ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA 22) Fármacos antivirais Os vírus consistem em DNA e RNA de filamentos simples ou duplo circundado por um envoltório protéico, denominado capsídeo. Alguns vírus também possuem um envelope lipoprotéico que, da mesma forma que o capsídeo, pode conter proteínas antigênicas. A maioria dos vírus contém ou codifica enzimas essenciais à replicação viral no interior de uma célula hospedeira. Como os vírus não dispõem de maquinaria metabólica própria, usurpam a da célula hospedeira. Os agentes antivirais eficazes devem inibir eventos específicos da replicação do vírus ou inibir preferencialmente a síntese de ácidos nucléicos ou de proteínas dirigidas pelo vírus, e não aquelas dirigidas pela célula hospedeira. Em geral, os vírus de DNA penetram no núcleo da célula hospedeira, onde o DNA viral é transcrito em mRNA pela mRNA polimerase da célula hospedeira; o mRNA é traduzido de forma habitual pela célula hospedeira em proteínas específicas do vírus. Uma exceção a essa estratégia é representada pelo poxvírus, que tem sua própria RNA polimerase e consequentemente replicam-se no citoplasma da célula hospedeira. Os vírus de DNA incluem o poxvírus (varíola), herpesvírus (varicela, zoster, herpes), adenovírus (conjuntivite, faringite), hepadnavírus (hepatite B) e papiloma vírus (verrugas). Quanto aos vírus de RNA, a estratégia de replicação na célula hospedeira depende das enzimas contidas no virion (a partícula viral infecciosa completa) para sintetizar seu mRNA, ou do RNA viral, que ele próprio passa a atuar como mRNA. O mRNA é traduzido em diversas proteínas virais, incluindo a RNA polimerase, que dirige a síntese de mais mRNA viral. Determinados vírus como o influenza, necessitam de transcrição ativa no núcleo da célula hospedeira (é a exceção dos vírus de RNA). Os exemplos dos vírus de RNA incluem o vírus da rubéola (sarampo alemão), os rabdovírus (raiva), os picornavírus (poliomielite, meningite, resfriados), os arenavírus (meningite, febre lassa), os arbovírus (febre amarela, encefalite transmitida por artrópodes, e diversas febres como a febre amarela) os ortomixovírus (influenza) e os paramixovírus (sarampo, caxumba). Os retrovírus possuem uma atividade enzimática de trasncriptase reversa, que produz uma cópia de DNA a partir do modelo de RNA viral. A seguir, a cópia de DNA é integrada no genoma do hospedeiro, quando passa a ser denominada próvírus; é transcrita tanto no RNA genômico quanto no mRNA para tradução em proteínas virais, dando origem à geração de novas partículas virais. O Vírus da AIDS é um exemplo de retrovírus. Com a exposição ao agente, a infecção pode ser facilitada por fadiga excessiva, distúrbios emocionais e alérgicos. A gripe É uma infecção respiratória aguda causada por um virus específico, denominado INFLUENZA, que ocasiona febre, prostação, coriza, tosse, dor de cabeça, dor de ganganta. Existem vários tipos de vírus influenza. Todos apresentam moléculas em sua superfície que reconhecem as células animais para aderi-las, invadi-las e se replicar. As moléculas são duas: hemaglutinina e neuraminidase. São conhecidos atualmente 16 tipos diferentes de hemaglutinina e 9 tipos de neuraminidase. Sendo assim, os diferentes tipos de vírus influenza são clasificados conforme a apresentação das formas de hemaglutinina e neuraminidase (exemplo: H1N1 – gripe espanhola; H5N1 – gripe aviária, H3N2 – gripe clássica, e etc) Mecanismos gerais de ação dos fármacos antivirais Uma vez que os vírus compartilham muitos dos processos metabólicos da célula hospedeira, é difícil encontrar fármacos que sejam seletivos para o patógeno. Todavia, existem enzimas que são específicas do vírus, servindo, assim, de alvos potenciais para fármacos. Os agentes antivirais atualmente disponíveis são, em sua maioria, apenas eficazes enquanto o vírus está se replicando. Nesse sentido, é importante o fato de que os herpesvirus, que são os cuasadores do herpes zoster, herpes genital e a esofagite, possuem a capacidade de se manterem latentes (sem replicação). Em seguida, os vírus podem sofrer reativação muito tempo depois da infecção primária, causando doença. Os fármacos antivirais atuam através dos seguintes mecanismos: a) Inibição da transcrição do genoma viral: - inibidores da DNA polimerase; - inibidores da transcriptase reversa; - inibidores da protease. b) Inibição da penetração na célula do hospedeiro Dentre as doenças mais comuns causadas econtram-se o “resfriado” e a gripe. Apesar da sintomatologia dessas duas doenças serem muito semelhantes, são causadas por tipos diferentes de vírus. Inibidores da DNA polimerase (cidoforvir, penciclovir, foscarnete e aciclovir) O cidofovir inibe a síntese do DNA viral ao retardar e, por fim, interromper o alongamento da cadeia. O cidofovir é metabolizado em sua forma difosfato ativa por enzimas celulares; os níveis de metabólitos fosforilados são semelhantes nas células infectadas e não-infectadas (possui pouca seletividade). O difosfato atua tanto como inibidor competitivo quanto como substrato alternativo para a DNA polimerase do citomegalovírus e do herpesvírus. O Resfriado É uma infecção aguda virótica (os rinovírus são os principais agentes causadores), geralmente sem febre, na qual as principais manifestações clínicas envolvem as vias aéreas superiores, com secreção nasal (coriza) ou obstrução nasal como sintoma predominante. 1 Marcelo A. Cabral ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA O Penciclovir é um inibidor da síntese de DNA viral. Nas células infectadas por herpesvírus ou pelo vírus da varicelazoster, o penciclovir é inicialmente fosforilado pela timidinocinase viral. O trifosfato de penciclovir atua como inibidor competitivo da DNA polimerase viral. Inibidores da transcriptase reversa: A transcriptase reversa é uma enzima viral que polimeriza moléculas de DNA a partir de moléculas de RNA do próprio vírus, exatamente o oposto do que geralmente ocorre normalmente nas células, nas quais é produzido RNA a partir de DNA. Após a entrada do retrovírus na célula hospedeira, a transcriptase reversa utiliza os nucleotídeos presentes no citoplasma para montar uma fita de DNA senso negativo a partir de sua fita de RNA senso positivo, utilizando como primer um tRNA presente no nucleocapsídeo, associado ao genoma. Após a síntese do duplex RNA/DNA, uma ribonuclease (RNAse H) é incumbida de degradar a fita de RNA viral por hidrólise, a partir da extremidade 3', deixando a fita simples de (-) DNA solta no citoplasma. A transcriptase reversa completa essa fita de DNA, tornando-a uma dupla hélice de deoxinucleotídeos. Esta dupla fita de DNA viral, denominada provírus, poderá ser integrada ao DNA da célula hospedeira com auxílio da enzima integrase. Uma vez integrada ao DNA da célula hospedeira, ocorre a transcrição de proteínas virais, necessárias à sua replicação. O Foscarnete inibe a síntese de ácidos nucléicos virais através de sua interação direta com a DNA polimerase do herpesvírus ou transcriptase reversa do HIV. Este fármaco bloqueia reversivelmente o local de ligação do pirofosfato da polimerase viral de forma não competitiva e inibe a clivagem do pirofosfato a partir dos trifosfatos de desoxinucleotídeos. O foscarnet exerce um efeito inibitório aproximadamente 100 vezes maior contra as DNA polimerases dos herpesvírus do que contra a DNA polimerase alfa celular. Além dos fármacos acima citados, existem ainda valaciclovir, fanciclovir, trifluridina, ganciclovir, eribavirina, todos atuam através da inibição da DNA polimerase viral com conseqüente bloqueio da síntese de DNA. Aciclovir Zidovudina O aciclovir possui atividade clínica contra o vírus do herpes simples (HSV – 1-2) e contra o da varicela-zoster. São necessárias três etapas de fosforilação para ativação do aciclovir. Inicialmente, o aciclovir é convertido no derivado monofosfato pela timidina cinase específica do vírus e, a seguir, nos compostos di e trifosfato pelas enzimas celulares do hospedeiro. Devido à necessidade da cinase viral para a sua fosforilação inicial, o aciclovir é seletivamente ativado e só se acumula nas células infectadas (seletividade). O trifosfato de aciclovir inibe a síntese de DNA viral através de dois mecanismos: inibição competitiva do desoxiGTP para a DNA polimerase viral, com ligação ao molde de DNA na forma de complexo irreversível, e interrupção da cadeia após incorporação no DNA viral. Atua como inibidor ativo da transcriptase reversa. É fosforilada por enzimas celulares à forma trifosfato, forma esta que compete pela transcriptase reversa do vírus com trifosfatos celulares equivalentes que constituem substratos essenciais para a formação do DNA pró-viral. Sua incorporação no filamento de DNA viral em crescimento resulta em término da cadeia. A zidovudina é utilizada na prevenção e tratamento da AIDS. Didanosina Na célula do hospedeiro, a didanosina é fosforilada no trifosfato, didesoxiadenosina, a forma que atua como elemento de término da cadeia e inibidor da transcriptase reversa viral. A didanosina é utilizada no tratamento da AIDS. Fig. 01 – Local de ação do aciclovir, vidarabina, foscarnet e ganciclovir. Zalcitabina A zalcitabina é utilizada em associação com a zidovudina na terapia da AIDS. Trata-se de um inibidor da transcriptase