ALEXANDRE ANDRÉ DOS SANTOS CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DA REDE DE ATENÇÃO A SAÚDE EM CIDADES MEDIAS DO BRASIL E A EFETIVAÇÃO DA UNIVERSALIDADE DO ACESSO A SAÚDE Estudo de caso de Joinville – 1988 a 2004 Brasília (DF) 2007 2 ALEXANDRE ANDRÉ DOS SANTOS CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DA REDE DE ATENÇÃO A SAÚDE EM CIDADES MEDIAS DO BRASIL E A EFETIVAÇÃO DA UNIVERSALIDADE DO ACESSO A SAÚDE Estudo de caso de Joinville – 1988 a 2004 Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em geografia, do Departamento de Pós-Graduação em Geografia da Universidade de Brasília (UnB), como requisito parcial à obtenção de grau de mestre. Orientadora: Profa. Dra. Marília Luiza Peluso Área de concentração: Gestão Ambiental e Territorial. Brasília (DF) Novembro de 2007 3 SANTOS, ALEXANDRE ANDRÉ DOS. Configuração Espacial da Rede de Atenção a Saúde em Cidades Médias do Brasil e a Efetivação da Universalidade do Acesso a Saúde. Estudo de caso de Joinville – 1988 a 2004/Brasília: Universidade de Brasília/Instituto de Ciências Humanas/ Departamento de Geografia/Alexandre André dos Santos, 110 p., 297 mm, (UnB-IH, Mestre, Gestão Ambiental e Territorial, 2007). Dissertação de Mestrado – Universidade de Brasília. Instituto de Ciências Humanas. 1.Geografia da Saúde; 2. Sistema Único de Saúde (SUS); 3. Joinville (SC) I. UnB-IH II. Título (série) É concedida à Universidade de Brasília permissão para reproduzir cópias desta dissertação e emprestar ou vender tais cópias somente para propósitos acadêmicos e científicos. O autor reserva outros direitos de publicação e nenhuma parte desta dissertação de mestrado pode ser reproduzida sem a autorização por escrito do autor. 4 Alexandre André dos Santos CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DA REDE DE ATENÇÃO A SAÚDE EM CIDADES MEDIAS DO BRASIL E A EFETIVAÇÃO DA UNIVERSALIDADE DO ACESSO A SAÚDE Estudo de caso de Joinville – 1988 a 2004 Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em geografia, do Departamento de Pós-Graduação em Geografia da Universidade de Brasília (UnB), como requisito parcial à obtenção de grau de mestre. Orientadora: Profa. Dra. Marília Luiza Peluso Área de concentração: Gestão Ambiental e Territorial. Profa. Dra. Marília Luiza Peluso Profa. Orientadora Prof. Dr. José Ivo dos Santos Pedrosa Membro da Banca (externo) Profa. Dra. Claudia Andreoli Galvão Membro da Banca (interno) Prof. Dr. Neio Lúcio de Oliveira Campos Membro Suplente Brasília (DF), 20 de novembro de 2007 5 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a minha família. 6 AGRADECIMENTOS Agradeço o apoio recebido dos colegas da sala, dos amigos do trabalho, dos professores, da professora orientadora e da família, que contribuíram diretamente para que este trabalho pudesse se transformar em realidade. 7 RESUMO As relações estabelecidas entre os diferentes modelos de fazer a gestão da saúde e o espaço municipal, em sua capacidade de gerar espaços promotores de saúde foram analisadas nesta dissertação. A compreensão histórica do sistema de saúde, a partir do estudo de caso de Joinville (Santa Catarina) resgatou as nuances que conformaram a dificuldade em universalizar o acesso à saúde como direito social e dever do Estado. A inovação trazida pela incorporação da saúde como direito na Constituição Federal de 1988, desencadeou vetores em prol da reorganização do sistema de saúde, em busca da garantia da saúde como direito social. A partir desse cenário, destacou-se a importância do espaço local como fator condicionante na formulação das políticas de saúde. O processo de reorganização do sistema municipal de saúde, nesse contexto, foi permeado pelos interesses dos diversos atores, e se refletiu em diferentes apropriações conceituais de espaço, enquanto categoria de análise para o planejamento das ações de saúde na esfera municipal. Sob este viés, foi possível verificar a existência de disputas entre os dois principais modelos de gestão da saúde, o flexneriano e o comunitário, condicionando a gestão da saúde na conformação espacial do acesso à rede de serviços. O modelo flexneriano, sem observar a importância do espaço, e voltado para a ampliação do mercado consumidor de procedimentos médicos, abusou de metodologias concentradoras de ações de recuperação da doença no espaço do hospital. O Modelo comunitário/social/coletivo, incorporando a análise espacial na busca de determinantes sociais, desenvolveu tecnologias espaço-centradas para o campo da gestão da saúde, em busca da integralidade das ações de prevenção e recuperação de doenças, e promoção da saúde. A disputa verificada entre os diversos atores condicionou e foi também condicionada pelo espaço local. O estudo também demonstrou a importância de se planejar a acessibilidade espacial da atenção a saúde para garantir o direito a saúde a todos, conforme expresso na Constituição Federal. Os dados revelaram um gargalo no sistema público de saúde pública de Joinville: cerca de 41% da população de Joinville não possuía um acesso adequado a rede de serviços do SUS, pela falta de uma política adequada que garanta o acesso. Em dezembro de 2004 Joinville contava com aproximadamente 23% da população com acesso ao SUS através do Programa de Saúde da Família, e outros 36% da população tinham seu direito a saúde garantido através de planos privados de saúde. Para os outros 41% da população, localizados em bairros com renda per capita entre 1 e 2 salários mínimos, não se identificou uma porta de entrada adequada ao sistema público de saúde. Este fato ajuda a explicar a dificuldade dos gestores em resolver os problemas existentes com a sobrecarga da rede pública hospitalar. Também foi possível identificar com vários exemplos como a estratégia de saúde da família ofertou respostas adequadas à questão da universalização do acesso a saúde, centradas na definição da comunidade como espaço de atuação da equipe de saúde. Palavras chave: Geografia da Saúde; Sistema Único de Saúde; Joinville (SC) 8 RESUMEN Las relaciones establecidas entre los diferentes modelos de hacer la gestión de la salud y el espacio municipal, en su capacidad de generar espacios promotores de salud fueron diseccionadas en esa disertación. La comprensión histórica del sistema de salud, a partir del estudio del caso de la ciudad de Joinville (Santa Catarina) rescató las nuances que conformaron la imposibilidad de universalizar el acceso a la salud como derecho social y deber del Estado. La innovación traída por la incorporación de la salud como derecho en la Constitución Federal de 1988, desencadenó la reorganización del sistema de salud, en los gobiernos federal, provincial y municipal, de forma a suplantar la visión existente hasta entonces, de salud pública como caridad a los pobres. A partir de ese escenario, se destacó la importancia del espacio local como factor condicionante en la formulación de las políticas de salud. El proceso de reorganización del sistema municipal de salud, en ese contexto, fue permeado por los intereses de los diversos actores, y se reflejó en diferentes aprovechamientos conceptuales del espacio, mientras categoría de análisis, para la planificación de las acciones de salud en la esfera municipal. Bajo ese viés, fue posible inferir la existencia de disputas entre los dos principales modelos de gestión de la salud condicionando la gestión de la salud en varios aspectos, y que esta disputa además de ofrecer condicionantes espaciales, fue también por el espacio local condicionado. Los datos revelaron un gargalo en el sistema público de salud pública de Joinville: cerca de 41% de la población de Joinville no poseía un acceso adecuado la red de servicios del sistema de salud, por la falta de una política adecuada que garantice el acceso. En diciembre de 2004 Joinville contaba con aproximadamente un 23% de la población con acceso al sistema de salud através del Programa de Salud de la Familia, y otros un 36% de la población tenían su derecho la salud garantizado a través de planes privados de salud. Para los otros un 41% de la población, localizados en barrios con renta per cápita entre 1 y 2 salarios mínimos, no se identificó una puerta de entrada adecuada al sistema público de salud. El estudio también colocó la cuestión de la accesibilidad espacial de la atención la salud en el centro de la agenda decisiva, pues la salud se hube viabilizado mientras derecho social y era preciso aproximar el sistema de salud de las personas, y en especial de las clases excluidas. Como resultado fue posible identificar con varios ejemplos como la estrategia de salud de la familia ofertó respuestas adecuadas a la cuestión de la universalización del acceso a la salud, centradas en la definición de la comunidad como espacio de actuación del equipo de salud. Palabras llave: Geografía de la Salud; Sistema Único de Salud; Joinville (SC) 9 LISTAS DE MAPAS Mapa Assunto Pagina Mapa 1 Bairros de Joinville, 2004................................................................ 41 Mapa 2 Bairros onde foram realizadas entrevistas estruturadas com a população ........................................................................................ 43 Identificação da área cedida a Sociedade Hamburguesa de Colonização, 1849............................................................................ 49 Mapa 4 Regionalização da saúde de Joinville, 2004..................................... 57 Mapa 5 Distribuição espacial das Unidades de Saúde, Hospitais e sedes de regionais de saúde no município de Joinville, 2004........................ 69 Mapa 6 Renda per capita por bairro de Joinville, 2004 ............................... 72 Mapa 7 Bairros com equipes de saúde da família implantados em Joinville, 2004.................................................................................. 86 Mapa 8 A cobertura Espacial do PSF e dos planos privados de saúde em Joinville, 2004.................................................................................. Mapa 3 89 10 LISTA DE FIGURAS Figura Assunto Página Figura 1 Modelo da Teoria do Lugar Central.................................................. 33 Figura 2 Joinville no contexto nacional e estadual.......................................... 46 Figura 3 Modelo de cobertura da saúde no espaço municipal......................... 78 11 LISTA DE QUADROS Quadro Assunto P. Quadro 1 Sistematização da pergunta geral, objetivo geral e hipótese geral.......... 17 Quadro 2 Sistematização das perguntas específicas, objetivos específicos e hipóteses especificas............................................................................... 17 Diferenças entre o modelo da medicina científica e a saúde coletiva, social e comunitária................................................................................ 28 Quadro 4 Caracterização das entrevistas com os informante-chave....................... 38 Quadro 5 Relação entre as questões, objetivos, hipóteses e as perguntas formuladas nas entrevistas estruturadas e semi-estruturadas.................. 39 Caracterização das entrevistas com a população dos entrevistados nos bairros(letras).......................................................................................... 42 Número de consultas médicas realizadas na rede pública de saúde de Joinville, 1998-2004............................................................................... 63 Número de ACS e de ESF implantados em Joinville, 19982004......................................................................................................... 64 Quadro 9 População de Joinville, 1998-2004......................................................... 65 Quadro 10 Número de consultas per capita em Joinville, 1998-2004...................... 65 Quadro 11 Indicadores de cobertura da Atenção Básica (PSF) em Joinville, 19982004......................................................................................................... 66 Número de pessoas cobertas por Assistência Médica Privada por ano de Competência em Joinville, 2000 - 2004............................................. 67 Renda per capita e população dos bairros de Joinville, 2004.................. 71 Quadro 3 Quadro 6 Quadro 7 Quadro 8 Quadro 12 Quadro 13 12 SUMÁRIO Item 1 Assunto Pagina INTRODUÇÃO.................................................................................... 13 1.1.2 SISTEMAS DE SAÚDE E ESPAÇO – CONCEITOS, HISTÓRIA, RELAÇÕES......................................................................................... Modelos de organização do sistema de saúde...................................... A medicina científica/flexneriana e a saúde comunitária/social/coletiva................................................................... Princípios do SUS e conceitos da geografia......................................... 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS......................................... 35 3 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 3.6 3.7 O ESPAÇO E SAÚDE EM JOINVILLE ............................................ Espaço Natural..................................................................................... A Economia e a Infra-estrutura............................................................ História e saúde nos Primórdios da Ocupação de Joinville.................. O Início do Século XX......................................................................... O Pós-Guerra........................................................................................ A promulgação da Constituição Cidadã e o SUS................................. O SUS na atualidade............................................................................. 45 45 46 47 50 52 55 62 4 OS LIMITES ATUAIS DA GARANTIA DO ACESSO A SAÚDE................................................................................................ Limites da Reforma Sanitária.............................................................. Sobrecarga da rede hospitalar publica municipal em Joinvile............. Resistências e o não-lugar da atenção a saúde de Joinville.................. O PSF e a capacidade de configuração de espaços produtores de saúde..................................................................................................... 1.1 1.1.1 4.1 4.2 4.3 4.4 5 19 19 20 27 74 74 79 85 91 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................... 95 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................. 99 ANEXO 1 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para realização das entrevistas..................................................................... 106 ANEXO 2 – Roteiro das entrevistas .................................................... 108 13 INTRODUÇÃO A saúde e a doença das pessoas, desde os primórdios da humanidade, são condicionadas por várias causas. As causas variam no tempo e no espaço, e a capacidade explicativa possui uma complexidade intrínseca e é historicamente construída. Assim, desde a Antiguidade até os dias atuais, a saúde foi explicada de maneira diferente por uma configuração de aspectos míticos, espaciais, biológicos, sociais e econômicos. Tais aspectos, a partir do processo de organização do sistema capitalista, acabam realçando o papel e a importância do espaço como agente condicionante da condição de vida das pessoas, assim como em sua capacidade de recuperar e manter sua saúde. Carlos (1994) vinculou a dinâmica da acumulação capitalista ao processo de produção e reprodução do espaço, apontando relações com o tipo de trabalho e o modo de vida à formas e funções da cidade, e com a criação de carências e desigualdades no espaço urbano (como água, luz, esgoto, transporte, educação), várias delas oferecedoras de determinações sanitárias. Coura-Filho (1997, p. 416), por sua vez, afirmou que a má qualidade de vida foi sistematicamente produzida no tempo e lugar que interessou ao capital. Os novos processos de produção de doenças estariam diretamente relacionados a este novo modo de produção, garantindo a sobrevivência e crescimento do referido sistema econômico. Também Hissa (1992, p. 75) afirmou que a dinâmica da organização capitalista, do ponto de vista sócioespacial favoreceu a concentração da morbi-mortalidade em áreas periféricas e marginalizadas. Tais abordagens trouxeram aportes reflexivos sobre as maneiras como o modo de produção capitalista ofereceu determinações à saúde da população, elucidando articulações do 14 processo pelo qual as pessoas adoecem com o espaço produzido e reproduzido pelo capitalismo. As articulações advindas entre o modo de produção capitalista e o espaço produzido pela sociedade no processo saúde-doenca se constitui em importante fator explicativo, que vincula diretamente a necessidade de estudos entre a geografia e a saúde. Trata-se de campo de estudo já consolidado na literatura cientifica nacional e internacional, fundamental para a gestão de saúde pública, tão importante que cerca de 80% das necessidades de informação dos gestores locais de saúde estão relacionadas com a dimensão geográfica (OPAS, 2002, p. 14). A partir do reconhecimento deste contexto, que justifica um estudo que relacione espaço e doença, buscou-se um recorte do objeto de analise, que pudesse conferir coerência metodológica e precisão cientifica. Trilhou-se um caminho que possibilitasse exercitar a capacidade da geografia de se constituir em ferramenta analisadora do entendimento do processo de configuração de um sistema municipal de saúde, que elucidasse aspectos da garantia do princípio constitucional de universalidade do acesso a saúde, a partir da espacialização da sua rede de serviços. Tal recorte levou ao estudo dos modelos de gestão de saúde, seus conceitos e cargas ideológicas intrínsecas. No primeiro plano, dois grandes modelos, o flexneriano, de um lado, e o comunitário, de outro, do qual derivou o Programa de Saúde da Família (PSF), disputando no plano ideológico e gerencial dos sistemas de saúde, o cenário de conformação das políticas de saúde neste pais. Por outro lado, o recorte espacial, considerando a responsabilidade constitucional da esfera administrativa municipal no Brasil, adquirida com a Constituição de 1988, indicou necessidade de estudo nesta escala e a opção recaiu sobre Joinville, município de médio porte, com cerca de 500 mil habitantes, pólo econômico da região sul do Brasil. O desafio proposto reforçou a necessidade de trabalhar com conceitos capazes de aproximar a gestão pública da resolução de problemas da saúde em uma perspectiva espacial. Pelo lado da saúde, foi preciso aprofundar os estudos sobre a conformação da saúde enquanto política pública e as diversas respostas buscadas ao longo do século XX para dar conta do desafio. As contribuições teóricas da geografia foram buscadas nas diferentes abordagens da geografia da saúde, que na literatura internacional conformaram genericamente duas grandes 15 ênfases, uma focando nos processos de espacialização das doenças, e outro na geografia dos sistemas de saúde (HOWE, 1983; JOSEPH, 1984; KEARNS, 1993). Todavia, o desafio proposto acabou por tornar tênue as duas ênfases, por que exigiu um prisma multidisciplinar, qualitativo, ajustado conceitualmente à necessidade de identificação de problemas e à busca de soluções que pudessem dar conta de uma realidade complexa, atual, dinâmica. As considerações de Harvey e Morin sobre abordagens complexas reforçaram a opção encontrada no presente trabalho. A necessidade metodológica de buscar novos desenhos e modelagens para questões novas e complexas, foi tratada por Harvey (1980, p. 13) quando afirmou que “se nossos conceitos são inadequados ou inconsistentes, não podemos esperar identificar problemas e formular soluções políticas apropriadas”. Já Morin (2003, p. 36), apontou a inadequação dos saberes desunidos e fragmentados frente à realidade complexa do mundo atual. Tal recorte indicou a necessidade do entendimento da conformação da rede de atenção à saúde existente no município de Joinville, a partir de uma analise espacial, e sua capacidade de garantir o acesso aos cidadãos de Joinville à saúde publica. Para tanto, foi preciso aprofundar o estudo sobre os modelos de atenção a saúde que buscam responder as demandas por organização do sistema de saúde no país. Depreendeu-se deste levantamento a importância que o modelo flexneriano e aqueles oriundos da reforma sanitária brasileira jogaram neste debate, na conformação espacial do acesso a rede de serviços, e como iniciativas governamentais (PSF, por exemplo) de garantia do acesso à saúde ganharam características próprias fruto desse embate. O modelo da medicina flexneriana, em geral propôs a organização de serviços de saúde sob a lógica do mercado do trabalho médico, centrando a especialização dos procedimentos médicos e delimitando o espaço do hospital como espaço privilegiado de atuação médica. O modelo flexneriano possibilitou aprimorar a utilização do espaço como ferramenta do mercado para desenvolver metodologias concentradoras de ações de recuperação da doença no espaço do hospital. As propostas oriundas da reforma sanitária, de forma ampliada, entenderam a saúde como direito de cidadania, o que no bojo do processo de redemocratização brasileiro, levou a consolidar este princípio na Constituição Brasileira de 1988. 16 Foi uma proposta que incorporou a análise espacial na busca de determinantes sociais, e desenvolveu tecnologias espaço-centradas para o campo da gestão da saúde, em busca da integralidade das ações de prevenção e recuperação de doenças, e promoção da saúde. A partir do recorte apresentado o estudo procurou trabalhar com a seguinte questão central: como a configuração espacial da rede de atenção à saúde em cidades médias como Joinville influenciou na efetivação da universalidade do acesso a saúde? Especificamente, a partir do trabalho de campo e da pesquisa bibliográfica realizada, o estudo pode aprofundar as seguintes questões: a) Quais os problemas advindos da não implantação do PSF em todo o território do município de Joinville? b) Qual a capacidade do PSF em configurar espaços produtores de saúde? Cada questão originou um objetivo e uma hipótese. O objetivo geral foi definido da seguinte maneira: explicitar como a configuração espacial da rede de atenção a saúde influenciou na efetivação da universalidade do acesso a saúde em cidades medias como Joinville. Já os objetivos específicos, explicitados a partir do objetivo geral, foram: a) Explicitar as dificuldades de expansão da implantação do Programa de Saúde da Família em Joinville; e b) Verificar a capacidade do PSF de criar estratégias com capacidade de promover espaços saudáveis, centradas na valorização do espaço local e do conhecimento prático. A hipótese geral que norteou a presente pesquisa foi: a configuração espacial da rede do Programa de Saúde da Família em cidades similares a Joinville conformou os limites do processo de reforma sanitária, freando a capacidade dos municípios em efetivar a universalidade do acesso a saúde. As hipóteses específicas, derivadas da hipótese geral, foram: a) Existe um grande vazio de acesso real à rede de atenção básica de saúde em Joinville, que sobrecarrega a rede hospitalar publica municipal, conformado principalmente por regiões de classe media e pobres não cobertas pelo PSF; e b) Os modos de fazer a gestão de saúde condicionam a capacidade da gestão municipal de saúde em efetivar a garantia do acesso à saúde; O Quadro 1, abaixo, explicita a relação entre o questionamento de pesquisa, o objetivo e a hipótese gerais da dissertação. 