O seu túmulo esteve perdido de 70 d.C. a 2007 Neste sarcófago descansou o cadáver de Herodes o Grande... Até que o destruíram Comparemos a história do túmulo do grande e cruel rei com o do seu rival, aquele Menino Jesus que não pode matar, visitado sem cessar desde 336 d.C. Actualizado 18 Fevereiro 2013 Pablo J. Ginés/ReL No Museu de Israel, em Jerusalém, expõe-se nestes dias uns 250 objectos encontrados durante 4 décadas de escavações no Herodium, a fortaleza de Herodes o Grande, conhecido há 2.000 anos pelas suas grandes construções, e recordado hoje em todo o mundo por ter tentado matar o Menino Jesus. A exposição intitula-se "Herodes o Grande, a viagem final do rei", e incluiu peças como a que devia ser a sua banheira, o seu sarcófago e as decorações das suas paredes. Herodes construiu o Templo de Jerusalém que visitou Jesus e o sagrado muro e os túneis nos quais rezam hoje os judeus. Sem dúvida, o nome de Herodes nem sequer é mencionado no Talmud e na literatura rabínica antiga que recolhe nomes de numerosos rabinos e líderes judeus da época, tal é o ódio que sentiam por ele. Por isso, quando alguns perguntam "porquê na literatura rabínica não há mais menções a Jesus?", há que recordar-lhes (como faz a escritora Anne Rice) que não as há nem ao Rei Herodes, o maior da Judeia. O seu cadáver descansou só 7 décadas Herodes viveu 70 anos, governou 30, morreu em 4 a.C. Os judeus odiavam-no. Inclusive 70 anos depois da sua morte o odiavam tanto que quando as tropas judaicas na guerra contra os romanos de 66 a 70 d.C ocuparam o Herodium, destruíram o seu sarcófago, ao que parece com um martelo (como vemos na foto), e saquearam o lugar. Talvez inclusive espalharam os ossos ou profanaram o cadáver, de que não ficou rastro. Sessenta anos depois, na segunda guerra romano-judaica, a rebelião de BarKojbá, em 132-135, voltaram a assentar-se tropas judaicas ali, mas provavelmente já não ficaram restos do túmulo. O túmulo do grande rei, a quem todos temeram, o construtor do Templo de Jerusalém... Perdeu-se! E permaneceu desaparecido até 2007. Comparamos com Jesus Durante 1.940 anos o lugar de repouso do poderoso Herodes foi ignorado pelo mundo. Resulta tentador compará-lo com o túmulo daquele Jesus que temia que o substituísse como rei dos judeus. Os cristãos de Jerusalém recordaram o lugar da Crucificação e o lugar do enterramento de Cristo. Fugiram da primeira guerra judaica e voltaram a Jerusalém anos despois, sem esquecer esses lugares. Depois chegou a segunda guerra judaica, e o imperador Adriano, no ano 135, farto de revoltas, destruiu Jerusalém por completo, a aplanou, e em cima reedificou uma nova cidade romana, onde a entrada estava proibida aos judeus: Aelia Capitolina. Ídolos pagãos nos lugares cristãos No lugar onde hoje está o Santo Sepulcro, os romanos levantaram duas estátuas, para ocupar o sítio e afastar os seguidores de Cristo. No túmulo, o lugar da Ressurreição, uma estátua de Júpiter. Na rocha do Calvário, no lugar da Crucificação, uma estátua de Vénus. Os cristãos em Aelia Capitolina (que eram agora de origem gentil, não judaica) não podiam adorar nesses santos lugares profanados... Mas as estátuas marcavam o lugar. E o marcaram durante 180 anos, ainda que em 336, quando o bispo Macario e Santa Elena, a mãe do imperador Constantino, examinaram o lugar já o edifício romano estava em ruinas e abandonado. Constantino edificou a primeira basílica do Santo Sepulcro e assim Cristo foi adorado e recordado no seu túmulo durante 1.650 anos, enquanto por outro lado os ossos do então poderoso Herodes e o seu túmulo se perdiam no esquecimento. Reconhecer sepulcros sem lápide No Santo Sepulcro não se encontrou nenhuma lápide do século I que diga "aqui foi depositado o corpo de Jesus Cristo". Mas no Túmulo de Herodes e no seu sarcófago tampouco há nenhuma inscrição que diga "aqui descansa Herodes o Grande". Sem dúvida, Ehuz Netzer, o arqueólogo que descobriu o túmulo em 2007 (e que morreu ali, no Herodium, num acidente ao ceder uma varanda de madeira e cair 6 metros, em