ferreira (1907-1908), Carlos Cavalcanti de Albuquerque (1912-1916), Afonso Alves de Camargo (1916-1920, 1928-1930) e Caetano Munhoz da Rocha (1920-1924, 19124-1928). (GOULART, 2014). 5 biografias políticas a passagem pela ALEP; já pensando na prefeitura da Capital, que era também um cargo político estratégico e concebido por nomeação, dos 178 prefeitos de 1889 até 1930, 10 deles foram deputados estaduais; vale ressaltar ainda que dos 24 secretários de governo dispostos em 27 pastas organizadas durante o período, 14 foram deputados da ALEP e, dentre os que não foram membros, 3 tiveram parentes próximos como parlamentares. Assim, destaca-se não só a importância do mandato parlamentar na construção das trajetórias políticas, mas também pode-se inferir que a Assembleia Legislativa se confirmou ao longo do período como um subcampo no qual a classe politicamente dominante conseguia estruturar suas relações de poder e também estabelecer seus respectivos interesses. Já os deputados que não fizeram parte do bloco dominante9 que comandou a ALEP, ao menos tiveram condições ao longo de seus mandatos de se relacionarem com os quadros mais importantes e também, ao que pese localmente, reafirmaram seu prestígio político nos municípios, como no caso da maioria dos chamados deputados coronéis. (GOULART, 2014) Segundo Martins, Bourdieu considera que “...um campo pode ser definido como uma configuração de relações objetivas entre posições de força ocupadas pelos agentes ou instituições em função da situação atual e potencial na estrutura da distribuição das diferentes espécies de capital10, cuja posse e volume tendem a comandar as estratégias pelas quais os ocupantes dessas posições busquem conservar e/ou melhorar suas posições dentro da hierarquia ali existente.” (MARTINS, 1992, p. 180). É, então, que se entende a Assembleia Legislativa do Paraná como um subcampo demarcado como um espaço de configuração de forças, resultando na concentração de disputas políticas e de diversos interesses em seu interior. Tal como o campo político, este subcampo, acima de tudo, é caracterizado por um conjunto de diferentes espécies de capital e de níveis de poder diferentes entre si. Dessa forma, verifica-se também que tais níveis resultam em estratégias legais para a permanência das posições dominantes ocupadas por seus 8 Entendemos nesse total de Prefeitos o curto período revolucionário em que Generoso Marques ocupou-se desse cargo. 9 Consideramos que “...o bloco no poder é a unidade da classe dominante realizada através e no interior dos aparelhos de Estado [no caso, a ALEP], sob a égide da fração hegemônica.” PERISSINOTTO, 1994, p. 28). Já o termo fração hegemônica pode ser entendido como o “...grupo que prepondera politicamente sobre os demais.” (PERISSIONOTO, 1994, p. 27). Para Bourdieu, o termo capital político “...é uma forma de capital simbólico, crédito firmado na crença e no reconhecimento ou, mais precisamente nas inúmeras operações de crédito pelas quais os agentes conferem a uma pessoa – ou a um objeto – os próprios poderes que eles lhes reconhecem.” (BOURDIEU, 2004, p. 188). 10 6 agentes. Contudo, ocorre que essas posições acabam por beneficiar determinados agentes em detrimento de outros, os quais não dispõem das mesmas condições, sejam elas materiais ou simbólicos. Assim, o presente subcampo se estabelece a partir de um jogo no qual a maioria de seus agentes estão se comportando de forma específica, isto é, participam do jogo para manter exatamente suas posições de poder ou, então, participam do jogo para continuar no próprio jogo, ainda que apresentem capital político e econômico restrito; como no caso dos coronéis que eram deputados estaduais com pouca expressão de mando no estado e que detinham poder significativo apenas em seus redutos eleitorais. Em se tratando especificamente do campo político, Bourdieu o apresenta a partir de sua lógica interna, ou seja, a partir do que este campo produz: ...o campo político é o lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes que nele se acham envolvidos, produtos políticos, problemas, programas, análises, comentários, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto de ‘consumidores’, devem escolher, com probabilidades de mal-entendimento tanto maiores quanto mais afastados estão do lugar de produção. (BOURDIEU, 2002, p. 164) Este foco de análise torna-se indispensável para uma compreensão mais ampla ao se considerar a ALEP como um subcampo do campo político, na medida em que apresenta um universo particular tendo suas próprias leis e estrutura de funcionamento11, onde agentes membros da classe dominante, os deputados estaduais, concorrem entre si, estabelecem acordos, produzem fatos (decretos e leis), tomam decisões, concedem benefícios e engendram empecilhos políticos ao mesmo tempo. Nessa perspectiva, o que “...determina a existência de um campo e demarca os seus limites são os interesses específicos, os investimentos econômicos e psicológicos que ele solicita a agentes dotados de um habitus e as instituições nele inseridas.” (THIRYCHERQUES, 2006, p. 37). A importância da ALEP como subcampo político também está na capacidade de refratar o sistema político mais amplo ao qual o estado do Paraná também fora influenciado. Contudo, algumas questões revelam que a instituição fora capaz de amortizar os impactos do contexto político paranaense, o que ocorreu no caso da 11 Consideramos que as regras internas da ALEP e a organização de sua estrutura se estabelecia por meio do Regimento Interno, ao qual se estendeu ao longo do período sem modificações significativas. 