17 Quadro 1 – Sistematização da pergunta geral, objetivo geral e hipótese geral Pergunta Geral Como a configuração espacial da Objetivo Geral Hipótese Geral Explicitar como a configuração A configuração espacial da rede do rede de atenção a saúde em cidades espacial da rede de atenção a saúde Programa de Saúde da Família em similares a Joinville influenciou na influenciou na efetivação da cidades como Joinville conformou efetivação da universalidade do universalidade do acesso a saúde os limites do processo de reforma acesso a saúde? em cidades médias similares a sanitária, freando a capacidade dos Joinville. municípios em efetivar a universalidade do acesso a saúde. Fonte: Santos, A.A. O Quadro 2, explicita a relação entre os questionamentos de pesquisa, os objetivos e as hipótese especificas da dissertação. Quadro 2 – Sistematização das perguntas específicas, objetivos específicos e hipóteses específicas Perguntas Específicas Objetivos Específicos Hipóteses Específicas Quais os problemas advindos da Explicitar as dificuldades de Existe um grande vazio de acesso não implantação do PSF em todo o expansão da implantação do real a rede de atenção básica de território do município Joinville? de Programa de Saúde da Família em saúde Joinville em sobrecarrega publica Joinville, a rede hospitalar municipal, principalmente que por conformado regiões de classe media e pobres não cobertas pelo PSF Qual a capacidade do PSF em Verificar a capacidade do PSF de Os modos de fazer a gestão de configurar espaços produtores de criar estratégias com capacidade de saúde condicionam a capacidade saúde? promover espaços saudáveis, da gestão municipal de saúde em centradas na valorização do espaço efetivar a garantia do acesso a local e do conhecimento prático Fonte: Santos, A.A. saúde; 18 O presente estudo foi organizado em cinco capítulos. No primeiro capítulo, se explicitou os referenciais teóricos que orientaram o estudo. Foi dada ênfase na capacidade dos modelos assistenciais flexneriano e comunitário de configurar a rede de atenção a saúde nos espaços municipais. Também foram abordados os principais conceitos necessários ao desdobramento teórico, assim como os princípios norteadores do Sistema Único de Saúde. Os procedimentos metodológicos utilizados no processo de trabalho de campo e coleta de dados serão apresentados no segundo capitulo, explicitando as opções pela realização de entrevistas semi-estruturadas com informantes-chaves e estruturadas com a população, na tentativa de revelar a materialização do processo de configuração da rede de serviços de Joinville no período de implantação do SUS, assim como a diferente percepção e opinião dos atores envolvidos no processo de construção do sistema de saúde de Joinville. A evolução histórica da saúde pública do município de Joinville no período compreendido entre a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) no país, e o ano de 2004, quando se encerra um mandato de gestão municipal, foi trabalhada no capítulo terceiro, de maneira articulada com a contextualização espacial em que se deu o estudo e as características que individualizaram o objeto do estudo do ponto de vista de sua formação sócio-espacial, etapa fundamental para contextualizar o recorte espacial. A luz dos referenciais teóricos, dos procedimentos metodológicos e da contextualização sócio-espacial foi apresentada, no quarto capítulo, a análise dos dados, com a identificação de um modelo de análise espacial dos limites atuais da garantia do acesso universal a saúde para parcela da população para as chamadas cidades médias. As conclusões e considerações finais foram tratadas no capítulo quinto, com reflexões oportunas e que são necessárias a radicalização do processo de implantação do SUS, a luz de um entendimento espacial. 19 1 SISTEMAS DE SAÚDE E ESPAÇO – CONCEITOS, HISTÓRIA, RELAÇÕES A revisão bibliográfica concentrou-se no resgate de conceitos fundamentais ao entendimento da relação entre saúde e espaço, através da discussão dos principais modelos de organização do sistema de saúde: o flexneriano e o comunitário. Os principais conceitos, princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde em sua articulação com espaço e sua validade para a gestão do sistema de saúde também foram objeto de pesquisa bibliográfica. 1.1 Modelos de organização do sistema de saúde Os modelos de organização do sistema de saúde, ou desenhos tecnoassistenciais, dizem respeito, sobretudo, à maneira como “se combinariam as diversas ações públicas e privadas relacionadas com o processo de adoecer, recuperar e promover a saúde, nos espaços de gestão e atenção da política de saúde” (BRASIL, 2005a, p. 79). Paim (2002, p. 370), por exemplo, registrou que os modelos de atenção a saúde ou modelos assistenciais seriam definidos genericamente como combinações de tecnologias utilizadas nas intervenções sobre problemas e necessidades de saúde. Na mesma linha, Mendes afirmou que os sistemas de saúde deveriam responder de maneira clara a três objetivos: “proporcionar um ótimo nível de saúde, um grau adequado de proteção em relação aos riscos de adoecer e satisfazer as expectativas do cidadão” (MENDES, 2001, p. 18). As soluções apresentadas pelos modelos assistenciais poderiam ser exclusivamente de natureza médico-curativa ou incorporar ações de promoção e prevenção. Também poderiam organizar-se para atender a demanda de modo passivo, apenas aguardando casos que cheguem ou buscar ativamente os usuários, independente de demanda (CECILIO, 2005, p. 145). A necessidade de discutir articuladamente os saberes e a política na determinação da forma de organizar a assistência foi enfatizada por autores como Malta, que afirma: 20 Modelo técnico-assistencial constitui-se na organização da produção de serviços a partir de um determinado arranjo de saberes da área, bem como de projetos de ações sociais específicos, como estratégias políticas de determinado agrupamento social (MALTA, 2004, p. 438) Os modelos assistenciais incorporam, principalmente no mundo ocidental capitalista, uma dimensão articulada de saberes e tecnologias de grupos sociais que, apoiados na dimensão política, disputam entre si como organizar a assistência ao público. No Brasil, a história da conformação de modelos assistenciais registrou em sua historia recente um grande embate na disputa pelo poder de organizar a assistência ao público. A arena de disputa pelo poder de organizar o sistema de saúde consolidou dois grandes grupos com diferentes respostas organizacionais: de um lado, o campo da chamada medicina científica ou Flexneriana, e de outro a medicina comunitária, social e coletiva. A medicina flexneriana propôs a organização de serviços de saúde sob a lógica do mercado do trabalho médico, centrando a especialização dos procedimentos médicos e delimitando o espaço do hospital como espaço privilegiado de atuação médica. A medicina comunitária, social e coletiva, de forma ampliada, surgiu com o intuito de buscar respostas às necessidades de saúde da população, entendendo-a como direito de cidadania, o que no bojo do processo de redemocratização brasileiro, levou a consolidar na Constituição Brasileira um importante conceito para este trabalho, a universalização do direito ao acesso a saúde pelo cidadão (BRASIL, 2003, p. 108). A seguir, apresentam-se os conceitos, princípios e características básicas que norteiam os modelos flexneriano e comunitário. 1.1.1 A medicina científica/flexneriana e a saúde comunitária/social/coletiva O modelo medicalizador, ou flexneriano centrou sua prática profissional no hospital e na utilização intensiva de tecnologia de diagnóstico e terapêutica. Foi uma opção articulada aos interesses econômicos hegemônicos, do complexo industrial hospitalar/farmacêutico (BRASIL, 2005a, p. 84). As raízes do modelo flexneriano remontam ao chamado “Relatório Flexner”, apresentado em 1910, com o objetivo adequar a formação médica às inovações provindas das 21 descobertas dos microorganismos. O modelo flexneriano estimulou fortemente a especialização e a pesquisa visando o conhecimento das doenças no corpo para sua reparação. (BRASIL, 2005b, p. 54). A medicina científica, de acordo com Mendes (1985, p. 37) apresentou as seguintes características: a) mecanicismo (o corpo humano visto como uma máquina); b) biologicismo (natureza biológica das doenças e de suas causas e conseqüências); c) individualismo (indivíduo como objeto de ação e responsável pela sua própria doença); d) especialização (acumulação do capital que exigiu a fragmentação do processo médico enquanto meio de produção); e) exclusão de práticas alternativas (supremacia da medicina científica sobre outras práticas médicas alternativas, populares ou acadêmicas); f) tecnificação do ato médico (desenvolvimento de tecnologia médica, centradas na busca de novas e caras tecnologias); g) ênfase na medicina curativa (setor da medicina mais suscetível a incorporação de tecnologia); h) concentração de recursos (necessidade dos mercados em concentrar para obter ganhos de escala). A prática médica baseada no Relatório Flexner fortaleceu o poder dos médicos em detrimento de outras práticas curadoras tradicionais, como a homeopatia, a medicina oriental, o saber popular, entre outros, ao caracterizá-los como não científicos e ineficazes (LUZ, 1991). As práticas médicas flexnerianas se ajustaram ao interesse do complexo industrial hospitalar/farmacêutico. Foi a prática flexneriana que viabilizou a transformação da recuperação da doença em um mercado muito lucrativo. Viabilizou em todo o mundo capitalista ocidental um modelo de assistência centrado em consultas médicas, procedimentos, equipamentos e medicamentos, com oferta hospitalar e atenção especializada como principal meio de atenção à saúde. (BRASIL, 2005b, p. 54). Porém, a aplicação do modelo da medicina científica mostrou-se inadequado para a resolução dos problemas de saúde da grande maioria da população no decorrer da segunda metade do século XX. Estudos de âmbito internacional identificaram problemas crescentes relativos à ineficácia, ineficiência e desigualdade, gerada pela medicina científica. Entre os problemas se destacam: a) A ineficiência da medicina científica causada pela inflação médica, ou seja, pela desproporção ou inexistência de correlação entre os investimentos em saúde e os níveis de saúde, e a chamativa desproporção custo-eficácia da mesma (DOSSEY, 2006, p. 9); 22 b) a ineficácia da medicina científica, demonstrada por estudos e pesquisas que evidenciam que os níveis de saúde atuais decorrem muito mais de mudanças no ambiente do que de novas descobertas científicas da medicina (MENDES, 1985, p. 37-40); c) incapacidade de responder às necessidades de saúde, ao risco de adoecer, morrer e à acessibilidade dos serviços de saúde (MENDES, 1985, p. 37-40); d) incapacidade de oferecer igualmente acesso aos serviços de saúde, contatada na chamada Lei de Hart – “a disponibilidade de boa atenção médica tende a variar na razão inversa das necessidades da população” (MENDES, 1985, p. 37-40). Apesar da preponderância do enfoque flexneriano em detrimento de outros enfoques, observou-se ao longo da segunda metade do século XX uma ampliação da tensão entre essa abordagem e outras abordagens. A partir de meados de 1950, períodos em que predominaram aspectos centrados em características biológicas, individuais e tecnológicas, foram intercalados com outros em que se destacaram fatores comunitários e sociais. A própria definição de saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não meramente a ausência de doença ou enfermidade, inserida na Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1948, foi uma expressão da concepção ampliada de saúde. A Conferência de Alma-Ata, no final dos anos 1970, recolocou o predomínio do enfoque coletivo e sobre os determinantes sociais que se afirma com a criação da Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde da OMS, em 2005. A medicina científica, pelo complexo industrial que gerou e mantém, garantiu seu espaço nas sociedade industrial, o que determinou a concentração dos recursos de saúde. O Hospital, que representou para a medicina científica o lócus privilegiado de atenção médica, foi o equipamento de saúde mais sujeito a espacialização orientada pela lógica do mercado. (MENDES, 1985, p. 35). A localização ótima dos hospitais organizou no espaço a desigualdade do acesso à saúde. A desigualmente espacial se configurou devido a lógica mercadológica que a orientou: Os médicos e hospitais foram para o espaço daqueles que poderiam comprar os procedimentos médicos, o espaço urbano, o espaço hegemônico do capital monopolista (MENDES, 1985, p. 35). 23 O modelo flexneriano auxiliou no processo de (des)organização espacial na lógica do mercado, aumentando a capacidade de atração populacional dos grandes centros urbanos. A ampliação dos fluxos centro-periferia esgarçou o tecido urbano em direção às periferias, criando novos movimentos de consumo de espaços periféricos. O modelo flexneriano deslocou o problema de saúde da escala da coletiva, comunitária, espacial, para o nível individual, biológico, e com isso menosprezou a capacidade de intervenção do gestor público articulada a uma visão espaço-centrada, intersetorial, que tivesse capacidade de promover saúde nas comunidades. O espaço foi tratado como inerte, absoluto, simples repositório para utilização dos homens em seu processo de desenvolvimento, papel em branco para escrita da história do capitalismo na humanidade (DOSSEY, 2006, p. 11). A medicina científica, ao partir da utilização de um conceito espacial inerte, configurou a organização do sistema de saúde com características específicas, em que questões vinculadas a garantia da sustentabilidade da medicina enquanto categoria econômica prevaleceram sob aspectos da saúde como direito social. Em especial, a capacidade de universalizar o acesso aos serviços de saúde para o conjunto da população foi desprezada, uma vez que a lógica orientadora do acesso estava vinculada a capacidade de consumir os procedimentos médicos, e também pelo fato dos procedimentos médicos se apresentarem com valor agregado cada vez maior, devido a tecnologia embutida nos mesmo (inflação médica). Num período de 50 anos (do início do século XX, quando foi apresentado o relatório Flexner, até meados dos anos 1950, com o final da segunda guerra mundial) a medicina científica alcançou maturidade, consolidou-se como base de um poderoso complexo industrial e gerou uma crise derivada da sua aplicação no mundo ocidental. A crise foi gerada pela incapacidade da medicina científica em oferecer respostas efetivas de recuperação da saúde para o conjunto da população mundial. Os custos altos e crescentes restringiram o acesso aos procedimentos médicos para a grande maioria da população pobre, no Brasil e no mundo. O fato do modelo se organizar a partir de uma visão economicista, levando a aglomeração de hospitais nos grandes centros urbanos, reforçou aspectos de concentração urbana, inviabilizando qualquer proposta de universalização do acesso a saúde. 24 Para responder à crise gerada pela medicina flexneriana, em busca de aliviar as tensões sociais, a comunidade cientifica internacional se movimentou, a partir da segunda metade do século XX, na busca de alternativas. Era preciso organizar uma estratégia/modelo com capacidade de desatar os nós críticos e atuar de maneira complementar ao modelo da medicina científica. O principal modelo apresentado como resposta moderada foi denominado “medicina comunitária”. Suas características foram apresentadas por outro relatório, elaborado em 1970, denominado “Relatório Carnegie”, que diagnosticou a crise da medicina científica e propôs a sua desflexenarização. As principais recomendações do Relatório Carnegie, de acordo com Mendes (1985, p. 48) foram: a) integração docente assistencial; b) expansão e aceleração da formação de pessoal auxiliar e técnico; c) integração de matérias básicas e profissionalizantes, d) incremento das matriculas de estudantes pobres nos cursos de saúde. e) estruturação de programa sanitário nacional. A medicina comunitária teve suas origens nas experiências dos sistemas de saúde ocorridas em países subdesenvolvidos, principalmente na África Colonial inglesa durante a primeira metade do século XX. Articulou uma dimensão ideológica de integração social dos marginalizados, trazida pelos norte-americanos, como parte das políticas sociais de combate à pobreza, implantadas no início da década de 1960 nos Estados Unidos, e foi difundida em projetos pilotos em outros países subdesenvolvidos da África, Ásia e América Latina, a partir da mesma década (BRASIL, 2005a, p. 59). Foi a alternativa viável ante reformas mais radicais e abrangentes, organizando de maneira complementar à medicina científica para aqueles que não possuíam condições de pagar pelos procedimentos médicos. Ficou caracterizada como uma medicina dos marginalizados, urbanos e rurais (MENDES, 1985, p. 46; MERHY, 2004, p. 74). No Brasil, a partir dos anos 70, a crise da saúde se agravou, devido ao conjunto de problemas trazidos pela implementação do modelo flexneriano. Serviços de saúde historicamente divididos entre públicos, privados e filantrópicos, insuficientes, mal distribuídos e descoordenados, incapazes de resolver os problemas de saúde da maioria da população brasileira, associados aos interesses econômicos das indústrias de medicamentos, de equipamentos e das empresas médicas, impediam a organização de um sistema de saúde eficiente e capaz de dar conta dos problemas de saúde da população brasileira (PAIM, 2002, p. 61). 25 Integrando um movimento em defesa da democracia, dos direitos sociais e de um novo sistema de saúde, o processo de crítica à medicina científica avançou, conformando um movimento por reformas denominado “Reforma Sanitária”. O debate sobre a Reforma Sanitária deu origem a vários modelos ou desenhos assistenciais alternativos ao hegemônico, que incorporaram outras opções ideológicas, tecnológicas e organizacionais na construção do sistema de saúde nacional. (BRASIL, 2005a, p. 84). A síntese realizada por Merhy, que apresentou duas correntes no bojo da Reforma Sanitária, um burocrático-sanitário e outro transformador (MERHY, 2006, p. 198), foi importante por apresentar algumas diferenças na concepção que se traduziram em diferentes aportes para a rede de serviços de saúde. Merhy defende que no conjunto das propostas burocrático-sanitárias, estavam a manutenção da dicotomia entre a assistência médica e saúde pública e a vinculação da rede básica como “porta de entrada” do conjunto dos serviços de saúde (MERHY, 2006, p. 218). Via a questão da extensão da cobertura dos serviços pela ótica do custo das ações, e organizava seu modelo sob uma ótica gerencial/administrativa, onde caberia atenção básica fazer a triagem do sistema, apenas. A posição transformadora partiu de um debate mais estrutural do momento, defendendo um outro paradigma de política social, que se traduzia numa modificação mais radical da relação sociedade/Estado e que tinha a democratização do poder político e socialização dos benefícios como metas (MERHY, 2006, p. 223). Foi chamada transformadora porque propunha uma mudança jurídico-política da natureza da saúde, que passaria a ser um bem público com o controle da política pelo Estado e a participação dos grupos sociais da sociedade civil junto ao Estado, na gestão dos serviços (MERHY, 2006, p. 223). Todo o debate das correntes da Reforma Sanitária desaguou no processo de redemocratização e Constituinte. Os direitos inscritos na Carta Magna traduziram esse embate interno e com o modelo hegemônico médico-privatista-flexneriano. Com a Constituição de 1988 a sociedade conquistou o reconhecimento da saúde como direito de todos os cidadãos e dever do Estado, e incorporou a universalidade, a integralidade, a equidade, a descentralização, a regionalização e a participação da comunidade como princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). 26 Além disso, firmou a Constituição um conceito ampliado de saúde, entendido como resultado das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde (BRASIL, 2003, p. 23). O principio da saúde como direito social trazido pela Constituição reconheceu o ser humano como um todo, integral, e a saúde como qualidade de vida. Os conceitos, princípios e diretrizes inscritos na Constituição inovaram ao incorporar a dinamicidade do espaço e flexibilizar a configuração do sistema de saúde a real necessidade dos usuários, demandando do poder público a superação do modelo assistencial flexneriano como resposta governamental. A sociedade demandou através da Carta Magna um sistema de saúde universal capaz de se estender ao conjunto da população. Foi a necessidade de romper com o modelo flexneriano, centrado no médico, fragmentado, voltado a doença, curativista e assistencialista, que trouxe consigo a necessidade de buscar novos entendimentos do espaço que fossem mais radicais e incorporassem a crítica ao espaço entendido e pensado como inerte. Este novo Modelo em sua teoria contou com variados graus de incorporação de elementos da medicina comunitária e alguns eixos orientadores comuns, conforme sistematizam materiais do Ministério da Saúde (BRASIL, 2005a, p. 84-85): a) a utilização do território no processo de planejamento das ações de saúde; b) definição ampliada dos problemas de saúde com o estabelecimento de estratégias para percepção das desigualdades regionais e microrregionais, visando a equidade; c) reorganização das práticas em saúde com uma abordagem interdisciplinar e de integralidade em saúde; d) revisão dos conceitos clássicos de hierarquização de serviços, com reconhecimento da complexidade da atenção básica ou primaria; e) articulação do setor saúde com os demais setores do governo na formulação de políticas saudáveis; f) gestão democratizada. Também se orientou pelo princípio da saúde como direito social, o que representou uma profunda diferença de concepção em relação ao modelo flexneriano, que via a questão da saúde como subordinada os interesses do mercado. A prática coletiva de saúde foi priorizada no Modelo da Saúde Coletiva, o que resgatou a importância do espaço para o debate das 27 políticas de saúde, principalmente o espaço local, da comunidade, espaço onde se estabelecem vínculos e objeto de intervenção da política de saúde (MENDES, 1985, p. 53). Um quadro sintético (quadro 3) apresentando as diferenças entre a medicina flexneriana e a comunitária foi sistematizado por Reis (BRASIL, 2003, p. 109), o que possibilitou realçá-las em várias dimensões (política/ideológica, constituição do saber, e formato organizativo da assistência à saúde). 1.1.2 Princípios do SUS e conceitos da geografia Além do aporte trazido pelo debate entre os modelos assistenciais, fundamental para entender a origem dos diferentes conflitos existentes no processo de consolidação do SUS em Joinville, outros conceitos foram fundamentais para o desenvolvimento da linha de raciocínio que permeou a pesquisa: Universalização, equidade e acessibilidade. Universalização, segundo Mendes (2001, p. 67) foi definido como “princípio ético básico, que busca garantir a todos os cidadãos – independentemente de gênero, etnia, nível de renda, vinculação de trabalho ou nível de risco – os direitos sociais fundamentais, em quantidade e qualidade compatível com o grau de desenvolvimento de uma determinada sociedade”. O conceito de equidade foi o resgatado por Silva (2006, p. 25) como “um instrumento de justiça para resolver as contradições entre as diversas formulas da justiça social formal ou abstrata”. Em termos concretos, equidade foi entendida como direito de se tratar os desiguais de forma desigual, priorizando a ação sanitária para os grupos populacionais com maior demanda por saúde. 