José William Vesentini
O ensino da Geografia e as
mudanças recentes no
espaço geográfico mundial
a
2 edição ampliada e atualizada
Com encarte a cores: três
mapas atualizados da ex-URSS,
da Europa e do mundo.
EDITORA ÁTICA, 1992
José William Vesentini
P r o f e s s o r d o u t o r d o D e p a r t a m e n t o d e Geografia d a U S P - F F L C H
V á r i o s a n o s de experiência c o m o p r o f e s s o r do ensino público e particular de I °. e 2° grau
A u t o r d o s livros: A Capital da Geopolítica, Sociedade e Espaço, firasil - Sociedade e Espaço e
Geografia Crítica (4 v o l u m e s , em co-autoria c o m Vânia Vlach)
C o o r d e n a d o r da série paradidática "Viagem pela Geografia", da Editora Ática
2a. edição ampliada e atualizada, 1 9 9 2
editora atica
I. Introdução
Questões que surgem
Objetivo deste folheto
Vivemos num período revolucionário
II. A crise do "mundo socialista"
A perestroika: seus objetivos e dilemas
O fim da perestroika e da União Soviética
O golpe de agosto
O problema das repúblicas
A economia planificada e seus problemas
O problema da burocratização
O "modelo soviético" e seu ocaso
III. A nova divisão internacional do trabalho
IV. A nova ordem geopolítica mundial
A ascensão e queda das grandes potências
O novo papel da O N U
V. A redescoberta da complexidade do mundo
V I . Sugestões de leitura e de atividades didáticas
No início de 1991, elaboramos um folheto que destacava as transformações recentes e importantes no espaço geográfico
mundial. Ele resultou de um pedido de professores de Geografia por ocasião de um curso
de reciclagem que havíamos ministrado.
De fato, a velocidade das mudanças no
cenário internacional ocorridas nos últimos
anos foi enorme, fato que desatualizou praticamente todos os manuais e atlas geográficos
elaborados até aquela data.
Nos útimos anos, especialmente em 1989,
em 1990 e também em 1991, enormes transformações ocorreram no espaço mundial. A
perestroika na (ex-) União S o v i é t i c a - e o seu
final em agosto de 1991, com todas as suas
conseqüências, ainda não completamente definidas - mudou a face desse enorme país, que
se desagregou. A progressiva - ou, em alguns
casos, acelerada - implementação de mecanismos de mercado nas economias planificadas acabou gerando dúvidas sobre a viabilidade ou continuidade nos anos 90 deste último tipo de vida econômica.
A área de influência geopolítica da (ex -)
União Soviética em grande parte ruiu. O
Pacto de Varsóvia foi extinto em meados de
1991, e os europeus ocidentais já começam a
se sentir incomodados pela presença em seu
continente das tropas norte-americanas da
OTAN. Levanta-se inclusive a idéia de um
novo tratado, que começa embrionariamente com a coordenação das tropas militares da
França e da Alemanha, para com o tempo
substituir ou redefinir a OTAN, no sentido
de ampliar o poderio europeu.
A Alemanha Ocidental e a Alemanha
Oriental se uniram em 1990, formando um
único país, fato que até há alguns anos parecia impossível ou extremamente improvável
para este século.
A rapidez desse processo surpreendeu a
todos: a partir da crise do "mundo socialista",
especialmente da Europa Oriental, no final
dos anos 80, tudo indicava que a reunificação alemã pudesse ocorrer. Só que os analistas políticos, os jornais e demais meios de comunicação, inclusive os germânicos, divulgavam uma data mais longínqua, possivelmente 1997.
A velocidade das mudanças nestes dois
últimos anos foi realmente impressionante, o
que entre outras conseqüências acabou desatualizando atlas e livros de Geografia de
todos os recantos do planeta. Por um lado,
isso gerou angústias em alguns, pelo fato de
não haver respostas seguras e pelas freqüentes
cobranças feitas pelos alunos ou pelo público
em geral. Por outro lado, contudo, isso tem
sido extremamente gratificante pelo renovado interesse que a Geografia vem suscitando,
pela crescente busca de subsídios ou opiniões
de geógrafos por parte da imprensa em geral.
Nunca houve tanta procura pelos conhecimentos ou procedimentos geográficos, por
parte dos principais jornais, das principais
revistas e pelas principais redes de televisão,
como nestes três últimos anos; e isso em todo o
mundo. Noções ou temas que antes eram
quase que restritos aos meios educacionais ou
acadêmicos, tais como fronteiras e suas redefinições, mapas-múndi, geopolítica, nações e
territórios, Estados-nações e t c , hoje começam de alguma forma a ser usados na vida cotidiana pelas pessoas e pela mídia.
Q u e s t õ e s que s u r g e m
Nestas condições, é comum que os professores de Geografia coloquem aos especialistas em Geografia Política, em Geografia Regional e até em Cartografia, aos professores universitários e pesquisadores, dúvidas
e indagações sobre a atual estruturação do espaço mundial:
• Existe ainda uma Europa Oriental?
• Como ensinar o tema Europa para os
alunos?
• Pode-se falar ainda num Segundo Mundo ou conjunto de países "socialistas" ?
• Como é ou será a geopolítica internacional neste momento de enfraquecimento
ou final da Guerra Fria?
• Com o final, ou pelo menos com o visível
enfraquecimento da oposição Leste x Oeste,
quais as novas contradições que emergem
com vigor em seu lugar?
Essas e outras questões semelhantes de
fato fazem sentido neste momento de indefinições, de rápidas e radicais transformações na ordem mundial gerada pela Segunda
Guerra Mundial, ordem essa que se manteve
de forma mais ou menos estável durante
cerca de 45 anos. Os anos 90 parecem ser de
transição entre uma ordem que envelhece e
começa a se transformar rapidamente e uma
nova ordem internacional que ainda não
está plenamente constituída, mas que pode
ser vislumbrada através de alguns fatos que
descreveremos a seguir.
Objetivo deste folheto
O objetivo deste folheto é o de auxiliar
os professores de Geografia na tarefa de entender o mundo de hoje. E claro que ele seria
desnecessário se os livros em geral, especialmente os didáticos ou paradidáticos, estivessem completamente atualizados, contendo
estas considerações ou análises que faremos
aqui. Isso, contudo, é impossível em face da
rapidez das mudanças e da necessidade de um
tempo mínimo (alguns meses ou até cerca de
um ano) para a reelaboração de uma obra já
pronta e estruturada nos textos e nas ilustrações, especialmente os mapas.
Além disso, existe a demora da reflexão,
pois mesmo tendo os dados à disposição, o
intelectual ou cientista sempre precisa de um
tempo mínimo para repensar a ordem das
coisas, as teorias e as interpretações. Como
afirmou Hegel ainda no início do século passado, a coruja da minerva (isto é, a sabedoria) só
levanta vôo ao anoitecer, o que significa que
existe a necessidade de um lapso de tempo
entre o acontecimento e a interpretação, assim como é preciso que a poeira assente para
se enxergar mais claramente.
No momento em que elaboramos a primeira versão deste fascículo (primeiros meses de 1991), ainda não havia nenhum livro
perfeitamente atualizado em relação a esses
fatos relevantes dos últimos anos. Alguns
poucos conseguiram se atualizar desde então,
mas já neste início de 1992 percebe-se que
novas transformações ou fatos importantíssimos ocorreram desde o final do ano passado,
e que não puderam ser incorporados nessas
obras. Afinal, para ser adotado no início de
um ano letivo, todo manual costuma ser impresso já em agosto/setembro do ano anterior, para fins de distribuição aos professores
que o irão analisar.
Só que vivemos numa época excepcional, em que poucos meses fazem uma grande
diferença a respeito da nova ordem internacional e do novo mapa-múndi. Mesmo que os livros fossem impressos em fevereiro ou março,
por exemplo, também haveria em agosto ou
setembro uma defasagem face às mudanças
ocorridas desde então. Há alguns momentos
da História em que um livro ou atlas pode
passar anos ou até décadas sem grandes ou profundas atualizações; são momentos de transformações lentas ou quase imperceptíveis.
Mas existem momentos nos quais as mudanças históricas se aceleram, com rápidas
redefinições de fronteiras e nas relações econômicas e geopolíticas.
V i v e m o s n u m período
revolucionário
Desde 1989 vivemos num desses períodos revolucionários, no qual pode-se dizer que
oconem transformações sem dúvida nenhuma comparáveis àquelas resultantes da Segunda Guerra Mundial ( 1 9 3 9 - 1 9 4 5 ) . Naquele momento, em meados do nosso século,
uma velha ordem internacional conheceu seu
fim, com o declínio da Inglaterra e demais
potências européias (Alemanha e França) e
a ascensão de novas potências hegemônicas
(Estados Unidos e União Soviética), as quais,
durante mais de quatro décadas, lideraram
seus respectivos campos ou "blocos" (o "mundo" capitalista e o mundo do socialismo real).
Neste e nos três últimos anos, estamos assistindo à desagregação dessa ordem bipolar
gerada pela guerra.
No seu lugar vemos a construção paulatina, já estruturada em vários aspectos e ainda
indefinida em alguns outros, de uma nova
ordem internacional multipolar, com o final
da oposição capitalismo versus socialismo e a
ascensão de novos "blocos" ou potências econômicas, tecnológicas e, possivelmente, polí-
tico-diplomáticas e militares (em especial o
Japão e a nova Europa unificada).
Consideramos nossa obra Sociedade e espaço em sua nova edição reformulada, de
1992 (mas impressa em setembro de 1991),
como o que existe hoje de mais recente e moderno, assim como a coleção Geografia crítica, 4 volumes ( I edição de agosto de 1990 e
3 edição atualizada em setembro de 1991),
de nossa autoria em conjunto com Vânia R. F.
Vlach. Todavia, mesmo nestes casos de rápida atualização de textos, mapas e informações, também permanece uma pequena defasagem oriunda do fato de haver um inevitável
lapso de tempo entre a impressão e os meses
seguintes, quando novos acontecimentos alteraram mais uma vez o mapa político mundial.
Este folheto, dessa forma, também em
nova edição ampliada, visa mais uma vez
suprir uma lacuna aberta pela História atual,
por recentíssimos e relevantes fatos que nos
levam a repensar diversos aspectos da ordem
econômica e geopolítica internacional.
