ALEXANDRE ANDRÉ DOS SANTOS
CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DA REDE DE ATENÇÃO A SAÚDE EM CIDADES
MEDIAS DO BRASIL E A EFETIVAÇÃO DA UNIVERSALIDADE DO ACESSO A
SAÚDE
Estudo de caso de Joinville – 1988 a 2004
Brasília (DF)
2007
2
ALEXANDRE ANDRÉ DOS SANTOS
CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DA REDE DE ATENÇÃO A SAÚDE EM CIDADES
MEDIAS DO BRASIL E A EFETIVAÇÃO DA UNIVERSALIDADE DO ACESSO A
SAÚDE
Estudo de caso de Joinville – 1988 a 2004
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em
geografia, do Departamento de Pós-Graduação em
Geografia da Universidade de Brasília (UnB), como
requisito parcial à obtenção de grau de mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Marília Luiza Peluso
Área de concentração: Gestão Ambiental e Territorial.
Brasília (DF)
Novembro de 2007
3
SANTOS, ALEXANDRE ANDRÉ DOS.
Configuração Espacial da Rede de Atenção a Saúde em Cidades Médias do Brasil e a
Efetivação da Universalidade do Acesso a Saúde. Estudo de caso de Joinville – 1988 a
2004/Brasília: Universidade de Brasília/Instituto de Ciências Humanas/ Departamento de
Geografia/Alexandre André dos Santos, 110 p., 297 mm, (UnB-IH, Mestre, Gestão Ambiental
e Territorial, 2007).
Dissertação de Mestrado – Universidade de Brasília. Instituto de Ciências Humanas.
1.Geografia da Saúde;
2. Sistema Único de Saúde (SUS);
3. Joinville (SC)
I. UnB-IH II. Título (série)
É concedida à Universidade de Brasília permissão para reproduzir cópias desta dissertação e emprestar ou vender tais cópias somente para
propósitos acadêmicos e científicos. O autor reserva outros direitos de publicação e nenhuma parte desta dissertação de mestrado pode ser
reproduzida sem a autorização por escrito do autor.
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Alexandre André dos Santos
CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DA REDE DE ATENÇÃO A SAÚDE EM CIDADES
MEDIAS DO BRASIL E A EFETIVAÇÃO DA UNIVERSALIDADE DO ACESSO A
SAÚDE
Estudo de caso de Joinville – 1988 a 2004
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em
geografia, do Departamento de Pós-Graduação em
Geografia da Universidade de Brasília (UnB), como
requisito parcial à obtenção de grau de mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Marília Luiza Peluso
Área de concentração: Gestão Ambiental e Territorial.
Profa. Dra. Marília Luiza Peluso
Profa. Orientadora
Prof. Dr. José Ivo dos Santos Pedrosa
Membro da Banca (externo)
Profa. Dra. Claudia Andreoli Galvão
Membro da Banca (interno)
Prof. Dr. Neio Lúcio de Oliveira Campos
Membro Suplente
Brasília (DF), 20 de novembro de 2007
5
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a minha família.
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço o apoio recebido dos colegas da sala, dos amigos
do trabalho, dos professores, da professora orientadora e da
família, que contribuíram diretamente para que este trabalho
pudesse se transformar em realidade.
7
RESUMO
As relações estabelecidas entre os diferentes modelos de fazer a gestão da saúde e o espaço
municipal, em sua capacidade de gerar espaços promotores de saúde foram analisadas nesta
dissertação. A compreensão histórica do sistema de saúde, a partir do estudo de caso de
Joinville (Santa Catarina) resgatou as nuances que conformaram a dificuldade em
universalizar o acesso à saúde como direito social e dever do Estado. A inovação trazida pela
incorporação da saúde como direito na Constituição Federal de 1988, desencadeou vetores em
prol da reorganização do sistema de saúde, em busca da garantia da saúde como direito social.
A partir desse cenário, destacou-se a importância do espaço local como fator condicionante na
formulação das políticas de saúde. O processo de reorganização do sistema municipal de
saúde, nesse contexto, foi permeado pelos interesses dos diversos atores, e se refletiu em
diferentes apropriações conceituais de espaço, enquanto categoria de análise para o
planejamento das ações de saúde na esfera municipal. Sob este viés, foi possível verificar a
existência de disputas entre os dois principais modelos de gestão da saúde, o flexneriano e o
comunitário, condicionando a gestão da saúde na conformação espacial do acesso à rede de
serviços. O modelo flexneriano, sem observar a importância do espaço, e voltado para a
ampliação do mercado consumidor de procedimentos médicos, abusou de metodologias
concentradoras de ações de recuperação da doença no espaço do hospital. O Modelo
comunitário/social/coletivo, incorporando a análise espacial na busca de determinantes sociais,
desenvolveu tecnologias espaço-centradas para o campo da gestão da saúde, em busca da
integralidade das ações de prevenção e recuperação de doenças, e promoção da saúde. A
disputa verificada entre os diversos atores condicionou e foi também condicionada pelo
espaço local. O estudo também demonstrou a importância de se planejar a acessibilidade
espacial da atenção a saúde para garantir o direito a saúde a todos, conforme expresso na
Constituição Federal. Os dados revelaram um gargalo no sistema público de saúde pública de
Joinville: cerca de 41% da população de Joinville não possuía um acesso adequado a rede de
serviços do SUS, pela falta de uma política adequada que garanta o acesso. Em dezembro de
2004 Joinville contava com aproximadamente 23% da população com acesso ao SUS através
do Programa de Saúde da Família, e outros 36% da população tinham seu direito a saúde
garantido através de planos privados de saúde. Para os outros 41% da população, localizados
em bairros com renda per capita entre 1 e 2 salários mínimos, não se identificou uma porta de
entrada adequada ao sistema público de saúde. Este fato ajuda a explicar a dificuldade dos
gestores em resolver os problemas existentes com a sobrecarga da rede pública hospitalar.
Também foi possível identificar com vários exemplos como a estratégia de saúde da família
ofertou respostas adequadas à questão da universalização do acesso a saúde, centradas na
definição da comunidade como espaço de atuação da equipe de saúde.
Palavras chave: Geografia da Saúde; Sistema Único de Saúde; Joinville (SC)
8
RESUMEN
Las relaciones establecidas entre los diferentes modelos de hacer la gestión de la salud y el
espacio municipal, en su capacidad de generar espacios promotores de salud fueron
diseccionadas en esa disertación. La comprensión histórica del sistema de salud, a partir del
estudio del caso de la ciudad de Joinville (Santa Catarina) rescató las nuances que
conformaron la imposibilidad de universalizar el acceso a la salud como derecho social y
deber del Estado. La innovación traída por la incorporación de la salud como derecho en la
Constitución Federal de 1988, desencadenó la reorganización del sistema de salud, en los
gobiernos federal, provincial y municipal, de forma a suplantar la visión existente hasta
entonces, de salud pública como caridad a los pobres. A partir de ese escenario, se destacó la
importancia del espacio local como factor condicionante en la formulación de las políticas de
salud. El proceso de reorganización del sistema municipal de salud, en ese contexto, fue
permeado por los intereses de los diversos actores, y se reflejó en diferentes
aprovechamientos conceptuales del espacio, mientras categoría de análisis, para la
planificación de las acciones de salud en la esfera municipal. Bajo ese viés, fue posible inferir
la existencia de disputas entre los dos principales modelos de gestión de la salud
condicionando la gestión de la salud en varios aspectos, y que esta disputa además de ofrecer
condicionantes espaciales, fue también por el espacio local condicionado. Los datos revelaron
un gargalo en el sistema público de salud pública de Joinville: cerca de 41% de la población
de Joinville no poseía un acceso adecuado la red de servicios del sistema de salud, por la falta
de una política adecuada que garantice el acceso. En diciembre de 2004 Joinville contaba con
aproximadamente un 23% de la población con acceso al sistema de salud através del
Programa de Salud de la Familia, y otros un 36% de la población tenían su derecho la salud
garantizado a través de planes privados de salud. Para los otros un 41% de la población,
localizados en barrios con renta per cápita entre 1 y 2 salarios mínimos, no se identificó una
puerta de entrada adecuada al sistema público de salud. El estudio también colocó la cuestión
de la accesibilidad espacial de la atención la salud en el centro de la agenda decisiva, pues la
salud se hube viabilizado mientras derecho social y era preciso aproximar el sistema de salud
de las personas, y en especial de las clases excluidas. Como resultado fue posible identificar
con varios ejemplos como la estrategia de salud de la familia ofertó respuestas adecuadas a la
cuestión de la universalización del acceso a la salud, centradas en la definición de la
comunidad como espacio de actuación del equipo de salud.
Palabras llave: Geografía de la Salud; Sistema Único de Salud; Joinville (SC)
9
LISTAS DE MAPAS
Mapa
Assunto
Pagina
Mapa 1
Bairros de Joinville, 2004................................................................
41
Mapa 2
Bairros onde foram realizadas entrevistas estruturadas com a
população ........................................................................................
43
Identificação da área cedida a Sociedade Hamburguesa de
Colonização, 1849............................................................................
49
Mapa 4
Regionalização da saúde de Joinville, 2004.....................................
57
Mapa 5
Distribuição espacial das Unidades de Saúde, Hospitais e sedes de
regionais de saúde no município de Joinville, 2004........................
69
Mapa 6
Renda per capita por bairro de Joinville, 2004 ...............................
72
Mapa 7
Bairros com equipes de saúde da família implantados em
Joinville, 2004..................................................................................
86
Mapa 8
A cobertura Espacial do PSF e dos planos privados de saúde em
Joinville, 2004..................................................................................
Mapa 3
89
10
LISTA DE FIGURAS
Figura
Assunto
Página
Figura 1
Modelo da Teoria do Lugar Central..................................................
33
Figura 2
Joinville no contexto nacional e estadual..........................................
46
Figura 3
Modelo de cobertura da saúde no espaço municipal.........................
78
11
LISTA DE QUADROS
Quadro
Assunto
P.
Quadro 1
Sistematização da pergunta geral, objetivo geral e hipótese geral..........
17
Quadro 2
Sistematização das perguntas específicas, objetivos específicos e
hipóteses especificas...............................................................................
17
Diferenças entre o modelo da medicina científica e a saúde coletiva,
social e comunitária................................................................................
28
Quadro 4
Caracterização das entrevistas com os informante-chave.......................
38
Quadro 5
Relação entre as questões, objetivos, hipóteses e as perguntas
formuladas nas entrevistas estruturadas e semi-estruturadas..................
39
Caracterização das entrevistas com a população dos entrevistados nos
bairros(letras)..........................................................................................
42
Número de consultas médicas realizadas na rede pública de saúde de
Joinville, 1998-2004...............................................................................
63
Número de ACS e de ESF implantados em Joinville, 19982004.........................................................................................................
64
Quadro 9
População de Joinville, 1998-2004.........................................................
65
Quadro 10
Número de consultas per capita em Joinville, 1998-2004......................
65
Quadro 11
Indicadores de cobertura da Atenção Básica (PSF) em Joinville, 19982004.........................................................................................................
66
Número de pessoas cobertas por Assistência Médica Privada por ano
de Competência em Joinville, 2000 - 2004.............................................
67
Renda per capita e população dos bairros de Joinville, 2004..................
71
Quadro 3
Quadro 6
Quadro 7
Quadro 8
Quadro 12
Quadro 13
12
SUMÁRIO
Item
1
Assunto
Pagina
INTRODUÇÃO....................................................................................
13
1.1.2
SISTEMAS DE SAÚDE E ESPAÇO – CONCEITOS, HISTÓRIA,
RELAÇÕES.........................................................................................
Modelos de organização do sistema de saúde......................................
A
medicina
científica/flexneriana
e
a
saúde
comunitária/social/coletiva...................................................................
Princípios do SUS e conceitos da geografia.........................................
2
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.........................................
35
3
3.1
3.2
3.3
3.4
3.5
3.6
3.7
O ESPAÇO E SAÚDE EM JOINVILLE ............................................
Espaço Natural.....................................................................................
A Economia e a Infra-estrutura............................................................
História e saúde nos Primórdios da Ocupação de Joinville..................
O Início do Século XX.........................................................................
O Pós-Guerra........................................................................................
A promulgação da Constituição Cidadã e o SUS.................................
O SUS na atualidade.............................................................................
45
45
46
47
50
52
55
62
4
OS LIMITES ATUAIS DA GARANTIA DO ACESSO A
SAÚDE................................................................................................
Limites da Reforma Sanitária..............................................................
Sobrecarga da rede hospitalar publica municipal em Joinvile.............
Resistências e o não-lugar da atenção a saúde de Joinville..................
O PSF e a capacidade de configuração de espaços produtores de
saúde.....................................................................................................
1.1
1.1.1
4.1
4.2
4.3
4.4
5
19
19
20
27
74
74
79
85
91
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................
95
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................
99
ANEXO 1 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para
realização das entrevistas.....................................................................
106
ANEXO 2 – Roteiro das entrevistas ....................................................
108
13
INTRODUÇÃO
A saúde e a doença das pessoas, desde os primórdios da humanidade, são
condicionadas por várias causas. As causas variam no tempo e no espaço, e a capacidade
explicativa possui uma complexidade intrínseca e é historicamente construída.
Assim, desde a Antiguidade até os dias atuais, a saúde foi explicada de maneira
diferente por uma configuração de aspectos míticos, espaciais, biológicos, sociais e
econômicos.
Tais aspectos, a partir do processo de organização do sistema capitalista, acabam
realçando o papel e a importância do espaço como agente condicionante da condição de vida
das pessoas, assim como em sua capacidade de recuperar e manter sua saúde.
Carlos (1994) vinculou a dinâmica da acumulação capitalista ao processo de produção
e reprodução do espaço, apontando relações com o tipo de trabalho e o modo de vida à
formas e funções da cidade, e com a criação de carências e desigualdades no espaço urbano
(como água, luz, esgoto, transporte, educação), várias delas oferecedoras de determinações
sanitárias.
Coura-Filho (1997, p. 416), por sua vez, afirmou que a má qualidade de vida foi
sistematicamente produzida no tempo e lugar que interessou ao capital. Os novos processos
de produção de doenças estariam diretamente relacionados a este novo modo de produção,
garantindo a sobrevivência e crescimento do referido sistema econômico. Também Hissa
(1992, p. 75) afirmou que a dinâmica da organização capitalista, do ponto de vista sócioespacial favoreceu a concentração da morbi-mortalidade em áreas periféricas e
marginalizadas.
Tais abordagens trouxeram aportes reflexivos sobre as maneiras como o modo de
produção capitalista ofereceu determinações à saúde da população, elucidando articulações do
14
processo pelo qual as pessoas adoecem com o espaço produzido e reproduzido pelo
capitalismo.
As articulações advindas entre o modo de produção capitalista e o espaço produzido
pela sociedade no processo saúde-doenca se constitui em importante fator explicativo, que
vincula diretamente a necessidade de estudos entre a geografia e a saúde. Trata-se de campo
de estudo já consolidado na literatura cientifica nacional e internacional, fundamental para a
gestão de saúde pública, tão importante que cerca de 80% das necessidades de informação dos
gestores locais de saúde estão relacionadas com a dimensão geográfica (OPAS, 2002, p. 14).
A partir do reconhecimento deste contexto, que justifica um estudo que relacione
espaço e doença, buscou-se um recorte do objeto de analise, que pudesse conferir coerência
metodológica e precisão cientifica. Trilhou-se um caminho que possibilitasse exercitar a
capacidade da geografia de se constituir em ferramenta analisadora do entendimento do
processo de configuração de um sistema municipal de saúde, que elucidasse aspectos da
garantia do princípio constitucional de universalidade do acesso a saúde, a partir da
espacialização da sua rede de serviços.
Tal recorte levou ao estudo dos modelos de gestão de saúde, seus conceitos e cargas
ideológicas intrínsecas. No primeiro plano, dois grandes modelos, o flexneriano, de um lado,
e o comunitário, de outro, do qual derivou o Programa de Saúde da Família (PSF), disputando
no plano ideológico e gerencial dos sistemas de saúde, o cenário de conformação das políticas
de saúde neste pais.
Por outro lado, o recorte espacial, considerando a responsabilidade constitucional da
esfera administrativa municipal no Brasil, adquirida com a Constituição de 1988, indicou
necessidade de estudo nesta escala e a opção recaiu sobre Joinville, município de médio porte,
com cerca de 500 mil habitantes, pólo econômico da região sul do Brasil.
O desafio proposto reforçou a necessidade de trabalhar com conceitos capazes de
aproximar a gestão pública da resolução de problemas da saúde em uma perspectiva espacial.
Pelo lado da saúde, foi preciso aprofundar os estudos sobre a conformação da saúde enquanto
política pública e as diversas respostas buscadas ao longo do século XX para dar conta do
desafio.
As contribuições teóricas da geografia foram buscadas nas diferentes abordagens da
geografia da saúde, que na literatura internacional conformaram genericamente duas grandes
15
ênfases, uma focando nos processos de espacialização das doenças, e outro na geografia dos
sistemas de saúde (HOWE, 1983; JOSEPH, 1984; KEARNS, 1993).
Todavia, o desafio proposto acabou por tornar tênue as duas ênfases, por que exigiu
um prisma multidisciplinar, qualitativo, ajustado conceitualmente à necessidade de
identificação de problemas e à busca de soluções que pudessem dar conta de uma realidade
complexa, atual, dinâmica.
As considerações de Harvey e Morin sobre abordagens complexas reforçaram a opção
encontrada no presente trabalho. A necessidade metodológica de buscar novos desenhos e
modelagens para questões novas e complexas, foi tratada por Harvey (1980, p. 13) quando
afirmou que “se nossos conceitos são inadequados ou inconsistentes, não podemos esperar
identificar problemas e formular soluções políticas apropriadas”. Já Morin (2003, p. 36),
apontou a inadequação dos saberes desunidos e fragmentados frente à realidade complexa do
mundo atual.
Tal recorte indicou a necessidade do entendimento da conformação da rede de atenção
à saúde existente no município de Joinville, a partir de uma analise espacial, e sua capacidade
de garantir o acesso aos cidadãos de Joinville à saúde publica.
Para tanto, foi preciso aprofundar o estudo sobre os modelos de atenção a saúde que
buscam responder as demandas por organização do sistema de saúde no país. Depreendeu-se
deste levantamento a importância que o modelo flexneriano e aqueles oriundos da reforma
sanitária brasileira jogaram neste debate, na conformação espacial do acesso a rede de
serviços, e como iniciativas governamentais (PSF, por exemplo) de garantia do acesso à saúde
ganharam características próprias fruto desse embate.
O modelo da medicina flexneriana, em geral propôs a organização de serviços de
saúde sob a lógica do mercado do trabalho médico, centrando a especialização dos
procedimentos médicos e delimitando o espaço do hospital como espaço privilegiado de
atuação médica.
O modelo flexneriano possibilitou aprimorar a utilização do espaço como ferramenta
do mercado para desenvolver metodologias concentradoras de ações de recuperação da
doença no espaço do hospital.
As propostas oriundas da reforma sanitária, de forma ampliada, entenderam a saúde
como direito de cidadania, o que no bojo do processo de redemocratização brasileiro, levou a
consolidar este princípio na Constituição Brasileira de 1988.
16
Foi uma proposta que incorporou a análise espacial na busca de determinantes sociais,
e desenvolveu tecnologias espaço-centradas para o campo da gestão da saúde, em busca da
integralidade das ações de prevenção e recuperação de doenças, e promoção da saúde.
A partir do recorte apresentado o estudo procurou trabalhar com a seguinte questão
central:
como a configuração espacial da rede de atenção à saúde em cidades médias como Joinville
influenciou na efetivação da universalidade do acesso a saúde?
Especificamente, a partir do trabalho de campo e da pesquisa bibliográfica realizada, o
estudo pode aprofundar as seguintes questões: a) Quais os problemas advindos da não
implantação do PSF em todo o território do município de Joinville? b) Qual a capacidade do
PSF em configurar espaços produtores de saúde?
Cada questão originou um objetivo e uma hipótese. O objetivo geral foi definido da
seguinte maneira:
explicitar como a configuração espacial da rede de atenção a saúde influenciou na efetivação
da universalidade do acesso a saúde em cidades medias como Joinville.
Já os objetivos específicos, explicitados a partir do objetivo geral, foram: a) Explicitar
as dificuldades de expansão da implantação do Programa de Saúde da Família em Joinville;
e b) Verificar a capacidade do PSF de criar estratégias com capacidade de promover
espaços saudáveis, centradas na valorização do espaço local e do conhecimento prático.
A hipótese geral que norteou a presente pesquisa foi:
a configuração espacial da rede do Programa de Saúde da Família em cidades similares a
Joinville conformou os limites do processo de reforma sanitária, freando a capacidade dos
municípios em efetivar a universalidade do acesso a saúde.
As hipóteses específicas, derivadas da hipótese geral, foram: a) Existe um grande
vazio de acesso real à rede de atenção básica de saúde em Joinville, que sobrecarrega a rede
hospitalar publica municipal, conformado principalmente por regiões de classe media e
pobres não cobertas pelo PSF; e b) Os modos de fazer a gestão de saúde condicionam a
capacidade da gestão municipal de saúde em efetivar a garantia do acesso à saúde;
O Quadro 1, abaixo, explicita a relação entre o questionamento de pesquisa, o objetivo
e a hipótese gerais da dissertação.
17
Quadro 1 – Sistematização da pergunta geral, objetivo geral e hipótese geral
Pergunta Geral
Como a configuração espacial da
Objetivo Geral
Hipótese Geral
Explicitar como a configuração
A configuração espacial da rede do
rede de atenção a saúde em cidades espacial da rede de atenção a saúde Programa de Saúde da Família em
similares a Joinville influenciou na influenciou na efetivação da
cidades como Joinville conformou
efetivação da universalidade do
universalidade do acesso a saúde
os limites do processo de reforma
acesso a saúde?
em cidades médias similares a
sanitária, freando a capacidade dos
Joinville.
municípios em efetivar a
universalidade do acesso a saúde.
Fonte: Santos, A.A.
O Quadro 2, explicita a relação entre os questionamentos de pesquisa, os objetivos e as
hipótese especificas da dissertação.