7 Coligação Partidária12 em 1908 entre partidos até então opositores, ficando evidente a capacidade deste subcampo readequar13 as pressões internas e externas (governo estadual, sistema político-partidário) para conservar o poder deste grupo, isto é, do Partido Republicano Paranaense, até 1930. Dessa forma, a Assembleia tornou-se um subcampo que permitiu a articulação para tal Coligação, submetendo interesses partidários divergentes ao interesse político-partidário comum. Por outro lado, a condição para continuidade da força política de um único partido se encontrou fundamentalmente na capacidade de excluir e apropriar-se estrategicamente de interesses e agentes quando necessários; como no episódio de Ottoni Maciel14 que depois de ser efetivamente alijado do centro do cenário político em 1908, teve o seu rápido retorno na metade da década de 1910, e, por fim, voltando para uma proposta oposicionista ao final da década de 1930. A reorganização partidária que culminou no Partido Republicano Paranaense resultou na redistribuição de cargos públicos para ambos os lados, garantindo a elegibilidade dos atores políticos mais importantes dos dois grupos, principalmente para aqueles que participaram diretamente do processo conciliatório como no caso de Manoel de Alencar Guimarães (discípulo de Vicente Machado), que foi senador de 1908 até 1920, Generoso Marques (antigo oposicionista), que permaneceu no senado ininterruptamente até 1926, Carlos Cavalcanti (ex-situacionista) que após ocupar o governo do estado de 1912 até 1916, permaneceu durante a última década da República Velha como deputado federal. Já o ex-oposicionista Afonso Camargo, quando não 12 Resultou no Partido Republicano Paranaense, que corresponde à união dos dois Partidos políticos mais importantes e antagônicos do início da República: o Partido Republicano, considerado oposição e liderado por Generoso Marques dos Santos, ligado ao setor da grande propriedade (e que ocupou o Executivo estadual somente em 1891) e o Partido Republicano Federal, de orientação situacionista e que praticamente sempre esteve ao lado das lideranças nacionais, como também concentrou o poder dos interesses ervateiros e deteve o controle do Executivo que, por conseguinte, aglutinou em seus quadros os representantes dos demais cargos públicos do estado. (GOULART, 2014). 13 Afinal, “...o campo é dinâmico”. (THIRY-CHERQUES, 2006, p. 44). 14 Otoni Maciel representava o reduto eleitoral do município de Palmeira. Sendo assim, seus votos sempre foram significativos para o grupo vicentista. Contudo, quando da exclusão do então govenador eleito João Cândido Ferreira, Ottoni Maciel se encontrava como seu 1º. Vice e, nas mesmas condições que o primeiro, foi levado à entregar seu cargo aceitando a estratégia política de cancelamento das eleições porque esta estaria sendo considerada ilegal. Conquanto, a ilegalidade da candidatura de João Cândido e Ottoni Maciel fora mais uma estratégia para que as lideranças antagônicas passassem a se unir no controle político do estado até porque a maior força política, Vicente Machado, tinha falecido no ano anterior. Porém, vale ressaltar que na década de 10 é novamente chamado para fazer parte da situação, mas esta relação dura somente o tempo em que os votos garantidos do reduto eleitoral de Otoni Maciel são importantes. Fato que o levou a se unir com representantes da Aliança Liberal no final da década de 20. (GOULART, 2004; 2014) 8 ocupava o Executivo estadual, representava o Paraná no Legislativo federal, enquanto os demais deputados estaduais, os chamados coronéis, continuavam exercendo seu poder máximo no Legislativo estadual. Dessa forma, encontramos uma limitação neste subcampo uma vez que também tem-se uma restrição em relação àqueles que podem participar deste jogo como ganhadores. Nas palavras de Bourdieu: ...o campo político [e o subcampo] exerce de facto um efeito de censura ao limitar o universo do discurso político e, por este modo, o universo daquilo que é pensável politicamente, ao espaço finito dos discursos susceptíveis de serem produzidos ou reproduzidos nos limites da problemática política como espaço das tomadas de posição efectivamente realizadas no campo, quer dizer, sociologicamente possíveis dadas as leis que regem a entrada no campo. (BOURDIEU, 2002, p. 165). Esta rearticulação e acomodação de poder se revela no presente subcampo porque é nele que encontramos os grupos e agentes anteriormente citados, distribuindo níveis de poder para a continuidade da prática política marcada pelo sistema coronelista, que era capaz de suprimir qualquer forma de oposição mais efetiva. Afinal, tanto o subcampo quanto o campo possuem interesses15 e possibilidades de ações onde seus agentes não poderiam coexistir e interagir em outras dimensões do mundo real, daí o fato de que a construção teórica do campo e subcampo se remetem às condições fundamentais para investigação de determinados grupos sociais, políticos e econômicos assegurados em seus interesses particulares e em suas posições efetivas. Neste caso, é interessante destacar que os elementos que promoviam o coronelismo como o analfabetismo, as várias fraudes eleitorais e a troca do voto por qualquer favor recebido pelo coronel e até mesmo sua dependência econômica para com o Executivo do estado, fizeram com que os chefes políticos locais tivessem acesso a certas condições mínimas para impor os seus interesses no espaço público. (GOULART, 2004). Através da Assembleia Legislativa, os deputados coronéis participavam do jogo confirmando suas posições políticas a um capital político menor em relação ao do grupo dominante. Contudo, mesmo diante do limitado poder político dos coronéis no contexto da República Velha, ressalta-se que estes possuíam o mínimo de condições para participar do campo político porque faziam parte do jogo no momento significativo da disputa partidária e durante as eleições. 