Julgamos assim ser necessário ainda este
ano oferecer novos subsídios aos professores,
tanto sob a forma de texto como de orientação bibliográfica e de atividades didáticas,
no sentido de que não se perca o papel da
Geografia escolar, que é o de ajudar o educando a compreender criticamente o mundo
em que vive.
a
3
[Foto ilegível]
Festa de comemoração da união politica e econômica das duas Alemanhas, no dia 3 de outubro de 1990. Nasce daí a
nova Alemanha, com 357 042 km2 e 78 milhões de habitantes, que se constitui hoje no terceiro PNB do mundo, após
os Estados Unidos e o Japão, e o verdadeiro líder econômico e tecnológico da nova Europa unificada.
V i v e m o s hoje um momento histórico
em que a experiência auto-intitulada "socialista" parece estar se esgotando. Talvez nem
seja mais possível falar-se num Segundo
Mundo, ou "mundo socialista", no século
X X I , que já se avizinha. A propriedade privada dos meios de produção - inclusive da terra
- foi novamente admitida na ex-União Soviética, na China e em quase todos os países da
Europa Oriental. Conseqüentemente, as bolsas de valores desses países, que foram
fechadas durante inúmeras décadas, encontram-se agora reabertas. Mecanismos de
mercado - tais como maior liberdade para as
empresas tomarem suas decisões, independentemente do plano qüinqüenal em vigor,
os preços oscilando novamente de acordo
com a lei da oferta e da procura; o final de inúmeros subsídios estatais para atividades ou
setores econômicos; o final do pleno emprego para os trabalhadores, com a volta do mercado de trabalho; a falência ou fechamento
de empresas constantemente deficitárias,
que só eram mantidas por recursos públicos
etc. - passam a ser introduzidos nesses países,
o que diminui o rigor e a centralização da planificação da economia.
Apesar de essas mudanças terem se acelerado a partir de 1989, não é essa a data inicial
desse processo. A Hungria, desde o início dos
anos 70, já havia pioneiramente ingressado
numa paulatina introdução de mecanismos
de mercado em sua economia planificada. E
a China, desde a morte de Mao Tse-tung e a
ascensão de Deng Xiaoping, em 1976, também já vinha abrindo sua economia para o
capitalismo (com um avanço notável em
suas exportações e importações, com a reabertura da bolsa de valores de Xangai, com a
busca de tecnologia ocidental e t c ) .
Nos anos 70 foram inúmeros os acordos
entre os países "socialistas", especialmente a
URSS e algumas nações da Europa Oriental,
com empresas multinacionais capitalistas,
que instalaram filiais nessas áreas: para as
empresas tratava-se de buscar mão-de-obra
barata e "disciplinada" (pois o direito de greve
nesses países só foi conquistado após 1989),
para essas nações tratava-se de adquirir tecnologia e tentar ampliar um pouco o padrão
de consumo de suas populações, um padrão
baixo quando comparado com o Primeiro
Mundo. Somente no ano de 1985, por exemplo, já existiam cerca de 140 filiais de empresas multinacionais na URSS e na Europa
Oriental.
Mas em 1989 ocorreu uma aceleração
nessas mudanças. Com os ventos liberalizantes trazidos pela política da perestroika na
União Soviética, algumas repúblicas resolveram proclamar sua independência, a
começar pela Lituânia. Em muitas dessas
repúblicas soviéticas, começou novamente a
ser valorizada a cultura nacional tradicional,
sendo inclusive abolido o idioma russo como
obrigatório nas escolas.
Na Europa Oriental, milhões de pessoas
saíram às ruas exigindo democracia, eleições
livres, o fim do monopólio de um só partido
político no poder. Governos foram derrubados e houve de fato a introdução de radicais
mudanças econômicas e políticas nesses países.
Quais foram os motivos desses protestos
que geraram mudanças?
Foi a economia planificada um fracasso?
O que significou a perestroika e qual foi a
sua importância nessas transformações?
Vamos examinar essas questões nas linhas a seguir, mas temos que enfatizar o fato
de que essas radicais mudanças no "mundo
socialista" não ocorreram isoladamente; elas
constituem na verdade uma parte de transformações globais no espaço mundial.
próprio Produto Nacional Bruto do país, tido
durante décadas como o segundo do mundo,
atrás somente do norte-americano, era às vésperas da desintegração (final de 1991) no
máximo o quarto, atrás do produto japonês e
do alemão.
E lógico que esses dados variam de acordo
com a fonte de informações. Afinal, calcular
a produção anual de cada nação não é tarefa
fácil.
Há, em primeiro lugar, o problema da
confiabilidade dos dados, algo gravíssimo em
especial numa economia centralmente planificada, onde os burocratas decidem em seus
gabinetes o que "foi produzido" oficialmente,
mesmo que esse oficial não corresponda à realidade. Como não há competição nem falências de empresas nessas economias cujos
meios de produção foram estatizados, tal procedimento de colocar nos relatórios produções
exageradas ou fictícias não ocasiona problemas às empresas.
Apenas os consumidores, os menos atendidos numa economia desse tipo, é que serão
prejudicados pela carência de bens e pelas intermináveis filas.
Além desse fato, há ainda o problema de
expressar essa produção numa moeda internacional comum, para se poder comparar os
PNBs. Durante muitas décadas, por exemplo,
o PNB do Japão foi subvalorizado devido ao
A perestroika: seus
objetivos e dilemas
Mikhail Gorbatchev, secretário geral do
Partido Comunista e presidente da ex-União
Soviética, propôs em 1986 a política da perestroika, palavra russa que significa reestruturação.
Em que constituiu a política da perestroika .
Resumidamente, pode-se dizer que ela tinha
como objetivo dinamizar a economia soviética, especialmente o setor civil, constituindo-se num projeto geopolítico destinado a
manter o país entre as grandes potências do
século X X I .
Para compreendermos essa política, temos que recordar que o mundo sofreu importantes mudanças nas últimas décadas e a
própria posição soviética como grande potência econômica já nos anos 80 encontrava-se
ameaçada pelo crescimento japonês e pelo
avanço da unificação européia. Do ponto de
vista econômico, de fato, a União Soviética
já era nos anos 80 uma potência em crise. O
1
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fato de o iene estar com uma cotação muito
baixa frente ao dólar. E o contrário ocorreu
com o PNB soviético, que durante muito
tempo foi supervalorizado em face da cotação do rublo, artificialmente exagerada
frente ao dólar.
Outro elemento a ser ressaltado é que a
economia soviética - e, nos dias atuais, a
economia russa - é claramente dividida em
duas partes: uma militar, dinâmica e competitiva, que concorre com o setor armamentista norte-americano em condições de igualdade; e a outra civil, que sempre recebeu menos recursos humanos e financeiros que a militar e que acabou dominada por normas
burocráticas; esta última é um tipo de economia que não precisa concorrer com nenhuma outra e que se encontra visivelmente
atrasada em relação ao setor militar.
Como afirmou Gorbatchev no seu livro
Perestroika - novas idéias para meu país e o
mundo, a União Soviética conseguiu, por um
lado, enviar astronautas e sondas de pesquisas para a Lua e para Marte, mas, por outro
lado, não conseguiu fabricar televisores,
gravadores ou mesmo simples liqüidificadores com qualidade e em quantidade comparáveis à indústria francesa ou italiana (isso
para não falar da norte-americana, alemã ou
japonesa).
De um lado, no setor militar, uma economia dinâmica e competitiva, que utilizou e
ainda utiliza em.parte a melhor tecnologia,
que dispõe dos melhores cérebros do país. E
do outro lado, no setor civil, uma economia
esclerosada, burocratizada, que se caracteriza
até hoje pela carência de bens e pela predominância de objetos alheios aos gostos e interesses dos consumidores (roupas pouco variadas, cores simples, padrões comuns e únicos
e t c ) . A famosa "prioridade aos bens de produção", tão divulgada pela União Soviética
desde os anos 1930, na realidade escondeu uma
valorização do setor armamentista. E isso fez
em detrimento do setor civil da economia,
ou seja, do consumo da população.
E por isso que a perestroika foi tanto uma
política interna como externa: para ampliar
o consumo da população, incentivando mais
a economia civil, era necessário enfraquecer
ou eliminar a guerra fria com os Estados Unidos, a constante competição pela renovação
de armamentos e por "áreas de influência"
(ou de dominação político-militar e às vezes
até econômica).
Os acordos com os Estados Unidos e com
países europeus ocidentais da OTAN foram
necessários para aplacar os militares, a chamada "linha dura". Diminuir os gastos militares
foi uma condição indispensável para ampliar
os recursos à disposição da economia civil.
E como agilizar a economia civil?
Aqui a opção consistiu na introdução
gradual de uma economia de mercado, com
empresas estatais ou particulares sendo regidas pela competição, com possibilidade de
falências ou de elevados lucros. No tocante à
política interna, outro importante aspecto da
perestroika foi aglasnost, palavra russa que significa transparência, abertura, e que implicou na liberalização política (isto é, maior liberdade para a imprensa, para as pessoas expressarem suas opiniões, mesmo contrárias às
do governo etc.). Esta foi uma grande diferença da abertura soviética frente à chinesa, que
por sinal é anterior: enquanto nesta última só
houve descentralização econômica e não política (com os protestos e a oposição sendo
reprimidos pelo poder centralizado e autoritário que busca permanecer a todo custo), na
perestroika as duas vieram ao mesmo tempo e
acabaram se influenciando mutuamente.
O grande "calcanhar de Aquiles" da perestroika, que levou ao seu final, foi a diversidade étnico-nacional dentro da União Soviética. A União Soviética, nome criado em
1922 após um domínio russo sobre inúmeras
outras repúblicas, sempre foi um país de frágil
unidade do ponto de vista da nacionalidade.
E muito mais uma continuidade do império
czarista russo, no qual havia uma dominação
russa sobre outras etnias e nacionalidades.
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As décadas de "socialismo" não esconderam
o fato de que os russos sempre tiveram privilégios na União Soviética: na cúpula do partido oficial e dominante, o PC soviético, nos
altos escalões das Forças Armadas, na localização das mais importantes indútrias etc. A
liberalização no país, mesmo sem o pretender, deu espaços para o ressurgimento de sentimentos nacionais que durante muito tempo foram reprimidos e abafados. Manter a
unidade do país por meio da implantação de
um sistema federativo foi um duro desafio
para o futuro da perestroika, que afinal ela não
conseguiu vencer.