reversa, que é ativado na célula T por uma via de fosforilação diferente daquela da zidovudina. Efavirenz É um inibidor da transcriptase reversa não-análogo de nucleosídeo. Teve a sua patente quebrada em maio de 2007, passando a ser importado da Índia e, em seguida, produzido nos laboratórios brasileiros (FIOCRUZ). O fármaco é utilizado como parte da terapia antiretroviral da AIDS. Inibidores dos eventos pós-tradução – inibidores da protease (indinavir, saquinavir) Saquinavir e indinavir Os RNAm do hospedeiro codificam diretamente proteínas funcionais; todavia, no HIV, o RNA é traduzido em uma poliproteína bioquimicamente inerte. Em seguida, uma 2 Marcelo A. Cabral ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA protease específica viral converte a poliproteína em várias proteínas estruturais e funcionais através de clivagem nas posições apropriadas. Como essa protease é viral, trata-se de um bom alvo para intervenção quimioterápica. Os fármacos inibidores de protease (saquinavir e indinavir) e o seu uso em associação com inibidores da transcriptase reversa, transformaram o tratamento da AIDS. para exercer seu efeito terapêutico. A principal característica de seu modo de ação é inibição seletiva de neuraminidases, que são glicoproteínas de liberação dos vírions. O medicamento não impede a contaminação com o vírus e é usado no tratamento da infecção. Fig. 03 – Local de ação da amantadina e osetalmivir Inibidores da penetração na célula do hospedeiro Amantadina A amantadina bloqueia o canal iônico de H+ do vírus (proteína de membrana viral M2), impedindo assim a acidificação do interior do virion e a dissociação da proteína da matriz. Com isso, susta-se o desnudamento do vírus e a sua penetração no núcleo da célula. Esse fármaco apresenta atividade exclusiva contra o vírus da influenza A. Quadro resumo da aplicação clínica dos antivirais. Ribavirina A ribavirina é um nucleosídeo sintético, que consiste de Dribose acoplada a 1,2,4 triazole carboxamida. Esta droga tem um largo espectro de atividade antiviral in vitro contra os vírus do RNA e DNA. A droga é prontamente transportada para dentro das células e então convertida por enzimas celulares a 5-mono-, di-, e derivados de trifosfato, os quais são responsáveis por inibir certas enzimas virais envolvidas na síntese do ácido nucleico viral. A Ribavirina produz seu efeito antiviral principalmente por alterar os agrupamentos de nucleotídeos e formação de RNA mensageiro normal, o qual pode ser responsável por sua eficácia contra os vírus de RNA e DNA. A droga é fosforilada ativamente de modo intracelular em mono-, di-, e trifosfatos. O monofosfato é um inibidor da inosina-monofosfato desidrogenase, que é envolvida na síntese de guanosinamonofosfato. Anti-herpéticos Aciclovir, cidofovir, docosanol, fanciclovir, foscarnet, fomivirsen, ganciclovir, idoxuridina, penciclovir, trifluridina, brivudina, valaciclovir, valganciclovir, vidarabina. Anti-influenza Amantadina, oseltamivir (tamiflu®), rimantadina, zanamivir, peramivir. Anti-hepatite Adefovir, lamivudina, entricitabina Anti-retrovirais Inibidores de proteases Saquinavir, indinavir, atazanavir, ritonavir, nelfinavir, amprenavir, lopinavoir. Inibidores da transcriptase reversa Zidovudina, didanosina, estavudina, zalcitabina, lamivudina, abacavir, neviparina, efavirenz, delavirdina, tenofovir e adefovir. Quimioterapia de combinação no tratamento do HIV Oseltamivir A quimioterapia de combinação (coquetéis) tornou-se o padrão de tratamento para os indivíduos infectados pelo HIV. Os coquetéis são mais eficazes do que os agentes isolados e produzem maiores reduções na carga viral do HIV. Esse esquema de tratamento também diminui o desenvolvimento de resistência, e reduz a toxicidade dos fármacos, pois podem ser administrados em suas doses mais baixas. Entretanto, os fármacos anti HIV só atacam os vírus em replicação e não os vírus latentes, os quai podem permanecer no corpo durante anos. Oseltamivir é um fármaco antiviral seletivo contra o vírus influenza dos tipos A e B, produzido pelos laboratórios Roche sob o nome comercial Tamiflu®. O medicamento feito a partir deste princípio ativo foi o primeiro a ser usado na epidemia de gripe suína, que teve como país de origem o México, em 2009. O oseltamivir é considerado uma pró-droga, ou seja, ela é biotransformada dentro do organismo em outra substância 3 Marcelo A. Cabral ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA Referências Bibliográficas 1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004. 9. UJVARI, Stefan Cunha. Pandemias: a humanidade em risco. São Paulo: Editora Contexto, 2011. 4 Marcelo A. Cabral