15 Segundo Bourdieu, o interesse produz um sistema de disposições direcionados para o subcampo e faz com que o agente esteja de acordo com as regras do jogo, sendo que esta percepção é capaz de gerar acréscimos em suas posições. 9 Como se percebe, neste subcampo o jogo é firmado pela capacidade política da classe dominante impor seus interesses como sendo interesses de todos os membros da ALEP. Assim, esta distribuição de poder no interior parlamentar é marcada por lutas e disputas internas, mas que estão relacionadas a outros aspectos como o coronelismo e seu traço de fraqueza em relação ao governo estadual, além da dependência da população local frente aos favores dos coronéis. Quanto à posição dos agentes no subcampo, torna-se também importante pensála em meio à política coronelista, pois é esta condição que deixa transparecer no jogo quem irá estabelecer as regras, bem como a posição ocupada por cada agente e seu respectivo nível de poder. Em outros termos, a própria situação de jogador na ALEP enquanto coronel - dependente dos recursos públicos para manter seu prestígio local - é diferente da forma de se jogar e impor seu capital político daquele que dispõe de recursos econômicos, de laços familiares históricos e importantes, além de força partidária através da ocupação da Comissão Executiva do Partido Político. Assim, tal jogo é construído e reafirmado por lutas e disputas constantes para assegurar interesses próprios e específicos, visando à manutenção dos agentes em suas respectivas posições. Ou seja, para que o embate político e a disputa de poder funcione no subcampo da ALEP, é necessário que os agentes estejam disponíveis a participar de tais disputas, favorecendo alguns e excluindo outros. Segundo Bourdieu, os agentes políticos participam do jogo sabendo efetivamente qual capital político dispõem e, assim, agem de acordo com as regras estabelecidas. Outro aspecto fundamental para se pensar a disposição dos agentes no jogo em relação ao capital político, é que este é transferido pelo Partido, daí a importância dos agentes se firmarem em torno do grupo que detém o situacionismo político, ainda que em posições subordinadas. No caso em questão, o Partido Republicano Paranaense passou a monopolizar a cena política após 1908 e foi capaz de excluir satisfatoriamente outras formas de oposição, ora cooptando-as, ora desarticulando-as. Ou seja, para que os políticos paranaenses da época tivessem acesso a qualquer cargo público eletivo que representasse poder de mando deveriam, fundamentalmente, filiar-se ao respectivo Partido, tendo em vista que o vínculo partidário gerava credenciais para que o agente pudesse garantir sua elegibilidade e, mais ainda, afiançar sua permanência no jogo porque este transferia automaticamente seu capital político construído ao longo da República Velha. Segundo Bourdieu (2002, p. 191, 192), essa transferência de capital político ocorre da seguinte forma: 10 ...é o partido que, por meio da acção dos quadros e dos seus militantes, acumulou no decurso da história um capital simbólico de reconhecimento e de fidelidade e que a si mesmo se dotou, pela luta política e para ela, de uma organização permanente de membros permanentes capazes de mobilizar os militantes, os aderentes e os simpatizantes e de organizar o trabalho de propaganda necessário à obtenção dos votos e, por este meio, dos postos que permitem que se mantenham duradoiramente [sic] os membros permanentes. Ainda no que diz respeito à participação no jogo, os agentes conseguem identificar sua vantagem ao permanecerem neste subcampo ainda que não consigam vislumbrar uma ascensão política. No presente caso, a maioria dos deputados estaduais não teve cargos hierárquicos políticos superiores no contexto estadual. Já para a minoria com capital político maior, a ALEP era um meio de ascensão, mas no qual os acordos políticos fundamentais eram construídos. Diante disso, o fato de permanecerem como deputados na Assembleia lhes garantia, por exemplo, a permanência na política paranaense e, ao mesmo tempo, também os benefícios recebidos em comandar o poder público concretizado em poder político e econômico. Portanto, o fato dos agentes terem claro a importância de participar do jogo faz com que procurem também identificar quais são as ações e disposições do outro para que possam também conduzir suas próprias ações, mas este mecanismo torna também previsível seu próprio comportamento. Assim, essa predisposição para atuar no jogo político faz com que os agentes sejam obrigados a desenvolver comportamentos e representações específicas para permanecerem no campo, ou seja, Bourdieu ressalta que é