O fim da perestroika e da U n i ã o
Soviética
Pode-se dizer que a perestroika acabou em
agosto de 1991, por ocasião de um frustrado
golpe militar. Essa política liberalizante na
realidade enfrentava três tipos principais de
oposição ou pressão.
De um lado havia a chamada "linha dura"
ou stalinista, representada pelas camadas dominantes que se sentiam atingidas pela abertura econômica e política: alguns militares
de alta patente e importantes membros do
Partido Comunista, único a monopolizar o
poder político e até o poder econômico durante quase oitenta anos; essas camadas no
fundo desejavam manter a situação vigente
nas últimas décadas.
De outro lado havia os chamados "progressistas", entre os quais o nome de Bóris
leltsin sempre era mencionado; os progressistas pressionavam Gorbatchev no sentido
de apressar a política da perestroika e, conseqüentemente, as reformas que ela acarretava; criticavam o ritmo tido como demasiadamente lento da abertura para a economia
de mercado e da vida política.
Havia ainda os interesses de maior autonomia (ou, em alguns casos, até de independência total) das diversas repúblicas que
compunham a União Soviética.
O setor tido como mais forte era a "linha
dura", pelo menos até agosto de 1991. Tanto
que freqüentemente se aventava a possibilidade de um golpe militar comandado por
esse setor, o que realmente acabou acontecendo. Muitos ministros do governo de
Gorbatchev eram desse setor conservador, o
que é um fato bem conhecido, e foram mantidos no poder exatamente porque inspiravam um certo temor e respeito. Foi em especial por esse motivo que o ritmo da abertura de fato não era muito intenso até 1991.
Havia mais retórica e discursos da perestroika
e da glasnost do que mudanças reais, profundas e irreversíveis.
Mikhail Gorbatchev, último presidente da ex-URSS e
idealizador da p e r e s t r o i k a , que desempenhou um papel
histórico fundamental nas transformações mundiais dos
últimos anos. A partir de agosto de 1991, Gorbatchev passou a ter pouca importância nos acontecimentos da
Rússia e das demais repúblicas da ex-URSS.
Bóris leltsin, primeiro presidente da Federação Russa
eleito por voto direto em toda a história dessa nação e personagem histórico de primeiro plano após agosto de
1991.
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As transformações do final do anos 80 até
1991 indubitavelmente foram mais intensas
na Europa Oriental que na própria União Soviética. Basta lembrar que até meados de 1991
grande parte dos recursos financeiros do
Estado soviético ainda era destinada ao setor
militar e o Partido Comunista continuava na
prática a monopolizar o poder político. Até
agosto de 1991 esse setor da "linha dura"
ainda dominava grande parte dos principais
cargos políticos e militares no país, mesmo
convivendo arduamente com a perestroika.
Naquele momento discutia-se um tratado da União que concedesse mais autonomia
(mas não a independência) às diversas repúblicas; no fundo o tratado objetivava manter a integridade do país, com algumas concessões aos interesses das repúblicas, e que
estava em vias de ser assinado.
na Lituânia), fato que paralisou as tropas.
Houve um momento em que os soldados
não sabiam se obedeciam aos golpistas, entre
os quais estava o próprio ministro do exército, ou aos políticos que se opunham ao golpe
e contavam com amplo apoio popular. Estes
últimos acabaram vencendo e o resultado do
golpe malogrado foi o contrário do que pretendiam os golpistas: ao invés de manter a
integridade da União Soviética e impedir
novas aberturas na vida política, consolidando o poder nas mãos do Partido Comunista, o
golpe acabou acelerando a desagregação do
país, gerando novas aberturas e provocando
o fim do próprio Partido Comunista da
União Soviética.
Com o fracasso do golpe, que contou com
o apoio ou a cumplicidade da imensa maioria
dos burocratas do Partido Comunista, as autoridades das diversas repúblicas ganharam
mais força. Esses governos sempre foram subordinados aos interesses do governo central, o
soviético, mas a reação ao golpe praticamente esvaziou esse poder centralizado e fortaleceu as diversas autoridades regionais das repúblicas.
Após a rendição dos golpistas e a libertação de Gorbatchev, percebeu-se que este já
não tinha mais autoridade nem poder. O poder de fato estava com o governo da Rússia,
em primeiro lugar, e com o governo das outras repúblicas. Gorbatchev teve um importante papel histórico, mas acabou o governo
com pouca representatividade popular. Apesar de seu gênio reformista, na realidade ele
foi o último governante eleito por via indireta pelos parceiros do Comitê do Partido Comunista. Já os presidentes das repúblicas de
uma forma geral, como leltsin da Rússia e alguns outros, foram eleitos por via direta, em
eleições populares.
E o Partido Comunista da U R S S saiu arrasado com o fracasso do golpe: edifícios foram depredados, membros eminentes perderam seus cargos e elementos de menor prestígio se apressaram em repudiar suas antigas
O golpe de agosto
A tentativa de um golpe militar depondo
Gorbatchev e criando uma junta para substituí-lo, implementada em agosto de 1991,
visava exatamente impedir a assinatura desse tratado e a continuidade da política de abertura da perestroika. Se fosse bem sucedido,
esse golpe poderia talvez reavivar a guerra
fria e o papel da superpotência "socialista" da
União Soviética, algo de futuro duvidoso
num momento de ascensão de novas potências e de declínio econômico e tecnológico
desse imenso país.
Ocorreu todavia algo que ninguém esperava: uma rápida e maciça reação do povo
nas ruas se opondo aos tanques. Ao prenderem Gorbatchev e anunciarem pelos meios
de comunicação que havia um novo governo
no país, ao enviarem tanques para controlar
os edifícios públicos, os golpistas não esperavam a manifestação popular, que foi acompanhada pela reação de políticos progressistas e de outros políticos ligados aos interesses
nacionais de suas repúblicas (por exemplo,
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idéias e adotar novas posições. Daí se afimar
que a perestroika foi liquidada com o resultado do golpe: ela consistia antes de mais nada
numa política de reformas que pressupunha a
liderança desse partido. Era uma política de
abertura "de cima para baixo", conduzida de
forma controlada, buscando manter a integridade da União Soviética e a hegemonia desse partido que tomou o poder em outubro de
1917. Como as radicais transformações no
país a partir de agosto de 1991 fugiram do controle desse partido, que praticamente deixou de
existir, pode-se dizer que a perestroika morreu.
A partir do golpe começou a era pósperestroika.
Foi também o fim da U R S S , tal como ela
existiu desde 1922.
Logo em setembro de 1991, as três repúblicas bálticas - Lituânia, Letônia e Estônia conseguiram a sua independência, fato imediatamente reconhecido pela O N U e pela
maioria dos países, inclusive a Rússia. As demais repúblicas encontram-se num impasse:
ou ficam juntas, numa comunidade federativa, ou se fragmentam de vez. Desde o final
de 9 1 , estão associadas na Comunidade de
Estados Independentes (CEI), organização supranacional inspirada no Mercado Comum
Europeu.
Deixaram de participar da CEI as três
repúblicas bálticas e a Geórgia. Esta, desde dezembro de 1991, vive num impasse entre um
governo eleito pelo voto e adepto à total independência de país (contrário portanto à
participação na CEI) e revoltosos com amplo
apoio nas Forças Armadas, que tomaram o
poder em janeiro de 1992 mas enfrentam freqüentes protestos populares e cuja posição é
favorável a uma aproximação da Geórgia
com as demais onze repúblicas.
Nos primeiro meses de 1992, a CEI já era
uma realidade, só que problemática: para uns
ela deveria constituir somente uma comunidade econômica, um mercado comum; para
outros, deveria ser também uma organização
político-militar, com a função de coordenar
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a defesa e as Forças Armadas.
Os governantes da Rússia, a maior e mais
populosa república da ex-URSS, evidentemente desejam recriar esse imenso país sob
um novo rótulo. Daí apregoarem a coordenação centralizada das Forças Armadas, que
na prática significaria a continuidade do
domínio russo sobre as demais repúblicas.
Outras repúblicas, especialmente a Ucrânia,
insistem em ter seu próprio exército, independente da CEI.
O problema das repúblicas
As repúblicas meridionais (Casaquistão,
Turquemenistão, Uzbequistão, .Azerbaijão, Tadiquistão e Quirguízia), vizinhas do Oriente
Médio, nas quais grande parte da população
segue a religião muçulmana, começam a se
aproximar do mundo islâmico, em especial
do Irã. A crescente expansão do fundamentalismo religioso nessa região poderá afastar
algumas dessas repúblicas das demais da CEI.
E a "política do liqüidificador" implementada pelo ditador soviético Joseph Stálin nos
anos 1930 e 40, que consistia na migração
forçada de povos de uma etnia para repúblicas com outras nacionalidades, visando embaralhar as inúmeras etnias desse imenso país,
hoje cobra o seu preço ao jogar algumas
nações contra outra>.
A autonomia das inúmeras repúblicas
não é um processo tranqüilo, em especial
pelo fato de normalmente existirem populações de outras nacionalidades no território
de cada uma delas. Veja-se o exemplo da Armênia e do Azerbaijão, duas repúblicas com
conflitos de fronteiras: há um território reivindicado pela Armênia, Nagorno-Karabakh, no qual hoje existe uma mistura de
povos principalmente dessas duas nacionalidades, que pertencia à Armênia e foi entregue por Stálin em 1923 ao Azerbaijão.
Veja-se ainda a própria Rússia, com seu imenso território: existe aí um predomínio da
etnia russa (83 % ) , mas também há a forte presença, especialmente em determinadas regiões, de outras etnias que almejam maior
autonomia frente aos russos (tais como tártaros, ucranianos, tchuvachos e outros). Os
conflitos étnico-nacionais, dessa forma, ainda persistem na e x - U R S S e deverão se agravar nos próximos meses ou anos.