28 Quadro 3 - Diferenças entre a medicina científica e a saúde coletiva, social e comunitária Dimensões Política/ ideológica Saber Medicina científica Liberal privatista ou neoliberal Saúde (doença) enquanto mercadoria Ciência positivista ou neopositivista Concepção saúde/doença em bases biológica, mecanicista, individualista e reducionista. Prestigio da fisiopatologia, na qual a doença é tratada como uma alteração morfológica e/ou funcional do corpo humano. Predomínio da clínica biologicista com concessão a uma epidemiologia unicausal ou multicausal. Organizativa/ Comando pelo mercado da doença (seguros, Assistencial serviços, fábricas e comércio); Concentração de serviços nas cidades mais desenvolvidas e nos centros comerciais destas Acesso mediado pelo poder aquisitivo do consumidor Preponderância do hospital como lócus das ações Ênfase na medicina curativa; exclusão das práticas alternativas; especialização e tecnificação crescentes dos atos médicos; Comunitária, coletiva e social Democratização ampla, estado e sociedade Saúde enquanto direito de cidadania Materialismo histórico, planejamento estratégico, planejamento urbano, psicanálise, além da epidemiologia e da clínica. Concepção saúde/doença da epidemiologia social latino-americana que enfatiza o vínculo entre saúde e condições de vida. Correlacionando as dimensões biológicas, ecológicas, culturais, da consciência e conduta e dos processos econômicos, com base no conceito de reprodução social. Comando único em cada esfera de governo, atravessado pela participação da sociedade civil e organizada; Descentralização e regionalização de ações e serviços Universalidade do acesso Constituição de rede hierarquizada segundo necessidades e níveis tecnológicos exigidos Integralidade nas ações abrangendo o indivíduo e o coletivo nos aspectos de promoção, prevenção e cura em todos os níveis; Eficácia medida pelo grau de restauração ou Eficácia dada pelo impacto na melhoria das manutenção da força de trabalho condições de vida e da existência humana Desconsidera a intersetorialidade Valorização das ações intersetoriais. Fonte: Reis, AT. (Apontamentos para uma apreciação de modelos tecnoassistenciais em saúde. Mimeo. Belo Horizonte/MG, 2000 apud Brasil, 2003, p. 109) O conceito de acessibilidade foi o apresentado nos estudos de Fekete (1997, p. 117). Segundo Fekete, o conceito de acesso a serviços de saúde é complexo, e as necessidades dos usuários e a oferta desse tipo de serviço conformam seus limites. O acesso em termos geográficos é apenas um dos componentes da acessibilidade, uma vez que relaciona a localização dos demandantes e da oferta de serviços de saúde. A acessibilidade se apresenta como uma combinação de fatores de distintas dimensões: a) Acessibilidade geográfica, identificada pela distância média entre o indivíduo e o serviço de saúde. Levam em conta as condições para que esta distância média seja percorrida. Importante destacar que a acessibilidade geográfica não garante o acesso, uma vez que outros aspectos, como credibilidade dos serviços prestados ou horário de funcionamento, podem obrigar deslocamentos que garantam o acesso em localidades geograficamente mais distantes. As barreiras representadas pelas distâncias têm 29 impacto diferenciado conforme o nível de complexidade dos serviços demandados: quanto mais especializados, mais longos serão os trajetos a serem percorridos, em geral, dada a estrutura de distribuição dos estabelecimentos hospitalares de alta complexidade. b) Acessibilidade organizacional: indica o grau de acesso proporcionado pelo modo de organização dos recursos de assistência à saúde. Os obstáculos podem estar no contato inicial com a unidade de saúde ou dentro da unidade de saúde. No contato inicial, destacam-se o tempo de espera para marcação de consulta e os horários de atendimento. Nos obstáculos dentro da unidade, salientam-se o tempo de espera pelo atendimento médico, bem como a facilidade em se fazer exames laboratoriais e clínicos. c) Acessibilidade sociocultural: refere-se à saúde percebida e à confiança nos serviços de saúde. É preciso entender que a noção de estado de saúde difere entre pessoas de grupos sociais diferentes. O diferente nível de formação da equipe de saúde e da população usuária pode influenciar a capacidade para entender a informação disponível, o diagnóstico e o tratamento, e este aspecto deve ser levado em conta para que o processo se estabeleça de forma adequada. d) Acessibilidade econômica: O pressuposto da gratuidade e universalidade deveria eliminar esse tipo de barreira ao acesso. Mas os custos de transporte, consumo de tempo, faltas ao trabalho também correspondem a gastos com assistência à saúde, mesmo que indiretamente. Os conceitos de regionalização e hierarquização dos serviços também foram necessários por serem estruturantes da proposta do novo modelo de saúde construído no Brasil após a Constituição, e trabalhou-se com aqueles majoritários no processo de definição das políticas de saúde à época, o que levou finalmente ao estudo da teoria do Lugar Central. O Modelo da Saúde Coletiva trabalhou com dois conceitos de espaço para operacionalizar as ações de saúde, com rebatimentos diferentes no planejamento em saúde, do ponto de vista espacial. Na matriz original da medicina comunitária, houve a incorporação do modelo da desconcentração de recursos, fundado em três conceitos básicos: territorialização, regionalização e hierarquização dos serviços. (MENDES, 1985, p. 54). Sobre o conceito de territorialização, Mendes (1993, p. 166) criticou a forma como os serviços de saúde comumente organizam o trabalho no território, dividindo-o em espaços 30 simétricos, pressupondo uma “distribuição homogênea dos problemas de saúde no espaço”, o que segundo o autor não aconteceria na prática. A ordenação do território de acordo com as necessidades e possibilidades das práticas de intervenção, indicando uma subdivisão composta por: Território-Distrito, Território-Área, Território-Microárea e Território-Moradia. Cada uma delas está contida na de maior escala, de maneira que o Território-Moradia é uma subdivisão do Território-Microárea, que é uma subdivisão do Território-Área, que se encaixa no Território-Distrito. Assim, seguem as definições de Mendes (1993) para: a) Território-Distrito: corresponde à área de abrangência de um distrito sanitário, podendo coincidir com o espaço do município, se for de pequeno porte, ou das subprefeituras ou regiões administrativas, em caso de municípios maiores. Nesse caso, há uma lógica político-administrativa, com certo grau de autonomia decisória, que facilita o trabalho intersetorial, pela possibilidade de uma integração da autoridade sanitária com responsáveis por diferentes setores; b) Território-Área: corresponde à área de abrangência de cada unidade ambulatorial de saúde, considerando os recursos existentes para a população adstrita àquele território; c) Território Microárea: é definido pelo autor como o espaço privilegiado para o enfrentamento dos problemas de saúde que são distribuídos de forma não homogênea no espaço. Desta forma, os recursos e serviços disponíveis no Território-Área são investidos no Território-Microárea com vistas à resolução dos problemas de saúde identificados; d) Território-Moradia: institui-se no espaço de vida de uma micro-unidade social (família nuclear ou extensiva). Para Mendes, esse território tem grande valor operacional, pois várias ações de saúde serão realizadas na moradia. Por fim, apresenta o conceito de território-processo Assim, um território-processo, base do distrito sanitário, deverá ser esquadrinhado de modo a configurar uma determinada realidade de saúde, sempre em movimento. Isto é, uma situação de saúde determinada pela dinâmica das relações sociais, econômicas e políticas que se reproduzem historicamente, entre indivíduos e grupos 31 populacionais existentes no território, reprodução esta condicionada pela sua inserção no conjunto da sociedade (MENDES, 1993, p.167). Regionalização foi entendida como uma forma de organização dos sistemas de saúde, com base territorial, uma diretriz que orienta o processo de descentralização das ações e serviços de saúde (BRASIL, 2006, p.15). Incorporou o processo de territorialização com o um dos seus pressupostos e que consiste, de acordo com o documento do Ministério da Saúde (BRASIL, 2006, p. 15) no reconhecimento e apropriação dos espaços locais e das relações da população com a gestão e atenção a saúde, os equipamentos sociais existentes, pelas dinâmicas das redes de transporte e de comunicação, pelos fluxos assistenciais seguidos pela população, pelos discursos das lideranças locais e por outros dados que se mostrem relevantes para a intervenção no processo saúde/doença – como o próprio contexto histórico e cultural da região. O processo de regionalização trazido pelo Ministério da Saúde, a partir da segunda metade da década de 1990, deveria levar a identificação de regiões de saúde, como recortes territoriais inseridos em espaços contínuos, organizados com o objetivo de atender às demandas das populações a elas vinculadas, garantindo o acesso, a equidade e a integralidade do cuidado com a saúde local. As regiões identificadas a partir deste processo poderiam assumir diferentes desenhos, desde que adequado a diversidade local, mesmo que não acompanhando as divisões administrações administrativas, viabilizando uma regionalização viva (BRASIL, 2006, p. 23). A Hierarquização dos serviços foi entendida a partir dos pressupostos de Cecílio (1997, p. 47) que a caracterizou como tendo uma forma piramidal. Cecílio (1997, p. 47), indicou que um modelo hierarquizado teria na base, um conjunto de unidades de saúde, responsáveis pela atenção primária a grupos populacionais situados em suas áreas de cobertura. Para esta extensa rede de unidades, distribuídas de forma a cobrir grupos populacionais bem definidos (populações adscritas) seria estabelecida, de uma forma geral, a seguinte missão: oferecer atenção integral à saúde das pessoas, dentro das atribuições estabelecidas para o nível de atenção primária, na perspectiva da construção de uma 32 verdadeira “porta de entrada” para os níveis superiores de maior complexidade tecnológica do sistema de saúde. Na parte intermediária da pirâmide estariam localizados os serviços ditos de atenção secundária, basicamente os serviços ambulatoriais com suas especialidades clínicas e cirúrgicas, o conjunto de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico, alguns serviços de atendimento de urgência e emergência e os hospitais gerais, normalmente pensados como sendo hospitais distritais. O topo da pirâmide, finalmente, estaria ocupado pelos serviços hospitalares de maior complexidade, tendo no seu vértice os hospitais terciários ou quaternários, de caráter regional, estadual ou, até mesmo, nacional. A rede hierarquizada representaria a possibilidade de uma racionalização do atendimento, de forma que haveria um fluxo ordenado de pacientes tanto de baixo para cima como de cima para baixo, realizado através dos mecanismos de referência e contra-referência, de forma que as necessidades de assistência das pessoas fossem trabalhadas nos espaços tecnológicos adequados. Os conceitos de regionalização e hierarquização dos serviços trabalharam na perspectiva da Teoria do Lugar Central de Christaller, que se apoiou no princípio da centralidade, com organização a partir e em torno de um núcleo urbano principal. O núcleo urbano estabeleceria uma relação de co-dependência com o entorno e a cidade conformaria um mosaico de regiões complementares, formando hexágonos contíguos, num sistema multicentrado e hierarquizado de núcleos e periferias em inter-relação (NAJAR, 2003, p. 709). Destaque-se que uma das principais limitações da Teoria do Lugar Central é a necessidade de utilização de uma planície isotópica como base orientar o seu funcionamento pleno. A Teoria do Lugar Central auxiliou as equipes de planejamento em saúde a pensar no processo de planejamento espacial para a localização dos equipamentos de saúde, visando garantir o acesso espacial ao sistema de saúde de maneira complementar e hierárquica. As unidades mais simples, com capacidade de resolver até 85% dos problemas de saúde da população, deveriam estar o mais próximo possível das pessoas. As unidades mais complexas e com capacidade instalada maior e equipamentos tecnológicos mais desenvolvidos localizam-se na região complementar de várias unidades básicas, conformando uma cobertura espacial decrescente, a partir de uma lógica de distribuição que pudesse aperfeiçoar sua produtividade. (VASCONCELLOS, 1998, p. 79). 33 Figura 1 - Modelo da Teoria do Lugar Central Cidade grande Cidade média Cidade pequena Fonte: Najar (2003, p. 709), adaptado pelo autor Um último conceito foi importante para o delineamento da pesquisa, por tratar-se Joinville de uma cidade com essas características. A bibliografia brasileira recente, em especial a de Amorim Filho e Serra (2001), foi tomada como orientadora do conceito de cidade média, o que levou a considerar como cidades médias o conjunto de municípios com população urbana entre 100 mil e 500 mil habitantes, que não sejam metropolitanos ou capitais estaduais. Conforme a força dos atores que defendiam os diferentes modelos nos lugares, foi diferente a configuração da rede de serviços de saúde (MENDES, 2001, p. 88), assim como a garantia do acesso a saúde foi diferentemente construída nos lugares. O jogo de forças para a implantação dos diferentes modelos escreveu a história do SUS, no Brasil de uma maneira geral, e em Joinville em especial (área de estudo), configurando a espacialização das relações entre a saúde e o espaço local. Como o processo de implantação do SUS foi atravessado pelo interesse de vários atores sociais (partidos políticos, universidade, governantes, gestores de saúde, prestadores de serviços, corporação médica, trabalhadores e usuários, entre outros) na formulação e implementação, em constantes disputas, a efetivação dos princípios e diretrizes do SUS nos diferentes municípios brasileiros foi cristalizada de maneira diferenciada (BRASIL, 2005b, p. 34 63). Em Joinville o processo foi configurado a partir da ação dos diferentes atores presentes na arena política. O custo de se propor a “Reforma Sanitária” em um contexto desfavorável à mesma, em que o mundo passava por um processo de afirmação do neoliberalismo, foi o de se afastar da proposta original. O produto da reforma, neste caso, representou aquilo que foi possível fazer dentro daquele contexto, e não o que foi efetivamente pensado, levando a uma diferença entre o pensado e o executado, acarretando em desgaste político para os defensores da tese da reforma. 35 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A busca de elementos que pudessem comprovar a hipótese de que a configuração espacial da rede do Programa de Saúde da Família em cidades com características similares a Joinville, conformou os limites do processo de reforma sanitária, freando a capacidade dos municípios em efetivar a universalidade do acesso a saúde, levou a utilização de opções metodológicas que compreendessem a complexidade do desafio. Para explicitar como a configuração espacial da rede de atenção a saúde influenciou na efetivação da universalidade do acesso a saúde em cidades médias similares a Joinville, optou-se pelo estudo de caso. O estudo de caso caracteriza-se como um estudo exaustivo de um ou de poucos objetos, de maneira a permitir seu conhecimento aprofundado (GIL, 1999, p. 25). O caso estudado foi a gestão municipal de saúde de Joinville, no período compreendido entre a implantação do SUS no país, em 1988, até o final da ultima gestão municipal eleita quando da realização da pesquisa, em 2004. A opção pelo estudo de uma gestão municipal se tornou pertinente pela sua proximidade com o cidadão. As possibilidades concretas para a diversidade e para a operacionalização por parte do gestor público de saúde, de desenhos alternativos para a resolução dos problemas de saúde das pessoas. A reivindicação popular por melhorias, na escala municipal, se fariam sentir com maior intensidade. As características de Joinville, importante município da Região Sul do Brasil, onde a complexidade da gestão pública municipal de saúde comporta inúmeras análises das relações entre espaço e saúde, justificou a escolha. A ênfase no período de implantação do SUS se justificou pela inscrição, na Constituição Federal de 1988, de vários direitos sociais e no campo da saúde, como a integralidade, a regionalização, a participação popular na formulação de políticas, e para a questão da garantia do acesso universal, o que conferiu ao período um conjunto de características favorecedoras da produção de inovação e conflitos. 36 De acordo com os objetivos traçados no projeto de pesquisa, buscaram-se elementos que pudessem comprovar as hipóteses traçadas, ou seja, oferecer capacidade explicativa para possível replicação em realidades similares, de maneira mais geral e abrangente. A dificuldade dos estudos de casos em geral consiste em encontrar elementos que possam fornecer subsídios para generalizações. Como não se constituiu em objetivo do presente estudo proporcionar o conhecimento preciso de determinadas características a partir de procedimentos estatísticos, mas lançar proposições generalizáveis em situações similares foi cabível tal metodologia (GIL, 1999, p. 27). Com a definição do recorte espaço-temporal do estudo de caso (a gestão da saúde pública de Joinville no período da implantação do SUS até 2004), foi realizado um primeiro movimento de aproximação com a questão principal “Como a configuração espacial da rede de atenção a saúde em cidades medias do Brasil influenciou na efetivação da universalidade do acesso a saúde?”, materializado com a revisão da bibliografia que trata do tema, nos eixos do espaço, e da gestão de saúde. A revisão da bibliografia foi importante para a sustentação e a construção dos instrumentos de pesquisa e do trabalho de campo. A revisão da bibliografia também buscou a contextualização histórica necessária para entender processos de formação sócio-espacial da região de Joinville. As entrevistas foram escolhidas como trabalho de campo devido a sua capacidade de captar elementos que não estão presentes nos documentos oficiais. Importante registrar como, para atingir os objetivos propostos, as entrevistas ratificaram e validaram informações incorporadas ao trabalho empiricamente. O trabalho de campo foi desdobrado em dois momentos: a) momento das entrevistas semi-estruturadas; b) momento das entrevistas estruturadas. As entrevistas semi-estruturadas foram aplicadas a atores estratégicos no processo de implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) em Joinville. O que caracterizou uma pessoa como informante-chave foi a sua vinculação, poder de decisão e participação ativa no processo de implantação do SUS no município. Somente pessoas com alto poder de decisão, do 1º e 2º escalão da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Joinville, ou Diretores dos Hospitais Públicos com sede no município de Joinvile foram listados para participar da entrevista semi-estruturada. A realização de entrevistas semi-estruturadas com informante-chave teve o objetivo de explicitar inter-relações existentes entre os modelos de atenção em saúde e a configuração 37 espacial, identificando no processo de implantação do SUS em Joinville, momentos e espaços em que houve conflito, assim como dificuldades e resistências na garantia do acesso a saúde. Também possibilitou identificar, na visão dos informante-chave, as maneiras como os modelos de gestão se organizaram em Joinville. A opção por entrevistas semi-estruturadas como método para a coleta de dados junto aos informante-chave se justificou pela necessidade de aprofundar aspectos qualitativos, vinculados a percepção, atitudes e motivações. Esta é uma metodologia útil para pesquisadores que “querem descobrir quais são as questões básicas, como as pessoas conceituam os tópicos, que terminologia é utilizada pelos informantes, e qual é o seu nível de compreensão”. (SELTIZ, WRIGHTSMAN E COOK, 1987, p. 40). Suas qualidades consistem em enumerar de forma mais abrangente as questões que o pesquisador busca abordar no campo (MINAYO, 2004, p. 121). Sobre isso, Bertussi (2002, p. 37-38) observou que a diferença entre as pesquisas qualitativas e quantitativas seria a capacidade das primeiras em incorporar a questão da intencionalidade, explicitando o mundo dos significados das ações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas. Consiste em método que dispensa a significância matemática para apreender aquilo que de comum existe nos indivíduos. Poucas entrevistas poderiam garantir a diversidade de posições acerca de um tema. Peluso (1988, p. 68) enfatizou o fato de que “o pequeno número de entrevistados provém de argumentação que diz respeito à própria condição do homem como ser social. Os conteúdos da consciência, já foi dito, não são individuais, mas produtos das práticas coletivas e das relações sociais e históricas que se materializam na fala.” Os informante-chave identificaram territórios e momentos da gestão pública da saúde de Joinville que pela sua explicação causal, aportavam aspectos relevantes para o estabelecimento das relações entre o acesso, o espaço e a gestão pública de saúde. Também aportaram com explicações e fatos importantes para o entendimento do cenário técnico e político que compunha o contexto das decisões. A utilização das entrevistas semi-estruturadas proporcionou a busca de várias dimensões de uma mesma questão, potencializando uma compreensão holística e integral. Foram realizadas seis solicitações de entrevistas com informante-chave e uma não pode ser concretizada devido à impossibilidade de tempo do informante. 38 As entrevistas puderam explorar diferentes dimensões e escalas de abordagem do objeto de estudo. As entrevistas semi-estruturadas foram identificadas pelos números de “um” a “cinco” quando são tratadas nos capítulos que tratam dos resultados. Quadro 4 - Caracterização das entrevistas com os informante-chave Identificação Sexo Formação Local de atuação Entrevista 1 F Enfermagem Secretaria Municipal de Saúde (SMS) Joinville Entrevista 2 F Enfermagem SMS de Joinville Entrevista 3 M Medicina Hospital Regional Hans Dieter Schmidt Entrevista 4 M Medicina Maternidade Darcy Vargas Entrevista 5 F Pedagogia SMS de Joinville Fonte: Santos, A.A. A entrevista 1 recuperou o histórico do processo de formação do SUS no município de Joinville e elementos de caracterização dos rebatimentos espaciais das opções da organização do Sistema de saúde pública de Joinville, com situações de conflito em localidade na região oeste do município, e questões relativas a localização de três equipamentos de saúde das regiões sul e leste do município. Apresentou exemplos de como os fluxos foram utilizados no processo de planejamento de implantação do PSF de Joinville e registrou como as limitadas funções de alguns postos de saúde prejudicaram o processo de reorientação da rede de serviços, e identificou alguns territórios de conflito oriundo da implantação do PSF no município. A entrevista 2 trouxe um panorama da evolução do processo de implantação do SUS na região Oeste do município de Joinville, no período compreendido entre 1991 e 2003, e outro ponto de vista da gestão da organização do sistema de saúde. Apresentou elementos importantes para entender a dificuldade de implantação de equipes de saúde da família em bairros com população de classe média. 39 Quadro 5 - Relação entre as questões, objetivos, hipóteses e as perguntas formuladas nas entrevistas estruturadas e semi-estruturadas Questão Objetivo Hipótese Quais os problemas advindos da não implantação do PSF em todo o território do município de Joinville? Explicitar as dificuldades de expansão da implantação do Programa de Saúde da Família em Joinville. Qual a capacidade do PSF em configurar espaços produtores de saúde? Verificar a capacidade do PSF de criar estratégias com capacidade de promover espaços saudáveis, centradas na valorização do espaço local e do conhecimento prático. Existe um grande vazio de acesso real a rede de atenção básica de saúde em Joinville, que sobrecarrega a rede hospitalar publica municipal, conformado principalmente por regiões de classe media e pobres não cobertas pelo PSF. Os modos de fazer a gestão de saúde condicionam a capacidade da gestão municipal de saúde em efetivar a garantia do acesso a saúde. Entrevista semiestruturada (informante-chave) 1. Relate situações de conflito no processo de implantação do SUS. 2. Identifique critérios espaciais para planejamento da rede de atenção em saúde. 3. Caracterize os principais atores que disputam o poder na saúde de Joinville, e seus interesses. 4. Apresente o histórico de implantação do SUS. 5. Apresente como a variável espacial foi trabalhada no planejamento das ações de saúde. 6. Como foi o processo de participação popular na definição das políticas e ações de saúde. Cite exemplos. 7. Avalie a participação dos usuários no processo de gestão das políticas de saúde. Entrevista estruturada (população) 1. O que é um problema de saúde pública?Cite alguns exemplos. 4. Relacione as situações em que procurou o SUS nos últimos 6 meses. 5. É correta a divisão das áreas do PSF em seu bairro? Porque? 7. Qual sua avaliação sobre a qualidade da saúde pública? 2. Como poderiam ser resolvidos os problemas de saúde da população? 3. Mapeie a delimitação do PSF no seu bairro. 6. Já participou de movimento pela melhoria da saúde? Fonte: Santos, A.A. A entrevista 3 explorou a história de formação do SUS e de alguns equipamentos públicos de saúde do município, localizados na região leste do município. Também relatou sobre o processo de hegemonia de determinados setores da classe médica no município. A entrevista 4 aprofundou o histórico de um importante hospital público estadual – Maternidade Darci Vargas, localizado no centro de Joinville. A entrevista 5 centrou sua fala no relato de situações de conflito intrínsecas ao processo de implantação do Programa de Saúde da Família (PSF) em Joinville. Identificou situações de conflito nas regiões leste e norte do município, e defendeu aspectos do processo 40 de planejamento e implantação de equipes de saúde da família no município, e as resistências de alguns setores da classe médica. As entrevistas semi-estruturadas com os informante-chave instruíram a identificação dos bairros onde seriam realizadas as entrevistas estruturadas. As entrevistas estruturadas foram aplicadas em moradores dos bairros identificados pelos informante-chave. A resistência e dificuldade para implantação do SUS, também serviu para explicitar questões trabalhadas nas entrevistas. As entrevistas estruturadas também objetivaram explorar questões que ainda ficaram em aberto, em busca das origens dos conflitos, e captar a percepção das pessoas sobre o acesso efetivo a saúde. As entrevistas estruturadas estavam organizadas em dois eixos: um eixo de qualificação do entrevistado por idade, sexo, endereço, escolaridade, e outro eixo de aprofundamento da temática de saúde e espaço. As perguntas, cujo modelo encontra-se no Anexo 02, buscaram obter informações sobre o que seria um problema de saúde pública na avaliação do entrevistado; como se resolveriam os problemas de saúde da população; a indicação da delimitação do PSF no bairro do entrevistado; as situações em que procurou o SUS nos últimos 6 meses; a avaliação sobre a divisão das áreas do PSF em seu bairro; a participação do entrevistado em movimentos pela melhoria da saúde e a avaliação do entrevistado sobre a qualidade da saúde pública no município. O número de entrevistas foi considerado suficiente quando as respostas começaram a ser repetir – critério de exaustão-saturação. O critério de exaustão-saturação é utilizado neste tipo de pesquisa quando nas entrevistas realizadas começam a ser reconhecidas a repetição dos conteúdos dos depoimentos (BERTUSSI, 2002, p. 44). Para identificar a capacidade de desenhos assistenciais trabalharem na perspectiva de promover espaços saudáveis, buscou-se em trabalhos apresentados por equipes do PSF de Joinville, exemplos de atuação intersetorial e de desenvolvimento de capacidades inovadora. Além disso, trabalhou-se com fontes primárias e secundárias, como relatórios de gestão, e com a realização de ampla revisão bibliográfica de fontes locais do SUS, com o objetivo de confrontar as informações apresentadas nas entrevistas com dados de fontes secundárias. 