preciso que os agentes desenvolvam determinado habitus. Para se produzir uma reflexão bourdieusiana sobre a condução da política realizada no subcampo da Assembleia Legislativa do Paraná, é preciso também pensar quais seriam os comportamentos, ou melhor, as competências e habilidades necessárias para condução do jogo político num subcampo em que os diferentes agentes, com capital diferenciado, deveriam dispor para fazerem parte do processo. Estes aspectos intrínsecos aos agentes, chamados por Boudieu de habitus, faz com que consigam manter suas posições e garantir, assim, os seus interesses no jogo, mesmo diante de situações políticas inesperadas. Conforme o pensamento bourdieusiano: O habitus (...) é um sistema de disposições abertas que permite aos agentes afrontar situações bastante diversas, possibilitando-lhes de certa forma produzir determinadas ‘improvisações regradas’ no confronto com essas situações conjunturais, ajustando suas práticas às 11 contingências surgidas, o que confere ao ator social um grau de liberdade que (...) não se confunde com uma ‘criação imprevisível de uma novidade’, uma vez que a prática social sempre possui como limite condições histórico-sociais específicas. (MARTINS,1992, p. 181). O aspecto social do habitus pode ser percebido através da análise do comportamento e da forma de articulação que os agentes produzem, pois revelam também a influência do capital político transferido pelo partido político, conforme colocamos anteriormente. No que diz respeito a ALEP, verificou-se que as ações de manipulação se realizaram não por uma simples subjetividade dos agentes, mas, ao contrário, pode-se articular as ações dos agentes à maneira pela qual o subcampo se constitui enquanto tal, isto é, de maneira geral as ações dos deputados são realizadas mediante as propriedades permitidas pelas regras que regem o poder intralegislativo. E, nesse sentido, as regras gerais estão dispostas no Regimento Interno da ALEP, transcrevendo as normas para tramitação dos projetos apresentados, a função de seus membros enquanto corpo parlamentar, o papel de suas lideranças e de suas Comissões, assim como também a definição e organização dos elementos centrais para compreensão da relação Executivo/Legislativo. Esta visão também precisa articular-se com a previsibilidade e o cálculo das ações dos agentes, verificando as possíveis perdas e ganhos na medida em que estes devem jogar de acordo com as regras do próprio jogo ou, então, criar regras (desde que sua posição permita) que estejam coerentes com o direcionamento que é dado no interior do subcampo. Destarte, a política configurada na ALEP não pode ser pensada como apenas mais uma característica da política paranaense da época e sim como um jogo que possui regras específicas, com agentes também específicos que atuam em um subcampo próprio, o qual definimos como poder intralegislativo. “O ajuste entre o habitus e o [sub]campo não é mais que uma forma possível de ação, mesmo que seja de longe a mais frequente. As orientações sugeridas pelo habitus podem ser acompanhadas de cálculos e estratégias de ganhos e de benefícios que tendem a se colocar a um nível consciente as operações que o habitus orienta segundo sua própria lógica.” (THIRYCHERQUES, 2006, p. 8). Dentre as principais características da população não só do Paraná, mas do Brasil da República Velha, encontra-se o analfabetismo da grande maioria do povo, que também era excluído das informações e acontecimentos políticos mais importantes. E é 12 nesta situação que se firmava a relevância do coronel no jogo; afinal era este agente que angariava os votos e “discursava” promessas que a população, ou melhor, o curral eleitoral esperava ouvir. “Em política, ‘dizer é fazer’, quer dizer, fazer crer que se pode fazer o que se diz e, em particular, dar a conhecer e fazer reconhecer os princípios de divisão do mundo social, as palavras de ordem que produzem a sua própria verificação ao produzirem grupos e, deste modo, uma ordem social.” (BOURDIEU, 2002, p. 185, 186) Em relação à Coligação Partidária, o habitus produzido no subcampo da ALEP teve papel fundamental na acomodação e articulação do novo quadro dominante, assim como também estruturou antigos oposicionistas no mesmo grupo político, fazendo com que estes conduzissem a ações políticas dentro da lógica proposta no jogo; tanto é que após a Coligação, não encontramos nenhum embate político interno que fosse capaz de rearticular uma oposição política frente ao Partido Republicano Paranaense. É pensando nas mudanças necessárias à continuidade do jogo político que as adaptações do habitus fazem sentido, pois o que era interesse de dois grupos antagônicos, o Partido Republicano Federal e o Partido Republicano, passou a ser interesse de um novo grupo, o Partido Republicano Paranaense. Dessa forma, entendemos que o habitus está sempre correlacionado a um campo e, no presente caso, o subcampo da ALEP possui como princípio de ação que funda o habitus Legislativo as seguintes questões: as trocas de favores entre os poderes público e privado em meio ao sistema coronelista, a necessidade de fazer parte do situacionismo político; a permanência de relações de parentesco e favorecimento entre os grupos interligados por laços de família, além de também se prestar às práticas instituídas no interior da ALEP como a aceitação das fraudes eleitorais, dos mecanismos