Não se pode esquecer que a "linha dura"
foi derrotada em agosto de 1991 mas ainda
sobrevive, esperando a melhor ocasião para
tentar novamente ganhar mais espaço. Se
persistir a atual situação de declínio econômico e do padrão de vida da população, sobretudo com a carência de alimentos, é bastante provável que muitos dos que repudiaram o malogrado do golpe conservador de agosto do ano passado revejam suas posições, iludidos pela propaganda da antiga superpotência "socialista". Afinal, bem antes da perestroika os problemas econômicos e sociais soviéticos já se agravavam (com o declínio econômico e tecnológico frente ao Primeiro Mun-
do, com um déficit de 25 milhões de moradias em meados dos anos 80, com a queda da
produtividade na agricultura, com o progressivo aumento nas taxas de mortalidade geral
e infantil, daí advindo uma diminuição na
expectativa média de vida etc.). Acontece que
esses problemas eram escondidos ou censurados, o que criava em muitas pessoas a ilusão
de que tudo ia bem. Com a perestroika e a glasnost esses problemas vieram a público, sendo
divulgados nos meios de comunicação. Na
verdade, alguns deles até se aprofundaram a
partir da desestruturação da planificação econômica e a introdução meio atabalhoada de
mecanismos de mercado, o que acabou provocando a falência de empresas, o aumento do
desemprego, inflação etc.
O prolongamento dessa crise poderá fortalecer a "linha dura" e suscitar novas investidas desse setor, mesmo que ele dificilmente
consiga uma volta completa a um passado em
grande parte já superado e não mais reproduzível.
A e x - U n i ã o Soviética
Com a desintegração da União Soviética, em fins de 1991, as repúblicas que a constituíam associaram-se na Comunidade de Estados
Independentes - CEI. A Geórgia não aderiu à CEI. Letônia, Estônia e Lituânia se haviam desmembrado em setembro de 1991.
As 1 5 Repúblicas da e x - U R S S ( 1 9 9 0 )
República
2
Área
(km )
População
Etnias dominantes
Renda
per-capita
(em rublos )
!
Lituânia
65 200
3,7
l i t u a n o s (80%), r u s s o s (8,5%) e p o l o n e s e s (7,7%)
2 147
Letônia
64 589
2,7
l e t õ e s (54%), r u s s o s (32%) e b i e l o r u s s o s ( 5 % )
2 647
Estônia
45 100
1,6
estonianos(65%), russos(83%) e ucranianos(3%)
2 522
17 045 400
147,0
r u s s o s (83%), t á r t a r o s ( 4 % ) e u c r a n i a n o s ( 2 , 8 % )
2 397
Ucrânia
603 700
51,7
u c r a n i a n o s (74%), r u s s o s (20%), b i e l o r u s s o s ( l % ) e
j u d e u s (1%)
1 896
Bieiorússia
207 600
10,2
b i e l o r u s s o s (80%), r u s s o s (11 %) e p o l o n e s e s (4,3%)
2 355
Uzbequistão
447 400
20,0
u z b e q u e s (69%), r u s s o s (11 %) e t á r t a r o s (4,2%)
1 209
2 717 300
16,5
r u s s o s (41 % ) , c a s a q u e s (36%) e u c r a n i a n o s (6%)
1 605
Geórgia
69 700
5,4
g e o r g i a n o s (69%), a r m ê n i o s (9%) e r u s s o s (7,5%)
2 063
Azerbaijão
86 600
7,0
a z e r b a i j a n o s (78%), a r m ê n i o s (8%) e r u s s o s (8%)
1 730
Moldávia
33 700
4,3
m o l d a v o s (15%), u c r a n i a n o s (64%) e r u s s o s ( 12%)
1 709
Quirguizia
198 500
4,3
q u i r g u i z e s (41 % ) , r u s s o s (22%) e u z b e q u e s (11%)
1 209
Tadiquistão
143 100
5,2
t a d z i q u e s (59%), u z b e q u e s (23%) e r u s s o s (10%)
1 042
29 8 0 0
3,3
a r m ê n i o s (90%), a z e r b a i j a n o s (5,3%) e
r u s s o s (2,5%)
1 938
4 8 8 100
3,5
t u r c o m e n o s (13%), r u s s o s (65%) e
u z b e q u e s (8,5%)
1 375
Rússia
Casaquistão
Armênia
Turquemenistão
* O valor do rublo em 1990, na ocasião da coleta desses dados, era de 1,6 dólar no câmbio oficial.
No câmbio negro, todavia, que é mais realista, o valor do rublo era somente 15 centavos de dólar.
Constituída até
1991 por 15 repúblicas e
p e r capita acima da média da ex-URSS, embora
126 nacionalidades, a União Soviética deixou de
abaixo da Rússia), alcançaram sua independên-
existir no final desse ano, num processo ainda não
cia em setembro de 1991.
completamente definido de autonomia de algu-
Essas três repúblicas banhadas pelo mar
mas repúblicas e tentativas de definir as normas
Báltico foram ainda as últimas a serem incorpo-
de uma confederação, a CEI - Comunidade de
radas à União Soviética, somente em 1940, e
Estados Independentes. Como se percebe pelo
conviveram portanto menos tempo com a expe-
mapa e pela tabela, a Rússia é a verdadeira
riência da planificação centralizada da vida eco-
sucessora da ex-URSS, uma imensa república
nômica, algo que tornou mais fácil a sua sepa-
com mais de 17 milhões de km e cerca de 147
ração das demais repúblicas.
2
milhões de habitantes (por volta de 76% da área
Já as repúblicas meridionais, onde há uma
e 55% da população da ex-URSS). A Rússia na
forte presença de muçulmanos, são as mais po-
realidade não é uma república unitária e sim
bres, com mais baixa renda per capita A Ucrâ-
uma federação onde há várias regiões e repúbli-
nia possui uma renda per capita relativamente
cas relativamente autônomas. As demais repúbli-
baixa, mas é uma república com um território
cas via de regra são mais pobres que a Rússia,
duas vezes maior que a nova Alemanha ou que o
com renda per capita bem rríõ/s baixa. As duas
Japão, com uma população significativa (mais de
exceções a esse respeito são as repúblicas bálti-
50 milhões) e com alguns dos melhores solos do
cas da lituânia e da Estônia, que juntamente com
mundo, sendo considerada um "celeiro agrícola"
a Letônia
para as demais repúblicas.
(que
também
possui
uma
renda
. Tanques em agosto de 1991 cercados por populares em Moscou. O golpe da "linha dura' fracassou exatamente porque multidões
cercaram os tanques e impediram que as tropas controlassem os edifícios - sede do poder.
A e c o n o m i a planificada e
seus problemas
É difícil hoje saber se a experiência da
planificação centralizada da economia vai se
repetir em algum outro país do globo. Por enquanto, essa parece ser uma experiência praticamente esgotada, ao menos na forma em
que foi adotada e que teve na União Soviética o seu grande exemplo. É evidente que as
coisas não mudam de um dia para o outro, e
nem o que foi construído durante inúmeras
décadas desaparece em alguns poucos anos.
A economia planificada deixou profundas marcas ou heranças na organização social
e espacial desses países e por esse motivo eles
ainda formam, mesmo que provisoriamente,
um grupo à parte, um Segundo Mundo que se
industrializou, total ou parcialmente, através
de uma planificação da economia e que não
pode ainda ser incluído sem problemas no
Primeiro Mundo nem no mundo subdesenvolvido. A quase totalidade desses países, todavia, há alguns anos está abolindo a planificação centralizada, que vai sendo substituída
por mecanismos de mercado e por formas de
planejamento capitalistas.
A planificação da economia deu certo ou
errado?
15
É difícil responder à essa pergunta. Provavelmente nem mesmo os economistas e
planificadores desses países têm respostas
conclusivas. Não existem certezas seguras
neste caso, mas somente respostas provisórias que certamente irão se alterando com o
tempo, com novas experiências e reavaliações. E provável inclusive que a resposta seja
sim e não: a planificação da economia deu
certo por um lado e fracassou por outro. Ela
foi melhor para implantar um setor pesado de
indústrias de bens de consumo. Ela foi mais
apropriada para desenvolver a atividade industrial do que para a agricultura. Ela funcionou melhor numa época de predominância das indústrias consideradas avançadas
nos anos 50 ou 60 (petroquímica, de cimento, metalúrgica e t c ) , mas parece ter fracassado totalmente no momento de crescimento
de novos setores avançados da atualidade
(informática, telecomunicações, química fina, robotização, biotecnologia e t c ) .
A União Soviética, por exemplo, conheceu um notável arranque industrial nas décadas de 3 0 , 4 0 , 5 0 e parte da década de 60, mas
já a partir dos anos 70 esse país passou a perder terreno frente ao maior dinamismo das
economias do Japão, da Alemanha e outros,
em especial no campo da tecnologia moderna. Em meados do anos 80, como já vimos, a
União Soviética era um país que lutava para
se manter no "grupo dos grandes" nos anos 90
e especialmente no século X X I . Daí ter surgido a política da perestroika, uma tentativa da
facção mais esclarecida da elite dominante
soviética de corrigir os problemas econômicos e sociais e reforçar a posição desse país no
grupo das grandes potências.
rência entre elas nem falências, podia-se produzir realmente bem menos que o registrado
oficialmente, pois o único prejudicado seria
o consumidor comum (os "consumidores especiais" , a elite privilegiada da burocracia, dispunha de lojas exclusivas, onde nada faltava).
A ausência de iniciativa e de criatividade
propagou-se mesmo entre os trabalhadores,
também funcionários públicos e com emprego normalmente garantido, sem nenhum interesse pelo desempenho da empresa. Caso
uma máquina quebrasse, por exemplo, mesmo se os operários soubessem consertá-la em
poucos minutos, eles preferiam enviar um relatório ao setor competente, que podia levar
semanas para providenciar o conserto. Como
não existia a necessidade de lucros para garantir os salários, atitudes desse tipo não alteravam os ganhos dos trabalhadores.
Também a inovação tecnológica (e a introdução de novos modelos de bens) era desestimulada nesse tipo de economia, pois
como não há concorrência entre empresas
nem necessidade de agradar aos consumidores, as inovações tornam-se desnecessárias.
Para que introduzir um novo tipo ou modelo
de sapato, ou de calças, por exemplo, se o importante é apenas a quantidade (o plano estabelece que tal fábrica irá fazer x pares de
sapatos em 5 anos, não dizendo nada sobre
modelos, cores etc) e nunca a qualidade ou o
gosto do consumidor?
Funcionando dessa forma durante décadas, o sistema de planificação da economia
mostrou-se incapaz de oferecer à população a
variedade e qualidade de produtos que as indústrias do Primeiro Mundo jogam continuamente nas lojas de todas as cidades.