Quadro 2 – Sistematização das perguntas específicas, objetivos específicos e hipóteses
específicas
Perguntas Específicas
Objetivos Específicos
Hipóteses Específicas
Quais os problemas advindos da Explicitar
as
dificuldades
de Existe um grande vazio de acesso
não implantação do PSF em todo o expansão
da
implantação
do real a rede de atenção básica de
território
do
município
Joinville?
de Programa de Saúde da Família em saúde
Joinville
em
sobrecarrega
publica
Joinville,
a rede hospitalar
municipal,
principalmente
que
por
conformado
regiões
de
classe media e pobres não cobertas
pelo PSF
Qual a capacidade do PSF em Verificar a capacidade do PSF de Os modos de fazer a gestão de
configurar espaços produtores de criar estratégias com capacidade de saúde condicionam a capacidade
saúde?
promover
espaços
saudáveis, da gestão municipal de saúde em
centradas na valorização do espaço efetivar a garantia do acesso a
local e do conhecimento prático
Fonte: Santos, A.A.
saúde;
18
O presente estudo foi organizado em cinco capítulos. No primeiro capítulo, se
explicitou os referenciais teóricos que orientaram o estudo. Foi dada ênfase na capacidade dos
modelos assistenciais flexneriano e comunitário de configurar a rede de atenção a saúde nos
espaços municipais. Também foram abordados os principais conceitos necessários ao
desdobramento teórico, assim como os princípios norteadores do Sistema Único de Saúde.
Os procedimentos metodológicos utilizados no processo de trabalho de campo e coleta
de dados serão apresentados no segundo capitulo, explicitando as opções pela realização de
entrevistas semi-estruturadas com informantes-chaves e estruturadas com a população, na
tentativa de revelar a materialização do processo de configuração da rede de serviços de
Joinville no período de implantação do SUS, assim como a diferente percepção e opinião dos
atores envolvidos no processo de construção do sistema de saúde de Joinville.
A evolução histórica da saúde pública do município de Joinville no período
compreendido entre a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) no país, e o ano de 2004,
quando se encerra um mandato de gestão municipal, foi trabalhada no capítulo terceiro, de
maneira articulada com a contextualização espacial em que se deu o estudo e as características
que individualizaram o objeto do estudo do ponto de vista de sua formação sócio-espacial,
etapa fundamental para contextualizar o recorte espacial.
A luz dos referenciais teóricos, dos procedimentos metodológicos e da
contextualização sócio-espacial foi apresentada, no quarto capítulo, a análise dos dados, com
a identificação de um modelo de análise espacial dos limites atuais da garantia do acesso
universal a saúde para parcela da população para as chamadas cidades médias.
As conclusões e considerações finais foram tratadas no capítulo quinto, com reflexões
oportunas e que são necessárias a radicalização do processo de implantação do SUS, a luz de
um entendimento espacial.
19
1 SISTEMAS DE SAÚDE E ESPAÇO – CONCEITOS, HISTÓRIA, RELAÇÕES
A revisão bibliográfica concentrou-se no resgate de conceitos fundamentais ao
entendimento da relação entre saúde e espaço, através da discussão dos principais modelos de
organização do sistema de saúde: o flexneriano e o comunitário. Os principais conceitos,
princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde em sua articulação com espaço e sua
validade para a gestão do sistema de saúde também foram objeto de pesquisa bibliográfica.
1.1 Modelos de organização do sistema de saúde
Os modelos de organização do sistema de saúde, ou desenhos tecnoassistenciais,
dizem respeito, sobretudo, à maneira como “se combinariam as diversas ações públicas e
privadas relacionadas com o processo de adoecer, recuperar e promover a saúde, nos espaços
de gestão e atenção da política de saúde” (BRASIL, 2005a, p. 79).
Paim (2002, p. 370), por exemplo, registrou que os modelos de atenção a saúde ou
modelos assistenciais seriam definidos genericamente como combinações de tecnologias
utilizadas nas intervenções sobre problemas e necessidades de saúde. Na mesma linha,
Mendes afirmou que os sistemas de saúde deveriam responder de maneira clara a três
objetivos: “proporcionar um ótimo nível de saúde, um grau adequado de proteção em relação
aos riscos de adoecer e satisfazer as expectativas do cidadão” (MENDES, 2001, p. 18).
As soluções apresentadas pelos modelos assistenciais poderiam ser exclusivamente de
natureza médico-curativa ou incorporar ações de promoção e prevenção. Também poderiam
organizar-se para atender a demanda de modo passivo, apenas aguardando casos que cheguem
ou buscar ativamente os usuários, independente de demanda (CECILIO, 2005, p. 145).
A necessidade de discutir articuladamente os saberes e a política na determinação da
forma de organizar a assistência foi enfatizada por autores como Malta, que afirma:
20
Modelo técnico-assistencial constitui-se na organização da produção de serviços a
partir de um determinado arranjo de saberes da área, bem como de projetos de ações
sociais específicos, como estratégias políticas de determinado agrupamento social
(MALTA, 2004, p. 438)
Os modelos assistenciais incorporam, principalmente no mundo ocidental capitalista,
uma dimensão articulada de saberes e tecnologias de grupos sociais que, apoiados na
dimensão política, disputam entre si como organizar a assistência ao público.
No Brasil, a história da conformação de modelos assistenciais registrou em sua
historia recente um grande embate na disputa pelo poder de organizar a assistência ao público.
A arena de disputa pelo poder de organizar o sistema de saúde consolidou dois grandes grupos
com diferentes respostas organizacionais: de um lado, o campo da chamada medicina
científica ou Flexneriana, e de outro a medicina comunitária, social e coletiva.
A medicina flexneriana propôs a organização de serviços de saúde sob a lógica do
mercado do trabalho médico, centrando a especialização dos procedimentos médicos e
delimitando o espaço do hospital como espaço privilegiado de atuação médica.
A medicina comunitária, social e coletiva, de forma ampliada, surgiu com o intuito de
buscar respostas às necessidades de saúde da população, entendendo-a como direito de
cidadania, o que no bojo do processo de redemocratização brasileiro, levou a consolidar na
Constituição Brasileira um importante conceito para este trabalho, a universalização do direito
ao acesso a saúde pelo cidadão (BRASIL, 2003, p. 108).
A seguir, apresentam-se os conceitos, princípios e características básicas que norteiam
os modelos flexneriano e comunitário.
1.1.1 A medicina científica/flexneriana e a saúde comunitária/social/coletiva
O modelo medicalizador, ou flexneriano centrou sua prática profissional no hospital e
na utilização intensiva de tecnologia de diagnóstico e terapêutica. Foi uma opção articulada
aos interesses econômicos hegemônicos, do complexo industrial hospitalar/farmacêutico
(BRASIL, 2005a, p. 84).
As raízes do modelo flexneriano remontam ao chamado “Relatório Flexner”,
apresentado em 1910, com o objetivo adequar a formação médica às inovações provindas das
21
descobertas dos microorganismos. O modelo flexneriano estimulou fortemente a
especialização e a pesquisa visando o conhecimento das doenças no corpo para sua reparação.
(BRASIL, 2005b, p. 54).
A medicina científica, de acordo com Mendes (1985, p. 37) apresentou as seguintes
características: a) mecanicismo (o corpo humano visto como uma máquina); b) biologicismo
(natureza biológica das doenças e de suas causas e conseqüências); c) individualismo
(indivíduo como objeto de ação e responsável pela sua própria doença); d) especialização
(acumulação do capital que exigiu a fragmentação do processo médico enquanto meio de
produção); e) exclusão de práticas alternativas (supremacia da medicina científica sobre
outras práticas médicas alternativas, populares ou acadêmicas); f) tecnificação do ato médico
(desenvolvimento de tecnologia médica, centradas na busca de novas e caras tecnologias); g)
ênfase na medicina curativa (setor da medicina mais suscetível a incorporação de tecnologia);
h) concentração de recursos (necessidade dos mercados em concentrar para obter ganhos de
escala).
A prática médica baseada no Relatório Flexner fortaleceu o poder dos médicos em
detrimento de outras práticas curadoras tradicionais, como a homeopatia, a medicina oriental,
o saber popular, entre outros, ao caracterizá-los como não científicos e ineficazes (LUZ,
1991).
As práticas médicas flexnerianas se ajustaram ao interesse do complexo industrial
hospitalar/farmacêutico. Foi a prática flexneriana que viabilizou a transformação da
recuperação da doença em um mercado muito lucrativo. Viabilizou em todo o mundo
capitalista ocidental um modelo de assistência centrado em consultas médicas, procedimentos,
equipamentos e medicamentos, com oferta hospitalar e atenção especializada como principal
meio de atenção à saúde. (BRASIL, 2005b, p. 54).
Porém, a aplicação do modelo da medicina científica mostrou-se inadequado para a
resolução dos problemas de saúde da grande maioria da população no decorrer da segunda
metade do século XX. Estudos de âmbito internacional identificaram problemas crescentes
relativos à ineficácia, ineficiência e desigualdade, gerada pela medicina científica.
Entre os problemas se destacam:
a) A ineficiência da medicina científica causada pela inflação médica, ou seja, pela
desproporção ou inexistência de correlação entre os investimentos em saúde e os níveis de
saúde, e a chamativa desproporção custo-eficácia da mesma (DOSSEY, 2006, p. 9);
22
b) a ineficácia da medicina científica, demonstrada por estudos e pesquisas que
evidenciam que os níveis de saúde atuais decorrem muito mais de mudanças no ambiente do
que de novas descobertas científicas da medicina (MENDES, 1985, p. 37-40);
c) incapacidade de responder às necessidades de saúde, ao risco de adoecer, morrer e à
acessibilidade dos serviços de saúde (MENDES, 1985, p. 37-40);
d) incapacidade de oferecer igualmente acesso aos serviços de saúde, contatada na
chamada Lei de Hart – “a disponibilidade de boa atenção médica tende a variar na razão
inversa das necessidades da população” (MENDES, 1985, p. 37-40).
Apesar da preponderância do enfoque flexneriano em detrimento de outros enfoques,
observou-se ao longo da segunda metade do século XX uma ampliação da tensão entre essa
abordagem e outras abordagens. A partir de meados de 1950, períodos em que predominaram
aspectos centrados em características biológicas, individuais e tecnológicas, foram
intercalados com outros em que se destacaram fatores comunitários e sociais.
A própria definição de saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e
social, e não meramente a ausência de doença ou enfermidade, inserida na Constituição da
Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1948, foi uma expressão da concepção ampliada
de saúde.
A Conferência de Alma-Ata, no final dos anos 1970, recolocou o predomínio do
enfoque coletivo e sobre os determinantes sociais que se afirma com a criação da Comissão
sobre Determinantes Sociais da Saúde da OMS, em 2005.
A medicina científica, pelo complexo industrial que gerou e mantém, garantiu seu
espaço nas sociedade industrial, o que determinou a concentração dos recursos de saúde. O
Hospital, que representou para a medicina científica o lócus privilegiado de atenção médica,
foi o equipamento de saúde mais sujeito a espacialização orientada pela lógica do mercado.
(MENDES, 1985, p. 35).
A localização ótima dos hospitais organizou no espaço a desigualdade do acesso à
saúde. A desigualmente espacial se configurou devido a lógica mercadológica que a orientou:
Os médicos e hospitais foram para o espaço daqueles que poderiam comprar os
procedimentos médicos, o espaço urbano, o espaço hegemônico do capital monopolista
(MENDES, 1985, p. 35).
23
O modelo flexneriano auxiliou no processo de (des)organização espacial na lógica do
mercado, aumentando a capacidade de atração populacional dos grandes centros urbanos. A
ampliação dos fluxos centro-periferia esgarçou o tecido urbano em direção às periferias,
criando novos movimentos de consumo de espaços periféricos.
O modelo flexneriano deslocou o problema de saúde da escala da coletiva,
comunitária, espacial, para o nível individual, biológico, e com isso menosprezou a
capacidade de intervenção do gestor público articulada a uma visão espaço-centrada,
intersetorial, que tivesse capacidade de promover saúde nas comunidades.
O espaço foi tratado como inerte, absoluto, simples repositório para utilização dos
homens em seu processo de desenvolvimento, papel em branco para escrita da história do
capitalismo na humanidade (DOSSEY, 2006, p. 11).
A medicina científica, ao partir da utilização de um conceito espacial inerte,
configurou a organização do sistema de saúde com características específicas, em que
questões vinculadas a garantia da sustentabilidade da medicina enquanto categoria econômica
prevaleceram sob aspectos da saúde como direito social.
Em especial, a capacidade de universalizar o acesso aos serviços de saúde para o
conjunto da população foi desprezada, uma vez que a lógica orientadora do acesso estava
vinculada a capacidade de consumir os procedimentos médicos, e também pelo fato dos
procedimentos médicos se apresentarem com valor agregado cada vez maior, devido a
tecnologia embutida nos mesmo (inflação médica).
Num período de 50 anos (do início do século XX, quando foi apresentado o relatório
Flexner, até meados dos anos 1950, com o final da segunda guerra mundial) a medicina
científica alcançou maturidade, consolidou-se como base de um poderoso complexo industrial
e gerou uma crise derivada da sua aplicação no mundo ocidental. A crise foi gerada pela
incapacidade da medicina científica em oferecer respostas efetivas de recuperação da saúde
para o conjunto da população mundial.
Os custos altos e crescentes restringiram o acesso aos procedimentos médicos para a
grande maioria da população pobre, no Brasil e no mundo. O fato do modelo se organizar a
partir de uma visão economicista, levando a aglomeração de hospitais nos grandes centros
urbanos, reforçou aspectos de concentração urbana, inviabilizando qualquer proposta de
universalização do acesso a saúde.
24
Para responder à crise gerada pela medicina flexneriana, em busca de aliviar as tensões
sociais, a comunidade cientifica internacional se movimentou, a partir da segunda metade do
século XX, na busca de alternativas.
Era preciso organizar uma estratégia/modelo com
capacidade de desatar os nós críticos e atuar de maneira complementar ao modelo da
medicina científica. O principal modelo apresentado como resposta moderada foi denominado
“medicina comunitária”. Suas características foram apresentadas por outro relatório,
elaborado em 1970, denominado “Relatório Carnegie”, que diagnosticou a crise da medicina
científica e propôs a sua desflexenarização. As principais recomendações do Relatório
Carnegie, de acordo com Mendes (1985, p. 48) foram:
a) integração docente assistencial;
b) expansão e aceleração da formação de pessoal auxiliar e técnico;
c) integração de matérias básicas e profissionalizantes,
d) incremento das matriculas de estudantes pobres nos cursos de saúde.
e) estruturação de programa sanitário nacional.
A medicina comunitária teve suas origens nas experiências dos sistemas de saúde
ocorridas em países subdesenvolvidos, principalmente na África Colonial inglesa durante a
primeira metade do século XX. Articulou uma dimensão ideológica de integração social dos
marginalizados, trazida pelos norte-americanos, como parte das políticas sociais de combate à
pobreza, implantadas no início da década de 1960 nos Estados Unidos, e foi difundida em
projetos pilotos em outros países subdesenvolvidos da África, Ásia e América Latina, a partir
da mesma década (BRASIL, 2005a, p. 59).
Foi a alternativa viável ante reformas mais radicais e abrangentes, organizando de
maneira complementar à medicina científica para aqueles que não possuíam condições de
pagar pelos procedimentos médicos. Ficou caracterizada como uma medicina dos
marginalizados, urbanos e rurais (MENDES, 1985, p. 46; MERHY, 2004, p. 74).
No Brasil, a partir dos anos 70, a crise da saúde se agravou, devido ao conjunto de
problemas trazidos pela implementação do modelo flexneriano. Serviços de saúde
historicamente divididos entre públicos, privados e filantrópicos, insuficientes, mal
distribuídos e descoordenados, incapazes de resolver os problemas de saúde da maioria da
população brasileira, associados aos interesses econômicos das indústrias de medicamentos,
de equipamentos e das empresas médicas, impediam a organização de um sistema de saúde
eficiente e capaz de dar conta dos problemas de saúde da população brasileira (PAIM, 2002,
p. 61).
25
Integrando um movimento em defesa da democracia, dos direitos sociais e de um novo
sistema de saúde, o processo de crítica à medicina científica avançou, conformando um
movimento por reformas denominado “Reforma Sanitária”.
O debate sobre a Reforma Sanitária deu origem a vários modelos ou desenhos
assistenciais alternativos ao hegemônico, que incorporaram outras opções ideológicas,
tecnológicas e organizacionais na construção do sistema de saúde nacional. (BRASIL, 2005a,
p. 84).
A síntese realizada por Merhy, que apresentou duas correntes no bojo da Reforma
Sanitária, um burocrático-sanitário e outro transformador (MERHY, 2006, p. 198), foi
importante por apresentar algumas diferenças na concepção que se traduziram em diferentes
aportes para a rede de serviços de saúde.
Merhy defende que no conjunto das propostas burocrático-sanitárias, estavam a
manutenção da dicotomia entre a assistência médica e saúde pública e a vinculação da rede
básica como “porta de entrada” do conjunto dos serviços de saúde (MERHY, 2006, p. 218).
Via a questão da extensão da cobertura dos serviços pela ótica do custo das ações, e
organizava seu modelo sob uma ótica gerencial/administrativa, onde caberia atenção básica
fazer a triagem do sistema, apenas.
A posição transformadora partiu de um debate mais estrutural do momento,
defendendo um outro paradigma de política social, que se traduzia numa modificação mais
radical da relação sociedade/Estado e que tinha a democratização do poder político e
socialização dos benefícios como metas (MERHY, 2006, p. 223). Foi chamada
transformadora porque propunha uma mudança jurídico-política da natureza da saúde, que
passaria a ser um bem público com o controle da política pelo Estado e a participação dos
grupos sociais da sociedade civil junto ao Estado, na gestão dos serviços (MERHY, 2006, p.
223).
Todo o debate das correntes da Reforma Sanitária desaguou no processo de
redemocratização e Constituinte. Os direitos inscritos na Carta Magna traduziram esse embate
interno e com o modelo hegemônico médico-privatista-flexneriano. Com a Constituição de
1988 a sociedade conquistou o reconhecimento da saúde como direito de todos os cidadãos e
dever do Estado, e incorporou a universalidade, a integralidade, a equidade, a
descentralização, a regionalização e a participação da comunidade como princípios e
diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).
26
Além disso, firmou a Constituição um conceito ampliado de saúde, entendido como
resultado das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho,
transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde
(BRASIL, 2003, p. 23). O principio da saúde como direito social trazido pela Constituição
reconheceu o ser humano como um todo, integral, e a saúde como qualidade de vida.
Os conceitos, princípios e diretrizes inscritos na Constituição inovaram ao incorporar a
dinamicidade do espaço e flexibilizar a configuração do sistema de saúde a real necessidade
dos usuários, demandando do poder público a superação do modelo assistencial flexneriano
como resposta governamental. A sociedade demandou através da Carta Magna um sistema de
saúde universal capaz de se estender ao conjunto da população.
Foi a necessidade de romper com o modelo flexneriano, centrado no médico,
fragmentado, voltado a doença, curativista e assistencialista, que trouxe consigo a
necessidade de buscar
novos entendimentos do espaço que fossem mais radicais e
incorporassem a crítica ao espaço entendido e pensado como inerte.
Este novo Modelo em sua teoria contou com variados graus de incorporação de
elementos da medicina comunitária e alguns eixos orientadores comuns, conforme
sistematizam materiais do Ministério da Saúde (BRASIL, 2005a, p. 84-85):
a) a utilização do território no processo de planejamento das ações de saúde;
b) definição ampliada dos problemas de saúde com o estabelecimento de estratégias
para percepção das desigualdades regionais e microrregionais, visando a equidade;
c) reorganização das práticas em saúde com uma abordagem interdisciplinar e de
integralidade em saúde;
d) revisão dos conceitos clássicos de hierarquização de serviços, com reconhecimento
da complexidade da atenção básica ou primaria;
e) articulação do setor saúde com os demais setores do governo na formulação de
políticas saudáveis;
f) gestão democratizada.
Também se orientou pelo princípio da saúde como direito social, o que representou
uma profunda diferença de concepção em relação ao modelo flexneriano, que via a questão da
saúde como subordinada os interesses do mercado. A prática coletiva de saúde foi priorizada
no Modelo da Saúde Coletiva, o que resgatou a importância do espaço para o debate das
27
políticas de saúde, principalmente o espaço local, da comunidade, espaço onde se estabelecem
vínculos e objeto de intervenção da política de saúde (MENDES, 1985, p. 53).
Um quadro sintético (quadro 3) apresentando as diferenças entre a medicina
flexneriana e a comunitária foi sistematizado por Reis (BRASIL, 2003, p. 109), o que
possibilitou realçá-las em várias dimensões (política/ideológica, constituição do saber, e
formato organizativo da assistência à saúde).
1.1.2 Princípios do SUS e conceitos da geografia
Além do aporte trazido pelo debate entre os modelos assistenciais, fundamental para
entender a origem dos diferentes conflitos existentes no processo de consolidação do SUS em
Joinville, outros conceitos foram fundamentais para o desenvolvimento da linha de raciocínio
que permeou a pesquisa: Universalização, equidade e acessibilidade.
Universalização, segundo Mendes (2001, p. 67) foi definido como “princípio ético
básico, que busca garantir a todos os cidadãos – independentemente de gênero, etnia, nível de
renda, vinculação de trabalho ou nível de risco – os direitos sociais fundamentais, em
quantidade e qualidade compatível com o grau de desenvolvimento de uma determinada
sociedade”.
O conceito de equidade foi o resgatado por Silva (2006, p. 25) como “um instrumento
de justiça para resolver as contradições entre as diversas formulas da justiça social formal ou
abstrata”. Em termos concretos, equidade foi entendida como direito de se tratar os desiguais
de forma desigual, priorizando a ação sanitária para os grupos populacionais com maior
demanda por saúde.
28
Quadro 3 - Diferenças entre a medicina científica e a saúde coletiva, social e comunitária
Dimensões
Política/
ideológica
Saber
Medicina científica
Liberal privatista ou neoliberal
Saúde (doença) enquanto mercadoria
Ciência positivista ou neopositivista
Concepção saúde/doença em bases biológica,
mecanicista, individualista e reducionista.
Prestigio da fisiopatologia, na qual a doença é
tratada como uma alteração morfológica e/ou
funcional do corpo humano. Predomínio da
clínica biologicista com concessão a uma
epidemiologia unicausal ou multicausal.
Organizativa/ Comando pelo mercado da doença (seguros,
Assistencial serviços, fábricas e comércio);
Concentração de serviços nas cidades mais
desenvolvidas e nos centros comerciais destas
Acesso mediado pelo poder aquisitivo do
consumidor
Preponderância do hospital como lócus das
ações
Ênfase na medicina curativa; exclusão das
práticas
alternativas;
especialização
e
tecnificação crescentes dos atos médicos;
Comunitária, coletiva e social
Democratização ampla, estado e sociedade
Saúde enquanto direito de cidadania
Materialismo
histórico,
planejamento
estratégico, planejamento urbano, psicanálise,
além da epidemiologia e da clínica.