que fundam a subordinação em relação ao Executivo estadual e também dos aspectos que acabam por absorver os mecanismos do sistema partidário, além da própria dinâmica da distribuição e manutenção do capital político dos parlamentares. Mas, é claro, tais aspectos não se encontram isolados porque fazem parte de um contexto maior, a prática política nacional que se aprimorou durante a Primeira República, e também porque estão correlacionados aos atores políticos que os praticam como aos seus interesses e as próprias regras do jogo. Neste sentido, podemos apontar políticas diversificadas que percorrem continuadamente as atribuições legislativas durante a República Velha e que exemplificam a condução do jogo político neste subcampo de poder. O que ocorre por exemplo com o significativo número de pedidos individuais de aposentadoria e dos 13 mais diversificados auxílios concedidos para vários funcionários públicos, enquanto as questões de âmbito coletivo eram negligenciadas. Ou, então, quando alguns Municípios com Prefeitos situacionistas tinham seus recursos financeiros e créditos extraordinários corriqueiramente concedidos em detrimento dos locais que também necessitavam de recursos, mas que eram negados porque seus chefes políticos pertenciam à oposição. 3. CONFIGURAÇÃO DE PODER E RELAÇÕES DE PARENTESCO Pelo fato da Assembleia Legislativa apresentar-se efetivamente subordinada ao Executivo estadual, se colocou como essencial para a organização política republicana uma vez que, constitucionalmente, apresentava prerrogativas com poder de legislação fundamental à manutenção do poder político no Paraná. E, dessa forma, foi fundamental ao possibilitar aos grupos situacionistas os maiores favorecimentos ao passo que desenvolveu legislação para que os indivíduos de capital político menor16 fossem excluídos do jogo ou, então, de possibilitar que os parlamentares da minoria legal permanecessem somente enquanto tal. Para se vislumbrar as relações de parentesco que se configuraram no interior da ALEP, há que se considerar primeiramente que o conjunto dos agentes políticos que dominou o referido subcampo estava conexo aos ramos das famílias históricas do Paraná, ou seja, aos sobrenomes que se encontram no domínio político e econômico do estado desde o povoamento de suas terras. Seguindo a linha de Ricardo C. de Oliveira (2001), pode-se indicar dentre os sobrenomes em destaque no poder da ALEP e, ao mesmo tempo, interligados aos principais grupos familiares, os seguintes: Camargo, Araújo Marcondes, Carvalho Chaves, Cavalcanti de Albuquerque, Correia, Ferreira de Abreu, Machado Lima, Hauer, Ribas, Torres, Vasconcellos Chaves, Leão, Guimarães, Moura Britto, Fido Fontana, Gutierrez Beltrão, Azevedo Macedo, Wirmond, Marques dos Santos, Mello e Silva, Simas, Xavier, Taborda Ribas, Loyola, Lobo, Miró, Pereira de Macedo, Almeida Torres, Silva Muricy, Amaral, Sá Ribas, Rocha Loures, Munhoz, dentre outros. 16 Para que os projetos fossem aprovados, seria necessário o voto de 16 membros. Assim, como o número de cadeiras reservados à minoria seria sempre de 10, percebe-se que ficaria impossível para a oposição política estabelecer seus interesses e favorecimentos se estes não estivessem correlacionados à benefícios para os demais membros. (GOULART, 2014) 14 No que consiste às relações de parentesco17, firmadas entre os principais agentes políticos da ALEP, ou seja, entre os deputados que fizeram parte da classe politicamente dominante, torna-se relevante destacar primeiramente os vínculos familiares estabelecidos entre àqueles que chegaram ao comando do estado por meio do executivo estadual, fato que revela, portanto, a capacidade de tais agentes em se manter num grupo restrito, além de se estabelecer os aspectos do coronelismo no que diz respeito às práticas políticas extralegais e as trocas de favores. Sendo assim, conforme apontado anteriormente, os vínculos familiares e as relações de parentesco fizeram parte da estrutura de poder e divisão dos principais cargos de mando no Paraná da República Velha, mas no que tange às relações de parentesco entre os membros da ALEP pode-se inferir que se estabeleceu como habitus no sentido de que fez parte do jogo tanto para àqueles que detinham maior capital político (vinculados ao governo do estado) e até mesmo àqueles parlamentares que tinham seu cargo como meio fundamental para manterem-se na política ou, então, consolidar seu poder e prestígio político local, como no caso dos deputados coronéis. Dessa forma, a presença direta das relações de parentesco torna-se um instrumento eficaz para manutenção do poder político que é fundamentado muitas vezes através de redes de poder e de proteção. Segundo Ricardo Oliveira, as famílias “...podem acumular capitais e entrar na classe dominante e também podem paulatinamente ser afastados por um processo de decadência social e econômica. Transformações ocorrem o tempo todo.” (OLIVEIRA, 2001, p. 5) Além de diversas relações familiares entre chefes políticos locais, tem-se exemplos de relações de enlace familiar que ocorrem entre os governadores como no caso de Carlos Cavalcanti e Munhoz da Rocha que eram cunhados, entre Vicente Machado que tinha sua filha casada com o filho de Carlos Cavalcanti, assim como também João Candido Ferreira que tornou-se sogro de uma das filhas de Caetano Munhoz da Rocha. O primeiro governador eleito na