41 Outra fonte importante de dados foram os bancos de dados oriundos dos Sistemas de Informação do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Saúde Suplementar, que puderam qualificar e quantificar a cobertura do Programa de Saúde da Família e dos planos privados de saúde no Brasil e em Joinville. Mapa 1 - Bairros de Joinville, 2004. Fonte: Joinville, 2006 (adaptado pelo autor). Considerando a necessidade de se identificar diferenças e desigualdades em escala intramunicipal, optou-se por trabalhar com dados agregados no âmbito dos bairros de Joinville, que de acordo com dados de 2004, possuíam a seguinte configuração espacial (mapa 1). 42 Os mapas apresentados foram elaborados no software Terraview, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a partir dos dados coletados. Quadro 6 - Entrevistas estruturadas realizadas com a população nos bairros (letras) Identificação Entrevista a Entrevista b Sex M F Escolaridade Ensino médio Fundamental Idade 43 46 Bairro São Marcos Aventureiro Entrevista c F (4 anos) Fundamental 43 Aventureiro Entrevista d F (4 anos) Médio 20 Aventureiro Entrevista e F Médio 27 Aventureiro Entrevista f F 49 Anita Garibaldi Entrevista g M 53 Morro do Meio Falta hospital Entrevista h Entrevista i Entrevista j M M M Fundamental (8 anos) Fundamental (8 anos) n.i. Superior Fundamental Síntese Médico para os pobres; SUS é péssimo. Vala negra divide áreas e a questão da adscrição de clientela (PSF); “Só atendem se a pessoa estiver morrendo.” Mais médicos. Não nota diferença entre os Postos próximos (Rio do Ferro e Parque Joinville). Remédio é a bicicleta. O pessoal da invasão não sabe em qual posto vai. Acha que o SUS é bom. O povo é que é preguiçoso. Os ACS visitam, mas não dão consulta, então não adianta. Falta hospital e médicos. 39 30 35 Morro do Meio São Marcos São Marcos Entrevista k F 34 Nova Brasília Entrevista l F n.i. Boehmerwald Entrevista m M 53 Parque Guarani Entrevista n M (8 anos) Fundamental (8 anos) Fundamental (4 anos) Fundamental (8 anos) Superior Esgoto a céu aberto é problema de saúde O SUS é péssimo. O ACS não pode dar remédio. E a territorialização é incorreta pois tem que ir no Posto mais longe de casa. Hospitais são muito longe de casa. 25 Ademar Garcia Entrevista o F Superior 37 Costa e Silva Entrevista p M Médio 39 Boehmerwald Custo da passagem de ônibus é muito cara e dificulta ir ao hospital. As consultas nos especialistas são difíceis de conseguir. Falta médico que resolva no posto de saúde O SUS é péssimo. Falta médico e o hospital do centro está sempre cheio. Investir na educação também, pois ajuda na saúde. Fonte: Santos, A.A. As entrevistas estruturadas realizadas com a população foram identificadas com letras minúsculas (entrevista a, b, c, d, e, ...). Os quadros 4, 5 e 6 sistematizam e resumem informações básicas sobre as entrevistas realizadas com os informantes chaves e com a população. O Mapa 1 identifica os locais onde foram realizadas as entrevistas com a população. 43 Mapa 2 – Bairros onde foram realizadas entrevistas estruturadas com a população Fonte: Santos, A.A. Sobre o perfil dos entrevistados, registra-se que metade das entrevistas foi realizada com pessoas do sexo masculino. 44 A maioria das pessoas entrevistadas tinha entre 30 e 50 anos, e uma formação escolar variando entre 5 e 11 anos de escolaridade. Os bairros onde foram realizadas entrevistas são representativos do conjunto das diversas faixas de renda per capita do município, conforme apresentado no quadro 6. 45 3 O ESPAÇO E A SAÚDE EM JOINVILLE A análise da configuração espacial demanda um aprofundamento nos aspectos naturais, históricos, econômicos e sociais, em busca de evidências e articulações que permitam estudar a configuração espacial da rede de atenção a Saúde em Joinville. O levantamento sócio-espacial da escala municipal joga luz em importantes condicionantes do processo de configuração do sistema de saúde do município. 3.1 Espaço Natural O município de Joinville se localiza no litoral norte do Estado de Santa Catarina (figura 2), região sul do Brasil, e ocupa uma área de 1.120 km2 (Joinville, 1998, p. 13). O relevo desenvolveu-se sobre terrenos cristalinos da Serra do Mar e uma área de sedimentação costeira. A parte oeste do município situa-se no planalto ocidental, com altitude média de 800 metros e estende-se até os contrafortes da Serra do Mar. Na parte leste está uma região de planícies deposicionais, resultado de processos sedimentares aluvionais nas partes mais interioranas e marinhas na linha de costa, onde se encontram manguezais. (JOINVILLE, 1998, p. 13). O clima predominante na região, segundo a classificação de Koppen é do tipo mesotérmico, sem estação seca (JOINVILLE, 1998, p. 14). O município de Joinville possui mais de 640 km2 cobertos pela Floresta Atlântica, e 40 km2 cobertos por manguezais. (JOINVILLE, 1998, p. 14). A hidrografia local é fortemente influenciada por aspectos estruturais e geomorfológicos. A rede de drenagem natural da região apresenta formato dendrítico, com leitos encachoeirados e encaixados em vales profundos, com vertentes curtas nos cursos médio e superior. Nas planícies de inundação, apresentam baixa declividade e grande sinuosidade natural. (JOINVILLE, 1998, p. 15). Nas proximidades 46 da foz dos principais rios, a sedimentação de partículas de argila e a ação das marés criam condições específicas para o surgimento dos manguezais. (JOINVILLE, 1998, p. 15). Figura 2 – Joinville no Contexto Nacional e Estadual Fonte: Santos, A.A. (adaptado) 3.2 A Economia e a Infra-estrutura Joinville é o município mais populoso e industrializado de Santa Catarina. O parque fabril do município, com mais de 1.500 indústrias, emprega 58 mil funcionários e cresce em média 5,67% ano. Responsável por cerca de 20% das exportações catarinenses. Terceiro pólo industrial da Região Sul, Joinville figura entre os quinze maiores arrecadadores de tributos e taxas municipais, estaduais e federais. A cidade concentra grande parte da atividade econômica na indústria - que gera um faturamento industrial de US$ 14,8 bilhões por ano com destaque para os setores metal mecânico, têxtil, plástico, metalúrgico, químico e farmacêutico. O Produto Interno Bruto per capita de Joinville também é um dos maiores do país, em torno de US$ 8.456/ano (JOINVILLE, 1998, p. 10). 47 O município possui transporte ferroviário que tem como finalidade o transporte de cargas como farelo de soja, trigo, sucata, cerâmica, bentonita, óleo degomado, sorgo, aveia, milho, fertilizantes, minério de ferro, bombonas de aço, ferro gusa e refrigeradores. O município tem uma malha viária de 1.705,2 km, sendo 208,8 km de estradas vicinais e 1.496,4 km de viárias urbanas. Do total de vias urbanas, 682,5 km são pavimentadas (JOINVILLE, 1998, p. 18). A energia elétrica do município é gerada e distribuída pela CELESC - Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. Existem 07 subestações responsáveis que são: Subestações I, II, III, IV, V, Pirabeiraba e Santa Catarina. No município, 181.013 consumidores dispõem de energia elétrica (JOINVILLE, 1998, p. 20). Atualmente, o sistema de abastecimento de água de Joinville é atendido pela empresa pública “Águas de Joinville”, através de duas unidades de tratamento: Piraí e Cubatão, com capacidade nominal de tratamento de 550 l/s e 1.300 l/s, respectivamente, totalizando 1.850 l/s (JOINVILLE, 1998, p. 30). O sistema de distribuição de água é formado por sub-adutoras, reservatórios e redes de distribuição. Ao todo, são 11 centros de reserva dispostos na área urbana de Joinville, com capacidade de reserva da ordem de 37 milhões de litros. A rede de água é formada por uma malha de distribuição com extensão aproximada de 1.850 km. O município tem 11 reservatórios com capacidade de 37.090.000 litros. A rede de distribuição tem uma extensão de 1.830,331 km, com uma vazão de 1.830 litros por segundo. São atendidos 140.404 consumidores, com um consumo médio de 4.300.000 m3 por mês (JOINVILLE, 1998, p. 31). O município conta com rede de esgoto sanitário, que recebe tratamento através de lagoas de estabilização (duas unidades) do tipo australiano (lagoas anaeróbicas e lagoas facultativas em série), e como polimento lagoas de maturação com vazo atual de operação de 180 litros por segundo, o que permite atender 15.220 ligações residenciais, 4.691 ligações comerciais, 156 ligações industriais e 176 ligações públicas (JOINVILLE, 1998, p. 32). 3.3 História e saúde nos Primórdios da Ocupação de Joinville Os vestígios mais antigos, os sambaquis, indicam que desde 5.000 a.C existe ocupação na região de Joinville (CUNHA, 2003, p. 109). Por volta do final do século XVIII, famílias 48 luso-brasileiras ocuparam a região, como comprovam as concessões de sesmarias, principalmente em localidades das regiões leste, centro e sul do município (CUNHA, 2003, p. 109). Um casamento real deu novo rumo à história da região. O príncipe de Joinville, François d´Órleans, filho do rei Louis Philipe de França, casou-se com a princesa brasileira Dona Francisca, irmã do imperador do Brasil D. Pedro II, a 1º de maio de 1843, no Rio de Janeiro. Recebeu como parte do dote nupcial, grandes extensões de terras devolutas na então província de Santa Catarina. As terras foram escolhidas em 1844, pelo procurador do príncipe, o vice-cônsul da França no Brasil, Léonce Aubé. Nos anos de 1845-1846 procedeu-se à medição e demarcação de 25 léguas quadradas, que foram anexadas à Comarca de São Francisco do Sul (FICKER, 1973, p. 14) As dificuldades financeiras da família real indicaram a necessidade de levantar recursos com o dote. Em 1849 foi assinado um contrato entre a Sociedade Hamburguesa de Colonização e o príncipe e a princesa de Joinville (ele, filho do rei da França e ela, irmã do imperador D. Pedro II). Tal contrato estabelecia a cessão de 8 léguas quadradas (do dote recebido do Império brasileiro pelo casamento) à dita Sociedade, conforme indicado no mapa 3, para que fossem colonizadas por 1500 colonos em 5 anos, marca o início do mais determinante processo de ocupação da região (CABRAL, 1987, p. 228). A saúde dos moradores de Joinville, no final do século XIX e início do século XX foi muito influenciada pelo meio. O elemento condicionante natural, a falta de condições sanitárias e um conjunto de práticas e hábitos arraigados, desprovidos de preocupação sanitária, reforçou a proliferação de doenças, fato agravado pela proximidade de nichos ou focos naturais de doenças, áreas endêmicas, como a malária. O Brasil da época era considerado por vários autores como “um imenso hospital” (HOCHMAN, 1998, p. 64). Guedes (1996, p. 31), afirmou que “o Brasil oitocentista era um país doente: varíola, malária, febre amarela, cólera e tifo, dentre outras, atacavam, sem piedade, de norte a sul”. Santa Catarina ocupava papel marginal na economia do país, e a situação de atraso e também se fazia presente no Estado. 49 Mapa 3 - Identificação da área cedida a Sociedade Hamburguesa de Colonização, 1849 Fonte: Ficker, 1965 (adaptado pelo autor) Em 1852 a Colônia Dona Francisca possuía 679 habitantes, e 125 pessoas já haviam falecido, o que apontava para uma taxa de mortalidade de cerca de 155 por mil. (RODOWICZ, 1992, pg, 35). Apenas para comparar, em 1864, os números indicavam que a taxa de mortalidade no Rio de Janeiro eram de 25 por mil habitantes, Em Marselle, na França, a taxa de mortalidade chegava a 30 por mil e Florianópolis a 45 por mil. O período compreendido entre o final do século XIX e o início do século XX, apesar das baixas condições sanitárias, foi determinante para a delimitação territorial do sitio urbano. As dificuldades encontradas para manter atividade agrícola em escala econômica aliada ao desenvolvimento de outras atividades econômicas na região (erva-mate), proporcionou condições para o desenvolvimento de atividades de suporte a atividade econômica preponderante àquele momento. As condições para transformação de uma colônia agrícola para um espaço urbano estavam dadas. 50 3.4 O Início do Século XX O início do século XX marcou grandes transformações na estrutura econômica e social do País, que beneficiaram segmentos sociais específicos da população urbana em processo de aceleração de crescimento, em vista da intensificação dos movimentos migratórios de origem rural. Além disso, os frutos do acelerado desenvolvimento econômico, que se verificou em diversos momentos, não foram distribuídos com equidade, resultando em uma sociedade onde se ampliaram, ao longo do tempo, um conjunto de desigualdades sociais, tais como as regionais, étnicas e culturais. A vinda dos colonizadores proporcionou, à medida que Joinville se transformava em rota de escoamento da produção de erva-mate do planalto norte-catarinense, um milieu1 capaz de desenvolver a instalação de pequenas oficinas mecânicas e de conserto dos carroções que viabilizavam o transporte da erva-mate. A estrada Dona Francisca influiu decisivamente na expansão da indústria ervateira, pois cristalizou um fluxo de escoamento da produção de mate, propiciando condições de sustentação da uma economia de suporte de pequenas oficinas que trabalhavam com reparos nos carroções que faziam o trecho. Este aspecto reforçou a posição de Joinville como ligação e entreposto entre o planalto e o Porto de São Francisco do Sul, no abastecimento de suprimentos para a região (FICKER, 1965, p. 407). Com a expansão da indústria ervateira, surgiu a necessidade de ligação ferroviária da região com a linha férrea que ligava São Paulo ao Rio Grande do Sul. Esse ramal deveria ligar-se ao Porto de São Francisco do Sul e suas obras foram inauguradas em 1906. Destacase que o projeto do ramal ferroviário foi alterado para que passasse pelo centro de Joinville, pois no projeto original o ramal passava a 25 km ao sul da cidade (FICKER, 1965, p. 389) O processo advindo das atividades da erva-mate, principalmente no período compreendido entre 1880 e 1910, foi decisivo para a urbanização de Joinville. A condição proporcionada pelo modelo de organização da colônia (rural de pequenas propriedades), e 1 Processo descrito por Benko (1996, p. 76), ao estudar determinadas regiões da Europa. O milieu se forma a partir de um conjunto de características socio-espaciais, com “o ambiente local sendo levado a inventar e a utilizar novas estruturas econômicas e estruturais”. Benko caracteriza o milieu como um processo que ultrapassa a lógica da explotação e que cria, no hinterland de determinadas regiões, uma economia que se integra ao sistema de divisão de trabalho e de externalidade positiva. 51 pelo perfil de formação dos colonos, facilitou a instalação/ocupação mista residencial e fabril, para suporte de tais atividades, fato comprovado pelas grandes fábricas na área central da cidade existentes até os dias de hoje. A construção da ferrovia em 1906 materializou a inclusão de Joinville em novo estágio da economia regional catarinense, ressaltando o papel cada vez mais destacado de condutor do desenvolvimento regional, pelas características proporcionadas pela ocupação advinda da colonização. No nível local, a ferrovia cristalizou a criação de um fluxo de circulação na região oeste do município, de sentido mais transversal (leste-oeste), em oposição ao primeiro eixo de circulação (norte-sul) criado pelos colonizadores germânicos na localidade. Tais transformações tanto no plano federal, quanto no plano regional, refletiram-se nos índices de mortalidade, em especial os da mortalidade infantil, gerando um quadro denominado de transição epidemiológica e que colocou num mesmo espaço, um conjunto de problemas sanitários decorrentes da ocupação do espaço rural com os problemas advindos do processo de urbanização. Fortalece-se neste período o lento e consistente declínio de mortalidade, iniciado desde o princípio do século XX como reflexo da implantação de novas políticas sanitárias, mais coercitivas, implantadas como reflexo da Gripe Espanhola de 1918, conforme descreve Guimarães (2005, p. 19): A gripe espanhola, que tomou conta do país em 1918, teve impacto significativo sobre a percepção coletiva das relações entre doença e sociedade e sobre o papel da autoridade pública.(...) A epidemia produziu um consenso mínimo a respeito da necessidade urgente de mudanças na área da saúde pública ao atingir também as elites. Sob o impacto da gripe espanhola, o poder público avançou na sua capacidade de agir coercivamente sobre a sociedade, durante os anos 20. Em 1928, Joinville contava com 35 mil habitantes e a mortalidade era muito inferior as taxas nacionais da época. O total de 385 óbitos registrados no município no ano de 1928, por exemplo, indicou uma taxa de mortalidade de 11 por mil, enquanto a taxa nacional de mortalidade rondava os 25 por mil (YUNES, 1974, p. 15). A conseqüência do aumento do processo de urbanização em Joinville levou ao aumento do valor dos lotes urbanos, tornando-o uma mercadoria inacessível para grande parte da população migrante. 52 A urbanização, mais veloz que a industrialização, reorganizou o espaço, onde aos mais pobres restavam apenas os lugares mais distantes da cidade, lugares estes sem infra-estrutura adequada para moradia, sem serviços públicos, mas, infelizmente, a única opção que o mercado informal podia oferecer-lhe para fins do exercício do direito à moradia. O processo de urbanização que proporcionou a reorganização do espaço joinvilense, pressionou a transição do espaço rural formado por pequenas propriedades para um espaço urbano, industrial. O quadro de transição do rural para o urbano conformou o pior dos mundos sob o ponto de vista da saúde dos moradores de Joinville. O quadro de morbidade típico de áreas rurais foi mantido e um novo se instalou, típico de regiões em processo de industrialização com urbanização descontrolada, o que potencializou a morbidade e a mortalidade a partir dos efeitos negativos do processo de industrialização. A aglomeração, a falta de salubridade e saneamento, conjugados à migração e às doenças típicas do espaço rural, concentrou as fragilidades, doenças e mortes no espaço urbano. A transição epidemiológica nos país do terceiro mundo foi em geral a sobreposição dos problemas de saúde das áreas rurais com os das áreas urbanas, marcando esses espaços em que houve transição do rural para o industrial. Outro ponto importante, para o caso de Joinville, foi a necessidade sentida pelas empresas de contratar médicos nas indústrias e sindicatos, conforme afirmou Valentim (1997, p. 81). As indústrias já percebiam que era preciso criar condições para a recuperação do desgaste da força de trabalho, necessidade que foi sentida porque a falta de salubridade dos trabalhadores prejudicava o rendimento da produção industrial. Como a saúde era entendida como a capacidade de recuperação da força de trabalho, e não um direito a ser garantido a todos, tornando-se assim um problema individual, as empresas assumiram o papel de protagonista na criação de mecanismos que pudessem garantir a capacidade de recuperação da força de trabalho. 3.5 O Pós-Guerra A partir do final da 2ª Guerra Mundial, um período de prosperidade e desenvolvimento econômico se instalou, com reflexo, ainda que desigual, nos índices de mortalidade. Verifica- 53 se que a tendência de queda da mortalidade é mantida, embora menos acentuada. Em 1965, a mortalidade infantil no Brasil caiu para 116 por mil. A mortalidade infantil caiu mais vagarosamente no período compreendido entre 1960 e 1970 devido a crise social e econômica vivenciada pelo País. A ditadura no Brasil, nos anos 60, provocou a centralização e a concentração do poder institucional, fortalecendo a visão da medicina científica no país (LUZ, 1991). Articulada com os problemas do êxodo rural e da pressão demográfica sobre os grandes centros urbanos, que foram muito acentuados, a concentração provocada pela medicina flexneriana e representou uma pressão adicional sobre os serviços de infra-estrutura e de atendimento público. O sistema de assistência médica organizado no tempo da ditadura, flexneriano, foi incapaz de responder a crescente pressão da massa assalariada urbana pela ampliação e melhoria do sistema de saúde. A complexidade do quadro foi acentuada devido a inflação médica, isto é, o aumento desproporcional dos custos dos procedimentos médicos, que provocou a elevação dos custos da assistência médica, devido às transformações científicas da medicina, centrada no hospital, nos medicamentos e equipamentos médicos. A conjugação levou a uma crise sem tamanho (BRASIL, 2005b, p. 46). A crise do setor saúde e a reação a ditadura gerou um caldo de produção intelectual orgânica pela mudança com inovação. Um grupo de intelectuais vinculados ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) ainda na ilegalidade, e várias lideranças políticas do campo da oposição à ditadura, começavam a discutir os problemas da saúde brasileira. O grupo entendia que saúde se constituía em direito do cidadão e buscava um modelo de sociedade alternativo ao que estava posto, oferecendo os contornos básicos da chamada “Reforma Sanitária”. Em Joinville, as oportunidades geradas pela crise do sistema capitalista dos anos 30 do século XX, e as 1ª e 2ª grandes guerras mundiais, todas estimuladoras de políticas de substituição de importações, intensificaram o processo de parcelamento do solo no centro da cidade e nas proximidades da região sul de Joinville. A partir da década de 50, o processo de industrialização de Joinville deu nova dinâmica à urbanização da região, ampliando a extensão do tecido urbano para as regiões norte, oeste e sul de Joinville, agudizando problemas relativos a transformação do uso do 54 espaço, com a expansão do “tecido urbano” 2 . Os estudos de Santana (2000, p. 67) demonstram que um segundo momento se revela a partir do processo de industrialização da cidade de Joinville – a partir dos anos 50, que resultou em um crescimento vertiginoso da população, demandando grande mobilidade social de outras áreas da região sul do país, que viria a se expressar na reorganização da cidade, pois essa nova população precisava ser assentada em algum lugar. Os vetores da expansão do tecido urbano de Joinville apontavam, no período de 1967/1976, em direção ao norte, seguidos pelas zonas oeste e Sul. Santana (2000, p. 75) relata que a tendência de ocupação dessas áreas se explica pelo fato de se constituírem nas periferias em expansão, menos equipadas em termos de infra-estrutura urbana e comunitária, e que por isso mesmo tinham no baixo preço da terra o mecanismo de viabilização dos loteamentos populares. A fragilidade da função agrícola que sustentava o uso das regiões norte, oeste e sul de Joinville, tornou-as anti-econômicas frente à necessidade de espaço para alojar as massas de migrantes que vinham de várias regiões de Santa Catarina e de outros estados em busca de uma oportunidade de trabalho, no pujante complexo industrial metal-mecânico que se expandia. Joinville viveu neste período a consolidação do modelo da medicina científica. O Hospital São José, maior hospital público da região nordeste de Santa Catarina, criado no início do século XX com a finalidade de atender aos pobres e desvalidos da região, tornou-se ao longo de meados dos anos 50 no mais importante hospital público da região. A crise no modelo de saúde brasileiro representou momentos difíceis para o Hospital São José. Entre os anos 1960 a 1980, as crises se sucederam, originadas pelo modelo médico privatista implantado no país e adotado no São José, e que lavaram à permanente defasagem nos valores pagos por procedimento médico pelo INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, os freqüentes atrasos e a grande inflação da época (VALENTIM, 1997, p. 302). O modelo dual e separado, com a assistência curativa separada da dimensão preventiva e de promoção, e com as ações de âmbito municipal desvinculadas das ações executadas pelo 2 Tecido urbano é um Termo trabalhado por Lefebvre (1969, p. 16) ao explicar como é o processo de expansão do modo de viver urbano, da emergente sociedade urbana, 55 governo estadual e federal, foi o modelo para a saúde de Joinville até a aprovação da nova Constituição Federal, em 1988. A prova da fragilidade do sistema foi representada pela convivência do modelo público, com um aparato médico-privado cooperativado, que ofertava cobertura a parcela significativa da população, através de convênios firmados entre as indústrias sediadas no município. Em meados dos anos 1980, a União dos Médicos (UNIMED) chegou a ter 1/3 da população de Joinville como cliente (VALENTIM, 1997, p. 146). O fato da Secretaria Municipal de Saúde ter sido criada somente em 11 de novembro de 1987, através da lei municipal 2188 (SANTOS, H, 2005, p. 25), indica a distância que havia entre a gestão municipal e a responsabilidade com uma política de saúde pública. 