Concepção saúde/doença da epidemiologia
social latino-americana que enfatiza o vínculo
entre saúde e condições de vida.
Correlacionando as dimensões biológicas,
ecológicas, culturais, da consciência e conduta
e dos processos econômicos, com base no
conceito de reprodução social.
Comando único em cada esfera de governo,
atravessado pela participação da sociedade
civil e organizada;
Descentralização e regionalização de ações e
serviços
Universalidade do acesso
Constituição de rede hierarquizada segundo
necessidades e níveis tecnológicos exigidos
Integralidade nas ações abrangendo o
indivíduo e o coletivo nos aspectos de
promoção, prevenção e cura em todos os
níveis;
Eficácia medida pelo grau de restauração ou Eficácia dada pelo impacto na melhoria das
manutenção da força de trabalho
condições de vida e da existência humana
Desconsidera a intersetorialidade
Valorização das ações intersetoriais.
Fonte: Reis, AT. (Apontamentos para uma apreciação de modelos tecnoassistenciais em saúde.
Mimeo. Belo Horizonte/MG, 2000 apud Brasil, 2003, p. 109)
O conceito de acessibilidade foi o apresentado nos estudos de Fekete (1997, p. 117).
Segundo Fekete, o conceito de acesso a serviços de saúde é complexo, e as necessidades dos
usuários e a oferta desse tipo de serviço conformam seus limites. O acesso em termos
geográficos é apenas um dos componentes da acessibilidade, uma vez que relaciona a
localização dos demandantes e da oferta de serviços de saúde. A acessibilidade se apresenta
como uma combinação de fatores de distintas dimensões:
a) Acessibilidade geográfica, identificada pela distância média entre o indivíduo e o
serviço de saúde. Levam em conta as condições para que esta distância média seja
percorrida. Importante destacar que a acessibilidade geográfica não garante o acesso,
uma vez que outros aspectos, como credibilidade dos serviços prestados ou horário de
funcionamento, podem obrigar deslocamentos que garantam o acesso em localidades
geograficamente mais distantes. As barreiras representadas pelas distâncias têm
29
impacto diferenciado conforme o nível de complexidade dos serviços demandados:
quanto mais especializados, mais longos serão os trajetos a serem percorridos, em
geral, dada a estrutura de distribuição dos estabelecimentos hospitalares de alta
complexidade.
b) Acessibilidade organizacional: indica o grau de acesso proporcionado pelo modo de
organização dos recursos de assistência à saúde. Os obstáculos podem estar no contato
inicial com a unidade de saúde ou dentro da unidade de saúde. No contato inicial,
destacam-se o tempo de espera para marcação de consulta e os horários de
atendimento. Nos obstáculos dentro da unidade, salientam-se o tempo de espera pelo
atendimento médico, bem como a facilidade em se fazer exames laboratoriais e
clínicos.
c) Acessibilidade sociocultural: refere-se à saúde percebida e à confiança nos serviços de
saúde. É preciso entender que a noção de estado de saúde difere entre pessoas de
grupos sociais diferentes. O diferente nível de formação da equipe de saúde e da
população usuária pode influenciar a capacidade para entender a informação
disponível, o diagnóstico e o tratamento, e este aspecto deve ser levado em conta para
que o processo se estabeleça de forma adequada.
d) Acessibilidade econômica: O pressuposto da gratuidade e universalidade deveria
eliminar esse tipo de barreira ao acesso. Mas os custos de transporte, consumo de
tempo, faltas ao trabalho também correspondem a gastos com assistência à saúde,
mesmo que indiretamente.
Os conceitos de regionalização e hierarquização dos serviços também foram
necessários por serem estruturantes da proposta do novo modelo de saúde construído no
Brasil após a Constituição, e trabalhou-se com aqueles majoritários no processo de definição
das políticas de saúde à época, o que levou finalmente ao estudo da teoria do Lugar Central.
O Modelo da Saúde Coletiva trabalhou com dois conceitos de espaço para
operacionalizar as ações de saúde, com rebatimentos diferentes no planejamento em saúde, do
ponto de vista espacial. Na matriz original da medicina comunitária, houve a incorporação do
modelo da desconcentração de recursos, fundado em três conceitos básicos: territorialização,
regionalização e hierarquização dos serviços. (MENDES, 1985, p. 54).
Sobre o conceito de territorialização, Mendes (1993, p. 166) criticou a forma como os
serviços de saúde comumente organizam o trabalho no território, dividindo-o em espaços
30
simétricos, pressupondo uma “distribuição homogênea dos problemas de saúde no espaço”, o
que segundo o autor não aconteceria na prática.
A ordenação do território de acordo com as necessidades e possibilidades das práticas
de intervenção, indicando uma subdivisão composta por: Território-Distrito, Território-Área,
Território-Microárea e Território-Moradia.
Cada uma delas está contida na de maior escala, de maneira que o Território-Moradia
é uma subdivisão do Território-Microárea, que é uma subdivisão do Território-Área, que se
encaixa no Território-Distrito.
Assim, seguem as definições de Mendes (1993) para:
a) Território-Distrito: corresponde à área de abrangência de um distrito sanitário,
podendo coincidir com o espaço do município, se for de pequeno porte, ou das
subprefeituras ou regiões administrativas, em caso de municípios maiores. Nesse caso,
há uma lógica político-administrativa, com certo grau de autonomia decisória, que
facilita o trabalho intersetorial, pela possibilidade de uma integração da autoridade
sanitária com responsáveis por diferentes setores;
b) Território-Área: corresponde à área de abrangência de cada unidade ambulatorial de
saúde, considerando os recursos existentes para a população adstrita àquele território;
c) Território Microárea: é definido pelo autor como o espaço privilegiado para o
enfrentamento dos problemas de saúde que são distribuídos de forma não homogênea
no espaço. Desta forma, os recursos e serviços disponíveis no Território-Área são
investidos no Território-Microárea com vistas à resolução dos problemas de saúde
identificados;
d) Território-Moradia: institui-se no espaço de vida de uma micro-unidade social (família
nuclear ou extensiva). Para Mendes, esse território tem grande valor operacional, pois
várias ações de saúde serão realizadas na moradia.
Por fim, apresenta o conceito de território-processo
Assim, um território-processo, base do distrito sanitário, deverá ser esquadrinhado
de modo a configurar uma determinada realidade de saúde, sempre em movimento.
Isto é, uma situação de saúde determinada pela dinâmica das relações sociais,
econômicas e políticas que se reproduzem historicamente, entre indivíduos e grupos
31
populacionais existentes no território, reprodução esta condicionada pela sua
inserção no conjunto da sociedade (MENDES, 1993, p.167).
Regionalização foi entendida como uma forma de organização dos sistemas de saúde,
com base territorial, uma diretriz que orienta o processo de descentralização das ações e
serviços de saúde (BRASIL, 2006, p.15). Incorporou o processo de territorialização com o um
dos seus pressupostos e que consiste, de acordo com o documento do Ministério da Saúde
(BRASIL, 2006, p. 15)
no reconhecimento e apropriação dos espaços locais e das relações da população
com a gestão e atenção a saúde, os equipamentos sociais existentes, pelas dinâmicas
das redes de transporte e de comunicação, pelos fluxos assistenciais seguidos pela
população, pelos discursos das lideranças locais e por outros dados que se mostrem
relevantes para a intervenção no processo saúde/doença – como o próprio contexto
histórico e cultural da região.
O processo de regionalização trazido pelo Ministério da Saúde, a partir da segunda
metade da década de 1990, deveria levar a identificação de regiões de saúde, como recortes
territoriais inseridos em espaços contínuos, organizados com o objetivo de atender às
demandas das populações a elas vinculadas, garantindo o acesso, a equidade e a integralidade
do cuidado com a saúde local. As regiões identificadas a partir deste processo poderiam
assumir diferentes desenhos, desde que adequado a diversidade local, mesmo que não
acompanhando as divisões administrações administrativas, viabilizando uma regionalização
viva (BRASIL, 2006, p. 23).
A Hierarquização dos serviços foi entendida a partir dos pressupostos de Cecílio (1997,
p. 47) que a caracterizou como tendo uma forma piramidal. Cecílio (1997, p. 47), indicou que
um modelo hierarquizado
teria na base, um conjunto de unidades de saúde, responsáveis pela atenção
primária a grupos populacionais situados em suas áreas de cobertura. Para esta
extensa rede de unidades, distribuídas de forma a cobrir grupos populacionais bem
definidos (populações adscritas) seria estabelecida, de uma forma geral, a seguinte
missão: oferecer atenção integral à saúde das pessoas, dentro das atribuições
estabelecidas para o nível de atenção primária, na perspectiva da construção de uma
32
verdadeira “porta de entrada” para os níveis superiores de maior complexidade
tecnológica do sistema de saúde. Na parte intermediária da pirâmide estariam
localizados os serviços ditos de atenção secundária, basicamente os serviços
ambulatoriais com suas especialidades clínicas e cirúrgicas, o conjunto de serviços
de apoio diagnóstico e terapêutico, alguns serviços de atendimento de urgência e
emergência e os hospitais gerais, normalmente pensados como sendo hospitais
distritais. O topo da pirâmide, finalmente, estaria ocupado pelos serviços
hospitalares de maior complexidade, tendo no seu vértice os hospitais terciários ou
quaternários, de caráter regional, estadual ou, até mesmo, nacional.
A rede hierarquizada representaria a possibilidade de uma racionalização do
atendimento, de forma que haveria um fluxo ordenado de pacientes tanto de baixo para cima
como de cima para baixo, realizado através dos mecanismos de referência e contra-referência,
de forma que as necessidades de assistência das pessoas fossem trabalhadas nos espaços
tecnológicos adequados.
Os conceitos de regionalização e hierarquização dos serviços trabalharam na
perspectiva da Teoria do Lugar Central de Christaller, que se apoiou no princípio da
centralidade, com organização a partir e em torno de um núcleo urbano principal. O núcleo
urbano estabeleceria uma relação de co-dependência com o entorno e a cidade conformaria
um mosaico de regiões complementares, formando hexágonos contíguos, num sistema
multicentrado e hierarquizado de núcleos e periferias em inter-relação (NAJAR, 2003, p.
709). Destaque-se que uma das principais limitações da Teoria do Lugar Central é a
necessidade de utilização de uma planície isotópica como base orientar o seu funcionamento
pleno.
A Teoria do Lugar Central auxiliou as equipes de planejamento em saúde a pensar no
processo de planejamento espacial para a localização dos equipamentos de saúde, visando
garantir o acesso espacial ao sistema de saúde de maneira complementar e hierárquica. As
unidades mais simples, com capacidade de resolver até 85% dos problemas de saúde da
população, deveriam estar o mais próximo possível das pessoas. As unidades mais complexas
e com capacidade instalada maior e equipamentos tecnológicos mais desenvolvidos
localizam-se na região complementar de várias unidades básicas, conformando uma cobertura
espacial decrescente, a partir de uma lógica de distribuição que pudesse aperfeiçoar sua
produtividade. (VASCONCELLOS, 1998, p. 79).
33
Figura 1 - Modelo da Teoria do Lugar Central
Cidade grande
Cidade média
Cidade pequena
Fonte: Najar (2003, p. 709), adaptado pelo autor
Um último conceito foi importante para o delineamento da pesquisa, por tratar-se
Joinville de uma cidade com essas características. A bibliografia brasileira recente, em
especial a de Amorim Filho e Serra (2001), foi tomada como orientadora do conceito de
cidade média, o que levou a considerar como cidades médias o conjunto de municípios com
população urbana entre 100 mil e 500 mil habitantes, que não sejam metropolitanos ou
capitais estaduais.
Conforme a força dos atores que defendiam os diferentes modelos nos lugares, foi
diferente a configuração da rede de serviços de saúde (MENDES, 2001, p. 88), assim como a
garantia do acesso a saúde foi diferentemente construída nos lugares. O jogo de forças para a
implantação dos diferentes modelos escreveu a história do SUS, no Brasil de uma maneira
geral, e em Joinville em especial (área de estudo), configurando a espacialização das relações
entre a saúde e o espaço local.
Como o processo de implantação do SUS foi atravessado pelo interesse de vários
atores sociais (partidos políticos, universidade, governantes, gestores de saúde, prestadores de
serviços, corporação médica, trabalhadores e usuários, entre outros) na formulação e
implementação, em constantes disputas, a efetivação dos princípios e diretrizes do SUS nos
diferentes municípios brasileiros foi cristalizada de maneira diferenciada (BRASIL, 2005b, p.
34
63). Em Joinville o processo foi configurado a partir da ação dos diferentes atores presentes
na arena política.
O custo de se propor a “Reforma Sanitária” em um contexto desfavorável à mesma,
em que o mundo passava por um processo de afirmação do neoliberalismo, foi o de se afastar
da proposta original. O produto da reforma, neste caso, representou aquilo que foi possível
fazer dentro daquele contexto, e não o que foi efetivamente pensado, levando a uma diferença
entre o pensado e o executado, acarretando em desgaste político para os defensores da tese da
reforma.
35
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A busca de elementos que pudessem comprovar a hipótese de que a configuração
espacial da rede do Programa de Saúde da Família em cidades com características similares a
Joinville, conformou os limites do processo de reforma sanitária, freando a capacidade dos
municípios em efetivar a universalidade do acesso a saúde, levou a utilização de opções
metodológicas que compreendessem a complexidade do desafio.
Para explicitar como a configuração espacial da rede de atenção a saúde influenciou na
efetivação da universalidade do acesso a saúde em cidades médias similares a Joinville,
optou-se pelo estudo de caso.
O estudo de caso caracteriza-se como um estudo exaustivo de um ou de poucos
objetos, de maneira a permitir seu conhecimento aprofundado (GIL, 1999, p. 25). O caso
estudado foi a gestão municipal de saúde de Joinville, no período compreendido entre a
implantação do SUS no país, em 1988, até o final da ultima gestão municipal eleita quando da
realização da pesquisa, em 2004.
A opção pelo estudo de uma gestão municipal se tornou pertinente pela sua
proximidade com o cidadão. As possibilidades concretas para a diversidade e para a
operacionalização por parte do gestor público de saúde, de desenhos alternativos para a
resolução dos problemas de saúde das pessoas. A reivindicação popular por melhorias, na
escala municipal, se fariam sentir com maior intensidade.
As características de Joinville, importante município da Região Sul do Brasil, onde a
complexidade da gestão pública municipal de saúde comporta inúmeras análises das relações
entre espaço e saúde, justificou a escolha. A ênfase no período de implantação do SUS se
justificou pela inscrição, na Constituição Federal de 1988, de vários direitos sociais e no
campo da saúde, como a integralidade, a regionalização, a participação popular na formulação
de políticas, e para a questão da garantia do acesso universal, o que conferiu ao período um
conjunto de características favorecedoras da produção de inovação e conflitos.
36
De acordo com os objetivos traçados no projeto de pesquisa, buscaram-se elementos
que pudessem comprovar as hipóteses traçadas, ou seja, oferecer capacidade explicativa para
possível replicação em realidades similares, de maneira mais geral e abrangente.
A dificuldade dos estudos de casos em geral consiste em encontrar elementos que
possam fornecer subsídios para generalizações. Como não se constituiu em objetivo do
presente estudo proporcionar o conhecimento preciso de determinadas características a partir
de procedimentos estatísticos, mas lançar proposições generalizáveis em situações similares
foi cabível tal metodologia (GIL, 1999, p. 27).
Com a definição do recorte espaço-temporal do estudo de caso (a gestão da saúde
pública de Joinville no período da implantação do SUS até 2004), foi realizado um primeiro
movimento de aproximação com a questão principal “Como a configuração espacial da rede
de atenção a saúde em cidades medias do Brasil influenciou na efetivação da universalidade
do acesso a saúde?”, materializado com a revisão da bibliografia que trata do tema, nos eixos
do espaço, e da gestão de saúde. A revisão da bibliografia foi importante para a sustentação e
a construção dos instrumentos de pesquisa e do trabalho de campo. A revisão da bibliografia
também buscou a contextualização histórica necessária para entender processos de formação
sócio-espacial da região de Joinville.
As entrevistas foram escolhidas como trabalho de campo devido a sua capacidade de
captar elementos que não estão presentes nos documentos oficiais. Importante registrar como,
para atingir os objetivos propostos, as entrevistas ratificaram e validaram informações
incorporadas ao trabalho empiricamente.
O trabalho de campo foi desdobrado em dois momentos: a) momento das entrevistas
semi-estruturadas; b) momento das entrevistas estruturadas.
As entrevistas semi-estruturadas foram aplicadas a atores estratégicos no processo de
implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) em Joinville. O que caracterizou uma pessoa
como informante-chave foi a sua vinculação, poder de decisão e participação ativa no
processo de implantação do SUS no município. Somente pessoas com alto poder de decisão,
do 1º e 2º escalão da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Joinville, ou Diretores dos
Hospitais Públicos com sede no município de Joinvile foram listados para participar da
entrevista semi-estruturada.
A realização de entrevistas semi-estruturadas com informante-chave teve o objetivo de
explicitar inter-relações existentes entre os modelos de atenção em saúde e a configuração
37
espacial, identificando no processo de implantação do SUS em Joinville, momentos e espaços
em que houve conflito, assim como dificuldades e resistências na garantia do acesso a saúde.
Também possibilitou identificar, na visão dos informante-chave, as maneiras como os
modelos de gestão se organizaram em Joinville.
A opção por entrevistas semi-estruturadas como método para a coleta de dados junto
aos informante-chave se justificou pela necessidade de aprofundar aspectos qualitativos,
vinculados a percepção, atitudes e motivações. Esta é uma metodologia útil para
pesquisadores que “querem descobrir quais são as questões básicas, como as pessoas
conceituam os tópicos, que terminologia é utilizada pelos informantes, e qual é o seu nível de
compreensão”. (SELTIZ, WRIGHTSMAN E COOK, 1987, p. 40). Suas qualidades consistem
em enumerar de forma mais abrangente as questões que o pesquisador busca abordar no
campo (MINAYO, 2004, p. 121).
Sobre isso, Bertussi (2002, p. 37-38) observou que a diferença entre as pesquisas
qualitativas e quantitativas seria a capacidade das primeiras em incorporar a questão da
intencionalidade, explicitando o mundo dos significados das ações humanas, um lado não
perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas. Consiste em método que
dispensa a significância matemática para apreender aquilo que de comum existe nos
indivíduos. Poucas entrevistas poderiam garantir a diversidade de posições acerca de um tema.
Peluso (1988, p. 68) enfatizou o fato de que “o pequeno número de entrevistados provém de
argumentação que diz respeito à própria condição do homem como ser social. Os conteúdos
da consciência, já foi dito, não são individuais, mas produtos das práticas coletivas e das
relações sociais e históricas que se materializam na fala.”
Os informante-chave identificaram territórios e momentos da gestão pública da saúde
de Joinville que pela sua explicação causal, aportavam aspectos relevantes para o
estabelecimento das relações entre o acesso, o espaço e a gestão pública de saúde. Também
aportaram com explicações e fatos importantes para o entendimento do cenário técnico e
político que compunha o contexto das decisões.
A utilização das entrevistas semi-estruturadas proporcionou a busca de várias
dimensões de uma mesma questão, potencializando uma compreensão holística e integral.
Foram realizadas seis solicitações de entrevistas com informante-chave e uma não
pode ser concretizada devido à impossibilidade de tempo do informante.
38
As entrevistas puderam explorar diferentes dimensões e escalas de abordagem do
objeto de estudo. As entrevistas semi-estruturadas foram identificadas pelos números de “um”
a “cinco” quando são tratadas nos capítulos que tratam dos resultados.
Quadro 4 - Caracterização das entrevistas com os informante-chave
Identificação
Sexo
Formação
Local de atuação
Entrevista 1
F
Enfermagem
Secretaria Municipal de Saúde (SMS) Joinville
Entrevista 2
F
Enfermagem
SMS de Joinville
Entrevista 3
M
Medicina
Hospital Regional Hans Dieter Schmidt
Entrevista 4
M
Medicina
Maternidade Darcy Vargas
Entrevista 5
F
Pedagogia
SMS de Joinville
Fonte: Santos, A.A.
A entrevista 1 recuperou o histórico do processo de formação do SUS no município de
Joinville e elementos de caracterização dos rebatimentos espaciais das opções da organização
do Sistema de saúde pública de Joinville, com situações de conflito em localidade na região
oeste do município, e questões relativas a localização de três equipamentos de saúde das
regiões sul e leste do município. Apresentou exemplos de como os fluxos foram utilizados no
processo de planejamento de implantação do PSF de Joinville e registrou como as limitadas
funções de alguns postos de saúde prejudicaram o processo de reorientação da rede de
serviços, e identificou alguns territórios de conflito oriundo da implantação do PSF no
município.
A entrevista 2 trouxe um panorama da evolução do processo de implantação do SUS
na região Oeste do município de Joinville, no período compreendido entre 1991 e 2003, e
outro ponto de vista da gestão da organização do sistema de saúde. Apresentou elementos
importantes para entender a dificuldade de implantação de equipes de saúde da família em
bairros com população de classe média.
39
Quadro 5 - Relação entre as questões, objetivos, hipóteses e as perguntas formuladas nas
entrevistas estruturadas e semi-estruturadas
Questão
Objetivo
Hipótese
Quais
os
problemas
advindos da não
implantação do
PSF em todo o
território
do
município
de
Joinville?
Explicitar
as
dificuldades de
expansão
da
implantação do
Programa
de
Saúde da Família
em Joinville.
Qual
a
capacidade do
PSF
em
configurar
espaços
produtores de
saúde?
Verificar
a
capacidade
do
PSF de criar
estratégias com
capacidade
de
promover
espaços
saudáveis,
centradas
na
valorização do
espaço local e do
conhecimento
prático.
Existe um grande
vazio de acesso
real a rede de
atenção básica de
saúde
em
Joinville,
que
sobrecarrega a
rede hospitalar
publica
municipal,
conformado
principalmente
por regiões de
classe media e
pobres
não
cobertas
pelo
PSF.
Os modos de
fazer a gestão de
saúde
condicionam a
capacidade
da
gestão municipal
de saúde em
efetivar
a
garantia
do
acesso a saúde.
Entrevista semiestruturada
(informante-chave)
1. Relate situações de
conflito no processo
de implantação do
SUS.
2.
Identifique
critérios
espaciais
para planejamento da
rede de atenção em
saúde.
3. Caracterize os
principais atores que
disputam o poder na
saúde de Joinville, e
seus interesses.
4.
Apresente
o
histórico
de
implantação do SUS.
5. Apresente como a
variável espacial foi
trabalhada
no
planejamento
das
ações de saúde.