Para tentar dinamizar suas economias, os
países que adotavam a planificação centralizada passaram a substituí-la há alguns anos
por mecanismos de mercado, oferecendo inclusive incentivos aos trabalhadores mais
produtivos, o que passou a ampliar as diferenças salariais. Concorrência entre empresas,
descentralização das decisões, propriedade
O problema da burocratização
Um dos principais problemas encontrados em toda economia planificada é a burocratização: como todas as normas vêm de cima,
isto é, órgãos de planificação, as pessoas com
cargos de decisão (diretores de empresas, por
exemplo) acabam perdendo a capacidade de
iniciativa e a criatividade, pois se acostumam a fazer apenas aquilo que está previsto
no plano em vigor. A centralização da economia não prevê os problemas que podem
surgir durante a execução do plano, em função das características de cada lugar e de cada
momento. E como, para enfrentar esses problemas específicos, são exigidas flexibilidade
e capacidade de adequação, o plano emperra
porque está baseado no centralismo e não na
descentralização.
Os planos qüinqüenais estabelecem de antemão o quê e quanto produzir, de quem e onde comprar, a que preços vender e t c , e a
grande preocupação do burocrata nomeado
como diretor de uma empresa é cumprir essas
determinações, para continuar no cargo ou
subir na carreira. Esse burocrata não vai se
preocupar com o fato de que poderia eventualmente comprar mais barato as matérias-primas que utiliza, ou que os produtos que fabrica não agradam aos consumidores. Sua única
preocupação é "cumprir as metas" estabelecidas para sua empresa, mesmo que para isso
tenha que recorrer à ficção estatística (relatórios falsos).
Como numa economia desse tipo todas
as empresas são estatais, não havendo concor-
16
privada em inúmeros setores: estas são algumas outras modificações que foram sendo introduzidas nesses países nos últimos anos.
O "modelo soviético" e
seu ocaso
O modelo seguido pelos países do "socialismo real" não se limitou "a planificação centralizada da economia. Ele implicava também uma vida política dominada por um partido único e oficial, que dizia representar os
trabalhadores e que nunca deixava o poder.
Não havia liberdade para outros partidos e
menos ainda para eleições periódicas com
rotatividade nos cargos. O partido oficial,
geralmente denominado comunista, se confundia com o estado e com o governo. E como
ele apregoava representar os trabalhadores,
as greves eram proibidas por lei. Afinal,
como se justificariam greves de operários contra um governo (as empresas eram todas estatais) que seria deles próprios?
Foi exatamente este o singelo argumento
utilizado em 1921 por Lênin, o fundador do
Estado soviético: o direito de greve só deveria existir no capitalismo, onde há a propriedade privada dos meios de produção; com a
socialização ou estatização dos meios de produção, tal direito passaria a ser um crime passível de prisão e até fuzilamento, uma "traição à nação socialista".
Esse "modelo soviético", como era chamado por ter sido introduzido inicialmente
na União Soviética e posteriormente nos demais países "socialistas", começou a mudar
em 1989. Na maior parte desse países, a
começar pela União Soviética e pelas nações
da Europa Oriental, o monopólio de um partido único praticamente já cedeu lugar ao
pluripartidarismo, o direito de greve é plenamente admitido e eleições livres para cargos
políticos importantes foram realizadas. A
imensa maioria dos antigos partidos comunistas ou dos trabalhadores mudou de nome e
de objetivos, passando a encaminhar-se na
direção da social-democracia.
E interessante registrar que tanto o "modelo soviético" ou leninista como a socialdemocracia tiveram origens comuns, oriundas do movimento trabalhista do final do século passado e dos primórdios deste. Ambos
buscaram, em grande parte, mesmo que
tenham deixado isso de lado a partir de um
certo momento, inspiração nos teóricos socialistas do século passado, em especial Karl
Marx. A separação e até oposição radical
entre essas duas correntes de esquerda ocorreu por ocasião da Primeira Guerra Mundial,
devido a diferentes estratégias dos movimentos trabalhistas na Europa Ocidental e na
Rússia.
Em resumo, podemos dizer que a socialdemocracia apregoa mudanças paulatinas
dentro do capitalismo, um avanço da democracia e da justiça social sem "revolução violenta" para estatizar os meios de produção. E o
leninismo, que gerou o "modelo soviético",
apregoa uma "revolução", dirigida por um
partido político que pretende ser o único representante dos trabalhadores ou do proletariado, que significaria o final do capitalismo e a sua substituição por um novo modelo
de economia e de sociedade, o socialismo.
No primeiro caso temos conquistas graduais, com uma progressiva melhoria do
padrão de vida (salários, condições e tempo
de trabalho, moradia , participação na vida
política e nas decisões das empresas, melhorias no meio ambiente e t c ) . No segundo
caso temos um tudo ou nada, uma ilusão de
mudanças repentinas e radicais: sai o capitalismo (o mal) e entra o socialismo (o bem),
como se as relações cotidianas entre as pessoas dependesse de "modelos" sócio-econômicos, de sistemas que estariam acima dos
indivíduos.
A social-democracia ganhou terreno na
Suécia, na Alemanha, na Dinamarca, na
Inglaterra (com o trabalhismo) etc. Ela produziu, durante várias décadas, um "Estado do
sou o "mundo socialista" desde meados dos
anos 80.
E por esse motivo que tantas estátuas de
Lênin, o grande inspirador do modelo soviético e do socialismo real, foram derrubadas
em Moscou, em São Petersburgo (ex-Leningrado), em Praga, em Bucareste e t c , onde no
lugar do leninismo entram novas propostas,
talvez até ilusórias a longo prazo, em geral
oriundas dos regimes social-democratas.
bem-estar social" - no qual há seguro-desemprego, moradia subsidiada para as famílias de
baixa renda, excelente serviço médico-hospitalar e previdenciário gratuitos, boa escolarização etc. - que hoje serve de inspiração para
grande parte do mundo, inclusive para os
países que adotaram até há pouco tempo o socialismo real. Existem evidentemente problemas na social-democracia, em especial na
Suécia, mas eles são incomparavelmente menos graves que a profunda crise pela qual pas-
Estátua de Lénin no chão. Lênin, o criador do Partido Bolchevique (depois Comunista), que tomou o poder em outubro de 1917 na
Rússia, é considerado o inspirador do "modelo soviético", tão repudiado apartir de 1989 na Europa Oriental e na ex-URSS. Várias
estátuas de Lênin foram derrubadas por manifestações populares, tanto em São Petersburgo (ex-Leningrado) como em outras cidades
soviéticas e européias.
18
próprio Comecom foi extinto. A Comunidade de Estados Independentes, sucessora da
e x - U R S S , procura desesperadamente se integrar na Europa e os países europeus orientais começam a ter mais relações com a
Europa Ocidental que com a Rússia, que era
o seu parceiro comercial privilegiado até o início dos anos 80.
A antiga Alemanha Oriental, o mais industrializado dos países "socialistas" da Europa, acabou sendo anexada a Alemanha Ocidental. No lugar de uma união ou integração em bases igualitárias, o que ocorreu de
fato foi uma incorporação de uma parte pela
outra. Praticamente todas as leis da parte
ocidental passaram a vigorar na parte oriental; o marco alemão ocidental tornou-se a única moeda alemã: e as normas econômicas do
lado ocidental foram ou não introduzidas no
lado oriental, inclusive com desmanches de
fábricas que não se encaixavam nos padrões
(de combate"a poluição, de tecnologia etc.)
do lado ocidental.
Pouco sobrou do mercado socialista, que
existiu com seus parceiros e até preços diferenciados até o final dos anos 80. Há ainda alguns resquícios, como é o caso do Camboja,
do Vietnã, da Albânia ou de Cuba, que mesmo tentando atrair capitais estrangeiros,
ainda não se adaptaram muito bem a nova
ordem internacional multipolar.
Cuba, por exemplo, até agosto do ano passado recebia petróleo a baixos preços da
U R S S e vendia açúcar aos países do Comecom por valores até cinco vezes superiores
àqueles vigentes no mercado internacional
capitalista. Só que hoje isso não é mais possível, fato que vem provocando uma imensa
crise de abastecimento nessa ilha. Cuba na
realidade foi um modelo explicável pelo
contexto da guerra fria e do mundo bipolar,
ou seja, uma forma de economia que perdeu
a sua razão de existir.
Outra modificação ocorrida na divisão
internacional do trabalho foi com os países
subdesenvolvidos. Eles exportam cada vez
v
A t é por volta dos anos 70 o mundo era
bipolar tanto do ponto de vista político-militar como no aspecto econômico. Havia de
um lado a área ocidental ou capitalista, liderada pelos Estados Unidos e, de outro lado, a
área "socialista", liderada em grande parte
pela União Soviética. Existiam na prática
dois mercados internacionais: a divisão internacional capitalista do trabalho, onde
havia um centro (Estados Unidos, principalmente, mas também Europa Ocidental è
Japão, embora secundariamente) e inúmeras
periferias (América Latina, África, Ásia em
geral); e o pequeno comércio entre os países
do Segundo mundo, representado em especial pelo Comecom. Mais de 9 0 % do comércio mundial era realizado por países capitalistas, sendo que os países de economia planificada eram quase auto-suficientes.
v
Hoje a situação é completamente diferente. Sob o ponto de vista econômico - e também, em parte, político - , o mundo de hoje
não é bipolar e sim multipolar. Os Estados Unidos continuam sendo um importante pólo
econômico, mas há outros talvez mais importantes: o Mercado Comum Europeu, onde se
destaca a Alemanha, e o Japão com sua periferia imediata ou países por ele liderados (os "tigres asiáticos", Austrália, Nova Zelândia etc.).
Não há mais um mercado socialista. O
19
mais bens industrializados e comerciam bastante entre si. Inúmeros países doTerceiro
Mundo são hoje grandes exportadores de
produtos manufaturados, que vão desde sapatos até automóveis, passando por aço, produtos eletrônicos (inclusive microcomputadores), tecidos e roupas etc. Entre esses países encontram-se principalmente a Coréia
do Sul, Hong Kong, Malásia, Taiwan e
Cingapura, embora também possam ser incluídos o México, o Brasil, a África do Sul e
outros. E as trocas entre países periféricos
ampliou-se enormemente nas últimas décadas. Há uns 30 anos, por exemplo, menos
de 2 0 % das exportações brasileiras iam para a
África, o Oriente Médio ou o restante da
América Latina. Hoje essa proporção já
atinge quase 5 0 % .