3.6 A promulgação da Constituição Cidadã e o SUS Com promulgação da Constituição Federal, que consolidou um processo de radical transformação do sistema de saúde brasileiro, Joinville acelerou o processo de reorganização do modelo de gestão da saúde. Desde 1990, a transferência de responsabilidades de saúde para os municípios foi materializada em Normas Operacionais, editadas pelo Ministério da Saúde. Nesse sentido, foram editadas a Norma Operacional Básica (NOB) SUS 01/91 e a NOB/SUS 01/92, enfatizando a necessidade da descentralização das ações e serviços de saúde. A partir de 1990, houve um processo de municipalização de unidades de saúde geridas pelos governos estaduais e federal. O desafio da implantação do SUS em todo o país, e em Joinville isso não foi diferente, consistiu em articular as ações, antes dispersas nos governos federal, estadual e municipal, no âmbito curativo, da prevenção de doenças e de promoção da saúde. Outro desafio foi criar condições políticas para a implantação da proposta da universalização do acesso à saúde. O principal ator na definição da política municipal de saúde, a classe médica, defendia a manutenção do modelo hegemônico, apontando a necessidade de um sistema de serviço de saúde pública voltado somente aos pobres. Exemplo dessa defesa foi a aprovação da Carta de Joinville, em 1996, em evento nacional organizado pela classe médica de Joinville e que expressa claramente sua opção por “estimular, ao 56 máximo, programas de medicina comunitária e outros que atinjam as populações mais carentes (VALENTIM, 1997, p. 149). Neste quadro, em que a inadequação do modelo de gestão pré-SUS se materializava, frente aos novos desafios, foi preciso oferecer respostas, readequando a estrutura organizacional da Secretaria Municipal de Saúde aos desafios propostos pela Reforma Sanitária. A implantação de regiões de saúde, seguindo a lógica dos distritos de saúde, foi um dos primeiros atos da Secretaria Municipal de saúde, em busca da integração da rede assistencial. As regionais de saúde de Joinville foram identificadas a partir do conceito de distrito trabalhado pelo Ministério da Saúde. De acordo com o Ministério da Saúde, o distrito seria a unidade mínima operacional e administrativa do SUS, implicando numa delimitação geográfica concreta, norteada pelos princípios do SUS, e que correspondesse a uma parte de um município, permitindo a divisão dos serviços de saúde no âmbito municipal (BRASIL, 1990, p. 12) O município, de acordo com a Entrevista 01, foi dividido em 07 distritos ou regionais de saúde (Centro, Floresta, Boa Vista, Costa e Silva, Vila Nova, Aventureiro e Pirabeiraba). Atualmente, são 9 as regionais de saúde, conforme apresentado no mapa 4. Através da entrevista 1, realizada com integrante da equipe dirigente da Secretaria Municipal de saúde à época, soube-se também que o arranjo institucional criado para dar sustentação as mudanças foi precário. Não houve uma lei municipal que redefinisse os cargos e responsabilidades, e tudo foi realizado no limite da capacidade do gestor de programar as mudanças naquele momento (entrevista 1). Esta informação auxilia a entender a dificuldade dos municípios em se adequar ao novo momento em que assumia responsabilidade pela garantia da oferta a saúde. Um processo novo, conduzido por uma instituição nova (a Secretaria Municipal de Saúde tinha menos de três anos à época), tentava romper com estruturas instituídas há muito tempo. Romper com o antigo modelo, que operava dentro de uma lógica fragmentada, baseada no pagamento de procedimentos médicos, e separava a prevenção da assistência médica, implicava em ousar e romper com antigas práticas, centradas no médico e no hospital. A materialização dos princípios do SUS no município significava a fragilização de importantes grupos políticos, ligados a planos privados de saúde. 57 Mapa 4 - Regionalização da saúde de Joinville, 2004 Fonte: Santos, A.A. 58 O princípio da participação popular na definição da política de saúde, através dos Conselhos de Saúde, com representantes eleitos, foi uma conquista do processo constituinte que precisou ser conquistado na prática. Estes espaços formais deveriam atuar como possibilidade concreta de fiscalização e de formulação de política públicas de saúde. Entretanto, este espaço político de luta nem sempre é ‘dado de graça’, mas conquistado pelas forças e organizações democrático-populares. No Brasil, em muitos municípios e mesmo estados onde a tradição de participação da sociedade civil é fraca, os conselhos são inexistentes na prática, ou muitas vezes apenas formais e manipulados pelas forças políticas dominantes. Em outras palavras, sua efetivação real constitui um processo de luta e conquista, através de uma aliança entre gestores comprometidos, organizações profissionais, organizações populares e de usuários/familiares, sindicatos, etc. (VASCONCELLOS, 2001, p. 33) No caso de Joinville, o processo de conquista da efetivação do princípio constitucional demandou por parte dos movimentos sociais e populares uma grande mobilização. A demanda dos movimentos sociais do município pela implantação do Conselho foi intensa e marcada por disputa judicial. Após muita luta um projeto de lei foi apresentado pelo poder executivo, que se materializou em 22 de março de 1991 através da lei municipal 2503. O Fundo Municipal de Saúde foi criado logo a seguir, através da lei 2752, de 24/11/1992. (SANTOS, H, 2005, p. 25-26). Os primeiros passos para o município se ajustar as leis federais 8.080 e 8142, denominadas “Lei Orgânica da Saúde” fora dado. A eleição de 1992 para prefeito e vereadores foi um marco para a saúde de Joinville. A pressão popular pela efetivação do direito a saúde levou Joinville a um crescimento não planejado das unidades de saúde. A pressão das comunidades por melhoria na qualidade da saúde levou o Prefeito a responder com a implantação dezenas de Postos de Saúde3, como forma de buscar votos. A entrevista 1 trouxe elementos importantes para entender a dinâmica de instalação dos Postos ou Unidades Básicas de Saúde. 3 Posto de Saúde, ou unidade de saúde, de acordo com documento do Ministério da saúde, é a unidade de saúde que presta assistência a uma população determinada, estimada em até 2.000 habitantes, utilizando técnicas apropriadas e esquemas padronizados de atendimento. Não dispõe de profissionais de nível superior no seu quadro. permanente, sendo a assistência prestada por profissionais de nível médio ou elementar, com apoio e supervisão. (BRASIL, 1990, p. 7) 59 A eleição estava se aproximando, e era preciso oferecer uma resposta para a população. Como a pressão vinha de setores organizados, uma das opções adotadas foi a instalação de Postos de saúde nos espaços das entidades demandantes, como associações de moradores, centros sociais urbanos e igrejas. (entrevista 1) O movimento de implantação de postos ou unidades de saúde sem planejamento fragilizou a garantia do acesso à saúde. Postos de saúde em locais inadequados, sem a estrutura mínima necessária a realização de exames clínicos e consultas dos profissionais de saúde, geraram sentimento de falta de credibilidade junto a população, agravando o problema na medida que aumentava a demanda por mais hospitais. A entrevista 2, realizada com gestora de uma regional de saúde do município à época de implantação do PSF, destacou os problemas enfrentados pela expansão desorganizada e sem planejamento das Unidades de Saúde no início dos anos 1990, e que cobrava seu preço no começo de 1995. A localização inadequada destes postos de saúde levou a população a “pular” o atendimento no posto, buscando auxílio no ponto socorro do hospital São José, no centro da cidade. O gestor municipal da saúde tentou atenuar o problema criando um Pronto Atendimento (PA) na região sul da cidade, com o objetivo de desafogar o pronto socorro do hospital São José, localizado no centro (entrevista 2). Apesar do esforço na instalação dos postos ou unidades de saúde, a gestão de saúde (entrevista 1) observou que a falta de resolutividade e capacidade instalada para realizar procedimentos básicos de atenção a saúde, levou a população a ignorar esta porta de entrada no sistema de saúde. Muitas unidades acabaram sendo apelidadas em várias comunidades, como “postes de saúde”, devido a essa fragilidade. Algumas entrevistas realizadas junto a população puderam captar este sentimento, ilustrando essa má impressão, pois pessoas com plano de saúde, moradoras em área sem PSF, que nunca haviam visitado a Unidade de Saúde, destacaram com veemência a inoperância da unidade de saúde da região, justificando a necessidade de um plano de saúde “para se garantir”. (entrevistas “a” e “i”). 60 Apesar dos esforços oriundos do processo de normatização que buscava implantar o SUS no Brasil, materializado com as (NOB) SUS 01/91 e a NOB/SUS 01/92, somente com a Norma Operacional Básica (NOB) 01/93 foi dada mais ênfase na municipalização da atenção a saúde. A NOB 01/93 estabeleceu as condições de habilitação dos municípios aptos ao repasse de transferências do Fundo Nacional da Saúde, e definiu critérios de acordo com as condições de gestão (incipiente, parcial, semiplena), com transferência direta de recursos para os fundos municipais de saúde. A NOB 93 também instituiu a constituição espaços de pactuação de políticas e estratégias integradas de saúde, com as Comissões Intergestores Bipartites (CIB) e Comissão Intergestores Tripartite (CIT). As CIBs se constituíram como espaços estaduais de pactuação, reunindo representantes dos gestores municipais e o gestor estadual de saúde. A CIT se formou como o espaço nacional de pactuação, reunindo representantes dos gestores municipais, estaduais e o gestor federal da saúde. A criação dos espaços de pactuação (CIB e CIT) colocou Joinville no mapa nacional da gestão da saúde, devido a capacidade de articulação política do Secretário Municipal de Saúde da época, que integrou o COSEMS (Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde) e o CONASEMS (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde), chegando a participar ativamente das reuniões da CIT . Em 1994, a CIT pactuou a implantação do Programa de Saúde da Família (PSF) como estratégia de reorientação dos serviços de atenção básica à saúde. O PSF representou uma estratégia estruturante dentro do processo de reorganização da atenção à saúde nos municípios brasileiros e sua implantação procurou substituir as antigas práticas, baseadas na valorização do hospital e focadas nas doenças por práticas com foco na promoção da saúde e na participação da comunidade. Foram 55 os municípios que primeiro implantaram o PSF, formando 328 Equipes de Saúde da Família4. Joinville estava entre os primeiros municípios do país a implantar o PSF no Brasil. De Santa Catarina, somente Joinville, devido a sua liderança política na CIT e Criciúma integravam o projeto piloto. Para pensar a implantação do PSF em Joinville, foi criado um grupo de trabalho, que mapeou o município de Joinville e identificou as áreas de 4 cada equipe, desde então, é composta por 1 médico, 1 enfermeiro, 1 auxiliar de enfermagem e de 4 a 6 agentes comunitários de saúde. 61 maior risco de adoecer e morrer. A partir desta identificação, foram definidos os locais onde o PSF começaria a ser implantado. O plano elaborado para implantação do Programa de Saúde da Família buscou, segundo a entrevista 1 “dar um abraço na cidade” (entrevista 1), a partir das áreas mais pobres e de risco social, situada nas periferias distantes do centro da cidade. A idéia de priorizar as regiões das periferias pobres estava em acordo com as diretrizes nacionais do Programa (BRASIL, 2001, p. 70), o que representou uma opção por beneficiar as pessoas mais necessitadas e com maior grau de vulnerabilidade social e foi um aspecto fundamental para o entendimento espacial do acesso a saúde em Joinville. Todas as áreas identificadas para implantação do PSF em Joinville se constituíam em espaços de recente expansão urbana, verdadeiras franjas, com população composta em sua maioria por migrantes, em áreas com pouca ou nenhuma infra-estrutura urbana. Novamente a dificuldade para operacionalizar a gestão dos serviços levou ao processo de rediscussão da normatização do SUS. O processo de discussão entre as várias esferas da gestão do SUS apontou vários problemas e uma nova Norma foi pactuada - a NOB SUS 01/96. A NOB SUS 01/96 procurou redefinir as condições de gestão dos municípios – Gestão da Atenção Básica e Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde –, e estados – Gestão Avançada e Gestão Plena do Sistema Estadual. Esta norma possibilitou uma expansão mais acelerada da rede de serviços municipais de saúde. No momento da publicação da NOB SUS 01/96, o município de Joinville já contava com 15 equipes de saúde da família, e o governo federal consolidava o PSF como resposta federal para reorganização do sistema de saúde pública. Em 1998, a implantação do Piso de Atenção Básica (PAB), definindo responsabilidades sanitárias aos entes federados e um repasse financeiro regular e automático per capita, foi outra transformação no modelo de financiamento da atenção básica, sendo uma das principais medidas tomadas pelo Ministério da Saúde para viabilizar a organização da atenção básica à saúde nos municípios brasileiros. O PAB destinou um montante de recursos financeiros per capita exclusivamente para ações básicas de saúde, independentemente de sua natureza - de prevenção, promoção ou recuperação. Os recursos poderiam ser utilizados tanto para custeio de despesas correntes, como para aquisição de materiais permanentes ou para realização de obras de construção ou 62 reforma de unidades. A transferência ocorria de forma regular e automática, do Fundo Nacional de Saúde para os fundos municipais. Foi uma modalidade de transferência de recursos que viabilizou estratégias de mudança de modelo, pois escapou da lógica centrada no pagamento por procedimentos médicos. Somente com a descentralização dos recursos e a flexibilização da sua utilização em acordo com as prioridades definidas pela gestão municipal foi possível planejar. Uma das estratégias planejadas, justificada pela necessidade de descentralizar e aproximar dos moradores os atendimentos de emergência, e levou a criação do Pronto Atendimento (PA) da zona sul da cidade, assim como um PA da zona norte. Um último elemento foi importante para o entendimento do momento atual do SUS no município de Joinville foi a instituição da Norma Operacional de Assistência a Saúde (NOASSUS 2001). As dificuldades advindas com o processo de atomização da assistência a saúde, levou o Governo a empreender esforços no sentido de definir regiões de saúde, que pudessem otimizar a eficiência da prestação de todos os níveis de assistência. A Norma Operacional de Assistência à Saúde, introduziu na normalização do SUS o Plano Diretor de Regionalização/PDR, como proposta de ordenamento do processo de organização da assistência à saúde. A NOAS buscou identificar as funções de cada município no sistema de saúde da região e suprir as iniqüidades na atenção à saúde. Para isso, identificou um conjunto de ações de atenção básica, que deveriam estar disponíveis em todos os municípios, e a criação de incentivos para a criação de unidades referenciadas capazes de atender as demandas de saúde de um conjunto maior de pessoas, dada uma localização geográfica adequada. A NOAS procurou garantir uma maior flexibilidade da solução dos problemas regionais na área da saúde, pois permitiu que Planos fossem elaborado de acordo com as especificidades epidemiológicas, sanitárias, geográficas, sociais e no acesso aos serviços de saúde de cada região. 3.7 O SUS na Atualidade Todo o histórico apresentado na escala federal e seus rebatimentos no plano municipal, configuraram em 2004 um desenho assistencial da saúde de Joinville que proporcionou um aumento do acesso aos serviços de saúde, e vários dados provam isso. 63 Para confirmar essa tese, podem ser apresentados dados como a evolução do número de consultas, de equipes de saúde da família e agentes comunitários de saúde. Os números mostram que houve um aumento expressivo do número de consultas médicas a população no período, como demonstra a Quadro 7. Em 1998 foram realizadas em Joinville pela rede pública de serviços de saúde um total de 10.504 consultas médicas. Este número chegou a 148.231 consultas em 2004. Quadro 7 – Número de consultas médicas realizadas na rede pública de Joinville, 1998-2004 Ano Número de consultas 1998 10.504 1999 35.741 2000 53.848 2001 75.684 2002 58.435 2003 100.585 2004 148.231 Fonte: Brasil, 2007b. O significativo aumento do número de consultas entre 1998, primeiro ano em que os dados consultados se mostraram disponíveis, e 2004, pode ser creditado ao fortalecimento da rede de atenção básica, principalmente no investimento realizado pelo município no aumento de equipes de saúde da família, o que também é confirmado pelas entrevistas realizadas com os gestores da época. Todas as entrevistas ressaltaram o compromisso dos diversos gestores de saúde que passaram pela Secretaria Municipal de Saúde com o projeto de implantação do SUS. O Quadro 8 identifica a evolução da implantação do Programa de Saúde da Família (PSF) no município, e é possível identificar a importante ampliação do número de equipes de saúde da família (ESF) e de agentes comunitários de saúde (ACS). 64 Os 29 agentes comunitários de saúde que Joinville contava em 1998 passaram a 411 em 2004. As 15 equipes de saúde da família existentes em 1998 chegaram a 43 equipes implantadas em 2004 (BRASIL, 2007b). Quadro 8 – Número de ACS e de ESF implantados em Joinville, 1998-2004 Ano ACS implantados ESF implantados 1998 29 15 1999 32 23 2000 32 23 2001 69 23 2002 86 23 2003 196 31 2004 411 43 Fonte: Brasil, 2007b O quadro 9 apresenta a evolução da população de Joinville no período de 1998 a 2004, importante para apresentar como a evolução da implantação das equipes de saúde da família foi superior ao crescimento populacional da cidade no período, ampliando o acesso da população a rede básica de serviços. Cruzando o número de consultas com a população, foi possível elaborar um novo quadro (quadro 10), identificando o número de consultas per capita. O quadro 10 apresenta um aumento real no número de consultas na rede pública de Joinville, per capita, passando de 2,6 consultas por habitante em 1998 para 32,1 consultas em 2004. Entretanto, os dados apresentados não revelam as desigualdades existentes no acesso a saúde de Joinville, e o que poderia ser uma demonstração inequívoca do sucesso do SUS, ratificada por inúmeros dados, ganha novos contornos quando observado do ponto de vista espacial, considerando que existe uma importante camada da população, que está localizadas em bairros de classe média e baixa de Joinville, que não tem garantido o acesso a saúde. 65 Quadro 9 - População de Joinville, 2000-2004 Ano população 1998 399.943 1999 409.142 2000 429.604 2001 446.064 2002 453.765 2003 461.578 2004 463.057 Fonte: Joinville, 2006 Apesar de todos os dados apresentados até o momento ressaltarem o aumento real do acesso à saúde pública em Joinville, o acesso não é igualmente garantido ao conjunto dos habitantes de Joinville. O processo de evolução de implantação do Sistema Único de Saúde, a partir do levantamento realizado, quando observado sob o viés espacial, possibilitou identificar que a garantia do acesso aos serviços de saúde se deu de forma desigual no espaço, isto é, nem todos tiveram garantido seu acesso ao sistema de saúde, e esta desigualdade foi observada espacialmente. Quadro 10 – Número de consultas per capita em Joinville, 1998-2004 Ano Número de consultas per capita 1998 2,6 1999 8,7 2000 12,6 2001 17,0 2002 13,1 2003 22,2 2004 32,1 Fonte: Santos, A.A. 66 As informações colhidas no Sistema de Informações da Atenção Básica do Ministério da Saúde informam que em dezembro de 2004, havia um total de 141.927 habitantes vinculados a ESF, ou 30,6% da população do município (quadro 12). Quadro 11 - Indicadores de cobertura da Atenção Básica (PSF) em Joinville, 2000-2004 Ano População coberta % população coberta 2000 77.221 18,0 2001 77.230 17,3 2002 76.712 16,9 2003 96.302 20,9 2004 141.927 30,6 Fonte: Brasil, 2007b Este percentual era 18% em 2000, o que significa que o número de pessoas cobertas pelo PSF em Joinville quase dobrou no curto período de quatro anos. Por outro lado, informações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informam que no ano de 2000, haviam 204.416 pessoas vinculadas a planos privados de saúde, ou 47%,6 da população de Joinville. Em dezembro de 2004 esse número havia diminuído para 163.018 habitantes de Joinville cadastrados como beneficiários de planos privados de saúde, ou 35,1% da população (quadro 12), o que significa que houve uma redução significativa de pessoas, superior a 12%, que buscaram garantir o acesso a saúde através de planos privados. 67 Quadro 12 – Número de pessoas cobertas por Assistência Médica Privada por ano de Competência em Joinville, 2000 - 2004 Competência Total % da população coberta 2000 204.416 47,6 2001 158.449 35,5 2002 161.345 35,6 2003 155.605 33,7 2004 163.018 35,1 Fonte: Brasil, 2007a Logo, excluindo os que tinham acesso a saúde através do PSF e dos planos privados de saúde, foi possível identificar em dezembro de 2004, 158.112 habitantes de Joinville, ou 34,1% da população, que dispunha como porta principal de entrada no sistema de saúde as unidades de saúde “não PSF” ou as portas dos hospitais públicos. Fica evidente que este contingente de mais de 34% da população não tem garantido o acesso a saúde, visto que se trata de um acesso hospitalar não integrado com políticas de prevenção e promoção da saúde, e essa falta de acesso prejudica o funcionamento de toda a rede de saúde do município. A fragilidade na garantia do acesso a saúde também fica evidenciada em documentos da Secretaria Municipal de Saúde. O Plano Municipal de Saúde de Joinville para o quadriênio 2006-2009, por exemplo, apresenta de maneira sintética todas as dificuldades já identificadas, assim como os motivos que, na visão da Secretaria, impedem o real acesso à saúde ao conjunto da população de Joinville. O Plano Municipal de Saúde (PMS) de Joinville para o quadriênio 2006-2009, foi organizado pela equipe gestora da Secretaria Municipal de Saúde de Joinville, e se constitui em documento fundamental para o processo de desenvolvimento das ações do município, visto que foi apresentado e aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde. O Plano apresenta uma análise com as dificuldades, ameaças, fortalezas e oportunidades do sistema municipal de saúde. Uma das principais fraquezas apontadas no documento é a dualidade do sistema de saúde implantado em Joinville, caracterizado como 68 “Modelo hospitalar” e identificando-o como um Modelo de atenção em saúde curativo (JOINVILLE, 2007, p. 18). A fraqueza, quando analisada de maneira articulada a identificação dos diversos condicionantes de saúde do município, também apresentada no Plano Municipal de Saúde 2006/2009, revelou vários aspectos relevantes da situação de organização do sistema de saúde de Joinville: a) Demanda não apropriada para serviço de emergência; b) Emergência lotada (devido à proximidade da BR 101, indústrias, e rede básica insuficiente); c) Demora no atendimento de solicitações de procedimentos de média e alta complexidade; d) Grandes deslocamentos dos usuários para coleta de material para exames de análises clínicas; e) Insatisfação da clientela usuária devido: a demora ou ausência do atendimento, condições ambientais da espera, objetividade do atendimento (devido à sobrecarga dos profissionais) e inadequação do discurso e comunicação; f) Grandes distâncias para acesso ao atendimento na atenção básica; g) Oferta de serviços inferior aos parâmetros assistenciais vigentes; h) Insuficiência de equipamentos necessários à realização dos procedimentos nas Unidades Básicas de Saúde(JOINVILLE, 2007, p. 16). Todas as informações trazidas pelo Plano Municipal de Saúde reforçam e validam as informações já levantadas, indicando a existência de disputa entre os modelos de atenção a saúde, e como essa disputa vem limitando a efetivação da garantia do acesso a saúde pelo conjunto da população de Joinville. 