6. Como foi o
processo
de
participação popular
na definição das
políticas e ações de
saúde. Cite exemplos.
7.
Avalie
a
participação
dos
usuários no processo
de
gestão
das
políticas de saúde.
Entrevista estruturada
(população)
1. O que é um problema
de saúde pública?Cite
alguns exemplos.
4. Relacione as situações
em que procurou o SUS
nos últimos 6 meses.
5. É correta a divisão das
áreas do PSF em seu
bairro? Porque?
7. Qual sua avaliação
sobre a qualidade da
saúde pública?
2. Como poderiam ser
resolvidos os problemas
de saúde da população?
3. Mapeie a delimitação
do PSF no seu bairro.
6. Já participou de
movimento pela melhoria
da saúde?
Fonte: Santos, A.A.
A entrevista 3 explorou a história de formação do SUS e de alguns equipamentos
públicos de saúde do município, localizados na região leste do município. Também relatou
sobre o processo de hegemonia de determinados setores da classe médica no município.
A entrevista 4 aprofundou o histórico de um importante hospital público estadual –
Maternidade Darci Vargas, localizado no centro de Joinville.
A entrevista 5 centrou sua fala no relato de situações de conflito intrínsecas ao
processo de implantação do Programa de Saúde da Família (PSF) em Joinville. Identificou
situações de conflito nas regiões leste e norte do município, e defendeu aspectos do processo
40
de planejamento e implantação de equipes de saúde da família no município, e as resistências
de alguns setores da classe médica.
As entrevistas semi-estruturadas com os informante-chave instruíram a identificação
dos bairros onde seriam realizadas as entrevistas estruturadas. As entrevistas estruturadas
foram aplicadas em moradores dos bairros identificados pelos informante-chave.
A resistência e dificuldade para implantação do SUS, também serviu para explicitar
questões trabalhadas nas entrevistas. As entrevistas estruturadas também objetivaram explorar
questões que ainda ficaram em aberto, em busca das origens dos conflitos, e captar a
percepção das pessoas sobre o acesso efetivo a saúde.
As entrevistas estruturadas estavam organizadas em dois eixos: um eixo de
qualificação do
entrevistado por idade, sexo, endereço, escolaridade, e outro eixo de
aprofundamento da temática de saúde e espaço.
As perguntas, cujo modelo encontra-se no Anexo 02, buscaram obter informações
sobre o que seria um problema de saúde pública na avaliação do entrevistado; como se
resolveriam os problemas de saúde da população; a indicação da delimitação do PSF no bairro
do entrevistado; as situações em que procurou o SUS nos últimos 6 meses; a avaliação sobre
a divisão das áreas do PSF em seu bairro; a participação do entrevistado em movimentos pela
melhoria da saúde e a avaliação do entrevistado sobre a qualidade da saúde pública no
município.
O número de entrevistas foi considerado suficiente quando as respostas começaram a
ser repetir – critério de exaustão-saturação. O critério de exaustão-saturação é utilizado neste
tipo de pesquisa quando nas entrevistas realizadas começam a ser reconhecidas a repetição
dos conteúdos dos depoimentos (BERTUSSI, 2002, p. 44).
Para identificar a capacidade de desenhos assistenciais trabalharem na perspectiva de
promover espaços saudáveis, buscou-se em trabalhos apresentados por equipes do PSF de
Joinville, exemplos de atuação intersetorial e de desenvolvimento de capacidades inovadora.
Além disso, trabalhou-se com fontes primárias e secundárias, como relatórios de
gestão, e com a realização de ampla revisão bibliográfica de fontes locais do SUS, com o
objetivo de confrontar as informações apresentadas nas entrevistas com dados de fontes
secundárias.
41
Outra fonte importante de dados foram os bancos de dados oriundos dos Sistemas de
Informação do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Saúde Suplementar, que
puderam qualificar e quantificar a cobertura do Programa de Saúde da Família e dos planos
privados de saúde no Brasil e em Joinville.
Mapa 1 - Bairros de Joinville, 2004.
Fonte: Joinville, 2006 (adaptado pelo autor).
Considerando a necessidade de se identificar diferenças e desigualdades em escala
intramunicipal, optou-se por trabalhar com dados agregados no âmbito dos bairros de
Joinville, que de acordo com dados de 2004, possuíam a seguinte configuração espacial (mapa
1).
42
Os mapas apresentados foram elaborados no software Terraview, do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (INPE), a partir dos dados coletados.
Quadro 6 - Entrevistas estruturadas realizadas com a população nos bairros (letras)
Identificação
Entrevista a
Entrevista b
Sex
M
F
Escolaridade
Ensino médio
Fundamental
Idade
43
46
Bairro
São Marcos
Aventureiro
Entrevista c
F
(4 anos)
Fundamental
43
Aventureiro
Entrevista d
F
(4 anos)
Médio
20
Aventureiro
Entrevista e
F
Médio
27
Aventureiro
Entrevista f
F
49
Anita Garibaldi
Entrevista g
M
53
Morro do Meio
Falta hospital
Entrevista h
Entrevista i
Entrevista j
M
M
M
Fundamental
(8 anos)
Fundamental
(8 anos)
n.i.
Superior
Fundamental
Síntese
Médico para os pobres; SUS é péssimo.
Vala negra divide áreas e a questão da
adscrição de clientela (PSF); “Só
atendem se a pessoa estiver morrendo.”
Mais médicos. Não nota diferença entre
os Postos próximos (Rio do Ferro e
Parque Joinville). Remédio é a bicicleta.
O pessoal da invasão não sabe em qual
posto vai. Acha que o SUS é bom. O
povo é que é preguiçoso.
Os ACS visitam, mas não dão consulta,
então não adianta.
Falta hospital e médicos.
39
30
35
Morro do Meio
São Marcos
São Marcos
Entrevista k
F
34
Nova Brasília
Entrevista l
F
n.i.
Boehmerwald
Entrevista m
M
53
Parque Guarani
Entrevista n
M
(8 anos)
Fundamental
(8 anos)
Fundamental
(4 anos)
Fundamental
(8 anos)
Superior
Esgoto a céu aberto é problema de saúde
O SUS é péssimo.
O ACS não pode dar remédio. E a
territorialização é incorreta pois tem que
ir no Posto mais longe de casa.
Hospitais são muito longe de casa.
25
Ademar Garcia
Entrevista o
F
Superior
37
Costa e Silva
Entrevista p
M
Médio
39
Boehmerwald
Custo da passagem de ônibus é muito
cara e dificulta ir ao hospital.
As consultas nos especialistas são
difíceis de conseguir.
Falta médico que resolva no posto de
saúde
O SUS é péssimo. Falta médico e o
hospital do centro está sempre cheio.
Investir na educação também, pois ajuda
na saúde.
Fonte: Santos, A.A.
As entrevistas estruturadas realizadas com a população foram identificadas com letras
minúsculas (entrevista a, b, c, d, e, ...).
Os quadros 4, 5 e 6 sistematizam e resumem informações básicas sobre as entrevistas
realizadas com os informantes chaves e com a população. O Mapa 1 identifica os locais onde
foram realizadas as entrevistas com a população.
43
Mapa 2 – Bairros onde foram realizadas entrevistas estruturadas com a população
Fonte: Santos, A.A.
Sobre o perfil dos entrevistados, registra-se que metade das entrevistas foi realizada
com pessoas do sexo masculino.
44
A maioria das pessoas entrevistadas tinha entre 30 e 50 anos, e uma formação escolar
variando entre 5 e 11 anos de escolaridade. Os bairros onde foram realizadas entrevistas são
representativos do conjunto das diversas faixas de renda per capita do município, conforme
apresentado no quadro 6.
45
3 O ESPAÇO E A SAÚDE EM JOINVILLE
A análise da configuração espacial demanda um aprofundamento nos aspectos
naturais, históricos, econômicos e sociais, em busca de evidências e articulações que
permitam estudar a configuração espacial da rede de atenção a Saúde em Joinville. O
levantamento sócio-espacial da escala municipal joga luz em importantes condicionantes do
processo de configuração do sistema de saúde do município.
3.1 Espaço Natural
O município de Joinville se localiza no litoral norte do Estado de Santa Catarina
(figura 2), região sul do Brasil, e ocupa uma área de 1.120 km2 (Joinville, 1998, p. 13).
O relevo desenvolveu-se sobre terrenos cristalinos da Serra do Mar e uma área de
sedimentação costeira. A parte oeste do município situa-se no planalto ocidental, com altitude
média de 800 metros e estende-se até os contrafortes da Serra do Mar. Na parte leste está uma
região de planícies deposicionais, resultado de processos sedimentares aluvionais nas partes
mais interioranas e marinhas na linha de costa, onde se encontram manguezais. (JOINVILLE,
1998, p. 13). O clima predominante na região, segundo a classificação de Koppen é do tipo
mesotérmico, sem estação seca (JOINVILLE, 1998, p. 14).
O município de Joinville possui mais de 640 km2 cobertos pela Floresta Atlântica, e 40
km2 cobertos por manguezais. (JOINVILLE, 1998, p. 14). A hidrografia local é fortemente
influenciada por aspectos estruturais e geomorfológicos. A rede de drenagem natural da região
apresenta formato dendrítico, com leitos encachoeirados e encaixados em vales profundos,
com vertentes curtas nos cursos médio e superior. Nas planícies de inundação, apresentam
baixa declividade e grande sinuosidade natural. (JOINVILLE, 1998, p. 15). Nas proximidades
46
da foz dos principais rios, a sedimentação de partículas de argila e a ação das marés criam
condições específicas para o surgimento dos manguezais. (JOINVILLE, 1998, p. 15).
Figura 2 – Joinville no Contexto Nacional e Estadual
Fonte: Santos, A.A. (adaptado)
3.2 A Economia e a Infra-estrutura
Joinville é o município mais populoso e industrializado de Santa Catarina. O parque
fabril do município, com mais de 1.500 indústrias, emprega 58 mil funcionários e cresce em
média 5,67% ano. Responsável por cerca de 20% das exportações catarinenses. Terceiro pólo
industrial da Região Sul, Joinville figura entre os quinze maiores arrecadadores de tributos e
taxas municipais, estaduais e federais. A cidade concentra grande parte da atividade
econômica na indústria - que gera um faturamento industrial de US$ 14,8 bilhões por ano com destaque para os setores metal mecânico, têxtil, plástico, metalúrgico, químico e
farmacêutico. O Produto Interno Bruto per capita de Joinville também é um dos maiores do
país, em torno de US$ 8.456/ano (JOINVILLE, 1998, p. 10).
47
O município possui transporte ferroviário que tem como finalidade o transporte de
cargas como farelo de soja, trigo, sucata, cerâmica, bentonita, óleo degomado, sorgo, aveia,
milho, fertilizantes, minério de ferro, bombonas de aço, ferro gusa e refrigeradores.
O município tem uma malha viária de 1.705,2 km, sendo 208,8 km de estradas vicinais
e 1.496,4 km de viárias urbanas. Do total de vias urbanas, 682,5 km são pavimentadas
(JOINVILLE, 1998, p. 18).
A energia elétrica do município é gerada e distribuída pela CELESC - Centrais
Elétricas de Santa Catarina S.A. Existem 07 subestações responsáveis que são: Subestações I,
II, III, IV, V, Pirabeiraba e Santa Catarina. No município, 181.013 consumidores dispõem de
energia elétrica (JOINVILLE, 1998, p. 20).
Atualmente, o sistema de abastecimento de água de Joinville é atendido pela empresa
pública “Águas de Joinville”, através de duas unidades de tratamento: Piraí e Cubatão, com
capacidade nominal de tratamento de 550 l/s e 1.300 l/s, respectivamente, totalizando 1.850
l/s (JOINVILLE, 1998, p. 30).
O sistema de distribuição de água é formado por sub-adutoras, reservatórios e redes de
distribuição. Ao todo, são 11 centros de reserva dispostos na área urbana de Joinville, com
capacidade de reserva da ordem de 37 milhões de litros. A rede de água é formada por uma
malha de distribuição com extensão aproximada de 1.850 km. O município tem 11
reservatórios com capacidade de 37.090.000 litros. A rede de distribuição tem uma extensão
de 1.830,331 km, com uma vazão de 1.830 litros por segundo. São atendidos 140.404
consumidores, com um consumo médio de 4.300.000 m3 por mês (JOINVILLE, 1998, p. 31).
O município conta com rede de esgoto sanitário, que recebe tratamento através de
lagoas de estabilização (duas unidades) do tipo australiano (lagoas anaeróbicas e lagoas
facultativas em série), e como polimento lagoas de maturação com vazo atual de operação de
180 litros por segundo, o que permite atender 15.220 ligações residenciais, 4.691 ligações
comerciais, 156 ligações industriais e 176 ligações públicas (JOINVILLE, 1998, p. 32).
3.3 História e saúde nos Primórdios da Ocupação de Joinville
Os vestígios mais antigos, os sambaquis, indicam que desde 5.000 a.C existe ocupação
na região de Joinville (CUNHA, 2003, p. 109). Por volta do final do século XVIII, famílias
48
luso-brasileiras ocuparam a região, como comprovam as concessões de sesmarias,
principalmente em localidades das regiões leste, centro e sul do município (CUNHA, 2003, p.
109).
Um casamento real deu novo rumo à história da região. O príncipe de Joinville,
François d´Órleans, filho do rei Louis Philipe de França, casou-se com a princesa brasileira
Dona Francisca, irmã do imperador do Brasil D. Pedro II, a 1º de maio de 1843, no Rio de
Janeiro. Recebeu como parte do dote nupcial, grandes extensões de terras devolutas na então
província de Santa Catarina. As terras foram escolhidas em 1844, pelo procurador do príncipe,
o vice-cônsul da França no Brasil, Léonce Aubé. Nos anos de 1845-1846 procedeu-se à
medição e demarcação de 25 léguas quadradas, que foram anexadas à Comarca de São
Francisco do Sul (FICKER, 1973, p. 14)
As dificuldades financeiras da família real indicaram a necessidade de levantar
recursos com o dote. Em 1849 foi assinado um contrato entre a Sociedade Hamburguesa de
Colonização e o príncipe e a princesa de Joinville (ele, filho do rei da França e ela, irmã do
imperador D. Pedro II). Tal contrato estabelecia a cessão de 8 léguas quadradas (do dote
recebido do Império brasileiro pelo casamento) à dita Sociedade, conforme indicado no mapa
3, para que fossem colonizadas por 1500 colonos em 5 anos, marca o início do mais
determinante processo de ocupação da região (CABRAL, 1987, p. 228).
A saúde dos moradores de Joinville, no final do século XIX e início do século XX foi
muito influenciada pelo meio. O elemento condicionante natural, a falta de condições
sanitárias e um conjunto de práticas e hábitos arraigados, desprovidos de preocupação
sanitária, reforçou a proliferação de doenças, fato agravado pela proximidade de nichos ou
focos naturais de doenças, áreas endêmicas, como a malária.
O Brasil da época era considerado por vários autores como “um imenso hospital”
(HOCHMAN, 1998, p. 64). Guedes (1996, p. 31), afirmou que “o Brasil oitocentista era um
país doente: varíola, malária, febre amarela, cólera e tifo, dentre outras, atacavam, sem
piedade, de norte a sul”. Santa Catarina ocupava papel marginal na economia do país, e a
situação de atraso e também se fazia presente no Estado.
49
Mapa 3 - Identificação da área cedida a Sociedade Hamburguesa de Colonização, 1849
Fonte: Ficker, 1965 (adaptado pelo autor)
Em 1852 a Colônia Dona Francisca possuía 679 habitantes, e 125 pessoas já haviam
falecido, o que apontava para uma taxa de
mortalidade de cerca de 155 por mil.
(RODOWICZ, 1992, pg, 35). Apenas para comparar, em 1864, os números indicavam que a
taxa de mortalidade no Rio de Janeiro eram de 25 por mil habitantes, Em Marselle, na França,
a taxa de mortalidade chegava a 30 por mil e Florianópolis a 45 por mil.
O período compreendido entre o final do século XIX e o início do século XX, apesar
das baixas condições sanitárias, foi determinante para a delimitação territorial do sitio urbano.
As dificuldades encontradas para manter atividade agrícola em escala econômica aliada ao
desenvolvimento de outras atividades econômicas na região (erva-mate), proporcionou
condições para o desenvolvimento de atividades de suporte a atividade econômica
preponderante àquele momento.
As condições para transformação de uma colônia agrícola para um espaço urbano
estavam dadas.
50
3.4 O Início do Século XX
O início do século XX marcou grandes transformações na estrutura econômica e social
do País, que beneficiaram segmentos sociais específicos da população urbana em processo de
aceleração de crescimento, em vista da intensificação dos movimentos migratórios de origem
rural. Além disso, os frutos do acelerado desenvolvimento econômico, que se verificou em
diversos momentos, não foram distribuídos com equidade, resultando em uma sociedade onde
se ampliaram, ao longo do tempo, um conjunto de desigualdades sociais, tais como as
regionais, étnicas e culturais.
A vinda dos colonizadores proporcionou, à medida que Joinville se transformava em
rota de escoamento da produção de erva-mate do planalto norte-catarinense, um milieu1 capaz
de desenvolver a instalação de pequenas oficinas mecânicas e de conserto dos carroções que
viabilizavam o transporte da erva-mate.
A estrada Dona Francisca influiu decisivamente na expansão da indústria ervateira,
pois cristalizou um fluxo de escoamento da produção de mate, propiciando condições de
sustentação da uma economia de suporte de pequenas oficinas que trabalhavam com reparos
nos carroções que faziam o trecho. Este aspecto reforçou a posição de Joinville como ligação
e entreposto entre o planalto e o Porto de São Francisco do Sul, no abastecimento de
suprimentos para a região (FICKER, 1965, p. 407).
Com a expansão da indústria ervateira, surgiu a necessidade de ligação ferroviária da
região com a linha férrea que ligava São Paulo ao Rio Grande do Sul. Esse ramal deveria
ligar-se ao Porto de São Francisco do Sul e suas obras foram inauguradas em 1906. Destacase que o projeto do ramal ferroviário foi alterado para que passasse pelo centro de Joinville,
pois no projeto original o ramal passava a 25 km ao sul da cidade (FICKER, 1965, p. 389)
O processo advindo das atividades da erva-mate, principalmente no período
compreendido entre 1880 e 1910, foi decisivo para a urbanização de Joinville. A condição
proporcionada pelo modelo de organização da colônia (rural de pequenas propriedades), e
1
Processo descrito por Benko (1996, p. 76), ao estudar determinadas regiões da Europa. O milieu se forma a
partir de um conjunto de características socio-espaciais, com “o ambiente local sendo levado a inventar e a
utilizar novas estruturas econômicas e estruturais”. Benko caracteriza o milieu como um processo que ultrapassa
a lógica da explotação e que cria, no hinterland de determinadas regiões, uma economia que se integra ao
sistema de divisão de trabalho e de externalidade positiva.
51
pelo perfil de formação dos colonos, facilitou a instalação/ocupação mista residencial e fabril,
para suporte de tais atividades, fato comprovado pelas grandes fábricas na área central da
cidade existentes até os dias de hoje.
A construção da ferrovia em 1906 materializou a inclusão de Joinville em novo estágio
da economia regional catarinense, ressaltando o papel cada vez mais destacado de condutor
do desenvolvimento regional, pelas características proporcionadas pela ocupação advinda da
colonização.
No nível local, a ferrovia cristalizou a criação de um fluxo de circulação na região
oeste do município, de sentido mais transversal (leste-oeste), em oposição ao primeiro eixo de
circulação (norte-sul) criado pelos colonizadores germânicos na localidade.
Tais transformações tanto no plano federal, quanto no plano regional, refletiram-se nos
índices de mortalidade, em especial os da mortalidade infantil, gerando um quadro
denominado de transição epidemiológica e que colocou num mesmo espaço, um conjunto de
problemas sanitários decorrentes da ocupação do espaço rural com os problemas advindos do
processo de urbanização.
Fortalece-se neste período o lento e consistente declínio de mortalidade, iniciado desde
o princípio do século XX como reflexo da implantação de novas políticas sanitárias, mais
coercitivas, implantadas como reflexo da Gripe Espanhola de 1918, conforme descreve
Guimarães (2005, p. 19):
A gripe espanhola, que tomou conta do país em 1918, teve impacto significativo
sobre a percepção coletiva das relações entre doença e sociedade e sobre o papel da
autoridade pública.(...) A epidemia produziu um consenso mínimo a respeito da
necessidade urgente de mudanças na área da saúde pública ao atingir também as
elites. Sob o impacto da gripe espanhola, o poder público avançou na sua
capacidade de agir coercivamente sobre a sociedade, durante os anos 20.
Em 1928, Joinville contava com 35 mil habitantes e a mortalidade era muito inferior
as taxas nacionais da época. O total de 385 óbitos registrados no município no ano de 1928,
por exemplo, indicou uma taxa de mortalidade de 11 por mil, enquanto a taxa nacional de
mortalidade rondava os 25 por mil (YUNES, 1974, p. 15).
A conseqüência do aumento do processo de urbanização em Joinville levou ao
aumento do valor dos lotes urbanos, tornando-o uma mercadoria inacessível para grande parte
da população migrante.
52
A urbanização, mais veloz que a industrialização, reorganizou o espaço, onde aos mais
pobres restavam apenas os lugares mais distantes da cidade, lugares estes sem infra-estrutura
adequada para moradia, sem serviços públicos, mas, infelizmente, a única opção que o
mercado informal podia oferecer-lhe para fins do exercício do direito à moradia.
O processo de urbanização que proporcionou a reorganização do espaço joinvilense,
pressionou a transição do espaço rural formado por pequenas propriedades para um espaço
urbano, industrial. O quadro de transição do rural para o urbano conformou o pior dos mundos
sob o ponto de vista da saúde dos moradores de Joinville. O quadro de morbidade típico de
áreas rurais foi mantido e um novo se instalou, típico de regiões em processo de
industrialização com urbanização descontrolada, o que potencializou a morbidade e a
mortalidade a partir dos efeitos negativos do processo de industrialização.
A aglomeração, a falta de salubridade e saneamento, conjugados à migração e às
doenças típicas do espaço rural, concentrou as fragilidades, doenças e mortes no espaço
urbano. A transição epidemiológica nos país do terceiro mundo foi em geral a sobreposição
dos problemas de saúde das áreas rurais com os das áreas urbanas, marcando esses espaços
em que houve transição do rural para o industrial.
Outro ponto importante, para o caso de Joinville, foi a necessidade sentida pelas
empresas de contratar médicos nas indústrias e sindicatos, conforme afirmou Valentim (1997,
p. 81). As indústrias já percebiam que era preciso criar condições para a recuperação do
desgaste da força de trabalho, necessidade que foi sentida porque a falta de salubridade dos
trabalhadores prejudicava o rendimento da produção industrial.