O mesmo se pode dizer de outros importantes países do Terceiro Mundo, que progressivamente passam a exportar cada vez mais
para outros países subdesenvolvidos, de onde
também estão importando mais produtos.
Outra forte tendência do mercado mundial é a criação de "blocos econômicos" ou
mercados supranacionais, cujo grande exemplo é o M C E - Mercado Comum Europeu.
Este conta atualmente com 12 países-membros, mas poderá contar daqui a alguns anos
com 19 e possivelmente até com 23 ou 25: há
vários países europeus na fila de espera para
ingressarem nesse mercado bem sucedido (primeiramente a Suécia, a Suíça, a Finlândia e
outros países da Europa Ocidental, depois
as nações da Europa Oriental com maior afinidade com a economia de mercado, tais
como a Hungria e a Polônia; há também as
três repúblicas bálticas da e x - U R S S , por fim
a Eslovénia e a Croácia, as duas repúblicas
mais ricas da ex-Iugoslávia e t c ) .
Mas há outros mercados supranacionais
importantes: Estados Unidos, Canadá e México já possuem economias bastante integradas e discutem os pontos de um novo mercado comum da América do Norte. E na
Ásia se aventa a possibilidade de criação de
um mercado comum com a participação
destacada do Japão e dos "tigres asiáticos".
Esses são hoje os grandes centros econômicos, tecnológicos e comerciais do espaço
mundial: o Mercado Comum Europeu, no
qual se destaca a Alemanha, o Mercado da
América do Norte, com forte presença dos
Estados Unidos, e a área ao redor do Japão.
A Rússia e as demais repúblicas da exU R S S não compõem esse grupo dos três
principais centros ou pólos da economia
mundial nem têm chances de acompanhar
esse grupo ainda nesta década.
20
A ordem geopolítica internacional que
prevaleceu desde 1945 está ruindo. A guerra
fria acabou, ao que parece definitivamente.
A partir de 1989, a União Soviética deixou de garantir com suas tropas os regimes
políticos da Europa Oriental, deixou de criticar violentamente o capitalismo e a economia de mercado, deixou, enfim, de assumir os
papéis que vinha desempenhando desde pelo
menos o final da Segunda Guerra Mundial.
A área de influência geopolítica desse país
desagregou-se vísivel e rapidamente a partir
de 1989. O Pacto de Varsóvia, poderoso
instrumento de domínio soviético sobre a
Europa Oriental, foi extinto em 1991. Parece
que a própria posição de superpotência militar da e x - U R S S - e das repúblicas dela remanescentes que possuem ainda hoje um
forte arsenal de armamentos nucleares, em
especial a Rússia - encontra-se em crise, devendo desaparecer definitivamente.
A própria unidade da Rússia, bem como
da CEI, é frágil e pode dar margem a novos
separatismos e mesmo a conflitos sangrentos.
Todavia, não podemos esquecer que quatro
repúblicas da e x - U R S S - Ucrânia, Casaquistão, Bielorússia e principalmente a Rússia - possuem armamentos nucleares estocados, os quais provavelmente tem um poderio
suficiente para acabar com a vida humana no
planeta. O final da guerra fria, dessa forma,
21
não encerrou com a possibilidade de uma guerra nuclear, ou de uma terceira guerra mundial.
Os Estados Unidos, por sua vez, prosseguem desempenhando seu papel políticomilitar com igual ou talvez com até maior
desenvoltura do que antes. E como se atualmente houvesse apenas uma superpotência
militar. Em 1989, por exemplo, os Estados
Unidos invadiram o Panamá, destituindo o
dirigente desse país, general Noriega, a pretexto de combater o tráfico de drogas (cocaína). E bastante provável que antes da perestroika e da política de abertura da União
Soviética e dos países da Europa Oriental, os
Estados Unidos não tivessem coragem de
tomar uma atitude desse tipo, que ocasionaria
uma resposta semelhante por parte da superpotência rival.
Com a crise do "mundo socialista", os Estados Unidos parece que se sentiram mais
"livres" para continuar desempenhando seu
papel de superpotência militar. Em 1990, por
exemplo, lideraram um cerco econômico e
militar ao Iraque, que tinha invadido o Kuait
em julho daquele ano. Cinco meses depois,
em j aneiro de 1991, o governo de Washington
liderou também a ação militar das "forças
aliadas" contra o Iraque, da qual resultou a libertação do Kuait. Este cerco e a subseqüente
"guerra do golfo" teriam sem dúvida fracassado se realizados antes de 1989, pois a União
Soviética iria fornecer armamentos e outros
bens ao Iraque. No entanto, em 1990 e 1991
os soviéticos não tomaram essa atitude típica
da Guerra Fria porque estavam mais interessados, nesta sua nova fase de abertura para a
economia de mercado, nas trocas comerciais
e tecnológicas com os países do Primeiro
Mundo.
Com o término da Guerra Fria, inúmeras
perguntas são colocadas:
• Novas superpotências militares surgirão?
• Cessarão ou diminuirão os conflitos armados no globo?
• A nova ordem geopolítica mundial é
monopolar (isto é, com uma só superpotência), como apregoam vários autores, ou se
encaminha também para a multipolaridade?
pecial, a Segunda Guerra Mundial, vieram
somente confirmar o declínio britânico, colocando os Estados Unidos como a nova grande potência capitalista internacional. Foram, contudo, necessárias duas guerras mundiais para substituir uma grande potência por
outra.
Hoje isso não é mais possível: uma guerra
mundial poderia exterminar a humanidade.
E convém não esquecer que nas últimas décadas as elevadíssimas taxas de crescimento
econômico do Japão e da Alemanha decorreram em parte do fato de eles não terem
grandes gastos militares. Suas economias poderiam passar por problemas crescentes caso
eles investissem bastante no setor militar.
Para se tornar uma superpotência com armamentos nucleares no atual nível dos Estados Unidos e da ex-União Soviética, um
país deveria investir dezenas de trilhões de
dólares, uma quantia gigantesca, que, se desviada para o setor militar, certamente acarretaria um grande sacrifício da economia civil.
Os gastos militares são improdutivos mas
até certo ponto necessários para uma grande
potência econômica. Isso porque há um custo
e um risco nos investimentos no exterior;
além disso, o fornecimento de matérias-primas ou de combustíveis deve ser garantido a
qualquer preço.
Veja-se a crise recente no Oriente Médio, deflagrada pela invasão do Kuait pelo
Iraque. Os preços do petróleo poderiam ter
disparado e essa fonte de energia é básica
para a economia moderna. Uma potência econômica deve ter - e costuma ter, dentro da
lógica dominante há séculos - meios político-militares para contornar ou resolver tais
crises. Os Estados Unidos foram o país que
enviou mais tropas e instrumentos bélicos ao
Oriente Médio - e não se pode esquecer no
que tudo isso implica em termos de gastos
econômicos. Sabemos contudo que uma elevação excessiva do preço do petróleo prejudica mais as economias japonesa e alemã do
que a norte-americana.
A ascensão e queda das grandes
potências
Durante os últimos séculos, ou até milênios, a regra geral é de ascensão e declínio de
grandes potências econômicas e militares,
mesmo que suas hegemonias perdurem durante séculos. Tal foi o caso do Império Romano, na Antiguidade, ou, a partir do desenvolvimento do capitalismo, das inúmeras potências que tiveram durante algum tempo
uma supremacia internacional: Portugal e
Holanda, nos séculos XV e parte do X V I ;
Espanha no século XVII; Inglaterra nos séculc - XVIII e XIX; e Estados Unidos a partir da
Segunda Guerra Mundial.
Normalmente uma potência inaugura
sua hegemonia pelo poderio econômico, seguido pelo militar. Segundo essa norma, o Japão e a Alemanha deveriam começar a investir no seu poderio militar nos dias atuais, pois
desde os anos 80 superaram a (ex-) União
i ética e estão quase alcançando os Estado? Unidos em poderio econômico e tecnológico. Contudo, há dois elementos complicadores a esse respeito. Primeiro, vivemos numa época em que a humanidade pode se autodestruir. Segundo, ficou já evidente que os
gast - militares reduzem o dinamismo da
economia.
Até por volta de meados deste século, o
declínio de uma potência e a ascensão de
outra era fato relativamente banal, que
provocava guerras e mortes, porém nunca
colocava em risco o futuro da humanidade.
A Inglaterra, por exemplo, que era praticamente a dona do mundo no século XIX,
começou - ainda nas últimas décadas daquele século - a perder sua supremacia para
outras economias em ascensão, como a norte-americana e a alemã. A Primeira e, em es-
22
Até quando os Estados Unidos vão continuar atuando como o cão de guarda do
"mundo ocidental ou capitalista", numa época em que não há outro mundo e o poderio
econômico dessa superpotência não mais corresponde ao excessivo papel político-militar?
Já faz alguns anos que as autoridades
norte-americanas pressionam o Japão no sentido de que esse país amplie seus gastos militares e passe a cuidar de sua própria segurança e talvez até das áreas vizinhas no
oceano Pacífico. E os países europeus da
OTAN, com a nova conjuntura internacional e com o final do Pacto de Varsóvia, já
começam a se sentir incomodados com as
tropas norte-americanas em seu continente.
Eles já começaram a falar num novo tratado
militar europeu, que excluiria os países de
fora (isto é, os Estados Unidos).
Enfim, este é um momento de mudanças
e de indefinições a esse respeito. O mais provável para os próximos anos, entretanto, é
que o atual poderio político-militar e diplomático norte-americano acabe sendo repartido com uma crescente influência da nova
Europa e do Japão.
Há uma ordem econômica multipolar,
embora aparentemente a ordem geopolítica
seja monopolar, mas isso é um fato provisório, gerado pela rapidez da decadência soviética. A Europa e o Japão, acostumados durante mais de quatro décadas a seguir a liderança dos Estados Unidos em face do "perigo
socialista", vivem neste momento uma fase
de redefinição de sua política externa e de
busca de maior influência para contrabalançar a liderança norte-americana, que já não
tem mais fundamento. Afinal, com o fim da
Segunda Guena Mundial e o advento do mundo bipolar, os Estados Unidos sozinhos possuíam um volume de produção econômica
maior que toda a Europa Ocidental e o Japão
somados. Hoje isso mudou substancialmente, com um enorme declínio relativo dos Estados Unidos frente ao fortalecimento do Japão e dos países europeus ocidentais em geral.