69 Mapa 5 – Distribuição espacial dos equipamentos de saúde do município de Joinville, 2004 Fonte: Santos, A.A. 70 Quando se observa no mapa a espacialização dos equipamentos públicos de saúde de Joinville em 2004 (mapa 5), fica nítida a falta de unidades básicas de saúde nos bairros que compõem a região central da cidade. Também é possível visualizar a espacialização dos equipamentos hospitalares de uma maneira que segue a lógica da “Teoria do Lugar Central”, uma vez que os mesmos se encontram nos espaços centrais/nobres da cidade. E para entender os motivos que levam a falta de unidades básicas de saúde na região central da cidade, foi preciso identificar as diferenças advindas da renda per capita agrupada por bairro da população de Joinville (quadro 13). Quando se identifica as diferenças de renda per capita por bairro, se observa a concentração da população mais rica do município nos bairros do centro da cidade. As características de uma cidade média com perfil industrial justificam o achatamento na renda das parcelas da população com renda per capita menor, com um grande parcela da população ganhando menos que um salário mínimo, e uma outra grande parcela da população ganhando entre 1 e 2 salários mínimos. Para atingir os objetivos propostos, visando identificar as parcelas descobertas do acesso a saúde pública, foi necessário realçar uma divisão dos bairros de Joinville em três tercis, levando em consideração o salário mínimo da época, fixado em R$ 260,00 (BRASIL, 2004a). Esta divisão em tercis caracterizados por uma divisão centrada em salários mínimos, foi mais adequada pelo perfil achado da base, formado por um grande números de bairros de periferia com baixa renda per capita (até 2 salários mínimos), o que em uma divisão típica por classes sociais ou por quartis, não produziria o destaque necessário para o tercil médio, formado pelos bairros que possuem renda per capita entre 1 e 2 salários mínimos. O primeiro tercil foi identificado pelos bairros com maior renda per capita (2 salários mínimos ou mais) - Atiradores, Centro, Anita Garibaldi, América, Bucarein, Glória, Santo Antônio e Saguaçú. O segundo tercil foi identificado pelos bairros com renda per capita entre 1 e 2 salários mínimos – Costa e Silva, Bom Retiro, Floresta, Guanabara, Pirabeiraba, São Marcos, Iririú, Boa Vista, Itaum, Vila Nova, Nova Brasília, Petrópolis, Jardim Iririú, Aventureiro, Boehmervaldt. 71 Quadro 13 – Renda per capita e população dos bairros de Joinville, 2004 Bairro Atiradores Centro Anita Garibaldi América Bucarein Gloria Santo Antonio Saguaçú Costa e Silva Bom Retiro Floresta Guanabara Pirabeiraba São Marcos Iririú Boa Vista Itaum Vila Nova Nova Brasília Petrópolis Jardim Iririú Aventureiro Boehmervaldt Santa Catarina Jardim Sofia Ulysses Guimarães Adhemar Garcia Espinheiros Comasa Jarivatuba João Costa Itinga Rio Bonito Dona Francisca Parque Guarani Paranaguamirim Fátima Itoupava-Açú Morro do Meio Vila Cubatão Jardim Paraíso TOTAL Renda per capita 1.764,31 1.719,23 1.102,73 1.102,73 915,43 880,93 832,93 786,60 487,69 476,35 467,47 445,82 406,97 390,42 379,00 377,81 352,21 302,87 279,34 272,88 270,63 269,69 261,04 254,21 243,95 241,94 241,94 239,01 238,95 238,14 236,40 235,36 226,21 225,21 221,93 221,93 219,45 189,81 189,61 171,69 171,69 Fonte: Joinville, 2006. População 4.834 4.868 8.419 10.851 5.743 9.023 5.203 12.220 24.499 10.414 18.666 10.325 4.357 2.722 23.464 18.236 12.709 17.243 13.051 14.353 21.053 33.395 15.656 10.000 3.482 6.726 8.660 6.744 20.927 12.898 2.632 16.875 5.635 1.203 10.124 14.671 16.565 1.349 8.145 1.182 13.935 463.057 72 Mapa 6 – Renda per capita (R$) por bairro de Joinville, 2004 Fonte: Santos, A.A. O terceiro tercil foi formado pelos bairros com renda per capita até 1 salário mínimo Santa Catarina, Jardim Sofia, Ulysses Guimarães, Adhemar Garcia, Espinheiros, Comasa, 73 Jarivatuba, João Costa, Itinga, Rio Bonito, Dona Francisca, Parque Guarani, Paranaguamirim, Fátima, Itoupava-Açú, Morro do Meio, Vila Cubatão, Jardim Paraíso. A partir da divisão em três tercis, foi possível compreender melhor os limites da garantia do acesso a saúde pública de Joinville. Com o quadro 13 foi possível identificar esses três grandes grupos de bairros, que com sua características peculiares, materializam de forma diferenciada a garantia do acesso a saúde do município. A existência de uma forte desigualdade espacial cristalizadora dos espaços dos ricos e dos pobres em Joinville foi identificada, e pode ser observada no mapa 6, que espacializou esta desigualdade. É possível observar no mapa 6 que os bairros do centro de Joinville são aqueles que concentram a população mais rica e que os bairros da periferia distante do município como os que concentram a população mais pobre, oferecendo um caminho para identificar onde estão os clientes dos planos privados de saúde, e onde estão os clientes do PSF. A partir da espacialização da desigualdade social existente em Joinville, foi possível inferir como alguns bairros possuem acesso a saúde e outros não. A análise geográfica dos dados apresentados até o momento indica uma relação espacial muito forte entre a alta renda per capita ou a existência em seu bairro da equipes de saúde da família com a capacidade das pessoas terem garantido o acesso aos serviços de saúde em Joinville. 74 4 OS LIMITES ATUAIS DA GARANTIA DO ACESSO A SAÚDE Procura-se, neste capítulo, analisar dois aspectos importantes da saúde pública brasileira em cidades médias e em Joinville em particular: primeiro, como a configuração espacial da rede do Programa de Saúde da Família nas cidades médias similares a Joinville conformou os limites do processo de reforma sanitária, freando a capacidade de efetivar a universalidade do acesso à saúde a parcela da população enquadrada em faixas médias de renda. Segundo, como a não-efetivação da universalidade do acesso à saúde em Joinville provocou um grande vazio de atenção básica, que sobrecarrega a rede hospitalar publica municipal, conformado principalmente por bairros com renda entre 1 e 2 salários mínimos, não cobertas pelo PSF. 4.1 Limites da Reforma Sanitária A década de 1990 foi um marco para a gestão da saúde pública no Brasil, apesar do avanço das políticas neoliberais no país. Os atores do campo da saúde coletiva conseguiram incluir na agenda política decisória do Governo Federal, ações, diretrizes e estratégias voltadas para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde. Depois de muitos anos desenvolvendo ações e investimentos de maneira dicotomizada, separando as ações de prevenção/promoção das ações de recuperação da saúde, e priorizando aquelas centradas no hospital, realizando repasse de recursos calculados com base em realização de procedimentos médicos, o Ministério da Saúde procurou reorientar a política de financiamento dos estados e municípios Buscaram-se estratégias que pudessem garantir a implementação dos princípios constitucionais da universalidade, integralidade e equidade. São exemplos da inflexão e busca de interação entre prevenção/promoção e ações de recuperação a incorporação do INAMPS pelo Ministério da Saúde, medida que colocou no 75 mesmo lugar a gestão, a prevenção, a promoção e a recuperação da saúde antes dividida em dois Ministérios, Previdência e Saúde. Criaram-se, também, mecanismos que viabilizassem a transferência direta de recursos de maneira regular e automática, calculados por habitantes, que dessem aos gestores locais condições de organizar minimamente uma rede integral e articulada de saúde. A história da evolução do sistema público de saúde, apresentada no capítulo 3, demonstrou quão importante foi a Constituição de 1988 para promover uma inflexão na política de saúde em direção da efetivação a saúde como direito social e dever do Estado. Neste contexto, a divulgação pelo Ministério da Saúde, em setembro de 1994, do primeiro documento sobre o PSF, em que os mecanismos de financiamento da proposta eram apresentados, foi a mais forte tentativa de inversão do modelo, apesar de sua proposta inicial tratar apenas da cobertura de áreas com maior risco social (BRASIL, 2005, p. 16), Somente a partir de 1997 o PSF passou a ser defendido pelo Ministério da Saúde como uma proposta de reorientação do modelo de atenção a saúde. Por trás do desejo e da vontade de mudar, e das dificuldades encontradas, encontrava-se a disputa entre dois modelos de atenção, o flexneriano e o da saúde coletiva. O PSF obteve importantes resultados, identificados em pesquisas avaliativas, como uma ação do governo que produziu avanços na garantia do acesso à saúde pela parcela mais pobre da população (BRASIL, 2006, p. 170): Os indicadores relacionados a morbi-mortalidade declinaram e os que refletem a cobertura dos serviços cresceram significativamente. A magnitude dessa variação mostrou-se, em geral, mais intensa nos estratos de cobertura mais elevada do Programa de Saúde da Família. (...) os resultados sugerem que a ampliação da cobertura de serviços na atenção básica, nas regiões mais desfavoráveis, a partir da expansão do Programa de Saúde da Família, está contribuindo positivamente para reduzir os diferenciais no acesso e na prestação dos serviços de saúde no Brasil. Pesquisa realizada em 10 grandes centros urbanos, com o objetivo de promover avaliação da implementação da estratégia de saúde da família confirmou que “a população atendida pelo PSF é extremamente vulnerável” (BRASIL, 2005, p. 200). Entender a dificuldade de avanço do PSF como estratégia estruturante da reorganização da saúde, com capacidade de proporcionar uma cobertura que incorpore a 76 classe média e como isso se reflete na organização dos serviços de saúde, implica em explicitar como os diferentes modelos de organização da atenção disputam a organização do PSF: os atores que defendem o modelo flexneriano, principalmente a classe médica hospitalocêntrica, tentam fazer do PSF um programa de saúde de pobres para pobres, tal como demonstrado nas pesquisas, e percebido pelas entrevistas estruturadas realizadas em Joinville. Defendem que o PSF seja um programa focalizado à camada mais pobre, com a adoção de procedimentos simplificados e baratos para garantir o acesso a saúde para o conjunto maior e mais pobre da população, com pouca ênfase na atuação clínica e individual. Esse desenho não afetaria os interesses econômicos do grupo flexneriano, pois o modelo continuaria a ser a resposta aos extratos sociais mais elevados da sociedade; os defensores do modelo da saúde coletiva, defendem o PSF como uma “estratégia estruturante dos sistemas municipais de saúde, visando a reorientação do modelo de atenção e uma nova dinâmica de organização dos serviços e ações de saúde” (BRASIL, 205, p. 17). Esse desenho contraria os interesses econômicos do modelo flexneriano, pois trabalharia contra a lógica mercadológica ainda dominante no sistema público de saúde. Tal disputa marcou o PSF e hoje é possível identificar os limites gerados pela disputa. O limite criado pelo PSF foi espacial e econômico. Trata-se de um limite observável, e que em cidades médias com história de formação similar a de Joinville adquire características próprias. O primeiro limite é territorial, formado pelas bordas do conjunto dos territórios adscritos às 21.232 equipes de saúde da família implantadas no Brasil em dezembro de 2004. O PSF nesses territórios, mais pobres e vulneráveis em sua esmagadora maioria, garantiu o acesso à atenção básica de saúde para 38,99% da população, ou cerca de 69,1 milhões de pessoas, conforme dados do Ministério da Saúde (MS/SAS/DAB, 2007). As pesquisas indicam uma percepção positiva da população adscrita a esses territórios: este grupo faz uma avaliação positiva do Sistema de Saúde, conforme indicam as pesquisas. Pesquisa de opinião encomendada pelo Ministério indica que esse segmento dá nota 7 para o atendimento. Em compensação, quem não depende da rede pública confere nota 3,5. (UNICAMP, 2001, p.12) 77 Outro limite de acesso à saúde foi econômico, vinculado a capacidade de pagamento de um plano de saúde pelas pessoas. A baixa percepção de qualidade da saúde pública pela população não usuária do PSF, levou as camadas com melhores condições econômicas a buscar os planos privados para garantir o acesso a bens e serviços com maior qualidade. É possível, a partir dessa premissa, confirmada por dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (BRASIL, 2007) identificar os beneficiários dos planos privados de saúde através da identificação da população de maior poder aquisitivo, encontrada nos espaços mais valorizados do município. Em municípios com história de formação sócio-espacial similar a Joinville, as características de configuração do espaço urbano (terras mais valorizadas situadas no centro do município, que se desvalorizam na medida em que se afastam dele, forçando as camadas mais pobres da população a buscar os espaços mais distantes, caracterizando mais fortemente as periferias distantes do centro urbano como os espaços dos pobres), permitem lançar uma hipótese, a ser confirmada em outras pesquisas, de que o espaço central é o espaço dos planos privados de saúde. Os dois limites, espacial e econômico, podem conformar um desenho econômicoespacial com capacidade de explicar o desenho da rede de atenção a saúde, apresentando as dificuldades de efetivação do acesso universal a saúde, na medida em que identifica um terceiro grupo, descoberto de qualquer acesso a saúde que não seja a fila da emergência dos hospitais públicos do país, ou de unidades de saúde sem compromisso com o desenvolvimento de ações de prevenção à doenças e de promoção a saúde. Os limites apresentam um desenho, apresentado figura 3, e sua adaptação ao desenho dos municípios brasileiro é uma possibilidade a ser verificada, como se observou no estudo do caso de Joinville. 78 Figura 3 – Modelo de cobertura da saúde no espaço municipal Fonte: Santos, A.A. A figura 3 buscou simplificadamente sintetizar o desenho do nó da efetivação do acesso a saúde nos municípios, considerando que seu uso é melhor adaptado a cidades médias, não se aplicando a municípios menores (menos de 100 mil habitantes), pela dificuldade em contar em sua sede estruturas de maior complexidade tecnológica como hospitais, com capacidade suficiente para dar conta da atenção de alta complexidade, nem a municípios com mais de 500 mil habitantes, pela complexidade intrínseca desses processos de urbanização. Os números demonstram haver uma parcela, que se encontra no tercil médio das tabelas de renda per capita por bairros de uma cidade média, que não encontram cobertura pelo PSF e não tem condições financeiras de pagar por planos de saúde, não tendo garantido o acesso a saúde de maneira digna e sobrecarregando o sistema de saúde pública como um todo, considerando que a população destes bairros tende a se constituir em fator causal da sobrecarga dos hospitais públicos do município. A falta de uma porta de entrada adequada, similar à existente nas comunidades que recebem a atenção do PSF, com capacidade de resolver 85% dos problemas de saúde dessa parcela dessassistida, leva para o ambiente hospitalar toda uma demanda não atendida previamente. A população moradora dos bairros que possuem renda per capita no segundo tercil de uma cidade média se configura, por isso, numa população moradora em fronteira entre dois modelos de atenção a saúde. 79 De um lado, os moradores com renda per capita maior, que usufruem dos benefícios dos planos privados que podem pagar. De outro, os beneficiários do PSF, que tem garantido a atenção básica em padrão de qualidade e de maneira articulada com os princípios da integralidade, e equidade. No meio, os que vivem no não-lugar do acesso a saúde pública. Santos (2007, p. 3) defende que são nesses espaços, “não–lugares, nos limites dos territórios, nas zonas de fronteira, nas franjas, que se desenvolvem os mais acentuados exemplos de problemas da saúde pública da atualidade”. Trata-se de um grande contingente populacional, e na escala nacional se constitui no maior dentre todos (42,28%), já que os dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informam que a população coberta em dezembro de 2004 por planos privados de saúde foi de 18,73% (BRASIL, 2007a), e os dados do Ministério da Saúde registram que a população coberta pelo PSF foi de 38,99% (BRASIL, 2007b) . Trata-se de uma maioria localizada em grandes áreas metropolitanas, que sofre com a configuração espacial da rede de atenção a saúde existente no Brasil, pois a contingência de acessar o sistema de saúde apenas pelas portas das emergências dos hospitais públicos, colocando-os no centro da crise existente em boa parte do país. A indefinição ou a disputa pelos dois modelos de atenção a saúde, materializada nos limites espaciais da rede de atenção a saúde do PSF, conforma neste momento um desafio a radicalização do processo de reforma sanitária. Um limite que pode ser identificado em todo o país e melhor visualizado espacialmente nas cidades médias e que freia a capacidade dos municípios em efetivar a universalidade do acesso a saúde, demandando políticas, estratégias e ações adequadas e específicas para as populações que estão fora do mapa de cobertura da saúde pública. 4.2 Sobrecarga da rede hospitalar publica municipal em Joinvile A compreensão do processo de constituição do sistema público de saúde de Joinville, como tratado no capítulo 3, evidenciou como o planejamento das ações de saúde centrado na medicina científica, hegemônico até meados dos anos 1990, consolidou a organização de uma rede de serviços descolada das necessidades de saúde da maioria da população local. Foi um processo que respondeu aos interesses da classe médica, que não conseguiu efetivar uma política pública de saúde universal e de qualidade. 80 As entrevistas com gestores da saúde pública de Joinville da época, identificaram a existência de um “processo de hegemonia da definição das políticas pela classe médica” (entrevistas 3 e 4). Vários autores (VALENTIM, 1997; VEIGA JÚNIOR, 1993) também apontaram a importância da classe médica como ator hegemônico na determinação das políticas de saúde de Joinville. A Sociedade Joinvilense de Medicina (SJM), entidade de representação da classe médica de Joinville, conseguiu criar mecanismos com capacidade de impedir a entrada de novos médicos no município, evitando a realização de concurso público municipal, no início dos anos 1990, o que dificultou a reorganização do sistema público de saúde em Joinville (VEIGA JÚNIOR, 1993, p. 101). A SJM também exerceu fortemente o poder de indicação e veto de Secretários Municipais de Saúde e Diretores de Hospital, durante os últimos 20 anos do século XX (VALENTIM, 1997, p. 143; VEIGA JÚNIOR, 1993, p. 73). Foi a classe médica de Joinville que trabalhou de modo geral em favor da manutenção da medicina científica como modelo de saúde para o município, defendendo a existência de uma saúde pública para os pobres e uma saúde privada suplementar, materializada no município pela Unimed, para os assalariados formais e os que pudessem pagar por isso (VALENTIM, 1997, p. 143, 146, 147, 303). A crise econômica das décadas de 1980 e 1990 levou uma importante parcela dos trabalhadores da indústria de Joinville, até então cobertos por plano privado de saúde, a uma situação de desemprego, terceirização, ou informalidade. Este contingente da classe média passou a depender mais do sistema público de saúde, colocando a saúde pública na agenda política e demandando maior qualidade do sistema. A necessidade de reorganização do sistema público de saúde de Joinville e o aumento da demanda por um sistema de saúde público e de qualidade, articulada a todo o debate oriundo da Reforma Sanitária trouxe os defensores da reforma sanitária do município para a arena política municipal e possibilitou a apresentação de novas respostas governamentais para a gestão da saúde pública. Foi nesta arena conflituosa, de embate entre a medicina flexneriana e a saúde coletiva, que o município de Joinville configurou a partir da década de 1990, a sua rede de serviços públicos de saúde. As características dessa configuração permitem confirmar a dificuldade do 81 PSF atingir outras parcelas da população que não as camadas mais pobres e vulneráveis localizadas nas distantes periferias do município. O PSF representou para Joinville o primeiro planejamento sistemático e organizado de oferta de saúde para as regiões mais pobres. Representou a realização de um planejamento geográfico, que orientou a indicação das regiões com maior carência e vulnerabilidade, apesar de não romper com a lógica hospitalocêntrica existente na cidade. Os bairros indicados pela SMS para iniciar o processo de implantação do PSF foram bairros com o mais alto índice de incremento populacional e de expansão urbana, ou seja, as franjas urbanas e periferias em formação. A sistemática de iniciar a implantação pelas áreas mais pobres e vulneráveis seguia o desenho proposto pelo Ministério da Saúde e foi um desenho que seguiu uma lógica espacial. A entrevista 1 confirmou essa hipótese quando apresentou como foi o processo de planejamento da implantação do PSF em Joinville. O entrevistado disse o seguinte: os fluxos realizados pelos pacientes na referencia da atenção básica para a atenção especializada e os fluxos econômicos e sociais foram levados em consideração no planejamento para implantação do PSF em Joinville. Os pacientes não deveriam buscar atenção especializada fora dos fluxos já estruturados pela rede de transporte público existentes. Os pacientes deveriam sempre sair do bairro, em direção ao centro da cidade, segundo o fluxo das necessidades, e também o fluxo viário de deslocamento das pessoas. Entretanto, este processo de implantação foi marcado por conflitos de várias naturezas, alguns deles com fundamento na incapacidade dos gestores em entender a complexidade do processo de (re)produção do espaço. Os problemas provieram de três fatores: a) localização inadequada dos postos de saúde no período pré-SUS; b) percepção de ineficiência dos postos de saúde por parte da população; e c) resistência de parcelas da população a proposta de reorientação do modelo de saúde. Os conflitos foram trabalhados pela gestão municipal da saúde, mas foi possível observar a dificuldade de resolução de conflitos oriunda das disputas e das fragilidades conceituais presentes no processo de reorganização do sistema de saúde. Quanto ao primeiro fator, a localização de unidades de saúde, no período pré-SUS, essencial para garantir a acessibilidade à saúde da população mais pobre, não foi 82 espacialmente pensada pelo gestor municipal de saúde. A mobilização dos movimentos sociais locais influenciou a decisão dos gestores pelos locais de instalação, muitas vezes sem um processo de planejamento espacial e de demanda adequado. As entrevistas 2 e 5, que foram realizadas com gestores da SMS de Joinville no período de 1996 a 2004, período de implantação do PSF, registraram a dificuldade de implantação do PSF em unidades de saúde, por causa daquela política pré-SUS, de implantação de unidades de saúde em lugares inadequados. Registraram que no período préSus, “a SMS buscou responder com a implantação de postos de saúde em igrejas e associações de moradores, vários deles em locais inadequados do ponto de vista da acessibilidade” (entrevistas 2 e 5). Em 1993 a SMS já contava com 42 postos de saúde, espalhados da maneira desorganizada pelo município, em situação precária e com localizações que dificultavam o acesso. Quanto ao segundo fator, a percepção de ineficiência dos postos de saúde, prejudicou o processo de reorientação do modelo assistencial, influindo na capacidade da rede de serviços básicos em garantir o acesso a saúde para a população. A visão da ineficiência dos postos de saúde por parte da população atendida deveu-se principalmente às limitadas funções de prevenção (vacinas, educação em saúde, entre outras) de vários postos, ao fato de contar apenas com pessoal de nível técnico e elementar (entrevista 1) e à localização periférica ou de difícil acesso (entrevistas 1 e 2) dos postos, quando a população demandante morava em áreas mais centrais dos bairros. Por último, a Sociedade Joinvilense de Medicina pressionou muito para não fosse realizado concurso público para médicos (VEIGA JUNIOR, 1993, p. 101), o que não melhorou o atendimento. Os moradores tinham uma opinião muito negativa da capacidade resolutiva dos postos de saúde. Em várias entrevistas esse problema foi identificado, como nas entrevistas “c” e “n”, que se queixaram dizendo que “ os médicos não resolvem nada, só encaminham para exames e especialistas” e “ médico bom havia antigamente, hoje eles nem olham na cara da gente”. Outras entrevistas abordaram de forma subjetiva o problema, ao registrar a necessidade de mais médicos especialistas (entrevistas “ l” e “n”). A implantação do PSF reorganizava a atenção e, em muitos casos, implicava em deslocar médicos especialistas que atendiam em alguns postos de saúde para sedes das regionais de saúde. A proposta de implantação do PSF em bairros com grande desigualdade 83 na ocupação espacial, bairros onde a classe média sofria com áreas de invasão de loteamentos de baixo custo, gerou problemas para a gestão. Não foi fácil convencer moradores da classe média que a retirada do médico especialista não seria um retrocesso, mas um avanço do sistema de saúde. As entrevistas 1,2 e 5 identificaram conflitos decorrentes desse processo, geradores de gargalos na efetivação da garantia do acesso a saúde para esta parcela da população. A entrevista 1, realizada com a gestora que esteve a frente do processo de implantação do PSF em Joinville identificou conflitos da implantação do PSF em vários bairros de Joinville, como o São Marcos e Pirabeiraba, bairros com uma condição econômica mais favorável, mas com recortes e bolsões de pobreza que justificavam a implantação do PSF. Foram bairros em que a população resistiu a substituição do modelo flexneriano pelo modelo da saúde coletiva. Para esses moradores, com condição econômica mais privilegiada, seria um retrocesso deixar de contar com médicos especialistas (pediatra, ginecologista) no posto de saúde, para ter a disposição “apenas um médico generalista” (entrevista 1). Este exemplo ilustra a dificuldade que a gestão municipal teve para reorientar o modelo, ultrapassar os limites das camadas mais pobres da população, devido a visão flexneriana arraigada junto as classes médias, que entendiam o PSF como uma proposta de saúde pobre para os pobres, retomando o debate sobre o desafio conceitual que permeia a universalização da garantia do acesso a saúde. A dificuldade de acesso e a percepção de ineficiência dos postos de saúde levaram a um movimento, por parte dos usuários de saúde com melhor renda, de ignorar o posto de saúde como porta de entrada do sistema, cristalizando a cultura centrada no hospital e prejudicando a rede de saúde. As pessoas buscavam a resposta para todos os problemas de saúde, mesmo os mais simples, no Hospital Municipal São José (localizado no centro da cidade), engrossando as filas do Pronto Socorro. A partir de 1993, a gestão municipal de saúde, para resolver as questões do acesso ao sistema, procurou aplicar os conceitos espaciais baseados na Teoria do Lugar Central (mesmo sem conhecer de fato a teoria) para fazer a reespacialização dos postos de saúde e das regionais de saúde. Inclusive foi aprovada pelo Conselho Municipal de Saúde uma diretriz impedindo a Secretaria Municipal de Saúde de implantar novas unidades de saúde sem que todas as existentes estivessem adequadamente equipadas, conforme informado na entrevista 1. O processo de planejamento foi destacado nas entrevistas 1, 2 e 5, realizados com gestores da SMS de Joinville do período. 