Como a saúde era entendida como a capacidade de recuperação da força de trabalho, e
não um direito a ser garantido a todos, tornando-se assim um problema individual, as
empresas assumiram o papel de protagonista na criação de mecanismos que pudessem
garantir a capacidade de recuperação da força de trabalho.
3.5 O Pós-Guerra
A partir do final da 2ª Guerra Mundial, um período de prosperidade e desenvolvimento
econômico se instalou, com reflexo, ainda que desigual, nos índices de mortalidade. Verifica-
53
se que a tendência de queda da mortalidade é mantida, embora menos acentuada. Em 1965, a
mortalidade infantil no Brasil caiu para 116 por mil.
A mortalidade infantil caiu mais vagarosamente no período compreendido entre 1960 e
1970 devido a crise social e econômica vivenciada pelo País.
A ditadura no Brasil, nos anos 60, provocou a centralização e a concentração do poder
institucional, fortalecendo a visão da medicina científica no país (LUZ, 1991). Articulada com
os problemas do êxodo rural e da pressão demográfica sobre os grandes centros urbanos, que
foram muito acentuados, a concentração provocada pela medicina flexneriana e representou
uma pressão adicional sobre os serviços de infra-estrutura e de atendimento público.
O sistema de assistência médica organizado no tempo da ditadura, flexneriano, foi
incapaz de responder a crescente pressão da massa assalariada urbana pela ampliação e
melhoria do sistema de saúde.
A complexidade do quadro foi acentuada devido a inflação médica, isto é, o aumento
desproporcional dos custos dos procedimentos médicos, que provocou a elevação dos custos
da assistência médica, devido às transformações científicas da medicina, centrada no hospital,
nos medicamentos e equipamentos médicos. A conjugação levou a uma crise sem tamanho
(BRASIL, 2005b, p. 46).
A crise do setor saúde e a reação a ditadura gerou um caldo de produção intelectual
orgânica pela mudança com inovação. Um grupo de intelectuais vinculados ao Partido
Comunista Brasileiro (PCB) ainda na ilegalidade, e várias lideranças políticas do campo da
oposição à ditadura, começavam a discutir os problemas da saúde brasileira. O grupo entendia
que saúde se constituía em direito do cidadão e buscava um modelo de sociedade alternativo
ao que estava posto, oferecendo os contornos básicos da chamada “Reforma Sanitária”.
Em Joinville, as oportunidades geradas pela crise do sistema capitalista dos anos 30 do
século XX, e as 1ª e 2ª grandes guerras mundiais, todas estimuladoras de políticas de
substituição de importações, intensificaram o processo de parcelamento do solo no centro da
cidade e nas proximidades da região sul de Joinville.
A partir da década de 50, o processo de industrialização de Joinville deu nova
dinâmica à urbanização da região, ampliando a extensão do tecido urbano para as regiões
norte, oeste e sul de Joinville, agudizando problemas relativos a transformação do uso do
54
espaço, com a expansão do “tecido urbano” 2 . Os estudos de Santana (2000, p. 67)
demonstram que
um segundo momento se revela a partir do processo de industrialização da cidade de
Joinville – a partir dos anos 50, que resultou em um crescimento vertiginoso da
população, demandando grande mobilidade social de outras áreas da região sul do
país, que viria a se expressar na reorganização da cidade, pois essa nova população
precisava ser assentada em algum lugar.
Os vetores da expansão do tecido urbano de Joinville apontavam, no período de
1967/1976, em direção ao norte, seguidos pelas zonas oeste e Sul. Santana (2000, p. 75)
relata que a tendência de ocupação dessas áreas se explica pelo fato de se constituírem nas
periferias em expansão, menos equipadas em termos de infra-estrutura urbana e comunitária,
e que por isso mesmo tinham no baixo preço da terra o mecanismo de viabilização dos
loteamentos populares.
A fragilidade da função agrícola que sustentava o uso das regiões norte, oeste e sul de
Joinville, tornou-as anti-econômicas frente à necessidade de espaço para alojar as massas de
migrantes que vinham de várias regiões de Santa Catarina e de outros estados em busca de
uma oportunidade de trabalho, no pujante complexo industrial metal-mecânico
que se
expandia.
Joinville viveu neste período a consolidação do modelo da medicina científica. O
Hospital São José, maior hospital público da região nordeste de Santa Catarina, criado no
início do século XX com a finalidade de atender aos pobres e desvalidos da região, tornou-se
ao longo de meados dos anos 50 no mais importante hospital público da região.
A crise no modelo de saúde brasileiro representou momentos difíceis para o Hospital
São José. Entre os anos 1960 a 1980, as crises se sucederam, originadas pelo modelo médico
privatista implantado no país e adotado no São José, e que lavaram à permanente defasagem
nos valores pagos por procedimento médico pelo INAMPS – Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social, os freqüentes atrasos e a grande inflação da época
(VALENTIM, 1997, p. 302).
O modelo dual e separado, com a assistência curativa separada da dimensão preventiva
e de promoção, e com as ações de âmbito municipal desvinculadas das ações executadas pelo
2
Tecido urbano é um Termo trabalhado por Lefebvre (1969, p. 16) ao explicar como é o processo de expansão
do modo de viver urbano, da emergente sociedade urbana,
55
governo estadual e federal, foi o modelo para a saúde de Joinville até a aprovação da nova
Constituição Federal, em 1988.
A prova da fragilidade do sistema foi representada pela convivência do modelo
público, com um aparato médico-privado cooperativado, que ofertava cobertura a parcela
significativa da população, através de convênios firmados entre as indústrias sediadas no
município. Em meados dos anos 1980, a União dos Médicos (UNIMED) chegou a ter 1/3 da
população de Joinville como cliente (VALENTIM, 1997, p. 146).
O fato da Secretaria Municipal de Saúde ter sido criada somente em 11 de novembro
de 1987, através da lei municipal 2188 (SANTOS, H, 2005, p. 25), indica a distância que
havia entre a gestão municipal e a responsabilidade com uma política de saúde pública.
3.6 A promulgação da Constituição Cidadã e o SUS
Com promulgação da Constituição Federal, que consolidou um processo de radical
transformação do sistema de saúde brasileiro, Joinville acelerou o processo de reorganização
do modelo de gestão da saúde.
Desde 1990, a transferência de responsabilidades de saúde para os municípios foi
materializada em Normas Operacionais, editadas pelo Ministério da Saúde. Nesse sentido,
foram editadas a Norma Operacional Básica (NOB) SUS 01/91 e a NOB/SUS 01/92,
enfatizando a necessidade da descentralização das ações e serviços de saúde.
A partir de 1990, houve um processo de municipalização de unidades de saúde geridas
pelos governos estaduais e federal.
O desafio da implantação do SUS em todo o país, e em Joinville isso não foi diferente,
consistiu em articular as ações, antes dispersas nos governos federal, estadual e municipal, no
âmbito curativo, da prevenção de doenças e de promoção da saúde.
Outro desafio foi criar condições políticas para a implantação da proposta da
universalização do acesso à saúde. O principal ator na definição da política municipal de
saúde, a classe médica, defendia a manutenção do modelo hegemônico, apontando a
necessidade de um sistema de serviço de saúde pública voltado somente aos pobres. Exemplo
dessa defesa foi a aprovação da Carta de Joinville, em 1996, em evento nacional organizado
pela classe médica de Joinville e que expressa claramente sua opção por “estimular, ao
56
máximo, programas de medicina comunitária e outros que atinjam as populações mais
carentes (VALENTIM, 1997, p. 149).
Neste quadro, em que a inadequação do modelo de gestão pré-SUS se materializava,
frente aos novos desafios, foi preciso oferecer respostas, readequando a estrutura
organizacional da Secretaria Municipal de Saúde aos desafios propostos pela Reforma
Sanitária.
A implantação de regiões de saúde, seguindo a lógica dos distritos de saúde, foi um dos
primeiros atos da Secretaria Municipal de saúde, em busca da integração da rede assistencial.
As regionais de saúde de Joinville foram identificadas a partir do conceito de distrito
trabalhado pelo Ministério da Saúde. De acordo com o Ministério da Saúde, o distrito seria a
unidade mínima operacional e administrativa do SUS, implicando numa delimitação
geográfica concreta, norteada pelos princípios do SUS, e que correspondesse a uma parte de
um município, permitindo a divisão dos serviços de saúde no âmbito municipal (BRASIL,
1990, p. 12)
O município, de acordo com a Entrevista 01, foi dividido em 07 distritos ou regionais
de saúde (Centro, Floresta, Boa Vista, Costa e Silva, Vila Nova, Aventureiro e Pirabeiraba).
Atualmente, são 9 as regionais de saúde, conforme apresentado no mapa 4.
Através da entrevista 1, realizada com integrante da equipe dirigente da Secretaria
Municipal de saúde à época, soube-se também que o arranjo institucional criado para dar
sustentação as mudanças foi precário. Não houve uma lei municipal que redefinisse os cargos
e responsabilidades, e tudo foi realizado no limite da capacidade do gestor de programar as
mudanças naquele momento (entrevista 1). Esta informação auxilia a entender a dificuldade
dos municípios em se adequar ao novo momento em que assumia responsabilidade pela
garantia da oferta a saúde.
Um processo novo, conduzido por uma instituição nova (a Secretaria Municipal de
Saúde tinha menos de três anos à época), tentava romper com estruturas instituídas há muito
tempo. Romper com o antigo modelo, que operava dentro de uma lógica fragmentada,
baseada no pagamento de procedimentos médicos, e separava a prevenção da assistência
médica, implicava em ousar e romper com antigas práticas, centradas no médico e no hospital.
A materialização dos princípios do SUS no município significava a fragilização de
importantes grupos políticos, ligados a planos privados de saúde.
57
Mapa 4 - Regionalização da saúde de Joinville, 2004
Fonte: Santos, A.A.
58
O princípio da participação popular na definição da política de saúde, através dos
Conselhos de Saúde, com representantes eleitos, foi uma conquista do processo constituinte
que precisou ser conquistado na prática. Estes espaços formais deveriam atuar como
possibilidade concreta de fiscalização e de formulação de política públicas de saúde.
Entretanto, este espaço político de luta nem sempre é ‘dado de graça’, mas
conquistado pelas forças e organizações democrático-populares. No Brasil, em
muitos municípios e mesmo estados onde a tradição de participação da sociedade
civil é fraca, os conselhos são inexistentes na prática, ou muitas vezes apenas
formais e manipulados pelas forças políticas dominantes. Em outras palavras, sua
efetivação real constitui um processo de luta e conquista, através de uma aliança
entre gestores comprometidos, organizações profissionais, organizações populares e
de usuários/familiares, sindicatos, etc. (VASCONCELLOS, 2001, p. 33)
No caso de Joinville, o processo de conquista da efetivação do princípio constitucional
demandou por parte dos movimentos sociais e populares uma grande mobilização. A demanda
dos movimentos sociais do município pela implantação do Conselho foi intensa e marcada por
disputa judicial. Após muita luta um projeto de lei foi apresentado pelo poder executivo, que
se materializou em 22 de março de 1991 através da lei municipal 2503.
O Fundo Municipal de Saúde foi criado logo a seguir, através da lei 2752, de
24/11/1992. (SANTOS, H, 2005, p. 25-26). Os primeiros passos para o município se ajustar as
leis federais 8.080 e 8142, denominadas “Lei Orgânica da Saúde” fora dado.
A eleição de 1992 para prefeito e vereadores foi um marco para a saúde de Joinville. A
pressão popular pela efetivação do direito a saúde levou Joinville a um crescimento não
planejado das unidades de saúde.
A pressão das comunidades por melhoria na qualidade da saúde levou o Prefeito a
responder com a implantação dezenas de Postos de Saúde3, como forma de buscar votos. A
entrevista 1 trouxe elementos importantes para entender a dinâmica de instalação dos Postos
ou Unidades Básicas de Saúde.
3
Posto de Saúde, ou unidade de saúde, de acordo com documento do Ministério da saúde, é a unidade de saúde
que presta assistência a uma população determinada, estimada em até 2.000 habitantes, utilizando técnicas
apropriadas e esquemas padronizados de atendimento. Não dispõe de profissionais de nível superior no seu
quadro. permanente, sendo a assistência prestada por profissionais de nível médio ou elementar, com apoio e
supervisão. (BRASIL, 1990, p. 7)
59
A eleição estava se aproximando, e era preciso oferecer uma resposta para a
população. Como a pressão vinha de setores organizados, uma das opções adotadas
foi a instalação de Postos de saúde nos espaços das entidades demandantes, como
associações de moradores, centros sociais urbanos e igrejas. (entrevista 1)
O movimento de implantação de postos ou unidades de saúde sem planejamento
fragilizou a garantia do acesso à saúde. Postos de saúde em locais inadequados, sem a
estrutura mínima necessária a realização de exames clínicos e consultas dos profissionais de
saúde, geraram sentimento de falta de credibilidade junto a população, agravando o problema
na medida que aumentava a demanda por mais hospitais.
A entrevista 2, realizada com gestora de uma regional de saúde do município à época
de implantação do PSF, destacou os problemas enfrentados pela expansão desorganizada e
sem planejamento das Unidades de Saúde no início dos anos 1990, e que cobrava seu preço
no começo de 1995.
A localização inadequada destes postos de saúde levou a população a “pular” o
atendimento no posto, buscando auxílio no ponto socorro do hospital São José, no
centro da cidade. O gestor municipal da saúde tentou atenuar o problema criando
um Pronto Atendimento (PA) na região sul da cidade, com o objetivo de desafogar
o pronto socorro do hospital São José, localizado no centro (entrevista 2).
Apesar do esforço na instalação dos postos ou unidades de saúde, a gestão de saúde
(entrevista 1) observou que a falta de resolutividade e capacidade instalada para realizar
procedimentos básicos de atenção a saúde, levou a população a ignorar esta porta de entrada
no sistema de saúde. Muitas unidades acabaram sendo apelidadas em várias comunidades,
como “postes de saúde”, devido a essa fragilidade.
Algumas entrevistas realizadas junto a população puderam captar este sentimento,
ilustrando essa má impressão, pois pessoas com plano de saúde, moradoras em área sem PSF,
que nunca haviam visitado a Unidade de Saúde, destacaram com veemência a inoperância da
unidade de saúde da região, justificando a necessidade de um plano de saúde “para se
garantir”. (entrevistas “a” e “i”).
60
Apesar dos esforços oriundos do processo de normatização que buscava implantar o
SUS no Brasil, materializado com as (NOB) SUS 01/91 e a NOB/SUS 01/92, somente com a
Norma Operacional Básica (NOB) 01/93 foi dada mais ênfase na municipalização da atenção
a saúde. A NOB 01/93 estabeleceu as condições de habilitação dos municípios aptos ao
repasse de transferências do Fundo Nacional da Saúde, e definiu critérios de acordo com as
condições de gestão (incipiente, parcial, semiplena), com transferência direta de recursos para
os fundos municipais de saúde.
A NOB 93 também instituiu a constituição espaços de pactuação de políticas e
estratégias integradas de saúde, com as Comissões Intergestores Bipartites (CIB) e Comissão
Intergestores Tripartite (CIT). As CIBs se constituíram como espaços estaduais de pactuação,
reunindo representantes dos gestores municipais e o gestor estadual de saúde. A CIT se
formou como o espaço nacional de pactuação, reunindo representantes dos gestores
municipais, estaduais e o gestor federal da saúde.
A criação dos espaços de pactuação (CIB e CIT) colocou Joinville no mapa nacional
da gestão da saúde, devido a capacidade de articulação política do Secretário Municipal de
Saúde da época, que integrou o COSEMS (Conselho Estadual de Secretários Municipais de
Saúde) e o CONASEMS (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde), chegando
a participar ativamente das reuniões da CIT .
Em 1994, a CIT pactuou a implantação do Programa de Saúde da Família (PSF) como
estratégia de reorientação dos serviços de atenção básica à saúde. O PSF representou uma
estratégia estruturante dentro do processo de reorganização da atenção à saúde nos municípios
brasileiros e sua implantação procurou substituir as antigas práticas, baseadas na valorização
do hospital e focadas nas doenças por práticas com foco na promoção da saúde e na
participação da comunidade.
Foram 55 os municípios que primeiro implantaram o PSF, formando 328 Equipes de
Saúde da Família4. Joinville estava entre os primeiros municípios do país a implantar o PSF
no Brasil. De Santa Catarina, somente Joinville, devido a sua liderança política na CIT e
Criciúma integravam o projeto piloto. Para pensar a implantação do PSF em Joinville, foi
criado um grupo de trabalho, que mapeou o município de Joinville e identificou as áreas de
4
cada equipe, desde então, é composta por 1 médico, 1 enfermeiro, 1 auxiliar de enfermagem e de 4 a 6 agentes
comunitários de saúde.
61
maior risco de adoecer e morrer. A partir desta identificação, foram definidos os locais onde o
PSF começaria a ser implantado.
O plano elaborado para implantação do Programa de Saúde da Família buscou,
segundo a entrevista 1 “dar um abraço na cidade” (entrevista 1), a partir das áreas mais pobres
e de risco social, situada nas periferias distantes do centro da cidade.
A idéia de priorizar as regiões das periferias pobres estava em acordo com as diretrizes
nacionais do Programa (BRASIL, 2001, p. 70), o que representou uma opção por beneficiar as
pessoas mais necessitadas e com maior grau de vulnerabilidade social e foi um aspecto
fundamental para o entendimento espacial do acesso a saúde em Joinville.
Todas as áreas identificadas para implantação do PSF em Joinville se constituíam em
espaços de recente expansão urbana, verdadeiras franjas, com população composta em sua
maioria por migrantes, em áreas com pouca ou nenhuma infra-estrutura urbana.
Novamente a dificuldade para operacionalizar a gestão dos serviços levou ao processo
de rediscussão da normatização do SUS. O processo de discussão entre as várias esferas da
gestão do SUS apontou vários problemas e uma nova Norma foi pactuada - a NOB SUS 01/96.
A NOB SUS 01/96 procurou redefinir as condições de gestão dos municípios – Gestão
da Atenção Básica e Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde –, e estados – Gestão
Avançada e Gestão Plena do Sistema Estadual. Esta norma possibilitou uma expansão mais
acelerada da rede de serviços municipais de saúde.
No momento da publicação da NOB SUS 01/96, o município de Joinville já contava
com 15 equipes de saúde da família, e o governo federal consolidava o PSF como resposta
federal para reorganização do sistema de saúde pública.
Em 1998, a implantação do Piso de Atenção
Básica (PAB), definindo
responsabilidades sanitárias aos entes federados e um repasse financeiro regular e automático
per capita, foi outra transformação no modelo de financiamento da atenção básica, sendo uma
das principais medidas tomadas pelo Ministério da Saúde para viabilizar a organização da
atenção básica à saúde nos municípios brasileiros.
O PAB destinou um montante de recursos financeiros per capita exclusivamente para
ações básicas de saúde, independentemente de sua natureza - de prevenção, promoção ou
recuperação. Os recursos poderiam ser utilizados tanto para custeio de despesas correntes,
como para aquisição de materiais permanentes ou para realização de obras de construção ou
62
reforma de unidades. A transferência ocorria de forma regular e automática, do Fundo
Nacional de Saúde para os fundos municipais. Foi uma modalidade de transferência de
recursos que viabilizou estratégias de mudança de modelo, pois escapou da lógica centrada no
pagamento por procedimentos médicos.
Somente com a descentralização dos recursos e a flexibilização da sua utilização em
acordo com as prioridades definidas pela gestão municipal foi possível planejar. Uma das
estratégias planejadas, justificada pela necessidade de descentralizar e aproximar dos
moradores os atendimentos de emergência, e levou a criação do Pronto Atendimento (PA) da
zona sul da cidade, assim como um PA da zona norte.
Um último elemento foi importante para o entendimento do momento atual do SUS no
município de Joinville foi a instituição da Norma Operacional de Assistência a Saúde (NOASSUS 2001). As dificuldades advindas com o processo de atomização da assistência a saúde,
levou o Governo a empreender esforços no sentido de definir regiões de saúde, que pudessem
otimizar a eficiência da prestação de todos os níveis de assistência. A Norma Operacional de
Assistência à Saúde, introduziu na normalização do SUS o Plano Diretor de
Regionalização/PDR, como proposta de ordenamento do processo de organização da
assistência à saúde.
A NOAS buscou identificar as funções de cada município no sistema de saúde da
região e suprir as iniqüidades na atenção à saúde. Para isso, identificou um conjunto de ações
de atenção básica, que deveriam estar disponíveis em todos os municípios, e a criação de
incentivos para a criação de unidades referenciadas capazes de atender as demandas de saúde
de um conjunto maior de pessoas, dada uma localização geográfica adequada.
A NOAS procurou garantir uma maior flexibilidade da solução dos problemas
regionais na área da saúde, pois permitiu que Planos fossem elaborado de acordo com as
especificidades epidemiológicas, sanitárias, geográficas, sociais e no acesso aos serviços de
saúde de cada região.
3.7 O SUS na Atualidade
Todo o histórico apresentado na escala federal e seus rebatimentos no plano municipal,
configuraram em 2004 um desenho assistencial da saúde de Joinville que proporcionou um
aumento do acesso aos serviços de saúde, e vários dados provam isso.
63
Para confirmar essa tese, podem ser apresentados dados como a evolução do número
de consultas, de equipes de saúde da família e agentes comunitários de saúde. Os números
mostram que houve um aumento expressivo do número de consultas médicas a população no
período, como demonstra a Quadro 7.
Em 1998 foram realizadas em Joinville pela rede pública de serviços de saúde um total
de 10.504 consultas médicas. Este número chegou a 148.231 consultas em 2004.
Quadro 7 – Número de consultas médicas realizadas na rede pública de Joinville, 1998-2004
Ano
Número de consultas
1998
10.504
1999
35.741
2000
53.848
2001
75.684
2002
58.435
2003
100.585
2004
148.231
Fonte: Brasil, 2007b.
O significativo aumento do número de consultas entre 1998, primeiro ano em que os
dados consultados se mostraram disponíveis, e 2004, pode ser creditado ao fortalecimento da
rede de atenção básica, principalmente no investimento realizado pelo município no aumento
de equipes de saúde da família, o que também é confirmado pelas entrevistas realizadas com
os gestores da época. Todas as entrevistas ressaltaram o compromisso dos diversos gestores
de saúde que passaram pela Secretaria Municipal de Saúde com o projeto de implantação do
SUS.