23
Normalmente a influência político-militar de uma nação corresponde mais ou menos
ao seu poderio econômico e tecnológico, que
implica no fato de que o enorme e desproporcional papel dos Estados Unidos na definição da nova ordem internacional deverá ser
disputado ou repartido com uma maior presença da Europa e do Japão.
O novo papel d a O N U
Outro aspecto a assinalar com o final da
guerra fria e da bipolaridade é o reforço da
O N U e do grupo dos países mais industrializados do Primeiro Mundo, os chamados "sete
ricos" (EUA, Alemanha, Japão, Grã-Bretanha, França, Itália e Canadá). A O N U
nunca desempenhou um papel muito ativo
nos conflitos internacionais porque o poder
de veto no Conselho de Segurança dos Estados Unidos e da União Soviética (além da
China, da Inglaterra e da França) sempre fez
com que nenhuma decisão realmente dura
ou importante pudesse ser sancionada. Com
o final da oposição Leste x Oeste, que deu
origem a tantos impedimentos da O N U
desde sua criação até 1989, percebe-se que
há um novo e mais ativo papel para essa organização internacional.
Pela primeira vez desde que foi criada, a
O N U em 1990-1991 autorizou uma ação de
natureza militar ofensiva: a libertação do
Kuait por um conjunto de forças liderado
pelos Estados Unidos e integrado também
por tropas italianas, inglesas, sauditas,
egípcias etc.
O grupo dos "sete ricos", por sua vez, vem
ampliando a sua importância econômica e
até política no cenário internacional devido
ao enorme poder de investimentos que possui (grande parte do PNB mundial localizase nesses sete países) e devido também à crise
dos países "socialistas" e dos países endividados do Terceiro Mundo. O final da oposição
Leste x Oeste, dessa forma, vem reforçar
ainda mais as disparidades entre o Norte
rico, especialmente esse grupo de sete países,
e o Sul pobre e menos industrializado.
Quanto aos conflitos armados, o que se
vem notando desde 1989 é que a paralisação
da Guerra Fria não os diminuiu. Talvez até
mesmo os tenha aumentado. Com o apogeu
da Guerra Fria e a divisão do mundo em
"áreas de influência" dos Estados Unidos e da
União Soviética, ocorriam guerras, mas não
de maneira tão intensa. Isso porque as duas superpotências sempre procuravam evitar conflitos que pudessem gerar uma crise mundial.
Afinal, a Guerra Fria não era somente uma
competição ou oposição, mas também uma
forma implícita de cooperação ou conivência, uma política de tentar controlar os
demais países e as oposições internas.
vos atores entraram em cena, aproveitando o
vazio deixado pelo congelamento da Guerca Fria.
Houve, por exemplo, casos de governantes
de países do Terceiro Mundo que invadiram
territórios vizinhos ou ainda que procuraram
ou procuram desenvolver armamentos nucleares, visando possivelmente uma situação
futura de potências regionais. E provável
aindaqueo "clube atômico", isto é, o conjunto de países que possuem bombas nucleares,
se amplie consideravelmente nas próximas
décadas.
Tudo isso vem produzindo um mundo mais
instável e menos previsível. Por um lado, isto
é positivo, pois surgem novas possibilidades e
opções, que eram obstaculanzadas pela Guerra Fria. Mas, por outro lado, essa situação
encerra perigos de violentas guerras ou conflitos armados internos.
Nos últimos anos o que se nota é que no-
[Foto ilegível]
Reunião dos sete grandes e ou sete ricos (Itália, Alemanha, França, Estados Unidos, Inglaterra, Canadá e Japão). A nova ordem internacional em grande parte vai sendo definida pelas politicas - de ajudas, renegociações de dívidas, reconhecimentos de novas nações etc desses países mais industrializados.
24
O M U N D O B I P O L A R DE I 945 A T É OS A N O S 80
M U N D O
CAPITALISTA
M U N D O
SOCIALISTA
Areas satelizadas pela
superpotência "socialista"
O M U N D O MULTIPOLAR DOS A N O S 90
ÁREAS
/ . C E I - C o m u n i d a d e d e E s t a d o s Independentes ( e x - U R S S ) .
Por um fado, pode vir a tomar-se uma periferia da Europa; por outro lado,
pode ocorrer a incorporação das Repúblicas meridionais c islâmicas ao
Oriente Médio. Pode também vir a ser um mercado comum efetivo, menos
importante que os três principais.
AINDA
INDEFINIDAS
2. C h i n a Pode ser periferizada pelo Japão ou toma-se
uma nova potência.
3. Oriente Médio. Área de disputa entre os três pólos ou centros importantes, com vantagem momentânea para
Estados Unidos; pode também vir a ser uma região original pela união dos povos e Estados
islâmicos, com tendência a não se alinhar preferenúalmente em nenhum dos três centros.
os
mo", como faziam alguns até há pouco tempo), das culturas ou civilizações, das especificidades nacionais e até regionais.
E do lado dos que defendiam o "modelo soviético" (mesmo que tenham em Cuba seu
grande exemplo), já não há mais um "paraíso" a ser apontado como exemplo para o futuro sob o capitalismo. A economia planificada e o partido político de inspiração leninista (o partido que se pretende único, guardião dos dogmas marxistas-leninistas, extremamente centralizado e burocratizado,
mas que diz representar os trabalhadores) fracassaram em todas as partes onde vigoraram.
Nessas condições, há uma redescoberta
da complexidade do mundo. A questão das culturas - vide a importância do islamismo no
Oriente Médio, por exemplo, ou do hinduísmo na índia e do confucionismo na China passa a ser revalorizada. Os projetos políticos
que muitas vezes redefinem as condições
econômicas - como o da unificação européia
- voltam a ser também valorizados.
Enfim, redescobre-se a pluralidade de caminhos e opções que existem ou que podem
ser criados. O dogmatismo do "caminho único" está em baixa e a nqueza cultural da pluralidade e da diversidade ganha espaços nas
teorias e explicações do mundo. Isso, a nosso
ver, é enriquecedor para o ensino da Geografia. E enfrentando desafios e refletindo
sobre as mudanças que se desenvolvem o
raciocínio e a criticidade.
Uma das variantes da ideologia da Guerra Fria, que chegou a ter alguma importância
na Geografia humana, foi a filosofia determinista da história baseada na sucessão de
etapas ou" modos de produção": comunidade
primitiva, escravismo, feudalismo, capitalismo e socialismo. Trata-se de uma vulgarização do marxismo operada em especial pelo
stalinismo e que dá ênfase à economia, e à
produção. E como se houvesse "leis da história" que levassem necessariamente a estágios e, no seu final, ao socialismo e ao comunismo (com etapa posterior do socialismo).
redescoberta da
complexidade
do mundo
A Guerra Fria possuía uma ideologia,
que consistia na supervalorização da oposição entre capitalismo (para uns sinônimo
de opressão, para outros de liberdade) e socialismo ou comunismo (para uns sinônimo de
paraíso na Terra, para outros de totalitarismo). E como se não houvesse outras opções
ou vias, mas somente duas: uma simbolizada
pelos Estados Unidos e outra pela União Soviética. Como se o século XX pudesse ser interpretado como a luta ou oposição entre esses dois sistemas sócio-econômicos ou "modos de produção".
Essa ideologia, felizmente, já se encontra
superada. Podemos até encontrá-la, sob diversas roupagens, em inúmeras obras dogmáticas; mas essa interpretação simplificadora e
falsa já não faz mais adeptos nem tem base de
sustentação na realidade empírica; não tem
futuro, afinal.
Do lado dos que defendiam o modo de vida norte-americano ou do capitalismo já não
há mais o "inimigo", o "outro lado" a ser combatido. O que começa a surgir com clareza é o
fato de que "capitalismo" não explica tudo,
que esse sistema sócio-econômico existetanto na Suécia como na índia, realidades extremamente diferenciadas.
Redescobre-se a importância das lutas sociais (não confundir com "lutas pelo socialis-
27
Mesmo essa variante hoje se encontra em
crise. Até os grandes teóricos-historiadores,
filósofos ou sociólogos russos, tchecos, poloneses etc. - que procuravam fundamentar
esse esquema evolucionista estão revendo suas
idéias e reelaborando suas obras e suas interpretações sobre o mundo com uma crítica desse economicismo de inspiração stalinista (e
que era tabu nesses países até alguns anos; era
uma espécie de "teoria científica oficial").
Não precisamos nomear o futuro. Sabemos que as conquistas sociais - quaisquer que
sejam: reforma agrária, redistribuição mais
igualitária da renda nacional, normas de defesa dos consumidores, menor poluição nos
rios ou na atmosfera, moradia para os sem teto, seguro-desemprego etc. - sempre resultam de lutas sociais, de reivindicações populares que se tornam vitoriosas. E isso é válido
em qualquer parte do mundo: também nos
países do Primeiro Mundo o elevado padrão
de vida para os trabalhadores resultou de
conquistas populares.
Não é portanto necessário nenhum rótul o - s e j a "socialismo", seja "comunismo", seja
modelo cubano" ou seja "modelo norteamericano" - para se nomear uma sociedade
mais justa e igualitária. Somente as mentes
autoritárias é que precisam de certezas prévias, de definições já prontas quanto ao futuro, de perspectivas bem delineadas e esquematizadas. E por isso que o "modelo soviético" foi extremamente autoritário e repressor: mesmo carregando boas intenções (a sociedade igualitária), a atitude de pretender
representar as" leis da história", a dialética ou
"verdade do social" acaba conduzindo à intransigência em relação a todos os que pensam de forma diferente.
tos e as novas idéias.
O final da bipolaridade e da oposição Leste x Oeste cede lugar a novas contradições e
tensões.
Em primeiro lugar, a disparidade Norte x
Sul, com o agravamento do abismo entre os
países líderes da economia e da tecnologia
modernas e o pelotão de retardatários da
Africa em geral, do sul e sudeste da Ásia e da
América Central. O Terceiro Mundo aparece cada vez mais como complexo e heterogêneo, com situações bem diferenciadas. A
idéia de periferia hoje se diversifica, podendo
se reconhecer pelo menos três situações
principais.