84 A readequação da localização das sedes das regionais de saúde ainda não foi concluída, sendo possível ver a dificuldade de acesso da unidade básica de saúde da Vila Cubatão para sua regional de Saúde, localizada no bairro Aventureiro, conforme a entrevista 2 é possível identificar ainda hoje a utilização de referências que não seguem a lógica espacial de acessibilidade, como a Sede regional do bairro Aventureiro, que referencia a Unidade Básica de Saúde/UBS da vila Cubatão até na atualidade, um complicador do ponto de vista do fluxo e do acesso (entrevista 2). Como um exemplo positivo do processo de planejamento a partir da Teoria do Lugar Central, apresentou-se o exemplo da implantação do Pronto Atendimento (PA) da Zona Sul de Joinville. A entrevista 1 ressaltou que O principal eixo de escoamento da zona sul de Joinville, cruzamento dos maiores fluxos da população da zona sul em direção ao centro da cidade, ao lado de um terminal de integração do transporte urbano foi o local escolhido para o pronto atendimento da zona sul. A localização foi fundamental para garantir a acessibilidade do PA, como espaço de urgência em saúde para toda a região (entrevista 1) O Pronto Atendimento (PA) da Zona Sul foi planejado pela Secretaria Municipal de Saúde para atender a demanda da região mais carente do município. A Zona Sul de Joinville congrega um conjunto de bairros de baixa renda, e a implantação do PA nesta região tinha o objetivo de desafogar o Hospital Municipal São José, do centro da cidade. Outro exemplo, na direção contrária a utilização da Teoria do Lugar Central, resultou num PA sub-utilizado até os dias de hoje. Desde a implantação do PA da Zona Sul, as lideranças políticas da zona norte passaram a cobrar a implantação de um PA na Zona Norte de Joinville. Ao não priorizar aspectos espaciais para definição do local de implantação do Pronto Atendimento (PA), priorizando uma região que não possuía as melhores condições de atração populacional, que não respeitava os fluxos utilizados pela população, a gestão da saúde deu exemplo recente do que pode acontecer quando não se planeja espacialmente a rede de serviços de saúde. 85 4.3 Resistências e o não-lugar da atenção a saúde de Joinville Outro problema identificado nas entrevistas como elemento dificultador da expansão do PSF para além das regiões mais pobres, ocorreu devido a resistência de parcelas da população com maior poder aquisitivo a proposta. A implantação do PSF reorganizava a atenção, e em muitos casos implicava em deslocar médicos especialistas que atendiam em alguns postos de saúde para sedes das regionais de saúde. A proposta de implantação do PSF em territórios marcados por grande desigualdade na ocupação espacial, em bairros onde o processo de especulação imobiliária proporcionou uma elevada abertura de loteamentos voltados a população de baixo poder aquisitivo, gerando bolsões de pobreza em bairros com renda per capita maior, criou problemas para a gestão de saúde. Houve grande dificuldade por parte da gestão de saúde em convencer moradores com maior poder aquisitivo, da importância da implantação do PSF. Os moradores com maior renda não aceitavam a retirada do médico especialista das unidades de saúde. As entrevistas 1, 2 e 5 identificaram conflitos decorrentes desse processo, todos ocorridos em bairros com renda per capita entre 1 e 2 salários mínimos, com bolsões de pobreza nas suas bordas, ratificando os problemas decorrentes da disputa dos modelos de atenção a saúde, geradores de gargalos na efetivação da garantia do acesso a saúde para esta parcela da população. É possível verificar tal dificuldade quando se observa que o PSF não conseguiu ultrapassar a sua área de cobertura para áreas com maior renda per capita, localizada nas regiões centrais da cidade de Joinville (mapa 7) Os fatores apresentados permitem inferir a existência de um grande vazio de acesso real a rede de atenção básica de saúde em Joinville, o não-lugar da saúde pública de Joinville, o não-lugar que cria o lugar das filas nos prontos-atendimentos, que sobrecarrega a rede hospitalar publica municipal. O não-lugar da atenção básica em saúde de Joinville é conformado principalmente por bairros com renda entre 1 e 2 salários mínimos, que ainda não estão cobertos pelo PSF e que não possuem renda para aderir a planos privados de saúde. 86 Mapa 7 – Bairros com equipes de saúde da família implantados em Joinville, 2004 Fonte: Santos, A.A. Foi possível identificar em Joinville, ao invés de um grande Sistema Único de Saúde (SUS), universal, integral e de qualidade, três grandes subsistemas de saúde, concorrentes e 87 em parte sobrepostos, em busca da atenção à saúde dos joinvilenses: o público orientado pelo PSF; o público “não-PSF” e o privado, confirmando a hipótese geral da existência de três grandes círculos da atenção a saúde em Joinville: O primeiro, formado pela periferia do município coberta pelo Programa de Saúde da Família, que em 2004 atendia 111 mil pessoas, ou 23% da população (BRASIL, 2007b), situado nas periferias da cidade; O segundo, formado por aqueles que não possuem condições de ter um plano de saúde privado, nem estão cobertos pelo programa de Saúde da Família, que somam cerca de 186 mil pessoas ou 41% da população de Joinville,localizados entre o centro e a periferia, mas já invadidos por bolsões de pobreza atendidos pelo PSF; O último, formado pelo centro da cidade, onde se concentram as famílias mais ricas do município, e que estão cobertas por planos privados de saúde ou por atendimento privado. Nesta situação encontravam-se cerca de 169 mil pessoas em dezembro de 2004, ou 36% da população de Joinville (BRASIL, 2007a). Ao fazermos um cruzamento entre os dados da cobertura dos planos privados de saúde e do PSF em Joinville, com o mapa da desigualdade espacial (mapa 6), e os bairros caracterizados em cada um dos tercis, observa-se como eles estão próximos. Os bairros que conformam o tercil superior, com renda per capita superior a 2 salários mínimos, possuem uma população aproximada de 61.161 habitantes, ou 13,2% da população, o que significa que o acesso aos planos privados de saúde está disponível para parcelas importantes da população em bairros localizados fora do tercil superior. É um fato plausível, devido a existência de várias grandes indústrias que mantém convênios com planos privados de saúde para seus trabalhadores. Os bairros que conformam o tercil médio, com renda entre 1 e 2 salários mínimos, possuem uma população aproximada de 240.143 habitantes, ou seja, 51,9% da população do município. Encontram-se majoritariamente nesses bairros os contingentes populacionais que não tem acesso ao PSF e não tem condições de financiar um plano privado de saúde. Como nesses bairros encontram-se vários bolsões de pobreza, devido a complexidade de sua formação sócio-espacial, são os espaços em que os conflitos oriundos da implantação do PSF são mais evidentes, conforme já demonstrados pelas entrevistas. Os bairros do tercil inferior, com renda até 1 salário mínimo, apresentam uma população aproximada de 161.753 habitantes, ou 34,9% da população. Como a população 88 adscrita a equipes de saúde da família conformam 23% da população, é possível identificar que existem ainda em Joinville cerca de 11% da população, mais pobre, sem acesso ao PSF, o que se constitui em um problema adicional. O recorte estabelecido trouxe à luz a necessidade de um olhar sobre o os bairros formados pelo segundo tercil, com renda entre 1 e 2 salários mínimos. O segundo círculo, o não-lugar e gargalo da efetivação do acesso universal a saúde, demanda do gestor o desenvolvimento de estratégias que busquem a inclusão dessas parcelas ao Sistema Único de Saúde, que possibilitem uma entrada qualificada da rede pública de saúde que não seja a porta de emergência dos hospitais. A efetiva reorganização do sistema público de saúde passa pelo enfrentamento dessa questão, na medida em que se constitui em importante segmento da população com capacidade de defender o sistema do ponto de vista do debate das políticas públicas. As entrevistas realizadas com a população expressam as diferentes visões dos grupos nos três espaços, e trazem características que auxiliam a explicar como os diferentes segmentos populacionais são afetados pelo acesso a saúde. Entrevistas realizadas com as pessoas que possuem perfil de renda mais alto, com maior escolaridade, indicam uma visão multifacetada, complexa. Algumas das entrevistas, como a “h”, “o” e “p” revelam uma visão ampliada de saúde, indicando a importância das determinações sociais para a saúde da população, numa perspectiva ampliada. Essas entrevistam captam a possibilidade do sistema público de saúde atender uma parcela da população mais bem estruturada financeiramente, a partir do momento que ele seja percebido como um sistema de qualidade. Outras entrevistas, como as “f” e “i”, realizadas também em bairros centrais, com pessoas com mais 11 anos de escolaridade, que se identificaram como possuidoras de um plano privado de saúde, sinalizam como é forte o sentimento em parcelas mais ricas da população, de desprezo pelo sistema público de saúde, e como o debate entre os modelos de saúde é atravessado pelo discurso e interesses de diferentes grupos. Como afirmar que “o SUS péssimo”, e que “faltam hospitais com atendimento de qualidade”, se não se percebem como usuários do sistema público? 89 Mapa 8 - A cobertura Espacial do PSF e dos planos privados de saúde em Joinville, 2004 Fonte: Santos, A.A. As entrevistas “b”,“d” e “e”, realizadas em bairros com renda per capita inferior a 1 salário mínimo, onde há cobertura do PSF, apontam várias críticas, mas é possível identificar 90 nas respostas uma postura diferenciada, reflexo da aproximação do PSF com os usuários. Esta visão mais qualificada do SUS é confirmada por várias pesquisas nacionais realizadas pelo Ministério da Saúde (UNICAMP, 2001, p. 12) que indicam uma percepção da qualidade diferenciadas dos usuários do PSF. As entrevistas “b” e “c” fazem elogios ao SUS e ao PSF. A crítica de “b” é feita ao processo de territorialização, rejeitando os limites traçados pelas equipes de saúde da família, o que demonstra que parte da população entende como a rede de serviços deve funcionar, o que também é positivo. Algumas críticas identificadas nas entrevistas com moradores de área do PSF revelam como está presente o modelo flexneriano no imaginário popular, que demanda médico, diagnóstico e remédio para tratamento, pois se ressentem do fato do agente comunitário não receitar remédios - “o ACS vem em casa, mas não medica a gente e não dá remédio para tomar” (entrevista “e”). Outras críticas identificadas em entrevistas realizadas em bairros cobertos pelo PSF demonstraram a existência de conflito no processo de implantação do SUS, o que também reforça que a disputa entre os modelos continua presente e atual na sociedade. A entrevista “j” foi um exemplo disso, quando relatou a contrariedade pela saída do médico especialista (pediatra) do posto de saúde com a implantação do PSF. A entrevista “m” não criticou o PSF diretamente, mas apontou um gargalo na proposta: “no posto tudo vai bem, mas quando precisa de um médico especialista (´otorrino´ por exemplo) aí demoram meses” (entrevista “m”). Por fim, as maiores e mais variadas críticas apresentadas nas entrevistas foram identificadas em bairros onde a população possui entre 1 e 2 salários mínimos, nos nãolugares da saúde pública. As entrevistas realizadas nesses bairros registram uma crítica contundente ao SUS como um todo, assim como a crítica pontual a falta de médicos e a fila dos hospitais. As entrevistas “a”, “g”, “k” apontam todos esses problemas. As entrevistas, apesar de não objetivarem quantificar as percepções dos diferentes grupos populacionais, foram fundamentais para qualificar a percepção da população sobre a questão do acesso a saúde, seus determinantes e limites, assim como a percepção de como isso se reflete no cotidiano da busca pela saúde no município. 91 4.4 O PSF e a capacidade de configuração de espaços produtores de saúde A última questão trabalhada foi relacionada com a capacidade de desenvolvimento criativo dos diferentes modelos de saúde, em valorizar o espaço local e o conhecimento prático, como estruturante de estratégias de promoção da saúde, reconhecendo o papel dos conceitos espaciais para isso. Em Joinville, as equipes de saúde da família apresentaram vários exemplos de iniciativas centradas em uma concepção do espaço local como lócus privilegiado de ação de saúde, visando à integralidade da atenção em saúde. A localização das equipes de saúde da família em bairros com baixa renda per capita (até 2 salários mínimos), conformou um conjunto de iniciativas ajustadas a essa realidade. Vários estudos realizados em Joinville demonstraram a iniciativa de Equipes de Saúde da Família (ESF) na promoção de ações de valorização do espaço local, do lugar, na estratégia de promover saúde. Várias equipes de saúde da família entenderam e valorizaram o trabalho na perspectiva de conhecimento da realidade local para atuação, como premissa para geração de espaços promotores e produtores de saúde. A equipe de saúde da família do bairro Paranaguamirim foi um exemplo da utilização desse princípio, quando uma atividade para tratar de pedículo (piolhos) foi disparadora de ação de promoção de saúde nitidamente intersetorial, conforme apresentado por Almeida, E.A.R.S. (2002, p. 22-23). A ação intersetorial com a comunidade, que envolveu a escola do bairro, e os resultados positivos alcançados, demonstraram a importância da articulação da saúde com a educação para atingir objetivos vinculado a um conceito de saúde ampliado, que envolva aspectos de promoção de saúde. A equipe de saúde da família do bairro Nova Brasília (Joinville, 2002, p. 36), também trabalhou nesta direção, quando realizou ação de promoção de saúde junto à população idosa da comunidade. O trabalho envolveu a realização de confraternização e disponibilizou também serviços de cabeleireiros, manicure, pedicure e lanches, além de várias opões de entretenimento, que iam de atrações artísticas, tarde dançante com concurso de melhor dupla, até corrida da batata. O fato foi identificado como positivo em entrevista realizada com morador do bairro (entrevista e), reforçou a auto-estima dos moradores e atuou como estratégia adequada e esta parcela da população, mais pobre. 92 No bairro Boehmervaldt, uma equipe de saúde da família trabalhou com os agravos de saúde comuns na infância, conforme Mello et all (2002, p. 24-25). Nesta comunidade, foi identificada a dificuldade da família em trabalhar os agravos de saúde comuns na infância como tal. As famílias estavam tratando desses casos como casos de urgência. As mães haviam perdido a capacidade de lidar com os cuidados básicos da saúde da família, um efeito concreto da influencia dos modelos de atenção baseados na medicina científica. A ESF optou por um trabalho de empoderamento com as mães em sua capacidade de lidar com o cuidado das doenças comuns da infância. As ações resgataram os valores de comunidade, um caso paradigmático de trabalho com base no princípio de geração de "espaço promotor de saúde". Outro exemplo que veio do bairro Parque Guarani foi o desenvolvimento de ação articulada com a comunidade na busca de atuar os determinantes sociais do processo de saúde-doença da mulher. Esta ação foi apresentada por Nachtigal et all (2002, p. 32-33). Nachtigal revelou que a ESF do Parque Guarani trabalhou no processo de promoção da saúde da mulher, buscando reverter quadros de baixa auto-estima e depressão na gestação. A ESF do Parque Guarani optou por trabalhar questões particulares ao universo feminino, tais como o autocuidado estético. Reuniões com mães, puerperas e lactantes em diferentes momentos foram realizadas, entremeadas com cortes de cabelo, escova, maquiagem, tratamento de pele e unha gratuitamente, ofertada por profissionais ligados a área da beleza e estética, de forma voluntária. Ainda assim, é um trabalho a ser potencializado, visto que não é acessível ao conjunto dos moradores (entrevista m). A realização de ação intersetorial e integrada produz mudanças, e a população tende a incorporar esta visão no seu discurso. Duas entrevistas estruturadas realizadas pelo autor identificaram pessoas preocupadas com essa visão, onde questões de saúde estão em sintonia com as ações educativas e de infra-estrutura básica em saneamento, numa uma visão sistêmica de saúde, em acordo com os princípios da saúde coletiva (as entrevistas “o” e “p”, por exemplo, indicam a necessidade de ações educativas como ações de saúde prioritárias em saúde, e destacam como problema de saúde a falta de saneamento básico). No bairro Paranaguamirim, Pereira et all (2002, p. 26) apresentou o caso a ESF do Estevão de Mattos, que utilizou a valorização do lugar como elemento promotor de saúde. A ESF identificou alto índice de consumo de medicamentos antidepressivos. Os medicamentos eram prescritos principalmente devido a transtornos mentais vinculados a fatores sócioeconômicos, como depressão, insegurança, revolta e falta de alto-estima. Em consonância com essa realidade, a ESF apresentou projeto denominado "Raio de Luz", criando espaço de 93 encontro comunitário, realização de atividades e trabalhos artesanais e discussões do cotidiano da comunidade. Após cinco meses, constatou-se que houve a apropriação do espaço pela comunidade como espaço terapêutico, em mais um exemplo de utilização do conceito de lugar como espaço promotor de saúde. Por fim, a importância do PSF como estratégia garantidora do acesso integral em saúde em Joinville, não apenas da atenção básica em, foi identificada por vários autores. Niemayer et all (2002, p. 20-21) relataram como uma equipe de saúde da família do bairro Jardim Paraíso trabalhou com a dificuldade de acesso da unidade de saúde. A partir da realização de um projeto de educação em saúde, houve uma aproximação com o fortalecimento do vinculo com a comunidade, o que materializou a organização da comunidade para reivindicar a construção de um posto de saúde mais próximo da comunidade, o que foi viabilizado em 2002 pela SMS de Joinville. Ao apresentar um caso de acidente vascular cerebral (AVC) na comunidade do Morro do Amaral, localizado no bairro Paranaguamirim, Paiva (2002, p. 28-30), tratou da importância da estratégia de saúde da família para casos de tratamento em que o paciente apresentasse dependência de cuidados e locomoção. A família da paciente informou que a prescrição médica de continuidade de tratamento em clinica de fisioterapia era muito difícil devido à distância do centro da cidade (15 km). A falta de transporte e as baixas condições sócio-econômicas mostraram-se outro agravante. Neste caso, a Equipe de Saúde da Família assumiu o processo de tratamento domiciliar, por contar com profissional habilitado para tanto na equipe (fisioterapeuta), o que também revelou a importância de equipe multidisciplinar na ESF, proporcionando sensível melhora nas condições gerais do paciente. Todos os relatos apresentados confirmam o relevo e a importância do espaço na estruturação de respostas da gestão de saúde e como modelos de saúde “espaço-centrados” podem responder mais resolutivamente aos problemas de saúde de uma determinada comunidade. O Programa de Saúde da Família (ou como é chamado atualmente pela gestão Federal do SUS - Estratégia de Saúde da Família - por entender que a proposta não se caracteriza como um programa com inicio, meio e fim, mas algo maior, reorganizador da rede de serviços de saúde) ofertou respostas à questão do acesso, centradas na inversão da lógica de atuação, que colocaram a comunidade como privilegiado no planejamento e atuação da equipe de saúde. 94 As ações apresentadas demonstraram a capacidade das equipes de saúde da família trabalhar com conceitos “espaço-centrados”, e oferecem exemplos de como a gestão de saúde pode atuar na geração de espaços promotores de saúde, ao trabalhar com equipes de saúde da família que tenham a valorização da comunidade, do lugar enquanto espaço privilegiado para a ação de saúde. Se for verdade que diferentes modelos de saúde configuram de maneira diferente o espaço, então é correto supor que modelos que trabalhem sob os princípios do SUS têm o potencial para gerar ou manter estados saudáveis, pensado a partir do espaço local. Tal necessidade leva a uma discussão sobre as estratégias adequadas a este desafio, de incluir as parcelas que se encontram descobertas do sistema, de maneira a trabalhar sob a perspectiva da equidade e da integralidade. Se não é consenso na literatura científica a capacidade da estratégia de saúde da família em garantir o acesso a saúde a parcelas com maior renda per capita, que se encontra alijada do acesso a saúde, por outro lado é um fato que essa inadequação será tanto maior quanto mais afastada da construção coletiva da resposta estiver a população interessada em obter acesso a saúde pública. Universalizar o acesso a saúde pública implica em pensar no espaço vivido pelos diferentes grupos sociais, e ajustar os desenhos da atenção a saúde a essas diferentes realidades, de forma a garantir o princípios constitucionais da equidade, integralidade e universalidade. 95 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao estudar como os dois modelos de saúde apresentaram respostas para a política de saúde de Joinville ao longo do processo de implantação do SUS, conformando uma rede de serviços de saúde com determinadas características espaciais, eis que novos territórios se revelaram. Espaços encobertos, espaços de omissão do poder publico, zonas encobertas da ação publica pela frieza de números e estatísticas, para além das já tradicionais marginalizadas periferias, que igualam os diferentes, e diferenciam os iguais, afastando a saúde publica do principio da universalidade e da equidade. Além e ao lado dos espaços encobertos, os limites do objeto recortado no campo de aproximação da saúde com a geografia, identificou limites no processo de efetivação do princípio da universalidade do acesso a saúde. O estudo também registrou a capacidade do sistema municipal de saúde de oferecer suporte ao processo de inovação de estratégias centradas na valorização do espaço local e do conhecimento prático advindo deste, na busca pela formação de espaços saudáveis, verdadeiros espaços promotores de saúde, entendidos como aqueles que possuem capacidade de oferecer qualidade de vida efetiva para seus habitantes. As respostas orientadas por modelos oriundos da reforma sanitária, no entanto, ainda não conseguiram efetivar propostas com capacidade para substituir por completo o modelo da medicina científica, apresentando grandes limitações oriundas da dificuldade em incorporar em sua plenitude a dinamicidade do processo de produção e reprodução do espaço. O modelo da saúde coletiva/comunitária/social acabou por criar a figura da porta única de entrada no sistema, representada pela unidade básica de saúde, que deveria proceder ao processo de triagem dos casos, levando a um endurecimento da rede de serviços para o acolhimento das necessidades dos usuários. 