O Quadro 8 identifica a evolução da implantação do Programa de Saúde da Família
(PSF) no município, e é possível identificar a importante ampliação do número de equipes de
saúde da família (ESF) e de agentes comunitários de saúde (ACS).
64
Os 29 agentes comunitários de saúde que Joinville contava em 1998 passaram a 411
em 2004. As 15 equipes de saúde da família existentes em 1998 chegaram a 43 equipes
implantadas em 2004 (BRASIL, 2007b).
Quadro 8 – Número de ACS e de ESF implantados em Joinville, 1998-2004
Ano
ACS implantados
ESF implantados
1998
29
15
1999
32
23
2000
32
23
2001
69
23
2002
86
23
2003
196
31
2004
411
43
Fonte: Brasil, 2007b
O quadro 9 apresenta a evolução da população de Joinville no período de 1998 a 2004,
importante para apresentar como a evolução da implantação das equipes de saúde da família
foi superior ao crescimento populacional da cidade no período, ampliando o acesso da
população a rede básica de serviços.
Cruzando o número de consultas com a população, foi possível elaborar um novo
quadro (quadro 10), identificando o número de consultas per capita.
O quadro 10 apresenta um aumento real no número de consultas na rede pública de
Joinville, per capita, passando de 2,6 consultas por habitante em 1998 para 32,1 consultas em
2004.
Entretanto, os dados apresentados não revelam as desigualdades existentes no acesso a
saúde de Joinville, e o que poderia ser uma demonstração inequívoca do sucesso do SUS,
ratificada por inúmeros dados, ganha novos contornos quando observado do ponto de vista
espacial, considerando que existe uma importante camada da população, que está localizadas
em bairros de classe média e baixa de Joinville, que não tem garantido o acesso a saúde.
65
Quadro 9 - População de Joinville, 2000-2004
Ano
população
1998
399.943
1999
409.142
2000
429.604
2001
446.064
2002
453.765
2003
461.578
2004
463.057
Fonte: Joinville, 2006
Apesar de todos os dados apresentados até o momento ressaltarem o aumento real do
acesso à saúde pública em Joinville, o acesso não é igualmente garantido ao conjunto dos
habitantes de Joinville.
O processo de evolução de implantação do Sistema Único de Saúde, a partir do
levantamento realizado, quando observado sob o viés espacial, possibilitou identificar que a
garantia do acesso aos serviços de saúde se deu de forma desigual no espaço, isto é, nem
todos tiveram garantido seu acesso ao sistema de saúde, e esta desigualdade foi observada
espacialmente.
Quadro 10 – Número de consultas per capita em Joinville, 1998-2004
Ano
Número de consultas per capita
1998
2,6
1999
8,7
2000
12,6
2001
17,0
2002
13,1
2003
22,2
2004
32,1
Fonte: Santos, A.A.
66
As informações colhidas no Sistema de Informações da Atenção Básica do Ministério
da Saúde informam que em dezembro de 2004, havia um total de 141.927 habitantes
vinculados a ESF, ou 30,6% da população do município (quadro 12).
Quadro 11 - Indicadores de cobertura da Atenção Básica (PSF) em Joinville, 2000-2004
Ano
População coberta
% população coberta
2000
77.221
18,0
2001
77.230
17,3
2002
76.712
16,9
2003
96.302
20,9
2004
141.927
30,6
Fonte: Brasil, 2007b
Este percentual era 18% em 2000, o que significa que o número de pessoas cobertas
pelo PSF em Joinville quase dobrou no curto período de quatro anos.
Por outro lado, informações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)
informam que no ano de 2000, haviam 204.416 pessoas vinculadas a planos privados de
saúde, ou 47%,6 da população de Joinville. Em dezembro de 2004 esse número havia
diminuído para 163.018 habitantes de Joinville cadastrados como beneficiários de planos
privados de saúde, ou 35,1% da população (quadro 12), o que significa que houve uma
redução significativa de pessoas, superior a 12%, que buscaram garantir o acesso a saúde
através de planos privados.
67
Quadro 12 – Número de pessoas cobertas por Assistência Médica Privada por ano de
Competência em Joinville, 2000 - 2004
Competência
Total
% da população coberta
2000
204.416
47,6
2001
158.449
35,5
2002
161.345
35,6
2003
155.605
33,7
2004
163.018
35,1
Fonte: Brasil, 2007a
Logo, excluindo os que tinham acesso a saúde através do PSF e dos planos privados de
saúde, foi possível identificar em dezembro de 2004, 158.112 habitantes de Joinville, ou
34,1% da população, que dispunha como porta principal de entrada no sistema de saúde as
unidades de saúde “não PSF” ou as portas dos hospitais públicos.
Fica evidente que este contingente de mais de 34% da população não tem garantido o
acesso a saúde, visto que se trata de um acesso hospitalar não integrado com políticas de
prevenção e promoção da saúde, e essa falta de acesso prejudica o funcionamento de toda a
rede de saúde do município.
A fragilidade na garantia do acesso a saúde também fica evidenciada em documentos
da Secretaria Municipal de Saúde. O Plano Municipal de Saúde de Joinville para o quadriênio
2006-2009, por exemplo, apresenta de maneira sintética todas as dificuldades já identificadas,
assim como os motivos que, na visão da Secretaria, impedem o real acesso à saúde ao
conjunto da população de Joinville.
O Plano Municipal de Saúde (PMS) de Joinville para o quadriênio 2006-2009, foi
organizado pela equipe gestora da Secretaria Municipal de Saúde de Joinville, e se constitui
em documento fundamental para o processo de desenvolvimento das ações do município,
visto que foi apresentado e aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde.
O Plano apresenta uma análise com as dificuldades, ameaças, fortalezas e
oportunidades do sistema municipal de saúde. Uma das principais fraquezas apontadas no
documento é a dualidade do sistema de saúde implantado em Joinville, caracterizado como
68
“Modelo hospitalar” e identificando-o como
um Modelo de atenção em saúde curativo
(JOINVILLE, 2007, p. 18).
A fraqueza, quando analisada de maneira articulada a identificação dos diversos
condicionantes de saúde do município, também apresentada no Plano Municipal de Saúde
2006/2009, revelou vários aspectos relevantes da situação de organização do sistema de saúde
de Joinville:
a) Demanda não apropriada para serviço de emergência;
b) Emergência lotada (devido à proximidade da BR 101, indústrias, e rede básica
insuficiente);
c) Demora no atendimento de solicitações de procedimentos de média e alta
complexidade;
d) Grandes deslocamentos dos usuários para coleta de material para exames de análises
clínicas;
e) Insatisfação da clientela usuária devido: a demora ou ausência do atendimento,
condições ambientais da espera, objetividade do atendimento (devido à sobrecarga dos
profissionais) e inadequação do discurso e comunicação;
f) Grandes distâncias para acesso ao atendimento na atenção básica;
g) Oferta de serviços inferior aos parâmetros assistenciais vigentes;
h) Insuficiência de equipamentos necessários à realização dos procedimentos nas
Unidades Básicas de Saúde(JOINVILLE, 2007, p. 16).
Todas as informações trazidas pelo Plano Municipal de Saúde reforçam e validam as
informações já levantadas, indicando a existência de disputa entre os modelos de atenção a
saúde, e como essa disputa vem limitando a efetivação da garantia do acesso a saúde pelo
conjunto da população de Joinville.
69
Mapa 5 – Distribuição espacial dos equipamentos de saúde do município de Joinville, 2004
Fonte: Santos, A.A.
70
Quando se observa no mapa a espacialização dos equipamentos públicos de saúde de
Joinville em 2004 (mapa 5), fica nítida a falta de unidades básicas de saúde nos bairros que
compõem a região central da cidade.
Também é possível visualizar a espacialização dos equipamentos hospitalares de uma
maneira que segue a lógica da “Teoria do Lugar Central”, uma vez que os mesmos se
encontram nos espaços centrais/nobres da cidade.
E para entender os motivos que levam a falta de unidades básicas de saúde na região
central da cidade, foi preciso identificar as diferenças advindas da renda per capita agrupada
por bairro da população de Joinville (quadro 13).
Quando se identifica as diferenças de renda per capita por bairro, se observa a
concentração da população mais rica do município nos bairros do centro da cidade. As
características de uma cidade média com perfil industrial justificam o achatamento na renda
das parcelas da população com renda per capita menor, com um grande parcela da população
ganhando menos que um salário mínimo, e uma outra grande parcela da população ganhando
entre 1 e 2 salários mínimos.
Para atingir os objetivos propostos, visando identificar as parcelas descobertas do
acesso a saúde pública, foi necessário realçar uma divisão dos bairros de Joinville em três
tercis, levando em consideração o salário mínimo da época, fixado em R$ 260,00 (BRASIL,
2004a).
Esta divisão em tercis caracterizados por uma divisão centrada em salários mínimos,
foi mais adequada pelo perfil achado da base, formado por um grande números de bairros de
periferia com baixa renda per capita (até 2 salários mínimos), o que em uma divisão típica por
classes sociais ou por quartis, não produziria o destaque necessário para o tercil médio,
formado pelos bairros que possuem renda per capita entre 1 e 2 salários mínimos.
O primeiro tercil foi identificado pelos bairros com maior renda per capita (2 salários
mínimos ou mais) - Atiradores, Centro, Anita Garibaldi, América, Bucarein, Glória, Santo
Antônio e Saguaçú.
O segundo tercil foi identificado pelos bairros com renda per capita entre 1 e 2 salários
mínimos – Costa e Silva, Bom Retiro, Floresta, Guanabara, Pirabeiraba, São Marcos, Iririú,
Boa Vista, Itaum, Vila Nova, Nova Brasília, Petrópolis, Jardim Iririú, Aventureiro,
Boehmervaldt.
71
Quadro 13 – Renda per capita e população dos bairros de Joinville, 2004
Bairro
Atiradores
Centro
Anita Garibaldi
América
Bucarein
Gloria
Santo Antonio
Saguaçú
Costa e Silva
Bom Retiro
Floresta
Guanabara
Pirabeiraba
São Marcos
Iririú
Boa Vista
Itaum
Vila Nova
Nova Brasília
Petrópolis
Jardim Iririú
Aventureiro
Boehmervaldt
Santa Catarina
Jardim Sofia
Ulysses Guimarães
Adhemar Garcia
Espinheiros
Comasa
Jarivatuba
João Costa
Itinga
Rio Bonito
Dona Francisca
Parque Guarani
Paranaguamirim
Fátima
Itoupava-Açú
Morro do Meio
Vila Cubatão
Jardim Paraíso
TOTAL
Renda per capita
1.764,31
1.719,23
1.102,73
1.102,73
915,43
880,93
832,93
786,60
487,69
476,35
467,47
445,82
406,97
390,42
379,00
377,81
352,21
302,87
279,34
272,88
270,63
269,69
261,04
254,21
243,95
241,94
241,94
239,01
238,95
238,14
236,40
235,36
226,21
225,21
221,93
221,93
219,45
189,81
189,61
171,69
171,69
Fonte: Joinville, 2006.
População
4.834
4.868
8.419
10.851
5.743
9.023
5.203
12.220
24.499
10.414
18.666
10.325
4.357
2.722
23.464
18.236
12.709
17.243
13.051
14.353
21.053
33.395
15.656
10.000
3.482
6.726
8.660
6.744
20.927
12.898
2.632
16.875
5.635
1.203
10.124
14.671
16.565
1.349
8.145
1.182
13.935
463.057
72
Mapa 6 – Renda per capita (R$) por bairro de Joinville, 2004
Fonte: Santos, A.A.
O terceiro tercil foi formado pelos bairros com renda per capita até 1 salário mínimo Santa Catarina, Jardim Sofia, Ulysses Guimarães, Adhemar Garcia, Espinheiros, Comasa,
73
Jarivatuba, João Costa, Itinga, Rio Bonito, Dona Francisca, Parque Guarani, Paranaguamirim,
Fátima, Itoupava-Açú, Morro do Meio, Vila Cubatão, Jardim Paraíso.
A partir da divisão em três tercis, foi possível compreender melhor os limites da
garantia do acesso a saúde pública de Joinville.
Com o quadro 13 foi possível identificar esses três grandes grupos de bairros, que com
sua características peculiares, materializam de forma diferenciada a garantia do acesso a saúde
do município. A existência de uma forte desigualdade espacial cristalizadora dos espaços dos
ricos e dos pobres em Joinville foi identificada, e pode ser observada no mapa 6, que
espacializou esta desigualdade.
É possível observar no mapa 6 que os bairros do centro de Joinville são aqueles que
concentram a população mais rica e que os bairros da periferia distante do município como os
que concentram a população mais pobre, oferecendo um caminho para identificar onde estão
os clientes dos planos privados de saúde, e onde estão os clientes do PSF.
A partir da espacialização da desigualdade social existente em Joinville, foi possível
inferir como alguns bairros possuem acesso a saúde e outros não.
A análise geográfica dos dados apresentados até o momento indica uma relação
espacial muito forte entre a alta renda per capita ou a existência em seu bairro da equipes de
saúde da família com a capacidade das pessoas terem garantido o acesso aos serviços de saúde
em Joinville.
74
4 OS LIMITES ATUAIS DA GARANTIA DO ACESSO A SAÚDE
Procura-se, neste capítulo, analisar dois aspectos importantes da saúde pública
brasileira em cidades médias e em Joinville em particular: primeiro, como a configuração
espacial da rede do Programa de Saúde da Família nas cidades médias similares a Joinville
conformou os limites do processo de reforma sanitária, freando a capacidade de efetivar a
universalidade do acesso à saúde a parcela da população enquadrada em faixas médias de
renda. Segundo, como a não-efetivação da universalidade do acesso à saúde em Joinville
provocou um grande vazio de atenção básica, que sobrecarrega a rede hospitalar publica
municipal, conformado principalmente por bairros com renda entre 1 e 2 salários mínimos,
não cobertas pelo PSF.
4.1 Limites da Reforma Sanitária
A década de 1990 foi um marco para a gestão da saúde pública no Brasil, apesar do
avanço das políticas neoliberais no país. Os atores do campo da saúde coletiva conseguiram
incluir na agenda política decisória do Governo Federal, ações, diretrizes e estratégias
voltadas para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde.
Depois de muitos anos desenvolvendo ações e investimentos de maneira dicotomizada,
separando as ações de prevenção/promoção das ações de recuperação da saúde, e priorizando
aquelas centradas no hospital, realizando repasse de recursos calculados com base em
realização de procedimentos médicos, o Ministério da Saúde procurou reorientar a política de
financiamento dos estados e municípios Buscaram-se estratégias que pudessem garantir a
implementação dos princípios constitucionais da universalidade, integralidade e equidade.
São exemplos da inflexão e busca de interação entre prevenção/promoção e ações de
recuperação a incorporação do INAMPS pelo Ministério da Saúde, medida que colocou no
75
mesmo lugar a gestão, a prevenção, a promoção e a recuperação da saúde antes dividida em
dois Ministérios, Previdência e Saúde. Criaram-se, também, mecanismos que viabilizassem a
transferência direta de recursos de maneira regular e automática, calculados por habitantes,
que dessem aos gestores locais condições de organizar minimamente uma rede integral e
articulada de saúde.
A história da evolução do sistema público de saúde, apresentada no capítulo 3,
demonstrou quão importante foi a Constituição de 1988 para promover uma inflexão na
política de saúde em direção da efetivação a saúde como direito social e dever do Estado.
Neste contexto, a divulgação pelo Ministério da Saúde, em setembro de 1994, do primeiro
documento sobre o PSF, em que os mecanismos de financiamento da proposta eram
apresentados, foi a mais forte tentativa de inversão do modelo, apesar de sua proposta inicial
tratar apenas da cobertura de áreas com maior risco social (BRASIL, 2005, p. 16),
Somente a partir de 1997 o PSF passou a ser defendido pelo Ministério da Saúde como
uma proposta de reorientação do modelo de atenção a saúde. Por trás do desejo e da vontade
de mudar, e das dificuldades encontradas, encontrava-se a disputa entre dois modelos de
atenção, o flexneriano e o da saúde coletiva.
O PSF obteve importantes resultados, identificados em pesquisas avaliativas, como
uma ação do governo que produziu avanços na garantia do acesso à saúde pela parcela mais
pobre da população (BRASIL, 2006, p. 170):
Os indicadores relacionados a morbi-mortalidade declinaram e os que refletem a
cobertura dos serviços cresceram significativamente. A magnitude dessa variação
mostrou-se, em geral, mais intensa nos estratos de cobertura mais elevada do
Programa de Saúde da Família. (...) os resultados sugerem que a ampliação da
cobertura de serviços na atenção básica, nas regiões mais desfavoráveis, a partir da
expansão do Programa de Saúde da Família, está contribuindo positivamente para
reduzir os diferenciais no acesso e na prestação dos serviços de saúde no Brasil.
Pesquisa realizada em 10 grandes centros urbanos, com o objetivo de promover
avaliação da implementação da estratégia de saúde da família confirmou que “a população
atendida pelo PSF é extremamente vulnerável” (BRASIL, 2005, p. 200).
Entender a dificuldade de avanço do PSF como estratégia estruturante da
reorganização da saúde, com capacidade de proporcionar uma cobertura que incorpore a
76
classe média e como isso se reflete na organização dos serviços de saúde, implica em
explicitar como os diferentes modelos de organização da atenção disputam a organização do
PSF:

os atores que defendem o modelo flexneriano, principalmente a classe médica
hospitalocêntrica, tentam fazer do PSF um programa de saúde de pobres para pobres,
tal como demonstrado nas pesquisas, e percebido pelas entrevistas estruturadas
realizadas em Joinville. Defendem que o PSF seja um programa focalizado à camada
mais pobre, com a adoção de procedimentos simplificados e baratos para garantir o
acesso a saúde para o conjunto maior e mais pobre da população, com pouca ênfase na
atuação clínica e individual. Esse desenho não afetaria os interesses econômicos do
grupo flexneriano, pois o modelo continuaria a ser a resposta aos extratos sociais mais
elevados da sociedade;

os defensores do modelo da saúde coletiva, defendem o PSF como uma “estratégia
estruturante dos sistemas municipais de saúde, visando a reorientação do modelo de
atenção e uma nova dinâmica de organização dos serviços e ações de saúde” (BRASIL,
205, p. 17). Esse desenho contraria os interesses econômicos do modelo flexneriano,
pois trabalharia contra a lógica mercadológica ainda dominante no sistema público
de saúde.
Tal disputa marcou o PSF e hoje é possível identificar os limites gerados pela disputa.
O limite criado pelo PSF foi espacial e econômico. Trata-se de um limite observável, e que
em cidades médias com história de formação similar a de Joinville adquire características
próprias.
O primeiro limite é territorial, formado pelas bordas do conjunto dos territórios
adscritos às 21.232 equipes de saúde da família implantadas no Brasil em dezembro de 2004.
O PSF nesses territórios, mais pobres e vulneráveis em sua esmagadora maioria, garantiu o
acesso à atenção básica de saúde para 38,99% da população, ou cerca de 69,1 milhões de
pessoas, conforme dados do Ministério da Saúde (MS/SAS/DAB, 2007). As pesquisas
indicam uma percepção positiva da população adscrita a esses territórios:
este grupo faz uma avaliação positiva do Sistema de Saúde, conforme indicam as
pesquisas. Pesquisa de opinião encomendada pelo Ministério indica que esse
segmento dá nota 7 para o atendimento. Em compensação, quem não depende da
rede pública confere nota 3,5. (UNICAMP, 2001, p.12)
77
Outro limite de acesso à saúde foi econômico, vinculado a capacidade de pagamento
de um plano de saúde pelas pessoas. A baixa percepção de qualidade da saúde pública pela
população não usuária do PSF, levou as camadas com melhores condições econômicas a
buscar os planos privados para garantir o acesso a bens e serviços com maior qualidade.
É possível, a partir dessa premissa, confirmada por dados da Agência Nacional de
Saúde Suplementar (BRASIL, 2007) identificar os beneficiários dos planos privados de saúde
através da identificação da população de maior poder aquisitivo, encontrada nos espaços mais
valorizados do município.
Em municípios com história de formação sócio-espacial similar a Joinville, as
características de configuração do espaço urbano (terras mais valorizadas situadas no centro
do município, que se desvalorizam na medida em que se afastam dele, forçando as camadas
mais pobres da população a buscar os espaços mais distantes, caracterizando mais fortemente
as periferias distantes do centro urbano como os espaços dos pobres), permitem lançar uma
hipótese, a ser confirmada em outras pesquisas, de que o espaço central é o espaço dos planos
privados de saúde.
Os dois limites, espacial e econômico, podem conformar um desenho econômicoespacial com capacidade de explicar o desenho da rede de atenção a saúde, apresentando as
dificuldades de efetivação do acesso universal a saúde, na medida em que identifica um
terceiro grupo, descoberto de qualquer acesso a saúde que não seja a fila da emergência dos
hospitais públicos do país, ou de unidades de saúde sem compromisso com o
desenvolvimento de ações de prevenção à doenças e de promoção a saúde.
Os limites apresentam um desenho, apresentado figura 3, e sua adaptação ao desenho
dos municípios brasileiro é uma possibilidade a ser verificada, como se observou no estudo do
caso de Joinville.
78
Figura 3 – Modelo de cobertura da saúde no espaço municipal
Fonte: Santos, A.A.
A figura 3 buscou simplificadamente sintetizar o desenho do nó da efetivação do
acesso a saúde nos municípios, considerando que seu uso é melhor adaptado a cidades
médias, não se aplicando a municípios menores (menos de 100 mil habitantes), pela
dificuldade em contar em sua sede estruturas de maior complexidade tecnológica como
hospitais, com capacidade suficiente para dar conta da atenção de alta complexidade, nem a
municípios com mais de 500 mil habitantes, pela complexidade intrínseca desses processos de
urbanização.
Os números demonstram haver uma parcela, que se encontra no tercil médio das
tabelas de renda per capita por bairros de uma cidade média, que não encontram cobertura
pelo PSF e não tem condições financeiras de pagar por planos de saúde, não tendo garantido o
acesso a saúde de maneira digna e sobrecarregando o sistema de saúde pública como um todo,
considerando que a população destes bairros tende a se constituir em fator causal da
sobrecarga dos hospitais públicos do município.
A falta de uma porta de entrada adequada, similar à existente nas comunidades que
recebem a atenção do PSF, com capacidade de resolver 85% dos problemas de saúde dessa
parcela dessassistida, leva para o ambiente hospitalar toda uma demanda não atendida
previamente. A população moradora dos bairros que possuem renda per capita no segundo
tercil de uma cidade média se configura, por isso, numa população moradora em fronteira
entre dois modelos de atenção a saúde.