Em primeiro lugar temos a periferia imediata ou privilegiada de um centro ou pólo
econômico e tecnológico importante, países
que são incorporados em mercados comuns e
conhecem uma grande melhoria nos padrões
de vida. Neste caso temos o México na América do Norte, Portugal e Grécia na Europa (e
talvez até futuramente a Europa Oriental e
repúblicas da ex-URSS), os "tigres asiáticos"
no Extremo Oriente.
Em segundo lugar temos a periferia intermediária, os países que se industrializaram e
exportam bens manufaturados mas que estão
à margem dos principais mercados supranacionais. Aqui entram o Brasil, a Argentina, o
Uruguai, a Venezuela e inúmeras outras nações, que são dependentes tecnológica e financeiramente dos centros internacionais
da economia mas nunca meros fornecedores
de matérias-primas. Em muitos casos eles
tentam criar mercados regionais, como por
exemplo o Mercosul.
Por fim, temos a periferia mais pobre e
dependente, constituída pelos países que não
ingressaram no processo de modernização e só
dispõem de minérios, produtos agrícolas pouco variados e valorizados e mão-de-obra barata (e cada vez menos necessária na economia informatizada e robotizada). Este é o chamado "quarto mundo", o mundo dos países
africanos, centro-americanos e de partes (sul
A atitude mais democrática é sempre a de
aprender continuamente, de se abrir para
novas experiências, de aceitar a pluralidade e
a complexidade do mundo. Não precisamos
de nenhum esquema teórico que nos dê (e aos
alunos) certezas quanto ao futuro, mas apenas de abertura para os novos acontecimen-
28
a humanidade - e países do Primeiro Mundo
em especial, sempre na vanguarda do conhecimento científico - percebeu desde os anos
70 que a vida moderna e seus efeitos (poluição, armamentos nucleares, destruição da
paisagem natural etc.) pode destruir a vida
humana no planeta e também que a biodiversidade é positiva e necessária para o avanço da qualidade de vida.
A preservação de patrimônios ecológicos
(e também culturais) e o controle da poluição passam assim a ser condições sine qua non
para manter ou até elevar os benefícios do
progresso, que sempre se concentraram em
poucas áreas. A definição do que seja
"patrimônio da humanidade" (ecossistemas,
heranças da história etc) será com certeza um
dos grandes pontos de disputa e conflitos
entre nações nos próximos anos.
Por fim, não se pode negligenciar o
avanço do racismo, que infelizmente deverá
prosseguir. Este mundo cada vez mais interdependente, com um notável acréscimo a
cada ano das trocas de mercadorias e serviços, do turismo e das migrações internacionais, convive com o agravamento das disparidades entre países ricos e pobres.
Milhões de "bárbaros", como são chamados
na imprensa do Primeiro Mundo, todos os
anos deixam seus países na África, na
América Latina e na Ásia, em busca do
Primeiro Mundo, das economias centrais
que hoje não necessitam de tanta força de
trabalho barata como nos anos 60 e 70
(graças ao avanço da robotização e devido à
crise da Europa Oriental), fato que desemboca no racismo contra esses imigrantes que
possuem outros costumes e muitas vezes mal
falam o idioma do país onde se encontram.
e sudeste) da Ásia, inclusive muitos dos oriundos da dissolução do "mundo socialista"
(como Vietnã, Camboja, Moçambique, Laos
etc).
As contradições ou tensões políticas (em
especial a oposição democracia e autoritarismo), étnico-nacionais, culturais-religiosas e
até ambientais se reforçam e ganham uma
renovada importância nos destinos do mundo. A luta pelos direitos humanos - e, em
muitos casos, pela sua extensão ou ampliação
no sentido ambiental, das crianças, das minorias etc. - está mais do que nunca na ordem do dia. As nacionalidades oprimidas no
interior de Estados-nações dominados por
outras etnias (veja-se o caso representativo
da ex-Iugoslávia, dos curdos no Iraque, dos
tibetanos na China, dos chechenos na Rússia etc.) cada vez mais se organizam e reivin*dicam, às vezes até pela luta armada, a sua autonomia.
E a importância das culturas ou civilizações, que em muitos casos possuem um forte
componente religioso (especialmente no caso do
mundo islâmico), novamente vem se opor ao
processo incompleto de ocidentalização do
planeta.
E a questão ecológica ou ambiental no sentido amplo ganha a cada ano mais evidência,
constituindo seguramente uma das mais importantes frentes de lutas dos anos 90 e do
início do século X X I . Daí se discutir tanto
sobre o papel da ecologia na nova ordem internacional, sobre a Amazônia, a Antártida,
o efeito-estufa, a biodiversidade etc.
A questão ambiental deixou de ser um
elemento secundário, como foi no mínimo
até os anos 60, e passou a representar um dos
temas mais candentes e polemizados na imprensa em geral e até na vida política. E que
29
que dificulta a separação entre elas. A Sérvia, por
exemplo, argumenta que há numerosos sérvios na
Croácia e no Kosovo e se opõe violentamente a
uma verdadeira autonomia dessas áreas. Desde
meados de 1991, o exército federal iugoslavo, que
na realidade é controlado pelos sérvios, invadiu e
continua ocupando enormes áreas na Croácia,
onde ocorrem violentos combates, e também no
Kosovo, embora sem tantos conflitos. A Iugoslávia
na realidade não existe mais. O principal objetivo
da Sérvia com essas invasões é anexar mais terras
à sua república, criando uma "grande Sérvia" que
disporia de mais recursos numa desagregação total desse país. E bastante provável que teremos
uma Eslovénia e uma Croácia independentes, embora neste último caso perdendo trechos de terras
para a Sérvia, e grande parte das regiões remanescentes poderão criar uma espécie de mercado
comum, ou de federação, algo ainda a ser definido
nos próximos meses e anos. (Até março de 1992,
Croácia, Eslovénia, Bósnia-Herzegovina e Macedónia haviam declarado sua independência).
A Iugoslávia é um pais que praticamente
deixou de existir nos últimos anos, assolado por
uma guerra civil que sempre prossegue após alguns períodos de tréguas. Esse país na realidade
foi uma criação artificial a partir da Primeira Guerra Mundial e só se manteve unido durante várias
décadas devido ao contexto internacional da guerra fria e ao carisma do legendário líder Joseph Tito,
morto em 1980. Com a morte de Tito, as repúblicas criaram um sistema político que implica na rotatividade do poder entre as várias nacionalidades. Com a crise do "mundo socialista" e da Europa Oriental, a partir do final da década de 80, as
contradições entre as etnias desse país se agravaram. A Eslovénia e a Croácia, as repúblicas mais
ricas e industrializadas, almejavam sua independência, o que era contrariado pela Sérvia, a mais
populosa das repúblicas e que sempre dominou a
federação iugoslava pelo maior número de políticos, de militares, de destinação de verbas etc. Também aqui a mistura parcial de nacionalidades dentro do mesmo território ou região é um elemento
30
DARENDORF, Raif. Reflexões sobre a
revolução na Europa. Rio de Janeiro,
Jorge Zahar, 1991.
GORBATCHEV, Mikhail. Perestroika Novas idéias para meu país e o mundo.
U- edição, São Paulo, Best Seiler, 1987.
Sugestões
de leitura e de
atividades
didáticas
5
HAESBAERT, Rogério. Blocos
internacionais de poder. São Paulo,
Contexto, 1990, col. Repensando a
Geografia.
Por enquanto nada é mais recente e atualizado do que os jornais e as revistas, que ampliaram consideravelmente as informações e
mapas sobre o espaço mundial, sobre as redefinições de fronteiras e as mudanças ou novos
rumos da ordem econômica e geopolítica internacional. Eles acompanham de perto os
acontecimentos e a cada dia trazem os novos
fatos. Por isso, uma boa atividade didática
com os alunos é orientá-los para recortarem
notícias e reportagens sobre a e x - U R S S , a
ex-Iugoslávia, o MCE, o Oriente Médio, o
mercado da América do Norte etc. e depois
elaborarem um trabalho escrito e um jornal
mural na escola.
Quanto aos livros de reflexão, existem alguns que fornecem valiosos subsídios para se
entender as transformações recentes na ordem mundial e as perspectivas futuras.
Podemos mencionar:
ASH, T.G. Nós, o povo. A revolução de
1989 em Varsóvia, Budapeste, Berlim e
Praga. São Paulo, Companhia das Letras
1990.
KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das
grandes potências. Rio de Janeiro,
Campus, 1989.
LlPIETZ, Alain. Audácia - uma alternativa
para o século XXI. São Paulo, Nobel, 1991.
. Miragens e milagres.
Problemas da industrialização no
Terceiro Mundo. São Paulo, Nobel, 1989.
NAISBITT, J. e ABURDENE. P
Megatrends 2000. São Paulo, Amanakey,
1990.
NOVE, Alec. A economia do socialismo
possível. São Paulo, Ática, 1989.
POMERAZNZ, Lenina (org.). Perestroika desafios da transformação social na
URSS. São Paulo, Edusp, 1990.
VESENTINI, J.W. Geopolítica e problemática
ecológica. In: Geografia, natureza e
sociedade. São Paulo, Contexto, 1989,
col. Repensando a Geografia.
WORLD MEDIA. A nova desordem
mundial. In: Folha de S. Paulo, de 19, 20 e
21 de dezembro de 1990, encarte especial.
CASTORIADIS, Cornélius. A criação
histórica e o projeto da autonomia.
Porto Alegre, Livraria
Palmarinca, 1991.
31
OS QUINZE NOVOS PAÍSES ORIUNDOS
DA DESAGREGAÇÃO DA UNIÃO SOVIÉTICA
A União Soviética durou cerca de setenta anos, de 1922 até dezembro de 1991, ocasião em que se consolidou a
tendência de separatismo que existia desde o final dos anos 80 nas quinze ex-repúblicas que a formavam e que
atualmente são países independentes. Esse imenso país (com 22 400 000 km e cerca de 250 milhões de habitantes) foi um dos dois Estados mais importantes do século XX, juntamente com os Estados Unidos. Todavia, a
União Soviética foi sempre um Estado multiétnico e multinacional, com diferentes etnias e nacionalidades que
sempre se queixavam do domínio russo. A grande herdeira da União Soviética, a Rússia (com 17 075 400 k m e
cerca de 147 milhões de habitantes), também é um imenso Estado multinacional, embora predomine amplamente a etnia russa: em algumas de s u a s regiões ou repúblicas existem etnias ou nacionalidades que querem a
autonomia.
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José William Vesentini O ensino da Geografia e as mudanças