Pesquisa sobre extremófilos pode ajudar a entender possibilidade de vida em Marte
Em setembro, cientistas da agência espacial norte-americana (Nasa) anunciaram ter
confirmado a existência de água corrente na superfície de Marte. A descoberta foi possível
graças a imagens produzidas pela sonda Mars Reconnaissance Orbiter, nas quais foi possível
detectar veios de 100 metros de comprimento e 5 de metros de largura, além de sinais de sais
como perclorato de magnésio e de sódio, que têm o poder de manter a água em estado
líquido. A revelação renovou as esperanças de encontrar vida no Planeta Vermelho. Esses
seres vivos, entretanto, provavelmente se enquadrariam entre os chamados micro-organismos
extremófilos, capazes de sobreviver nos ambientes mais hostis. Com três expedições pelo
Programa Antártico Brasileiro e uma participação na Expedição Antártica da Rússia no
currículo, o professor Rubens Duarte, do Departamento de Microbiologia, Imunologia e
Parasitologia da Universidade Federal de Santa Catarina, falará sobre as peculiaridades dessas
formas de vida no XXVIII Congresso Brasileiro de Microbiologia, realizado em Florianópolis
entre 18 e 22 de outubro. Nesta entrevista à Micro in foco, ele falou sobre alguns tópicos que
serão abordados durante a mesa-redonda Extremos da Vida, durante o evento.
Qual o interesse da compreensão dos mecanismos fisiológicos que sustentam a vida nas
condições mais hostis?
Os micro-organismos que vivem em ambientes extremos, chamados de extremófilos, possuem
adaptações no seu metabolismo que os permitem sobreviver a baixas temperaturas, alta
concentração de sais, altas doses de radiação ultravioleta, ambientes muito ácidos e assim por
diante. Essas adaptações fisiológicas podem ser úteis em estudos de ecologia e biogeografia
microbiana (onde e como as populações microbianas estão distribuídas na Terra), bem como
na aplicação biotecnológica desses micro-organismos. Além disso, à medida que conhecemos
mais a respeito dos extremófilos e da sua capacidade de sobreviver em ambientes inóspitos,
estendemos os próprios limites da vida. Isso é importante, por exemplo, para a pesquisa de
vida em planetas fora da Terra – foco de estudo da Astrobiologia.
Num momento em que se detectou a existência de água corrente em Marte, como a
pesquisa de extremófilos pode nos ajudar a entender o tipo de vida que poderia existir no
Planeta Vermelho?
A busca por vida fora da Terra tem como estratégia prioritária a busca por água líquida. Nós
sabemos que a água líquida é um recurso obrigatório para todo e qualquer tipo de ser vivo,
desde uma bactéria até uma planta ou um animal. Marte tem sido foco de muitos estudos em
busca de vida extraterrestre justamente pela proximidade da Terra (os dois planetas tiveram a
mesma origem no passado, e pelo menos aqui houve o surgimento da vida), e também pelo
fato de muitas evidências indicarem que Marte tinha oceanos no passado. Hoje esta água está
congelada, enterrada abaixo do solo marciano e poderia abrigar possíveis micro-organismos. A
descoberta de água líquida na superfície de Marte, ainda que em pouca quantidade, é um
grande achado para essas pesquisas, porque sinaliza que pode haver micro-organismos
marcianos vivos utilizando esta água. O problema é que a água encontrada em Marte é
extremamente salgada, até mais salgada do que a água Mar Morto. E ela tem uma série de sais
de perclorato, bastante tóxico para a maioria dos seres vivos que conhecemos na Terra. Aqui
entram as pesquisas com extremófilos: se nós descobrirmos micro-organismos capazes de
sobreviver nas condições marcianas, podemos chegar mais perto de responder se estamos sós
ou não no universo. A título de exemplo, há trabalhos publicados recentemente (Oren et al.
2014 Extremophiles, v. 18, pág. 75-80) que descobriram micro-organismos do grupo das
Arqueias halofílicas (que vivem em altas concentrações de sais), que conseguem sobreviver na
presença de percloratos tais como os encontrados na água líquida de Marte.
A pesquisa desse tipo de organismo também tem gerado descobertas de grande valor
comercial. O que o senhor destacaria nessa linha?
Esses micro-organismos são bastante explorados quanto ao seu potencial biotecnológico.
Alguns produtos do metabolismo dos extremófilos estão sendo testados como agentes
antitumorais e como tóxicos para parasitas de grande importância médica, como Leishmania e
Tripanossoma. Alguns extremófilos também vêm sendo testados como fontes de antibióticos
diferenciados, agindo com maior eficiência contra micro-organismos patogênicos tropicais que
apresentam resistência crescente contra os antibióticos tradicionais. Por fim, no setor da
indústria, os extremófilos ganham bastante destaque por conter enzimas que funcionam em
temperaturas muito altas ou muito baixas. Em algumas situações, como a produção de
biocombustíveis ou as reações com solventes orgânicos, estas enzimas extremas vêm sendo
patenteadas e comercializadas nos últimos anos.
Quais são hoje, em sua opinião, as principais linhas de pesquisa nos trabalhos sobre
extremófilos?
São basicamente três, que cito em ordem de número de estudos publicados. A primeira é a da
exploração biotecnológica, que estuda o potencial comercial das bactérias e fungos). A
segunda é a linha das ciências básicas, que investiga a ecologia e fisiologia dos extremófilos, de
forma a compreender seu papel na natureza e na ciclagem de nutrientes em ambientes
terrestres e aquáticos. Alguns estudos desta área têm como foco a resposta dos extremófilos
às mudanças climáticas, funcionando como bioindicadores de alterações do clima. Por fim, há
a pesquisa astrobiológica, que utiliza onde os extremófilos como modelos para busca de vida
extraterrestre, inclusive sendo testados em experimentos que simulam a superfície de Marte.
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