79
De um lado, os moradores com renda per capita maior, que usufruem dos benefícios
dos planos privados que podem pagar. De outro, os beneficiários do PSF, que tem garantido a
atenção básica em padrão de qualidade e de maneira articulada com os princípios da
integralidade, e equidade. No meio, os que vivem no não-lugar do acesso a saúde pública.
Santos (2007, p. 3) defende que são nesses espaços, “não–lugares, nos limites dos territórios,
nas zonas de fronteira, nas franjas, que se desenvolvem os mais acentuados exemplos de
problemas da saúde pública da atualidade”.
Trata-se de um grande contingente populacional, e na escala nacional se constitui no
maior dentre todos (42,28%), já que os dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS) informam que a população coberta em dezembro de 2004 por planos privados de saúde
foi de 18,73% (BRASIL, 2007a), e os dados do Ministério da Saúde registram que a
população coberta pelo PSF foi de 38,99% (BRASIL, 2007b) . Trata-se de uma maioria
localizada em grandes áreas metropolitanas, que sofre com a configuração espacial da rede de
atenção a saúde existente no Brasil, pois a contingência de acessar o sistema de saúde apenas
pelas portas das emergências dos hospitais públicos, colocando-os no centro da crise existente
em boa parte do país.
A indefinição ou a disputa pelos dois modelos de atenção a saúde, materializada nos
limites espaciais da rede de atenção a saúde do PSF, conforma neste momento um desafio a
radicalização do processo de reforma sanitária. Um limite que pode ser identificado em todo
o país e melhor visualizado espacialmente nas cidades médias e que freia a capacidade dos
municípios em efetivar a universalidade do acesso a saúde, demandando políticas, estratégias
e ações adequadas e específicas para as populações que estão fora do mapa de cobertura da
saúde pública.
4.2 Sobrecarga da rede hospitalar publica municipal em Joinvile
A compreensão do processo de constituição do sistema público de saúde de Joinville,
como tratado no capítulo 3, evidenciou como o planejamento das ações de saúde centrado na
medicina científica, hegemônico até meados dos anos 1990, consolidou a organização de uma
rede de serviços descolada das necessidades de saúde da maioria da população local. Foi um
processo que respondeu aos interesses da classe médica, que não conseguiu efetivar uma
política pública de saúde universal e de qualidade.
80
As entrevistas com gestores da saúde pública de Joinville da época, identificaram a
existência de um “processo de hegemonia da definição das políticas pela classe médica”
(entrevistas 3 e 4). Vários autores (VALENTIM, 1997; VEIGA JÚNIOR, 1993) também
apontaram a importância da classe médica como ator hegemônico na determinação das
políticas de saúde de Joinville.
A Sociedade Joinvilense de Medicina (SJM), entidade de representação da classe
médica de Joinville, conseguiu criar mecanismos com capacidade de impedir a entrada de
novos médicos no município, evitando a realização de concurso público municipal, no início
dos anos 1990, o que dificultou a reorganização do sistema público de saúde em Joinville
(VEIGA JÚNIOR, 1993, p. 101).
A SJM também exerceu fortemente o poder de indicação e veto de Secretários
Municipais de Saúde e Diretores de Hospital, durante os últimos 20 anos do século XX
(VALENTIM, 1997, p. 143; VEIGA JÚNIOR, 1993, p. 73).
Foi a classe médica de Joinville que trabalhou de modo geral em favor da manutenção
da medicina científica como modelo de saúde para o município, defendendo a existência de
uma saúde pública para os pobres e uma saúde privada suplementar, materializada no
município pela Unimed, para os assalariados formais e os que pudessem pagar por isso
(VALENTIM, 1997, p. 143, 146, 147, 303).
A crise econômica das décadas de 1980 e 1990 levou uma importante parcela dos
trabalhadores da indústria de Joinville, até então cobertos por plano privado de saúde, a uma
situação de desemprego, terceirização, ou informalidade. Este contingente da classe média
passou a depender mais do sistema público de saúde, colocando a saúde pública na agenda
política e demandando maior qualidade do sistema.
A necessidade de reorganização do sistema público de saúde de Joinville e o aumento
da demanda por um sistema de saúde público e de qualidade, articulada a todo o debate
oriundo da Reforma Sanitária trouxe os defensores da reforma sanitária do município para a
arena política municipal e possibilitou a apresentação de novas respostas governamentais para
a gestão da saúde pública.
Foi nesta arena conflituosa, de embate entre a medicina flexneriana e a saúde coletiva,
que o município de Joinville configurou a partir da década de 1990, a sua rede de serviços
públicos de saúde. As características dessa configuração permitem confirmar a dificuldade do
81
PSF atingir outras parcelas da população que não as camadas mais pobres e vulneráveis
localizadas nas distantes periferias do município.
O PSF representou para Joinville o primeiro planejamento sistemático e organizado de
oferta de saúde para as regiões mais pobres. Representou a realização de um planejamento
geográfico, que orientou a indicação das regiões com maior carência e vulnerabilidade, apesar
de não romper com a lógica hospitalocêntrica existente na cidade. Os bairros indicados pela
SMS para iniciar o processo de implantação do PSF foram bairros com o mais alto índice de
incremento populacional e de expansão urbana, ou seja, as franjas urbanas e periferias em
formação.
A sistemática de iniciar a implantação pelas áreas mais pobres e vulneráveis seguia o
desenho proposto pelo Ministério da Saúde e foi um desenho que seguiu uma lógica espacial.
A entrevista 1 confirmou essa hipótese quando apresentou como foi o processo de
planejamento da implantação do PSF em Joinville. O entrevistado disse o seguinte:
os fluxos realizados pelos pacientes na referencia da atenção básica para a atenção
especializada e os fluxos econômicos e sociais foram levados em consideração no
planejamento para implantação do PSF em Joinville. Os pacientes não deveriam
buscar atenção especializada fora dos fluxos já estruturados pela rede de transporte
público existentes. Os pacientes deveriam sempre sair do bairro, em direção ao
centro da cidade, segundo o fluxo das necessidades, e também o fluxo viário de
deslocamento das pessoas.
Entretanto, este processo de implantação foi marcado por conflitos de várias naturezas,
alguns deles com fundamento na incapacidade dos gestores em entender a complexidade do
processo de (re)produção do espaço.
Os problemas provieram de três fatores: a) localização inadequada dos postos de saúde
no período pré-SUS; b) percepção de ineficiência dos postos de saúde por parte da população;
e c) resistência de parcelas da população a proposta de reorientação do modelo de saúde. Os
conflitos foram trabalhados pela gestão municipal da saúde, mas foi possível observar a
dificuldade de resolução de conflitos oriunda das disputas e das fragilidades conceituais
presentes no processo de reorganização do sistema de saúde.
Quanto ao primeiro fator, a localização de unidades de saúde, no período pré-SUS,
essencial para garantir a acessibilidade à saúde da população mais pobre, não foi
82
espacialmente pensada pelo gestor municipal de saúde. A mobilização dos movimentos
sociais locais influenciou a decisão dos gestores pelos locais de instalação, muitas vezes sem
um processo de planejamento espacial e de demanda adequado.
As entrevistas 2 e 5, que foram realizadas com gestores da SMS de Joinville no
período de 1996 a 2004, período de implantação do PSF, registraram a dificuldade de
implantação do PSF em unidades de saúde, por causa daquela política pré-SUS, de
implantação de unidades de saúde em lugares inadequados. Registraram que no período préSus, “a SMS buscou responder com a
implantação de postos de saúde em igrejas e
associações de moradores, vários deles em locais inadequados do ponto de vista da
acessibilidade” (entrevistas 2 e 5).
Em 1993 a SMS já contava com 42 postos de saúde, espalhados da maneira
desorganizada pelo município, em situação precária e com localizações que dificultavam o
acesso.
Quanto ao segundo fator, a percepção de ineficiência dos postos de saúde, prejudicou
o processo de reorientação do modelo assistencial, influindo na capacidade da rede de
serviços básicos em garantir o acesso a saúde para a população. A visão da ineficiência dos
postos de saúde por parte da população atendida deveu-se principalmente às limitadas funções
de prevenção (vacinas, educação em saúde, entre outras) de vários postos, ao fato de contar
apenas com pessoal de nível técnico e elementar (entrevista 1) e à localização periférica ou de
difícil acesso (entrevistas 1 e 2) dos postos, quando a população demandante morava em áreas
mais centrais dos bairros. Por último, a Sociedade Joinvilense de Medicina pressionou muito
para não fosse realizado concurso público para médicos (VEIGA JUNIOR, 1993, p. 101), o
que não melhorou o atendimento.
Os moradores tinham uma opinião muito negativa da capacidade resolutiva dos postos
de saúde. Em várias entrevistas esse problema foi identificado, como nas entrevistas “c” e
“n”, que se queixaram dizendo que “ os médicos não resolvem nada, só encaminham para
exames e especialistas” e “ médico bom havia antigamente, hoje eles nem olham na cara da
gente”. Outras entrevistas abordaram de forma subjetiva o problema, ao registrar a
necessidade de mais médicos especialistas (entrevistas “ l” e “n”).
A implantação do PSF reorganizava a atenção e, em muitos casos, implicava em
deslocar médicos especialistas que atendiam em alguns postos de saúde para sedes das
regionais de saúde. A proposta de implantação do PSF em bairros com grande desigualdade
83
na ocupação espacial, bairros onde a classe média sofria com áreas de invasão de loteamentos
de baixo custo, gerou problemas para a gestão. Não foi fácil convencer moradores da classe
média que a retirada do médico especialista não seria um retrocesso, mas um avanço do
sistema de saúde. As entrevistas 1,2 e 5 identificaram conflitos decorrentes desse processo,
geradores de gargalos na efetivação da garantia do acesso a saúde para esta parcela da
população.
A entrevista 1, realizada com a gestora que esteve a frente do processo de implantação
do PSF em Joinville identificou conflitos da implantação do PSF em vários bairros de
Joinville, como o São Marcos e Pirabeiraba, bairros com uma condição econômica mais
favorável, mas com recortes e bolsões de pobreza que justificavam a implantação do PSF.
Foram bairros em que a população resistiu a substituição do modelo flexneriano pelo modelo
da saúde coletiva. Para esses moradores, com condição econômica mais privilegiada, seria um
retrocesso deixar de contar com médicos especialistas (pediatra, ginecologista) no posto de
saúde, para ter a disposição “apenas um médico generalista” (entrevista 1).
Este exemplo ilustra a dificuldade que a gestão municipal teve para reorientar o
modelo, ultrapassar os limites das camadas mais pobres da população, devido a visão
flexneriana arraigada junto as classes médias, que entendiam o PSF como uma proposta de
saúde pobre para os pobres, retomando o debate sobre o desafio conceitual que permeia a
universalização da garantia do acesso a saúde.
A dificuldade de acesso e a percepção de ineficiência dos postos de saúde levaram a
um movimento, por parte dos usuários de saúde com melhor renda, de ignorar o posto de
saúde como porta de entrada do sistema, cristalizando a cultura centrada no hospital e
prejudicando a rede de saúde. As pessoas buscavam a resposta para todos os problemas de
saúde, mesmo os mais simples, no Hospital Municipal São José (localizado no centro da
cidade), engrossando as filas do Pronto Socorro.
A partir de 1993, a gestão municipal de saúde, para resolver as questões do acesso ao
sistema, procurou aplicar os conceitos espaciais baseados na Teoria do Lugar Central (mesmo
sem conhecer de fato a teoria) para fazer a reespacialização dos postos de saúde e das
regionais de saúde. Inclusive foi aprovada pelo Conselho Municipal de Saúde uma diretriz
impedindo a Secretaria Municipal de Saúde de implantar novas unidades de saúde sem que
todas as existentes estivessem adequadamente equipadas, conforme informado na entrevista 1.
O processo de planejamento foi destacado nas entrevistas 1, 2 e 5, realizados com gestores da
SMS de Joinville do período.
84
A readequação da localização das sedes das regionais de saúde ainda não foi concluída,
sendo possível ver a dificuldade de acesso da unidade básica de saúde da Vila Cubatão para
sua regional de Saúde, localizada no bairro Aventureiro, conforme a entrevista 2
é possível identificar ainda hoje a utilização de referências que não seguem a lógica
espacial de acessibilidade, como a Sede regional do bairro Aventureiro,
que
referencia a Unidade Básica de Saúde/UBS da vila Cubatão até na atualidade, um
complicador do ponto de vista do fluxo e do acesso (entrevista 2).
Como um exemplo positivo do processo de planejamento a partir da Teoria do Lugar
Central, apresentou-se o exemplo da implantação do Pronto Atendimento (PA) da Zona Sul de
Joinville. A entrevista 1 ressaltou que
O principal eixo de escoamento da zona sul de Joinville, cruzamento dos maiores
fluxos da população da zona sul em direção ao centro da cidade, ao lado de um
terminal de integração do transporte urbano foi o local escolhido para o pronto
atendimento da zona sul. A localização foi fundamental para garantir a
acessibilidade do PA, como espaço de urgência em saúde para toda a região
(entrevista 1)
O Pronto Atendimento (PA) da Zona Sul foi planejado pela Secretaria Municipal de
Saúde para atender a demanda da região mais carente do município. A Zona Sul de Joinville
congrega um conjunto de bairros de baixa renda, e a implantação do PA nesta região tinha o
objetivo de desafogar o Hospital Municipal São José, do centro da cidade.
Outro exemplo, na direção contrária a utilização da Teoria do Lugar Central, resultou
num PA sub-utilizado até os dias de hoje. Desde a implantação do PA da Zona Sul, as
lideranças políticas da zona norte passaram a cobrar a implantação de um PA na Zona Norte
de Joinville. Ao não priorizar aspectos espaciais para definição do local de implantação do
Pronto Atendimento (PA), priorizando uma região que não possuía as melhores condições de
atração populacional, que não respeitava os fluxos utilizados pela população, a gestão da
saúde deu exemplo recente do que pode acontecer quando não se planeja espacialmente a rede
de serviços de saúde.
85
4.3 Resistências e o não-lugar da atenção a saúde de Joinville
Outro problema identificado nas entrevistas como elemento dificultador da expansão
do PSF para além das regiões mais pobres, ocorreu devido a resistência de parcelas da
população com maior poder aquisitivo a proposta. A implantação do PSF reorganizava a
atenção, e em muitos casos implicava em deslocar médicos especialistas que atendiam em
alguns postos de saúde para sedes das regionais de saúde.
A proposta de implantação do PSF em territórios marcados por grande desigualdade
na ocupação espacial, em bairros onde o processo de especulação imobiliária proporcionou
uma elevada abertura de loteamentos voltados a população de baixo poder aquisitivo, gerando
bolsões de pobreza em bairros com renda per capita maior, criou problemas para a gestão de
saúde.
Houve grande dificuldade por parte da gestão de saúde em convencer moradores com
maior poder aquisitivo, da importância da implantação do PSF. Os moradores com maior
renda não aceitavam a retirada do médico especialista das unidades de saúde. As entrevistas 1,
2 e 5 identificaram conflitos decorrentes desse processo, todos ocorridos em bairros com
renda per capita entre 1 e 2 salários mínimos, com bolsões de pobreza nas suas bordas,
ratificando os problemas decorrentes da disputa dos modelos de atenção a saúde, geradores
de gargalos na efetivação da garantia do acesso a saúde para esta parcela da população.
É possível verificar tal dificuldade quando se observa que o PSF não conseguiu
ultrapassar a sua área de cobertura para áreas com maior renda per capita, localizada nas
regiões centrais da cidade de Joinville (mapa 7)
Os fatores apresentados permitem inferir a existência de um grande vazio de acesso
real a rede de atenção básica de saúde em Joinville, o não-lugar da saúde pública de Joinville,
o não-lugar que cria o lugar das filas nos prontos-atendimentos, que sobrecarrega a rede
hospitalar publica municipal. O não-lugar da atenção básica em saúde de Joinville é
conformado principalmente por bairros com renda entre 1 e 2 salários mínimos, que ainda
não estão cobertos pelo PSF e que não possuem renda para aderir a planos privados de saúde.
86
Mapa 7 – Bairros com equipes de saúde da família implantados em Joinville, 2004
Fonte: Santos, A.A.
Foi possível identificar em Joinville, ao invés de um grande Sistema Único de Saúde
(SUS), universal, integral e de qualidade, três grandes subsistemas de saúde, concorrentes e
87
em parte sobrepostos, em busca da atenção à saúde dos joinvilenses: o público orientado pelo
PSF; o público “não-PSF” e o privado, confirmando a hipótese geral da existência de três
grandes círculos da atenção a saúde em Joinville:

O primeiro, formado pela periferia do município coberta pelo Programa de Saúde da
Família, que em 2004 atendia 111 mil pessoas, ou 23% da população (BRASIL,
2007b), situado nas periferias da cidade;

O segundo, formado por aqueles que não possuem condições de ter um plano de saúde
privado, nem estão cobertos pelo programa de Saúde da Família, que somam cerca de
186 mil pessoas ou 41% da população de Joinville,localizados entre o centro e a
periferia, mas já invadidos por bolsões de pobreza atendidos pelo PSF;

O último, formado pelo centro da cidade, onde se concentram as famílias mais ricas do
município, e que estão cobertas por planos privados de saúde ou por atendimento
privado. Nesta situação encontravam-se cerca de 169 mil pessoas em dezembro de
2004, ou 36% da população de Joinville (BRASIL, 2007a).
Ao fazermos um cruzamento entre os dados da cobertura dos planos privados de saúde
e do PSF em Joinville, com o mapa da desigualdade espacial (mapa 6), e os bairros
caracterizados em cada um dos tercis, observa-se como eles estão próximos.
Os bairros que conformam o tercil superior, com renda per capita superior a 2 salários
mínimos, possuem uma população aproximada de 61.161 habitantes, ou 13,2% da população,
o que significa que o acesso aos planos privados de saúde está disponível para parcelas
importantes da população em bairros localizados fora do tercil superior. É um fato plausível,
devido a existência de várias grandes indústrias que mantém convênios com planos privados
de saúde para seus trabalhadores.
Os bairros que conformam o tercil médio, com renda entre 1 e 2 salários mínimos,
possuem uma população aproximada de 240.143 habitantes, ou seja, 51,9% da população do
município. Encontram-se majoritariamente nesses bairros os contingentes populacionais que
não tem acesso ao PSF e não tem condições de financiar um plano privado de saúde. Como
nesses bairros encontram-se vários bolsões de pobreza, devido a complexidade de sua
formação sócio-espacial, são os espaços em que os conflitos oriundos da implantação do PSF
são mais evidentes, conforme já demonstrados pelas entrevistas.
Os bairros do tercil inferior, com renda até 1 salário mínimo, apresentam uma
população aproximada de 161.753 habitantes, ou 34,9% da população. Como a população
88
adscrita a equipes de saúde da família conformam 23% da população, é possível identificar
que existem ainda em Joinville cerca de 11% da população, mais pobre, sem acesso ao PSF, o
que se constitui em um problema adicional.
O recorte estabelecido trouxe à luz a necessidade de um olhar sobre o os bairros
formados pelo segundo tercil, com renda entre 1 e 2 salários mínimos. O segundo círculo, o
não-lugar e gargalo da efetivação do acesso universal a saúde, demanda do gestor o
desenvolvimento de estratégias que busquem a inclusão dessas parcelas ao Sistema Único de
Saúde, que possibilitem uma entrada qualificada da rede pública de saúde que não seja a porta
de emergência dos hospitais. A efetiva reorganização do sistema público de saúde passa pelo
enfrentamento dessa questão, na medida em que se constitui em importante segmento da
população com capacidade de defender o sistema do ponto de vista do debate das políticas
públicas.
As entrevistas realizadas com a população expressam as diferentes visões dos grupos
nos três espaços, e trazem características que auxiliam a explicar como os diferentes
segmentos populacionais são afetados pelo acesso a saúde. Entrevistas realizadas com as
pessoas que possuem perfil de renda mais alto, com maior escolaridade, indicam uma visão
multifacetada, complexa. Algumas das entrevistas, como a “h”, “o” e “p” revelam uma visão
ampliada de saúde, indicando a importância das determinações sociais para a saúde da
população, numa perspectiva ampliada. Essas entrevistam captam a possibilidade do sistema
público de saúde atender uma parcela da população mais bem estruturada financeiramente, a
partir do momento que ele seja percebido como um sistema de qualidade.
Outras entrevistas, como as “f” e “i”, realizadas também em bairros centrais, com
pessoas com mais 11 anos de escolaridade, que se identificaram como possuidoras de um
plano privado de saúde, sinalizam como é forte o sentimento em parcelas mais ricas da
população, de desprezo pelo sistema público de saúde, e como o debate entre os modelos de
saúde é atravessado pelo discurso e interesses de diferentes grupos. Como afirmar que “o SUS
péssimo”, e que “faltam hospitais com atendimento de qualidade”, se não se percebem como
usuários do sistema público?
89
Mapa 8 - A cobertura Espacial do PSF e dos planos privados de saúde em Joinville, 2004
Fonte: Santos, A.A.
As entrevistas “b”,“d” e “e”, realizadas em bairros com renda per capita inferior a 1
salário mínimo, onde há cobertura do PSF, apontam várias críticas, mas é possível identificar
90
nas respostas uma postura diferenciada, reflexo da aproximação do PSF com os usuários. Esta
visão mais qualificada do SUS é confirmada por várias pesquisas nacionais realizadas pelo
Ministério da Saúde (UNICAMP, 2001, p. 12) que indicam uma percepção da qualidade
diferenciadas dos usuários do PSF. As entrevistas “b” e “c” fazem elogios ao SUS e ao PSF.
A crítica de “b” é feita ao processo de territorialização, rejeitando os limites traçados pelas
equipes de saúde da família, o que demonstra que parte da população entende como a rede de
serviços deve funcionar, o que também é positivo.
Algumas críticas identificadas nas entrevistas com moradores de área do PSF revelam
como está presente o modelo flexneriano no imaginário popular, que demanda médico,
diagnóstico e remédio para tratamento, pois se ressentem do fato do agente comunitário não
receitar remédios - “o ACS vem em casa, mas não medica a gente e não dá remédio para
tomar” (entrevista “e”).
Outras críticas identificadas em entrevistas realizadas em bairros cobertos pelo PSF
demonstraram a existência de conflito no processo de implantação do SUS, o que também
reforça que a disputa entre os modelos continua presente e atual na sociedade. A entrevista “j”
foi um exemplo disso, quando relatou a contrariedade pela saída do médico especialista
(pediatra) do posto de saúde com a implantação do PSF. A entrevista “m” não criticou o PSF
diretamente, mas apontou um gargalo na proposta: “no posto tudo vai bem, mas quando
precisa de um médico especialista (´otorrino´ por exemplo) aí demoram meses” (entrevista
“m”).