Outubro de 2010) argumentava bem o seu convencimento. "Se estes restos - o edifício, os sarcófagos - se tivessem encontrado próximo de Jerusalém seria arriscado identifica-los como o monumento e túmulo de Herodes. Mas estão no Herodium, o seu monumento pessoal, o único com o seu nome. E Flavio Josefo escreveu que aqui foi enterrado. A ausência de inscrição não debilita esta conclusão. Muitos grandes túmulos antigos em Israel não têm inscrições que identifiquem o falecido, como os túmulos de Beit Shearim, um deles atribuído ao grande rabino Judá ha-Nasí, compilador do primeiro código rabínico, a Mishná". Três sarcófagos: Herodes e duas mulheres No túmulo encontraram-se em 2007 três sarcófagos. Qual era o de Herodes? Obviamente, o mais luxuoso e destruído deliberadamente com os seus fragmentos espalhados: o vermelho adornado com rosetas polidas meticulosamente. Outro, decorado com desenhos florais, e o terceiro, sem decoração, segundo Netzer deviam pertencer a membros da sua família: Malthace, a sua quarta esposa, mãe de Arquelao (São José, ao saber que Arquelao reinava na Judeia, desistiu de voltar a Belém e levou a sua família para a Galileia); e Glafira, a segunda esposa de Arquelao. Herodes o Grande é conhecido hoje no mundo inteiro pela sua relação com um Menino de Belém a quem tentou assassinar. Conta o Evangelho como deu ordem de matar todos os meninos da zona, esperando acabar com o rei dos judeus profetizado. São José foi avisado por um anjo para fugir para o Egipto com Maria e o pequeno Yeshuá (Jesus) e também um anjo o avisou para que voltasse quando o velho rei morreu. A crueldade do rei está bem documentada A matança de uns meninos desconhecidos na zona de Belém (que seriam não mais de uma vintena) não está registada em outros documentos da época além dos Evangelhos... Mas o certo é que quase não temos documentos da época que falem do sucedido nessa zona do mundo: Flavio Josefo é quase a única fonte que nos fica. Se o túmulo de pedra do rei desapareceu nas guerras, muito mais os escritos, papiros e pergaminhos! Mas por Flavio Josefo sabemos que Herodes teve 10 esposas - não todas ao mesmo tempo - e mais de uma dezena de filhos, dos quais matou pelo menos três (e a alguns parentes mais próximos), por temor a conspirações, rebeliões e traições contra ele. Com Marco António e Cleópatra Herodes soube tornear todo o tipo de temporais. Na Guerra Civil entre Octávio (Cesar Augusto) e Marco António e Cleópatra, apoiou Marco António, conseguindo evitar que este entregasse a Judeia à famosa rainha egípcia que o tinha enamorado. Quando Octávio ganhou a guerra e se converteu no primeiro imperador romano e senhor indiscutido do Mediterrâneo, Herodes entregou-se-lhe com uma corda ao pescoço. Octávio compreendeu que não lhe causaria problemas e decidiu mantê-lo no poder e ampliar os seus territórios na Palestina, como a outros reizinhos que faziam de tampão com o inimigo na Pérsia. Isso sim: Gaza a deu ao Egipto e Herodes a perdeu. Por isso é bastante razoável a imagem da Sagrada Família com um burrito e o bebé caminhando até o Egipto: a fronteira estava em Gaza, a uns 50 quilómetros de Belém. Talvez São José trabalhasse nas suas construções Chamaram-lhe Herodes o Grande, sobretudo, porque empreendeu enormes edificações, como a ampliação colossal do Templo de Jerusalém, que deu trabalho a carpinteiros e construtores de todo o país durante décadas (incluindo, provavelmente, a oficina de José e Jesus). Era odiado pelos judeus a quem regia tiranicamente, por ser idumeu, de um povo árabe judaizado à ponta da espada pelos reis Macabeus. Também por ser colaborador com Roma. Construiu uma cidade ao lado do mar, Cesareia Marítima, para abrir os seus domínios ao Mediterrâneo. Era uma cidade helenística, que os judeus nem pisavam ao considera-la impura, com gente de mil raças e o grego koiné como língua franca; um porto cosmopolita. Muitos historiadores consideram que a maior maravilha de Herodes foi o porto de Cesareia, que ainda hoje pode visitar-se ainda que a maior