República, ainda que indiretamente, Generoso Marques dos Santos casou-se com sua primeira esposa, Ana Joaquina de Paula no dia 17 Assim, além de estabelecerem relações de parentesco entre eles, os governadores reforçam seu poder na medida em que também “...pertencem aos títulos familiares históricos e hegemônicos desde a formação pioneira do Paraná: Generoso Marques, Vicente Machado, Santos Andrade, João Cândido Ferreira, Carlos Cavalcanti, Affonso Camargo, Caetano Munhoz da Rocha”. (OLIVEIRA, 2001, p. 298) 15 11 de novembro de 1871, filha do cel. Benedito Enéias de Paula18 e Zeferina de Andrade Paula. Esta união durou até a morte de sua esposa, em maio de 1893, gerando 6 filhos: Dr. Brasílio Marques dos Santos (juiz de Direito), casado com Cirina Wirmond19 Marques; Cap. Leôncio Marques dos Santos, casado com Maria Mercedes Moura; Enéas Marques dos Santos (político e advogado), casado com Juanita Bittencourt20; Placidina Marques, casada com o cel. José Nunes Sandenberg21; Zeferina Marques dos Santos, casada com Otávio de Sá Sotto Maior e, por fim, Heloísa Marques dos Santos (viúva)22. Nesse sentido, Generoso Marques cumpriu as necessidades de fazer parte de uma teia de relações políticas capaz de lhe transferir significado e prestígio. Ao casar-se com a filha de um dos líderes do Partido Liberal, assegurou os primeiros passos para sua atuação futura no Executivo estadual. Nesse aspecto, vale ressaltar que Bourdieu aponta que o capital político é transferido e apropriado pelos vínculos sociais estabelecidos com o grupo, no caso a cúpula partidária de uma das agremiações do Império e que, efetivamente, manteve sua continuidade política através do próprio deputado e governador Generoso Marques. Já o segundo matrimônio realizado em 14 de março de 1896, com sua cunhada Rosalina de Paula dos Santos, gerou dois filhos que vieram logo a falecer.23 Vicente Machado casou-se duas vezes, ambas com filhas de indivíduos importantes da política paranaense. Sua primeira esposa foi Antonia Moreira Lima, filha de Antonio Moreira Lima e de Constança Alves. Neste matrimônio tiveram 4 filhos: Dr. Caio Gracho Machado Lima, casado com Ercília Coelho; Dr. Antonio Jorge da Silva Lima, casado com Zayra de Abreu; Dr. Vicente Machado Filho, casado com Ondila Cordeiro Machado; João Antonio Machado Lima. Seu segundo casamento se deu com Helena de Loyola, filha do coronel Joaquim Antonio de Loyola 24 e de 18 Coronel da Guarda Nacional, Benedito Enéas de Paula era líder em Curitiba do Partido Liberal no Império, onde ocupou cargos públicos importantes como: juiz de paz, deputado provincial, tesoureiro provincial, vereador, entre outros. (NÍCOLAS, 1984. p. 81, 82). 19 Parente de dois deputados da ALEP: Frederico Ernesto Wirmond (1904-1905, 1907, 1908-1909) e Frederico Guilherme de Souza Wirmond (1896-1897). (GOULART, 2014) 20 O sobrenome Bittencourt também está correlacionado à funcionários públicos das secretarias de Governo, como também de deputados estaduais, a exemplo de Joaquim Belarmino Bittencourt (18971898, 1899), Manoel Vicente Bittencourt (1896-1897, 1897-1898, 1899, 1902-1903), além do Diretor da Secretaria de Finanças Alfredo Bittencourt (1892-1912). 21 Deputado estadual em duas legislaturas (1916-1917, 1918-1919). 22 Segundo informação do Jornal Gazeta do Povo, em 9 de março de 1927. 23 Conforme indicação no DICIONÁRIO (1991, p. 429) e me matéria na Gazeta do Povo, 9 de março de 1927. 24 Abastado industrial de erva-mate e importante chefe político da região de Antonina, além de Deputado estadual e Coletor de Rendas em Curitiba. (NÍCOLAS, 1984, p. 205) 16 Guilhermina dos Santos Loyola, resultando 2 filhos: Laura Loyola Machado Lima, casada com Tenente Leo Cavalcanti25; Gastão de Loyola Machado Lima. (DICIONÁRIO, 1991). Nessa rede familiar é possível identificarmos que além de Vicente Machado, seu irmão Benigno Augusto P. Lima (1906-1907) e seu filho Caio Gracho Machado Lima (1908-1909, 1930-1931) também ocuparam cadeiras na ALEP. Identificou-se também que pessoas da mesma família ocuparam cargos importantes no estado como Octávio Elpídio Machado Lima como encarregado na Repartição Geral dos Correios (1900-1904) e o desembargador Arthur da Silva Lima. Além de José kemmitz Moreira Lima (1926-1927) como deputado na ALEP. Mas, em termos da extensão de rede firmada por relações de parentesco, foi no segundo casamento que se estabeleceu a horizontalidade do vicentismo a partir do prestígio de seu sogro Joaquim Antonio de Loyola, o qual fora Coletor Estadual em 1904-1908 e um dos comerciantes cadastrados na Junta Comercial em 1904. Nessa rede familiar26, as possibilidades se expandem para os seguintes nomes: José Guilherme de Loyola, Diretor do Serviço Sanitário (1908-1912) e Diretor Geral da Saúde em 1928-1930; Jayme de Loyola, comerciante em 1904; João Pedro de Loyola, 2º Oficial da Secretaria de Obras Públicas e Colonização (1908-1912), Chefe de seção na Secretaria Geral de Estado (1920-1924); Arthur Ferreira de Loyola, Diretor do Instituto Comercial de Curitiba (1908-1916); e Servando de Loyola e Silva, Comandante do Regimento de Segurança do Paraná. O deputado João Cândido Ferreira casou-se com Josefa do Amaral Ferreira, filha do Capitão Serafim Ferreira de Oliveira e de Júlia Moreira do Amaral e Silva. Em seu matrimônio, João Candido teve filhos: Dr. Leônidas do Amaral Ferreira, casado com Odah Cecília Munhoz da Rocha27; Dr. Alceu do Amaral Ferreira, casado com Cecília dos Santos Ferreira em sua primeira núpcias e, com Emília dos Santos Ferreira. Num segundo matrimônio teve: Dr. Agenor do Amaral Ferreira, casado com Natália Marques Ferreira; Dr. João Cândido Ferreira Filho, casado com Josefina Stolle Marques; Dr. Celso do Amaral Ferreira, casado com Dinorah Lopes Munhoz28; Julinda do Amaral Ferreira, casada com o Dr. Francisco da Cunha Pereira; Dr. Murilo Ferreira, casado com Cibele Busse Ferreira. (DICIONÁRIO, 1991) 25 Filho do deputado Carlos Cavalcanti. Pode-se também indicar que a viúva de Vicente Machado, Helena de Loyola, casou-se com o deputado Bento José Lamenha Lins em 1912. (GOULART, 2014). 