96 Estudar a geografia e a saúde sob o recorte proposto possibilitou explicitar o embate existente no país e em todos os seus municípios, dos dois grandes modelos de organização da saúde, um focado em procedimentos médicos, na especialização e na fragmentação de procedimentos, e que entende a saúde como uma relação de consumo, e outro focado num conceito de saúde ampliado, voltado para o entendimento das relações sociais e econômicas na determinação da saúde, para o trabalho em equipe, que toma a saúde como direito do cidadão, e que teve como um desdobramento concreto no Brasil, o chamado Programa de Saúde da Família (PSF). Possibilitou entender como as diferentes propostas de organizar a gestão de saúde materializam a aplicação dos conceitos espaciais, assim como o grande vazio gerado pela falta de efetividade das respostas governamentais que garantam o acesso a saúde de parte da população de Joinville com renda entre 1 e 2 salários mínimos. Entretanto, é necessário novos estudos que possam confirmar a hipótese da generalização do não-lugar em outros municípios de porte e história similar ao de Joinville, já que a generalização não foi objeto deste estudo. A implantação das políticas de saúde em Joinville foi marcada por disputas. Disputas políticas, ancoradas em interesses, representadas nos diferentes modelos de organização da saúde. Foi uma disputa também territorial e ela pôde ser espacialmente demonstrada. A gestão da saúde pública, caso tenha o real interesse em garantir a universalidade do acesso a saúde, precisará planejar estratégias e ações, assim como um agir espacial, voltado para diminuir as desigualdades sociais cristalizadas no espaço. O desafio de incluir as parcelas da população não cobertas pelo PSF e sem condições de arcar com os custos de planos privados de saúde é hoje um grande desafio para o SUS. Identificar espacialmente a parcela da sociedade que não está coberta pelo PSF nem por planos privados de saúde foi importante para ajustar a capacidade do governo em planejar ações voltadas para esta parcela da população, o que demanda capacidade criativa e inovação do gestor, e convencimento político, tendo em vista que a disputa entre os dois modelos de gestão ainda coloca para esta parcela a inviabilidade do PSF como resposta. Por outro lado, entender que existem diferenças nos modelos de gestão de saúde que podem promover a saúde ou provocar a doença, foi identificado através da apresentação de vários exemplos, ao demonstrar com vários exemplos como o PSF atuou nesta direção. 97 As evidências empíricas trazidas pela análise dos dados indicam a existência de grandes círculos ou faixas que apresentam diferente capacidade de acesso a saúde. Este reflexo da espacialização da disputa entre os modelos de atenção a saúde, se apresenta com fronteiras fluidas e não tão nítidas, devido a complexidade do processo de configuração do espaço urbano atual. A capacidade analítica trazida pelo autor com o modelo das faixas, entretanto, não pretende ser endurecido como resposta final para a configuração dos limites do acesso a saúde. Pelo contrário, pretende trazer uma contribuição da geografia para o debate, que não seja reducionista e simplificador. O processo de formação sócio-espacial possui uma complexidade que demanda análises adicionais para entender o fato em toda sua concretude. Por fim, a identificação de um modelo de análise espacial com capacidade de replicação em outras cidades de porte médio, aportou novidade para gestão de municípios desse porte. Entre os aspectos que foram visualizados como elementos para futuras pesquisas, destacam-se: 1. a necessidade dos gestores trabalhem na perspectiva intersetorial de identificação de lugares, isto é, de identificação de espaços que “apesar” de não apresentarem condições de saúde desejáveis, aceitáveis tal como apresentados pelos indicadores de saúde, possuem características culturais, relacionais, subjetivas e identitárias que possibilitam um pensar e agir coletivo que se configure em espaço promotor de saúde. Em tais espaços, “lugares”, é preciso radicalizar, acentuando e estimulando os aspectos subjetivos da identidade local como elemento central de trabalho. Será um trabalho de ourives, de lapidário, que identificará nas diferenças de pensar e agir em saúde, algo a ser estimulado e reforçado. Assim como existem os grupos dominantes e a maioria dominada, se produzem os espaços dominantes e os territórios dominados. A divisão do trabalho se espacializa e a sua espacialização condiciona a própria reprodução intrínseca do espaço no tempo; 2. a necessidade de fortalecimento da capacidade das pessoas que habitam em não-lugares e territórios, nas fronteiras e nas franjas, em buscar individual e coletivamente a formação de lugares, visando planejar espaços produtores de saúde, lugares que tenham a capacidade de estabelecer novas perspectivas saudáveis e qualidade de vida para as pessoas. 98 3. a contribuição do conceito de lugar para a reorientação das práticas e da gestão em saúde.O gestor da saúde encontrou na vivencia prática da realidade, respostas pautadas pela integralidade das ações de saúde. Ao analisar o conteúdo das respostas, muitas apontaram para o trabalho a partir do conceito de “lugar”. Essa resposta da saúde, espaço-centrada, em muito se deve a sua capilaridade e proposta pautada pela incorporação do espaço entendido em seu dinamismo. A saúde, como o primeiro braço do Estado a chegar aos espaços de exclusão, colocou a saúde como mirante da realidade cruel da desigualdade social nos diferentes espaços. A tecnologia de gestão centrada no espaço, espaço-centrada é uma tecnologia centrada também nas pessoas que vivem no lugar. É uma tecnologia capaz de produzir o novo, de instituir relações entre as pessoas e os espaços, operando e se aproveitando da riqueza, da subjetividade e da realidade local. 99 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, E.A.R.S. Investindo em Educação em saúde. Revista da Saúde da Família de Joinville, Joinville, v. 1, n. 1, p. 22-23, novembro de 2002. AMORIM FILHO, O.; SERRA, R.V. Evolução e perspectivas do papel das cidades médias no planejamento urbano e regional. In ANDRADE, Thompson A.; SERRA, Rodrigo V., Cidades Médias Brasileiras. Rio de Janeiro: IPEA, 2001. (p. 1-34). BENKO, GEORGES. Economia, Espaço e Globalização. Hucitec. São Paulo, 1996. 266 p. BERTUSSI, DÉBORA CRISTINA. Desenvolvimento Gerencial em Saúde: Limites e Possibilidades. Londrina, 2002. 282 f. Dissertação (mestrado em saúde coletiva) - Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Estadual de Londrina. BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Informações sobre beneficiários e Operadoras de Planos privados de Assistência a Saúde. (ANS Tab Net). 2007a. Extraído da internet em 10/09/2007.2007a <http://anstabnet.ans.gov.br/materia.htm> BRASIL. Medida Provisória n.º 182, de 29 de abril de 2004. Dispõe sobre o salário mínimo a partir de 1 o de maio de 2004, e dá outras providências. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, 30 de abril de 2004, Seção 1, 2004a BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. 12ª Conferencia Nacional de Saúde: Conferencia Sergio Arouca: Brasília, 7 a 11 de dezembro de 2003: Relatório Final. Brasília: Ed. Ministério da Saúde, 2004b. 230 p. BRASIL. Ministério da Saúde. Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS). Iniqüidades em Saúde no Brasil: nossa mais grave doença, 2006a. Extraído da internet em: 15/02/2007. <www.determinantes.fiocruz.br/iniquidades.htm> BRASIL. Ministério da saúde. Secretaria de Assistência a Saúde. ABC do SUS - Doutrinas e Princípios. 1 ed. Brasília: Secretaria de Assistência à Saúde, 1990. 20 p. v. I. 100 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção a Saúde. Sistema de Informações de Atenção a Saúde/SIAB: Evolução do credenciamento e implantação da estratégia Saúde da família. Abrangência: município de Joinville/SC. dezembro de 2004. Extraído da Período: janeiro de 1998 a internet em: 13/08/2007b. <http://dtr2004.saude.gov.br/dab/localiza_cadastro.php> BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção a Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia Prático do Programa de Saúde da Família. Brasília: Ed. Ministério da Saúde, 2001. 128 p. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Departamento de Apoio a Descentralização. Regionalização Solidária e Cooperativa: orientações para sua implementação no SUS. 1 ed. Brasília: Ed. Ministério da Saúde, 2006b. 44 p. (A. Normas e Manuais Técnicos.) v. 1. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde. Direito Sanitário e Saúde Pública. 1 ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2003. 278 p. (Serie E: Legislação de saúde.) v. 2. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde. Curso de formação de facilitadores de educação permanente em saúde: unidade de aprendizagem - trabalho e relações na produção do cuidado em saúde. 1 ed. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde/Fiocruz, 2005a. 104 p. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde. Curso de Formação de Facilitadores de Educação Permanente em Saúde. Unidade de Aprendizagem Análise do Contexto da Gestão e das Práticas de Saúde. 1 ed. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde/Fiocruz, 2005b. 160 p. CABRAL, OSWALDO R. História de Santa Catarina. 3 ed. Florianópolis: Ed. Lunardelli, 1987. 506 p. CARLOS, ANA FANI ALESSANDRI. A (re)produção do Espaço Urbano. 1 ed. São Paulo: EdUSP, 1994. 101 CECÍLIO, LUIS CARLOS DE OLIVEIRA. Modelos Assistenciais na Saúde Suplementar a partir da produção do cuidado. in: ANVISA (org). Duas Faces da mesma moeda: microrregulação e modelos assistenciais na saúde suplementar. 1 ed. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2005, p. 143-160. CECÍLIO, LUIS CARLOS DE OLIVEIRA. Modelos tecno-assistenciais em saúde: da pirâmide ao círculo, uma possibilidade a ser explorada. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 13, n. 3, p. 469-478, jul-set 1997. COURA-FILHO, P. Distribuição da esquistossomose no espaço urbano.2. Aproximação teórica sobre a acumulação, concentração, centralização do capital e a produção de doenças. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 13, n. 3, p. 415-424, jul-set 1997. CUNHA, DILNEY. Suíços em Joinville. O Duplo Desterro. 1 ed. Joinville: Ed Letradagua, 2003. 256 p. DOSSEY, LARRY. Tiempo, Espacio y Medicina. 4a ed. Barcelona: Kairós, 2006. 359 p. FEKETE, M C. Estudo da acessibilidade na avaliação dos serviços de saúde. Bibliografia básica do Projeto Gerus/Desenvolvimento Gerencial de Unidades Básicas de Saúde do Distrito Sanitário. Brasil, p. 114-120, 1995 FICKER, CARLOS. História de Joinville. Subsídios para a Crônica da Colônia Dona Francisca. 2 ed. Joinville: Ipiranga, 1965. 447 p. FICKER, CARLOS. São Bento do Sul. Subsídios para sua história. 1 ed. Joinville: 1, 1973. 174 p. GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1999. 206 p. GUEDES, SANDRA P.L.C. Instituição e Sociedade: A Trajetória do Hospital São José de Joinville 1852-1972 1 ed. Joinville: Movimento & Arte, 1996. 175 p. GUIMARÃES, RAUL. Geografia política, saúde pública e as Lideranças locais. Hygeia, Uberlândia, MG, v. 1. n.1, p. 18-36, 2005. HARVEY, D. A Justiça Social e a Cidade. 1 ed. São Paulo: Hucitec, 1980. 234 p. HISSA, CASSIO EDUARDO VIANA. Planejamento em saúde: Uma Avaliação Crítica. O caso do Alto Vera Cruz em Belo Horizonte. Cad. Geografia., Belo Horizonte, v. 2, n. 3, p. 67-83, 1992. 102 HOCHMAN, GILBERTO. A Era do Saneamento. As Bases da Política de Saúde Publica no Brasil. 1 ed. São Paulo: Editora Hucitec - Anpocs., 1998. 261 p. HOWE, G.M; PHILLIPS, D.R. Medical geography in the United Kingdon, 1945-1982. in: MCGLASHAN, N.D; BLUNDEN, J. (edit.). Geographical Aspects of Health. 1 ed. London: Academic Press, 1983. JOINVILLE. Prefeitura Municipal de Joinville. Agenda 21 Municipal. Compromisso com o futuro. 1 ed. Joinville: Prefeitura Municipal de Joinville, 1998. 143 p. JOINVILLE. Prefeitura Municipal de Joinville. Revista da Saúde da Família de Joinville. Joinville, v. 1, n. 1, p. 36, novembro de 2002. JOINVILLE. Prefeitura Municipal de Joinville. Águas de Joinville. 2007. Dados sobre a rede de água de Joinville. Extraído da internet em: 10/10/2007. <www.aguasdejoinville.com.br/index.php> JOINVILLE. Prefeitura Municipal de Joinville. Instituto de Pesquisa e Planejamento para o Desenvolvimento Sustentável de Joinville-IPPUJ. Joinville – Cidade em dados. Joinville: Prefeitura Municipal de Joinville, 2006. 148 p. JOINVILLE. Prefeitura Municipal de Joinville. Secretaria Municipal de Saúde. Plano Municipal de Saúde 2006-9. 2005. 57 p. Extraído da Internet em: 01/03/2007. <www.saudejoinville.sc.gov.br/upcaa/outros/plano_municipal_saude_jlle_2005_2009.pdf> JOSEPH, A.E.; PHILLIPS, D.R. Acessibility and Utilization: Geographical Perspectives on Health Care Delivery. 1 ed. London: Harper an Row, 1984. KEARNS, ROBIN A.; JOSEPH, ALUN E. Space in its Place: Developing the link in medical geography. Soc. Sci. Med., Great Britain, v. 37, n. 6, p. 711-717, 1993. LEFEBVRE, H. O Direito à Cidade. 1 ed. São Paulo: Moraes, 1969. 210 p. LUZ, MADEL THERESINHA. Notas sobre as Políticas de Saúde no Brasil da Transição Democrática - anos 80. Physis. Revista de saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 7796, 1991. MALTA, DEBORAH CARVALHO et al . Perspectivas da regulação na saúde suplementar diante dos modelos assistenciais. Ciênc. Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, p. 433444, 2004. 103 MELLO, M.G.A; MELLO, V.S; COUTO, L.A.P; NASCIMENTO, M.G.C; MANOEL, D.S; SANTOS, M.M; SCHIPANSKI, P; SILVA, A.A; HAHN, C.A; AVIZ, A; OLIVEIRA, G.S. Educação em Saúde: um Desafio para a EFS Parque Guarani. Revista da Saúde da Família de Joinville., Joinville, v. 1, n. 1, p. 24-25, novembro de 2002. MENDES, EUGÊNIO V. A Evolução Histórica da Prática Médica: Suas Implicações no Ensino, na Pesquisa e na Tecnologia Médica. 1 ed. Belo Horizonte: PUC-MG/FINEP, 1985. 124 p. MENDES, EUGENIO V. os Grandes Dilemas do SUS: Tomo 1 1 ed. Salvador, Bahia.: Casa da qualidade, 2001. 144 p. (saúde coletiva.) v. 4. MERHY, E. Um dos grandes desafios para os Gestores do SUS: Apostar em Novos Modos de Fabricar os Modelos de Atenção. in: MERHY, E. ET. ALL (org). O trabalho em Saúde. Olhando e Experienciando o SUS no cotidiano. 2 ed. São Paulo: Hucitec, 2004. p. 15-54. MERHY, E. A rede básica como uma construção da saúde pública e seus dilemas. in: MERHY, E. ET. ALL (org). Agir em Saúde: um desafio para o público. 2 ed. São Paulo: Hucitec, 2006. p. 197-229. MINAYO, MARIA CECÍLIA DE SOUZA. O Desafio do Conhecimento. Pesquisa Qualitativa em Saúde. 8a ed. São Paulo: Ed Hucitec, 2004. 269 p. (Coleção Saúde em Debate.) MORIN, EDGAR. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 8 ed. São Paulo: Ed. Cortez, 2003. 115 p. NACHTIGAL, Z.A; VOIGT, R; MELO, V; FUCKNER, G; SANTANA, M.L; COUTO, L.A; NASCIMENTO, M; COSTA, M.D; GOGES, M.M. Resgatando a Auto-Estima Feminina. Revista de Saúde da Família de Joinville, Joinville, v. 1, n. 1, p. 32-33, novembro de 2002 . NAJAR, A.L; MARQUES, E.C. A sociologia urbana, os modelos de análise da metrópole e a saúde coletiva: uma contribuição para o caso brasileiro Ciência & Saúde Coletiva, São Paulo, v. 8, n. 3, p. 703-712, 2003 . ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA SAÚDE/OPAS. Sistemas de Informação Geográfica em Saúde: Conceitos Básicos. 1 ed. Brasília: OPAS, 2002. 124 p. PAIM, J.S. Saúde. Política e Reforma Sanitária. 1 ed. Salvador, Bahia: CEPS; ISC, 2002. 447 p. 104 PAIVA, M; CIDRAL, B.C. Suporte do Fisioterapeuta à Equipe Multidisciplinar de saúde da família. Revista de Saúde da Família de Joinville, Joinville, v. 1, n. 1, p. 28-30, novembro de 2002. PELUSO, MARÍLIA L. O morar na constituição subjetiva do espaço urbano. As representações sociais da moradia na cidade satélite de Samanbaia/DF. São Paulo, 1998. Tese (doutorado em psicologia) - PUC/SP. PEREIRA, A.A; DADDARIA, M.L; MAZURUKA, T. Estevão de Mattos e o Projeto Raio de Luz. Revista de Saúde da Família de Joinville, Joinville, v. 1, n. 1, p. 26, novembro de 2002 . RODOWICZ-OSWIECIMSKY, Theodor. A colônia Dona Francisca no sul do Brasil. Florianópolis: UFSC, FCC; Joinville: FCJ, 1992. SANTANNA, NAUM ALVES DE. A Produção do Espaço Urbano e os Loteamentos na Cidade de Joinville (SC) - 1949/1996. Florianópolis, 1998. 250 f. Dissertação (mestrado em Geografia) - CFH, Programa de Pós Graduação em Geografia. SANTOS, ALEXANDRE ANDRÉ DOS. Lugar, Não-Lugar e Território - Espaço e Saúde Pública em Tempos de Globalização. Anais do XI Encuentro de Geógrafos de America Latina. 26 a 30 de março de 2007, Bogotá (Colômbia). SANTOS, ALEXANDRE ANDRÉ DOS; PELUSO, MARILIA. A Contribuição da Geografia no debate sobre a integralidade na saúde – Algumas Reflexões. Hygeia, Brasília, DF, 2.2, 29/05/2006. Disponível em <http://www.hygeia.ig.ufu.br/viewarticle.php?id=21>. Acesso em: 09 10 2007. SANTOS, HELENA ALVES DOS. Financiamento e Gastos na saúde no Município de Joinville - SC de 1999 a 2003 - Um estudo de Caso. Florianópolis, 2005. 171 f. Dissertação (mestrado em saúde Pública) - Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, Centro de Ciências da Saúde da UFSC. SELTIZ; WRIGHTSMAN; COOK. Métodos de pesquisa nas relações sociais: vol. 2 medidas na pesquisa social. 1 ed. São Paulo: EPU, 1987. 240 p. SILVA, LIGIA MARIA VIEIRA DA. Conceitos, Abordagens e Estratégias para a Avaliação em saúde. in: HARTZ, ZULMIRA MARIA DE ARAÚJO; SILVA, LIGIA MARIA VIEIRA. (orgs.). Avaliação em Saúde. 1a Edição (1a Reimpressão) ed. Salvador, Bahia.: EdUFBA, 2006. 1. p. 15-40. 105 UNICAMP. Jornal da Unicamp. As Disparidades do SUS. Ano XV, N° 161. Campinas, setembro de 2001. Disponível em <http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/set2001/unihoje_ju166pag23.html>. Acesso em 10 10 2007. VALENTIM, LAIRTON. Joinville: Seus Médicos e sua História. 1 ed. Florianópolis: Ed UFSC, 1997. 307 p. VASCONCELLOS, M.M. Serviços de saúde: uma Revisão de processos de Regionalização, Análises de Padrões espaciais e Modelos de Localização. in: NAJAR, A.L; MARQUES, E.C.(ORGS). Saúde e espaço: estudos metodológicos e técnicas de análise 1 ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1998. 276 p. VEIGA JÚNIOR, DIRCEU RIBAS. Controle e Conflito Organizacional: Um estudo de caso na Secretaria de saúde do Município de Joinville - SC Florianópolis, 1993. 144 f. Dissertação (Mestrado em Administração) - Pós-Graduação em Administração, Centro Sócio Econômico da UFSC. YUNES, J; RONCHEZEL, V.S.C. Evolução da mortalidade geral, infantil e proporcional no Brasil. Rev. Saúde Pública., São Paulo, v. 8, n. (supl.), p. 3-48, junho 1974. 106 ANEXO 1 TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO LIVRE E ESCLARECIDO 107 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA MESTRADO EM GEOGRAFIA TÍTULO DA PESQUISA: A Geografia da Saúde em Joinville - SC PESQUISADOR: Alexandre André dos Santos. Telefone: (61)33152598 e (61) 33832064 – E-mail: [email protected] [email protected] . Endereço: Qi 1 – Bloco E – apto. 308 – Guara 1 - CEP 70-020-050. Brasília/DF. TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO LIVRE E ESCLARECIDO Eu, Alexandre André dos Santos realizo estudo sobre a Geografia da saúde em Joinville – SC, orientado pela Dra. Marília Peluso, e pretendo analisar a utilização de conceitos da ciência geográfica no planejamento e gestão de políticas públicas de saúde, através do estudo de caso do município de Joinville - Santa Catarina, no período compreendido entre a constituição do Sistema Único de Saúde-SUS e 2003. Nessa busca, espero identificar as diferentes concepções de território e região presentes nos discursos e ações dos gestores municipais de saúde de Joinville, desde o início do processo de implantação do SUS no município, até 2003 e relacionar as diferentes concepções com deficiências, ameaças, fortalezas e oportunidades identificadas pelos gestores na implantação das políticas de saúde do município no período. Sua participação consiste em responder a perguntas de entrevista. Fica claro que a qualquer momento do estudo você estará livre para se recusar a participar ou retirar seu consentimento. Sua participação é livre e voluntária. A assinatura e envio deste Termo preenchido ao pesquisador consiste no aceite em participar da pesquisa. Serão enviadas duas cópias, uma deve ser remetida ao endereço do pesquisador e a outra fica com você. Eu, _____________________________________________ fui informado dos objetivos da pesquisa acima de maneira clara e detalhada. Recebi informação sobre esta situação e esclareci minhas dúvidas. Caso tiver novas perguntas sobre este estudo, posso solicitar esclarecimento à pesquisadora através dos contatos fornecidos. Alexandre André dos Santos _____________________________________________________________ (nome – Assinatura) ___________________________, ______ de __________________________ de 2005. 108 ANEXO 2 ROTEIRO DE ENTREVISTA 2.1 (SEMI-ESTRUTURADA) 2.2 (ESTRUTURADA) 109 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA MESTRADO EM GEOGRAFIA TÍTULO DA PESQUISA: A Geografia da Saúde em Joinville - SC PESQUISADOR: Alexandre André dos Santos. Telefone: (61)33152598 e (61) 33832064 – E-mail: [email protected] [email protected] . Endereço: Qi 1 – Bloco E – apto. 308 – Guara 1 - CEP 70-020-050. Brasília/DF. Joinville, de de . Roteiro de Entrevista SEMI-ESTRUTURADA (INFORMANTE-CHAVE) A Geografia da saúde em Joinville – SC Pesquisador: Alexandre André dos Santos Orientadora: Dra. Marília Peluso Você está sendo convidado(a) a responder a algumas perguntas sobre o processo de implantação do SUS no município de Joinville. Suas respostas visam qualificar a busca de informações necessárias para desenvolver um corpo de conhecimentos que permita refletir sobre o papel que conceitos e temas da ciência geográfica tiveram sobre o processo de implantação do SUS no município. Esta pesquisa se constitui na dissertação a ser apresentada ao Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília como pré-requisito para obtenção do título de Mestre em Geografia. Sua participação consiste em responder as perguntas abaixo. 1. Relate situações de conflito no processo de implantação do SUS. 2. Identifique critérios espaciais para planejamento da rede de atenção em saúde. 3. Caracterize os principais atores que disputam o poder na saúde de Joinville, e seus interesses 4. Apresente o histórico de implantação do SUS 5. Apresente como a variável espacial foi trabalhada no planejamento das ações de saúde. 6. Como foi o processo de participação popular na definição das políticas e ações de saúde. Cite exemplos. 7. Avalie a participação dos usuários no processo de gestão das políticas de saúde Agradeço sua colaboração e saliento a importância das suas respostas, as quais não pretendem ocupar mais do que 120 minutos de seu tempo. Para responder as questões éticas do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos envio em anexo o Termo de Consentimento que, após aceito, deve ser assinado, demonstrando o seu aceite em participar da pesquisa. 110 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA MESTRADO EM GEOGRAFIA TÍTULO DA PESQUISA: A Geografia da Saúde em Joinville - SC Roteiro de Entrevista ESTRUTURADA (POPULAÇÃO) Pesquisador: Alexandre André dos Santos Orientadora: Dra. Marília Peluso Você está sendo convidado(a) a responder a algumas perguntas sobre a saúde de Joinville. Esta pesquisa se constitui na dissertação a ser apresentada ao Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília como pré-requisito para obtenção do título de Mestre em Geografia. Sua participação consiste em responder as perguntas abaixo. Dados pessoais: 1. Nome: 2. Idade: 3. Sexo: 4. Endereço: 5. Bairro: 6. Comunidade: 7. Formação/Escolaridade: Questões de entrevista: 8. O que é um problema de saúde pública?Cite alguns exemplos ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------9. Como poderiam ser resolvidos os problemas de saúde da população? ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------10. Mapeie a delimitação do PSF no seu bairro. ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------11. Relacione as situações em que procurou o SUS nos últimos 6 meses. ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------12. É correta a divisão das áreas do PSF em seu bairro? Porque? ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------13. Já participou de movimento pela melhoria da saúde? ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------14. Qual sua avaliação sobre a qualidade da saúde pública? ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------Mais uma vez agradeço a sua colaboração nesta pesquisa. Atenciosamente, Alexandre Data: ___/___/___ Assinatura: ___________________________________________________