parte esteja submersa. Não era um lugar de abrigo natural, mas ele usou uma inovadora fórmula de cimento rápido e encofrado submarino para levantar um porto do nada lutando contra o mar. Sobre a colina, a fortaleza; à esquerda, o túmulo que se perdeu; na base, um anfiteatro para diversões mundanas Construtor de fortalezas Também fortificou a Judeia, para proteger-se dos seus vizinhos, às vezes inimigos, os árabes nabateus, com capital na cidade comercial de Petra, escavada monumentalmente na rocha. O seu túmulo no Herodium parece inspirado em parte nos túmulos e monumentos nabateus de Petra. Outros inimigos eram os partos, que já na sua juventude haviam ocupado Jerusalém. Ainda que a equipa arqueológica dos franciscanos e o padre Virgilo Corbo já tenham escavado no Herodium de 1963 a 1967, e a equipa de Ehud Etzer o fez desde 1972 (interrompido por vários anos de intifadas), Netzer necessitou 35 anos para encontrar o túmulo num talude da montanha artificial, e fê-lo já numa espécie de última tentativa desesperada, depois de procurar em todos os outros lugares lógicos do ambiente, sempre fiando-se dos textos de Flavio Josefo. Além da fortaleza em si, o Herodium incluía toda uma cidade administrativa na base E cumpriu-se uma intuição de Etzer: não podia estar dentro da fortaleza em si nem dentro dos edifícios residenciais ou cerimoniais, porque para os judeus um túmulo faria ritualmente impuros esses lugares. Uma morte atroz As maldades de Herodes não ficaram sem castigo em vida. À sua trágica história familiar de traições e assassinatos, se lhe somou nos últimos dias uma enfermidade terrível. "Assumiu-se de todo o seu corpo com múltiplas dores. A febre não era alta mas tinha um prurido insuportável por toda a pele, dores contínuas no intestino, uma inflamação nos pés como a de um hidrópico, o ventre inchado e uma gangrena no seu pénis que produzia v e r m e s . Além disso sofria asma, dificuldades para respirar e espasmos em todos os membros do seu corpo", disse Josefo em A Guerra dos Judeus, I, 656. Como a enfermidade apareceu depois de ter executado uns judeus piedosos, diversos profetas e homens de fé asseguraram, como recolhe Josefo, que era um castigo de Deus. Por sua parte, Herodes queria que com a sua morte um grande lamento enchesse o país: "Reuniu as personagens mais destacadas de cada uma das aldeias de toda a Judeia e ordenou que as encerrassem no chamado hipódromo. Chamou a sua irmã Salomé e o seu marido Alexas e disselhe: "sei que os judeus vão celebrar com uma festa a minha morte; sem dúvida, poderei ser chorado por outros motivos e poderei ter um brilhante funeral, se vocês atenderem as minhas recomendações. Quando e u morrer enviai os soldados contra estes homens que estão aqui guardados e matai-os, para que assim toda a Judeia e todas as famílias chorem à força por mim". (Fl. Josef., op. cit., I, 660). Fez matar o seu filho Antípatro, designou herdeiro o seu filho mais velho Arquelao (também muito cruel), e morreu depois de 34 anos de reinado (37 se contarmos desde que os romanos lhe reconheceram o título). Por sorte, não se cumpriram as suas ordens de massacrar os prisioneiros do hipódromo. Por outro lado, "encarregaram-se dos funerais do rei. Arquelao não poupou nenhum luxo. O caixão era de ouro com pedras preciosas, o tecido era de púrpura bordada, nela estava o corpo envolto também em púrpura. Na cabeça tinha um diadema, sobre ela uma coroa de ouro e na mão direita o ceptro. Em redor do caixão estavam os seus filhos e o grosso dos seus familiares, atrás os lanceiros, o batalhão trácio, os germanos e os galos, todos eles com o seu equipamento de guerra. O cadáver foi acompanhado ao longo de setenta estádios até o Herodium, onde se o enterrou segundo as suas disposições. Assim foi o final de Herodes." Décadas depois, os rebeldes da Guerra Judaica entrariam e saqueariam o seu túmulo. Do ouro e a púrpura não ficou nada. E um reizinho judeu de importância regional é notícia em todo o mundo porque se recorda que tentou matar um menino em Belém. in