27 Filha de Caetano Munhoz da Rocha. 28 Também aparentada do deputado Caetano Munhoz da Rocha. 26 17 Já o deputado Carlos Cavalcanti (1892, 1897-1898, 1899, 1900-1901, 19021903) foi casado com Francisca Munhoz, irmã de Munhoz da Rocha (1904-1917). (OLIVEIRA, 2001). Neste ponto tem-se aqui também a manutenção das relações de parentesco no interior do grupo de governadores entre principais membros da ALEP. Afonso Alves de Camargo casou-se com Etelvina Rebelo, filha do coronel José Pinto Rebelo29 e Francisca Santos Rebelo, descendentes de troncos familiares também tradicionais do estado do Paraná; o que valida novamente a indicação de Ricardo Oliveira quanto à manutenção dos vínculos de parentesco. Seu cunhado José Pinto Rebelo Junior foi Secretário do Interior, Justiça e Instrução Pública, além de deputado estadual por três mandatos consecutivos (1922-1927). Vale lembrar também que seu irmão Marins Camargo, além de Secretário de Estado em três pastas, foi deputado estadual (1910-1911, 1918-1919, 1920-1921). Seu filho Arnaldo Alves de Camargo também ocupou a ALEP (1928-1929), e os ramos familiares também se estendiam por vínculo paterno ao deputado Sylvano Alves da Rocha Loures (1930-1931). Caetano Munhoz da Rocha casou-se com Olga Munhoz da Rocha, filha do Major Manuel Francisco de Souza e Francisca Carneiro de Souza. Neste primeiro enlace teve Bento Munhoz da Rocha Neto e Zorah Munhoz da Rocha. Num segundo casamento, uniu-se com Domitila Almeida Munhoz da Rocha, filha do Coronel Alfredo Xavier de Almeida, deputado estadual por cinco mandatos sequenciais (1918-1927) e Maria Lúcia Grein de Almeida. O seu terceiro casamento foi com Sílvia Braga Munhoz da Rocha, filha do Coronel Antonio da Cunha Braga e Vitória de Lacerda Braga. (DICIONÁRIO, 1991) Todas as esposas vinculadas aos grupos de famílias históricas do Paraná. Em se tratando de vínculos familiares dos deputados de menor capital político, mas não menos importantes tendo em vista que cumpriram aspectos políticos do sistema coronelista e enquanto tal participaram do processo de organização da política do Paraná da República Velha, tem-se o exemplo do deputados Pedro Ferreira Maciel (1891-1892), em que seus filhos Cel. Ottoni Maciel (1892, 1897-1898, 1899, 19001901, 1914-1915) e Cel. Luiz Ferreira Maciel (1894-1895) foram deputados estaduais e chefes políticos importantes do município de Palmeira. Ainda como ilustração, a família Araújo teve significativa participação na ALEP da República Velha, pois o Cel. Amazonas de Araújo Marcondes, chefe político do município de União da Vitória cumpriu cinco mandatos (1891-1892, 1910-1911, 191429 Proprietário de engenho de erva-mate no em Curitiba e Litoral do Paraná. Membro de família histórica do Paraná. (OLIVEIRA, 2001). 18 1915, 1918-1919, 1922-1923), outro membro da família Araújo, Lysandro Alves30 de Araújo (1920-1921, 1924-1925, 1926-1927, 1928-1929, 1930-1931), José Antonio Camargo de Araújo (1891-1892), Cel. Manoel Ignácio de Araújo Pimpão31 (19081909), Cel. Domingos Ignácio de Araújo Pimpão (1912-1913), Cel. Hildebrando Cézar de Araújo Pimpão32 (1916-1917, 1918-1919, 1920-1921, 1926-1927, 1928-1929, 19301931). Enfim, de forma efetiva pode-se compreender em meio aos exemplos apresentados que a ALEP consolidou importância política na ocupação de suas cadeiras tanto para os agentes políticos da classe dominante, como àqueles que chegaram ao poder do Estado, quanto também para os parlamentares que o ocupariam como significado de sua maior expressão política durante a República Velha. Fato este que se estabeleceu a partir da configuração de relações de parentesco estruturada em suas práticas políticas. Desse modo, vale apontar aspectos gerais sobre questões que giravam em torno de “favores” entre indivíduos ligados familiarmente aos deputados da ALEP. Assim, entre os anos de 1908 e 1920 vários projetos aprovados eram firmados com diversos agentes onde somente o termo “favor” aparecia como matéria de discussão e aprovação, tanto para beneficiar pessoas e empresas, como também para beneficiar o poder público municipal. Como indicado anteriormente, os projetos aprovados pela ALEP revelam o tipo de jogo político firmado em que a classe dominante, através do poder público, beneficia determinados grupos e indivíduos para que seus próprios benefícios e posições políticas continuem sendo assegurados. No que tange ao funcionalismo público, encontra-se um número maior de projetos aprovados na ALEP, dos quais grande parte dizia respeito a pedidos de aposentadorias e pedidos de licença de funcionários, aparecendo estes com justificativas ou não, concentravam a mobilização dos deputados como também eram designados pelos governadores. Assim, vários pedidos para recontagem do tempo de aposentadoria e para melhoria de seu valor também eram significativos. Como exemplo, em 1908, 30 Durante o Império a família Alves de Araújo (inicialmente de Morretes) deteve poder significativo no governo da Província. Com a República, o sobrenome Araújo se estende ao longo de vários municípios (União da Vitória, Palmas, Ipiranga, Jaguariaíva, Ponta Grossa e Clevelândia) estabelecendo redes de parentesco com demais grupos. Entretanto, a força política restringiu-se ao prestígio municipal. (GOULART, 2004). 