Por fim, as maiores e mais variadas críticas apresentadas nas entrevistas foram
identificadas em bairros onde a população possui entre 1 e 2 salários mínimos, nos nãolugares da saúde pública. As entrevistas realizadas nesses bairros registram uma crítica
contundente ao SUS como um todo, assim como a crítica pontual a falta de médicos e a fila
dos hospitais. As entrevistas “a”, “g”, “k” apontam todos esses problemas.
As entrevistas, apesar de não objetivarem quantificar as percepções dos diferentes
grupos populacionais, foram fundamentais para qualificar a percepção da população sobre a
questão do acesso a saúde, seus determinantes e limites, assim como a percepção de como
isso se reflete no cotidiano da busca pela saúde no município.
91
4.4 O PSF e a capacidade de configuração de espaços produtores de saúde
A última questão trabalhada foi relacionada com a capacidade de desenvolvimento
criativo dos diferentes modelos de saúde, em valorizar o espaço local e o conhecimento
prático, como estruturante de estratégias de promoção da saúde, reconhecendo o papel dos
conceitos espaciais para isso.
Em Joinville, as equipes de saúde da família apresentaram vários exemplos de
iniciativas centradas em uma concepção do espaço local como lócus privilegiado de ação de
saúde, visando à integralidade da atenção em saúde. A localização das equipes de saúde da
família em bairros com baixa renda per capita (até 2 salários mínimos), conformou um
conjunto de iniciativas ajustadas a essa realidade.
Vários estudos realizados em Joinville demonstraram a iniciativa de Equipes de Saúde
da Família (ESF) na promoção de ações de valorização do espaço local, do lugar, na estratégia
de promover saúde. Várias equipes de saúde da família entenderam e valorizaram o trabalho
na perspectiva de conhecimento da realidade local para atuação, como premissa para geração
de espaços promotores e produtores de saúde.
A equipe de saúde da família do bairro Paranaguamirim foi um exemplo da utilização
desse princípio, quando uma atividade para tratar de pedículo (piolhos) foi disparadora de
ação de promoção de saúde nitidamente intersetorial, conforme apresentado por Almeida,
E.A.R.S. (2002, p. 22-23). A ação intersetorial com a comunidade, que envolveu a escola do
bairro, e os resultados positivos alcançados, demonstraram a importância da articulação da
saúde com a educação para atingir objetivos vinculado a um conceito de saúde ampliado, que
envolva aspectos de promoção de saúde.
A equipe de saúde da família do bairro Nova Brasília (Joinville, 2002, p. 36), também
trabalhou nesta direção, quando realizou ação de promoção de saúde junto à população idosa
da comunidade. O trabalho envolveu a realização de confraternização e disponibilizou
também serviços de cabeleireiros, manicure, pedicure e lanches, além de várias opões de
entretenimento, que iam de atrações artísticas, tarde dançante com concurso de melhor dupla,
até corrida da batata. O fato foi identificado como positivo em entrevista realizada com
morador do bairro (entrevista e), reforçou a auto-estima dos moradores e atuou como
estratégia adequada e esta parcela da população, mais pobre.
92
No bairro Boehmervaldt, uma equipe de saúde da família trabalhou com os agravos de
saúde comuns na infância, conforme Mello et all (2002, p. 24-25). Nesta comunidade, foi
identificada a dificuldade da família em trabalhar os agravos de saúde comuns na infância
como tal. As famílias estavam tratando desses casos como casos de urgência. As mães
haviam perdido a capacidade de lidar com os cuidados básicos da saúde da família, um efeito
concreto da influencia dos modelos de atenção baseados na medicina científica. A ESF optou
por um trabalho de empoderamento com as mães em sua capacidade de lidar com o cuidado
das doenças comuns da infância. As ações resgataram os valores de comunidade, um caso
paradigmático de trabalho com base no princípio de geração de "espaço promotor de saúde".
Outro exemplo que veio do bairro Parque Guarani foi o desenvolvimento de ação
articulada com a comunidade na busca de atuar os determinantes sociais do processo de
saúde-doença da mulher. Esta ação foi apresentada por Nachtigal et all (2002, p. 32-33).
Nachtigal revelou que a ESF do Parque Guarani trabalhou no processo de promoção da saúde
da mulher, buscando reverter quadros de baixa auto-estima e depressão na gestação. A ESF do
Parque Guarani optou por trabalhar questões particulares ao universo feminino, tais como o
autocuidado estético. Reuniões com mães, puerperas e lactantes em diferentes momentos
foram realizadas, entremeadas com cortes de cabelo, escova, maquiagem, tratamento de pele e
unha gratuitamente, ofertada por profissionais ligados a área da beleza e estética, de forma
voluntária. Ainda assim, é um trabalho a ser potencializado, visto que não é acessível ao
conjunto dos moradores (entrevista m).
A realização de ação intersetorial e integrada produz mudanças, e a população tende a
incorporar esta visão no seu discurso. Duas entrevistas estruturadas realizadas pelo autor
identificaram pessoas preocupadas com essa visão, onde questões de saúde estão em sintonia
com as ações educativas e de infra-estrutura básica em saneamento, numa uma visão
sistêmica de saúde, em acordo com os princípios da saúde coletiva (as entrevistas “o” e “p”,
por exemplo, indicam a necessidade de ações educativas como ações de saúde prioritárias em
saúde, e destacam como problema de saúde a falta de saneamento básico).
No bairro Paranaguamirim, Pereira et all (2002, p. 26) apresentou o caso a ESF do
Estevão de Mattos, que utilizou a valorização do lugar como elemento promotor de saúde. A
ESF identificou alto índice de consumo de medicamentos antidepressivos. Os medicamentos
eram prescritos principalmente devido a transtornos mentais vinculados a fatores sócioeconômicos, como depressão, insegurança, revolta e falta de alto-estima. Em consonância
com essa realidade, a ESF apresentou projeto denominado "Raio de Luz", criando espaço de
93
encontro comunitário, realização de atividades e trabalhos artesanais e
discussões do
cotidiano da comunidade. Após cinco meses, constatou-se que houve a apropriação do espaço
pela comunidade como espaço terapêutico, em mais um exemplo de utilização do conceito de
lugar como espaço promotor de saúde.
Por fim, a importância do PSF como estratégia garantidora do acesso integral em
saúde em Joinville, não apenas da atenção básica em, foi identificada por vários autores.
Niemayer et all (2002, p. 20-21) relataram como uma equipe de saúde da família do bairro
Jardim Paraíso trabalhou com a dificuldade de acesso da unidade de saúde. A partir da
realização de um projeto de educação em saúde, houve uma aproximação com o
fortalecimento do vinculo com a comunidade, o que materializou a organização da
comunidade para reivindicar a construção de um posto de saúde mais próximo da
comunidade, o que foi viabilizado em 2002 pela SMS de Joinville.
Ao apresentar um caso de acidente vascular cerebral (AVC) na comunidade do Morro
do Amaral, localizado no bairro Paranaguamirim,
Paiva (2002, p. 28-30), tratou da
importância da estratégia de saúde da família para casos de tratamento em que o paciente
apresentasse dependência de cuidados e locomoção. A família da paciente informou que a
prescrição médica de continuidade de tratamento em clinica de fisioterapia era muito difícil
devido à distância do centro da cidade (15 km). A falta de transporte e as baixas condições
sócio-econômicas mostraram-se outro agravante. Neste caso, a Equipe de Saúde da Família
assumiu o processo de tratamento domiciliar, por contar com profissional habilitado para
tanto na equipe (fisioterapeuta), o que também revelou a importância de equipe
multidisciplinar na ESF, proporcionando sensível melhora nas condições gerais do paciente.
Todos os relatos apresentados confirmam o relevo e a importância do espaço na
estruturação de respostas da gestão de saúde e como modelos de saúde “espaço-centrados”
podem responder mais resolutivamente aos problemas de saúde de uma determinada
comunidade.
O Programa de Saúde da Família (ou como é chamado atualmente pela gestão Federal
do SUS - Estratégia de Saúde da Família - por entender que a proposta não se caracteriza
como um programa com inicio, meio e fim, mas algo maior, reorganizador da rede de serviços
de saúde) ofertou respostas à questão do acesso, centradas na inversão da lógica de atuação,
que colocaram a comunidade como privilegiado no planejamento e atuação da equipe de
saúde.
94
As ações apresentadas demonstraram a capacidade das equipes de saúde da família
trabalhar com conceitos “espaço-centrados”, e oferecem exemplos de como a gestão de saúde
pode atuar na geração de espaços promotores de saúde, ao trabalhar com equipes de saúde da
família que tenham a valorização da comunidade, do lugar enquanto espaço privilegiado para
a ação de saúde.
Se for verdade que diferentes modelos de saúde configuram de maneira diferente o
espaço, então é correto supor que modelos que trabalhem sob os princípios do SUS têm o
potencial para gerar ou manter estados saudáveis, pensado a partir do espaço local. Tal
necessidade leva a uma discussão sobre as estratégias adequadas a este desafio, de incluir as
parcelas que se encontram descobertas do sistema, de maneira a trabalhar sob a perspectiva da
equidade e da integralidade.
Se não é consenso na literatura científica a capacidade da estratégia de saúde da
família em garantir o acesso a saúde a parcelas com maior renda per capita, que se encontra
alijada do acesso a saúde, por outro lado é um fato que essa inadequação será tanto maior
quanto mais afastada da construção coletiva da resposta estiver a população interessada em
obter acesso a saúde pública.
Universalizar o acesso a saúde pública implica em pensar no espaço vivido pelos
diferentes grupos sociais, e ajustar os desenhos da atenção a saúde a essas diferentes
realidades, de forma a garantir o princípios constitucionais da equidade, integralidade e
universalidade.
95
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao estudar como os dois modelos de saúde apresentaram respostas para a política de
saúde de Joinville ao longo do processo de implantação do SUS, conformando uma rede de
serviços de saúde com determinadas características espaciais, eis que novos territórios se
revelaram. Espaços encobertos, espaços de omissão do poder publico, zonas encobertas da
ação publica pela frieza de números e estatísticas, para além das já tradicionais marginalizadas
periferias, que igualam os diferentes, e diferenciam os iguais, afastando a saúde publica do
principio da universalidade e da equidade.
Além e ao lado dos espaços encobertos, os limites do objeto recortado no campo de
aproximação da saúde com a geografia, identificou limites no processo de efetivação do
princípio da universalidade do acesso a saúde. O estudo também registrou a capacidade do
sistema municipal de saúde de oferecer suporte ao processo de inovação de estratégias
centradas na valorização do espaço local e do conhecimento prático advindo deste, na busca
pela formação de espaços saudáveis, verdadeiros espaços promotores de saúde, entendidos
como aqueles que possuem capacidade de oferecer qualidade de vida efetiva para seus
habitantes.
As respostas orientadas por modelos oriundos da reforma sanitária, no entanto, ainda
não conseguiram efetivar propostas com capacidade para substituir por completo o modelo da
medicina científica, apresentando grandes limitações oriundas da dificuldade em incorporar
em sua plenitude a dinamicidade do processo de produção e reprodução do espaço. O modelo
da saúde coletiva/comunitária/social acabou por criar a figura da porta única de entrada no
sistema, representada pela unidade básica de saúde, que deveria proceder ao processo de
triagem dos casos, levando a um endurecimento da rede de serviços para o acolhimento das
necessidades dos usuários.
96
Estudar a geografia e a saúde sob o recorte proposto possibilitou explicitar o embate
existente no país e em todos os seus municípios, dos dois grandes modelos de organização da
saúde, um focado em procedimentos médicos, na especialização e na fragmentação de
procedimentos, e que entende a saúde como uma relação de consumo, e outro focado num
conceito de saúde ampliado, voltado para o entendimento das relações sociais e econômicas
na determinação da saúde, para o trabalho em equipe, que toma a saúde como direito do
cidadão, e que teve como um desdobramento concreto no Brasil, o chamado Programa de
Saúde da Família (PSF).
Possibilitou entender como as diferentes propostas de organizar a gestão de saúde
materializam a aplicação dos conceitos espaciais, assim como o grande vazio gerado pela
falta de efetividade das respostas governamentais que garantam o acesso a saúde de parte da
população de Joinville com renda entre 1 e 2 salários mínimos.
Entretanto, é necessário novos estudos que possam confirmar a hipótese da
generalização do não-lugar em outros municípios de porte e história similar ao de Joinville, já
que a generalização não foi objeto deste estudo.
A implantação das políticas de saúde em Joinville foi marcada por disputas. Disputas
políticas, ancoradas em interesses, representadas nos diferentes modelos de organização da
saúde.
Foi uma disputa também territorial e ela pôde ser espacialmente demonstrada. A
gestão da saúde pública, caso tenha o real interesse em garantir a universalidade do acesso a
saúde, precisará planejar estratégias e ações, assim como um agir espacial, voltado para
diminuir as desigualdades sociais cristalizadas no espaço. O desafio de incluir as parcelas da
população não cobertas pelo PSF e sem condições de arcar com os custos de planos privados
de saúde é hoje um grande desafio para o SUS.
Identificar espacialmente a parcela da sociedade que não está coberta pelo PSF nem
por planos privados de saúde foi importante para ajustar a capacidade do governo em planejar
ações voltadas para esta parcela da população, o que demanda capacidade criativa e inovação
do gestor, e convencimento político, tendo em vista que a disputa entre os dois modelos de
gestão ainda coloca para esta parcela a inviabilidade do PSF como resposta.
Por outro lado, entender que existem diferenças nos modelos de gestão de saúde que
podem promover a saúde ou provocar a doença, foi identificado através da apresentação de
vários exemplos, ao demonstrar com vários exemplos como o PSF atuou nesta direção.
97
As evidências empíricas trazidas pela análise dos dados indicam a existência de
grandes círculos ou faixas que apresentam diferente capacidade de acesso a saúde. Este
reflexo da espacialização da disputa entre os modelos de atenção a saúde, se apresenta com
fronteiras fluidas e não tão nítidas, devido a complexidade do processo de configuração do
espaço urbano atual.
A capacidade analítica trazida pelo autor com o modelo das faixas, entretanto, não
pretende ser endurecido como resposta final para a configuração dos limites do acesso a
saúde. Pelo contrário, pretende trazer uma contribuição da geografia para o debate, que não
seja reducionista e simplificador. O processo de formação sócio-espacial possui uma
complexidade que demanda análises adicionais para entender o fato em toda sua concretude.
Por fim, a identificação de um modelo de análise espacial com capacidade de
replicação em outras cidades de porte médio, aportou novidade para gestão de municípios
desse porte.
Entre os aspectos que foram visualizados como elementos para futuras pesquisas,
destacam-se:
1.
a necessidade dos gestores trabalhem na perspectiva intersetorial de
identificação de lugares, isto é, de identificação de espaços que “apesar” de não
apresentarem condições de saúde desejáveis, aceitáveis tal como apresentados pelos
indicadores de saúde, possuem características culturais, relacionais, subjetivas e
identitárias que possibilitam um pensar e agir coletivo que se configure em espaço
promotor de saúde. Em tais espaços, “lugares”, é preciso radicalizar, acentuando e
estimulando os aspectos subjetivos da identidade local como elemento central de
trabalho. Será um trabalho de ourives, de lapidário, que identificará nas diferenças de
pensar e agir em saúde, algo a ser estimulado e reforçado. Assim como existem os
grupos dominantes e a maioria dominada, se produzem os espaços dominantes e os
territórios dominados. A divisão do trabalho se espacializa e a sua espacialização
condiciona a própria reprodução intrínseca do espaço no tempo;
2.
a necessidade de fortalecimento da capacidade das pessoas que habitam
em não-lugares e territórios, nas fronteiras e nas franjas, em buscar individual e
coletivamente a formação de lugares, visando planejar espaços produtores de saúde,
lugares que tenham a capacidade de estabelecer novas perspectivas saudáveis e
qualidade de vida para as pessoas.
98
3.
a contribuição do conceito de lugar para a reorientação das práticas e da
gestão em saúde.O gestor da saúde encontrou na vivencia prática da realidade,
respostas pautadas pela integralidade das ações de saúde. Ao analisar o conteúdo das
respostas, muitas apontaram para o trabalho a partir do conceito de “lugar”. Essa
resposta da saúde, espaço-centrada, em muito se deve a sua capilaridade e proposta
pautada pela incorporação do espaço entendido em seu dinamismo. A saúde, como o
primeiro braço do Estado a chegar aos espaços de exclusão, colocou a saúde como
mirante da realidade cruel da desigualdade social nos diferentes espaços. A tecnologia
de gestão centrada no espaço, espaço-centrada é uma tecnologia centrada também nas
pessoas que vivem no lugar. É uma tecnologia capaz de produzir o novo, de instituir
relações entre as pessoas e os espaços, operando e se aproveitando da riqueza, da
subjetividade e da realidade local.
99
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106
ANEXO 1
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO LIVRE E ESCLARECIDO
107
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
MESTRADO EM GEOGRAFIA
TÍTULO DA PESQUISA: A Geografia da Saúde em Joinville - SC
PESQUISADOR: Alexandre André dos Santos. Telefone: (61)33152598 e (61) 33832064 –
E-mail:
[email protected] [email protected] . Endereço: Qi 1 –
Bloco E – apto. 308 – Guara 1 - CEP 70-020-050. Brasília/DF.
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, Alexandre André dos Santos realizo estudo sobre a Geografia da saúde em Joinville – SC,
orientado pela Dra. Marília Peluso, e pretendo analisar a utilização de conceitos da ciência
geográfica no planejamento e gestão de políticas públicas de saúde, através do estudo de caso
do município de Joinville - Santa Catarina, no período compreendido entre a constituição do
Sistema Único de Saúde-SUS e 2003. Nessa busca, espero identificar as diferentes
concepções de território e região presentes nos discursos e ações dos gestores municipais de
saúde de Joinville, desde o início do processo de implantação do SUS no município, até 2003
e relacionar as diferentes concepções com deficiências, ameaças, fortalezas e oportunidades
identificadas pelos gestores na implantação das políticas de saúde do município no período.
Sua participação consiste em responder a perguntas de entrevista. Fica claro que a qualquer
momento do estudo você estará livre para se recusar a participar ou retirar seu consentimento.
Sua participação é livre e voluntária. A assinatura e envio deste Termo preenchido ao
pesquisador consiste no aceite em participar da pesquisa. Serão enviadas duas cópias, uma
deve ser remetida ao endereço do pesquisador e a outra fica com você.
Eu, _____________________________________________ fui informado dos objetivos da
pesquisa acima de maneira clara e detalhada. Recebi informação sobre esta situação e
esclareci minhas dúvidas. Caso tiver novas perguntas sobre este estudo, posso solicitar
esclarecimento à pesquisadora através dos contatos fornecidos.
Alexandre André dos Santos
_____________________________________________________________
(nome – Assinatura)
___________________________, ______ de __________________________ de 2005.
108
ANEXO 2
ROTEIRO DE ENTREVISTA
2.1 (SEMI-ESTRUTURADA)
2.2 (ESTRUTURADA)
109
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
MESTRADO EM GEOGRAFIA
TÍTULO DA PESQUISA: A Geografia da Saúde em Joinville - SC
PESQUISADOR: Alexandre André dos Santos. Telefone: (61)33152598 e (61) 33832064 –
E-mail:
[email protected] [email protected] . Endereço: Qi 1 –
Bloco E – apto. 308 – Guara 1 - CEP 70-020-050. Brasília/DF.
Joinville, de
de
.
Roteiro de Entrevista SEMI-ESTRUTURADA
(INFORMANTE-CHAVE)
A Geografia da saúde em Joinville – SC
Pesquisador: Alexandre André dos Santos
Orientadora: Dra. Marília Peluso
Você está sendo convidado(a) a responder a algumas perguntas sobre o processo de
implantação do SUS no município de Joinville. Suas respostas visam qualificar a busca de
informações necessárias para desenvolver um corpo de conhecimentos que permita refletir
sobre o papel que conceitos e temas da ciência geográfica tiveram sobre o processo de
implantação do SUS no município. Esta pesquisa se constitui na dissertação a ser apresentada
ao Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília como pré-requisito para
obtenção do título de Mestre em Geografia.
Sua participação consiste em responder as perguntas abaixo.
1. Relate situações de conflito no processo de implantação do SUS.
2. Identifique critérios espaciais para planejamento da rede de atenção em saúde.
3. Caracterize os principais atores que disputam o poder na saúde de Joinville, e seus
interesses
4. Apresente o histórico de implantação do SUS
5. Apresente como a variável espacial foi trabalhada no planejamento das ações de
saúde.
6. Como foi o processo de participação popular na definição das políticas e ações de
saúde. Cite exemplos.
7. Avalie a participação dos usuários no processo de gestão das políticas de saúde
Agradeço sua colaboração e saliento a importância das suas respostas, as quais não pretendem
ocupar mais do que 120 minutos de seu tempo. Para responder as questões éticas do Conselho
Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos envio em anexo o Termo de
Consentimento que, após aceito, deve ser assinado, demonstrando o seu aceite em participar
da pesquisa.
110
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
MESTRADO EM GEOGRAFIA
TÍTULO DA PESQUISA: A Geografia da Saúde em Joinville - SC
Roteiro de Entrevista ESTRUTURADA
(POPULAÇÃO)
Pesquisador: Alexandre André dos Santos
Orientadora: Dra. Marília Peluso
Você está sendo convidado(a) a responder a algumas perguntas sobre a saúde de Joinville.
Esta pesquisa se constitui na dissertação a ser apresentada ao Instituto de Ciências Humanas
da Universidade de Brasília como pré-requisito para obtenção do título de Mestre em
Geografia.
Sua participação consiste em responder as perguntas abaixo.
Dados pessoais:
1. Nome:
2. Idade:
3. Sexo:
4. Endereço:
5. Bairro:
6. Comunidade:
7. Formação/Escolaridade:
Questões de entrevista:
8. O que é um problema de saúde pública?Cite alguns exemplos
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------9. Como poderiam ser resolvidos os problemas de saúde da população?
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------10. Mapeie a delimitação do PSF no seu bairro.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------11. Relacione as situações em que procurou o SUS nos últimos 6 meses.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------12. É correta a divisão das áreas do PSF em seu bairro? Porque?
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------13. Já participou de movimento pela melhoria da saúde?
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------14. Qual sua avaliação sobre a qualidade da saúde pública?
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------Mais uma vez agradeço a sua colaboração nesta pesquisa.
Atenciosamente,
Alexandre
Data: ___/___/___
Assinatura: ___________________________________________________
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alexandre andré dos santos configuração espacial da rede de