31 Também ligado ao ramo familiar dos Marcondes. (NÍCOLAS, 1984). Seu pais Henrique Alves de Araújo consta na lista dos empresários Junta Comercial de 1904, além de Moisés Alves de Araújo se apresentar como auxiliar na Seção de funcionário públicos de Águas e Esgotos em 1904-1908. 32 Correlacionado também aos troncos familiares Souza e Alves. (NÍCOLAS, 1894). Já Hostílio Cézar de Souza Araújo ocupou o cargo de Diretor Geral do Ensino na Secretaria Geral do Estado em 1926-1928. 19 pode-se apresentar o Sr. João Alberto Munhoz que teve o valor de sua aposentadoria significativamente melhorado sem acarretar discussões sobre as dificuldades do orçamento público, tão menos sobre distribuição de privilégios em favorecimento de parentes. Nesta mesma Legislatura33, a prof. Narciza de Paula Xavier Munhoz teve autorização para revisão de cálculo para aposentadoria. (GOULART, 2014). No que tange à questão dos Créditos, estes se referem em grande parte aos pedidos do governo estadual para abertura de créditos extraordinários, ou seja, quando o Executivo tinha necessidade de levantar mais verbas e recursos, os quais extrapolavam o que já se tinha apresentado no Orçamento. Nesse ponto identificamos meramente a aprovação ao que era encaminhado pelo governo, raras eram as discussões quando os créditos pedidos eram realizados para pagamentos especiais de alguns funcionários. As secretarias de governo também encaminhavam pedidos de subsídios, realizados pelo Executivo, haja vista que também não eram debatidos a ponto de não serem aprovados pelos membros da ALEP. Assim, nesse aspecto, grande parte dos deputados e seus parentes ligados à chefia de municípios eram efetivamente beneficiados, principalmente se o representante do poder local estivesse ao lado ou, então, submetido ao situacionismo político. (GOULART, 2014). 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Mais do que apresentar a ALEP como uma instituição política importante para o Paraná da República Velha, o propósito do texto foi demonstrar ao longo de alguns exemplos de redes familiares que tal esfera de poder fora fundamental para consolidação política da classe dominante em meio a presença de seus representantes enquanto deputados estaduais. Sendo assim, tornou-se relevante para consolidar politicamente agentes vinculados às famílias históricas do Paraná, disponibilizando favores, recursos, cargos e vínculos dos mais variados possíveis em seu interior. Nesse caso, a ALEP se colocou como um subcampo do campo político paranaense porque concentrou os mecanismos do jogo político que promoveu as relações de poder e de mando no Paraná entre os anos 1889-1930. Enfim, pelo fato de contemplar os principais agentes políticos do referido período, tal instituição revelou-se capaz de conjugar e legitimar inclusões e exclusões de poder político sendo hábil em 33 Anais do Congresso Legislativo do Paraná, 1908. 20 concentrar e articular capitais políticos específicos e de níveis diferentes através da relação público/privado tão bem delineada pelo sistema coronelista. REFERÊNCIAS ANAIS DO CONGRESSO LEGISLATIVO DO PARANÁ, 1908. BONNEWITZ, P. Primeiras lições sobre a sociologia de Pierre Bourdieu. Petrópolis: Vozes, 2003. BOURDIEU, P. O poder simbólico. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. _____. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora UNESP, 2004. Jornal Gazeta do Povo, em 9 de março de 1927DICIONÁRIO HISTÓRICO- BIOGRÁFICO DO ESTADO DO PARANÁ. Paraná: Chain-Banestado, 1991. FERREIRA, Maria M. A Reação Republicana e a crise política dos anos 20. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 11, 1993, p. 9-23 GOULART, Mônica Helena H. S. A Dança das Cadeiras: análise do Jogo Político na Assembleia Legislativa do Paraná (1889-1930). São Paulo: Paco Editorial, 2014. _____. O poder local no Paraná da República Velha 1880-1930. Curitiba, 2004. 232 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. JORNAL Gazeta do Povo, em 9 de março de 1927. LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. 5. ed. São Paulo: Alfa Ômega, 1986. MARTINS, C. B. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n. 26, ano 9, p. 179-181, outubro de 1994. Resenha de: BOURDIEU, P.; WACQUANT, L. Réponses: pour une antropologie réflexive. Paris: Editions du Seuil, 1992. NÍCOLAS, M. 130 Anos de vida parlamentar (1854-1984). Paraná: Arquivo da Assembléia Legislativa do Paraná, 1984. OLIVEIRA, Ricardo C. de. O silêncio dos vencedores: genealogia, classe dominante e Estado no Paraná. Curitiba: Moinho do Verbo, 2001. PERISSINOTTO, Renato M. Classes dominantes e hegemonia na República Velha. Campinas: Editora da Unicamp, 1994. THIRY-CHERQUES, H. R. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. Revista de Administração Pública, v. 40, n. 1, Rio de Janeiro, p. 27-53, 2006. p.44 )